crise de habitação e a luta por moradia no pós-guerra
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Trabalho apresentado no IX Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), em 1985.TRANSCRIPT
Nabil Bonduki
çÃO"
Poucos momentos da nossa história conheceram tão sig
nlficativo grau de mobilização das massas populares urbanas corno o per!
odo do segundo pós-guerra. O fim do Estado Novo (1937-45) e a ditadura
Varguista, o processo de redemocratização, a vitória internacional ·so-
bre o fascimsmo e a legalização do partido Comunista do Brasil (PCB)
criaram um clima de euforia onde as massas populares eram chamadas a
participar - embora de forma restrita e subordinada - do processo pol!
tico.~....."'
-Coincidentemente com este processo de ascensao da
mobilização popular, vive-se um período 4e excepcional crescimento e de
desenvolvimento econômico - em grande parte proporcionado pela conjunt~
ra da guerra - que, embora tenha garantido altas taxas de lucro aos in
dustriais, comerciantes e especuladores de toda a espécie, provocou uma
grave crise de abastecimento, uma carestia sem precedentes na história
do país e consequentemente um agravamento nas condições de vida de to-
dos os assalariados.
Impedidas as importações face as restrições impostas
pela guerra, incentivadas as exportações pelos excelentes preços exter-
nos e pela escassez generalizada de produtos de toda a espécie, o cons~
midor urbano brasileiro conheceu um período de falta de quase tudo: lo~
gas filas nos armazéns e lojas, racionamento dos produtos de primeira
necessidade, câmbio negro e especulação generalizada. Racionamento do
açúcar, do pão, da banha, do óleo. Carne escondida debaixo do balcão p~
ra ser vendida só no câmbio negro. Especulação com farinha e com rayon.o quadro era de carência ger.eralizada nas cidades que, paralela~e~te ao
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=~esc'=ento econômico, recebiam um intenso fluxo populacional provocado
pelas ~igrações internas.
A coincidência destes dois processos - mobilização,
e foria e participação popular, de um lado e crise de abastecimento e
carestia de outro - gerou urna significativa sequência de protestos pop~
lares que, embora tenham ocorrido de forma espontânea, apontam e mostram
o anseio de participação política das massas. Assiste-se assim, sobretu-
do entre 1945 e 1947, a um sem número de ações de protesto contra as
condições de vida urbana que, corno fica claro ao se rever os jornais diª
rios da época/marcam o cenário das cidades brasileiras: " numa des-
sas dolorosas filas de pão da nossa capital (São Paulo) os consumidores
enraivecidos invadiram o estabelecimento para conseguirem o alimento,
que faltava a muitos ... Na pacata cidade de Ribeirão Preto urna grande
multidão atacou e invadiu diversos armazéns a fim de retirarem deles g~-neros de primeira necessidade que o povo nao conseguia adquirir sa '0 ~o
mercado negro .•• Agora o povo revoltado quis arrombar armazéns e na s~-
prefeitura de são Bernardo ... alguns populares revoltados com a abSO '~a
falta de farinha, de açGcar, de óleo, de banha etc., tentaram arro ~ar
alguns armazéns onde sabiam estar guardados os artigos de que tanto ne-
cessitavam. (1) Revoltado o povo de Taubaté invade armazéns e lojas. (2)
Depredados vários estabelecimentos comerciais no Rio. (3) Revoltas em Ja
careí e Petrópolis. (4) De novo, ônibus e cinema depredados em Niterói.
(1) (Correio paulis tano , 07/08/19461.
(2) (Correio Paulistano, 11/08/1946) .
(3) (Correio Paulistanol 31/08/1946) •
(4) (Correio Paulistano, 13/08/1946) •
3
predado o café Paraventi porque aumentou o preço do ca fe zí.nhoIê )
circ laram insistentes rumores de que populares iriam em marcha pa-
za _~ercado Municipal (de são Paulo) I tomando vulto em pouco tempo a
c_a __ante notícia. Negociantes do Mercado em face disso e tendo mesmo
recebido ameaças pelo telefone pediram garantias à Polícia ao mesmo tem
po em que fecharam as portas daquele pr5prio municipal". (7)
Num quadro de liberalização política onde o recem le
galizado PCB pregava o compromisso de manter "a ordem e a tranquilida-
de" e a "colaboração de classes" e no qual os sindicatos são mantidos -
da onda grevista de 1946, organizadas por fora dos sindicatos, mostram
como durante o Estado Novo - atrelados ao Estado -) estas manifestações
espontâneas das massas populares, nas quais se insere também boa parte
um significativo impulso de participação política dos trabalhadores ur-
banos que, impossibilitados de atuarem consequentemente via partido ou·
sindicato, lançam-se a ações autônomas, organizadas ou não.
Dentro deste quadro, assume para nos particular im-
portância um aspecto da crise de abastecimento que se vivia e dos movi
mentos populares que surgiam: aquele vinculado a aguda carência de habi
tação popular e de classe média com que se defrontou a população urbana
(5) (Correio Paulistano,24/09/l946).(6) (Correio Paulistano, 06/02/1947).(7) (Diário popular J 02/09/l946) .(8) "A crise de habitações é o maior problema do povo atualmente", (Ho-
je 08/11/1945). "Em todas as cidades de maior importância, no Bra-sil, está se processando UIT. fer.ôrr.enode escassez de residências" (Q
de todas as cidades brasileiras no período do pós-guerra. (8) Esta cri-
se específ~ca ganha grande interesse pois ultrapassa os limites da con-
a e que se deu. Embora os efeitos da guerra tenham aprofundado
e ace ..t.uado a escassez de habitações - sobretudo devido à falta de ma-
~eriais - esta crise é clara evidência de uma modificação mais estrutu-
ra~ .0 processo de produção e de comercialização de moradias no Brasil
e, e especial/na cidade de são Paulo. Foram estas transformações que
geraram e impuseram as soluções habitacionais mais comuns nas décadas
posteriores e até hoje - a autoconstrução de casas próprias em loteame~
tos periféricos e as favelas - e que criaram as condições materiais p~
ra o surgimento de um forte e vigoroso movimento popular vinculado as
questões habitacionais e urbanas.
A conjuntura específica do pós-guerra nos revela as-
pectos bastante significativos deste processo, pois foi o momento em que
as mobilizações populares em torno da habitação ganham grande importân-
cia, pondo a nu 'os novos parâmetros segundo os quais passava a se reger
o processo de produção de moradias popu~s Neste sentido, a luta contra
os despejos e o surgimento dos movimentos urbanos nos bairros periféri-
cos são claros indícios das novas condições de habitação em são Paulo.
Nosso objetivo aqui é destrinchar os fenômenos mais
importantes deste processo de transformação ao mesmo tempo em que proc~
raremos apontar as principais características dos movimentos populares
surgidos no pós-guerra, detectando a tática usada pelo PCB e sua influ-
Continuação da nota (8).•.Observador Econômico e Financeiro N9 128, Set/1946), "Moradias e trans-portes os dois grandes problemas de Sorocaba" (Hoje,17/03/1947). "Habi-tação e transportes os maiores problemas de Santos" conforme (Hoje, 19/04/1947). liA crise da casa em Campinas ..• Não se encontra nem nos bair-ros distantes" (Hoje, 21/11/1945) .
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ê~=~a ~as formas de organização que posteriormente passaram a ser pra-
tica corrente na atuàção política das massas populares.
Para tanto, parece-nos importante apontar inicialme~
te as condições habitacionais no período anterior a 30 e as profundas
modificações que a nova forma de atuação do Estado após a Revolução de
30, e mais especificamente após a implantação do Estado Novo em 1937,
trouxe para o processo da produção e comercialização de moradias em são
Paulo.
2 - HABITAÇÃO POPULAR ANTES DE 30: AS LUTAS PELA REDUÇÃO DO ALUGUEL PAS-
SAM POR FORA DO ESTADO
O problema da habitação popular no período anterior a
1930 não conheceu a intervenção estatal direta} que se restringiu a
fixação de legislação normativa e ao controle sanitário. A produção da
moradia era urna atividade exercida pela iniciativa privada, objetivando
basicamente a obtenção de rendimentos pelo investimento na construção ou
aquisição de casas de aluguel. A estrutura de nossa economia estava cen-
trada nas atividades agrário-exportadolàs, havendo forte predomínio do
comércio sobre a produção e ocupando a indústria um papel subordinado e
secundário. Dada a reduzida capacidade da indústria absorver novos e cres
centes investimentos, o "negócio" de possuir casas de aluguel se tornava
uma segura e excelente forma de se rentabilizar poupanças e recursos di~
poníveis na economia urbana. Desta forma, a iniciativa privada produziu
urna ampla gama de soluções habitacionais de aluguel - do cortiço, se-
& 6
de pequenas moradias ao longo de um corredor, à miniatura de pa-
_ace e padronizado e produzido em série - que servia' de habitação a to-
e s s estratos sociais não proprietários de são Paulo - do lumpen à
c_asse édia, passando pelo operário fabril e pelos assalariados de di
=erentes faixas de renda. (9)
Até meados da década de 30,' a produção de moradias
de aluguel garantiu o atendimento das necessidades quantitativas de ha-
bitação popular, embora em perIodos específicos, como ao fim da l~ guer-
ra e apos a revolução de 29, ocorreram crises de falta de moradia. Es-
te relativo equilíbrio entre a oferta eA procura de habitação, que em g~
ral se localizava próxima ao local de trabalho, no entanto, era propor-
cionada pela produção de pequenas moradias de locação, precárias nas suas
condições habitacionais e de área reduzida - genericamente denominadas
cortiços.
A questão dos valores dos aluguéis esteve quase sem-,
pre entregue a livre negociação entre o locador e o inquilino, não inter
vindo o Estado na sua regulamentação, como era a regra da ação estatal
no que se referia aos diversos aspectos da reprodução da força de traba-
lho. O código civil, que regulava a questão, estabelecia o "império abs~
luto da propriedade'~ nao prevendo qualquer regra na fixação dos aluguéis.
(9) Em 1920 somente 19% dos prédios de são Paulo eram habitados pelosseus proprietários.
(10) Somente por seis anos (entre 1921 e 1927) esteve em vigor a l~ Leide inquilinato que, erobora procurasse defender em alguns aspectoso inquilino, foi totalmente inócua na medida pm nue garantia aosproprietários_o direito a~soluto do despejol que ocorriam sempreque as condiçoes de locaçao se tornavam desfavoráveis aos interes-ses do locador.
{10}
7
Desta forma, constituia-se o valor do aluguel o prin
cipa_ ponto de conflito entre os proprietários e locatários e a questão
ce~tral que movia os inquilinos a se organizarem em torno do problema
da habitação. Se, por ~ lado, o Estado não intervém na produção da ha-
bitação e no controle dos aluguéis, as organizações populares não pare-
cem reconhecer no Estado o interlocutor capaz de dar andamento a suas
reivindicações em torno da questão. Embora a forte influência do anar-
quismo no movimento operário explique esta postura de não reconhecime~
to da responsabilidade estatal na questão habitacional, a própria cara~
terização do Estado no período liberal/sem interferir no âmbito da reprg
dução da força de trabalho I contribui a no sentido de levar os movimen-
tos populares a negarem o poder público corno urna instância 'a qual deve-
riam ser dirigidas reivindicações. O Estado era visto corno um mero re-
presentante dos interesses dos poderosos - fazendeiros, industriais,.
proprietários - e, portanto, sem legitimidade para arbitrar as relações
entre locadores e inquilinos.
