cruzadas - cecile morrisson

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • INTRODUO

    O termo cruzada raro e recente: no aparece no latim medieval antes da metade dosculo XIII e seu correspondente rabe (hurub assalibiyya = a guerra pela cruz) data somentede 1850. De fato, aos olhos dos orientais, as cruzadas permaneceram durante muito tempocomo simples guerras iguais a tantas outras iniciadas pelos francos.1 J estes, que eram antesde tudo peregrinos, se consideravam como soldados de Cristo e marcados pelo sinal dacruz (crucesignati, em italiano), sendo a partir desta ltima expresso que se formou, porvolta da metade do sculo XIII, o termo cruzada (tambm do italiano cruciata). Os textosmedievais em geral designam essas expedies como a viagem de Jerusalm ou o caminhodo Santo Sepulcro (iter hierosolymitanum, via Sancti Sepulcri, em latim) e, j no comeo dosculo XIII, quando o movimento se tornou mais regular, sob o nome de passagem (quepodia ser a pequena passagem, a grande passagem ou a passagem geral). Subjacente atodas essas expresses se encontra a idia da peregrinao: Joinville fala sobre aperegrinao da cruz.2 Ainda no sculo XIV, quando o Ocidente renuncia de fato, seno dedireito, reconquista de Jerusalm, as cruzadas so referidas pelo nome de viagem aultramar. Entendemos aqui por cruzada, seguindo a orientao de H. E. Mayer e J. Richard,uma peregrinao de cunho militar decidida por um papa que concede a seus participantesprivilgios temporais e espirituais e lhes determina o objetivo de libertar o Sepulcro deCristo, em Jerusalm.

    neste sentido que o termo foi compreendido pelos autores que escreveram sua histria apartir do sculo XV mas o empregaram principalmente a partir do sculo XVII: em 1611,Bongars3 reuniu os principais textos latinos que se referiam a elas em seu livro Gesta Dei perfrancos, enquanto Maimbourg4 publicava sua Histria geral das cruzadas em 1682; aomesmo tempo, pela metade desse sculo, a edio do Corpus dos historiadores bizantinos(chamada de Bizantina do Louvre) tornou conhecida no Ocidente a obra dos autores gregos dapoca das cruzadas. Esse esforo de publicao nem sempre foi explorado pelos estudiososposteriores de maneira satisfatria. As cruzadas, talvez admiradas demais por Bongars, foramanalisadas com paixo oposta por Th. Fuller (History of the Holy Wars [Histria das guerrassantas], publicada entre 1639 e 1647)5 e por Voltaire, em seu Ensaio sobre os costumes(1756). O termo cruzada tornou-se nessa poca um sinnimo de guerra santa, patrocinadapela Igreja Catlica no importa por que motivo fosse, e, logo a seguir, de manifestao defanatismo. O sculo XIX, com seu interesse renovado pelo Oriente e pelo cristianismomedieval, foi mais favorvel s cruzadas, consideradas novamente em seu sentido estritooriginal. Os primeiros historiadores modernos das cruzadas, que utilizaram ao mesmotempo as fontes latinas, gregas e rabes, foram alemes (Wilken, em 1807, e Sybel, em 1841).Na Frana, a Histria das cruzadas de Michaud (1829), favorvel s aes dos franceses noOriente, foi acompanhada por uma Biblioteca das cruzadas, formada por excertos dascrnicas europias ocidentais, gregas, rabes e turcas e seguida pela publicao, realizadapela Academia Francesa das Inscries, de sua monumental Coletnea das histrias das

  • cruzadas (publicada entre 1841 e 1906). No final do sculo XIX, a Sociedade do Orientelatino publicou numerosos outros materiais em seus Arquivos e, em sua Revista, novaspesquisas crticas realizadas por historiadores alemes e franceses. Com base nessaspesquisas, os estudiosos do sculo XX puderam publicar diversas snteses: a de R. Grousset(1934-1936), muito influenciada por referncias presena francesa na Sria; a de S.Runciman (1951-1954), mais objetiva e de cunho menos europeu; e, finalmente, uma histriade autoria coletiva empreendida pela Universidade da Pensilvnia e publicada entre 1969 e1989, ao mesmo tempo em que A. Dupront analisou, seguindo o modelo de P. Alphandry,todos os componentes religiosos da idia e do mito das cruzadas.

    A maior parte desses estudos confunde a histria das cruzadas com a histria dos pases doOriente latino, as quais, de fato, esto interligadas direta ou indiretamente. Sem ignorar oslaos que as unem, preferimos nos limitar histria das cruzadas propriamente ditas e dospequenos pases criados pelos cruzados na Sria e na Palestina, que acabaram por se tornar oseu objetivo essencial. Foram esses que o cardeal de stia, por volta de 1260, denominou deCruzada do Ultramar (transmarina) que, segundo ele, tinha a mesma natureza que a CruzadaCismarina, dirigida contra os inimigos da Igreja na Europa. Lembramos aqui esses desviospara outros objetivos que no a Terra Santa principalmente pela oposio que elesprovocaram. Contudo, o aspecto europeu, antigamente negligenciado, modernamentereivindicado pelos defensores anglo-saxes de uma concepo pluralista das cruzadas (J.Riley-Smith, E. Siberry, N. Housley), para os quais, alm disso, elas no se limitaram aoperodo tradicional, e sim se prolongaram at o sculo XVIII.

    1. Nome pelo qual eram referidos todos os europeus ocidentais. (N.T.)2. Jean de Joinville (1224-1317), cronista e historiador francs. (N.T.)3. Jacques de Bongars (1554-1612), diplomata e historiador francs. (N.T.)4. Pierre-Louis de Maimbourg (1610-1686), padre jesuta e historiador francs. (N.T.)5. Thomas Fuller (1608-1681), telogo anglicano e historiador ingls. (N.T.)

  • CAPTULO IAS ORIGENS DAS CRUZADAS

    O entusiasmo coletivo provocado pela pregao da Primeira Cruzada surpreendeu atmesmo seu iniciador, o papa Urbano II, e ainda hoje continua a causar espanto. Durante osltimos trinta anos, numerosas pesquisas dedicadas questo da origem das cruzadasdesvendaram seus elementos essenciais, salientando muitas vezes o objetivo principal de cadapesquisa com excluso dos outros. Podemos, de forma plenamente justificada, salientar ascondies sociais e econmicas do final do sculo XI: alto crescimento demogrfico, falta deterras cultivveis, crescimento da economia monetria e das trocas comerciais, incio daexpanso italiana pelo Mediterrneo. Em parte, elas explicam e, por outro lado, tornampossvel o movimento que impulsiona para o Oriente alguns ocidentais (nobres relativamentedesprovidos de terras e multides de pobres em busca de melhores condies materiais eespirituais). Embora nem de longe neguemos a existncia dessas condies, no pretendemostratar delas aqui. Preferimos salientar o valor dos fatores especficos que explicam por queesse entusiasmo pelo Oriente assumiu o formato das cruzadas. Inicialmente, as causasafastadas: as constantes peregrinaes individuais a Jerusalm e, igualmente, a doutrina e aprtica da justia das guerras contra os sarracenos. A idia de cruzada nasceu do encontrodessas duas tradies. Mas, para de fato provoc-la, era preciso algum tipo de catalisador:uma causa prxima ou um pretexto, e esta foi a idia, amparada em uma profunda ignornciado Oriente, de levar socorro aos cristos orientais que estavam sendo oprimidos pelos turcos,segundo se acreditava.

    I. As causas afastadas1. As peregrinaes a Jerusalm Durante muito tempo a figura do cruzado foi referida

    nos textos medievais como a de um peregrino (peregrinus), algum que realizava uma viagem cidade santa de Jerusalm. A peregrinao aos lugares santos foi, portanto, um doselementos primordiais das cruzadas e as definiu quase inteiramente. A Jerusalm terrestre, amontanha santa, a cidade de Deus, colocada no meio das naes (Ezequiel, 2:2), a medos povos (Salmo 87:5) permaneceu para os cristos como o centro do mundo espiritual.Esse lugar se tornou ainda mais santo porque a essa tradio hebraica se acrescentou o desejode buscar, como escreveu Orgenes, os vestgios de Cristo: a gruta da Natividade, oCalvrio e o Santo Sepulcro foram redescobertos na poca do imperador Constantino, e sobreesses lugares foram edificadas baslicas, ao mesmo tempo em que a Verdadeira Cruz, arelquia mais preciosa de todas, se tornou o objeto de um culto particular. Todavia, aperegrinao no era uma obrigao religiosa: So Jernimo a considerava como um ato def, mas reconhecia que no era indispensvel; segundo a maneira de pensar de SantoAgostinho, era at mesmo nociva, e a moda que impulsionou algumas damas da corte imperiala passarem uma espcie de frias na Terra Santa foi objeto das crticas mordazes dos padresgregos. Mas a corrente que levava os fiis Palestina no foi em absoluto afetada por essasopinies. Nem o fim do mundo romano e a insegurana que da surgiu e nem sequer aconquista rabe conseguiram interromper esse movimento; ele persistiu, ainda que atenuado,

  • durante os sculos VII e VIII. As dificuldades sofridas durante a viagem a partir de entopareceram at mesmo fazer parte e reforar a espiritualidade das peregrinaes. Depois de sedesfazer de seus bens materiais, o fiel estava preparado para o sofrimento e at para a morte,em uma misso que os hagigrafos freqentemente identificavam como a marcha dos hebreuspara a Terra Prometida ou, mais ainda, como uma participao na Paixo de Cristo. A partirdo sculo VII, a peregrinao figura entre as penitncias cannicas, e os manuais de penitnciada igreja irlandesa contriburam para difundir o ritual sobre o continente, que os missionriosceltas novamente buscavam evangelizar. Devido a uma confuso compreensvel, apesar decondenaes oficiais (Conclio de Chlons, em 813), firmou-se a crena de que aperegrinao lavava os pecados. O primeiro dos peregrinos penitentes conhecido foiFromond, um nobre francs que realizou a peregrinao durante a metade do sculo IX. Foiseguido por muitos outros, dos quais os mais clebres, Roberto, o Diabo, duque daNormandia, e Foulque Nerra, conde de Anjou, fizeram diversas vezes a viagem at a TerraSanta como expiao por seus graves pecados. De fato, durante o sculo XI, a peregrinao jestava sendo imposta como penitncia aos nobres mais desordeiros que quebravam a paz quea Igreja se esforava por instaurar no seio da cristandade latina.

    A partir do final do sculo X, a instaurao da paz no mar Mediterrneo favoreceu omovimento dos peregrinos, que aumentava sem cessar. O final da pirataria muulmana naProvena (972) e em Creta (961), o controle do Mediterrneo oriental pela marinha bizantina,a cristianizao da Hungria e a expanso da autoridade bizantina, que passou a abranger desdea Bulgria at a Sria setentrional, tornaram menos perigosas tanto as rotas martimas comoterrestres em direo Terra Santa, nas quais os sultes da dinastia fatmida davam toda aliberdade aos peregrinos desde que pagassem um pedgio. A perseguio dirigida tambmcontra os judeus ordenada pelo califa Al-Hakim e que culminou com a destruio dabaslica do Santo Sepulcro (1009) foi apenas um episdio excepcional, logo seguido por umacordo entre os fatmidas e o governo de Bizncio, que permitiu a restaurao do santurio. Acristandade se revoltou por algum tempo, mas sua nica reao efetiva foi a conversoforada ou o massacre de algumas comunidades judaicas estabelecidas na Europa, que foramresponsabilizadas pelos funestos acontecimentos.

