controle judicial de atos...
TRANSCRIPT
Universidade de Brasília – UnB
Faculdade de Direito
Curso de Graduação em Direito
CONTROLE JUDICIAL DE ATOS REGULATÓRIOS
ANANDA TOSTES ISONI
Brasília
2011
ANANDA TOSTES ISONI
CONTROLE JUDICIAL DE ATOS REGULATÓRIOS
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Orientador: Prof. Dr. Luiz Gustavo Kaercher Loureiro
Brasília
2011
ANANDA TOSTES ISONI
CONTROLE JUDICIAL DE ATOS REGULATÓRIOS
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em
Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília,
pela banca examinadora composta por:
_________________________________
Luiz Gustavo Kaercher Loureiro
Prof. Dr. e Orientador
_________________________________
Márcio Pina Marques de Sousa
Procurador-Geral da ANEEL. Espec. e Examinador
___________________________________
Luiz Eduardo Diniz Araujo
Subprocurador-Geral da ANEEL. Me. e Examinador
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, cujo amor incondicional me inspira e me
fortalece. Ao Senhor, meu Pai, toda a minha gratidão.
A Nossa Senhora, doce mãe intercessora.
Ao meu amado esposo Ronaldo, que ilumina a minha vida. Com seu
companheirismo, tornou mais suave essa caminhada.
Aos meus pais, Edison e Rita, exemplos de integridade, doação e
compromisso. Obrigada pelo amor e cuidado de sempre.
Aos meus irmãos e familiares, cujo apoio e compreensão foram
fundamentais. Lembro, especialmente, de Anjuli e Evandro, Taila, Dhara e Edison,
tão presentes e tão queridos.
Aos meus amigos Ana Luísa, Antonielle, Bárbara, Matheus, Giselle,
Juliana, Luciana e Raphaella, pela amizade e incentivo.
Aos colegas e professores da graduação e, particularmente, às grandes
amizades que então nasceram e me ensinaram muito mais do que o Direito.
Aos colegas da Procuradoria-Geral da ANEEL, pelas valiosas
contribuições e pelo exemplo diário de dedicação e comprometimento.
Ao meu orientador, Professor Gustavo, pela dedicação a este trabalho e
ao estudo do Direito Regulatório.
Essa conquista também pertence a vocês.
Senhor, Tu és nosso Pai, nós somos barro;
Tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos.
Isaías 64, 7
RESUMO
A autonomia reforçada própria às agências reguladoras torna relevante o
estudo do controle de sua atuação. Ao mesmo tempo, suas competências
institucionais, voltadas não só à coordenação da atividade econômica regulada, mas
também ao equilíbrio dos interesses públicos e privados envolvidos, exigem que as
formas tradicionais de controle sejam revistas. Nesta monografia, adotou-se como
objeto de pesquisa o controle judicial dos atos regulatórios.
A partir de um panorama atual, buscou-se apontar deficiências e
contradições observadas na realização dessa modalidade de controle. Por meio da
análise de dados levantados em pesquisas, constatou-se que o Poder Judiciário
além de decidir em tempo incompatível com as transformações de mercado, o faz
com pouca qualidade técnica e de forma imprevisível, em detrimento da segurança
jurídica e da estabilidade da atividade regulatória, tão caros às agências. Pontuou-
se, ainda, que os efeitos da revisão judicial de um ato regulatório podem afetar não
só os integrantes da relação processual, mas também se desdobrar sobre a
pluralidade de interesses tutelados pelas agências reguladoras.
Nessa linha, pretendeu-se investigar os limites da revisão judicial de atos
regulatórios e, particularmente, se o controle de legalidade seria suficiente para
torná-la efetiva. Para tanto, desconstruiu-se o dogma da discricionariedade técnica
das agências reguladoras e concluiu-se que a análise de mérito desses atos não
somente é possível, como também é fundamental à efetividade do controle judicial.
Além disso, questionou-se se caberia ao Poder Judiciário decidir de forma
substitutiva às agências reguladoras. A esse respeito, concluiu-se que a amplitude
do exame judicial não autoriza a substituição do agente regulador pelo juiz, que
poderá, contudo, definir prazo para que as agências decidam.
Por fim, foram propostas soluções procedimentais e estruturais, com
vistas ao aprimoramento do controle judicial de conteúdo dos atos regulatórios.
Nesse contexto, ressaltou-se a relevância da atuação de agências reguladoras em
processos que, ao colocar em questão a validade de seus atos, possam repercutir
no equilíbrio regulatório. Entre as formas de intervenção processual de tais
entidades, estudou-se sua participação como amicus curiae, litisconsorte e
assistente. Ademais, considerando a possibilidade de ―captura‖ dos agentes
reguladores, também se apontaram soluções que independem de sua atuação.
Assim, destacou-se a importância do papel desempenhado pelo perito judicial e a
possibilidade de realização de audiências públicas judiciais. Sugeriu-se, ainda, a
criação de varas especializadas em matéria regulatória, bem como foram
mencionadas vantagens e desvantagens de sua implementação.
Palavras-chaves: agências reguladoras; Poder Judiciário; controle judicial de atos
regulatórios; discricionariedade técnica; controle de legalidade; controle de mérito;
equilíbrio regulatório.
ABSTRACT
The enhanced autonomy of regulatory agencies demands a more
accurate study of the control of their performance. At the same time, their institutional
powers, not only directed to the coordination of the regulated economic activity, but
also to the balance of public and private interests involved, require traditional forms
of control to be reviewed. In this monograph, the subject of the research was
restricted to the judicial control of regulatory acts.
Starting from the current panorama, it was intended to point out
contradictions and deficiencies observed in carrying out this type of control. Through
the analysis of data collected in empirical surveys, it was found that Judiciary
decisions are not only rendered in times not compatible with the market changes, but
also technically poor and not uniform, all that to the detriment of the regulatory
expediency, certainty and stability, values highly regarded by agencies and regulated
agents. It was pointed out also that the effects of judicial review of a regulatory act
may affect not only the members of the procedural relation, but also unfold on the
plurality of interests protected by regulatory agencies.
In this line, the intention was to investigate the boundaries of judicial
review of regulatory acts, and, particularly, to ascertain if the control of legality was
enough to make this review effective. To this end, the dogma of the technical
discretion of the regulatory agencies was deconstructed, leaving room to the
conclusion that a review on the merits of these acts is not only possible, but is the
key to the effectiveness of judicial review. In addition, it was questioned whether
judicial decisions should replace agencies‘ decisions. In this respect, it was
concluded that the extent of judicial review does not authorize the replacement of a
regulator by the judge, who may, however, set deadline for agencies to decide.
Finally, some structural and procedural solutions have been proposed, in
order to improve the judicial control of the merit of regulatory acts. In this context, it
was emphasized the relevance of the action of regulatory agencies in cases that, by
questioning the validity of their acts, impacting the regulatory balance. Among the
procedural forms of intervention of such entities, it was studied their participation as
amicus curiae, litisconsorte and assistant. Furthermore, considering the possibility of
"capture" of regulators, it was also pointed out solutions that are independent of their
performance. Thus, it was emphasized the importance of the role of expert witness
and the possibility of judicial public hearings. It was suggested also the creation of
specialized courts on regulatory and advantages and disadvantages of its
implementation were mentioned.
Key words: regulatory agencies; Judiciary; judicial control of regulatory acts;
technical discretion; control of legality; control of the merit; regulatory balance.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 – O ESTADO REGULADOR E A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
DAS AGÊNCIAS INDEPENDENTES ...................................................................... 13
1.1. Regulação de atividades econômicas e agências reguladoras................. 13
1.2. Legitimidade democrática e necessidade de controle .............................. 18
CAPÍTULO 2 - AGÊNCIAS REGULADORAS E PODER JUDICIÁRIO .................... 27
2.1. Controle judicial e equilíbrio regulatório.....................................................27
2.2. Panorama do controle judicial de atos regulatórios no Brasil.................... 28
2.2.1. Dados levantados pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias
de Base ............................................................................................................... 28
2.2.2. Dados levantados pela Universidade de São Paulo..................................30
2.2.3. Segurança jurídica e equilíbrio regulatório ................................................ 34
CAPÍTULO 3 - LIMITES DO CONTROLE JUDICIAL DE ATOS REGULATÓRIOS . 41
3.1. Controle de legalidade e controle de mérito.............................................. 41
3.2. O dogma da discricionariedade técnica das agências reguladoras .......... 50
3.3. Substituição de atos regulatórios por decisões judiciais ........................... 56
CAPÍTULO 4 - APRIMORAMENTO DO CONTROLE JUDICIAL DE ATOS
REGULATÓRIOS .................................................................................................... 63
4.1. Participação de agências reguladoras em processos judiciais ................. 64
4.1.1. Amicus curiae regulatório .......................................................................... 65
4.1.2. Litisconsórcio e assistência processual .................................................... 72
4.2. Instrumentos e propostas para um controle de conteúdo dos atos
regulatórios ......................................................................................................... 77
4.2.1. Assistência pericial ................................................................................... 78
4.2.2. Realização de audiências públicas ........................................................... 79
4.2.3. Criação de varas especializadas em matérias regulatórias ...................... 83
CONCLUSÕES ......................................................................................................... 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 93
ANEXOS ................................................................................................................. 101
11
INTRODUÇÃO
A derrocada do Estado empresário foi sucedida pelo advento de
entidades independentes ou, nas palavras de ARAGÃO (2009), dotadas de
autonomia reforçada1 em relação à Administração Pública central. Responsáveis
pela regulação de atividades econômicas antes desempenhadas diretamente pelo
Estado, as agências reguladoras independentes acumularam funções relativas aos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Seu elevado grau de autonomia torna
relevante o estudo sobre as formas de controle de sua atuação.
Neste trabalho, optou-se por investigar o controle judicial de atos
regulatórios. Para além das atribuições das agências reguladoras relativas à edição
de normas gerais e abstratas, também se pode cogitar de sua competência para
formular normas individuais e concretas, destinadas a disciplinar situações fáticas
determinadas (JUSTEN FILHO, 2002, p. 541). Nesse contexto, para os fins visados
nesta monografia, o conceito de ato regulatório compreenderá atos normativos de
efeitos abstratos e concretos.
No que tange ao controle judicial da atividade regulatória, nota-se ser
insuficiente aludir-se ao princípio da universalidade de jurisdição. Conquanto a
inafastabilidade do Judiciário seja pressuposto inevitável para esta análise, dadas as
particularidades do modelo regulador, assume especial relevância o estudo dos
desdobramentos e limites desse controle.
Para tanto, no primeiro capítulo, serão introduzidos conceitos relevantes
para o desenvolvimento desta pesquisa. Nesse passo inicial, serão trabalhadas
noções relacionadas à regulação, à legitimidade democrática das agências
reguladoras e à necessidade de controle de seus atos.
No segundo capítulo, o enfoque será a relação travada entre agências
reguladoras e o Poder Judiciário. A partir do exame de dados obtidos por meio de
pesquisas de campo e de posicionamentos doutrinários a respeito do assunto, será
analisado em que medida a revisão judicial interfere ou pode interferir no equilíbrio
regulatório.
1 Segundo ARAGÃO (2009, p. 15), a nomenclatura “independente” é apenas um meio de denotar a sua
autonomia reforçada, que é, todavia, como toda autonomia, limitada por definição. Apesar disso, o autor destaca não ser imprópria à utilização do termo “independente”, que as distingue da maioria das entidades da Administração Indireta, cuja autonomia é mais nominal do que material.
12
O estudo de tais resultados é importante porque, notadamente quando se
trata de setores regulados, a segurança jurídica é fundamental ao aporte e
incremento de investimentos no país. Ademais, a relevância de se garantir a
estabilidade do ambiente regulado não se refere tão somente ao equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos firmados com as concessionárias de serviço
público. Compete às agências reguladoras a tutela de interesses difusos enredados
na sua atividade. Desse modo, a pesquisa das interações entre o Judiciário e as
agências reguladoras tem por escopo, ainda, examinar em que proporção o controle
judicial de atos regulatórios pode colocar em risco a garantia do pluralismo e do
equilíbrio entre valores contrapostos e entre os interesses dos mercados e os fins de
serviços públicos (MAS, 1999, p. 69).
No terceiro capítulo, será analisada a extensão do controle judicial de atos
regulatórios. Com esse objetivo, a partir de pesquisa doutrinária e jurisprudencial,
argumentos que restringem esse controle a um exame de legalidade serão
contrapostos à defesa de um controle de mérito, bem como será enfrentado o
dogma da discricionariedade técnica das agências reguladoras. Ainda quanto aos
limites do controle judicial, merecerá especial atenção a análise da possibilidade de
substituição de atos regulatórios por decisões judiciais.
Por fim, no quarto capítulo serão apresentadas propostas procedimentais
e estruturais com vistas ao aprimoramento do controle de conteúdo de atos
regulatórios pelo Poder Judiciário.
Não será possível, em face dos limites deste trabalho, tratar dos efeitos
de decisões judiciais e, tampouco, dispor sobre parâmetros objetivos a serem
observados pelo Judiciário na realização desse controle. O estudo de tais temas
poderá ser desenvolvido em pesquisas futuras, a partir das reflexões a serem
propostas ao longo desta monografia.
Em síntese, este trabalho privilegiará a problematização dos limites do
controle judicial de mérito de atos regulatórios, sem descurar da importância do
equilíbrio do setor regulado. Por meio de uma perspectiva crítica, pretende-se
questionar argumentos recorrentemente adotados como premissas pela doutrina e
pelos órgãos judiciários - verdadeiros ―lugares comuns‖ quando se trata do controle
judicial de tais atos.
13
1. O ESTADO REGULADOR E A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DAS
AGÊNCIAS INDEPENDENTES
1.1. Regulação de atividades econômicas e agências reguladoras
São múltiplos os sentidos atribuídos ao vocábulo ―regulação‖2. Todavia, é
possível definir como elemento comum aos conceitos propostos a restrição a
escolhas privadas pela imposição de regras públicas (EBERLEIN apud CUÉLLAR,
2008, p. 13).
Embora a regulação possa incidir sobre qualquer objeto social, como a
família, a educação, a saúde, o trabalho, é no âmbito da economia estatal que ele
vem sendo utilizado mais frequentemente no direito brasileiro. Com efeito, é no
âmbito do direito econômico (ou direito administrativo econômico) que o tema vem
sendo abordado com maior profundidade. Nesse contexto, torna-se relevante tratar
da definição de regulação econômica (DI PIETRO, 2003).
Segundo CUÉLLAR, a regulação econômica deve ser entendida como um
condicionamento externo à atividade dos agentes econômicos, abrangendo as
vertentes da regulamentação, supervisão e sancionamento (2008, p. 13). Se, por um
lado, é certo que tal modalidade de regulação tem por objeto atividades econômicas
privadas, por outro, as finalidades da regulação econômica não são consenso na
doutrina.
Embora seja usual que doutrinadores apontem a regulação estatal como
instrumento para suprir as deficiências do mercado, JUSTEN FILHO (2002, p. 31)
anota que essa visão tem sido alterada, especialmente a partir da segunda metade
do século XX. Pode-se dizer que a alteração consistiu muito mais em uma
ampliação da dimensão da regulação do que em uma revisão essencial das
concepções essenciais.
O autor identifica essa intensa revisão de concepções mais antigas como
uma segunda onda intervencionista, que denominou regulação econômica social.
Sob a nova perspectiva, a regulação consistiria na atividade estatal de intervenção
indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e
2 Sobre o tema, confira-se DI PIETRO, 2003, p. 27 e 28.
14
sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos
fundamentais (JUSTEN FILHO, 2005, p. 447).
De fato, embora a atividade regulatória vise à obtenção de eficiência
econômica, a tanto não pode ser limitada. As finalidades regulatórias também se
relacionam à realização de valores fundamentais consagrados pela sociedade,
sejam eles de natureza econômica ou não (JUSTEN FILHO, 2002, p. 40). Nessa
linha, cita-se o conceito proposto por ARANHA e LOUREIRO (2009), segundo o qual
regulação é a reconfiguração conjuntural do ambiente regulado voltada à
consecução de um modelo ideal de funcionamento do sistema e dirigida por regras e
princípios inscritos e espelhados nos direitos fundamentais.
O Estado pode regular a atividade econômica diretamente, por órgãos da
Administração Pública direta, ou indiretamente, por meio de entes dotados de parcial
ou total independência. A regulação por meio de entidades independentes, ou
regulação independente, originou-se nos Estados Unidos, com a criação da
Interstate Commerce Commission, em 1887, para regulamentar os serviços
interestaduais de transportes (ARAGÃO, 2009, p. 229).
Por influência do direito norte-americano, a regulação por meio de entes
reguladores independentes foi aos poucos sendo introduzida nos ordenamentos
jurídicos de outros países, dentre os quais se inclui o Brasil (CUÉLLAR, 2008, p. 14).