,Assim, o Estado foi mantido a margem dos movimentos
de inquilinos que surgiram neste período. Estes, que por vezes procura-
ram se manifestar sob a forma de greves de inquilinos - não pagamento
de aluguel - visavam atingir diretamente os proprietários com o objeti-
vo de reduzir os aluguéis ou mesmo negar na prática o direito de pro-
priedade. (11) Era utilizada, portanto, a tática anarquista da ação di-
reta. Mesmo ~m'relação a funções urbanas reconhecidas corno de responsa-
(11) Sobre as greves de inquilinos, Rolnik, 1981 e o Capítulo 11.
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'~'~ace estatal, corno a implantaçao dos serviços de agua, e esgoto ou
ca_ç~~entof não parecem ter surgido organizações de base local que co-
~e~ a reivindicação destes serviços ao Estado corno a prioridade de
s 'a atuação. Embora a imprensa sempre tenha registrado reclamações de
..oradores dos bairros populares quanto ã precariedade ou ausência de
equipamentos urbanos, as Ligas Operárias de bairros, surgidas no perío-
do, não parecem centrar na reivindicação ao Estado sua atividade prior!
tária, mas sim na organização autônoma dos trabalhadores para, através
da ação direta, modificar a estrutura social. Estas Ligas, que tiveram
um papel da maior importância na organização da greve de 1917, express~
varo uma forma de incorporar ao movimento operário outros setores sociais
populares, levantando questões ligadas ao consumo-valor do aluguel, pr~
ço e qualidade dos produtos de primeira necessidade etc. Assim, por exem
plo, vemos entre as reivindicações dos grevistas de 17, além daquelas
referentes ao mundo do trabalho, a redução em 30% dos aluguéis. As Li~
gas, entretanto, jamais tiveram corno características - pelo menos que
até agora tenha sido detectada - dirigir sua ação ao Estado, pedindo m~
lhorias para os bairros populares)pois tal atitude significaria legit~
mar o Estado, quando o objetivo primordial dos anarquistas é destruí-
10. Esta característica das Ligas Operárias de inspiração anarquista
torna-as totalmente distintas das posteriores Sociedades de Amigos de
Bairros que, como veremos, centram sua ação política nos pedidos, rei-
vindicações, abaixo-assinados etc. dirigidos ao Estado, sem quase nun-
ca expressarem objetivos políticos mais abrangentes.
Ainda que breves, estas observações sobre a prática e a
organização anarquista a nível de local de moradia em boa parte ainda
não estudadas - contribuem pela contraposição, para a compreensao mais
a~~=aca das características dos movimentos populares em torno da habi-
~aça s rgidos posteriormente, que serão estudados adiante.
3 - O ESTADO ENTRA EM CENA EM 1930
A revolução de 30 marca um ponto de ruptura na forma de
intervenção do Estado na economia e em diversos aspectos da reprodução
da força de trabalho. A partir da destruição das regras do jogo que fa-
ziam do poder pUblico um mero representante dos interesses da economia
agro-exportadora, vai-se desenvolver, depois de 1930, um longo processo
de criação das novas condições que passam a fazer das atividades urbano-
industriais as centrais na nossa economia. (12) A base de sustentação P2lítica do novo regime teve necessariamente que ser modificada através da
A compreensao deste novo relacionamento - organizações
incorporação de novos setores sociais emergentes - entre os quais se des
taca as massas populares urbanas. Assim como, frente a nova configuração
do poder, o Estado teve de desenvolver uma política específica para este
setor social, surgiram também entre as massas populares urbanas novas
formas de organização e de manifestação que passam a reconhecer no Esta-
do o responsável pelo atendimento dos mais diversos aspectos das suas
condições de vida, entre eles a questão da habitação.
populares de base territoriaJ/ poder pUblico - requer a explicitação de
como passa a se dar a intervenção do Estado no âmbito da reprodução da" -força de trabalho r . particularmente no que toca a habi taçao.
(12 ) (O 1i ve i ra, 1972) .
10
Premido pela necessidade de legitimar o poder político
g~e assOU a deter a partir da Revolução de 30, Vargas teve qUe estabe
_ecer a solução de compromisso de novo tipo,já que nenhum dos novos
gr~pos participantes do poder - classes médias, tenentes, oligarquias
periféricas etc. - podia oferecer as bases de legitimidade do Estado.
Surge assim na história brasileira um novo personagem: as massas popu-
lares urbanas que passam a garantir a legitimidade ao novo estado brasi
leiro. (13) Assim legitimado e de certa forma pairando sobre todas as
classes, o que significava abrir-se a todos os tipos de pressoes sem se
subordinar exclusivamente aos objetivos imediatos de qualquer uma delas,
o Estado brasileiro pós-30 pode formular uma política econômica e so-
cial que, apesar de as vezes ser contraditória e descontínua, apresenta
certas características bem definidas. Entre estas, a necessidade de im-
pulsionar uma política dirigida aos trabalhadores passa a ser uma exi-
gência, tanto para firmar a solução de compromisso coro as massas como
para montar uma estratégia de desenvolvimento econômico baseado na indús
tria e que requeria a definição de um horizonte de cálculo com os encar-
gos trabalhistas para as empr~sas capitalistas, até então deixados ao li
vre jogo do mercado.
(13) (Wef f ort , 198O) •
~ sob estas circunstâncias que deve ser vista a longa se
rie de intervenções do Estado Varguista no campo trabalhista: criação
dos sindicatos oficiais, implantação dos Institutos de Aposentadoria e
Previdência, legislação trabalhista, fixação do salário mínimo etc. A
11. \
~estão habitacional também nao ficou livre desta crescente intervenção-Estado, que se deu em três níveis distintos: 1) a criação das Car-
te~ras prediais dos Institutos de Previdência em 1938~~~~----------------~~~~~~~~~------------)- represe!!
ta do o inicio da produção direta ou financiamento de unidades habitacio
nais por órgãos estatais, tendência reforçada em 1946 pela criação da
Fundação da Casa Popular (FCP) i 2) o decreto da Lei do Inquilinato ) em
1942 - congelando e controlando os aluguéis e dando início ~ regulament~
çao das condições de locação, até então deixadas ~ livre negociação en-
tre proprietários e inquilinos. 3) O Decreto-lei 58 de 1938,que regu-
lamentou os loteamentos populares, garantindo a aquisição de terrenos à
prestação.
Estas três medidas de intervenção se situam exata ,ente
numa política mais geral que procura oferecer ao Estado seus suportes
de legi timação. Corno afirma Weffort, "necessi·tados do apoio das raas sas
urbanas, os detentores do poder se veem obrigados a decidir, o jogo ~cs
interesses, pelas alternativas que se enquadram nas linhas de ne"-or re-
sistência ou de maior apoio popular!' (14) A habitação sempre represe"--
tou um grande ônus e um problema dos mais graves a ser resolvido pela
classe trabalhadora urbana. Visto consumir o aluguel da moradia uma pa~
cela considerável do salário (15) e assumir as características da habita
ção um alto significado simbólico (16).a formulação pelo Estado de um
(14) (Weffort, 1980).(15) Por volta de 1940, diversas pesquisas apontam corno sendo de aproxi-
madamente 20% do orçamento familiar o gasto mensal médio com alu-guel.
(16) Na época desenvolvia-se uma campanha de cunho ideológico que busca-va estigmatizar certas soluções habitacionais utilizadas em largaescala pelas classes populares urbanas como o cortiço e as casas c~letivas.
~~==ã ce habitação - vinculado a casa uni-familiar - e sobretudo, o la~
~-- ~~ de projetos estatais de produção de moradias subsidiadas)tinham
~?:a aceitação pelas massas populares urbanas e procuravam mostrar um
Estado preocupado e atuante em relação 'às condições de vida da "popula-
çao enos favorecidall. Certamente o número de unidades produzidas pelos
guel uma parcela fixa de grande peso a ser dispendida mensalmente, -nao
IAPs e FCP foi irrisório frente às necessidades h ab ít.ac í.one.í.s , mas o im-
portante era mostrar que se fazia algo neste setor, que o Estado assumia
seu compromisso de "propiciar melhor alojamento às forças vivás do tra-
balholl. Além disto, a prática de distribuição das casas assim p~oduzidas,
baseada num novo tipo de clientelismo, mostrava-se de grande utilidade à
criação do suporte político ao regime.
Já o decreto da Lei do Inquilinato em 1942, instituindo
o controle estatal dos aluguéis constituiu medida de maior alcance e
que provocou maiores consequências na produção, distribuição e consumo
de moradias populares. O congela~ento dos aluguéis inclui-se entre aqu~
Ias medidas aplicadas pelo Estado populista nas quais fica difícil saber
se correspondem a uma política deliberada ou se é meramente uma decisão
útil para ampliar as bases do poder.
No início da década de 40 a grande maioria dos trabalha
dores e da classe média ainda ocupava casas de aluguel &(17) Sendo o alu
nos parece necessário mostrar o forte impacto que o congelamento dos alu.
guéis provocou entre as massas urbanas, sobretudo se levarmos em conta
(17) Segundo o censo de 1940 apenas 25% dos domicílios de são Paulo eramocupados por proprietários. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1940).
13
~e os índices do custo de vida e da inflação vinham subindo de forma
i~~sitada desde 1938. A lei teve portanto ampla aceitação, servindo
Fle~a;..ente como forma de ampliar as bases de sustentação do regime. No
entanto, é preciso ter certo cuidado ao abordar esta questão pois o go-
verno sempre procurou supervalorizar o aspecto de "defesa da economia
popular" da lei, quando, parece-nos, ele tinha em mente um objetivo
mais estrutural. Assim, um mês e meio antes do decreto da dita lei "pr~
cessou-se nesta capital (Rio de Janeiro), pela primeira vez, um protes-
to organizado contra o aumento abusivo e injustificado dos aluguéis dos
cômodos; a reunião despertou enorme interesse e curiosidade e mimeo-.
grafou-se um boletim distribuído de porta em portal! o (18) Embora sejam
escassas as informações de que dispomos sobre este movimento, dadas as
características do período ditatorial, que atingia em 1942 o apogeu do
seu aparato repressivo e da censura prévia à imprensa, não nos parece
crível que tal manifestação pudesse se dar sem contar com o apoio tác!
to do governo ou mesmo sem ter sido impulsionada e promovida por gente
vinculada ao regime, visando criar um clima político propício da Lei do
Inquilinato. Esta, aparecia assim como uma resposta a um anseio popular
expresso e generalizado, reforçando, como desejava o governo, o caráter
de "defesa da economia popular" da lei.
Estas considerações se fazem necessárias visto conside-
rarmos que, embora o congelamento dos aluguéis fosse uma medida simpát~
ca às classes populares urbanas~ o governo usou-o como um instrumento
de política econômica.
(18) (Folha de são Paulo, 03/07/1942).
, . 14
A análise do aumento do custo de vida entre 1937 e 1942,
se~a~ado para os diversos itens da cesta de consumo. mostra que o custo
êe ~abitação foi o que menos encareceu no período, se situando abaixo
co a-mento médio do custo de vida e muito abaixo do aumento do custo da
alimentação. (19) Assim, parece exagerado se falar em "abusivos aurnen-
tos de aluguéisll, sem se referir ao aumento de todos os produtos de con
sumo popular, de resto muito mais acentuado. Parece que se buscava atri
buir à habitação um peso muito maior do que realmente ela tinha no enca
recimento geral do custo de vida, para justificar uma medida drástica de
controle dos aluguéis.
A análise mais geral do processo de desenvolvimento eco-
nômico no Brasil neste período nos revela outros aspectos significativos
para a explicação da política oficial de locação que praticamente mante-
Como se sabe, busca-se neste período impulsionar um pro-
ve o congelamento dos valores nominais dos aluguéis entre 1942 e 1964.
cesso de industrialização que não conta com uma base de acumulação pré-
via nem com disponibilidade de capitais externos. Seria portanto necessa
rio mobilizar capitais internos, canalizando para a empresa industrial
recursos que normalmente se inclinariam para outros setores da economia.