    No comeo do sculo XI, as condies materiais da Jerusalm terrestre no eram de grandeimportncia: para muitos peregrinos, ela era apenas uma imagem imperfeita da Jerusalmceleste, ainda que fosse um lugar em que se buscava a morte a fim de ingressar imediatamentena beatitude da cidade que espelhava, como fez um certo Libaut dAutun, cuja prece foiatendida. Por volta de 1033, com a aproximao do milenrio da morte de Cristo, umamultido inumervel convergiu do mundo inteiro para o sepulcro do Salvador em Jerusalm.Inicialmente, foi gente pobre das classes inferiores, depois pessoas de condies medianas e,finalmente, todos os grandes, reis, condes, marqueses, prelados [...] grande nmero demulheres, as mais nobres junto com as mais pobres. [...] A maioria compartilhava o desejo demorrer em algum ponto dos santos lugares em vez de retornar para seus prprios pases(Raoul Glaber).

    A numerosa fundao de monastrios em Jerusalm durante o sculo XI materializa odesejo de encerrar na Cidade Santa uma vida regenerada.

  • A tranqilidade que se estabeleceu aps a passagem do milnio no suspendeu o afluxo deperegrinos ao Oriente; ao contrrio, o movimento se organizou: ao longo das rotas e naprpria Jerusalm se multiplicaram os albergues, muitas vezes criados e mantidos por mongesoriginados da Abadia de Cluny. Os grandes personagens viajavam com um sqito armado eeram muitas vezes seguidos por uma multido de peregrinos que aproveitavam a proteooferecida por essa escolta; estes grupos formavam, em alguns ocasies, verdadeirasexpedies com organizao hierrquica. Robert da Normandia levava consigo muitascentenas de pessoas, e o bispo alemo Gnther von Bamberg, em 1064, provavelmente tenhalevado muitos milhares. A peregrinao individual, realizada sem armas e com despojamentoespiritual e material, havia se transformado em um esforo coletivo, acompanhado por umademonstrao de fora, qui de luxo. A passagem para o Oriente, muitas vezes realizada pormeio de Constantinopla, provocou efetivamente, atravs da contemplao da riqueza bizantina,o desejo ingnuo de rivalizar com ela ou, caso isso fosse impossvel, afirmar superioridademediante uma demonstrao de coragem. Se os pobres continuavam a realizar suaperegrinao com um ascetismo imposto por sua condio social, que de fato no era de suaescolha, mas se tornava transfigurada pelo mrito do empreendimento, os guerreiros viam nelamais uma aventura do que um exerccio de religio.6 Mas a riqueza dos grupos de peregrinoscada vez mais numerosos provocou a cobia, e os cristos como naquela expedio dealemes perto de Ramal, no ano de 1065 foram obrigados algumas vezes a realmenteempregar suas armas em combate com bem menos m vontade do que do a entender oscronistas eclesisticos. Em pouco tempo, o emprego das armas passou at mesmo a serabenoado pela Igreja.

    2. A legitimidade da guerra contra os infiis De fato, em oposio direta tradio

    crist primitiva, que condenava o uso das armas, com base em duas citaes do NovoTestamento, uma do evangelho segundo So Mateus, captulo 26, versculo 52 (Quem viverpela espada, pela espada perecer) e a outra da Segunda Epstola de So Paulo aosCorntios, captulo 10, versculo 4 (As armas de nosso combate no so materiais), a igrejado Ocidente formulou, j desde o sculo IV, uma teoria da guerra justa: Santo Agostinho,que inicialmente fora fiel ao pensamento paulino, viu-se forado a admitir a necessidade daguerra contra os herticos que as armas espirituais no pudessem convencer, do mesmo modoque reconheceu a legitimidade da guerra defensiva. Com a promessa de recompensas celestesaos combatentes, foi fcil passar da noo de guerra justa para a de guerra santa. No sculoIX, quando Roma se achava exposta s incurses hngaras, normandas e sarracenas, os papasse esforaram para criar uma milcia de Cristo para a defesa da ptria crist, e Joo VIIIgarantiu aos bispos francos que aqueles que combaterem valentemente contra os pagos e osinfiis, se perecerem dentro da piedade da f catlica, entraro diretamente no repouso davida eterna (878 d.C.).

    No final dos sculos X e XI, a Igreja se esforou para cristianizar os costumes dasociedade militar, propondo aos cavaleiros o ideal de proteger os fracos e oprimidos e dedefender a paz atravs da luta contra os salteadores. A Trgua de Deus e os movimentos pelapaz destinados a fazer respeitar esse ideal iniciaram e, por um certo tempo, se limitaram ao

  • sudoeste da Frana. O Conclio de Narbonne (1054) decretou que aquele que mata umcristo, derrama o sangue de Cristo. Sob a gide do papado, se organizou uma ao armadaao servio da Igreja; em terras crists, sua funo era manter a ordem e estabelecer a justia;nas fronteiras, se destinava a combater os sarracenos. Em 1063, Alexandre II declarou comosendo justa a luta contra aqueles que perseguem os cristos e os expulsam de suas cidades e,mais ainda, concede o perdo dos pecados aos combatentes em tais empresas. Os cavaleirosfranceses (na sua maioria borguinhes), atrados assim ajuda de Arago, no obtiveramsucessos duradouros, e a Reconquista , acima de tudo, o resultado dos esforos do reino deCastela obtidos com suas prprias foras. Mas as conseqncias dessas expediesultrapassam o domnio espanhol: a Igreja adquiriu o hbito de encorajar as guerras contra osmuulmanos e de atrair os franceses para esses combates por meio do desenvolvimento daperegrinao para o santurio de Compostela. Tais expedies prepararam, portanto, at certoponto, a resposta dos nobres ao apelo de Clermont.

    Por outro lado, em troca de seu apoio Igreja, os soberanos desses reinos fronteiriosreceberam o ttulo papal de Fiis de So Pedro, entre eles o rei de Arago e o condenormando Rogrio da Siclia, em 1063. Deste modo, a guerra santa pde parecer oinstrumento mais til de uma poltica que forneceria ao papado vassalos e protetores em lutacontra o Imprio.7 Herdeiro dessa poltica, Urbano II talvez tenha pensado embora noexistam provas concretas nesse sentido que poderia criar da mesma forma no Oriente umnovo estado cristo que lhe seria diretamente submisso.

    3. A imagem do Oriente de acordo com a mentalidade europia no final do sculo XI

    Os projetos do papa Urbano II, fossem eles declarados ou inconfessos, se explicam pelo seudesconhecimento do Oriente. Nesse ponto, ele apenas partilhava da ignorncia da sociedadeeuropia de seu tempo com relao tanto a Bizncio como ao mundo muulmano. Um largofosso separava a civilizao bizantina do sculo XI e a cultura filosfica de um Psellos, porexemplo, dos conhecimentos de um Gerbert dAurillac, que abrangiam somente algunsfragmentos de Aristteles. Muito raros eram aqueles que conheciam um pouco de grego nessapoca, mesmo os mais eruditos. Aos olhos dos ocidentais, a cincia bizantina era uma farsa, ea repugnncia pela guerra manifestada por um povo rico e relativamente desenvolvido eraconfundida com fraqueza pelos que se dedicavam ao ofcio das armas. Seguros de sua foraem conseqncia dos primeiros sucessos obtidos contra os bizantinos na Itlia meridional, osnormandos contriburam para expandir a imagem dos gregos ardilosos, mas sobretudo ricos emandries. Foi desse modo que se comearam a gravar na mentalidade ocidental, a partir deento, as imagens da seduo das riquezas e da fraqueza militar de Bizncio, o que explicariaem parte a atitude ulterior dos cruzados com relao ao Imprio.

    A cristandade ocidental se mostrava ainda mais ignorante com relao ao Orientemuulmano: os itinerrios, ou seja, os relatos escritos pelos peregrinos, no se podiamcomparar com as obras dos gegrafos muulmanos e se detinham mais em estabelecercomparaes com lembranas referentes s Escrituras do que no estado presente das terrasvisitadas. Ao mesmo tempo, os autores eclesisticos se interessavam mais pelo lugar dossarracenos dentro da histria bblica e sua filiao a partir de Ismael do que por seu

  • enfrentamento real e material com os cristos. Na Espanha muulmana, como reao contra aseduo exercida pela cultura rabe e pela religio dos vencedores, certos cristos do sculoIX descreviam Maom como um falso profeta dedicado aos prazeres carnais. Elesinterpretavam o islamismo em termos apocalpticos e viam em seu reino e sua vitria sobre osgregos ou os francos um castigo divino e um sinal do fim dos tempos. Na Frana setentrional,mais afastada do mundo muulmano, os sarracenos no entram to diretamente no pensamentoescatolgico; certo que Paschase Radbert (falecido por volta de 865) os cita em seucomentrio sobre o captulo 24 do evangelho segundo So Mateus como gente belicosa quesubmeteu pela fora muitas regies anteriormente crists e que tm como objetivo adominao do mundo inteiro. Ele no os distinguia absolutamente dos pagos que ignoravamtotalmente o evangelho, mas tampouco os considerava a todos como os precursores doanticristo. A exemplo de So Joo Damasceno, consciente de uma certa comunidade depensamento, ele os considera mais como hereges. Mas A cano de Rolando apresenta osinfiis como verdadeiros pagos, adoradores de falsos deuses (Maom, Apolo e Tervagante)e de suas imagens de escultura. Esses esteretipos foram amplamente difundidos na poca daPrimeira Cruzada, em que os cronistas descreviam, alm disso, uma esttua do anticristoMaom, que estaria entronizada no Templo de Jerusalm (confundido com a Mesquita de al-Aqsa, que fora construda havia pouco no mesmo local). Assim, as cruzadas favoreceram apassagem da ignorncia para a deformao caricatural.

    II. As causas prximas1. Bizncio na origem das cruzadas um mal-entendido s vsperas da primeira das

    cruzadas, os ocidentais no eram desconhecidos em Bizncio: sem se preocuparem nem umpouco com as distines tnicas desse conjunto de brbaros, os autores gregos osdesignavam pelo nome genrico de francos ou mesmo, levados pelo desejo de evitararcasmos, os chamavam de celtas um nome que abrangia bem melhor tanto os francesescomo os normandos. Estes ltimos, no decorrer do sculo XI, passaram a encarnar quaseexclusivamente a realidade humana do Ocidente latino para os bizantinos.

    Figura 1 Oriente Prximo e sia Central na poca das cruzadas

  • Na verdade, os peregrinos de todas as origens que se dirigiam a Jerusalm no se

    demoravam por muito tempo em Constantinopla; os mercadores italianos (venezianos ouamalfitanos) constituam na poca somente uma colnia reduzida, cujas atividades pacficasno provocavam ainda qualquer hostilidade generalizada, apesar dos privilgios comerciaisconcedidos a Veneza pela chamada crisobula imperial de 1082. So apenas os normandosque ocupam um lugar de destaque na conscincia histrica bizantina devido sua condioambgua de inimigos ou mercenrios. O primeiro grupo de normandos que penetrou na Itliado Sul no comeo do sculo XI se dirigia em peregrinao baslica de So Miguel no monteGargano. Contratados pelos prncipes lombardos e depois por um general bizantino, essesmercenrios logo desenvolveram suas prprias polticas em favor de seus interesses. A partirda tomada de Bari (1071), toda a Itlia meridional passou a lhes pertencer. Os bizantinosexpulsos buscaram ento a ajuda de seus antigos inimigos. O tratado de aliana concludo em1074 com Robert Guiscard no visava apenas a descartar a ameaa de um possvel ataque,mas tambm a comprar, em troca da outorga de dignidades e recompensas financeiras, oseventuais servios dos soldados normandos. Alis, eram servios apreciados havia bastantetempo porque, desde a metade do sculo, os contingentes normandos que formavam uma tropade elite no exrcito bizantino eram empregados na Armnia em defesa da fronteira contra asincurses dos turcos seljcidas. A reputao desses cavaleiros pesadamente armados, oschamados homens de ferro, grande: sua coragem e sua coeso durante os ataques lhesconferem at mesmo a fama de serem invencveis. Mas tambm so caracterizados pelaindisciplina, pelo esprito do lucro em outras palavras, por se revoltarem quando ossoldos se atrasavam e pelo gosto da aventura: mais cedo ou mais tarde, cada um doscomandantes normandos das tropas mercenrias acabou por se revoltar. Essa cupidez, bemexplicvel da parte de soldados vindos do Ocidente menos desenvolvido, utilizada emproveito prprio pelo imperador bizantino por ocasio do ataque normando, dirigido dessavez contra a prpria Grcia, de 1081 a 1085. No momento em que Guiscard forado aretornar Itlia para combater uma revolta fomentada por instigao do imperador, a maiorparte dos tenentes de seu filho Bohmond, que permanecera na Grcia no comando da tropa,se tornam trnsfugas, isto , passam para o campo bizantino contrrio, atrados pela promessade soldos elevados. A partir da metade do sculo XI, o Imprio bizantino j havia, portanto,adquirido experincia no recrutamento de mercenrios ocidentais.