Para MAJONE (2006), o insucesso da atuação do Estado empresário
explica a mudança para um modo alternativo de controle no qual os serviços
públicos e outros setores, considerados importantes por afetar o interesse público,
são deixados em mãos privadas, mas sujeitos a normas elaboradas e aplicadas por
agências especializadas3. Por seu turno, MOREIRA (1997b, p. 30 e 31), citando
BREUER, considera o surgimento de órgãos e entidades públicas autônomas em
relação à Administração Pública central como a resposta necessária do moderno
Estado social ao alargamento das suas tarefas. A autonomização de organismos
3 Nessa linha, MAJONE (2006, p. 14-15) sustenta que a maioria das diferenças estruturais entre o Estado
positivo (intervencionista) e o Estado regulador podem ser examinadas, retrospectivamente, quanto à distinção entre duas fontes de poder governamental: a tributação (ou tomar fundos emprestados) e a despesa, de um lado; e a criação de regras do outro. Segundo o autor, esta é uma distinção entre políticas que exigem o dispêndio direto de recursos públicos e as políticas regulatórias. O ponto crucial é que as limitações orçamentárias têm impacto muito reduzido sobre a elaboração de regras, enquanto o tamanho de programas de despesa direta não-regulatórios é determinado por dotações orçamentárias e, assim, pelo nível de receitas tributárias do governo. O orçamento público é uma limitação leve que se impõe aos formuladores de normas, porque o custo real dos programas reguladores não é absorvido pelos reguladores, mas por aqueles que têm de obedecer à regulação.
15
administrativos seria, nesse sentido, uma conseqüência, em termos de diferenciação
e especialização, da ampliação e diversificação das tarefas administrativas.
De acordo com MOREIRA (1997a, p. 36-37), um processo de regulação
implica tipicamente as seguintes fases: formulação das orientações da regulação;
definição e operacionalização das regras; implementação e aplicação das regras;
sancionamento dos transgressores; decisão dos recursos.
Tais fases podem ser agrupadas em três etapas essenciais:
(a) a aprovação das normas pertinentes (leis, regulamentos, códigos de conduta, etc.); (b) implementação concreta das referidas regras (autorizações, licenças, injunções, etc.); (c) fiscalização do cumprimento e punição das infrações.
Nesse prisma, a regulação e, assim, as entidades reguladoras
independentes, podem conjugar três tipos de poderes correlatos aos poderes típicos
do Estado – um poder normativo, um poder executivo e um poder parajudicial.
Com efeito, o desenvolvimento de uma administração independente, que
possui poderes decisórios regulamentares e individuais, necessita de um espaço
administrativo suficientemente „aberto‟. Não há qualquer possibilidade (teórica ou
prática) destas instituições se desenvolverem em espaços administrativos
„fechados‟, organizados e controlados de maneira rígida (MODERNE apud
ARAGÃO, p. 215).
Assim é que o advento das autoridades reguladoras independentes
alterou o modelo clássico da Administração Pública, baseado nos princípios da
unidade, do centralismo, da hierarquia e da autoridade, e na separação entre o
público e o privado. Nessa esteira, passaram a vingar os princípios da diferenciação
e da diversidade, da descentralização, da autonomia, das parcerias entre o público e
o privado, bem como a contratualização e a lógica do mercado (MARQUES e
MOREIRA, 1998/1999, p. 150-151).
No Brasil, todas as agências reguladoras independentes foram
qualificadas institucionalmente por suas respectivas leis instituidoras como
autarquias especiais (DI PIETRO, 1999, p. 387)4. Segundo BARROSO (2002, p.
4 Não se ignora, contudo, que no Brasil, antes do movimento de privatização da década de 90, já existiam
órgãos e entidades encarregados do exercício da atividade de planejamento e fiscalização das atividades particulares e púbicas realizadas mediante delegação ou outorga. De fato, entidades como o Banco Central (BACEN), Conselho Monetário Nacional (CMN), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não são instituições recentes no Estado Brasileiro. Nas palavras de CARVALHO (2008, P. 844), buscam assegurar a estabilidade da moeda, do mercado e das atividades comerciais das sociedades, com maior ou menor efetividade nos resultados alcançados, sem qualquer dependência com o movimento de desestatização realizado
16
121), tal definição se deve ao fato de serem dotadas de um conjunto de privilégios
específicos que a lei lhes outorgou, tendo em vista a consecução de seus fins. Para
o autor, a pedra de toque desse regime especial das agências reguladoras é a sua
independência em relação à Administração Pública central. Para que não fracasse o
ambicioso projeto nacional de melhoria dos serviços públicos, o espaço de legítima
discricionariedade das agências deve ser preservado de ingerências estranhas às
exigências regulatórias de equilíbrio e garantia de direitos fundamentais.
Apesar dos diferentes posicionamentos doutrinários a respeito do
assunto, observa-se que o poder normativo das agências reguladoras em regra é
apontado como uma de suas características preponderantes. Para MENDES (2000,
p. 129), a competência normativa é o critério que de fato denota a independência
das agências reguladoras. Nessa linha, o autor sustenta:
Assim, escolhemos como um outro critério a competência normativa, entendendo-se por esta a produção de normas gerais, que podem ser veiculadas através de regulamentos (e, nesse caso, se fala em poder regulamentar), resoluções, portarias, etc.
Possuindo poder normativo, então, consideramos o ente uma agência reguladora. Esta será, portanto, não o ente que simplesmente exerça regulação em qualquer de suas formas, mas, acima de tudo, o que possua competência para produzir normas gerais e abstratas que interferem diretamente na esfera de direitos do particular.
De fato, a necessidade de imposição de normas para o desenvolvimento
de determinado setor econômico, marcado pela velocidade de desenvolvimento
tecnológico e pela complexidade da sociedade civil, relaciona-se à atribuição de tal
poder às agências. Supre-se, assim, a insuficiência legiferante do Congresso
Nacional sobre a amplitude de matérias técnicas, peculiares aos diversos setores,
em velocidade compatível com o tempo concorrencial. Disso decorre uma tendência
a que a lei se limite a fixar parâmetros extremamente abertos, podendo em muitos
casos vir a operar na prática uma verdadeira delegação de competência legislativa
em favor das agências (JUST, 2009).
Segundo MARQUES NETO (2000, p. 79-80), a cada dia, em grande
medida como conseqüência da evolução tecnológica, observa-se: i) o aparecimento
de novos setores a clamar pautas normativas; ii) a complexização das questões
principalmente na década de 90. Não obstante, faz-se coro ao entendimento de ARAGÃO (2009), para quem nenhuma de tais entidades tinha ou tem o perfil de independência frente ao Poder Executivo afirmado pelas recentes leis criadoras das agências reguladoras e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF.
17
merecedoras de regulamentação e, por tabela, a necessidade de mais intrincados e
específicos instrumentos normativos; iii) a notável separação entre os diversos
campos do Direito, pautada pela edificação de princípios e conceitos próprios a cada
setor e não facilmente aproveitáveis para os demais. Todos esses fatores indicam a
dificuldade de se sustentar que a lei seja instrumento exclusivo da ação regulatória e
fonte única do arcabouço regulamentar.
CHEVALLIER (apud JUST, 2009) aponta a eclosão da regulação como
um sintoma da ruína do modelo monolítico próprio do Estado moderno,
caracterizado pela unidade e pela hierarquia das fontes de produção normativa
(policentrismo normativo). Na mesma linha, MARQUES NETO (2002, p. 206-207)
sustenta que a atuação dos órgãos reguladores está atrelada à crise vivida pelo
princípio da legalidade, que não decorre tão-somente do advento das agências
reguladoras, mas da própria profusão de fontes normativas.
Com efeito, à medida que se coloca inerente ao órgão regulador o
exercício de uma forte atividade regulamentadora, relacionada com as
especificidades e complexidades próprias ao âmbito de sua regulação, advém a
incompatibilidade desta atividade com o pressuposto de vinculação estrita da
atividade administrativa à lei5. Segundo MARQUES NETO (2002, p. 207), tal
incompatibilidade decorre, justamente, do caráter de mediação e de articulação que
os órgãos reguladores cumprem em face dos diversos interesses públicos6
enredados em sua atividade.
JUST (2009) destaca que a regulação não se restringe à simples
produção de normas gerais. Segundo o autor, sua noção central é, sem dúvida, a do
disciplinamento jurídico. Mas somente seria possível compreender o seu sentido
específico, no contexto atual, ao se entender que o recuo do papel do Estado como
produtor direto de bens e serviços não pretendeu significar o seu desengajamento.
5 Tal vinculação se expressa na fórmula do princípio da legalidade da Administração, segundo o qual a
Administração só pode fazer o que a lei autoriza.
6 A utilização do termo no plural, pelo autor, não é acidental. O paradigma segundo o qual o interesse público
se contrapõe aos interesses privados, motivo pelo qual deve predominar sobre estes, tem raízes históricas. O individualismo renascentista, que pregava a prevalência dos interesses privados, parece haver ensejado, à época seguinte, o entendimento de que a negação desses interesses significaria alcançar o interesse comum. Assim, adotou-se de modo generalizado o pressuposto do interesse público como uno, exclusivo, singular, que em cada situação concorre com os interesses privados. Para MARQUES NETO (2002, p. 82), trata-se de premissa de oposição, de embate, de afirmação pela negação, segundo o qual a consagração do interesse público se oporia essencialmente aos interesses privados e, destarte, somente se efetivaria a partir de algum sacrifício ou restrição de interesses dos particulares.
18
De outro modo, pelo menos idealmente, como contrapartida ao recuo do Estado
empresário, a regulação correspondeu à “invenção” de uma nova função, estratégica
sem ser planificadora, que consiste em fixar as regras do jogo, mas em fixá-las não
à distância, e sim em resposta imediata aos estímulos vindos da atividade regulada
e interagindo com eles. Em outros termos, a regulação seria uma espécie de
intervenção disciplinadora.
Segundo JUST (2009), é indiscutível a dificuldade de harmonizar esse
processo com os dogmas organizadores e, sobretudo, legitimadores do Estado
constitucional, que nunca renegou a idéia fundamental de primazia da lei como
expressão da vontade popular.
1.2. Legitimidade democrática e necessidade de controle
A larga atuação das agências reguladoras, que assumem funções
tipicamente relacionadas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tem
suscitado questionamentos quanto à sua legitimidade. Nas palavras de MATTOS
(2006, p. 339), a questão é saber em que medida pode ser legítima e democrática a
decisão sobre o conteúdo da regulação por um órgão colegiado não-eleito e com
autonomia decisória em relação à administração direta. Ou seja, questiona-se a
existência de um déficit democrático7 na atuação das agências reguladoras8.
Entre os entendimentos esposados pela doutrina, citam-se três linhas de
trabalhos, a partir de seleção apontada por MATTOS (2006, p. 338 a 342).
Em um primeiro grupo de autores estão aqueles que refutam o atual
modelo regulatório. Entre os argumentos expendidos está o de que o poder que as
agências detêm para especificar o conteúdo das normas gerais previstas em lei ou 7 A expressão tornou-se conhecida ao ser utilizada por David Marquand, que apontou, em 1979, a deficiência
na forma de indicação dos membros do Parlamento Europeu, os quais eram (à época) indicados indiretamente pelos parlamentos nacionais. Pretendia-se que a solução importasse na adoção de sistema de eleição direta. A questão específica foi superada pelas novas regras atinentes à eleição dos membros do Parlamento Europeu, mas a expressão sobreviveu e ganhou generalização. Passou a aludir-se, de modo amplo, ao déficit democrático da União Européia visando a indicar não apenas a ausência de mecanismos de participação direta do cidadão na formação da vontade política, mas também a inaplicação das concepções clássicas de tripartição de poderes à organização comunitária européia. (MÉNY apud JUSTEN FILHO, 2006, p. 301)
8 JUSTEN FILHO (2006, p. 302) assinala que a mera proposição sobre a existência de um déficit democrático na
atuação das agências reguladoras já evidencia, sob um certo ângulo, uma tomada de posição sobre a questão, uma vez que o termo déficit denota insuficiência. De fato, o questionamento acerca do déficit de legitimidade democrática das agências reguladoras parte da premissa de que sua atuação deva se concretizar por meio de vias democráticas.
19
em decretos do presidente seria inconstitucional por não haver previsão
constitucional para tanto.
Para DI PIETRO (apud MATTOS, 2006, p. 340), que integraria o grupo, a
atuação das agências reguladoras ensejaria um déficit de controle de legalidade por
parte do Poder Judiciário, tendo em vista que haveria a necessidade de recorrer,
com maior frequência, ao princípio da razoabilidade das normas reguladas em face
da intenção do legislador, para a decisão de sua constitucionalidade. Haveria, por
conseguinte, perda de segurança jurídica ou de legitimidade democrática, uma vez
que as normas formuladas pelas agências se distanciariam das políticas públicas
definidas em lei ou em regulamento expedido pelo chefe do Poder Executivo para
um dado setor da economia.
Desse modo, essa primeira linha de estudos, aponta a existência de um
déficit democrático na atuação das agências reguladoras, notadamente quanto à sua
função normativa, mas reduz a legitimação democrática à via da eleição popular.
Como se defenderá mais adiante, uma vez que a legitimação democrática pode se
concretizar por diversos meios, entende-se que tal entendimento reflete uma
concepção limitada, insuficiente e inadequada sobre o próprio conceito de
Democracia (JUSTEN FILHO, 2006, p. 308).
Ainda quanto aos autores que contestam o modelo atual, mas em uma
perspectiva mais restrita à existência das agências reguladoras, estão aqueles que
afirmam que seu poder normativo não existiria ou não deveria existir. Nesse prisma,
a atuação normativa das agências reguladoras significaria uma delegação
abdicatória, ou, em outros termos, uma renúncia do Poder Legislativo ao exercício
de competência fixada pela Constituição9 e, portanto, seria inconstitucional.
Esse argumento está amparado em uma visão clássica do princípio da
separação de Poderes. Contudo, como observado por SILVA (2004, p. 113), hoje o
princípio não configura aquela rigidez de outrora. A amplitude das atividades do
Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e
novas formas de relacionamentos entre os órgãos legislativos e executivo e destes
com o judiciário. Além disso, embora extrapole os limites do presente trabalho
avançar na questão, é importante anotar que a função normativa não se confunde
9 No ponto, MATTOS (2006, p. 340, nota n. 18) refere-se à obra Regulamento e Princípio da Legalidade, Revista
de Direito Público (RDP), n. 96, p. 42, out.-dez. 1990, de Celso Antônio Bandeira de Mello.
20
com a legislativa, embora com ela se relacione (ALESSI apud GRAU, 2000, p. 178-
180).
Uma segunda linha de trabalhos almeja a imprimir novo sentido à
irrenunciabilidade do poder-dever de legislar (MATTOS, 2006, p. 340). Nesse
sentido, busca-se justificar a função normativa das agências reguladoras como
autêntica delegação complementar (não abdicatória) que surge, no plano dos fatos,
da necessidade de lidar com a complexidade social e econômica em termos de
técnicas de saberes especializados. Assim, o fundamento constitucional de tais
delegações seria a introdução do princípio da eficiência no artigo 37 da Constituição
Federal. Em outros termos, o aludido princípio exigiria que a Administração, em vista
do mercado, [fosse] dotada de competências reguladoras de natureza técnica e
especializada sob pena de paralisia. (FERRAZ JÚNIOR, 2008)
Essa construção argumentativa conduz, no limite, ao entendimento de
que as agências reguladoras não sofreriam um déficit democrático porque sua
legitimação derivaria não de sua abertura à sociedade, mas da eficiência de sua
atuação. Segundo JUSTEN FILHO (2002, p. 380), essa é uma abordagem perigosa
do instituto das agências. Para o autor, está subjacente a esse enfoque a tese de
que a soberania popular poderia ser substituída pela eficiência governativa10. Assim,
Democracia e agências reguladoras, no máximo, se complementariam, tendo em
vista a afirmação da Democracia no âmbito de outras instituições estatais. (JUSTEN
FILHO, 2006, p. 320-321).
Ademais, tal concepção é insuficiente, dado que se ampara na natureza
técnico-científica das decisões regulatórias, supostamente neutras, e, assim, no
conceito de discricionariedade técnica, rechaçado por significativa parcela da
doutrina, conforme se demonstrará posteriormente.
10 Segundo JUSTEN FILHO (2002, p. 380): A proposta de legitimação pela eficiência é uma versão atualizada de
propostas políticas autoritárias, que tiveram grande prestígio já alguns decênios. Mesmo no Brasil, o grande argumento a favor da legitimação dos governos militares foi a produção do milagre econômico. A supressão das liberdades era justificada como o preço a pagar pela eficiência econômica. A falsidade do argumento se revelou evidente em todos os casos, nos mais diversos países. Mais do que isso, a proposta de legitimação pela eficiência foi responsável por enormes tragédias políticas e por crimes contra a Humanidade. No mesmo sentido, MATTOS (2006, p. 359) problematiza o argumento: De onde teria vindo, então, a legitimidade do conteúdo das políticas públicas editadas nessas condições? Tal legitimidade não teria se constituído democraticamente e, conforme já observei no capítulo 3, pode decorrer dos efeitos substantivos (enquanto eficiência econômica gerada) das políticas econômicas sobre a sociedade. É o que explicaria, por exemplo, o apoio às políticas econômicas dos governos ditatoriais e a suas políticas nacional-desenvolvimentistas, que geraram crescimento econômico, difundiram publicamente a imagem do “Brasil Potência”, mas se mostraram depois processos profundamente desiguais de monopolização do capital por determinados grupos de interesse.
21
Há, ainda, uma terceira linha de estudos que se funda na premissa de
que deva haver uma regulação técnica de mercados. Para esses autores, tal
necessidade teria suscitado o rompimento da organização de poderes do
constitucionalismo clássico e a concentração do exercício de tal função regulatória
no Poder Executivo11.