(19) Segundo a Subdivisão de Documenta2ão Social e Estatísticas Hunici-pais da Prefeitura Municipal de Sao Paulo, o aumento dos gastos fa-miliares por itens da cesta de consumo foi~seguinte para o períodode 1939 a 1943: alimentação 46,4%; habitacão 3,6%; total dos itens45,6%. Para a Associação Corr.ercialde são'paulo, os mesmos índicespara os anos de 1935 e 1943 foram alimentação 89,4%; habitação 26,6%;geral 58,4%. Em toàas as fontes pesquisadas, apesar de haver algumadiscrepância entre os nú~eros, sempre o aumento do custo da habitação foi menor que os àe~ais. -
15
este objetivo o governo tomou uma série de medidas de controle admi
~is_rativo que substituem os mecanismosde mercado, visando fazer a eco-
..~ía =uncionar de forma não automática. A Lei do Inquilinato foi fixa-/ca, pelo menos complementarmente, com este carater. O congelamento dos
aluguéis em 1942 e suas sucessivas renovações, que faziam cair as novas
construções nas mesmas condições das demais, criaram uma situação abs~
1utamente desfavorável ao investimento em moradias de aluguel, forçan-
do, ao contrário, a venda das casas então a1ugadas, como forma de reaver
o capital investido e desvalorizado por aluguéis desatua1izados. Como vi
mos, a construção de casas de aluguel tinha sido até então um setor bas-
tante importante de investimento, que atraia poupanças de diferentes di
mensoes. Com o congelamento dos aluguéis, o investimento neste setor
deixa de ser interessante, liberando recursos para a aplicação na indús-
tria, inclusive através da subcriação de ações.
O congelamento dos aluguéis também se situa entre as me-
didas que visam reduzir o custo de reprodução da força de trabalho para
elevar o patamar de acumulação da empresa capitalista ,uma dcts estraté-
gias utilizadas para intensificar o processo de crescimento industrial.
A Lei do Inquilinato servia portanto excepcionalmente ao modelo de de-
senvo1vimento econômico que se procurava impulsionar, tanto por canali-
zar recursos ao setor industrial corno por contribuir para a redução do
valor da força de trabalho e dos salários.
ções nas grandes cidades brasileiras que ademais recebiam um intensoJ }
Consequentemente, o abandonQ da iniciativa privada da
construção de casas de aluguel para a população de baixos rendimentos
não podia deixar de aumentar de forma dramática a carência de habita-
fluxo migratório provocado pelas novas condições econômicas que passa-
• >
16
-:- a reger nossa sociedade. (20)
Certamente, a estabilização dos valores locativos pode
te= eneficiado o setor da população que já se encontrava alojada. Es-
te benefício, entretanto, é relativo: de um lado, os incrementos sala-
riais, quando ocorrem, baseiam seus cálculos, no que se refere ao custo
da habitação, nos valores dos aluguéis congelados, o que significa que
os já alojados somente não foram tão prejudicados como os demais; por
outro, os proprietários vão utilizar todos os expedientes possíveis pa-
ra elevar os rendimentos de suas casas de aluguel - desde a cobrança
"por fora" de taxas adicionais até a venda da casa.
A efetivação da maior parte destes expedientes passara
pelo despejo ou pela ameaça de despejo dos inquilinos, que se consti-
tuiu no grande problema que afligiu- e mobilizou - uma boa parte da po-
pulação dos grandes centros urbanos já alojada em moradias de aluguel.
Este problema se acentua nos anos do pós-guerra, quando se tornou qua-
se imposslvel encontrar uma moradia por aluguel compatível com o salá-
rio percebido pela população de baixos rendimentos, gerando movimentos
esparsos e localizados contra os despejos, além de tentativas de organ!
zar um movimento mais geral pela suspensão por prazo determinado de to
dos os despejos no país - questões que detalharemos mais adiante.
(20) A população paulistana passou de 1.300.000 habitantes em 1940 para2.200.000 em 1950. O fluxo migratório se acentua admiravelmente nosanos críticos da crise de habitação, 1945 e 1946. Seglli!dodados fornecidos pelo Serviço de Raci~n~~ento do Açúcar, durante estes doisanos entraram na cidade de Sao Paulo exatamente 197.678 pessoas.(Correio Paulistano, 05/11/1947).
17
Se para a população que já ocupava uma moradia o despe-
significava a ameaça de ficar sem ter para onde ir, aos novos contin
ge~tes de trabalhadores que ~hegavam em grande número a são Paulo, a
q estão já se colocava de pronto: onde morar? A quase paralização ou a
dininuição da construção de moradias de baixo aluguel pela iniciativa
privada - provocada tanto pela insegurança causada pela Lei do Inquil~
nato, como pela dificuldade de obtenção de alguns materiais de constru-
çao durante a guerra e pelo surgimento de novos negócios imobiliários
que apresentavam maiores atrativos para os empreendendores privados, c~
mo por exemplo) a incorporação de edifícios para escritórios e habitação
das classes média e alta--deixava aqueles que chegavam à metrópole e
os que eram despejados sem alternativa de moradia.
Consequentemente iremos assistir,a partir da década de
40lao surgimento ou aodesenvolvimento em larga escala de novas soluções
habitacionais que até então ou eram inexistentes ou ainda não eram muito
difundidas em são Paulo: a favela e a casa própria autoconstruída em
loteamentos periféricos desprovidos de qualquer melhoria urbana. Ambas
as soluções se caracterizavam pela inexistência de investimento privado
ou público na construção da moradia, ou seja, pela transferência dos en
cargos da confecção das casas de empreendedores especializados para o
próprio morador. ~ este o momernto, portanto, em que a iniciativa priva-
da deixa de ter uma presença significativa na produção de habitação po-
pular, se configurando o quadro habitacional que se manterá por quase
quatro décadas.
As primeiras favelas de são Paulo aparecem, somente no
início da década de 40. Se for~an em terrenos pÚblicos localizados em
áreas bastante próximas ao centro, onde famílias recém-chegadas a são
18,,
Pa 10 ou que tivessem sido despejadas constroem casas precárias. Algumas
vezes, durante o período mais agudo da crise de habitação, no pós-guer-
ra, a própria prefeitura construiu barracões edificados em série para
sere ocupados pelos "sem teto", numa política de angariar prestígio p~
pular - e evitar explosões sociais - às vésperas das eleições. De qual-
quer forma, o fenômeno do enfavelarnento não logrou se desenvolver em
larga escala em são Paulo antes da década de 70, ficando até então res-
trito a algumas pequenas áreas da cidade e agregando urna população nao
muito numerosa.
A solução habitacional que veio atender a grande dema~
da existente foi, indubitavelmente, a construção da casa pelo próprio
morador em lotes periféricos comprados a prestações e carentes de todo
e qualquer serviço. Esta solução, embora sempre tenha existido em são
Paulo, nunca atingiu maiores proporções até meados da década de 30. A
partir da Primeira Guerra urna parcela considerável da área externa da ci
dade foi arruada e colocada à venda em prestações. Apesar disto, a maior
parte destes loteamentos ficaram durante muitos anos quase desocupados,
corno se houvesse urna resistência da população em se submeter às condições
de moradia existentes naqueles rincões da cidade. Estes se caracteriza-
vam por urna enorme carência de transportes posto que o bonde, único
meio de transporte coletivo existente até meados da década de 20 e mes
teamentos; pela inexistência de qualquer equipamento urbano, não haven-
mo o ônibus a partir de então, não atingiam a maior parte destes 10-
do a menor possibilidade de, a curto prazo, esses equipamentos serem ins
talados dada a sua desocupação e o grande crescimento da área arruada
de são Paulo e, finalmente, por urna grande dificuldade de construir.
nas, efetivamente, o motivo mais forte que desestimulava o morador de
19
sã _aulo a ingressar no longo e penoso processo de construção de suas
~oradias nestes loteamentos periféricos é que,' até fins da década de 30,
podia-se ainda alugar uma moradia situada em zonas não muito afastadas
e servidas por algum equipamento urbano por um preço passível de ser p~
go pela população de baixa renda.
A crise de habitação que atingiu são Paulo durante a
década de 40, provocada tanto pela diminuição da oferta como pelo gran-
A precariedade urbana e a falta de equipamentos ce i~-
de crescimento da demanda consequente do intenso processo migratório)s~
ra a grande mola propulsora do crescimento acelerado destes loteamentos.
Enfim, foi a falta de qualquer outra solução habitacional que levou boa
parte da população paulistana a "optar" por esta forma de morar baseada
no trinômio loteamento periférico - casa própria - autoconstr ção, ~ue
redundava numa série de sacriflcios e carências a seus habitantes.
fra-estrutura e transporte foram os principais móveis que levaram os ~~
radores destes loteamentos a se mobilizar e desenvolver uma série de
ações reivíndicatórias que visaram forçar o Estado a suprir as carências
urbanas existentes. Os primeiros sinais destas lutas aparecem em são Pa~
10 no pós-guerra tanto por ter sido este um período de mobilização popu-
lar onde o PCB) na legalidade cumpriu um papel importante, como porI
ser exatamente neste momento que estes loteamentos passaram a receber
uma ocupação substancial, agravando os problemas existentes e criando
condições mais adequadas para o surgimento de organizações e movimentos
de base territorial.
20
SE1·~-TETONA LUTA CONTRA OS DESPEJOS
-"Os despejos unem os paulistanos. As açoes de despejo
~e= a população da Paulicéia. Diariamente sobe e desce as escadarias
porque as favelas não existem só na v~rzea do Penteado, até o prédi
do _alácio da Justiça uma multidão de velhos, moços, homens e mulhe-
res que ali vao com as notificações em punho; nos lábios a pergunta
inquieta: 'onde morar?'; na frente dos olhos um futuro sombrio. ~ que
diariamente, são requeri das ações de despejo pelas mais diferentes
alegações desmoralizadas: 'Quero o prédio para meu uso'; 'Para uso da
minha família'; 'Para construir uma obra de vulto'. -Desta maneira sao
postos abaixo (quando o são) desde a 'favelinha' da rua da Assembléia,
de apartamentos da Praça da República. A população está es o CO~~2~a-
da a morar na rua". (21)
O problema dos de$pejos se constituiu/no pos-g·e~~a/~G
mais importante e angustiante problema habi tacional surgido nos b aí.z r. s
tradicionais e consolidados de são Paulo. O significado real desta q es
tão é mais amplo do que à primeira vista poderia parecer: representa o
processo concreto de expulsão da população de baixa renda das mora-
dias de aluguel produzidas comercialmente por empreendedores privados
em áreas urbanas relativamente bem equipadas e situadas próximas aos 10
cais de emprego. Se tivermos em conta que a grande transformação que
ocorreu na produção e distribuição de moradias populares em são Paulo
no momento de formação da me t.r ópo Le industrial foi o gradati vo abandono
(21) (Correio Paulistano, 28/07/1946).
21
?=:a ~ _~ciativa privada do mercado habitacional de baixa renda e a conso
:~~aça do padrão periférico de crescimento urbano, onde o próprio mora-
- ~ =oàuz sua casa, o processo dos despejos foi um dos móveis concretos
a~ra·és dos quais esta transformaçao se deu.