    Para resistir s ameaas exteriores ou interiores penetrao dos turcos seljcidas na siaMenor a partir de 1067, revoltas dos srvios e dos croatas, incurses das tribos dospetchenegos ou dos cumanos na margem ocidental do Danbio o Imprio Bizantino tinhanecessidade de assegurar uma fonte regular de recrutamento dessas tropas de elite. A nicaforma seria apelar para as potncias ocidentais; por volta de 1090, o conde de Flandres,Robert le Frison, retornando de sua peregrinao a Jerusalm pela via terrestre que passavapor Constantinopla, prometeu a Alxis I o envio de quinhentos cavaleiros, que efetivamentecolaboraram na luta contra os turcos e depois contra os petchenegos. Alm disso, a partir doreino de Miguel VII Dukas (1071-1078) surgiu a idia, segundo parece, de se solicitar ao papareinante que incitasse os cavaleiros ocidentais a se engajarem a servio do Imprio bizantino.

  • Aps uma troca de embaixadas entre o papa e Miguel VII, no ano de 1074, Gregrio VIIdirigiu a alguns dos fiis de So Pedro um apelo para se lanarem em socorro do ImprioCristo, afirmando que os pagos devastaram o pas quase at Constantinopla emassacraram milhares de cristos como ovelhas. O pedido de socorro foi escutado, porm,mal interpretado, provocou uma resposta desproporcionada. Gregrio VII projetou,efetivamente, uma expedio em socorro dos cristos do Oriente, cuja chefia seria assumidapor ele prprio, confiando a defesa dos interesses da Igreja ao imperador [do Sacro ImprioRomano-Germnico], mas cujo objetivo ou recompensa seria o controle do tmulo de Cristo.Mas surgiu uma disputa com o Imprio Bizantino que conduziu ao abandono do projeto emesmo inverso da poltica pontifcia em favor dos normandos, cuja interveno na Grciafoi aprovada pelo mesmo Gregrio VII. As negociaes s foram retomadas em 1089, entre opapa Urbano II e o imperador Alxis I Comneno, cada um dos quais buscava garantir o apoiodo outro o primeiro contra o imperador Henrique IV8 e o segundo contra os normandos. Nosanos que se seguiram, o papa conseguiu afirmar o seu poder temporal, retornou a Roma econvocou um conclio em Placncia (Piacenza, Itlia, no ano de 1095), durante o qual umaembaixada bizantina veio requerer a ajuda de guerreiros ocidentais para a defesa da Igreja doOriente. Durante um sermo, o papa se comprometeu seriamente a prestar essa ajuda echegou mesmo a prometer mediante juramento que eles [...] levariam socorro ao imperadorbizantino contra os pagos.

    claro que Bizncio no apelou para a organizao de nenhuma cruzada; a luta contra osrabes e depois contra os turcos se limitava defesa do imprio, sem que fosse qualquer tipode guerra santa. Mas essas solicitaes de mercenrios contriburam para desenvolver namente dos papas reformadores a idia de uma expedio para o Oriente. De fato, as conquistasdos turcos seljcidas no foram a causa das cruzadas: os cristos da Sria no estavamsolicitando sua libertao; os peregrinos ocidentais no estavam sofrendo quaisquer maustratos nas mos dos turcos na Palestina e evitavam as dificuldades da sia Menor viajandopor mar. A responsabilidade bizantina se encontra, assim, na apresentao dos argumentos quedesenvolveu em apoio de suas solicitaes de mercenrios: ela evocava a solidariedade entreos cristos e descrevia com um certo grau de exagero retrico as dificuldades reais por quepassavam os que permaneciam fiis ao Cristianismo na sia Menor ou mesmo as supostasperseguies que estavam sendo realizadas na Terra Santa, cuja importncia para os latinosera bem conhecida pelos gregos. Atravs do Ocidente mal informado, os temas desenvolvidospelas embaixadas bizantinas e as notcias difundidas por alguns peregrinos que haviampassado por dificuldades formaram os principais argumentos que provocaram a instaurao daPrimeira Cruzada.

    2. O apelo de Urbano II no conclio de Clermont e a pregao da Primeira Cruzada

    Cerca de seis meses aps o conclio de Placncia, o papa Urbano II, que se encontrava naFrana desde o vero de 1095, convocou um novo conclio para Clermont, do qual deveriamparticipar todos os bispos franceses e que se destinava, como o precedente, a trataressencialmente de problemas de disciplina eclesistica. Os cnones, adotados entre 18 e 26de novembro de 1095, se referiam investidura dos clrigos por leigos, simonia e

  • retomada, com maior preciso, dos decretos conciliares anteriores. Dois cnones somente sereferiam direta ou indiretamente s cruzadas: o primeiro estendia o mbito da Paz de Deus,at ento imposto somente em carter regional, totalidade dos territrios controlados pelaIgreja; o segundo prometia indulgncia plena isto , a iseno da penitncia impostaanteriormente para a concesso do perdo dos pecados e no a remisso pura e simples destes a todos aqueles que partissem para lutar pela libertao da Igreja de Deus em Jerusalm. Noencerramento do conclio, esperava-se que Urbano II fizesse um sermo na presena de umamultido de eclesisticos e de leigos reunidos em um campo situado nos arredores da cidade.A repercusso ulterior desse sermo e do apelo que nele foi feito e o sucesso da PrimeiraCruzada influenciaram os relatos em graus diversos, mas os principais temas do discurso deUrbano II s podem ser identificados nos relatos mais imediatos os de Foucher de Chrtres eo do Annimo da Primeira Cruzada. Depois de ter descrito os sofrimentos por que passavamos cristos do Oriente, o papa exortou os cristos do Ocidente a que cessassem suas guerrasfratricidas, esquecessem seus dios e se unissem para combater os pagos e libertar seusirmos do Oriente. Sem esconder os desconfortos que encontrariam os peregrinos em suaestrada, o papa apelou para a renncia e o sacrifcio, empregando as palavras do evangelhosegundo So Mateus (16:24): Quem quiser vir aps mim, negue-se a si mesmo, tome a suacruz e siga-me. Perante tal apelo, a multido entusiasmada, gritando Deus o quer (Deusvult!), decidiu-se, na mesma hora, de acordo com o bispo de Puy-en-Velay, Adhmar deMonteil, nomeado legado papal e chefe da expedio, a tomar sua cruz e fazer o voto departir para Jerusalm. Como smbolo do voto que haviam feito, os primeiros voluntriosmandaram costurar nas costas de suas vestes uma cruz de pano, o que fez com que fossemdenominados os cruce signati.9

    A cruz no era somente o smbolo da renncia, mas tambm o sinal de que se pertencia auma nova comunidade de peregrinos armados e dotados de certos privilgios.10 Urbano IIpretendia favorecer assim a partida de cavaleiros que formariam uma expedio organizada eeficiente e se esforou para limitar os efeitos de um entusiasmo irrefletido: os padres nopodiam partir sem o consentimento de seu superior eclesistico, nem os fiis sem seaconselharem primeiro com um clrigo, nem um recm-casado sem o assentimento de suaesposa; todavia, a partir do momento em que fora pronunciado, o voto se tornava irremissvele quem no o cumprisse seria excomungado. A partir de 1 de dezembro, a cruzada j contavacom a participao garantida de Raymond de Saint-Gilles, conde de Toulouse e da Provena,provavelmente j informado sobre o projeto antes mesmo de sua proclamao no conclio.Urbano II permaneceu ainda por oito meses na Frana e pregou a cruzada em Limoges, emAngers, na Aquitnia e no Languedoc. Escreveu cartas aos flamengos, mandou RobertdArbrissel pregar ao longo do vale do rio Loire e enviou outros padres para a Normandia,Inglaterra e Gnova. Seu apelo se dirigia principalmente classe social a que foi inicialmenteproclamado os nobres franceses do sul do Loire mas no vero de 1096, data fixada para apartida, os contingentes reunidos tinham ultrapassado em muito o mbito propostoinicialmente: aos provenais se haviam reunido Godofredo de Bulhes, o duque da Baixa-Lotarngia (Lorena) e seu irmo Balduno de Boulogne; Hughes de Vermandois, irmo do reida Frana, Felipe I, com cavaleiros franceses e da Champanha, alm do grupo conduzido por

  • Roberto da Normandia e por tienne de Blois. Ao escutar as novas sobre a partida de todaessa gente para o Oriente, Bohmond, o filho de Guiscard, decidiu tambm se tornar cruzado eatravessou o mar Adritico frente de um pequeno exrcito.

    O sucesso, portanto, aparenta ter ultrapassado de longe as expectativas do papa e parecedifcil de explicar. A evoluo das condies materiais e do ideal cavalheiresco no decorrerdo sculo XI devem ter servido para aumentar a repercusso do apelo de Urbano II por teremcontribudo para criar um certo estado de disponibilidade. A partida para o Oriente, primeirocomo mercenrios e agora como cruzados, era um dos meios de que dispunham os nobres dese livrar das restries causadas por sua linhagem, em um tempo no qual o movimento pelapaz favorecido pela Igreja e o estreitamento dos laos de vassalagem limitavam as ocasiesde buscar fortuna atravs de aventuras. Por outro lado, o cavaleiro (em sua condioprimordial de miles [guerreiro] agora transformado em miles Christi [soldado de Cristo]cumpria assim, a servio de Cristo e da Igreja, o seu dever de vassalagem. A cruzadarealizava ento a fuso do esprito feudal com os preceitos cristos. Nas verses mais tardiasdo discurso de Clermont, ou nas excitatoria, as cartas enviadas a locais mais longnquos,percebem-se os temas que dominavam as conscincias dos cavaleiros cristos: a eleio dosfrancos11 e a evocao de Jerusalm e da Terra Prometida onde mana leite e mel. Oscruzados deixavam o espao estreito e pobre do Ocidente na certeza de uma recompensa queos tornaria os herdeiros de Cristo (Colossenses, 3:24). A retribuio celeste no exclua,entretanto, as vantagens materiais.

    O apelo de Clermont recebeu tambm uma grande difuso entre as camadas populares. Onome de Pedro, o Eremita permaneceu ligado a essa pregao das cruzadas entre as multides;mas ele no o nico destes profetas que, por toda parte, chefiavam bandos de peregrinospartindo para Jerusalm sem esperar a data oficial. Ao lado da cruzada dos Bares,hierarquizada e estruturada, que tambm inclua numerosos no-combatentes, surgiu umaespcie de cruzada selvagem. O tempo era propcio a tal xodo porque, j havia cerca dedez anos, uma srie de calamidades naturais, fomes e epidemias havia atingido as regiesrenanas e o norte da Frana. A efervescncia popular, o entusiasmo contagioso dos leigos, queexortavam uns aos outros a ir para Jerusalm, eram acompanhados de sinais e pressgios.12Muitos dos viandantes, assustados por essas imagens do Apocalipse (9:1-12), partiam sem amenor idia de retornar, vendiam os poucos bens que tinham mesmo ao preo mais baixo ecarregavam suas mulheres e filhos em carros-de-boi.