Segundo MATTOS (2006, p. 341), apesar de considerarem em seus
argumentos os mecanismos de participação ou controle social, a maior parte desses
trabalhos enfatiza com maior intensidade os aspectos de legitimidade pela eficiência,
incorrendo no mesmo entendimento esposado pela segunda linha. Desse modo,
estaria relegada a segundo plano a reflexão acerca do sentido e funcionamento dos
mecanismos de participação pública no processo de formulação do conteúdo da
regulação, enquanto legitimação das normas editadas e das decisões tomadas
dentro desse novo locus de poder constituído pelas agências reguladoras
independentes.
Nesse contexto, MATTOS salienta que o modelo analítico representado
por tais linhas de estudos estaria preso a uma concepção teórica de separação de
poderes própria de um modelo de Democracia e de direito liberais, insuficiente em
face da complexidade das relações sociais inerentes ao Estado regulador.
Para além das três linhas de trabalhos apontadas por MATTOS, observa-
se, ainda, a existência de corrente doutrinária que defende que a submissão do
exercício do poder decisório a um estrito procedimento geraria efeitos de legitimação
semelhantes aos derivados do processo eleitoral. A denominada legitimidade pelo
procedimento deve ser compreendida com ressalvas em razão de sua indissociável
vinculação à organização da União Européia. Por esse prisma, é importante
ressaltar que a organização comunitária européia ancora-se em pressupostos
políticos específicos, o que acarreta a disputa sobre déficit democrático. A esse
respeito, JUSTEN FILHO (2006, p. 326) propõe a seguinte reflexão:
Sob um certo ângulo, a invocação à legitimação pelo procedimento é a única alternativa para a União Européia (ao menos, no atual modelo). Lembre-se que o único órgão comunitário cujos membros são eleitos é o Parlamento Europeu, o qual não dispõe de competências legiferantes próprias da teoria da tripartição dos poderes. Os outros órgãos políticos fundamentais (Conselho e Comissão) acumulam competências legiferantes e administrativas.
11
Entre os autores apontados por MATTOS (2006, p. 341, nota 20) citem-se Fernando Herren AGUILLAR, Carlos Ari SUNDFELD e Alexandre Santos de ARAGÃO.
22
Daí se segue que os conceitos da Democracia clássica apenas podem ser aplicados de modo marginal no âmbito da União Européia.
Diversamente se passa quanto aos Estados ocidentais (inclusive o Brasil), em que a legitimação pelas vias clássicas é perfeitamente possível. Por isso, a estrita observância de procedimentos pode ser reputada como uma exigência necessária ao desempenho de qualquer competência estatal. Mas não há impedimento à adoção de outros mecanismos destinados a assegurar a natureza democrática da atuação da instituição.
Desse modo, entende-se que há ainda outras vias de legitimação para as
agências independentes brasileiras, para além da via procedimental. Entre elas,
encontram-se algumas alternativas de cunho democrático (JUSTEN FILHO, 2006).
Em estudo que investiga a existência de um déficit democrático na
regulação independente, JUSTEN FILHO (2006, p. 304) aponta para a ausência de
um modelo único ou padronizado de Democracia. Para tanto, o autor traz à baila
precedente da Corte Européia dos Direitos Humanos, segundo o qual embora seja
necessário subordinar os interesses dos indivíduos àqueles de um grupo, a
Democracia não se restringe à supremacia constante da opinião de uma maioria; ela
impõe um equilíbrio que assegure às minorias um tratamento justo e que evite todo
abuso de uma posição dominante12.
Disso resulta que inexiste um modelo único de regime democrático apto a
assegurar o equilíbrio entre a preponderância da vontade da maioria e a realização
dos princípios fundamentais. Nessa linha, nenhum modelo concreto é definitivo,
perfeito e acabado, de modo que, tal qual sustentado anteriormente, a legitimação
democrática não se concebe exclusivamente pela via da eleição popular.
Por outro lado, isso não significa a inexistência de elementos comuns aos
diversos modelos de Democracia. Segundo JUSTEN FILHO (2006, p. 308), o núcleo
da noção de Democracia, relaciona-se à existência de (a) mandatos eletivos
temporários para os cargos políticos de maior relevância e de (b) instrumentos de
garantia e controle do exercício do poder, destinados a assegurar tanto a
referibilidade das decisões à vontade popular como a realização dos princípios e
valores fundamentais. Esse modo de organização do poder político estatal se
justifica tendo em vista uma limitação interna de competências, de modo a evitar
12
Caso Young, James e Webster, decidido em 13 de agosto de 1981 (confira-se em WACHSMANN, Patrick. Libertes Publiques. 3. ed. Paris: Dalloz, 2000, p. 63).
23
arbitrariedades e desvios de finalidade na atuação dos ocupantes de cargos e
funções públicas.
Nesse contexto, embora as agências reguladoras não possuam dirigentes
eleitos pelo povo e detenham elevado grau de autonomia em relação à
Administração central, disso não resulta, a princípio, que padeçam de déficit
democrático em sua atuação. Nas palavras de JUSTEN FILHO (2006, p. 309):
O que a democracia exige é que os titulares de determinados órgãos sejam escolhidos pelo voto, não que todo e qualquer cargo público resulte da eleição popular. Aliás, muito pelo contrário, tem de admitir-se que a investidura por mérito em determinados cargos e funções públicas é inerente a um sistema democrático. Não é democrático o Estado em que todos os cargos e funções públicas são providos mediante sufrágio universal.
Os cargos e funções públicas cuja investidura se funda num critério de mérito refletem a natureza complexa do conceito de Democracia. Sua existência não padece de déficit democrático na medida em que os cargos e funções essenciais sejam providos mediante sufrágio universal. Não há déficit democrático na instituição estatal constituída sem participação direta do povo quando a função consista precisamente em neutralizar a influência da vontade da maioria da população e assegurar a realização dos valores e princípios fundamentais.
Para o autor, aludir a déficit democrático das agências independentes
envolve, por tudo isso, uma simplificação, que tende a inviabilizar a discussão. Pode
ou não haver déficit democrático na regulação independente, a depender de
questões estruturais e funcionais externas e internas e, nessa linha, da existência de
instrumentos que viabilizem a observâncias dos princípios democráticos.
LA SPINA e MAJONE (2000, p. 168 e 169) defendem que as agências
reguladoras favorecem uma adequada divisão do poder, difusão esta que pode ser
uma forma de controle democrático mais eficaz do que a responsabilidade direta
perante os eleitores ou seus representantes. Segundo os autores, a crescente
proeminência de entes reguladores em todos os países democráticos demonstra
que, em muitas áreas, a confiança na sua qualidade como expertise, na
discricionariedade profissional, na coerência da policy, na equidade e na
independência decisória, é mais importante que atribuir a matéria a órgãos com
responsabilidade política direta.
De fato, a instituição das agências reguladoras parece estar relacionada à
crise de legitimidade vivenciada contemporaneamente pela grande maioria dos
Estados ocidentais que deriva, dentre outros fatores, da inadequação dos
24
mecanismos clássicos da Democracia para assegurar a compatibilidade entre o
interesse da sociedade civil e a atuação dos representantes eleitos pelo voto. Nessa
linha, JUSTEN FILHO (2006, p. 311) aponta que o advento das agências
reguladoras guarda relação com uma crescente insatisfação popular contra a classe
política, concebida como incapaz de sustentar o compromisso com os eleitores ou
inapta a introduzir modificações significativas na atuação governamental13.
Para MARQUES NETO (2002, p. 202) é na relação com os interesses
públicos que talvez se revele mais fortemente a importância das agências
reguladoras nos dias de hoje. De acordo com o autor, será nestes espaços que
melhor se poderá efetivar a dupla relação que compete ao poder político exercer
frente aos interesses públicos: a mediação de interesses públicos dos diversos
setores sujeitos à regulação específica e, concomitantemente, a proteção de
interesses públicos difusos, relacionados com os consumidores, usuários de
serviços, população sem acesso a alguma utilidade pública, ou ainda, a defesa dos
interesses genéricos correlacionados à proteção ambiental, redução de
desigualdades e outros tantos.
Sob esse ângulo, o fenômeno das agências reguladoras interage com
outras inovações, tais como a consagração do princípio do devido processo
administrativo, a afirmação da proteção aos interesses coletivos e difusos, a
ampliação da iniciativa popular no processo legislativo, a submissão de decisões
político-administrativas relevantes a consultas e audiências públicas, dentre outras.
Trata-se de inovações relacionadas à implementação de meios mais adequados e
eficientes para a manifestação e realização de interesses da sociedade como
alternativa às soluções da teoria clássica da tripartição de poderes14.
Embora se compreenda que a ausência de eleição popular para a escolha
dos dirigentes das agências reguladoras seja irrelevante para o reconhecimento de
algum déficit democrático, admite-se a possibilidade de que tais entidades agravem
as deficiências democráticas do sistema político em que se inserem e, nessa
13
Poderia aludir-se, então, a um déficit democrático do sistema político em seu todo. Esse déficit existe antes e independentemente da instauração de agências independentes. Nessa linha, as agências independentes podem ser um instrumento para o suprimento dessa insuficiência, tal como podem prestar-se ao agravamento desse cenário (JUSTEN FILHO, 2006).
14 Tal entendimento guarda relação com o conceito de democracia participativa. Segundo CANOTILHO (1999, p.
282), o princípio democrático implica democracia participativa, isto é, estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos.
25
hipótese, careçam de legitimidade democrática. Isso se dará sempre que os critérios
de sua organização e funcionamento frustrem ou dificultem a realização dos
princípios e valores fundamentais (JUSTEN FILHO, 2006).
HIPPOLITO (2003, p. 17-19) aponta a existência de quatro abismos para
os quais as entidades reguladoras costumam enveredar-se:
No primeiro abismo reside o corporativismo, que aprisiona os entes do setor público. A pretexto de representar interesses gerais de toda a sociedade, acabam defendendo interesses setoriais, quando não puramente individuais. Afastam-se de suas origens, e sobretudo de suas finalidades, ou seja, a universalização da prestação do serviço. É importante lembrar que a lógica cooperativista não preenche as necessidades da democracia representativa – princípio que parece estar um pouco fora de moda, infelizmente. (...)
O segundo abismo é uma espécie de jacobinismo salvacionista que domina certos organismos do setor público. O pressuposto é o de que, por serem compostos por pessoas de reta intenção e conduta ilibada, isto é, ―do bem‖, estes órgãos sabem o que é melhor para a sociedade. E isso é assustador.
O terceiro abismo é a captura desses organismos por aqueles a quem deveriam fiscalizar, tornando-se presa fácil do clientelismo, quando não da mais deslavada corrupção.
Finalmente o quarto e perigoso abismo é o da arrogância tecnocrática, auto-suficiente e demiúrgica, que não presta contas nem aceita críticas.
Por sua vez, CANOTILHO e MOREIRA (2007, p. 138) arrolam
vantagens e desvantagens quanto à atuação de entidades reguladoras
independentes. Entre as vantagens apontadas pelos autores estão: i) proporcionar a
especialização e o recurso a especialistas e a personalidades independentes; (ii)
evitar um envolvimento direto do Governo e permitir a atenuação de sua
responsabilidade política; (iii) flexibilizar e conferir celeridade de ação; (iv) agilizar as
formas de participação dos interessados na tomada de decisões; (v) conseguir auto-
suficiência financeira. Com relação às desvantagens, os autores elencam (i) o risco
de captura do organismo regulador pelos regulados; (ii) a falta de accountability
perante o Congresso e perante o público; (iii) o perigo da criação de vested interests
por parte dos dirigentes nomeados.
Nesse contexto, aduz-se que em um Estado democrático é salutar que
existam sistemas de limitação de competências. Com efeito, a concentração de
poderes discricionários em entidades organizadas segundo critérios de autonomia
reforçada deve ser seguida pelo desenvolvimento de instrumentos político-jurídicos
de controle e limitação.
26
Disso não decorre a possibilidade de substituição das decisões emanadas
por agências reguladoras, ainda que por meio de critérios de natureza técnico-
científica. Segundo JUSTEN FILHO (2006) tal controle envolve especificamente a
fiscalização destinada à identificação de defeitos ou abusos no exercício das
competências próprias e privativas das agências.
Por todo o exposto, os agentes reguladores se submetem a múltiplos
controles: pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pelo Tribunal de Contas,
além do controle social realizado pelo mercado e pelos consumidores (CUÉLLAR,
2008, 104). Para os fins visados neste estudo, adotar-se-á como enfoque o controle
realizado pelo Poder Judiciário.
27
2. AGÊNCIAS REGULADORAS E PODER JUDICIÁRIO
2.1. Controle judicial e equilíbrio regulatório
A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da universalidade
da jurisdição ao dispor, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Assim, adotou-se, no
Brasil, o modelo de jurisdição una, segundo o qual toda decisão administrativa,
ainda que irrecorrível administrativamente, pode ser submetida ao crivo do
Judiciário.
A esse respeito, não é demais salientar que a atual Carta Constitucional,
ao contrário da anterior15, não exige, como regra, o exaurimento das vias
administrativas para que haja a prestação jurisdicional16. Tal mudança privilegiou o
princípio do amplo e livre acesso ao Judiciário, de modo que não é necessário que
as entidades públicas, e assim, as agências reguladoras, se manifestem em caráter
definitivo para que a lide seja submetida à apreciação judicial.
Ao tratar do controle de atos administrativos pelo Poder Judiciário,
FAGUNDES (2006, p. 137) ressalta sua relevância para a realização de um controle
eficiente e conforme o ordenamento jurídico:
Nos países de regime presidencial, como o nosso, ficando o Executivo, praticamente, acima das intervenções do Parlamento, que só de modo indireto e remoto influi na sua ação e a fiscaliza, cresce de importância a interferência jurisdicional, no exame da atividade administrativa. Torna-se indispensável dar-lhe estrutura e desenvolvimento correspondentes ao seu relevante papel no
15
CF, de 1967 (EC n. 01, de 1969), art. 153: A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:
§4º A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977).
16 A Constituição Federal excepciona, contudo, a necessidade de esgotamento das vias administrativas da
justiça desportiva para acionamento do Poder Judiciário. É o que dispõe o §1º, do artigo 217, da Carta Constitucional, nos seguintes termos:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
28
vinculamento da função administrativa à ordem jurídica. Na realidade, é só por ele que se confina, dentro da Constituição e das leis, o exercício do Poder Executivo, que, colocado acima do controle eficiente do Parlamento, só na atuação do Poder Judiciário pode encontrar limitação eficaz do ponto de vista jurídico.
Desse modo, em relação ao Poder Judiciário, a independência das
agências reguladoras não pode ser afirmada plenamente. Em verdade, sempre será
possível o acionamento do Judiciário contra as suas decisões (ARAGÃO, 2009, p.
350). Todavia, o estudo do controle judicial dos atos regulatórios assume contornos
próprios e especial relevância em razão da ampla discricionariedade conferida pela
lei às agências reguladoras, ao caráter técnico-especializado do seu exercício e ao
equilíbrio sensível entre os interesses difusos e os objetivos dos particulares
envolvidos, sejam eles agentes econômicos ou consumidores.
Segundo MOREIRA e MAÇÃS (2003, p. 37), a independência das
autoridades administrativas independentes encontra-se limitada, desde logo, pela
existência do controle jurisdicional dos seus atos, nos termos gerais da judicial
review da atividade administrativa. Para eles, embora alguns autores defendam a
imunidade jurisdicional de tais entidades, por força de sua independência, a verdade
é que esta tese afigura-se incompatível com a natureza administrativa que a maioria
reconhece a estas entidades e, bem assim, com o princípio do Estado de direito.
Nessa linha, antes de se examinar a forma e os limites do controle judicial
dos atos regulatórios, propõe-se traçar um panorama atual das relações travadas
entre agências reguladoras e o Poder Judiciário, a partir da análise de dados obtidos
por meio de pesquisas17 de campo e de posicionamentos doutrinários a respeito do
assunto.
2.2. Panorama do controle judicial de atos regulatórios no Brasil
2.2.1. Dados levantados pela Associação Brasileira da Infraestrutura e
Indústrias de Base
Estudo realizado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias
de Base (ABDIB) em 2008 revelou que à época havia 1.754 ações e execuções
17
Não se ignora que os dados levantados pelas pesquisas mencionadas no presente estudo possam não realizar um retrato fiel da realidade. De todo modo, optou-se por citá-las, uma vez que não se tem notícia de trabalhos mais rigorosos a respeito do controle judicial de atos regulatórios.
29
contra agências reguladoras de infra-estrutura em tramitação na Justiça. Essas
ações e execuções envolvem conflitos regulatórios e de direito econômico e foram
ajuizadas contra as seguintes agências: Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Águas (ANA) e
Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). O estudo apontou, ainda, que a
judicialização de questões regulatórias possui trajetória ascendente. De fato,
enquanto 14% do total de ações foram ajuizadas em 2005, 25% delas haviam sido
formuladas em 2007 (anexo A) (ANÁLISE, 2008).
Em julho de 2011, a ABDIB divulgou novo levantamento por meio do qual
demonstrou que, desde 2008, a quantidade de processos aumentou em torno de
40% . Segundo dados constantes da pesquisa, nesse período, 957 ações foram
ajuizadas, ao passo que apenas 268 ações foram julgadas. Concluiu-se, então, que
o ritmo de resolução judicial dos conflitos é quase quatro vezes menor que o de
ajuizamento de novas ações (PEREIRA, 2011).