~ bastante difícil estimar o total de famílias despej~
das durante o período mais aguda de crise de habitação, ou seja entre
1945 e 1948. Em 1945 foram assinadas pelos juízes 2.614 ações de despe-
jo, número que subiu a 5.121 em 1946 (22) e que atingiu somente em ja-
neiro de 1947, 491 casos.(23) Estas são, no entanto, somente as ações
de despejo que chegaram a julgamento pois um número incalculável de ou-
tros despejos se efetivaram sem necessidade de passar por tribunal. Ade
mais, uma única ação significava muitas vezes o despejo de dezenas de fa
mílias como acontecia no caso, aliás bastante frequente, de ações de
despejo· contra cortiços e casas coletivas. Assim, tomando somente os da
dos oficiais relativos aos anos de 1945 e 1946 e considerando, num cál
culo otimista, que cada açao de despejo atingia urna média de duas famí-
lias, teríamos para estes dois anos mais de 15.000 famílias despejadas,
ou seja, aproximadamente 75.000 pessoas. Este total corresponderia a
mais de 4% da população de são Paulo destes anos. Tendo em vista que a
crise de habitação se estendeu pelo menos até 1948 € que o número real
de despejos ultrapassa a estatística jurídica, pode-se afirmar que os
despejos atingiram na epoca entre 10 e 15% dos paulistanos, o que nos dá
uma idéia da extensão do fenômeno.
(22) (Correio Paulistano, 28/07/l946).(23) (Correio Paulistano, 02/02/1947).
22.,,
Para compreender porque os despejos atingiram tamanha
~-~e~sã e preciso rever os mecanismos que regiam o mercado de casas de
a_~~~e_ no período em estudo, destacando o papel desempenhado pela Lei
d =~_ctlinato.
Como vimos, o decreto-lei de 1942, sobre o inquilinato,
congelou por dois anos todos os valores locativos, fazendo ainda retroce
dera~ preços de 31/12/41 todos os aluguéis que tivessem sido elevados a
partir daquela data. Assim, os proprietários de moradias de aluguel pass~
ram a ter rendimentos declinantes, visto a inflação e o custo de vida
crescerem acentuadamente no período. Frente 'a impossiblidade de aumenta~
rem legalmente os aluguéis, os proprietários começaram a montar diversas
estratégias para fazer seus rendimentos de alguma forma crescerem. Es-
tas passavam quase sempre pela expulsão dos antigos moradores. Inicial-
mente os expedientes utilizados são ainda grosseiros e à medida que os
anos passam-o congelamento foi renovado por decreto em 1944, 1945 e
1946 - foram se aprimorando e se refinando. Assi~ logo no início de
1943 lia SuperintendênCia de Segurança Pública e Social tem tido notícia
de numerosos casos de arbitrariedades praticadqs por senhorios, com
o propósito de compelir inquilinos a mudar-se 'espontaneamente' sempre
que não encontram amparo na lei para proceder ao d~spejo legal. O des-
telhamento das casas, a danificação dos fogões e dos canos das instala-
ções de água e esgotos constituem as principais violências que vêm sen-
do postas em práticas por proprietáriosll& (241 O objetivo dos senhorios
é claro: visto não poderem elevar os aluguéis,o jeito é impingir os in-
(24) (Correio Paulistano, 29/01/1943).
23
,,.'
quili~os a se retirar para, numa nova locação, elevar os valores loca-
t~··s. Estando os aluguéis antigos congelados e tendo as novas constru-
ç es se reduzido substancialmente enquanto a demanda cresceu, o proprie-
tário q e tivesse sua casa desocupada poderia alugá-Ia a um preço bas-\.
tante superior ao valor congelado. Além disto, frente a falta de moradia
q~e gradativamente vai se agravando, os locatários passam a só alugar
suas moradias mediante o pagamento antecipado de urna quantia fixa, a t!
tulo de luvas. Assim, despejar o inquilino antigo passa a ser um exce-
lente negócio. Os casos de despejos legalmente permitidos, no entanto,
são bastante restritos, limitando-se aos proprietários que provassem t~
rem necessidade da casa para moradia própria ou de ascendente e de des-
cendentei aos inquilinos que deixassem de pagar os aluguéis e aos pro-
prietários que fossem demolir a edificação para construir outra de
maior dimensão. ~ porísso que nos primeiros tempos de vigência da lei os
proprietários passaram a agir de forma a compelir os inquilinos a "vo-
luntariamente" deixarem suas casas. O governo, frente a estas arbitrarie
dades, age dentro de sua postura de se equilibrar entre interesses opo§
tos. Assim, segundo determinações do Superintendente da Segurança Públi-
ca e Social "os senhorios que destelharem ou depredarem os seus prédios
para forçarem a mudança dos inquilinos serão detidos e obrigados à res-
tauração" se reafirmando que "não assiste ao locador ou sub-Iocador o
direito de interromper o fornecimento da luz, gás ou água aos prédios ou
cômodos .•. ; em tais casos a Secção de Ordem Econômica compelirá os se-
nhorios a restabelecer aqueles fornecí.rnon+o s ", (25) O governo procuravaI
{25} "Penso que somente em 30% das ações de despejo haverá sinceridade.O restante não passa de ardil para elevação do aluguel" - segundoparecer do advogado Nelson Pannoin. (Correio Paulistano, 02/02/1947) •
24
desta forma1se mostrar simpático aos problemas populares, dentro de uma
política mais geral de se legitimar mediante o apoio das massas popula-
res urbanas. Por outro lado, deixava bem delimitado qual era o campo
possível de ação para os proprietários r ou seja, o despejo legal.
o car~ter mais importante de atitudes governamentais-como estas, que sao abundantemente divulgadas pela imprensa, é o de ir
.l€ocriando uma consciência nos inquilinosYque havia amparo legal para rea-
girem frente às arbitrariedades dos proprietários. Esta consciência é da
maior importância posto que interpõe o Estado e seu aparelho legal e re-
pressivo como intermediário entre os proprietários e inquilinos, refor-
çando a idéia que o regime procurava incutir de que o Estado e o gover-
no era o "que rda-rch uv a " protetor dos trabalhadores. Assim, por exemplo,
quando os proprietários tentavam elevar os aluguéis ou impingir a deso
cupação do imóvel por qualquer meio ilegal bastava o inquilino denunciar
o proprietário na Delegacia de Ordem Econômica para que a polícia obri-
gasse o locador a restituir as condições anteriores de locação, enqua-
drando ainda o proprietário em crime contra a economia popular.
Longe estava, porem, o Estado de garantir uma situa-
ção tranquila aos inquilinos. Muito pelo contrário, o que este fazia
era delimitar claramente o terreno dentro do qual o conflito entre in-
quilinos e proprietários se daria: o campo das artimanhas e brechas j~
diciais. Frente a uma resistência "legal" da população contra as burlas
da Lei do Inquilinato, vai se desenvolvendo gradativamente uma série de
expedientes jurídicos para possibilitar o despejo legal. Embora os ca-
sos de despejo previstos na lei fossem limitados/foi possível encon-
trar inúmeras "brechas" na legislação que permitiu aos juízes mais fa-
voráveis aos proprietários despacharem ordem de despejo. Aliás, as diver
, , 25
~as leis do inquilinato sempre deixaram abertas as portas que acabam
possibilitando o despejo. Os proprietários que contassem com recursos
para levar adiante um processo judicial podiam, caso não encontrassem urna
forte resistência dos inquilinos, conseguir o despejo legal, utilizan
do-se de advogados especializados neste tipo de açao e que usavam, via
de regra, argumentos falsos.(26) Foi, então, sobretudo pela via legal
que a maior parte dosdespejosse deu.
Estes passam a crescer a medida que os anos passam e~o congelamento dos aluguéis permanece, tornando a situação mais incomoda
para os proprietários. Um fator importante a ser considerado para a com-
preensão da situação e que durante o período da guerra o preço dos imó-
veis se valorizavam significativamente, sobretudo na área central da
cidade. Esta valorização se explica por motivos de ordem geral, posto
que os elevados índices de inflação provocam urna corrida aos imóveis
e por razões locais, visto são Paulo passar na época por urna radical ci-
rurgia urbana. Durante o Estado Novo (1937/45) o prefeito Prestes Maia
implanta na zona central e adjacências o chamado Plano de Avenidas,
abrindo ou alargando dezenas de novas vias que visavam ampliar o centro
de negócios e revitalizar zonas que, embora fossem centrais, eram con-
sideradas deterioradas (leia-se habitadas pela população d~ baixa ren
da). As transformações viárias, as demolições e consequentemente as mo-
dificações imobiliárias provocam urna acentuada elevação nos preços dos
terrenos nas áreas da cidade atingidas pela "cirurgia urbana" e
acompanhada por um intenso processo de verticalização.
(26) A cobrança de luvas era ilegal e podia levar o senhorio à prisão.No entanto, esta prática foi utilizada com grande frequência nas n~vas locações, muitas vezes disfarçadas corno "venda de móveis queguarnecem a moradia". A impunidade desta prática ilegal era tananhaque os proprietários chegavam a incluir essa exigência nos anúnciosde jornal.
26•
Percebe-se que dois fenômenos estavam ocorrendo si-
, ltaneamente: de um lado o valor real dos terrenos ou imóveis se ele-
vava ; de outro o valor locativo (real) dos prédios alugados se redu-
ziam. Esta disparidade imensa entre o valor real do imóvel e seu alu-
guel foi a causa principal que levou os proprietários a procurar se des
vencilhar dos antigos inquilinos através do despejo e muitas vezes da
própria demolição da construção antiga.
Assim; a questão do despejo se colocou no centro dos
conflitos entre os proprietários e os inquilinos. Para os proprietários
despejar significava trazer o rendimento do imóvel ao nível do seu va-'
lor real, seja vendendo-o para moradia de um terceiro ou para a renov~
ção do prédio, seja realugando-o por um preço várias vezes superior ao
valor antigo, se beneficiando ainda do recebimento das "luvas", disfar-
çada sob diferentes formas.
Para os inquilinos o despejo era o martírio: "nada
mais de 86 pessoas foram postas na rua, sem mais aquela, não tendo pos-
"Me diga para onde a gente vai? •. Se o Sr. me arranjar um lugar para
sibilidade de màneira alguma de arranj ar um teto para se abrigar" ..(27)
morar eu mudo". (28) Pois se eles não tem para onde ir como poderão
desocupar o prédio em que moram? (29) O despejo equivale a ~ma sentença
(27) Notícia referente ao despejo de um cortiço na rua Barão de Piraci-caba. (Correio Paulistano) 14/07/1946) .
(28) Resposta do Sr. Francisco sá - um dos inúmeros inquilinos de um imóvel na Praça da RepÚblica que sofria ação de despejo - ao propriet~rio, como sua argumentação para resistir ao despejo. (Correio Pau-listano) 28/07/1946).
(29) (Correio Paulistano, 31/07/1946).