    Os bandos partiram do norte da Frana e da Rennia a partir de abril de 1096, comandadosprimeiro por Gautier-Sans-Avoir e depois por Pedro, o Eremita e chegaram alguns mesesmais tarde em Constantinopla sem sofrer graves incidentes, especialmente no caso dosprimeiros. As violncias mais graves foram executadas por grupos germnicos que, logo apsa partida, se encarniaram contra as comunidades judaicas da Rennia querendo converter osjudeus fora ou os massacrando, apesar da oposio de certos bispos, particularmente emSpeyer, Worms, Mainz e Colnia. De fato, em conseqncia das depredaes que continuaramrealizando durante o caminho, a maior parte desses grupos de desordeiros nem sequer chegoua Bizncio, mas foi aniquilada ou dispersada pelas tropas regulares hngaras. Misturandotemas apocalpticos e escatolgicos, especialmente o da converso dos judeus que anunciaria

  • o fim dos tempos, a pregao das cruzadas contribuiu para desencadear, sem que issonecessariamente tivesse sido desejado, um incndio de anti-semitismo oficialmente reprovadopela Igreja. Foi a partir dessa poca que a opinio do povo comum europeu comeou aconsiderar os judeus como inimigos de Cristo e blasfemadores da Cruz. As cruzadas marcamo incio da degradao da situao jurdica e prtica dos judeus do Ocidente, que at essapoca eram tolerados e relativamente integrados na populao em geral.

    6. Os soldados escandinavos, que comearam a partir para o Oriente aps o final do sculo X, pensavam em juntar inicialmenteum peclio ao servio dos prncipes de Kiev e dos imperadores de Bizncio antes de empreender a peregrinao a Jerusalm,que era a etapa final, mas no o nico objetivo de sua viagem. (N.A.)7. O Imprio Romano do Oriente, ou Imprio Bizantino, cujos soberanos no somente eram partidrios da Igreja Ortodoxa,como no queriam se submeter autoridade temporal do papado e estavam em constante atrito e rivalidade com a polticaespiritual e material dos papas. (N.T.)8. Do Sacro Imprio Romano-Germnico, basicamente centralizado na ustria, que aceitava a orientao religiosa, masrecusava a submeter-se ao domnio temporal do papa, o que ocasionava querelas e atritos constantes. (N.T.)9. Assinalados pela cruz, em latim no original. (N.T.)10. Veja adiante, no Captulo IV. (N.A.)11. Como os defensores escolhidos da Igreja. (N.T.)12. Veja adiante, no Captulo V. (N.A.)

  • CAPTULO IIDA PRIMEIRA TERCEIRA CRUZADA:

    I. A Primeira Cruzada e Alxis I ComnenoFormada por contingentes feudais sobrecarregados por no-combatentes marchando

    isoladamente, a cruzada no correspondia em absoluto vontade do papa, que havia desejadouma expedio unificada, dirigida espiritualmente por seu legado religioso e secularmente porum comandante militar leigo. Ela correspondia ainda menos aos desejos do imperadorbizantino, que havia triunfado sobre os invasores petchenegos ao norte, derrotara Tzachas, oemir de Esmirna, e estabelecera por meios diplomticos um relacionamento pacfico com osulto dos turcos seljcidas de Rum, Kilidj-Arslan, que estabelecera sua capital em Nicia. Achegada da cruzada apresentava ao Imprio graves problemas de abastecimento e devigilncia. Anna Comneno escrevendo cerca de vinte anos aps os acontecimentos, masrelatando, sem a menor dvida, os pensamentos de seu pai, o imperador Alxis I nocolocava em questo a sinceridade dos peregrinos pobres, mas suspeitava que os barestinham intenes bem menos pacficas. De fato, como poderiam no sentir receio ao veremreaparecer seu antigo adversrio Bohmond, mesmo depois de quinze anos e usando a tnicade um cruzado, j que o haviam conhecido anteriormente como invasor? Todavia, Alxis I,informado de antemo, havia mandado preparar depsitos de provises e garantiu aoscruzados que lhes facilitaria a passagem atravs de seus territrios, sob a condio de querespeitassem seus compromissos de um trnsito pacfico.

    Os primeiros incidentes ocorreram por causa da cruzada popular, muitas vezes incapazde comprar seus mantimentos e inclinada pilhagem at mesmo nos arredores deConstantinopla. Segundo relata Anna Comneno, os bandos comandados por Walter Sem Terrae Pedro, o Eremita exigiram, em agosto de 1096, que lhes dessem transporte para a costaasitica. To logo cruzaram os estreitos, comearam a assaltar as aldeias crists, iniciaramincurses sobre os territrios pertencentes aos turcos e acabarem sendo, em grande parte,massacrados por eles (outubro de 1096), embora os sobreviventes fossem reconduzidos aConstantinopla por embarcaes bizantinas. Justamente nessa poca, as primeiras tropasregulares estavam chegando capital sem encontrar grandes dificuldades, mesmo porque erampouco numerosas. Os incidentes comearam a surgir com a chegada de tropas maisimportantes e ocorreram entre os soldados de Raymond de Toulouse e os mercenriospetchenegos que os escoltavam, e entre as tropas de Bohmond e os habitantes da cidade deCastria, que lhes haviam recusado provises, tendo aumentado principalmente com a difusoentre os ltimos contingentes, ainda em marcha pelas estradas, de notcias imprecisas sobre ofracasso das negociaes entabuladas em Constantinopla pelos comandantes da vanguarda etambm sobre as condies negativas sob as quais os primeiros batalhes estariam sendorecebidos.

    O primeiro comandante importante, Hughes de Vermandois, havia prestado juramento aAlxis, sem lhe apresentar grandes objees, nos mesmos termos que este esperava obter detodos os chefes da cruzada: devolver ao imprio todas as terras que lhe pertenciam antes da

  • invaso turca, prestar juramento de vassalagem ao imperador por conta dos feudos formadospor todas as outras terras que viessem a conquistar no Oriente e lhe prometer fidelidade. Essafoi a maneira descoberta pelo imperador de utilizar os costumes ocidentais para garantir afutura colaborao dos cruzados; porm, Godofredo de Bulhes, que j era vassalo doimperador germnico, recusou-se a prestar juramento de vassalagem a um segundo suserano.S depois que o imperador bizantino mandou cortar os vveres anteriormente fornecidos asuas tropas que ele acedeu. Raymond de Saint-Gilles, pretextando que no poderia servir aoutro suserano que no fosse o prprio Cristo, limitou-se a jurar respeitar a vida e a honra doimperador. Bohmond assumiu de boa vontade o compromisso exigido, mas solicitou, emtroca, que o imperador o nomeasse grande domstico do Oriente, um posto que lhe daria ocomando das foras imperiais na sia Menor e, em conseqncia, o comando de toda aexpedio cruzada. Tal demanda revela as verdadeiras intenes do chefe normando, ou seja,de tornar-se um grande mercenrio a servio do imperador, o que significava igualmente que,mais adiante, em caso de necessidade, ele usaria em proveito prprio a fora e as riquezasassim adquiridas.

    Leais em seus atos, mesmo que seus pensamentos fossem de teor diferente, os outros chefesda Primeira Cruzada, que ento estava inteiramente reunida na sia Menor, a partir de maiode 1097, se comportaram como se fossem mercenrios do imperador. Sitiaram Nicia, oexrcito mandado em socorro da cidade por Kilidj-Arslan foi vencido e, em 19 de junho, aguarnio turca entregou a cidade aos bizantinos. J nesse momento, apesar da generosidadede Alxis para com os cruzados, comearam a correr murmrios contra o que chamavam desua astcia, e a sua benignidade para com os infiis que se haviam rendido foi taxada deconluio. Mas os relacionamentos oficiais no foram alterados e a cruzada se ps emmovimento para o leste, acompanhada por um contingente de tropas regulares bizantinas. A 1de julho, a vitria na batalha de Dorilia sobre o exrcito de Kilidj-Arslan abriu a estradapara a Anatlia, mas o exrcito passou a progredir com dificuldade, sofrendo fome e sede,perdendo grande nmero de cavalos e responsabilizando os guias gregos por todos os seuspercalos. Vencedores dos turcos danismendidas e do emir da Capadcia na batalha deHeraclia, os cruzados transpuseram os montes Taurus e chegaram na Cilcia, onde foramacolhidos favoravelmente pelos cristos armnios que se haviam instalado ali na metade dosculo XI. Em 20 de outubro, depois de quatro meses de marcha, o exrcito finalmente fez umapausa diante das muralhas de Antioquia da Sria.

  • Figura 2 Os pases fundados pelos cruzados (as fronteiras indicadas so as dos feudos no momento de sua maior expanso,na primeira metade do sculo XII)

    O cerco de Antioquia, que fora bizantina at 1085, foi uma estratgia crucial no

    desenvolvimento da Primeira Cruzada: nesse ponto comearam a se manifestar as ambiesterritoriais dos bares cruzados e se completou a ruptura com Bizncio. A essa altura,Tancredo, sobrinho de Bohmond, e Balduno de Boulogne j se haviam apoderado, por suaprpria conta e risco, das cidades cilicianas de Tarso e de Mamistra, mas as tinhamabandonado depois de uma srie de dissenses. Balduno se dirigiu ento com suas tropas regio do Alto Eufrates. Aps conquistar as cidades de Ravendel e de Turbessel, ele asentregou como feudo aos companheiros armnios que o haviam guiado; chamado a Edessapelo nobre armnio Thoros, que desejava retirar o jugo turco de seus ombros, tornou-se seufilho adotivo e herdeiro. Mas logo se livrou do pai adotivo em conseqncia de uma revolta

  • popular que no o desagradou nem um pouco (maro de 1098). O primeiro Estado Cruzado foifundado desse modo, com o nome de condado de Edessa. Nem por um momento se consideroua possibilidade de devolver a Bizncio essa cidade que lhe pertencera anteriormente chegada dos turcos.

    As dificuldades sofridas durante o cerco de Antioquia, exploradas em proveito prprio porBohmond, conduziram a um resultado semelhante. O bloqueio da cidade foi completado emnovembro, com o apoio do material e dos barcos de uma frota genovesa. Mas o invernotornava o aprovisionamento cada vez mais difcil. Apesar de diversas vitrias obtidas sobreos exrcitos enviados de Damasco e depois de Alepo em socorro de Antioquia (entredezembro de 1097 e fevereiro de 1098), o moral dos sitiantes chegou a um nvel bastantebaixo. As deseres foram numerosas: inicialmente Pedro, o Eremita foi em frente com seusseguidores, um pouco depois afastou-se o bando comandado por tienne de Blois, logo aseguir o chefe do contingente bizantino tambm se afastou, aps ter sido facilmente persuadidopor Bohmond de que a bem da paz era prefervel que tomasse a estrada, porque haviasuspeitas de que Alxis estava conspirando com os turcos em vez de trazer mais tropas emsocorro dos cruzados. Explorando o ressentimento j existente contra os bizantinos, Bohmondconseguiu que os demais chefes lhe prometessem a posse da cidade, desde que ele fosse oprimeiro a ingressar nela com suas tropas, sob a condio de que o imperador no viessepessoalmente reclamar sua posse. Tendo obtido a cumplicidade de um dos defensores, elepde de fato entrar em Antioquia no dia 3 de junho, sendo seguido por outros regimentos decruzados; mas logo se transformaram de sitiantes em sitiados, apertados entre os turcos quepermaneciam na cidadela central e um grande exrcito de socorro chefiado por Kerbogha, oemir de Mossul. Foi necessrio que os padres tivessem uma srie de vises enviadas porDeus, que conduziram descoberta da mais preciosa das relquias, a Lana Sagrada, paraimpedir que o derrotismo tomasse conta de todo o exrcito; tal milagre levou os principaiscomandantes a jurar que jamais abandonariam Antioquia e nem sairiam de suas muralhas,seno por consentimento comum de todos. Contudo, os fugitivos anteriores, persuadidos deque a queda da cidade era iminente, foram reunir-se com Alxis, que j chegara altura deFilomlia, comandando um exrcito que vinha em socorro dos cruzados; seus relatospessimistas, o desejo de consolidar as recentes conquistas feitas pela cruzada (Esmirna,feso, Sardes e uma parte da antiga Ldia) e o medo de medir foras com Kerbogha,considerado um grande general, levaram Alxis a desistir. Desse modo, a segunda condioapresentada fora satisfeita, Bohmond conduziu o exrcito cruzado vitria sobre as foras deKerbogha (28 de junho) e se tornou o senhor incontestado de Antioquia. Apenas Raymond deSaint-Gilles, mais por inveja do que por fidelidade, insistiu que os direitos do imperadordeveriam ser respeitados. Mas como Alxis no trouxera a ajuda prometida a seus vassalos,eles se consideraram desligados de seus compromissos para com o suserano e esse foi o sinalpara o rompimento definitivo entre a cruzada e Bizncio.