Dado que as pesquisas foram realizadas por uma associação de
empresas, elas nos trazem um ponto de vista de agentes regulados quanto ao
crescente ajuizamento de ações. A ABIDB apontou como conseqüências desse
crescimento a criação de um ambiente de incerteza e instabilidade no
gerenciamento dos negócios. A insegurança jurídica foi relacionada à
imprevisibilidade do custo e do prazo para resolução do processo, bem como à
inexistência de parâmetros estáveis à tomada de decisões, o que repercutiria no
equilíbrio econômico e financeiro dos empreendimentos.
Segundo a pesquisa, tais incertezas significam riscos, custos e atrasos na
execução de planos importantes de expansão da infra-estrutura, podendo interferir
no fluxo de receitas e na rentabilidade prevista para os negócios e, sobretudo,
prejudicar o atendimento às demandas da população.
De fato, notadamente quando se trata de ambiente econômico regulado, a
segurança jurídica e a mitigação de riscos são variáveis determinantes do aporte e
incremento de investimentos no país. Isso porque a atratividade dos investimentos
está diretamente relacionada à estrita observância pelo Poder Público das regras
definidas em contrato ou regulamento e, portanto, à segurança jurídica do negócio.
30
2.2.2. Dados levantados pela Universidade de São Paulo
Em abril de 2011, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou relatório
final de pesquisa realizada em 2010 pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo (USP) com o objetivo de investigar a forma como se dá a revisão judicial
das decisões administrativas de regulação e de defesa da concorrência, seus custos
e efeitos sobre a eficácia regulatória. A pesquisa, pautada por critérios jurídicos, mas
também econômicos, levantou dados que interessam a este estudo, uma vez que
proporcionam uma visão que se pretende objetiva a respeito do controle exercido
pelo Poder Judiciário em face de decisões administrativas regulatórias18.
Segundo consta do relatório da pesquisa (USP, 2011, p. 108-116), por
meio de mapeamento processual da Justiça Federal, estimou-se haver 83.066
processos judiciais em que alguma agência reguladora19 consta como parte
processual (anexo B).
A partir de tais resultados foi possível estimar a quantidade de ações
atinentes à revisão judicial de decisões administrativas regulatórias e, portanto,
relacionadas à função institucional da agência. Do universo de processos judiciais
envolvendo agências reguladoras, foram excluídos os casos considerados não
pertinentes, ou seja, que não se referem à revisão judicial de decisões
administrativas regulatórias, e não essenciais, isto é, não diretamente relacionados à
decisão administrativa impugnada20 (USP, 2011, p. 116-129).
18
Embora a revisão judicial das decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE integrem o objeto da pesquisa realizada pela USP, de modo geral, os dados levantados destacam os resultados relativos ao órgão daqueles atinentes às agências reguladoras, pelo que não mitigam a pertinência da pesquisa para o presente estudo.
19 Consta da pesquisa (USP, 2011, p. 108) que foram incluídas inicialmente as seguintes agências: ANA, ANAC,
ANATEL, ANCINE, ANEEL, ANP, ANS, ANTAQ, ANTT e ANVISA. Após conversa com o Procurador-Geral Federal, aceitou-se a sugestão de inclusão da CVM e Previc.
20 Nessa linha, foram excluídos processos relacionados a questões meramente administrativas, como litigância
entre servidores públicos e autarquia, concurso público para ingresso no quadro de pessoal, licitação para compra de bens de consumo ou contratação de serviços de base à atuação da agência (material de escritório, alimentação, segurança), entre outras não relacionadas à atividade regulatória. A respeito dos processos excluídos, confira-se informação constante da pesquisa (USP, 2011, p. 129, nota 153): A definição do que é um processo ‘pertinente’ à pesquisa ou ‘essencial’ não é absolutamente objetiva como se desejaria. Por vezes, o pesquisador se depara com situações concretas em que não é possível assegurar com precisão em qual categoria os processos se enquadram. Em situações que suscitavam dúvidas, a coordenação da pesquisa optou por ser mais inclusiva, incorporando tais casos à amostra. O impacto dessa decisão sobre as estimativas econométricas é desprezível, dado o tamanho da amostra, e de pequena relevância no caso de estatísticas descritivas, mesmo nas situações em que as informações são estratificadas por autarquias.
31
Assim, estimou-se o ajuizamento de 38.641 ações cujo escopo seja a
revisão de decisões finalísticas de agências reguladoras. Da análise de amostra
desse total (USP, 2011, p. 129-165), foram extraídos indicadores de custo e de
incerteza jurídica. Os resultados pertinentes a este trabalho serão relatados em
síntese no passo seguinte.
A pesquisa revelou que a taxa de confirmação de decisões
administrativas pelo Judiciário corresponde a cerca de 60% das ações transitadas
em julgado. Apenas 3,3% das decisões administrativas questionadas judicialmente
foram parcialmente reformadas e 8,5%, anuladas. Os demais processos, que
representam 28,7% do total, foram extintos sem julgamento de mérito21 (anexo C)22.
Caso somente sejam considerados os processos em que houve decisão
quanto ao mérito, o percentual de decisões administrativas confirmadas
judicialmente sobe para 83%, contra 12% de decisões anuladas e 5% de
parcialmente reformadas (anexo D).
De acordo com o relatório da pesquisa, essa informação indica, ainda que
de modo indireto e precário, que os benefícios diretos da revisão judicial não
parecem substanciais. Não se discutem, em abstrato, os benefícios e o papel da
revisão judicial em assegurar direitos e maior qualidade do enforcement das normas
regulatórias. Contudo, no particular da revisão judicial no Brasil, a baixa taxa de
atuação como revisora de decisões administrativas indica que este papel não é de
relevância expressiva.
A título de argumentação se conjectura que ainda que todas as
modificações judiciais das decisões administrativas fossem adequadas, dado que
apenas 17% das decisões são modificadas, incorrer-se-ia no custo de postergar o
enforcement regulatório dos restantes 83% das decisões administrativas. (USP,
2011, p. 145-146).
Também a análise do tempo transcorrido para a decisão final é
considerada um resultado particularmente importante da pesquisa, uma vez que a
21
Mérito assume, aqui, sua acepção processual. A observação é relevante uma vez que, mais adiante, se analisará o exame judicial do mérito da decisão administrativa, partindo-se de noção própria ao direito administrativo.
22 O elevado índice de decisões sem julgamento de mérito suscita a dúvida quanto ao preparo dos magistrados
para julgar questões regulatórias, tema que será analisado no decorrer desta monografia.
32
aplicação da norma regulatória deve ser tempestiva, sob pena de sua ineficácia23. A
USP apontou haver uma percepção generalizada de excessiva morosidade para as
decisões definitivas do Judiciário. De acordo com os dados levantados, a média de
duração das ações judiciais analisadas é de 36 meses. Tal morosidade se acentua
na revisão das decisões das agências reguladoras, cujas decisões são feitas por
colegiado e cujos objetos são sensíveis ao tempo.
Ainda quanto ao tempo de tramitação no Judiciário, observa-se que, nos
casos onde houve decisão de mérito, o tempo de análise foi sensivelmente superior,
cerca de 58 meses. Nos casos em que o Judiciário não confirmou a decisão
administrativa, esse tempo aumentou para 69 meses (5,7 anos). Em outras palavras,
nos processos em que o Judiciário interveio de forma substancial, seja anulando ou
alterando parcialmente a decisão administrativa, o tempo para análise foi de
aproximadamente 69 meses, 92% maior do que o tempo médio total (36 meses)
(anexo E).
Salienta-se que os dados acima foram obtidos a partir da análise dos
casos transitados em julgado. Considerando que tais processos representam
apenas 16% do total estimado, é possível que se trate de grupo com características
distintas dos demais. Assim, o estudo restrito dos casos transitados em julgado pode
distorcer conclusões, dada sua pequena representatividade em relação ao total de
processos. Por exemplo, é razoável admitir que os casos transitados em julgado
sejam mais simples que os demais e, por essa razão, tenham sido concluídos.
Sendo assim, a estimativa apresentada estaria subestimando o tempo de trâmite
total. De fato, a análise dos processos em andamento parece indicar que essa
hipótese seja verdadeira.
Conforme dados levantados na pesquisa (anexo F), o tempo médio
transcorrido dos casos ainda pendentes de decisão definitiva é de 54 meses,
enquanto o tempo médio dos transitados em julgado é de apenas 36 meses.
Com o escopo de definir uma medida do tempo de duração mais próxima
do real, evitando a elevada subestimação que ocorre ao se observar apenas os
23
Sobre as conseqüências do entrave regulatório para a realização de pesquisas clínicas no Brasil, confira-se matéria publicada pela Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (ABRACRO), disponível em: <http://www.abracro.org.br/br/pesquisa-clinica/pesquisa-clinica-no-brasil/entraves-regulatorios>. Acesso em: 27 nov. 2011.
33
casos transitados em julgado, a USP estimou o tempo de trâmite mínimo,
considerando a hipótese extrema de que todos os casos em andamento fossem
concluídos instantaneamente no momento da pesquisa. Desse modo, avaliou que,
no mínimo, o tempo de duração dos processos envolvendo agências reguladoras
supera quatro anos (50 meses).
Ademais, observou-se que as decisões judiciais de primeira instância
destoam consideravelmente das decisões judiciais definitivas24. Veja-se, como
exemplo, a taxa de anulação de decisões administrativas, que corresponde a
22,50% dos casos analisados em primeira instância, contra 8,50% dos casos
transitados em julgado (anexo G).
Se comparados apenas os casos em que houve julgamento de mérito, é
mais significativa a diferença entre decisões de primeira instância e decisões
transitadas em julgado. Nos casos em que o Judiciário se manifestou sobre o mérito,
a taxa de confirmação em decisão final supera em torno de 15% à de decisões de
primeira instância (anexo H).
Tais resultados são relevantes para a estimativa de custos de revisão
judicial, sobretudo no que se refere à incerteza jurídica. As diferenças apontadas
registram que há considerável alteração de entendimento do Judiciário no decorrer
do processo, bem como denotam que Judiciário se pronuncia em primeira instância
de modo mais invasivo do que o faz em caráter definitivo. Os dados parecem
apontar uma postura mais conservadora das cortes superiores, que estariam menos
propensas a adentrar o mérito administrativo.
Segundo relatado na pesquisa, a conseqüência desse fato é deletéria à
adequada aplicação da norma, uma vez que transmite, no curso do processo, sinais
conflitantes à sociedade. Além disso, a forte tendência de confirmação da decisão
administrativa ao final indica que não há benefícios relevantes no controle judicial de
atos regulatórios em face do estado de incerteza a que empresas, concorrentes e a
própria autoridade regulatória são submetidos (USP 2011, p. 14).
Entretanto, ao contrário da conclusão apontada na pesquisa, entende-se
que a tendência dos tribunais em manter a decisão das agências reguladoras não
implica, necessariamente, a ausência de benefícios relevantes no controle judicial de
24
Os dados trazidos pela USP na pesquisa citada comparam as decisões de primeira instância com as decisões transitadas em julgado, embora estas possam compreender parte daquelas, tendo em vista que também as decisões de primeira instância podem tornar-se definitivas.
34
atos regulatórios. Primeiro porque os dados correspondem a um recorte da
realidade, pelo que não é possível concluir que essa tendência se perpetue.
Ademais, importa mencionar que a existência de 16,4% de alterações em decisões
de mérito transitadas em julgado não deve ser menosprezada, sobretudo porque,
desconhecendo o conteúdo de tais decisões, parece pouco razoável inferir sua
relevância com base apenas em critérios quantitativos.
Conquanto se entenda que a taxa de confirmação das decisões
administrativas não permite conclusões precisas acerca da relevância do controle
judicial, também se reconhece que as alterações do provimento judicial no curso do
processo elevam a insegurança jurídica e comprometem o equilíbrio econômico do
setor, equilíbrio esse o qual cumpre às agências reguladoras garantir.
Em síntese e, para além dos resultados narrados, o diagnóstico elaborado
a partir da pesquisa aponta que o Judiciário (USP, 2011, p. 304):
(a) consome tempo excessivo para responder em definitivo às demandas de revisão, (b) com frequência concede liminares suspensivas dos efeitos da decisão administrativa e da atividade instrutória, (c) os provimentos liminares ―mudam de sinal excessivamente (são revogadas e novamente concedidas no curso do sistema recursal), (d) a qualidade técnica das decisões é baixa (em particular revelam despreparo pessoal e institucional para apreciar políticas regulatórias, questões técnicas econômicas ou setoriais e ponderar interesses individuais e coletivos em jogo) e (e) os tribunais superiores mostram uma tendência a confirmar a decisão das agências.
Nesse contexto, conclui-se que, ao combinar a intervenção suspensiva de
atos das agências com a confirmação da decisão após longo tempo de oscilações
por parte dos órgãos julgadores, o Poder Judiciário dá uma sinalização ruim às
agências e ao mercado25.
2.2.3. Segurança jurídica e equilíbrio regulatório
25
No ponto, interessa trazer à baila a sugestão apresentada por BRUNA (2003, p. 279, nota 54), que demandaria, contudo, a edição de emenda constitucional: (...) seria prudente instituir foro privilegiado para o julgamento de ações da espécie, a fim de evitar que algumas políticas públicas acabassem inviabilizadas pela oposição de um grande número de decisões dos juízos monocráticos espalhados pelo país, sendo talvez o caso de atribuir a competência para o julgamento de certas causas diretamente aos tribunais de segunda instância. A multiplicidade, incongruência e transitoriedade de decisões monocráticas, principalmente as de caráter liminar, em situações tais, gera um sentimento social de desconfiança quanto à capacidade do Poder Judiciário de desempenhar adequadamente seu papel.
35
De acordo com PARENTE (2001, p. 12), as agências devem assegurar a
realização de investimentos para continuar a prover as atividades econômicas
reguladas. Se o Estado se exime de atuar e investir diretamente em uma
determinada área e, no entanto, não surgem os investimentos, pode haver
problemas graves no provimento dos serviços às famílias, às companhias e à
sociedade em geral. Nessa linha, o autor defende a importância de que o controle
não seja visto como um fim, mas como uma forma de assegurar que estas agências
funcionem, atendendo os seus objetivos principais e dentro de custos razoáveis.
Nesse contexto, a imprevisibilidade das decisões do Judiciário e, assim, a
ingerência nas convenções pactuadas no ambiente regulado podem reverter-se em
insegurança jurídica. A insegurança quanto à execução dos termos contratados, por
sua vez, pode comprometer o equilíbrio regulatório e, nesse contexto, impactar
negativamente também o consumidor comum, gerando efeito inverso ao desejado
pelo órgão jurisdicional.
Com efeito, a regulação de uma atividade econômica envolve
continuamente a tomada de decisões de grande transcendência para os regulados:
são fixados preços, quantidades, quotas, prazos, entre outros parâmetros. Por essa
razão, as medidas regulatórias devem basear-se também na análise econômica das
decisões, de modo que seja possível prever as conseqüências dos atos regulatórios
não só a curto, mas, também, a médio e longo prazo (ORTIZ, 2005). Assim é que a
ausência de especialização técnica dos magistrados quanto a temas regulatórios
específicos, sem que se recorra a provas periciais ou à assessoria capacitada, em
alguma medida pode significar a prolação de decisões não somente imprevisíveis,
mas também atécnicas.
A respeito da segurança jurídica necessária ao equilíbrio do setor
regulado, confira-se a resposta de MENDES (2004, p. 123), ao ser questionado
sobre a possibilidade revisão judicial de aspectos como as tarifas fixadas pelas
agências reguladoras.
Pergunta dificílima, porque, obviamente, num sistema universalmente judicialista como esse nosso, difícil indicar um tema que não poderia ser objeto de eventual judicialização. Por outro lado, nós sabemos que a banalização desse tipo de intervenção também tem um custo e provoca profunda instabilidade. (...) Certamente a teleologia dessas agências reguladoras [envolve] razões ligadas a maior estabilidade que esses órgãos tenham até uma estrutura que eventualmente transcenda o mandato comum dos políticos, dos exercentes dos mandatos tradicionais, de modo a garantir essa estabilidade para o
36
sistema, o que, talvez, até pudesse provocar uma modicidade dos preços a perspectiva de retorno de investimentos, dentro de prazos mais ou menos seguros.
A judicalização dessas questões, ainda mais num sistema difuso, que gera, como nós sabemos, um quadro muitas vezes confuso, provoca muita insegurança, e, ao invés de termos a redução dos preços, é muito provável que, num cenário de médio prazo, uma outra situação seja provocada. Talvez aqui a gente devesse discutir se é o caso de judicializar, se não haveria de ter competências especiais, ou definições dessa índole, porque é muito provável que a judicialização aberta dessas questões produza efeito contrário ao pretendido.
Mas acho que, num sistema como o nosso é difícil evitar a judicialização. (...) O que se pode depois é dizer que esse controle em tal detalhe é inadmissível, ou que está havendo um tipo de invasão da competência muito mais incisiva por parte do próprio Judiciário.
De fato, a estabilidade do sistema regulado é fundamental à qualidade
dos serviços prestados, ao aporte de investimentos pelos agentes privados e, a
depender do caso, à modicidade tarifária.