27. ,
-e - ~e contra dezenas de inocentes. (30) A quem deve recorrer o infe-z que fica sem teto? •. Não há casas. Não há quartos (31) .•. algu-
as dezenas de inquilinos do prédio da Rua Fortaleza 160 veem-se na
contingência de serem postos hoje ou amanhã na rua sem ter para onde
ir (32) ... o procurador Sr. Mesquita enviou uma circular aos seus 100
locatários, avisando-os de que, como o prédio vai ser vendido,digam um
verso bem bonito, façam adeus e vao se embora. Todas as famílias estão
aterrorizadas. Para onde ir numa hora como esta"? (33)
o quadro configurado era de um conflito latente: pro-
prietários querendo despejar de qualquer maneira os inquilinos e estes
se vendo na contingênciade, se despejados, não conseguirem encontrar
qualquer moradia do mesmo padrão por um aluguel compatível com seus sa-
lários. Será em função desta circunstância que a luta contra os despejos
passa a desempenhar um papel da maior importância: será o movimento con-
ereto que a população empreenderá pelo direito à habitação, entendida
esta como uma moradia pronta e ligada aos equipamentos urbanos básicos,
como eram boa parte das habitações populares até este período. Frente à
falta de habitações de aluguel adequadas, as alternativas que restavam
aos inquilinos despejados eram encontrar uma moradia de aluguel em con-
dições habitacionais bem mais precárias que a casa anterior a um preço
mais elevado, se instalar numa das favelas nascentes ou comprar um lote
de periferia sem qualquer infra-estrutura urbana e carente de transpor-
te e ingressar no longo processo de construção da casa. Resistir ao des
pejo era portanto resistir a estas soluções habitacionais que a partir
(30) petição de um advogado que clama pela permanência dos inquilinosde um cortiço situado à rua Fortaleza ameaçados de despejo. (Co~reio Paulistano, 20/08/1946).
(31) (Correio Paulistano, 23/08/1946).(32) (Correio Paulistano, 27/08/1946).(33) (Correio Paulistano, 20/12/1946).
"28
~e e~~a - e até hoje - passaram a se constituir nas soluções mais uti-
~~=a~as pela população de baixa renda para se abrigar. Esta é a dimensão
CD -~.~~ento contra os despejos, visto que quando se argumentava que
"::ão ha ia casas" "não se tinha para onde ir" "vamos ficar na rua" etc,
o padrão de moradia que está presente é o da casa pronta; na verdade, -existia uma enorme quantidade de lotes a venda na periferia de Sao
Paulo e-a prestações compatíveis com os salários da grande maioria da
população de baixa renda.
Mas vejamos como este movimento se expressa. A resis-
tência contra os despejos tomou basicamente duas formas: uma mais ge- -
ral, que reivindicava a mudança da Lei do Inquilinato de forma a suspe~
der toda e qualquer ação de despejo por um prazo determinado e outra
particularizada em centenas de resistências isoladas, onde inquilinos ou
grupos de inquilinos procuravam se organizar para fugir ao seu próprio
despejo. Apesar das características dos movimentos que estas duas formas
de resistências geraram serem basioamente diferentes, elas aparecem mu!
tas vezes juntas, visto a segunda se constituir no argumento concreto
.que justifica a necessidade de efetivação da primeira.
Desde que os despejos passaram a se intensificar, °que coincide com ° momento mais agudo de falta de moradia (aliás,os
dois fenômenos são manifestações de um mesmo problema) vão crescendo as
resistências individuais de inquilinos ou de grupos de inquilinos con-
tra seu despejo. Esta resistência se dá principalmente sob a via jurí-
dica, pois este era o campo delimitado onde a disputa ocorria. No en-
tanto, o apelo dos inquilinos contra o despejo, procurando mobilizar
a opinião pÚblica através da imprensa e de manifestações de rualvisa-
ram criar um clima emocional capaz de pressionar o juíz a não assinar a
29
~~~e= ce despejo ou então a adiá-Ia por um prazo maior de tempo. Ten--Q e- dsta que a grande maioria dos argumentos utilizados nas açoes
=~Ciciais de despejo são falsasloS juízes podiam ou não ser mais ri-
g ~ sos na exigência de comprovaçao das alegações expressas pelos pro-
p~ietários. Através de denúncias da situação real do imóvel, do pro-
prietário ou mesmo da mera alegação do grave problema social que o des-
legalmente a ordem de despejo ou que este se constituiria num ataque ao
pejo causaria, os inquilinos procuravam mostrar que não se justificava
(cortiços ou prédios de apartamentos) constituiam comissões de morado
direito social de habitação. Grupos de inquilinos de um mesmo imóvel
res que procurava a imprensa, deputados ou os Comitês Democráticos e
Populares pedindo apoio e divulgação para seu problema específico. Por
vezes os inquilinos chegavam a promover movimentos mais ruidosos, como
por exemplo, o grande movimento contra o despejo de 110 famílias do
Edifício Carmine Sérgio quando os moradores realizaram passeatas e
concentrações em gabinetes governamentais.
Em geral, o movimento que os inquilinos moveram tem
como alvo o Estado, refletindo a nova posição assumida por este no que~se refere a questão da habitação. Ora, se o governo está legislando e
regulando as regras que regem a locação, fica claro aos moradores que
é a ele que os problemas habitacionais devem ser dirigidos, isto e, se
tro, proteger os mais fracos e garantir uma solução adequada ao pro-
configura uma situação política onde cabe ao Estado, agindo como árbi-
blema. "O caso é que existe na Paulicéia do Largo da Pólvora um edifí-
cio denominado Jaú, habitado por 75 famílias cujos representantes for
maram urna comissão e formularam uma queixa ... (os proprietários) re-
solveram abandonar o negócio ... vão vender o prédio pelo sistema de
condomínio ... Um balanço cuidadoso dos queixosos levou-os a verificar
30
enor:nes I adquirir os apartamentos em que residem ... As demais que se
q"e talvez umas dez famílias no máximo possam, mediante sacrifícios
. iuder e venham engrossar a legião dos sem-abrigo paulistana Os
oradores alegam que os poderes pUblicos bem poderiam intervir neste,
como em tantos outros casos idênticos de tubaronismo legítimo e que
concorrem predominantemente, para aumentar as aflições do nosso po-
a
Esta posição de apontarVobrigação estatal de suprir
vo , (34)
as necessidades habitacionais é reforçada pela postura assumida pelo
Partido Comunista do Brasil, que dirigia boa parte dos movimentos po~
pulares na epoca e pelos Comitês Democráticos e Populares (CDPs)
seus organismos de massas.
Os comunistas procuravam canalizar a organização e
mobilização da população para os canais institucionais que eles passa-
ram a priorizar, ou seja, o legislativo e o executivo. Assim, a práti
ca levada adiante pelo PC de dirigir os problemas ao Estado conseguiu
deixar marcas bastante profundas nas organizações de base local. Se du
rante o perIodo populista é lançada a tese de que o Estado é o respon-
sável pela resolução do problema da habitação e das condições urbanas
de existência, o papel desempenhado pelos CDPs e pelo PC é bastante i~
portante para isto. O PC, até mesmo porque tem como objetivo tomar nas
mãos o aparelho de Estado e fortalecê-Io, ao contrário dos anarquistas,
procurara fazer,do Estado o interlocutor válido ao qual a população
deve se dirigir para melhorar as condições de habitação. Assim agin-
do o PC, ao mesmo tempo que joga a responsabilidade da crise sobre o go-
verno, legitima e fortalece o Estado. "Proporcionar meios para que o po-
vo habite de forma decente e agradável - afirma o diário comunista, HO-(34) (Correio P;:l.Uljst.ano ,14/12/1946).(35) (Hoje l8/10/l945).
31...
~ - é ~~ dos grandes problemas do governo. Se é fora de dúvida que
a ~=~~cipal obrigação de um governo é zelar pelo bem-estar pÚbico, -nao
~ã ~ =0 negar sua responsabilidade pelas condições verdadeiramente ca-
:~itosas em que habita a imensa maioria da população do Brasil •.. ~
c aro que dentro do regime do liberalismo econômico em que vivemos até
dos problemas. Dentro do laissez- passer et laissez-faire cada um que
há alguns anos atrás o Estado não devia nem podia intervir na solução
se arrumasse como pudesse. Isto, porem, e coisa que passou, absolutamen
te nao se compreende1nesta epoca em que o socialismo ganha terreno dia,
a dia, que se abandone a sua própria sorte quase a população inteira
de um país como se faz no Brasil".(35)
Assim situando a questão e tendo uma grande penetraçãe
nos bairros populares, os comunistas e os CDPs não puderam ficar
alheios ao problema do despejo - tamanha a gravidade que este assumia.
Sua atuação nestes casos se dá inicialmente muito mais porque a popul~
ção busca os Comitês, levando o problema e procurando se organizar p~
ra enfrentar a questão específica, do que pelo estabelecimento de uma
política destas entidades no sentido de criar uma forte mobilização
popular para resistir aos despejos. Um caso concreto de atuação de um
CDP numa ação de despejo se deu na Lapa, em outubro de 1945. Morado-
res de uma vila que vinham sofrendo uma série de arbi trariedades por pa~
te do senhorio, que finalmente queria despejá-los, procuraram o Comitê
Democrático e Popular da Lapa para organizar a resistência ao despejo.
Este colocou a disposição dos inquilinos seu departamentp jurídico e
encaminhou a questão do ponto de vista legal, mostrando que o proprie-
tário estava burlando a lei do inquilinato, além de dar ampla publicid~
(5) (Hoje 1 21/10/1945).
.,. 32
ce ao caso através do HOJE, destacando a sua atuação. (36) Assim foipossí el sustar a ação, embora o risco de despejo continuasse) visto
o senhorio desejar de qualquer forma aumentar seus rendimentos com o
a_ guel. Este caso exemplifica bem a ação do comitê: ficou restrita ao
caso localizado e às questões legais, situando o problema como a açao
de um "senhorio -inescrupuloso que burlava a lei do inquilinato" e nao
se preocupando com a possibilidade de mobilizar amplas parcelas da po-
dimensão política ultrapassaya, em muito, os aspectos jurídicos. Naqu~
le momento, os CDPs estavam envolvidos na campanha pela convocação da
pulação em torno de uma questão que atingia todos os inquilinos e cuja
Assembléia Nacional Constituinte, prioritária para o PCB, e não po-
diam se desviar para empreender uma campanha ampla pela suspensão do
despejo. O caso dos despejos, assim como de qualquer questão urbana
trazida pela população era usada pelos Comitês para levar adiante a pr9
o secretário do Comitê entregou-lhes um boletim que o organismo está
paganda pela Constituinte: "depois de ouvir os interessados queixosos,
distribuindo fartamente no bairro em defesa da Assembléia Nacional Cons
tituinte". (37) Assim, como em muitos outros exemplos a perspectiva
dos comunistas fica clara: remeter as questões concretas específicas as
suas palavras de ordem gerais.
~ bem verdade que,um dia depois do ocorrido na
Lapa,o HOJE dá um recado aos CDPs publicando um comentário "A Luta con
tra os despejos", onde mostra que o exemplo do CDP da Lapa deveria
ser seguido pelos demais "para "defender os interesses do povo". "O Co-
mitê Democrático Progressista da Lapa lavrou um tento neste assunto,
(36) (Hoje,21/10j1945).(37) (Hoje)21/l0j1945).
33.,
.' .
c ~seg~: do sustar a ordem de despejo requerida por um senhorio gan~
cioso contra dez famílias residentes em uma vila daquele bairro. Seu
advogado conseguiu não só fazer sustar a ordem de despejo, mas deixou
claro que o senhorio estava incorrendo em penalidades legais, aumenta~
do,como havia feito,os aluguéis daquelas casas. Agindo desta forma o
CDP da Lapa deu exemplo concreto de como se deve defender os interes-
ses do povo, ao mesmo tempo em que forneceu uma experiência viva e
tarão contribuindo eficazmente senão para solucionar em definitivo es
instrutiva a todos os outros Comitês sobre como agir nestes casos.
Agindo e dando publicidade ao que fizerem neste terreno, os Comitês es
mais desprotegidos de cada bairro". (38) Fica claro que o PCB não se
te problema, ao menos para minorar seus efeitos sobre os moradores
dispõe a organizar neste momento um amplo movimento popular contra os
despejos, o que seria perfeitamente possível naquela conjuntura pois .a
disposição popular para se organizar e se manifestar era enorme, fato
que os inúmeros protestos urbanos "sem direção" contra as condições
de vida urbana atestam amplamente. (39) o exemplo que os comunistas
devem seguir é o de lutar em cada caso com os instrumentos legais exis
(38) Hoje, 22/10/1945.