    II. O sucesso dos cruzados perante um inimigo dividido1. A diviso do Oriente Prximo Apenas a multiplicidade de divises polticas do

    Oriente Prximo muulmano no final do sculo XI explica o sucesso inicial da PrimeiraCruzada. Dois grandes grupos dividiam o domnio dessas regies: ao sul, o califado da

  • dinastia fatmida do Cairo se estendia sobre o Egito e uma parte da Palestina, mas todo orestante do Oriente Prximo se achava sob o controle dos turcos seljcidas. Originrios donorte da Transoxiana (Turquesto Ocidental, alm do rio xus), estes turcos nmades,convertidos ao Isl por volta do final do sculo X por missionrios sunitas, tornaram-seinicialmente mercenrios a servio dos principados iranianos, depois senhores da regio deKhorassam e a seguir libertaram o califa da dinastia Abssida de Bagd da tutela dosvizires persas considerados herticos (porque eram xiitas), no ano de 1055. Tughril Beg,genro do c Seldjuk, recebeu daquele o ttulo de sulto, que lhe confiava o poder, em nome doIsl e a servio do califa, e a misso de fazer triunfar a ortodoxia muulmana sunita. Sob seussucessores, no final do sculo XI, o imprio da dinastia seljcida se estendeu do Ir Sria,conquistada em parte dos fatmidas do Egito, e sia Menor, tomada dos bizantinos. Asincurses dos turcomanos na Anatlia, a vitria de Alp Arslan sobre o imperador bizantinoRomano IV na batalha de Mantzikert (1071) e as guerras civis que ento grassavam no Impriobizantino permitiram aos turcos avanar at o estreito do Bsforo.

    As lutas dinsticas que se seguiram morte do sulto Malik Shah, em 1092, levaram diviso do Imprio seljcida em uma srie de principados rivais, em que o poder pertenciaaos atabegs (regentes em nome de um prncipe menor de idade). Na sia Menor, KilidjArslan tornou-se senhor de um sultanato independente, chamado por eles de Rum (corruptelade romano, o nome que davam a si mesmos os bizantinos), cuja capital, inicialmente Nicia,foi transferida para Icnio (Konya) depois da vitria dos cruzados que resultou na tomadadaquela cidade. A leste da Anatlia, uma srie de principados turcomanos se opunha aosesforos de unificao do sultanato de Rum. Os turcos danismendidas da Capadcia secoligaram tardiamente ao sultanato para tentar deter o avano dos cruzados, emborapermanecessem seus rivais durante todo o decorrer do sculo XII.

    A Alta Mesopotmia (chamada pelos turcos de Djarbequir ou Diyar-Bekir) era dominadapor outros grupos turcomanos que jamais se haviam submetido ao governador turco deMossul; os principais dentre eles eram os ortquidas, que, sabendo contrabalanar em seufavor as outras potncias, permaneceram autnomos at o sculo XV. A Sria, conquistada porTutush, irmo de Malik Shah, fragmentou-se rapidamente: os filhos de Tutush, Ridvan eDukak, se assenhorearam um de Alepo e o outro de Damasco; cdis locais, em Trpoli,Apamia ou Shaizar, tornaram-se a seguir independentes. Finalmente, a dinastia dos fatmidasdo Egito, depois de ter sido expulsa da Sria setentrional e at mesmo da Palestina pelosseljcidas, aproveitou a cruzada para retomar Jerusalm do chefe turco que se haviaapoderado da cidade.

    A essas divises polticas se acresciam as rivalidades religiosas ou tnicas: os turcossunitas constituam uma classe militar pouco numerosa, que dominava uma populao rabe decarter bastante heterodoxo (principalmente xiitas ou ismaelitas) e grupos que haviampermanecido cristos. Na Sria setentrional, em que os cristos eram pouco numerosos, osarmnios exerceram um papel preponderante na instalao dos primeiros cruzados, que elesguiaram, informaram, aprovisionaram e, em certos casos, como em Edessa, at mesmochamaram em seu socorro. No resto da Sria, as minorias crists (ortodoxos, melquitas esobretudo monofisitas) viviam submetidas ao regime da dhimma.13 Na administrao fatmida

  • do Egito, os cristos coptas (monofisitas) ainda ocupavam numerosos cargos pblicos. Osseljcidas no tinham piorado em nada a sorte dos cristos da Palestina, os quais no haviamabsolutamente apelado para a instaurao da cruzada. Desse modo, ela no foi percebida noOriente Prximo muulmano sob seu aspecto religioso, mas simplesmente como umaexpedio militar semelhante s que haviam invadido a Sria desde o final do sculo X sob ocomando dos imperadores bizantinos Nicforo Focas e Ioannes Tzimisces. A chegada dosfrancos apenas serviu para introduzir mais um grupo de atores no jogo poltico complexodas regies perifricas do Oriente muulmano.

    2. A Primeira Cruzada e suas primeiras conquistas (1099 a 1125) A partir da tomada

    de Antioquia surgiram os primeiros problemas do estabelecimento dos cruzados. J emnovembro de 1098, Raymond de Toulouse disputava com Bohmond sua conquista deAntioquia, invocando o respeito devido aos direitos do imperador bizantino. Durante o vero,quando uma epidemia grassou em Antioquia e causou a morte do legado papal, Adhmar deMonteil, os chefes cruzados se espalharam pelas regies vizinhas e se apoderaram de cidadeslocalizadas mais ao sul, como Lataqui e Marrate, consolidando assim as posies adquiridasna Cilcia. As discusses contnuas no conselho dos bares com referncia posse deAntioquia e ao comando supremo, na ausncia de um legado, irritaram o restante do exrcito,que destruiu as fortificaes de Marrate, conquistada por Raymond de Saint-Gilles, parafor-lo a ir embora. Em 13 de janeiro de 1099, finalmente o exrcito tomou o caminho deJerusalm, acompanhando o vale do rio Orontes, sem ser importunado pelos emires rabes daregio. Voltando-se em direo ao mar, os cruzados conquistaram Tortosa e Maraclia, masRaymond de Toulouse foi obrigado a levantar o cerco de Arca, cidade que ele pretendiatornar o centro de suas futuras possesses, pela presso de seu prprio exrcito. Seguindo acosta at Jaffa, os cruzados entraram em Belm em 6 de junho e, no dia seguinte, iniciaram oassdio de Jerusalm. A cidade, cercada de ravinas, salvo pelo norte, era fortificada eesperava socorro do Egito, ao mesmo tempo que os sitiantes, com falta de gua e de madeira eat mesmo de armas, no se consideravam numerosos o suficiente para atacar as muralhas dacidade. Uma expedio a Samaria e a chegada de uma frota genovesa em Jaffa forneceram porsorte o material necessrio para a construo de mquinas de ataque. Foi realizada uma sriede jejuns purificadores e foi feita uma procisso ao redor da cidade que terminou com aascenso ao monte das Oliveiras, o que contribuiu para devolver cruzada o seu sentido deperegrinao e ao exrcito o seu esprito de ofensiva. Aps um assalto difcil, que durou doisdias, a cidade foi tomada em 15 de julho.

    Aps entrarem na cidade, os peregrinos perseguiram e exterminaram os sarracenos at o Templo de Salomo [...] ondeocorreu um tal massacre que os nossos tinham de chapinhar em uma lagoa de sangue que lhes chegava at os tornozelos.[...] Logo os cruzados se espalharam por toda a cidade, pilhando ouro e prata, cavalos e mulas e saqueando todas as casas,que estavam cheias de riquezas. Depois disso, felizes e chorando de alegria, os nossos foram adorar no Santo Sepulcro deNosso Salvador Jesus Cristo e tiveram quitada a sua dvida para com Ele.14 Depois de trs anos de privaes, o desencadeamento dos piores instintos, lado a lado com

    a exaltao religiosa, conduziu a esse massacre. Acompanhada de mais violncia do que asperseguies de Al-Hakim, a tomada de Jerusalm se revelou para o Isl o sinal mais claro da

  • intolerncia crist. Para os cruzados, a captura da cidade marcou a um s tempo a realizao do objetivo de

    sua peregrinao e a sua transformao na guarda do tmulo de Cristo. Na verdade, satisfeitospor terem atingido seu alvo, realizado suas devoes na Cidade Santa e se purificado com agua do Jordo, um certo nmero dos peregrinos, acreditando sinceramente ter cumprido seusvotos, partiu de volta para o Ocidente nos meses seguintes e difundiu pelas terras europias anotcia do triunfo da cristandade. Eleito prncipe pelos eclesisticos e pelos chefes militaresda cruzada, seus pares, que lhe deram preferncia sobre Raymond de Toulouse porque suapersonalidade era mais fraca, Godefroi de Bouillon assumiu o ttulo de procurador [judicial]do Santo Sepulcro, reservando assim os direitos preponderantes da Igreja sobre o estadorecm-fundado. A ajuda dos outros prncipes tambm lhe permitiu surpreender o exrcitoegpcio em Ascalon (julho de 1099) e assegurar com a vitria a sobrevivncia de sua jovemnao. Mas em setembro ele descobriu que se achava sozinho, com apenas trezentoscavaleiros e cerca de dois mil infantes de suas prprias tropas para defender todas asconquistas recentes (Jerusalm, Jaffa, Lidda, Ramal, Belm e Hebron), s quais logoacrescentou a conquista da Galilia. Os estabelecimentos cruzados no eram nessemomento, portanto, mais que um grupo de cidades perigosamente isoladas cerca desetecentos quilmetros separavam Jerusalm de Antioquia ou de Edessa , alm de disporemde pouco acesso ao mar, a sua nica linha de comunicao com o Ocidente.

    Mas a cruzada continuava a ser pregada de cidade em cidade atravs do Ocidente, e oanncio da queda de Jerusalm contribuiu para incitar a partida de novas multides, enquantoo papa Pascoal II pronunciava a excomunho contra aqueles que, segundo seu ponto de vistano haviam cumprido seus votos, reenviando para Jerusalm os desertores, entre eles tiennede Blois e Hughes de Vermandois. Formaram-se muitos exrcitos regionais, freqentementecompostos por mais de mil homens. Os lombardos, sob o comando do arcebispo de Milo,chegaram a Constantinopla na primavera de 1101 e, em lugar de esperarem a chegada deoutros grupos, recusaram os conselhos de Raymond de Saint-Gilles, que fora nomeado seuguia pelo imperador Alxis, dirigindo-se para a Anatlia setentrional na esperana de libertarBohmond, que a essa altura fora derrotado, capturado e aprisionado pelos turcosdanismendidas. A leste do rio Hlis, cercados em territrio hostil pelas foras conjugadas dosturcos e do exrcito de Ridvan de Alepo, eles foram quase inteiramente massacrados. Aomesmo tempo, os exrcitos conduzidos por Guillaume II de Nevers, Guillaume IX daAquitnia e Welf IV da Baviera foram sucessivamente destrudos perto de Heraclia. Devido sua falta de unio, os cruzados da retaguarda, de fato compostos por exrcitos tonumerosos quanto os da Primeira Cruzada, fracassaram na Anatlia diante da unidadeprovisria dos turcos, reunidos temporariamente para rechaar o inimigo comum.