Com efeito, a própria instituição de agências reguladoras no Brasil, no
contexto do movimento de privatização, acentuado na década de 90, deu-se sob a
justificativa de que, com a privatização das empresas estatais prestadoras de
serviços públicos e a instituição de concorrência entre as mesmas, havia
necessidade de órgão especializado para organizar o setor, manter o equilíbrio do
mercado e resolver os conflitos entre as prestadoras de serviços ou entre estas e o
usuários (DI PIETRO, 2003, p. 46).
Nessa linha, convém lembrar que MOREIRA (1997a, p. 29), ao citar o
pensamento de WRIGHT, HANCHER & MORAN e JONGEN, aponta duas idéias
que se ligam ao conceito etimológico de regulação: primeiro, a idéia de
estabelecimento e implementação de regras, de normas; em segundo lugar, a idéia
de manter ou restabelecer o funcionamento equilibrado de um sistema.
A noção de estabilidade regulatória está relacionada à idéia de
credibilidade da ação regulatória (commitment problem ou regulatory commitment).
Para MELO (2001, p. 64), a credibilidade é uma questão basilar na criação das
agências regulatórias porque os investimentos associados à privatização das
empresas de utilidade pública são de grande valor e o retorno recuperável em um
horizonte temporal de grande magnitude. Por esse prisma, o poder decisório das
agências reguladoras é conexo à necessidade de assegurar que os contratos serão
37
observados no futuro e de que não haverá alterações substanciais nas regras do
jogo, estabelecidas no contexto de abertura da economia brasileira.
A credibilidade na atuação dos agentes reguladores também é apontada
por ORTIZ (2004), que salienta a necessidade de transparência e de estabilidade
das regras que envolvem a regulação:
Para ello, es fundamental que en el ejercicio de la actividad reguladora se cumplan también los requisitos generalmente exigidos para toda la actividad administrativa: toda regulación debe ser elaborada con carácter general, objetivo y global, como es propio de toda norma, no debe admitir dispensas ni tratamientos singulares (inderogabilidad singular de las normas) ni alteración arbitraria y ocasional de las reglas del juego. Estas deben ser claras y estables, bien determinadas, no discrecionales, de forma que las empresas puedan diseñar sus propias políticas de actuación, a la vista de ellas.
Es importante insistir en la necesidad de transparencia y estabilidad en las reglas en el modelo de regulación para la competencia: que exista seguridad jurídica en cuanto a su aplicación y que las conductas produzcan efectos previsibles. Este requisito podría traducirse en un rasgo fundamental del regulador, no cuantificable, pero muy importante: la credibilidad.
A relevância de se garantir a estabilidade do setor regulado não se refere
tão-somente ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados com as
concessionárias de serviço público26. Tal como exposto no capítulo anterior, cumpre
às agências reguladoras a dupla função de arbitrar interesses e, paralelamente,
tutelar os interesses difusos enredados na sua atividade (MARQUES NETO, 2002,
p. 202).
Com efeito, o que se exige ao regular setores sensíveis é uma
intervenção que garanta o pluralismo e o equilíbrio entre valores contrapostos e
entre os interesses dos mercados e os fins de serviços públicos. Essa maneira de
atuar, no marco de um ordenamento em grande parte indefinido, não é própria da
26
A respeito do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão, cite-se conceito formulado por MELLO (2002, p. 643): Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.
38
Administração e, tampouco do Judiciário. Requer outra legitimação e outra expertise
(MAS, 1999, p. 69)27.
Além disso, conforme apontado por ARAUJO (2010, p. 133), há a
possibilidade de que a regulação seja suspensa no curso de relação processual em
que não se repita a pluralidade verificada quando da formação da norma. Isso
porque, como destacado no capítulo anterior, a legitimidade democrática das
agências reguladoras envolve a participação pública na formação
(institucionalização) do conteúdo da regulação durante os processos decisórios
(MATTOS, 2006, p. 205-246). Entretanto, a mesma abertura democrática não se
observa no trâmite do processo no Judiciário.
Não se pretende, contudo, defender que o controle judicial de atos
regulatórios seja de todo prejudicial ao equilíbrio do setor regulado. Ao contrário,
como se sustentou anteriormente, tal modalidade de controle é fundamental para
evitar que a autonomia inerente à atividade regulatória se converta em
arbitrariedade. Não se ignora que, por vezes, o Judiciário será invocado justamente
para garantir a observância de um regulamento editado por dada agência reguladora
ou mesmo para avaliar as condições procedimentais de participação de grupos de
interesse nas deliberações sobre o conteúdo da regulação.
Como ressaltado na pesquisa realizada pela USP, a simples existência da
revisão judicial já provoca um efeito positivo nas agências reguladoras no sentido de
se estruturarem melhor e explicitarem os motivos técnicos de suas decisões com
clareza e buscando pacificar os interesses afetados. Contudo, para ser eficaz, o
controle judicial deve congregar qualidade e capacidade de oferecer respostas em
tempo concorrencial, ou seja, em um prazo compatível com a celeridade das
transformações de mercado.
27
Note-se que a complexidade da atuação das agências reguladora, que envolve a intervenção em setores da economia i) sem afastar a participação dos agentes privados; ii) separando as tarefas de regulação das de exploração de atividade econômica, mesmo quando remanescer atuando no setor por ente controlado seu; iii) orientando sua intervenção predominantemente para a defesa dos interesses dos cidadãos enquanto participantes das relações econômicas travadas no setor regulado; iv) procurando manter o equilíbrio interno ao setor regulado de modo a permitir a preservação e incremento das relações de competição (concorrência), sem descurar da tarefa de imprimir ao setor pautas distributivas ou desenvolvimentistas típicas de políticas públicas; e, por fim, v) exercendo a autoridade estatal por mecanismos e procedimentos menos impositivos e mais reflexivos (permeáveis à composição e arbitramento de interesses), o que envolve maior transparência e participação na atividade regulatória (MARQUES NETO, 2003, p. 19).
39
Quanto ao ponto, embora não se ignore que o controle judicial seja, em
regra, posterior à decisão administrativa, pelo que jamais poderá acompanhar a
velocidade do fenômeno regulatório, não é demais ressaltar a relevância do tempo
para a efetividade da regulação.
Segundo ORTIZ (2004, p. 643), a atividade regulatória deve promover o
funcionamento de uma realidade. Essa realidade é o momento atual do serviço
público ou da atividade econômica regulada, que não pode sofrer interrupções e
deve ser ajustados e ordenados em momento imediatamente subsequente à
constatação de sua falta de qualidade, desequilíbrio econômico, problemas de
segurança, entre outros. Nessa linha, exige-se da decisão contemporaneidade e
adequação técnica.
Além disso, entende-se que, ao decidir, os magistrados devem ponderar
que os efeitos de sua decisão não só incidem sobre os integrantes dos pólos da
relação processual, como também interferem no equilíbrio regulatório a que as
agências visam a resguardar. Sob essa perspectiva, confira-se precedente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que se realizou tal ponderação:
ADMINISTRATIVO. TELECOMUNICAÇÕES. TELEFONIA FIXA. LEI N. 9.472/97. COBRANÇA DE TARIFA INTERURBANA. SUSPENSÃO. ÁREA LOCAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. A regulamentação do setor de telecomunicações, nos termos da Lei n. 9.472/97 e demais disposições correlatas, visa a favorecer o aprimoramento dos serviços de telefonia, em prol do conjunto da população brasileira. Para o atingimento desse objetivo, é imprescindível que se privilegie a ação das Agências Reguladoras, pautada em regras claras e objetivas, sem o que não se cria um ambiente favorável ao desenvolvimento do setor, sobretudo em face da notória e reconhecida incapacidade do Estado em arcar com os eventuais custos inerentes ao processo. 2. A delimitação da chamada "área local" para fins de configuração do serviço local de telefonia e cobrança da tarifa respectiva leva em conta critérios de natureza predominantemente técnica, não necessariamente vinculados à divisão político-geográfica do município. Previamente estipulados, esses critérios têm o efeito de propiciar aos eventuais interessados na prestação do serviço a análise da relação custo-benefício que irá determinar as bases do contrato de concessão. 3. Ao adentrar no mérito das normas e procedimentos regulatórios que inspiraram a atual configuração das "áreas locais" estará o Poder Judiciário invadindo seara alheia na qual não deve se imiscuir. 4. Se a prestadora de serviços deixa de ser devidamente ressarcida dos custos e despesas decorrentes de sua atividade, não há, pelo menos no contexto das economias de mercado, artifício jurídico que faça com que esses serviços permaneçam sendo fornecidos com o mesmo padrão de qualidade. O desequilíbrio, uma vez instaurado, vai refletir, diretamente, na impossibilidade prática
40
de observância do princípio expresso no art. 22,caput, do Código de Defesa do Consumidor, que obriga a concessionária, além da prestação contínua, a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros aos usuários. (STJ, REsp n. 572.070/PR 2003/0128035-1, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16.03.2004, DJ de 14.06.2004)
Embora a decisão toque a questão da análise do mérito das normas e
procedimentos regulatórios pelo Judiciário, optou-se por examinar o tema em
momento posterior. De todo modo, observa-se da leitura do acórdão uma
preocupação do órgão julgador com a repercussão econômica de sua decisão. Mais
do que isso, houve uma reflexão sobre os efeitos que o desequilíbrio regulatório
poderia gerar sobre os demais usuários do serviço de telefonia. A propósito, em seu
voto, o relator do processo teceu críticas à decisão recorrida, nos seguintes termos:
Não concebo como se possa interferir de forma tão radical em um setor de tamanha complexidade e sensibilidade como é o das comunicações com base em mera presunção de que prestadora de serviços dispõe, na área questionada, de uma adequada engenharia de rede de telecomunicações.
A despeito da importância da estabilidade regulatória, ressalta-se que não
deve juiz abster-se de examinar o conteúdo do ato regulatório. Tal generalização
atentaria contra a própria efetividade do controle judicial. Ao mesmo tempo, parece
ser insuficiente a mera recomendação de que o Judiciário atue com parcimônia. Por
essa razão, propõe-se, ao passo seguinte, analisar os limites da revisão judicial de
atos regulatórios.
41
3. LIMITES DO CONTROLE JUDICIAL DE ATOS REGULATÓRIOS
A doutrina diverge quanto à extensão do controle judicial de atos
regulatórios. Tampouco na jurisprudência pátria esses limites se revelam bem
definidos. Nesse contexto, serão estudados a seguir diferentes entendimentos
acerca do alcance do controle judicial de atos regulatórios28.
3.1. Controle de legalidade e controle de mérito
FAGUNDES (2006, p. 167), um dos precursores do assunto no Brasil,
relacionava mérito29 com discricionariedade e sustentava ser vedado ao Judiciário
apreciar, no exercício do controle jurisdicional, o mérito dos atos administrativos.
Segundo o autor, pela necessidade de subtrair a Administração Pública a uma
prevalência do Poder Judiciário, capaz de diminuí-la, ou até mesmo de anulá-la em
sua atividade peculiar, põem-se restrições à apreciação jurisdicional dos atos
administrativos, no que respeita à extensão e conseqüências. Assim, FAGUNDES
defendia caber ao Judiciário examiná-los, tão somente, sob o prisma da legalidade.
Em semelhante sentido, para limitar o controle judicial de atos
administrativos ao crivo da legalidade, MEIRELLES (1997, p. 610-612) expôs que o
controle judiciário seria um controle a posteriori, unicamente de legalidade, pois
restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege. De
acordo com o autor, não se permitiria ao Judiciário pronunciar-se sobre o mérito
administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do
28
Para tanto, optou-se por introduzir o tema a partir das obras de FAGUNDES (2006) e MEIRELLES (1997) acerca do controle judicial de atos administrativos. Explica-se. Embora o objetivo deste estudo incida sobre os atos relacionados aos fins institucionais das agências reguladoras, pôde-se constar, no decorrer da pesquisa, que os posicionamentos doutrinários a esse respeito, de modo geral, partem das visões de tais autores, direta ou indiretamente, quer para adotá-las, em alguma medida, quer para rechaçá-las. Assim, se em alguns pontos serão trazidos entendimentos sobre o controle judicial de atos administrativos comuns, o objetivo último deste recorte doutrinário será a reflexão sobre as divergências existentes quanto ao controle judicial de atos administrativos regulatórios.
29 DI PIETRO (2007, p. 127) aponta a dificuldade da utilização do vocábulo mérito, que tem sentido diverso nos
âmbitos do direito processual e administrativo. “No primeiro, mérito é a própria pretensão que o autor deduz em juízo, com base em normas de direito substantivo, opondo-se às questões preliminares, que têm cunho processual. No direito administrativo, embora se possa empregar o vocábulo nesse mesmo sentido, já que existe também um processo administrativo, na realidade, o sentido mais usual é o que concerne aos aspectos do ato administrativo relacionados basicamente com o princípio da oportunidade e conveniência, em face do interesse público a atingir”.
42
ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e
não de jurisdição judiciária. Assim, o mérito administrativo, relacionando-se com
conveniências do governo ou com elementos técnicos, escaparia do âmbito do
Poder Judiciário.
Nessa linha, o exame de legalidade seria o limite do controle, quanto à
extensão, do controle judicial. Com relação às conseqüências decorrentes desse
controle, para FAGUNDES (2006) o Judiciário deveria limitar-se a negar efeito aos
atos administrativos em cada caso especial. Assim é que o autor entendia que o
pronunciamento do órgão jurisdicional nem analisa o ato do Poder Executivo, em
todos os aspectos, nem o invalida totalmente.
O entendimento esposado pelos autores ainda encontra lugar na
jurisprudência, como se constata dos precedentes a seguir:
ADMINISTRATIVO. RÁDIO COMUNITÁRIA. PRESTAÇAO DE SERVIÇO. PEDIDO DE AUTORIZAÇAO. CONCESSAO PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A controvérsia cinge-se em saber se há possibilidade ou não de o Poder Judiciário autorizar o exercício precário do serviço de radiodifusão comunitária, até que a Administração decida definitivamente a questão. 2. O procedimento administrativo, que tem por objeto verificar os requisitos da Lei nº 9.612/98 e do Decreto 2.615/98, não pode ser substituído por provimento jurisdicional que autorize o funcionamento da rádio, já que não compete ao Poder Judiciário adentrar no mérito do ato administrativo. 3. Constatado atraso injustificado no exame do pedido de autorização para funcionamento de rádio comunitária, o órgão jurisdicional pode fixar prazo razoável para que a mora administrativa seja sanada, desde que, é claro, exista pedido na inicial nesse sentido. Na espécie, não houve requerimento, o que inviabiliza tal solução. Precedentes: EREsp 1.100.057/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 10.11.09; EDcl no AgRg no Ag 1.161.445/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 24.08.10; REsp 1.019.317/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 11.11.09; REsp 1.006.191/PI, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 18.12.08.
4. Recurso especial provido. (STJ, REsp n. 1.123.343/RS - 2009/0027242-2, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 08.06.2010, DJe de 15.10.2010)
PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO. FACULDADE DO JUIZ. ART. 130 DO CPC. DIREITO ADQUIRIDO A UTILIZAÇÃO DE RADIOFREQUÊNCIA. INEXISTÊNCIA. BEM PÚBLICO ADMINISTRADO PELA ANATEL. MÉRITO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. INOCORRÊNCIA.
43
1.- O poder instrutório do juiz, a teor do que dispõe o art. 130 do Código de Processo Civil, permite-lhe o indeferimento de provas que reputar desnecessárias para firmar seu juízo de convicção. 2.- Não pode a autora, como permissionária, pretender possuir direito adquirido à utilização de determinadas freqüências ou faixas, uma vez que estas, assim como as permissões, são passíveis de modificação e até de extinção, sendo bem público administrado pela agência reguladora. 3.- Atuado a ANATEL dentro dos parâmetros legais e nos limites de suas atribuições, não cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito da alteração de radiofreqüência efetuada, sob pena de ingerência indevida na Administração Pública. 4.- Não se configura a violação ao art. 5º, XIII, da CF/88, pois a autora não está impedida de exercer sua atividade econômica, nem houve restrição ao exercício desse direito. (TRF4, AC 48.806/RS, Terceira Turma, Rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, julgado em 30.03.2010, D.E. de 28.04.2010)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. OCORRÊNCIA DE PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. 1. Objetiva-se, nesta ação, preliminarmente, a entrega das faturas de energia elétrica "[...] emitidas em nome da suplicante, em mão própria mediante apresentação de protocolo, com antecedência de cinco dias úteis antes do vencimento" e no mérito, a "resilição" (nos termos do pedido) do contrato de concessão de venda de energia elétrica, em regime de monopólio, celebrado entre a CELPE - Companhia Energética de Pernambuco S/A, a União e a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, sob o fundamento de prática de métodos comerciais desleais e coercitivos praticados pela CELPE (corte de energia elétrica), para o fim de que nova prestadora/fornecedora seja habilitada a vender energia elétrica no Estado de Pernambuco. 2. A impossibilidade jurídica do pedido é evidente, considerando ser vedado ao Poder Judiciário substituir o Poder Público para intervir no critério de oportunidade e conveniência inerente à Administração da prática de ato administrativo, no caso, de firmar contrato de concessão de serviço público de energia elétrica. 3. Merece ser mantida a sentença recorrida, por impossibilidade jurídica do pedido.