(39) A imprensa burguesa se cansou de apontar a questão habitacional eparticularmente o problema dos despejos como altamente explosivos."O momento não é de se despejar ninguém. Se, porém, a lei for de-cretada dando este direito aos proprietários, mesmo com os pagamen
.tos em dia)podemos estar certos de que estão aí o dilúvio, a noitede são Bartolomeu ou os cavaleiros do Apocalipse. Sim, isto é cla-ro como água: desde que o inquilino não tenha plrá onde se mudar,sob a pressão desumana do despejo vem o desespero, a aflição, aloucura e aí ninguém sabe o que possa acarretar", (Correio paulistano, 04/08/1946).
34..
~e~~es e nao dar a dimensão política da questão, pois a suspensao dos
es?ejos - única forma de atacar em cheio a questão - significava pr~
t~c~~ente a suspensão parcial do direito de propriedade para os imó-
"eis já locados. O problema que se levou era o de existir em "senhorio-ganancioso" como se tratasse de casos específicos. Faltou ao PCB ou
a compreensão do significado que os despejos como um todo expressavam,
ou seja, o processo de expulsão dos moradores de baixos rendimentos
das moradias bem localizadas que ocupavam 1 ou a disposição política p~
tratégia, as palavras de ordem e com os candidatos de a -~ica ccr-
ra compreendê-Ia frente a sua postura mais geral de "manter a ordem e
a tranquilidade". Faltou também aos CDPs a percepção de que levando
adiante questões que mobilizassem as massas populares urbanas poderia~,
se tornar representativos frente a população, criando uma base autô ..o
ma de organização a nível local nao identificada totalmente co;. a es-
rente de pensamento. (40)
A renovaçao da Lei do Inquilinato e~ as s~ ~e
1946 foi um dos momentos em que poderia ter sido garantida a s -s e~sã
dos despejos, caso fossem criadas as condições políticas para ta.to.
A maré dos despejos estava no auge: durante os primeiros seis meses e
meio de 1946 tinham sido assinados mais de 4.000 despejos em são Pau-
10,,(41) Depois de publicar o anteprojeto da nova lei, o Governo Du-
tra em 1946 "abriu-se para receber sugestões da população" ,oojeti~ (42)
(40) Os CDPs acabaram ficando tão atrelados ao PCB - quase se transfor-mando em simples comitês eleitorais dos seus candidatos - Que nRopuderam resistir quando o partido foi declarado ilegal, te~do sidodesbaratados pela repressao em 1947.
(41) (Correio Paulistano, 29/07/1946). Como pode-se notar, mais de 80%dos despejos de 1946 ocorreram nos primeiros sete meses do ano, oque s~ justifica pelo fato de que os proprietários temiam que a r~nova~ao da Lei do Inquilinato em agosto de 1946 decretasse a sus-pensao dos despejos.
(42) Diário Popular, 04/07/1946).
35.\
~~a satisfação aos diversos setores sociais envolvidos na que~
~a . Consta que foram enviados quase mil sugestões de entidades de pr~
?=:etários ou de inquilinos, de associações profissionais, de sindica-
~os etc. Entre estas havia as mais variadas tendências - desde a re-
'ogação de qualquer controle dos aluguéis até a suspensão dos despejos.
O governo agia neste caso se abrindo a todo tipo de pressão para post~
riormente decidir autonomamente, em nome dos interesses de todos. As
sim, por um lado, canalizava e abarcava as diversas manifestações so-
bre a questão e, por outro, legislava de acordo com uma política mais
ou menos coerente. A iniciativa do jogo estava com o Estado e as massas
populares, embora tivessem peso na decisão -.elas tinham que ser leva-
das em conta pelas próprias características do regime - não se organi-
zaram de forma autônoma para influir na decisão que mais lhe interes
sassem. O resultado é que a lei 6.996 decretada a 30/08/46 aprofundou
as características dos decretos anteriores, assim como seus resulta-
dos. Foi concedido um insignificante aumento aos aluguéis que estives-
sem vigorando desde 1942, mas se congelou e mesmo se abriu condições
para a redução dos aluguéis livremente fixados a partir de então. Qua~
to aos despejos, estes foram facilitados. Embora estivéssemos no auge
do período de mobilizações populares, com a emergência de inúmeros pr~
testos contra as condições de vida nos centros urbanos, como já vimos,
não existe registro de nenhuma manifestação ou movimento popular amplo
que procurasse organizadamente pressionar o governo para, na renovaçao
da lei, proibir os despejos .. Significativamente o governo procurou le
gislar como se fazia durante o Estado Novo, isto e, através de decre-
to-lei, pois se a questão fosse levada ao Congresso (Assembléia Consti
tuinte) esta teria menor possibilidade de resistir a pressoes. No en-
tanto, também em relação a este aspecto, parece que se deu pouca iffipo~
.~ 36
t~~cia: a única manifestação de estranheza pelo fato veio de um setor
~~ eral - a Sociedade Amigos da Cidade - que pediu que o projeto fosse
Gisc~tido e votado pelo legislativo (43). Esta ausência de manifesta-
çoes populares na renovação da legislação sobre o inquilinato mostra
q e as direções políticas que tinham alguma influência sobre as massas
urbanas não priorizaram a luta contra aspectos específicos das condj-
ções de. vida da população, não organizando movimentos autônomos amplos.-com este carater, embora não pudesse deixar de expressar, a nível 10-
cal, as reivindicações mais permanentes. Os CDPs sempre tiveram que
assumir as reivindicações loca~s mas jamais caminharam no sentido de
gerar movimentos de massa amplos que reunissem moradores de diversos
bairros para pressionar o governo a adotar uma medida que concretamen-
te pudesse melhorar suas condições de vida urbana. Neste sentido, é i~
portante ressaltar que os comitês tinham uma estrutura centralizada
- eram coordenados a nível municipal - e sempre que encaminharam uma
campanha prioritária para o PCB, por exemplo a convocação da Assembléia
Constituinte, agiram articuladamente, gerando movimentos amplos.
Sintomaticamente foram um deputado paulista do
Partido Social Progressista, PSP - Campos Vergal, o verdadeiro pal~
dino na luta contra os despejos - e a bancada trabalhista do Distrito
Federal, e nao a bancada comunista, que enCillillmharam,ainda em fins de
1946, um projeto de lei suspendendo os despejos e as demolições de pr~
dios residenciais por dois anos. Este projeto, que respondia aos an-
seios gerais dos inquilinos - recebeu apoio unânime de diversas Asso-
ciações de Inquilinos -)era medida complementar ao controle dos alu-
(43) (Anais da Câmara de Deputados, 1947, V.l e V.3).
37••
~~é~s ca ~aior importância, pois fechava a válvula de escape dos pro-
~ e~ários. A iniciativa de impulsionar a medida acaba, assim, partin-
co legis1ativo, que tende a centralizar a discussão alimentado por
deze.as de memoriais, abaixo-assinados, pedidos etc. enviados aos de-
p tados por inquilinos ou por suas associações, marcando o surgimento
de um movimento mais geral pela suspensão dos despejos. Este foi a1ime~
tado por dois tipos de manifestações: uma que se utilizava da tática
que começava a se difundir amplamente de se organizar abaixo -assina-
dos e enviá-1os aos deputados favoráveis a medida para mostrar o qua~
to ela "beneficiaria o povo". Com a palavra o Sr. deputado Campos Ver-
gal: "Sr. presidente, não poderia eu trazer a quantidade enorme de ca~
tas, telegramas, abaixo-assinaqos e memoriais, muitos deles subscritos
por milhares de pessoas. Um deles, porém, com nome e endereços de qua-
se quatro mil pessoas já foi por mim encaminhado às mãos de V.Exa.
Sabendo perfeitamente que é uma angústia, uma dor ilimitada observar
famílias inteiras na iminência de serem despej adas, sem tererrlabso1utame~
te lugar onde possam abrigar-se, nestes dias em que o problema da hab~
tação se tornou insuperável ... o que viso cuidando inúmeras vezes deste
assunto, é alertar toda a casa da necessidade premente de se realizar
esta iniciativa (aprovar o projeto de lei suspendendo as ações de des-
pejo) porque sem dúvida a hora que atravessamos é bastante difícil e
precisamos acudir - repito: precisamos acudir - a centenas de milhares
de pessoas que não saem dessas casas e desses apartamentos,não porque
não desejam \ mas porque não tem para onde ir 1 absolutamente não tem pa-
ra onde ir" (44).
(44) (Hoje/ 08/04/1947).
38•
o segundo tipo de manifestação buscou criar um
a=?_ "iDento de massa para sustar os despejos. Os comunistas, frente
ao g~a~ e crescimento da polêmica em torno da questão, finalmente em
abri~ de 1947 resolvem iniciar uma ampla mobi1ização popular em torno
do ~espejo. Com a palavra o HOJE: "Com o objetivo de defender os mora-
dores ameaçados de despejo, a célula Erasco Da11a Déa, pertencente ao
Co itê Distrita1 do Cambuci do PCB, decidiu em última reunião iniciar
um amplo movimento no sentido de que sejam evitados futuros despejos.
Como ponto de partida desse movimento efetuará dentro em breve ... um
grande comício popular. A célula E.D. Déa consta para que colaborem
para o êxito do comIcio contra os despejos todos os organismos popula-
res, comunistas ou não (45). No mesmo dia, o deputado comunista na As-
sembléia Legis1ativa Sanchez Segura pronuncia vigoroso discurso pedin-
do a suspensão dos despejos e a .construção pelo Estado de habitações
populares, mostrando que os comunistas resolveram finalmente assumir a
questão com a prioridade que ela merecia. Infelizmente já era tarde pois
pouco tempo depois o PC é colocado na ilegalidade e,na repressao aos
CDPs e outros organismos de massas que se seguiu, esta perspectiva
de mobi1ização popular se inviabi1izou.
No entanto, a campanha contra os despejos con-
tinuou ainda com fÔlego. Cada resistência de um conjunto de inquilinos
a uma ação de despejo, resistência que podia gerar um prazo maior de
permanência no prédio, publicidade na imprensa e outros tipos de mani-
festações loca1izadas,tendia a reforçar a posição contrária aos desp~
jos na opinião pública e consequentemente no Congresso. Estas resistê~
(45) (Hoje. 01/~1/1945).
• •.. ; 39
cias atomizadas constituiam-se assim um fator fortalecedor da posição
co~trária aos despejos e acabavam fazendo parte, mesmo sem querer, de
~-:::-:. -Lrnerrt.o mais geral.
o projeto lei suspendendo os despejos, entre-
tanto, rolou por muito tempo no Congresso, perdido entre as comissões,
apesar dos constantes e aflitos discursos do Sr. Campos Vergal. Ao que
parece nao havia grande disposição de se colocar este projeto em vota
çao o que se explica, por um lado, pela grande repercussão negativa que
teria na opinião pÚblica a sua nao aprovação e, por outro, pelo fato
de que a suspensão dos despejos fecharia o canal de salvação para os
interesses econômicos dos senhorios, além de limitar a oferta de ter-
reno via demolição de casas antigas, prejudicando assim o rendoso neg~
cio das incorporações em grande desenvolvimento na época. Revela-se
mais uma vez na questão do inq~ilinato as características da democra-
cia que se estabelece no Brasil no pós-guerra, onde a estrutura de
poder alicerçada sobre um pacto de classes acaba tendo que satisfazer
diferentes interesses sem se posicionar totalmente por um deles. Assim
como o controle dos aluguéis foi mantido durante todo o período popu-
lista, não se podia restringir mais ainda o direito de propriedade -
como a suspensão dos mandatos de despejo e das demolições restringia
- sob riscos de se abalar uma das bases de sustentação do regime.