    Isso deixou bastante claro que os socorros somente podiam chegar Terra Santa por viamartima, sendo encaminhados ou fornecidos pelas cidades italianas. As frotas genovesas jhaviam ajudado muito, tanto na tomada de Antioquia como na de Jerusalm. No ano de 1100, oarcebispo Daimberto de Pisa, conduzindo uma esquadra de 120 navios, contribuiu para afortificao de Jaffa. Mas as foras de que dispunha foram utilizadas principalmente parasatisfazer suas prprias ambies: ele conseguiu desse modo ser nomeado patriarca de

  • Jerusalm, obteve o reconhecimento de sua suserania sobre o principado de Antioquia e oreino de Jerusalm e at mesmo alcanou a doao de um quarto da Cidade Santa, depois deuma parte e, finalmente, da totalidade da cidade e do porto de Jaffa. Talvez tenha sido paracontrabalanar sua influncia que Godefroi prometeu aos venezianos, cuja frota acabara dechegar e tomara Caifs (Haifa), um tero de todas as cidades que o ajudassem a conquistar,alm de privilgios importantes. Com a morte de Godefroi nesse mesmo ano, as conquistasprevistas foram realizadas por seu irmo Balduno I (1100-1118), chamado sucesso emvirtude dos costumes dinsticos das terras de que provinha. Ele abandonou seu condado deEdessa, confiando sua defesa a seu primo Balduno de Bourg e exigiu sua coroao como reide Jerusalm, o que foi realizado em Belm pelo patriarca no Natal do ano de 1100. Em 1101,ele capturou Arsufe e Cesaria; em 1104, tomou So Joo de Acre com a ajuda dos genoveses;em 1105, derrotou em Ramal uma nova ofensiva fatmida apoiada pelo atabeg de Damasco;apoderou-se de Beirute em 1109 e conquistou Sidon em 1110, com o apoio das frotas trazidaspor Sigurd, o rei da Noruega.

    Tambm foi necessrio o apoio das frotas genovesas para conquistar as principais cidadesdo futuro condado de Trpoli, a ser fundado por Raymond de Toulouse, que retornara deConstantinopla e logo conseguiu tomar Tortosa (1102), onde construiu, com a ajuda dosbizantinos, a fortaleza do monte dos Peregrinos, uma fortificao destinada a bloquear oacesso a Trpoli pelo lado da terra (1103). Conquistou, ainda, Djibelete nesse mesmo ano,com a ajuda do genovs Ugo de Embriacci. Em 1109, Trpoli foi tomada depois de um longocerco, com a ajuda de uma nova frota mista, genovesa e provenal, comandada por Bertrand,filho de Raymond, e auxiliada em terra pelas foras de outros prncipes cruzados.

    Na verdade, o problema da sucesso aps a morte de Raymond de Toulouse havia reunidosob os muros de Trpoli todos os bares em um conselho presidido por Balduno I. A paz foirestabelecida e a cidade tomada somente depois que um compromisso foi alcanado (apartilha do condado entre os dois pretendentes, Guillaume Jourdain, vassalo do conde deAntioquia, e Bertrand, vassalo do rei de Jerusalm). Pouco depois, o assassinato deGuillaume Jourdain permitiu a unificao do condado de Trpoli sob a gide de Bertrand, paraproveito indireto do rei de Jerusalm, que se tornou seu suserano. Balduno I, rbitro entre osdemais prncipes cruzados, havia adquirido uma autoridade moral que ele empregaria,sempre que houvesse necessidade, em defesa de toda a Sria franca e igualmente na defesa dosdemais estados cruzados.

    Os condados de Antioquia e de Edessa passaram realmente por uma evoluo interior eexterior bem mais perturbada que a do reino de Jerusalm. To logo foi libertado, Bohmondde Antioquia, aliado a Balduno de Edessa, que fora ameaado pelo atabeg de Mossul e peloemir de Mardim, foi novamente derrotado perto de Harran (1104). Balduno foi feitoprisioneiro. Ridvan de Alepo retomou Art e outras praas que dominavam o desfiladeiro queconduzia plancie de Antioquia, ao mesmo tempo que os bizantinos ocupavam as cidades daCilcia. Deixando a regncia de seu condado nas mos de Tancredo, Bohmond partiu para oOcidente a fim de originar uma nova cruzada, desta vez dirigida contra os bizantinostraidores da causa crist. A expedio que ele empreendeu contra a Grcia fracassou diantede Dirraquion e, segundo os termos do tratado que Bohmod foi forado a assinar com AlxisI, ele prometeu lhe prestar homenagem em funo de Antioquia e comprometeu-se como

  • vassalo contra seus inimigos (1108). Mas Tancredo se recusou a reconhecer o tratado e, naausncia de Bohmond, retomou tanto dos bizantinos como dos governantes de Alepo quasetodos os territrios perdidos.

    A vitria turca em Harran, no ano de 1105, foi a primeira das contra-ofensivas lanadascontra os francos pelo novo sulto, senhor do Ir ocidental e de toda a Mesopotmia, queenviou novamente Madude, o atabeg de Mossul, contra Edessa (1110). A cidade s foi salvapelas tropas francas trazidas por Balduno I, mas tornou-se necessrio evacuar as populaesdo leste do Eufrates que dela dependiam, o que no impediu que boa parte delas fossemmassacradas durante a fuga. Em 1113, uma nova campanha de Madude, dirigida ento contra oreino de Jerusalm, fracassou graas ao socorro trazido a Balduno por Tancredo deAntioquia e Bertrand de Trpoli. O que ocorria era que os prncipes srios muulmanostemiam que a guerra contra os francos no passasse de um pretexto do sulto para dominar atodos: por ocasio de sua quarta campanha, Madude foi assassinado em Damasco porinstigao do atabeg Toghtekin; em 1115, o novo atabeg de Mossul, ao comando de umexrcito iraquiano, se lanou contra a coalizo dos francos e dos Srios. Em uma emboscadaem Tell Danith, seu exrcito foi destrudo por Rogrio de Antioquia. Il-Ghazi, prncipe dadinastia ortquida, retomou a ofensiva em 1119, por sua prpria conta e risco, conquistandoAlepo, que ainda era muulmana, e derrotando o exrcito de Antioquia perto de Art. Rogriomorreu em combate e o nmero de cristos mortos foi to grande que o lugar da batalhapassou a ser conhecido pelo nome de ager sanguinis.15 Balduno II (1118-1131) ou Baldunode Bourg, que sucedera a Balduno I em Jerusalm depois de t-lo substitudo em Edessa,assumiu a regncia e acorreu em defesa de Antioquia, alcanando sucesso depois de vriascampanhas. Entretanto, na ocasio em que marchava em socorro de Edessa, cujo conde Jocelintinha sido capturado, ele prprio foi feito prisioneiro pelos turcos ortquidas, j no ano de1123.

    Apesar da ausncia de seus prncipes prisioneiros, os Estados cruzados se mantiveram. Osegundo decnio do sculo XII marcou mesmo o ponto culminante de sua expanso. Ao norte,o condado de Edessa teve de abandonar aos turcos algumas de suas praas mais avanadas(Grgara, por exemplo, em 1118), mas por meio de Samosata e de Marache ao norte e graass duas fortalezas de Ravendel e de Turbessel ao sul protegeu a fronteira setentrional docondado de Antioquia. Este se estendia agora desde a Cilcia (que fora reconquistada dosbizantinos em 1108) ao norte at Djabala e Marcabe ao sul. No interior, ele j possua osterritrios do Ultra-Orontes em que as fortalezas de Alataribe (Aintabe), Cafartabe e Marrate,que podiam ameaar a Alepo muulmana, eram freqentemente disputadas. Os principados donorte constituram assim uma barreira que impediu as comunicaes diretas entre os turcos daAnatlia e os da Mesopotmia at o sculo XIII.

    O condado de Trpoli ocupava a costa libanesa de Tortosa a Djibelete e toda a regiomontanhosa do interior. Essa posio estratgica permitiu-lhe exigir dos damascenos, a partirde 1109, a partilha das receitas da rica plancie que formava o vale do rio Bcaa (situadoentre os montes do Lbano e os do Anti-Lbano). O ltimo dos estados latinos a ser criadoassegurava as comunicaes entre o norte e o reino de Jerusalm. Este ltimo abrangia entotoda a Galilia e o planalto da Judia at a depresso do rio Jordo. Ao sul, Balduno I tivera

  • sucesso em conquistar uma cabea-de-ponte do outro lado do rio; os bedunos do deserto sedispuseram a lhe pagar tributos; ele construiu as fortalezas do Vale de Moiss e do monte Reale, em 1116, ocupou o porto de Ail no mar Vermelho. Cortando, desse modo, ascomunicaes entre a Sria e o Egito, o rei de Jerusalm assegurou a posse de uma posioestratgica importante e os recursos considerveis que eram obtidos atravs dos impostoscobrados das caravanas de comrcio. A tomada de Tiro (1125) completou o domnio dolitoral da Palestina. Apenas Ascalon permaneceu nas mos dos egpcios, a nica ameaa suafronteira sul. A instalao dos cruzados ao longo da costa mediterrnea e de uma parte dasterras circunjacentes, depois de ter privado as cidades muulmanas do interior da Sria deseus acessos ao mar e dos recursos que lhes eram proporcionados por essas regies maisricas, comeou a ameaar tais cidades. Alepo e Damasco se tornaram as chaves de umapoltica complexa que ocupou o segundo quarto do sculo XII.

    III. O Isl retoma a iniciativa (1125-1188)1. Os atabegs de Mossul e a guerra santa contra os francos (1125-1145) No prprio

    momento em que os francos tentaram, em diversas ocasies, apoderar-se de Alepo ou deDamasco, com a cumplicidade de certos elementos locais (em Damasco, principalmente daseita dos Assassinos), sua prpria expanso e em parte a violncia que perpetraram deramorigem a um movimento de protesto e a uma reorganizao militar e poltica que deslocou ocentro de gravidade do Oriente muulmano em direo ao oeste. A atitude ambgua e asconstantes trocas de aliana dos prncipes da Sria, que buscavam, acima de tudo, apreservao de seus domnios, acabaram por provocar a hostilidade das populaesmuulmanas (sunitas) que denunciavam a cumplicidade dos heterodoxos (xiitas moderados, aseita dos Assassinos ismaelitas e os fatmidas do Egito) com os francos e culpavam aindiferena de seus soberanos pelas vitrias daqueles. Os atabegs do Mossul, tanto porconvico como por interesse, conseguiram, aproveitando-se desse sentimento de revolta,realizar a unificao parcial da regio de Djazir e da Sria contra os francos. J em 1125,Alepo, que se achava sob cerco dos francos, apelou para Mossul, mas o atabeg Bursuki, quehavia unificado ambas as cidades sob sua autoridade, foi morto pelos Assassinos. A unio foirestabelecida em 1128 por seu sucessor Zengi que, a partir de 1130, comeou a apelar paraque Damasco participasse a guerra santa juntamente com ele, apoderando-se de Ham e, em1135, das praas-fortes do Ultra-Orontes, que representavam uma ameaa constante paraAlepo. Em 1137, chegou a obter do novo rei de Jerusalm, Foulque dAnjou (1131-1143),cercado na fortaleza de Mont-Ferrand, a rendio desta praa, juntamente com a de Rafania.A campanha comum contra Alepo e Shaizar de Joo II Comneno e dos francos do condado deAntioquia, que haviam reconhecido a suserania do imperador, fracassou por falta de umaverdadeira colaborao entre os aliados (1138), e Zengi novamente reocupou as praas-fortesda regio do Ultra-Orontes. Em 1139, Zengi cercou Damasco que, mesmo sendo muulmana,apelou para os francos. Foi firmado um tratado, e a fortaleza de Pnias foi entregue aosfrancos em troca de seu apoio. A aliana com Damasco garantiu, durante algum tempo, atranqilidade do reino de Jerusalm. Zengi, expulso da Sria, dedicou-se a lutar contra osturcomanos ortquidas e contra os curdos que se haviam apossado de regies de seu prpriosultanato prximas a Mossul. Quase por acaso, durante uma campanha contra um lder

  • ortquida aliado aos francos, ele conquistou Edessa, que havia sido deixada desprotegida(1145) porque a maioria dos seus defensores haviam partido para uma batalha em outra frente.Foi essa conquista que estabeleceu sua reputao de mudjahid, defensor da f no mundoislmico, no qual o acontecimento teve uma repercusso to grande quanto no Ocidente.