4. Apelação improvida. (TRF 5ª Região, AC n. 451.548/PE – 0010491-41.2008.4.08.8300, Primeira Turma, Rel. Des. Rogério Fialho Moreira, julgado em 15.04.2010, DJE de 23.04.2010, p. 138)
Por seu turno, DI PIETRO (2007, p. 130) entende não ser possível negar
a veracidade da afirmação de que ao Judiciário é vedado controlar o mérito, o
aspecto político do ato administrativo, que abrange, sinteticamente, os aspectos de
oportunidade e conveniência.
A autora defende, contudo, ser inaceitável a utilização do vocábulo
―mérito‖ como escudo à atuação judicial, em situações que, de fato, envolvam
44
questões de legalidade e moralidade administrativas. Desse modo, sustenta ser
necessário colocar a discricionariedade em seus devidos limites, a fim de impedir
arbitrariedades que a Administração pratica sob o pretexto de agir
discricionariamente em matéria de mérito.
Do exposto decorre a importância que a autora atribui aos princípios
limitadores da discricionariedade administrativa, como moralidade, razoabilidade e
interesse público (2007, p. 130). Segundo DI PIETRO, esses princípios deram feição
nova ao princípio da legalidade.
Nessa esteira, a autora sustenta a possibilidade de exercício de controle
judicial quanto a atos normativos concretos e gerais exarados por agências
reguladoras, inclusive para invalidação das normas. Quanto a estas, DI PIETRO
(2006) defende a apreciação de sua validade pelo Judiciário, quer com auxílio de
peritos, quando se tratar de conceitos puramente técnicos, quer pela aplicação dos
princípios da razoabilidade das normas e do devido processo legal substantivo.
Entretanto, para a autora, tal controle não seria um controle de mérito, mas um
controle de legalidade, com enfoque na observância dos princípios limitadores da
discricionariedade administrativa.
BARROSO (2002, p. 126 e 127) também recorre aos princípios
constitucionais para tratar do controle judicial dos atos regulatórios. Porém, para o
autor, tal análise importa, de fato, em um controle de mérito.
Segundo BARROSO, o entendimento clássico que obsta o controle de
mérito sobre atos administrativos atualmente cede lugar aos princípios da
razoabilidade, moralidade e eficiência. Tais princípios excepcionariam a
insindicabilidade do mérito administrativo. Para o autor, a análise da razoabilidade
do ato, ou seja, da adequação entre meio e fim, necessidade e proporcionalidade,
seria, evidentemente um controle de mérito. Contudo, se por um lado a aplicação de
tais princípios expandiria o controle sobre atos administrativos, por outro, nela
estariam definidos os limites desse controle. Isso porque, para BARROSO, o
controle de mérito somente seria possível nas hipóteses de verificação da
razoabilidade, moralidade e eficiência do ato.
45
Além disso, o autor salienta que, tratando-se de matéria própria às
agências reguladoras, o Judiciário deve ser deferente30 em relação às decisões
administrativas. Nessa linha, o controle judicial teria como limite o teste de
razoabilidade, moralidade e eficiência, notadamente quanto a decisões balizadas por
critérios técnicos, sob pena de cair no domínio da incerteza e do subjetivismo.
Embora DI PIETRO e BARROSO divirjam quanto à natureza do controle
defendido (para a primeira, controle de legalidade revisitado, para o último, controle
de mérito), observa-se que eles possuem em comum a utilização de princípios
constitucionais como referência ao exercício do controle jurisdicional. Para tanto,
valem-se de conceitos tais quais o de razoabilidade, interesse público, eficiência.
Nesse contexto, confiram-se precedentes judiciais que ilustram tais linhas
argumentativas e informam a possibilidade de controle judicial de atos regulatórios à
luz dos princípios citados, ora indicando tratar-se de controle de legalidade, ora, de
controle de mérito31.
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISÃO DA TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA DA CELPE. CONTROLE JURISDICIONAL DA LEGALIDADE DOS ATOS DE CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA MODICIDADE DAS TARIFAS E DA TUTELA DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES. 1. Os atos da ANEEL sujeitam-se ao controle jurisdicional, sobretudo em sede de ação civil pública que versa a política tarifária de setor fundamental para o desenvolvimento nacional e o bem-estar da população. 2. O indeferimento de prova testemunhal desnecessária não caracteriza cerceamento de defesa. 3. As perdas de energia computadas pela ANEEL nas resoluções que homologaram a revisão tarifária de 2005 e o reajuste de 2006, referentes à CELPE, não são indicativas do repasse ao consumidor da ineficiência da empresa, nem implicaram violação os princípios da razoabilidade e da modicidade tarifária.
4. Apelação não provida.
30
No ponto, nota-se a interlocução do entendimento com a proposta norte-americana de deferência, ou self-restraint, do órgão jurisdicional em face da atuação dos órgãos reguladores. Segundo a doutrina consagrada no caso Chevron USA Inc. v. Natural Resources Defense Council (1984) o Poder Judiciário possui competência para determinar a invalidade ou a revisão de um ato das agências reguladoras tão-somente quando o Congresso houver tratado da matéria de forma clara e contrária ao entendimento adotado pela autoridade reguladora. Em caso de dúvidas relacionadas à decisão parlamentar, o Judiciário deve avaliar a razoabilidade do ato praticado pela agência e decretar sua anulação se esse ato for arbitrário ou caprichoso (BRUNA, 2003, p 240-249).
31 Além dos precedentes citados, confira-se ainda STJ, REsp. 429.570/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana
Calmon, DJ de 22/03/2004, p. 277, RSTJ, p. 219
46
(TRF 5ª Região, AC n. 457.088/PE – 2006.83.00.012127-9, Quarta Turma, Rel. Des. Marcelo Navarro, julgado em 17.03.2009) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CAUTELAR INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERL (MPF) – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL) – PODER DE POLÍCIA – CANAL DE TELEVISÃO COMUNITÁRIO – SANÇÃO ADMINISTRATIVA DE INTERRUPÇÃO DO SINAL DE TV – POSSIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO ADENTRAR AO MÉRITO ADMINISTRATIVO – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE (...) IV - Ora, não existe a menor dúvida de que a ANATEL, constituída na forma de Autarquia de Regime Especial, tem a prerrogativa de se valer do Poder de Polícia conferido à Administração Pública em geral para atingir efetivamente o seu escopo de fiscalizar e coibir infrações cometidas em ofensa às regras pertinentes ao serviço de telecomunicações, a teor do precitado art. 19, da Lei n.º 9.472/97. V - A impossibilidade do Poder Judiciário de se imiscuir no mérito administrativo encontra-se, na atual dogmática do Direito Administrativo, um tanto rarefeito, haja vista algumas exceções qualitativamente importantes, geradas no âmbito do pós-positivismo e da normatividade dos princípios. Diante desta nova realidade, podemos dizer que princípios com reflexos importantes no direito administrativo, dentre os quais os da razoabilidade, da moralidade e da eficiência, têm permeado e possibilitado ao Judiciário adentrar no mérito administrativo, o que deve ser feito de forma excepcional, ou seja, diante da certeza da manifesta irrazoabilidade ou inobservância da aplicação das normas que regem os atos administrativos. VI - Entendo, na esteira da decisão interlocutória, que a imposição de penalidade mais grave (interrupção da veiculação do canal), quando da existência de outra menos gravosa (multa, por exemplo) e suficiente para se atender, ao menos em tese, ao fim que se destina, vai de encontro ao princípio da proporcionalidade (subprincípio da necessidade), que impõe ao Poder Público a verificação da existência de meio menos gravoso para atingimento dos fins colimados. VII - Por outro lado, o custo-benefício, que é a ponderação entre os danos causados e os resultados obtidos, tem que se pautar em uma justificável interferência na esfera alheia, o que não se verifica no caso, pois não é minimamente admissível impedir aos munícipes de Nova Friburgo o acesso aos programas culturais somente pelo fato da TVC 6 estar veiculando comerciais, seria como, mal comparando, curar a doença, matando o doente. VIII -Recurso do Ministério Público Federal improvido. (TRF 2ª Região, Ag. Inst. n. 159.351/RJ, Sétima Turma Especializada, Rel. Des. Reis Friede, julgado em 02.07.2008, DJU de 09.07.2008, p. 115)
ARAGÃO (2009) também recorre aos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, mas vai além do que sustentam DI PIETRO e BARROSO, para
47
os quais cabe ao Judiciário apenas anular as decisões regulatórias que violem a lei
ou os aludidos princípios, mas não substituir tais decisões.
O autor defende que em casos concretos nos quais os autos e a norma
discricionária a ser aplicada ofereçam uma solução razoável, o Poder Judiciário não
deverá se furtar de aplicá-la. Em outras palavras, ARAGÃO entende que o Poder
Judiciário só poderá suprir, em caso de omissão, ou substituir, em caso de anulação,
o exercício da atividade discricionária das agências reguladoras nos casos concretos
em que existirem elementos objetivos suficientes para que, do conjunto dos dados
normativos e fáticos disponíveis, se possa extrair uma – e apenas uma – solução
legítima (2009, p. 353).
O autor destaca, contudo, que em face à ampla discricionariedade
conferida pela lei e ao caráter técnico-especializado do seu exercício, prevalece, na
dúvida, a decisão do órgão ou entidade reguladora. Segundo o autor, isso decorre
da natureza da matéria, que deixaria de ser decidida pela agência, para, na prática,
passar a ser decidida pelo perito técnico do Judiciário (2009, p. 350-351).
Por sua vez, FERRAZ JÚNIOR (2008) comunga do entendimento de que
o Judiciário deva realizar um controle de mérito dos atos das agências reguladoras.
Entretanto, o cerne da argumentação expendida pelo autor é a observância do
princípio da eficiência. Esse princípio criaria para as agências a responsabilidade
pelos resultados, ou responsabilidade eficiente. Nesse contexto, sustenta o autor:
Em suma, o poder regulador das agências encontra limites no princípio da eficiência, o que faz com o que o seu controle seja exercido sobre a razoabilidade de seu conteúdo. Nos termos de uma exigência de eficiência, o controle de razoabilidade desdobra-se em três itens, a saber, adequação com relação aos fins propostos (adequação), êxito dos meios escolhidos para alcançar os resultados (êxito) e proporcionalidade dos meios com relação aos ônus impostos aos administrados, i.e., gerar os ganhos pretendidos com o mínimo de custos sociais (proporcionalidade).
Ocorre que, na prática, a problemática do controle judicial de atos
regulatórios não se reduz à aplicação de princípios. Em outras palavras,
notadamente quando a questão envolve questões técnicas complexas, não se
afigura evidente a verificação da razoabilidade, proporcionalidade ou eficiência da
decisão impugnada. Por vezes, a aplicação desses princípios implicará na
substituição do juízo discricionário da agente regulador pelo do magistrado, já que
tal apreciação não é de todo objetiva. Como salientado por SHAPIRO (1988, p. 2):
48
when judges decide about the lawfulness or justness of administrative agency decisions, questions of right and good become inextricably tangled with questions of law and justice.
Por outro lado, socorrer-se da existência de um interesse público a ser
observado parece também não resolver a questão. Primeiro porque a expressão não
possui significado preciso32. De fato, apesar do esforço doutrinário em definir seu
conteúdo, entende-se inexistir método objetivo de definição do que seja o interesse
público (SHAPIRO, 1988, p. 5)33. Em verdade, como tratado anteriormente, a
regulação envolve interlocução com os diversos interesses enredados na atividade
regulada (MARQUES NETO, 2002, p. 207), razão pela qual não se admite a
existência de um único interesse público a ser atendido. Nas palavras de ARAGÃO
(2009, p. 292):
As decisões das agências reguladoras dever-se-ão pautar-se por critérios ponderados de exercício da discricionariedade muito mais complexos do que uma ultrapassada ―supremacia do interesse público‖: há diversos interesses públicos, alguns contraditórios entre si; há interesses de várias categorias de consumidores; os interesses das empresas reguladas podem ser antinômicos, etc.
Em segundo lugar, uma vez que não há como se falar abstratamente em
interesse público, exorbita as competências do Judiciário a definição de que
interesse deva ser perseguido pelas agências reguladoras. No ponto, questiona-se,
32
Tratado de um modo propositalmente vago e ambíguo, o interesse público acaba funcionando como uma espécie de caixa de ressonância dos diferentes valores e interesses de cada membro da sociedade, por mais que eles sejam entre si colidentes e conflitantes. Trata-se de uma estratégia sutil por meio do qual a ordem jurídica se apresenta como segura e elástica, justa e compassiva, socialmente eficaz e moralmente eqüitativa, digna e solene, mas sempre técnica e funcional – o que permite ao direito positivo assegurar a ordem em contextos sociais complexos e heterogêneos, equilibrando de modo casuístico, conforme as circunstâncias do momento histórico, a intrincada gama de relações entre o individual e o coletivo, entre o proibido e o permitido, entre a liberdade de cada cidadão e as exigências de natureza comum. (...) O recurso a lugares-comuns abertos e indeterminados como o conceito de interesse público acarreta a um só tempo a consagração formal dos mais variados direitos e o não cumprimento de muitos deles na prática; os antagonismos podem então ser vistos como sempre provisórios, pois seriam sempre passíveis de uma decisão “técnica” (FARIA, 1992, 175-176).
33 Shapiro (1988, p. 5): “They [the political theorists who propounded pluralist or polyarchical views] did argue,
however, that there was no universally accepted logical or scientific procedure for determining the good and relatively little consensus on what the good was. Each group would have its own necessarily incomplete and somewhat distorted vision of the public good. Given these realities, and as a second-best solution in the absence of universally agreed right policies, the pluralists were driven toward a proceduralist criterion as a working standard for public policy. Those public policies were to be considered correct that were arrived at by a process in which all relevant groups had actively participated, each with enough political clout to insure that its views had to be taken into account by the ultimate decision makers”.
49
inclusive, a legitimidade de uma atuação dessa envergadura34. A esse respeito,
SHAPIRO (1988, p. 173) adverte:
the judge as senior prudent leads us back to a far more acute form of the „mighty problem‟ of judicial review, its undemocratic character, than does the judge as senior technocrat.
Além disso, embora o exame de legalidade ainda seja uma forma de
controle judicial da atuação regulatória35, entende-se que esse controle não deve se
esgotar apenas nessa dimensão. Como apontado no capítulo inicial, há uma
tendência de que a lei se limite a fixar parâmetros extremamente abertos, em razão
da complexidade das atividades reguladas, que exige muitas vezes um regramento
altamente técnico e sujeito a alterações constantes, dificilmente obtido pela via
legislativa (JUST, 2009)36. Nessa esteira, reduzir o controle judicial ao controle de
legalidade e, assim, à observância de tais parâmetros, significa anular a efetividade
do controle judicial37.
Por todo o exposto, é possível afirmar que as diferentes linhas
doutrinárias desenvolvidas no Brasil sobre o controle jurisdicional de atos
regulatórios parecem restringir-se a uma análise formalista da dogmática jurídica38.
Como salientado por MATTOS (2006, p. 354), quando o Judiciário é chamado a se
manifestar sobre a constitucionalidade ou a legalidade das políticas públicas
definidas pelo Poder Executivo, em geral duas situações ocorrem:
34
Por outro lado, conforme sustentado no segundo capítulo, entende-se que as agências reguladoras gozam de legitimidade democrática em sua atuação.
35 Segundo BRUNA (2003, p. 266), a análise dos procedimentos decisórios como forma de avaliar a validade dos
atos normativos não significa que se possa abdicar da avaliação dos limites materiais estabelecidos pela lei e, de forma geral, pelo ordenamento jurídico, para o exercício de função administrativa.
36 No ponto, vale citar o entendimento de BRUNA (2003, p. 140), segundo o qual para que os regulamentos
editados por agências reguladoras não firam as exigências de legalidade estabelecidas no texto constitucional, é imperioso que a lei atribuidora de competências normativas a autoridades administrativas preestabeleça as diretrizes para o exercício de tais competências, prescrevendo a natureza e os limites dos poderes conferidos, bem como as finalidades a atingir, desse modo fixando parâmetros suficientes para viabilizar o controle jurídico do exercício dos poderes atribuídos.
37 O controle de legalidade nesses termos fundamenta-se, segundo MATTOS (2006, p. 359), em uma concepção
de legitimidade que tem por base uma racionalidade jurídica tipicamente lógico-formal. Ou seja, basta que a norma de conjuntura ou a política pública definida pelo Poder Executivo estejam logicamente adequados aos objetivos, diretrizes, e prioridades definidos no texto constitucional e aprovados em lei pelo Poder Legislativo, que tal norma ou tal política reputar-se-ão legítimas. É, assim, um conceito de legitimidade restrito a juízos formais de legalidade. (...) é um conceito limitado para garantir, no plano do sistema jurídico, que princípios constitucionais, normas programáticas, objetivos, diretrizes, e prioridades sejam a bases de processos deliberativos democráticos sobre o conteúdo da regulação.
38 Não se nega a relevância da dogmática jurídica para o debate, entretanto, as argumentações desenvolvidas
parecem ser insuficientes para um controle judicial efetivo.