A permanente mobilizaç~o dos inquilinos e de
suas associações foi um importa nte fator de manutenção do controle dos
aluguéis durante o populismo. Esta mobilização, no entanto, se fará
basicamente tendo como referência o Congresso, procurando demonstrar
que qualquer modificação desfavorável aos locatários significaria um
grande desprestígio eleitoral. A suspensão dos mandatos de despejo,
·..40
e~~~e~a~to, jamais foi decretada, permanecendo os despejos como a por-
e~ a ã expulsão dos inquilinos mais fracos economicamente e com rne-
- s acessO aos meandros da Justiça e aos seus advogados especializa-
coso
Na perda desta batalha as classes popularesperderam a possibilidade de continuarem habitando em casas alugadas a
baixffipreços em locais servidos de infra-estrutura e próximos aos 10-
cais de emprego. Se a luta contra os despejos representou concretamen-
te a luta pelo teto - pelo direito de habitar - perdê-Ia significou
para a população de baixos rendimentos já instalada em são Paulo o ine
vitável rebaixamento da sua condição de moradia. Agora, expulsos das
posições que ocupavam na cidade, lhes restam, assim como aos migrantes
recém-chegados, procurar um lote barato na área periférica para produ-
zir com as próprias mãos sua moradia. E lotes periféricos havia~ mui-
tos - todos desprovidos de serviços urbanos.
~ nesta nova condição de habitação que se ge-
rou um novo movimento em torno da moradia, os movimentos dos bairros
distantes. Estes criaram - num patamar mais baixo de reivindicações -
um novo conjunto de lutas envolvendo a questão de habitação, ou seja,\aluta pelo direito a cidade - pelos seus equipamentos urbanos.
"Andres Bentes e antigo morador em V. Monunen-
5 - Gt:NESE DOS MOVIMENTOS POPULARES NA PERIFERIA: A LUTA PELO DIREITO
à CIDADE
41•
•...
~ • =-~esto e trabalhador ..• vivia há vários anos na mesma casa. Nun-ca pagou o aluguel com atraso, foi sempre muito pontual. Entretanto, o
proprietário do prédio pediu-lhe há vários meses que desocupasse a
casa, sob alegação de que ia residir na mesma.
Bentes nao perdeu tempo, procurou casa em todo
o bairro' e adjacências, porém em pura perda.
Entretanto, em face da insistência do proprie-
tário, o velho operário procurou outra solução para o seu problema.
Em terreno de propriedade de um parente resolveu construir com latas
e pranchas velhas uma residência provisória para si e sua família.
Bentes reuniu alguns amigos e, domingo de ma-
nhã,puseram mãos a obra, iniciando a construção do barracão, que vai
servir de abrigo, sabe Deus até quando.
Vai-se tornando muito comum, aliás, em nossa
capital, essa maneira de resolver o angustioso problema de residência
para o povo, vendo-se em numerosos bairros casas toscas e primitivas
e naturalmente insalubres". (46)
(46) (Hoje,08/05/1947).
"Como todos os bairros da periferia de são Pau-
lo, Vila Celeste está completamente abandonada e esquecida dos Poderes
Públicos. são as seguintes as vilas das redondezas: Celeste, Inverna
da .Paulina, Diva, Santa Clara, Leme, Ema e Parque Sevilha. Os bair-
ros, habitados quase que exclusivamente por operários e camponeses re-
cém-chegados do interior, não gozam do menor conforto moderno ou anti
42.'
ge ... Para se chegar a uma dessas vilas, por exemplo, a Vila Celes-
te não há meio de locomoção. ~ préciso chegar até Água Rasa (de ôni-
bus) e daí conseguir uma autolotação; alguns trabalhadores vão a pé,
demorando no percurso cerca de 40 minutos". (47)
>"Não há água, nem luz, nem transporte, ruas i~
transitáveis .•• Vila Santa Maria é um bairro completamente abandonado.
Nem talvez na mais remota das zonas do interior poder-se-ia imaginar
uma localidade tão assoberbada de dificuldades. O bairro possui cerca
de 1.000 casas". (48)
"Um operário adquire um terrenoi ele mesmo abre
um poço depois do serviço. Compra os tijolos. E aos domingos convida a
turma para lhe dar uma mão. Em poucos domingos as casas se levantam
pelos barrancos da Vila Matilde, Vila Esperança, Vila Guilhermina. são
as "casas domingueiras", as mesmas que tremem com a ventania". (49)
Os comunistas assim descrevem os "bairros dis-
tantes". Atentos às novas condições de vida e de habitação que surgem
na periferia de são paulo/são os primeiros a perceber que tal situação
é favorável ao surgimento de uma base de apoio sólida ao seu partido,
assim como a requisição de quadros. E as "vilas esquecidas" passam a
(47)(48)(49)
(Hoje,22/02/1947) .Correio Paulistano,11/08/1946)tor chefe do HOJE) .(Hoje)06/03/1947) .
(Artigo de Ibiapava Martins, reda-
ser lembradas e valorizadas como locais privilegiados ao surgimento de
Comitês Democráticos e populares. são dezenas de Comitês que se formam
rapidamente em boa parte destes bairros distantes, quando somente em
muito poucos existia anteriormente qualquer organização da população
.. '. 43
_, e= ~enos ainda, a formação de Sociedades Amigos do Bairro. Os corni-
tês re~nem a população, levantam os problemas das vilas'- o que nao e
difícil visto a sua quantidade - realizam homenagens cívicas, dão
cursos de alfabetização ou de corte e costura e, sobretudo, trazem a
palavra da ordem do dia dos comunistas. E, o mais importante, formulam,
a partir da sua organização, urna série de reivindicações que tendem a
O HOJE passa a dar destaque à situação nestes
responsabilizar o governo pelas condições urbanas existentes e a pedir
sua satisfação.
bairros. Todo dia ele "recebe a visita" de um Comitê de "bairro distan
te" para ouvi-Io, anotar suas reivindicações, dar ampla publicidac.e
às condições de vida ali existentes, mostrar a importância do traba-
lho do CDP e, acima de tudo, tentar mostrar corno o programa do PCB res
ponde às questões levantadas.
-O conjunto de açoes desenvolvidas pelos co~~-
nistas é fundamental para detectar e priorizar os problemas da peri=~
ria, para criar urna tradição de reivindicações nestes bairros e sobre
tudo para desenvolver formas de luta e de organização que passa a ter
no Estado o marco referencial de qualquer movimento. O abaixo-assinado
ou o memorial a ser encaminhado às autoridades será urna das práticas
que mais irá se desenvolver mediante essa política do PCB de levar adi
ante as reivindicações urbanas. Ela irá se firmar e se implantar so-
lidamente durante o período populista, se constituindo numa forma bem
característica de corno passa a se dar as relações entre Estado e mas-
sas urbanas a partir de então. Anteriormente, durante a RepÚblica Ve-
lha, em função da forte influência dos anarquistas nos movimentos pop~
lares, tal prática não era sequer cogitada, visto que significaria o
44••.'
rec ~_~ecimento e a legitimação do Estado. Durante o período ditatorial
( 937-1945), o governo forte se fechará a qualquer reivindicação popu-
lar surgida independentemente do aparato oficial por ele criado para
representar os trabalhadores (sindicatos oficiais e demais órgãos do
Ministério do Trabalho). Enquanto a questão trabalhista é reconhecida
e oficializada pelo Estado getulista, a problemática urbana da perif~
ria emergente é ignorada e mantida fora do corpo de preocupaçoes esta-
tal, inclusive porque os esforços do poder pUblico, sobretudo em são
Paulo, estão naquele momento concentrados nas transformações viárias
da área central, para onde todos os recursos disponíveis foram cana-
lizados. Assim, a redemocratização do pós-guerra e a necessidade de
incorporar as massas urbanas ao processo político criam um momento pr~
pício ao surgimento de movimentos populares na periferia que passam a
ter no Estado sua referência mais importante. Os comunistas e os CDPs,
com o prestígio que gozavam na época, reforçam esta tendência e, gra-
ças ao grande aparato organizatório que dispunham, a difundem enor-
memente. Formas de luta como o abaixo-assinado se generalizam e bem
simbolizam a forma como os comunistas (que neste aspecto, pouco se d!
ferenciam dos políticos populistas) entendiam a participação popular.
Esta devia se limitar a um compromisso passivo - assinar o memorial -
a ser encaminhado pelas lideranças aos poderes competentes que deviam
resolver o problema. A tônica destes movimentos centralizados em torno
do abaixo-assinado passou a ser aquela do "eles devem fazer" contrap0!2
to das promessas dos políticos, do "eu prometo fazer", que tende a
manter imóvel o setor popular que reivindica. Também neste aspecto a
atuação dos comunistas éprecursora da maneira como os populistas agem
no seu contato com os bairros periféricos Sobretudo a partir de 1946,
com a consolidação do regime democrático e a marcaçao das eleições, os
·'45
ca~Gidatos do povo", transformando-se em verdadeiros comitês eleito-
=~s cada vez mais situam suas atividades em torno das eleições e dos
rais. A tentativa de iludir as massas com a supervalorização dos po-
deres instituídos, sem tentar mostrar a limitação da atuação do legis-
lativo, o demagógico "prometer fazer" quando sabiam que pouco poderiam
realizar, a transferência da mobilização popular para a expectativa
ganhar posições privilegiadas -no aparelho de Estado -e nao corno
eleitoral e a utilização das eleições simplesmente corno um fim para
um
meio de organização popular - são partes integrantes da estratégia de
institucionàlização do PC, que inevitavelmente e difundida com frequê~
cia nos bairros periféricos. O HOJE mais urna vez é o veículo que esp~
lha esta visão: "os moradores ôo bairro de Vila Prudente ... estão orga-
nizando um Comitê Democrático que muito auxiliará os trabalhos dos
vereadores, quando são Paulo já tiver urna Câmara Municipal ... Vila Pr~
dente concorreu poderosamente em favor do glorioso Partido Comunista
do Brasil nas últimas eleições ... Agora trata-se de esperar as futuras
eleições, isto é, as eleições municipais" .(50)
Enquanto os comunistas apoiaram o Sr. Ademar de Bar-
ros, eleito graças ao PCB, desenvolveram urna política semelhante a de
qualquer outro partido no governo, procurando frear a mobilização pop~
lar e canalizá-Ia para o legislativo ou para acreditar nas prone5sas
do governo. Fazem dos CDPs verdadeiros núcleos de apoio ao governo
que "cooperam com as autoridades" fazendo-Ihes "chegar os problemas
dos bairros". "Agora com o Sr. Ademar de Barros no governo, sao gran-
des as esperanças do povo daqui, que nele votou e dele espera este pre-
(50) (Hoje,08/04/1947).