    2. A derrota da Segunda Cruzada (1148) Bispos armnios e outros vindos de Antioquia

    obtiveram bons resultados em sua viagem atravs do Ocidente com a notcia da queda deEdessa e seus pedidos de socorro: se essa tomada no foi a causa direta da partida daSegunda Cruzada, foi pelo menos um dos principais argumentos de sua pregao. A principaliniciativa foi a atitude do rei da Frana, Lus VII, que tinha desejo de partir em peregrinao aJerusalm como expiao por violncias que recentemente cometera; ele obteve do papa anova promulgao de uma segunda bula de cruzada que at ento no alcanara efeito (1 demaro de 1146). A pregao da nova peregrinao armada foi confiada principalmente a SoBernardo de Clairvaux que, em 31 de maro, aps um sermo em Vzelay, incitou numerososnobres franceses a tomarem a cruz, chegando mesmo a convencer o imperador Conrado III daustria a assumir o comando de uma expedio (Speyer, 27 de dezembro). Na Alemanha, apregao popular de Raul, um antigo monge da abadia de Clairvaux, provocou as mesmasviolncias contra os judeus que haviam sido cometidas no incio da Primeira Cruzada, masmesmo assim causou a partida de uma expedio, novamente sobrecarregada por umamultido de no-combatentes.

    A indisciplina do elemento popular, sobretudo nessa cruzada alem, provocou uma srie deincidentes durante a passagem do exrcito atravs dos Blcs; porm, as maiores dificuldadescom Bizncio foram de ordem poltica. O imperador Manuel I no se preocupava muito com apassagem desordenada destes exrcitos mal-organizados e mal-aprovisionados atravs doImprio Bizantino; o que ele temia, principalmente, que eles reforassem o principado deAntioquia, sobre o qual ele pretendia, como fizera seu pai, Joo II, restabelecer sua suserania;alm disso, suspeitava que eles pudessem enfraquecer a aliana germano-bizantina contraRogrio II, o rei normando da Siclia. De fato, enquanto Conrado III e Lus VII se recusavam,cada um por sua vez, a prestar a homenagem que o imperador bizantino lhes exigira, no outonode 1147, Rogrio II, o rei normando da Siclia, se aproveitou das circunstncias que retinhamo exrcito bizantino na vigilncia dos cruzados para se apoderar das ilhas de Corfu e deCefalnia, alm de saquear Corinto e Tebas. A Segunda Cruzada, por outro lado, demonstrouseu apoio ao ataque normando, o que obrigou Manuel a concluir um tratado com o sulto deRum. Sem o apoio bizantino, a travessia da sia Menor se tornou muito difcil; por outro lado,franceses e alemes no se entendiam bem e marchavam separadamente. O exrcito deConrado foi batido em Dorilia e o imperador [do Sacro Imprio Romano-Germnico]reconciliou-se com Manuel, o imperador bizantino, conseguindo chegar at So Joo dAcre abordo de embarcaes bizantinas. Lus VII seguiu avanando ao longo do litoral, porm,assediado no vale do rio Meandro, acabou por se decidir a abandonar os no-combatentes emAdlia, onde eles foram massacrados pelos turcos, enquanto o rei embarcava para Antioquiacom seus cavaleiros. Os maus relacionamentos entre os cruzados e Bizncio e entre osprprios cruzados j haviam reduzido os efetivos da Segunda Cruzada de mais ou menos trsquartos.

  • Por outro lado, o desentendimento entre os cruzados e os francos do Oriente levou aSegunda Cruzada derrota. Lus VII se recusou a participar da expedio contra Alepo quelhe fora proposta pelo prncipe de Antioquia, na poca Raymond de Poitiers, e foi, em vezdisso, reunir-se a Conrado III em Jerusalm. O objetivo da peregrinao o fez desprezar asnecessidades de defesa do Oriente latino, cuja situao era totalmente desconhecida pelosnovos cruzados. Cumprido seu voto, alguns dos cruzados retornaram Europa, enquanto osdois soberanos, recusando projetos mais moderados, se deixaram seduzir pelos bares maisbelicosos de Jerusalm a empreender uma expedio nefasta contra Damasco, justamente comquem eles deveriam ter estabelecido alguma espcie de entendimento contra Nur ad-Din, ofilho de Zengi. A aproximao das tropas de Nur ad-Din fez com que abandonassem o cercoque, de fato, vinha sendo mal conduzido desde o incio e que no obtivera qualquer sucessoat ento. A Segunda Cruzada, em meio a suspeitas e ignorncia recprocas, foi simplesmenteuma peregrinao principesca que, apesar de todos os recursos militares de que dispunha,terminou sem obter o mnimo resultado.

    3. Ofensivas e contra-ofensivas: A luta contra Nur ad-Din (1148-1175) Os atabegs de

    Mossul j tinham transformado em questo de honra a temtica do jihad (guerra santa) contraos francos, embora de fato buscassem utilizar a necessidade dessa luta como pretexto paraestender sua influncia sobre a Sria. Com a morte de Zengi, seu filho Nur ad-Din, herdeiro deAlepo e de Homs (Emesa), retomou a poltica de seu pai, assegurando a posse definitiva deEdessa temporariamente retomada por Jocelin II (1146) e, a seguir, do condado inteiro(1151). Vencendo Raymond de Poitiers, em 1149, ele tomou ao principado de Antioquia asltimas praas de guerra localizadas na regio de Ultra-Orontes (Apamia, Albara e Art).Encorajado por essa vitria, ele se apresentou a partir de ento como o nico mudjahid,defensor e campeo do Isl contra seus inimigos externos e internos; como defensor daortodoxia sunita, ele tomou medidas contra os xiitas de Alepo, fundou escolas para o ensinodo Coro (madrasas) e favoreceu a fundao de comunidades de sufis, enquanto pregadores epoetas muulmanos denunciavam o conluio dos heterodoxos com os francos. Damasco, visadanesse sentido, foi tomada por ele em 1154; Baalbek, em 1155; e Shaizar, em 1157. Acampanha do rei de Jerusalm, Balduno III, com o auxlio do novo cruzado Thierry deFlandres obteve como nico resultado a retomada de Harim, em 1158. Toda a Sriameridional passou ento a pertencer a Nur ad-Din.

    Todavia, a Sria setentrional encontrou durante algum tempo um equilbrio precrio porinfluncia bizantina. Chegando Cilcia em 1158, Manuel I obteve a submisso de Thoros, oprncipe armnio. Em Antioquia, Renaud de Chtillon foi forado a apresentar desculpas dehonra por sua expedio pirata contra Chipre (1153) e a reconhecer a suserania bizantina, aomesmo tempo que Balduno III negociou uma aliana, cujas tratativas haviam comeado umano antes, por meio de seu casamento com uma sobrinha de Manuel. Mas a m vontade mtuados aliados fez abortar a expedio planejada contra Alepo; Manuel assinou um tratado de pazcom Nur ad-Din, cuja ameaa mantinha os francos na dependncia do auxlio dos bizantinos eainda continha os seljcidas.

    Durante o reinado de Amaury I (1163-1174), Jerusalm permaneceu aliada a Bizncio e

  • buscou estabelecer uma cabea-de-ponte no Egito, a fim de impedir sua unio com a Sria. Osdiferentes vizires, que exerciam o poder real em nome dos califas fatmidas, ora apelavampara os Srios, ora para os francos, tentando manter seu regime por meio de um jogo deequilbrio. Desse modo, em 1164 uma expedio franca comandada por Amaury assediouShirku, o comandante curdo de Nur ad-Din, e o sobrinho deste, Salah-ad-Din (Saladino), quehaviam invadido o Egito e atacavam Bilbeis (Felbs).16 Ao mesmo tempo, Nur ad-Dinaprisionou os condes de Antioquia e de Trpoli e tomou Harim e Pnias, o que forou Amaurya se retirar do Egito, tendo obtido somente a retirada provisria de Shirku para a Sria. Porm,em 1167, Shirku retornou ao Egito; Amaury, chamado pelos egpcios, outra vez cercouSaladino em Alexandria e o obrigou a evacuar o Egito com suas tropas; o pas tornou-setemporariamente tributrio dos francos. No ano seguinte, uma nova tentativa de Amaury, quepretendia aumentar o seu controle sobre o Egito, provocou, bem ao contrrio, uma intervenodecisiva de Saladino. Uma expedio franco-bizantina mal-coordenada no conseguiu sequertomar-lhe Damieta. Saladino se tornou vizir do ltimo dos califas fatmidas e, aps a mortedeste, tornou-se governador de todo o Egito, em nome de Nur ad-Din, restabelecendo entre osmuulmanos egpcios a ortodoxia sunita (1169).

    4. Saladino e o fim do primeiro reino de Jerusalm (1175-1188) No apogeu de seu

    poder, tendo realizado, pelo menos formalmente, a unio do Egito e da Sria e retomadoMossul, Nur ad-Din faleceu, deixando um nico filho de menoridade, cuja guarda foiintensamente disputada. Por isso, os pretendentes a tutores se aliaram com os francos oucontra eles, consoante as necessidades do momento. Apresentando-se como o herdeiro moralde Nur ad-Din, Saladino capturou sucessivamente Damasco, Homs e Ham, forando o califade Bagd a investi-lo como governador do Egito e da Sria (1175). Em nome da jihad, eledenunciou a coalizo dos zengidas com os francos, que fora a causa real que o impedira deconquistar Alepo em 1176. Com o apoio da frota egpcia, ele passou a ameaar a costa daSria e a praticar incurses no sul do reino de Jerusalm. Em 1180 uma trgua foi assinada,mas os pedidos de socorro dirigidos pelo rei ao Terceiro Conclio de Latro permaneceramignorados.

    Ao mesmo tempo, a grave doena de que sofria Balduno IV, ento rei de Jerusalm, e oproblema de sua sucesso17 dividiram a classe dirigente em dois partidos: o partido da corte,favorvel rainha-me Agns, princesa Sibylle e a seu marido, o cavaleiro poitevino18 Guyde Lusignan; e o partido dos bares, que preferiam conferir o cargo de bailio [regente ouprimeiro-ministro] ao conde de Trpoli, ento Raymond III, um homem de maior experincia.Enquanto isso, Saladino se aproveitou da trgua com os francos, renovada em 1185, paraassumir o controle das cidades muulmanas de Alepo (1183) e de Mossul (1186); segundo eleafirmava, precisava do apoio da Sria, porque no poderia prosseguir a guerra santa apenascom as foras egpcias.