50
(i) ou o Judiciário não julga o mérito das políticas em questão, alegando que se trata de exercício de poder discricionário da Administração, (ii) ou o Judiciário julga o mérito e (a) declara, por meio de juízo de legalidade estritamente formal, a ilegalidade do conteúdo normativo em face dos princípios e normas programáticas previstos no texto constitucional ou em lei, ou (b) declara – ainda com base em juízo formal – a sua legalidade em face do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Desse modo, segundo o autor, ou há um controle fraco de atos
regulatórios discricionários (sem controle de mérito quando se trata de juízo de
conveniência ou oportunidade), ou um controle meramente formal de legalidade das
normas de conjuntura editadas pelas agências reguladoras; ou ainda, não há, na
prática, controle algum (MATTOS, 2006, p. 358)39. Nessa linha, entende-se que
reduzir o controle judicial a um mero controle de legalidade significa limitá-lo ao
exame de formalidades e, assim, torná-lo inócuo a arbitrariedades. Por esse prisma,
não deve o Judiciário se furtar a realizar um controle de mérito sob o argumento de
que a decisão foi concebida a partir do exercício de discricionariedade técnica
própria às agências reguladoras. Como se verá a seguir, a própria noção de
discricionariedade técnica é passível de questionamentos.
3.2. O dogma da discricionariedade técnica das agências reguladoras
O debate sobre o controle judicial de atos regulatórios, tal como o debate
a respeito de atos administrativos de modo geral, acabam tocando, de algum modo,
a questão da discricionariedade administrativa. No particular dos atos emanados de
agências reguladoras, recorrentemente alega-se a existência de discricionariedade
técnica. Há divergências, entretanto, quanto à possibilidade de revisão ou mesmo
quanto ao conteúdo dessa discricionariedade. Nesse contexto, interessa a este
estudo analisar os diferentes posicionamentos a respeito do tema.
Segundo JUSTEN FILHO (2002, p. 516), a discricionariedade é a solução
jurídica para as limitações e defeitos do processo legislativo de geração de normas
jurídicas. Nessa linha, o autor entende ser da essência da discricionariedade que a
39
CINTRA (apud VERISSIMO, p. 407) define a situação nos seguintes termos: De um modo geral, pode-se dizer que o Poder Judiciário, no Brasil, aprecia as questões de legalidade, mas não reexamina o mérito do ato administrativo, isto é, a sua oportunidade e conveniência, que se incluem na competência exclusiva do administrador. Este quadro, no entanto, está longe de esgotar a riqueza e complexidade da matéria.
51
autoridade defina a melhor solução possível, adote a disciplina mais satisfatória e
conveniente ao interesse público.
Por sua vez, MELLO (2008, p. 428-429) compreende que a
discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para proporcionar em
cada caso a escolha da providência ótima, ou seja, daquela que realize
superiormente o interesse público almejado pela lei aplicanda.
Para o autor, haverá casos em que pessoas sensatas, equilibradas,
normais, serão todas concordes em que só um dado ato – e não outro – atenderia à
finalidade da lei invocada; ou assentirão apenas em que, de todo modo, determinado
ato, com certeza objetiva, não a atenderia. Em tais hipóteses, se a Administração
agir de forma diversa, evidentemente terá descumprido a finalidade legal. Nesses
casos, caberia ao Judiciário, mediante provocação, invalidar o ato eivado dos vícios
apontados.
Como se observa das definições propostas pelos autores, a idéia de
discricionariedade envolve conceitos abertos tais quais sensatez, conveniência e
interesse público e finalidade legal. Assim, embora se reconheça um esforço
doutrinário em definir limites à discricionariedade do administrador, o que se verifica,
na prática, é a utilização de termos não menos abertos e subjetivos do que a própria
noção de discricionariedade.
MATTOS (2006) relaciona a dificuldade da doutrina e jurisprudência em
lidar com o conceito de discricionariedade aos entraves para a realização de um
controle judicial efetivo. Segundo o autor o dogma da discricionariedade
administrativa e o lugar comum retórico que o conceito de interesse público possui
em significativa parcela da doutrina brasileira impedem que o Judiciário exerça
controle sobre o exercício de capacidade normativa de conjuntura por parte da
Administração.
De fato, como aponta MORÓN (1994, p. 114), o juízo discricionário não
se restringe a critérios meramente jurídicos, mas envolve critérios políticos, técnicos,
juízos de conveniência e oportunidade:
la discrecionalidad comporta, como se reconece por doquier, la necesidad de tomar en cuenta criterios no estrictamente jurídicos para adoptar la decisión, es decir, critérios políticos, técnicos o de mera oportunidad o conveniencia (económica, social, organizativa) según los casos. Criterios que han de utilizarse bien para adoptar una iniciativa de gobierno o de gestión, bien para aplicar una diretriz legal imprecisa, bien para valorar una situación de hecho para la que
52
la ley dispone una cierta consecuencia, bien para optar entre unas u otras soluciones posibles cuando la tarea de gobernar o de administrar impone tomar uma decisión.
(...) El ejercicio de la potestad discrecional no es, pues, um mero proceso intelectivo de aplicación de la ley (y del derecho), es decir, un proceso lógico íntegramente guiado o dominado por el razoniamento jurídico, sino que es también, al mismo tiempo, un proceso volitivo de decisión que ha de tener en cuenta otros elementos.
Os múltiplos critérios que envolvem a tomada de decisão pela
Administração Pública se projetam no controle judicial dos atos administrativos.
Segundo ENTERRÍA (2000, p. 455), a existência de poderes discricionários constitui
por si mesma, um desafio às exigências da justiça. Nas palavras do autor:
la existencia de potestades discricionales constituye por si misma un deasfío a las exigencias de la justicia, ¿porqué? Cómo controlar la regularidad y la objetividad de las apreciaciones subjetivas de la Administración, cómo evitar que invocando esa libertad estimativa se agravie em el caso de la equidad, cómo impedir que la libertad de apreciación no pare en arbitrariedad pura y simple?
Nesse contexto, há doutrinadores que entendem que, no caso das
agências reguladoras, haveria uma modalidade específica de discricionariedade: a
discricionariedade técnica. A partir do pressuposto de que, em tais casos, a decisão
teria fundamentos estritamente técnicos, alguns autores concluem que o controle
judicial possuiria limites ainda mais estreitos. A esse respeito, confira-se o
entendimento de AMARAL (2008, p. 85):
A discricionariedade na atividade regulatória não é política, mas essencialmente técnica. Disto decorre que seu controle não pode envolver o mérito, pois o seu conteúdo é de cunho científico. Porém, cabe ao Judiciário o exame da coerência lógica na motivação científica, técnica ou de experiência constante na decisão reguladora, abrangendo, assim, a verificação dos fatos e a adequada valoração.
Na mesma linha, SOUTO (2002, p. 359) entende ser inadmissível o
controle de mérito da discricionariedade técnica, salvo por erro de fato,
irrazoabilidade de contradição (que seria excesso de poder) ou violação da lei. Para
o autor, a submissão de decisões de agências reguladoras aos magistrados
diminuir-lhes-ia a força e a eficácia. Sob essa perspectiva, sugere que o ideal seria
introduzir a limitação da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, Lei de Arbitragem,
para somente admitir o questionamento judicial em caso de vícios formais nas
decisões, respeitando-se as situações em que houver direitos indisponíveis do
Estado (SOUTO apud CALIL, 2006, p. 152).
53
Para outros autores, como DI PIETRO (2002, p. 156) é justamente a
natureza técnica da decisão regulatória que justifica a possibilidade de controle
judicial. Segundo a autora, não há fundamento para a reserva de uma
discricionariedade técnica para as agências. Embora reconheça que órgãos
reguladores, em função de sua especialidade, possam estabelecer normas sobre
aspectos técnicos da matéria que lhes é afeta, a autora entende que não se deve,
desde logo, excluir esses aspectos do controle judicial.
Isso porque, na medida em que se reconhece, sem qualquer controvérsia,
a possibilidade de o Judiciário examinar matéria de fato, por mais técnica que seja (e
o faz, em regra, com a ajuda de peritos), e na medida em que são perfeitamente
possíveis o abuso de poder, o arbítrio, o erro, o dolo, a culpa, no estabelecimento de
critérios técnicos, também não se pode deixar de reconhecer que a chamada
discricionariedade técnica possa causar lesão ou ameaça de lesão e, portanto,
ensejar a correção judicial.
Nessa esteira, DI PIETRO (2002, p. 156) sustenta que, entre os conceitos
jurídicos indeterminados contidos na lei, os conceitos técnicos são precisamente os
que menos geram discricionariedade, pelo simples fato de que a indeterminação
pode desaparecer com a manifestação do órgão técnico (...). Segundo a autora, no
Direito brasileiro, os peritos são considerados auxiliares da Justiça e, com sua
manifestação, o Judiciário pode transformar em determinado um conceito que, na
lei, aparece como indeterminado.
Ainda quanto à discricionariedade técnica e, na mesma linha que DI
PIETRO, CALIL (2006, 155) defende que o grau de subjetivismo de que dispõe o
agente regulador é muitíssimo reduzido, ou não mereceria a alcunha de ―técnica‖.
Portanto, a referida discricionariedade não poderia servir para abrir uma brecha à
arbitrariedade administrativa sem controle jurisdicional.
Ambos os entendimentos, quer para defender, quer para afastar o
controle judicial de mérito, partem da premissa de que as decisões prolatadas por
agências reguladoras sejam técnicas. No ponto, deve-se salientar que inexiste
decisão puramente técnica. Ainda que tais decisões devam pautar-se por critérios
técnicos, sempre haverá margem para a subjetividade.
Como salientado por ARAGÃO (2009, p. 324), tecnicidade não significa
imparcialidade, já que, salvo em casos limites, o saber técnico pode perfeitamente
ser intrumentalizado em favor de diversos interesses políticos. No mesmo sentido,
54
JUSTEN FILHO (2002, p. 527) observa que a defesa da autonomia do instituto da
discricionariedade técnica reflete uma certa concepção positivista de ciência,
incompatível com a realidade contemporânea.
Nessa linha, BACHELET (apud DAROCA, 1997, p. 49) expõe o seguinte:
A técnica não é capaz de proporcionar soluções unívocas a determinados problemas, razão pela qual sempre existe uma margem de elasticidade dentro da qual a Administração tem que escolher diferentes soluções proporcionadas pela técnica, o que deverá ser feito com critérios não técnicos (...), havendo um momento claramente político nestas escolhas. Isto se põe de forma mais manifesta em determinados conhecimentos científicos, como a ciência da economia e das finanças, em que as construções e princípios de atuação se encontram claramente impregnados por critérios de valor e, portanto, políticos.
Não se pretende aqui negar a existência de decisões de ordem técnica.
De fato, as agências reguladoras se pautam (ou devem se pautar) também em
conhecimentos técnicos para exarar uma decisão, seja esta específica para um
determinado caso ou geral e abstrata, no exercício do poder regulamentar. O que se
questiona é a pretensão de conferir neutralidade a essas decisões. Ocultar critérios
políticos que ensejaram uma decisão sob o manto da tecnicidade pode gerar
conseqüências danosas ao sistema regulado.
MOREIRA (2003, p. 251) ironiza o emprego da expressão
discricionariedade técnica, salientando que se trata de uma locução quase mágica,
que simultaneamente pretende legitimar a decisão (emitida de forma neutra por um
técnico com conhecimentos extraordinários) e eliminar o controle jurisdicional (o
Judiciário não disporia do conhecimento sofisticado que possibilitasse o controle).
Veja-se que mesmo supondo ser possível que uma decisão se ampare
em fundamentos tão-somente técnicos, a avaliação de que técnica é mais adequada
a um determinado caso não será de todo objetiva. Isto é, não se ignora a
possibilidade de que, para dada situação, exista mais de uma decisão técnica
possível.
A esse respeito, GUERRA (2004, p. 13) teceu as seguintes
considerações:
(...) à luz da ampla classificação doutrinária sobre o tema, entendemos que inexiste inserida nessas competências uma discricionariedade estritamente técnica, como espécie do gênero discricionariedade administrativa stricto sensu ou pura, ainda que se cogite que a entidade reguladora independente somente exerce o seu múnus público com arrimo em conhecimentos técnicos (e não políticos) para decidir diante do caso concreto.
55
Ao nosso ver, ao integrar uma norma (seja por sua propositada abertura ou pela existência de conceitos jurídicos indeterminados), se a entidade reguladora identificar vários meios igualmente eficazes para a consecução do fim público no caso concreto, resta indisputável que deverá selecionar um deles que entenda mais oportuno e conveniente para o seguimento regulado e, por conseguinte, o interesse geral.
(...)
Esse posicionamento crítico parte da premissa de que, salvo em raríssimas exceções, os métodos científicos não proporcionam verdades absolutas.
No mesmo sentido, JUSTEN FILHO (2006) anota que a atividade
regulatória, ainda quando envolva escolhas de natureza técnico-científica, abrange
decisões políticas relacionadas à conveniência e à oportunidade. Segundo o autor, o
próprio conceito de regulação econômica incorpora essa opção governamental por
uma dentre diferentes alternativas. Não se trata, portanto, de uma atuação vinculada
estritamente à lei ou ao conhecimento técnico-científico, os quais não fornecem
todos os critérios decisórios.
Assim é que se faz coro ao entendimento de PEREIRA (2003, p. 261),
para quem o emprego da expressão discricionariedade técnica é fonte de uma série
de equívocos. Segundo o autor, ela faz supor que (a) todos os juízos técnicos da
Administração são insindicáveis pelo Poder Judiciário por serem discricionários, ou
que (b) há uma espécie de discricionariedade que não se submete ao mesmo
regime da discricionariedade administrativa ou, ainda, que (c), pela reação que
provoca, todas as atividades administrativas relacionadas com questões técnicas
são vinculadas e excluem a discrição.
Desse modo, entende-se que não deve o Judiciário evadir-se de examinar
o mérito da decisão regulatória impugnada judicialmente sob o argumento de que se
trata de seara sujeita à discricionariedade técnica das agências.
Ocorre que, se por um lado o mero controle de legalidade é insuficiente,
por não permitir que se aprecie o conteúdo da decisão, por outro, a definição pelo
magistrado de que decisão é mais razoável ou adequada ao caso parece significar a
substituição da discricionariedade do regulador pela do juiz.
Como anteriormente exposto, embora significativa parte da doutrina
encerre a discussão sugerindo a aplicação dos princípios da razoabilidade,
proporcionalidade ou eficiência pelo Judiciário, entende-se que também os
56
parâmetros para definir o que seria uma decisão razoável, proporcional, ou mesmo
uma decisão ótima são relativos e envolvem critérios subjetivos.
Como acentuado por CHEVALLIER (apud JUSTEN FILHO, 2006), nem
mesmo os métodos mais sofisticados jamais permitirão a supressão dos elementos
irredutíveis de irracionalidade, que se relacionam tanto ao contexto, ao sujeito que
decide e ao ambiente em que ele se encontra, mas também e, sobretudo, à
existência em todo processo decisório de racionalidades divergentes40 resultando
em recusa à própria idéia de escolha ótima. Para o autor, toda política é o resultado
contingente de uma arbitragem entre uma série de imperativos contraditórios.
Assim, conquanto se constate que o mérito dos atos regulatórios não se
reduz a apreciações técnicas e que, portanto, deve ser submetido ao crivo do
Judiciário, de modo a coibir e combater arbitrariedades observa-se que também a
atuação do Judiciário se sujeita a limites, para que não faça as vezes das agências
reguladoras. Com efeito, a substituição das autoridades reguladoras pelos juízes é
uma questão constantemente suscitada pela doutrina e jurisprudência e seus
desdobramentos serão analisados ao passo seguinte.
3.3. Substituição de atos regulatórios por decisões judiciais
A preocupação de que o controle judicial não implique a nulificação da
competência regulatória, com a substituição da discricionariedade das agências
reguladoras pela do Judiciário, tem sido um tema recorrente na doutrina. Ao tratar da
revisão judicial de decisões emanadas de agências reguladoras, MOREIRA (2006,
p. 219) ressalva:
À evidencia, não se está a defender uma sucessão de discricionariedades: o juiz atua como ‗administrador negativo‘ (ou ‗regulador negativo‘), vedando os excessos e os abusos porventura cometidos. Não se pretende a substituição de uma decisão eventualmente qualificada pela discricionariedade oriunda da agência por decisões discricionárias do Judiciário. O núcleo duro da discricionariedade permanece intacto (seja ela técnica ou não).
40
A existência de racionalidades divergentes não implica admitir que a decisão discricionária seja irracional. Segundo ENGISCH (apud BRUNA, 2003, p. 126-127), a decisão discricionária deve ser axiológica e teleologicamente articulada, isto é, necessita estar amparada em um quadro lógico, cujos valores e fins a que respeite sejam expostos, ainda que subsista sempre a coloração pessoal das valorações materiais e da decisão da vontade.
57
Embora não seja possível definir abstratamente o conteúdo desse
núcleo duro mencionado por MOREIRA, parece ser consensual que a atuação
judicial está sujeita a limites. Sobre o assunto, GARCÍA (apud GUERRA, 2010)
pondera o seguinte:
si admitimos que la discrecionalidad era el caballo de Troya del Estado de Derecho (...) hay que admitir también que el control judicial de tales actos es el caballo de Troya del decisionismo judicial en la actividad política y estrictamente administrativa, que en cualquier Estado está confiada a los políticos y a los administradores, no a los jueces.
No ponto, deve-se registrar o posicionamento de G. MORAES (1999, p.