46,'
se~te, que sera um grupo escolar para as oito vilas. Temos esperança
r.o go ernador, acreditando que ele nos atenda, muito em breve"4(5l)
-Os comunistas, por outro lado, assim como nao soube-ram (ou nao qu ís eram) manter os CDPs como organismos populares in-
dependentes do partido, quando julgam estar no poder junto com Ade-
mar, passam a apoiar formas de ~incular as organizaç6es de bairro ao
tatal um espaço para enquadrar as quest6es e reivindicaç6es urbanas -
Estado, retirando ainda mais a sua autonomia e criando no aparelho es-
a semelhança dos sindicatos oficiais. Z neste sentido que o HOJE dá
destaque e apoio a proposta do prefeito biônico Cristiano das Neves~
nomeado por Ademar e rotulado de "progressita" pelos comunistas - de
criar "uma nova fórmula de auscultar mais profundamente a opinião pu-
blica e suas necessidades". (52) Tratava-~e de uma proposta de cria--çao de "centros em todos os bairros, mais ou menos como aqueles dos Ami
gos da Cidade sem cor partidária ou religiosa e com a Gnica e exclusi-
va finalidade de apresentar ao governador da cidade as necessidades
mais vigentes de cada zona". (53) Tais centros teriam sua direção
eleita e se encarregariam de receber as diversas reclamaç6es dos mora-
dores, agindo como entidades locais de uma "Organização Municipal Ori-
"OMO". O HOJE - expressando a posição dos comunistas - revela que esta
entadora" - órgão central em constante contacto com o prefeito e que
deverá estudar as reivindicaç6es encaminhadas pelos centros locais da
proposta "deverá ser bem acolhida por todos, pois favorece a apresenta-
(51) (Hoje I 06/05/1947).(52) (Hoje I 06/05/1947).(53) (Hoje I 06/05/l947).
ção dos problemas cotidianos, com menos dispêndio de tempo e trabalho
47
Nesta questão fica clara a intenção da prefeitura e
para arrbas as partes~ (54)
dos comunistas de enquadrar num órgão do aparelho de Estado,ou a ele
vinculado, as mais variadas formas de organizações populares que vi-
nham pipocando nos bairros periféricos. Atrelando os núcleos de orga-
nização já existentes e impondo de cima para baixo um modelo pronto
de organização local, tal iniciativa tem algo de semelhante com a =or
ma como o governo federal, através do Ministério do Trabalho, acabou
com a autonomia sindical na década de 30. O apoio dos comunistas expl!
ca-se em parte pela sua predileção por esquemas verticais de org2niz~-çao e de resto por acreditar que pudessem, graças ao prestígio que
gozavam nos bairros populares e por já contar com os CDPs, dominar o
OMO e assim dispor de uma parcela maior de poder. Assim, o HOJE fina-
liza seu comentário afirmando que "não resta dúvida que os homens do
nosso governo começam a compreender melhor o sentido da palavra e,
mais se empenham por bem cumprir a missão que lhes foi confiada. A
iniciativa do Sr. Cristiano Neves bem evidencia a predestinação demo-
crãtica da nova situação do Brasil, e particularmente de são Paulo.
Não deixará por certo de gozar do apoio de toda a população da cidade" .•(55)
colocado na ilegalidade. Seu aliado Ademar de Barros - o "governador
Infelizmente, os comunistas estavam enganados sobre
a "predestinação democrática da nova situação do Brasil e de são Pau-
10" pois poucos dias depois tiveram o registro cassado e o partido
(54) (Hoje, 06/05/1947).(55) (Hoje, 06/05/1947).
48
~- p voU - manda bater e prender os "vermelhos". Os CDPs são imedia-
~a-ente empastelados, visto serem considerados organismos comunistas.
O So'erno estadual assume uma posição claramente repressiva e, assim,
a proposta de criação da OMO se inviabiliza.
Apesar desta nova conjuntura, os movimentos de bair-
ro não refluem. Embora os CDPs tivessem tido grande importância na
formação dos movimentos populares nos bairros periféricos e na criação
de uma tradição reivindicatória, seu desaparecimento não signtticou
o fim da mobilização dos moradores. Muito pelo contrário, tais movi-
mentos - criando outras formas organizativas e muitas vezes assimilan
do as próprias lideranças formadas pelos Comitês - tendem a crescer na
mesma proporção em que cresce aceleradamente a abertura de loteamen-
tos desprovidos de qualquer melhoramento urbano. E ambos os crescimen
tos são inevitáveis pois o novo padrão de desenvolvimento urbano e do
assentamento habitacional que se vai formando - o padrão periférico
de crescimento urbano - só pode se viabilizar mediante a produção de
lotes desequipados, criando uma contradição na sua própria estrutura,
qual seja a de comercializar lotes tipicamente rurais para desempenh~
rem urna função estritamente urbana. E é esta contradição - que e pro-
pria da maneira como se estrutura a metrópole industrial de são Paulo-
combinada com o caráter do Estado populista, que não pode dar as cos-
tas aos reclamos populares, que cria as condições necessárias ao surg~
mento e fortalecimento dos movimentos de periferia.
Os comunistas e a imprensa em geral gostavam muito de
chamar os loteamentos periféricos de "bairros esquecidos". No entanto,
muito mais do que bairros esquecidos pelo poder público estes loteamen
tos constituiam para a prefeitura a forma mais cômoda de "ir se resol
• I.~ 49
vendo" a crise habitacional que se vivia e pela qual o Estado estava
sendo responsabilizado. Num momento em que a iniciativa privada dei-
xar de investir em escala significativa na construção de moradias po-
pulares, o poder pUblico pode também não intervir como era necessário. ,
graças ao surgimento de uma grande número de lotes a venda em presta-
ções acessíveis a população de baixos rendimentos, onde - mediante a
difusão da ideologia da casa própria e a inviabilidade de encontrar
outra moradia - os trabalhadores se dispõem a edificar precariamente
e com grandes sacrifícios~sua casa. A garantia de viabilidade econômi
lização e na precariedade urbana, isto é no fato de ser na realidade
ca do empreendimento capitalista de lotear estava justamente na loca-
verdadeira área rural subdividida em lotes sem nenhum investimento de
capital significativo. A manutenção de extensas glebas vazias no in-
terior da malha urbana também é subproduto desta mesma dinâmica.
A prefeitura tinha total conhecimento do que signifi-
cava a abertura desses loteamentos. Sabia que não tinha condições nem
recursos para urbanizá-Ios, tal a extensão da mancha urbana que provo-
cavam. Longe d~ nao prever o que estava acontecendo, eram frequentes
os alertas que, na epoca, os próprios técnicos da prefeitura faziam
sobre os prejuízos que tal crescimento da área ocupada traria para a
cidade. Não se pode, portanto, falar em "bairros esquecidos" como se
dizia na época, ou em "ausªncia de planejamento", como se fala hoje em
referência ao período em estudo. Na realidade, fechar os olhos ao sur-
fazia parte de uma política implícita dos órgãos públicos para deter
gimento destes loteamentos e depois esquecer sua existência - com ex-
ceçao óbvia dos períodos pré-eleitorais quando a memória se aviva -
a crise habitacional que assumia no período do pós-guerra aspectos ex-
·.~ 50
sLv s. ão e por outra razao que Ademar - o já ex-governador do\. -
·.•·0 - ainda em 194.7, manda um recado a populaçao dizendo que "poddarn
co..struir suas casas sem planta que a prefeiturafechariaos olhos". (56)
o "esquecimento" ou a "falta de fiscalização e de
planejamentotl eram portanto, um dado estrutural. Infelizmente to-
das as tendências políticas que atuaram nos movimentos de bairros pe-
riféricos-inclusive os comunistas durante a fase legal do partido -
nao se deram conta (ou não quiseram dar conta) deste fato e sempre
agiram como se fosse ne cess'â.rLo simplesmente "lembrar" as autoridades
dos problemas ou "cooperar" com o poder público para mostrar a exis-
tência de graves problemas urbanos, como se simplesmente uma boa admi
nistração - e esta era também a visão de Janio Quadros - pudesse re-
solver as graves questões da periferia. Não soUberam, em suma, elabo-
rar uma visão de conjunto sobre os problemas urbanos emergentes para
definir uma linha de ação que situasse as questões locais num quadro
referencial mais amplo. Evidentemente não podemos ser excessivarr.ente
críticos neste ponto, visto que a compreensão dos problemas urbanos
era, no perlodo em estudo, bastante limitada não passando das consta-
tações óbvias sem atingir articulações mais elaboradas entre a dinâmi
ca de expansão urbana e de reprodução do capital e da força de tra-
tipo na periferia. Senão recentemente foi posslvel dar a dimensão
balho.
A ausência de politização dos movimentos de perife-
ria é .resultante desta dificuldade em situar a origem e a causa dos
problemas emergentes e imediatos, tendo sido uma das condições neces-
sárias ao atrelamento destes movimentos a políticos demagogos e opo~
tunistas que possibilitou a formação de currais eleitorais de novo
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0_: ·ca das questões urbanas e refletir criticamente sobre a vin~ula-
çã -as entidades de caráter local com o aparelho de Estado, procuran-
do ç~ebrar, ainda que com dificuldades, a tradição herdada do populismo.
o janismo, se apropriando das organizações e da tra
dição de lutas da periferia, irá legitimá-las, ao mesmo tempo que
asce como uma resposta ou expressão polItica dos bairros carentes a
situação de precariedade na qual eles se encontravam. Ele,mais do que
qualquer outro grupo político I sera o responsável pelo enquadramento
definitivo das SABs-Sociedades Amigos de Bairro, forma organizativa
que finalmente é consagrada nos bairros periféricos - como uma peça de
grande importância na política municipal. A partir de então, isto é,
de meados da década de 50, as SABs vão perdendo o que restava do seu
caráter autônomo e da sua representatividade para se tornar uma estru
tura que, mesmo sem ter cor partidária, passa a combinar frequentemen-
te pedidos, reivindicações, abaixo-assinados etc. com apoio eleito-
ral. Mas isto é outra história ..•
o surgimento dos movimentos de bairros periféricos,
no qual os comunistas tiveram um papel importante sobretudo nos anos
do pós-guerra, marca um novo período na história das lutas sociais p~
la habitação. Nestes movimentos a reivindicação básica é o direito'a
cidade, isto é a exigência de transportes coletivos, melhoramentos
e equipamentos urbanos. Pela proporção e dimensão que assumiu marca
até hoje talvez a face mais importante da luta pela habitação em são
Paulo.
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~CLUSÃO: DA LUTA DOS SEM-TETO AO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA -
ROTEIRO DE UM REBAIXAMENTO DAS CONDIÇ~ES HABITACIONAIS
Quem acompanhou detidamente os movimentos urbanos
em são Paulo no início da década de 80 não tem dúvida de que a luta
pela terra se tornou a ~eivindicação mais premente dos trabalhadores
urbanos de baixos rendimentos. As recentes ocupações de grandes áreas
urbanas ilustra de forma incontestável o intenso processo de enfavel~
mento que a cidade tem vivido cotidianamente, fenômeno que começa a se
agravar a partir dos anos 70, em pleno clima de "milagre brasileiro".
A reivindicação de posse da terra centra todos os mo-
vimentos de invasão ou de favelados. Conforme alegam seus represen-
tantes "nós so queremos um terreninho para nos mesmos construirmos nos-
sas casas, que isto sabemos fazer". Nem mesmo equipamentos urbanos ou
infra-estrutura eles colocam, ao menos inicialmente, na sua pauta de
reivindicações. Deixam para mais tarde, como quem já sabe como conse-
guir depois. Surgem assim os movimentos sem-terra. Seu pedido é essen-
cialmente uma terra para morar.
,A situação atual do movimento pelo direito a habita-
ção, que nao cabe aqui detalhar nem procurar mais causas, leva-nos a
refletir sobre o rebaixamento histórico das condições de habitação
da classe trabalhadora em são Paulo. Inicialmente habitava esta em p~
quenas casas ou cômodos alugados, produzidos comercialmente e que, em-
bora pudessem ter área reduzida ou instalações sanitárias coletivas,
ficavam próximas aos locais de emprego e serviços urbanos e, em geral,
estavam ligados às redes de infraestrutura urbana. A luta que esta po-
pulação inquilina travou foi pela redução dos aluguéis de suas casas.
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