    A pequena Djazir a Alta Mesopotmia19 o centro da resistncia escreveu eleao califa de Bagd na ocasio. Portanto, assim que ela ocupar o seu lugar na rede dealianas, toda a potncia militar do Isl poder ser reunida na luta contra as foras dos

  • infiis.Toda a sua poltica foi baseada neste nico objetivo: ele nomeou como atabegs e

    governadores os membros de sua prpria famlia, a fim de garantir o leal fornecimento doscontingentes de combate de que iria necessitar para dar prosseguimento sua jihad. Dessemodo, conseguiu colocar sua disposio um exrcito numeroso que reunia contingentessrios, curdos e turcomanos aos mamelucos do Egito, apoiados por uma frota reconstruda em grande parte graas a materiais trazidos pelos italianos, com os quais havia concludotratados (com Pisa desde 1173). Alcanou pleno sucesso no isolamento dos francos deJerusalm ao concluir uma aliana com o sulto seljcida em 1179, com Bizncio aps amorte de Manuel I, em 1181, e com Isaac Comneno, o rei de Chipre. Bizncio, que foravencida pelos seljcidas na batalha de Miriocefalnia (1176), atacada pelos Srvios, pelosHngaros e principalmente pelos normandos da Siclia em 1185, no podia e nem queria maissocorrer os seus aliados latinos. O recuo da potncia militar Bizantina na sia Menor deixouos estados cruzados sem proteo ao norte, ao mesmo tempo em que eles sofriam constantesincurses terrestres e martimas egpcias ao sul. A insegurana aumentou no pas, que jperdera diversas praas-de-guerra importantes nas fronteiras (a do vau de Jac foi perdida em1179). Os pedidos de socorro dirigidos ao Ocidente acabaram por trazer Terra Santa, nessemesmo ano de 1179, um grupo de cavaleiros comandados por Philippe de Flandre, um cruzadoineficiente que, em vez de lutar, desejava principalmente apresentar-se como rbitro dasdisputas constantes dos francos em torno da conquista do poder; o patriarca de Jerusalm e ogro-mestre da Ordem dos hospitalrios tampouco recebiam qualquer auxlio da Europa, comexceo dos subsdios financeiros enviados pelo rei da Inglaterra.

    Privado de apoio exterior, ainda assim o reino de Jerusalm teria sido capaz de sedefender por meio de suas prprias foras, comparveis em coragem e mesmo em nmero comas tropas de Saladino. Todavia, suas tropas formavam um conjunto desconexo, mal-controladoe indisciplinado, em que muitos dos soldados detentores de um iqt (posse territorialconcedida em troca do servio militar) no sentiam a menor atrao por campanhas muitoprolongadas. Foram essas dissenses interiores que mais favoreceram a ofensiva de Saladino.Estes dios e estes descasos levaram perda do reino de Jerusalm, escreveu o cronistacontinuador do relato de Guillaume de Tiro. Balduno IV havia confiado ao conde RaymondIII de Trpoli a regncia, em nome de seu sobrinho Balduno V (1185-1186), mas, por mortedeste, Sibylle e Guy de Lusignan conseguiram ser coroados com o apoio do gro-mestre daOrdem do Templo. Despeitado, Raymond III solicitou o apoio de Saladino. Uma guerra civilestava a ponto de estourar, mas foi acertada uma trgua de quatro anos com Saladino em 1185que ainda protegeu o reino por algum tempo. O belicoso Renaud de Chtillon, contudo,forneceu a Saladino um casus belli20; j em 1182 ele fora at a Arbia, onde atacara umacaravana que se dirigia a Meca e, em 1183, enviara uma esquadra para pilhar as costas doHedjaz [ao norte do Mar Vermelho]; de modo semelhante, em 1187 ele destroou umacaravana que se dirigia a Damasco e se recusou a devolver o produto da pilhagem, apesar deuma ordem direta do rei. A trgua foi rompida; e a guerra santa, proclamada novamente.

  • Figura 3 As rotas tomadas pelos cruzados (sculos XII e XIII)

    No reino de Jerusalm, foi proclamada a arrire-ban, convocao de toda a nobreza para a

    guerra, que reuniu assim aqueles que deviam um servio feudal regular, alm de todos oshomens em idade de combater (1.200 cavaleiros, quatro mil sargentos e muitos milhares desoldados irregulares de infantaria). O conde Raymond III aceitou render homenagem a Guy deLusignan e a Sibylle, mas essa reconciliao de ltima hora no apagou os dios anteriores esuas conseqncias; por instigao do gro-mestre dos templrios, Guy se recusou a adotar aestratgia prudente recomendada por Raymond III e, com a inteno de defender Tiberades,que estava sob cerco, lanou o exrcito atravs do planalto da Galilia. Cercadas em Hattim eesmagadas pelo calor reinante, as tropas francas sofreram uma das derrotas mais graves desua histria; o rei e quase todos os cavaleiros foram capturados e s libertados mediantepagamento de resgate ou cesso de seus castelos; Renaud de Chtillon e duzentos templrios ehospitalrios foram mortos; os sargentos e infantes, massacrados ou vendidos como escravos.As praas-fortes interiores, desguarnecidas de tropas, renderam-se uma aps outra a Saladinoou a seus lugares-tenentes, embora as fortalezas das fronteiras, melhor defendidas eaprovisionadas, Castelnovo, Safete, Beauvoir, o Krak de Moabe e o Krak de Monte Real,resistissem por mais tempo algumas at 1189. Demonstrando uma generosidade que algunsconsideraram excessiva, Saladino autorizou que os defensores sobreviventes e os habitantescivis se refugiassem em Tiro para retornar ao Ocidente. Em Jerusalm, depois de ter resistidoa um assdio de seis dias, Balian dIbelin negociou uma rendio honrada e o resgate de umtero da populao em troca de trinta mil besantes (2 de outubro de 1187). Com a permissodada aos latinos para que a evacuassem, Jerusalm no passou por quaisquer violncias quepudessem ser comparadas com as cometidas pelos cristos em 1099.

    No outono, Saladino j se apoderara tambm de grande nmero de praas-fortes costeiras(So Joo dAcre, Toron, Sidon, Beirute e Ascalon), mas fracassara em seu assalto a Tiro,defendida por Conrad de Montferrat, que chegara inesperadamente de Constantinopla.Desapontados por essa derrota e inquietos pela aproximao do inverno, os contingentes

  • orientais abandonaram o exrcito de Saladino. Em 1188, com foras reduzidas, mesmo assimele se lanou ao ataque dos principados do norte: uma frota siciliana o impediu de completarseu assdio a Trpoli, mas conseguiu cercar Antioquia, desistindo do assdio desta ltimaaps a concluso de uma trgua de oito meses. A essa poca, os estabelecimentos doscruzados estavam reduzidos a Tiro e Beaufort, os ltimos remanescentes do reino deJerusalm e ao norte, a Trpoli, Fortaleza (Krak) dos cavaleiros, Antioquia e Margate.

    IV. A Terceira Cruzada e o estabelecimentode um status quo (1187-1193)

    A partir do vero de 1187, quando a notcia dos primeiros desastres chegou a Roma, opapa foi impelido a lanar tanto apelos paz como cruzada; a pregao desta ltima foiconfiada ao legado papal Enrico dAlbano e ao arcebispo de Tiro, enviado por Conrad deMontferrat com cartas destinadas aos maiores prncipes do Ocidente. A iniciativa dossoberanos foi essencial para o lanamento da nova cruzada, que justaps exrcitos feudaisbem estruturados e no mais colunas desorganizadas e carregadas de no-combatentes. Semesperar pelos outros, o rei normando Guilherme da Siclia chamou imediatamente da Grciaseu almirante Margarit e o enviou para o Oriente com cerca de cinqenta vasos de guerra eduzentos cavaleiros. Esse apoio naval foi o que permitiu a defesa de Tiro, Trpoli e Margate egarantiu o aprovisionamento das ltimas praas-de-guerra dos francos, abastecendo-os comarmamentos e homens de armas. No vero de 1189, com a ajuda de contingentesdinamarqueses, frsios e saxes e de cavaleiros flamengos, franceses e ingleses, Guy deLusignan comeou o cerco de So Joo dAcre.

    Desde 1188, os trs maiores soberanos ocidentais haviam tomado a cruz. J no final de suacarreira poltica a paz reina tanto na Itlia como na Alemanha, e a oposio do partido dosguelfos21 havia sido derrotada o imperador Frederico I Barba-Ruiva ps-se a caminho frente de um dos mais poderosos exrcitos que participaram das cruzadas (cem mil homens,como se afirmou; na realidade, era composto, no mnimo, por vinte mil cavaleiros). Apesar denegociaes prvias, a travessia do Imprio Bizantino deu margem a verdadeiras hostilidades,muito alm de quaisquer incidentes das cruzadas anteriores: Frederico tomou Filippolis eAdrianpolis e marchou contra Constantinopla. Sob presso, o imperador Isaac Angelos foiobrigado a assinar a paz e garantir a passagem segura do exrcito para a sia. A penosatravessia da Anatlia tinha sido quase completada depois da importante vitria de Icniosobre os turcos (maio de 1190), quando Frederico se afogou na travessia do rio Salefe, naCilcia. J esgotado pelas dificuldades do caminho e depois por uma epidemia que grassavaem Antioquia, especialmente desencorajado pela perda de seu imperador e chefe, o exrcitose dispersou; somente algumas centenas de cavaleiros, sob o comando de Frederico da Subiachegaram at a Palestina a tempo de participar do cerco de So Joo dAcre.

    Os reis da Frana e da Inglaterra tambm haviam tomado a cruz desde 1188, mas um novoconflito retardou sua partida; somente em 1190 Felipe Augusto e Ricardo Corao-de-Leosaram de Vzelay, um por Marselha e o outro por Gnova, mas ainda precisaram passar oinverno na Siclia. Em Chipre, Isaac Comneno que conquistara a ilha em 1184 tratou malos cruzados que tempestades lanaram na sua costa. Ricardo Corao-de-Leo tomou-lhe

  • Chipre com a ajuda de Guy de Lusignan, que foi coroado rei da ilha em 1192. Por puro acaso,a cruzada se assenhoreou de uma base prxima ao reino de Jerusalm e de uma fonte deaprovisionamento segura. A chegada de Felipe Augusto, seguida pela de Ricardo, fez triunfaro cerco de So Joo dAcre, que durara dois anos e custara grande nmero de vidas; a cidadese rendeu em 12 de julho de 1191. Felipe Augusto retornou Frana e Ricardo se tornou ochefe nico da cruzada. Essa autoridade lhe permitiu resolver o problema da sucessodinstica do reino de Jerusalm. Guy de Lusignan, cuja esposa, Sibylle, falecera, conservoupessoalmente a dignidade real. Conrad de Montferrat, que acabara de desposar Isabelle, aherdeira do trono, aceitou anuir a suserania de Guy de Lusignan, sob condio de serreconhecido como seu sucessor e herdeiro do reino. Embora comandasse um poderosoexrcito, este era obrigado a permanecer nas proximidades da costa para que a frota pudesseassegurar-lhe o reabastecimento, o que significou que Ricardo no pde recuperar diretamenteJerusalm. Apesar das vitrias obtidas sobre Saladino em Arsufe em setembro de 1191 e emJaffa no ms de agosto de 1192, as comunicaes com Ascalon eram demasiado inseguras efreqentemente ameaadas para que o exrcito pudesse aventurar-se a avanar para o interior.

    O exrcito comandado por Ricardo Corao-de-Leo marchou ao longo da costa martima,acompanhado pela frota crist; foi atacado de surpresa pelo exrcito de Saladino altura dobosque de Arsufe. Imediatamente, a coluna evoluiu ordenadamente para transformar-se emuma massa bem escalonada em profundidade. Seguiu-se uma vigorosa carga que ps emdebandada os muulman