155-156), para quem o Poder Judiciário, ao rever os atos administrativos não
vinculados, pode invalidá-los, mas não pode, em regra, determinar sua substituição
por outros. Segundo a autora, em certas situações excepcionais, é possível ao
magistrado inferir, da realidade e da ordem jurídica, qual a única decisão
comportável pelo Direito para solucionar o caso.
Na mesma linha, como anteriormente exposto, ARAGÃO (2009, p. 353)
entende que o Judiciário pode substituir a decisão das agências reguladoras, ou
suprir sua omissão em casos concretos nos quais os autos e a norma discricionária
a ser aplicada ofereçam uma solução razoável. Ainda assim, de acordo com o
autor, essa forma de atuação do Judiciário está sujeita a limites. Isso porque se
restringe a casos concretos em que existam elementos objetivos suficientes para
que, do conjunto dos dados normativos e fáticos disponíveis, se possa extrair uma –
e apenas uma – solução legítima (2009, p. 353).
Tal entendimento, contudo, não subsiste quando se observa que, como
antes defendido, a tomada de decisões pelas agências reguladoras não se pauta
exclusivamente em critérios técnicos objetivos. Nesse contexto, falar em única
decisão comportável pelo Direito, ou ainda, em única solução razoável, pode dar azo
à substituição da discricionariedade do órgão regulador pela do juiz.
Segundo JUSTEN FILHO (2006), se não houvesse limites à revisibilidade
jurisdicional, se tornaria inútil a própria existência das agências reguladoras. Se
todas as respostas fossem fornecidas pela Lei, pela Ciência e pela Técnica, a
existência de agências seria dispensável. Suas decisões deixariam de apresentar
qualquer cunho de discricionariedade e, assim, caberia à Administração Pública o
exercício de suas competências e ao Judiciário a revisão de todas as decisões.
58
Nessa linha, o autor sustenta não ser cabível que o Judiciário substitua as escolhas
realizadas pelas agências por outras, resultantes da avaliação pessoal do juiz.
Nada obsta, entretanto, a invalidação de atos defeituosos em face de
competências mal exercidas. Para JUSTEN FILHO (2002, p. 590-592), essa forma
de atuação não importa infração ao princípio da separação dos poderes. O que não
se admite é a produção de norma geral e abstrata substitutiva daquela editada
invalidamente pela agência.
Por essa razão, o autor sustenta que o controle jurisdicional de atos
dotados dessas características deverá ser realizado com a cautela correspondente e
define os seguintes limites:
A decisão judicial terá de recorrer à manifestação da opinião de especialistas de notória especialização, com a advertência da impossibilidade de o Judiciário substituir-se à autoridade administrativa no tocante ao exercício de escolhas discricionárias. Ou seja e quando muito, poderá apontar-se a incorreção técnico-científica da decisão adotada pela agência ou a impossibilidade da justificação de sua adoção em face do conhecimento especializado ou das premissas consagradas na própria atuação anterior da agência (inclusive no tocante à fixação de políticas públicas por ela consagradas). Verificada a compatibilidade da decisão com o conhecimento técnico-científico, será vedado ao Judiciário reprovar o ato em virtude de uma avaliação igualmente subjetiva acerca da melhor solução a adotar no caso concreto. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 592)
Para WIMMER (2008, p. 4), a atuação do Judiciário não se confunde com
a das agências reguladoras, dado que o poder próprio da Administração manifesta-
se precisamente no exercício da discricionariedade e da prerrogativa de avaliação
respeitante ao preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados. Segundo a
autora, através destas figuras, o ordenamento jurídico recusa a subordinação total
das agências reguladoras ao juiz, porque a este não caberá substituir-se à
Administração para efeito de refazer os juízos valorativos de prognose e de
ponderação de interesses em conflito, isto é, não lhe cabe rever e emitir em última
instância juízos de mérito que integram materialmente a função administrativa e, em
princípio, se encontram arredados do controle jurisdicional de legalidade.
Embora não se coadune com a premissa adotada pela autora, segundo a
qual o controle judicial se restringiria a um controle de legalidade, parece acertado o
entendimento de que não compete ao Judiciário decidir em substituição às agências
reguladoras. Como ressaltado por SOUTO (2002, p. 359), a amplitude do exame
59
judicial não autoriza a substituição da opção do administrador e, em especial, do
agente regulador, pela do juiz.
Por esse prisma, caso o Judiciário anule uma decisão regulatória
discricionária, o magistrado deverá devolver o assunto à agência reguladora para
que exare outra decisão, levando em consideração todos os aspectos apontados
pelo órgão judicial (GUERRA, 2010). De modo análogo, constatada a omissão
indevida do ente regulador, pode o Judiciário fixar prazo para que a agência se
manifeste, mas não decidir em seu lugar.
Conforme se observa das ementas a seguir, relativas a acórdãos do STJ,
a jurisprudência tem oscilado quanto aos limites de atuação do Poder Judiciário,
quando verificadas falhas na regulação.
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇAO PARA FUNCIONAMENTO DE RÁDIO COMUNITÁRIA. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇAO PÚBLICA. ABUSO DO PODER DISCRICIONÁRIO. 1. Não se conhece da suposta afronta ao artigo 535 do CPC, quando o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes ao desfecho da lide, apenas não adotando a tese sustentada pelo recorrente. 2. A autorização do Poder Executivo é indispensável para o regular funcionamento de emissora de radiodifusão, consoante o disposto nas Leis 4.117/62 e 9.612/98 e no Decreto 2.615/98 e nos termos do entendimento pacífico nesta Corte. Entretanto, em obediência aos princípios da eficiência e razoabilidade, merece confirmação o acórdão que julga procedente pedido para que a Anatel se abstenha de impedir o funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão, até que seja decidido o pleito administrativo da recorrida que, tendo cumprido as formalidades legais exigidas, espera desde 2005 sem que tenha obtido uma simples resposta da Administração.
3. Recursos especiais não providos. (STJ, REsp n. 1.100.057/RS – 2008/0236004-2,Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 19/05/2009)
ADMINISTRATIVO. RÁDIO COMUNITÁRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PEDIDO DEAUTORIZAÇÃO. CONCESSÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A controvérsia cinge-se em saber se há possibilidade ou não de o Poder Judiciário autorizar o exercício precário do serviço de radiodifusão comunitária, até que a Administração decida definitivamente a questão. 2. O procedimento administrativo, que tem por objeto verificar os requisitos da Lei nº 9.612/98 e do Decreto 2.615/98, não pode ser substituído por provimento jurisdicional que autorize o funcionamento da rádio, já que não compete ao Poder Judiciário adentrar no mérito do ato administrativo. 3. Constatado atraso injustificado no exame do pedido de autorização para funcionamento de rádio comunitária, o órgão
60
jurisdicional pode fixar prazo razoável para que a mora administrativa seja sanada, desde que, é claro, exista pedido na inicial nesse sentido. Na espécie, não houve requerimento, o que inviabiliza tal solução. Precedentes: EREsp 1.100.057/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de10.11.09; EDcl no AgRg no Ag 1.161.445/RS, Rel. Min. Mauro CampbellMarques, DJe de 24.08.10; REsp 1.019.317/MG, Rel. Min. Castro Meira,DJe de 11.11.09; REsp 1.006.191/PI, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 18.12.08.4.
Recurso especial provido. (STJ, REsp 1.123.343/RS – 2009/0027242-2, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 08/06/2010, DJE de 15/10/2010).
Da análise das decisões acima transcritas, nota-se que, embora os casos
sejam correlatos, os desfechos formulados pelos órgãos julgadores foram distintos.
No primeiro caso, a Primeira Turma confirmou acórdão que autorizou, ainda que
indiretamente, o funcionamento da rádio comunitária, em face da omissão e mora da
ANATEL. De outro modo, no segundo caso, a Segunda Turma negou a possibilidade
de autorização precária do serviço de radiodifusão comunitária até a prolação de
decisão definitiva pela agência. De acordo com o último acórdão, a atuação do
Judiciário encontraria limites na fixação de prazo para que a mora fosse sanada,
caso houvesse provocação nesse sentido.
Vale lembrar que, como exposto no segundo capítulo, quando se trata de
regulação, o tratamento distinto aos agentes regulados sem elemento de discrímen
que o justifique pode ocasionar instabilidades no sistema regulado que irão
repercutir sobre os demais interessados na atividade regulatória (entre os quais se
incluem os consumidores finais). Diferentemente do que se observa em uma
demanda judicial comum, na qual, em regra, os interessados no deslinde da questão
ocupam os pólos da relação processual, os efeitos da prestação judicial resultante
do controle de atos regulatórios incidirão sobre a pluralidade de interesses públicos
e privados tutelados pela agência. Ao tratar da insuficiência da atuação do Judiciário
para tratar dos conflitos regulatórios, GOMES pontua (2006, p. 47):
(...) é ilusório supor que o Judiciário, tal como concebido há mais de duzentos anos, e com o arcaísmo que marca particularmente a sua práxis entre nós, esteja à altura do desafio de dar solução rápida e eficaz aos conflitos de natureza cada vez mais intricada gerados pela modernidade41.
Além disso, ainda que o Judiciário estivesse tecnicamente preparado para
atuar de forma substitutiva às agências reguladoras – o que seria questionável,
41
A crítica é particularmente interessante, uma vez que o autor é Ministro do Supremo Tribunal Federal.
61
porque demandaria a duplicidade da estrutura de tais entidades – subsistiria a
controvérsia quanto à legitimidade dessa atuação.
Sob essa perspectiva, decisões do Judiciário que substituam atos
regulatórios podem conferir tratamentos distintos para situações correlatas de modo
a colocar em risco o equilíbrio do setor regulado. Entende-se, contudo, que tais
desdobramentos podem ser evitados (ou, ao menos, atenuados) quando o órgão
judicial, ao anular decisões eivadas de vícios ou ao constatar omissões indevidas, se
limita a fixar prazo para que a agência decida, observando os pontos indicados na
decisão judicial.
Tal entendimento não mitiga a relevância do papel do Judiciário no
controle dos atos regulatórios. Como defendido anteriormente, também o mérito da
decisão combatida e, assim, o conteúdo da regulação, deve ser apreciado pelos
órgãos judiciários. Nas palavras de MATTOS (2006, p. 363):
O Judiciário poderia – julgando o mérito de decisões administrativas ou do conteúdo da regulação estabelecido por meio de ato administrativo – realizar análise substantiva de adequação de justificativas sobre a motivação do ato administrativo em relação aos efeitos produzidos sobre os atores afetados, considerando os limites constitucionais e legais existentes, mas, também, os argumentos de mérito e justificativas apresentados pelos atores para fundamentar os efeitos almejados. Não caberia, porém, ao Judiciário, substituir o conteúdo da regulação por meio de sua decisão.
Não se ignora, contudo, que mesmo a decisão judicial quanto à
invalidação de ato regulatório envolve análise sujeita à subjetividade do órgão
julgador. Como destacado por VERISSIMO (2006, p. 407-408), a tarefa de delimitar
critérios objetivos, puramente teóricos e apriorísticos, nos quais pudessem ser
definidos os limites do controle judicial de atos administrativos em quaisquer
situações, revela-se, hoje, infactível.
Entretanto, o entendimento de MATTOS acima citado sobre o alcance do
controle judicial tem o mérito de não propor um controle de adequação do conteúdo
da regulação a princípios ou objetivos constitucionais genéricos mediante
interpretação na qual o Judiciário desvendaria qual o interesse público visado pela
Constituição ou pelas leis setoriais. Ao contrário, o autor sugere uma modalidade de
controle que permita uma avaliação das condições de deliberação sobre o conteúdo
da regulação. Tal avaliação compreenderia a análise da conformação dos
procedimentos administrativos existentes à deliberação – em audiências públicas e
62
consultas públicas, por exemplo – e dos efeitos do conteúdo da regulação adotado
sobre os atores afetados (MATTOS, 2006, p. 363).
63
4. APRIMORAMENTO DO CONTROLE JUDICIAL DE ATOS REGULATÓRIOS
Para que o controle de conteúdo dos atos regulatórios seja viável, é
necessário que o Poder Judiciário seja aparelhado de modo a tornar possível ao
magistrado compreender a matéria tratada no ato impugnado, o contexto em que foi
praticado, bem como as possíveis repercussões de sua suspensão ou anulação. A
preparação do Judiciário para responder, de forma satisfatória, à demanda relativa à
atividade regulatória não significa a duplicação da estrutura das agências
reguladoras, o que seria não só infactível, mas também desnecessário. Isso porque,
como sustentado no capítulo anterior, não cabe aos órgãos judiciários decidir de
forma substitutiva aos agentes reguladores.
Entretanto, tampouco é defensável que o magistrado decida sobre
questões de cunho regulatório ignorando regras elementares aos setores regulados,
ou ainda, sem deter uma visão conjuntural da atividade regulatória. Como
decorrências da compreensão insuficiente de questões regulatórias pelos órgãos
judiciários, observam-se duas situações. Ora a atuação judicial limita-se ao exame
de aspectos processuais em prejuízo de uma análise substancial do ato impugnado,
ora seu conteúdo é examinado de forma desastrosa.
Apesar das dificuldades de apreciação do conteúdo de atos regulatórios,
notadamente quando estão em questão assuntos de elevado grau de detalhamento
técnico, a realização dessa análise pelo Judiciário é relevante para coibir
arbitrariedades na atuação de agentes reguladores. Em outras palavras, embora o
controle de conteúdo dos atos regulatórios envolva a apreciação de argumentos a
princípio inerentes a outras áreas de conhecimento que não o Direito, o
esvaziamento desse controle parece não ser a melhor solução. Como salientado no
capítulo anterior, o mero exame de legalidade de tais atos pode comprometer a
eficácia do controle judicial.
A respeito da permeabilidade de conhecimentos supostamente alheios ao
Direito, ARAGÃO (2009, p. 92-93) salienta:
Não é dado ao jurista permanecer em uma clausura autista, ignorando as reações do subsistema econômico frente às normas jurídicas nem, muito menos, renunciar ao potencial regulatório, por vezes coercitivo, do Direito. (...) Sob esta perspectiva, o Direito deve buscar analisar o setor econômico a ser regulado, as circunstâncias em que se encontra e as possibilidades de regulação exógena, para, de forma inteligente, lograr maior efetividade para as suas normas.
64
Por sua vez, DAROCA (1997, p. 119-127) sustenta que à medida que em
uma regulação jurídica se utilizam conceitos que remetem a critérios técnicos, estes
últimos passam a integrar-se ao ordenamento jurídico e, portanto, convertem-se,
também, em parâmetros de legalidade.
Não obstante, de acordo com pesquisa realizada pela USP (2011, p. 21-
22) sobre a atuação judicial no controle de atos exarados por agências reguladoras,
em termos de qualidade das decisões, há, de certa forma, uma mistificação da
complexidade da matéria regulatória. Como destacado por SUNDFELD e CÂMARA
(2006, p. 636), de modo geral, os profissionais do Direito, tradicionalmente
generalistas, dedicados ao domínio e aplicação das ‗grandes leis‘ (primeiro os
Códigos, depois a Constituição), ainda vêem a regulação como território estrangeiro,
como o domínio dos técnicos. Ainda lhes é custoso penetrar nas especificidades,
mesmo legais, dos setores regulados.
Ao mesmo tempo, os magistrados que ousam analisar o conteúdo do ato
regulatório impugnado por vezes ignoram aspectos técnicos relevantes, ou ainda, os
efeitos sistêmicos que a invalidação desse ato pode desencadear.
Nesse contexto, faz-se relevante o estudo de formas de aperfeiçoamento
do controle de questões regulatórias pelo Poder Judiciário.
4. 1. Participação de agências reguladoras em processos judiciais
O acentuado grau de especialidade de questões regulatórias submetidas
à apreciação judicial torna pertinente o debate quanto à participação de agências
reguladoras em processos nos quais não constem originariamente como parte.
CYRINO (2007), reconhecendo a necessidade de se considerar não só os
argumentos jurídicos no controle judicial, como também elementos outros de teor
empírico/pragmático, formula a seguinte questão acerca do controle de atos de
órgãos reguladores:
Não seria a intervenção das entidades reguladoras em processos judiciais (sejam eles abstratos, sejam eles concretos), imprescindível, em casos de maior complexidade técnica, ou mesmo em hipóteses de difícil verificação, pelo Poder Judiciário, dos efeitos sistêmicos de sua decisão?
Entende-se que sim. Como destacado pelo autor, devem ser garantidos
meios para a efetiva participação de entidades reguladoras, porque capazes de
65
fornecer ao juiz estatísticas, análises empíricas e estudos técnicos em geral, de
modo a subsidiar a tomada de decisão.
Muito embora o Judiciário reconheça as competências regulatórias das
agências, observa-se que ainda há muito que se construir, na doutrina e na
jurisprudência, quanto ao papel de tais entidades no processo judicial. Como
destacado no segundo capítulo, as atribuições das agências reguladoras estão
relacionadas à garantia de estabilidade dos setores regulados. Nessa linha, ainda
que a prestação jurisdicional não repercuta diretamente na esfera jurídica do órgão
regulador, de modo que ele não suporte os efeitos da decisão, subsiste seu
interesse jurídico em assegurar o equilíbrio regulatório quando tais efeitos possam
colocá-lo em risco.
Por esse prisma, mesmo quando se trate de discussão judicial travada
entre agentes econômicos regulados, ou entre concessionária e consumidor, pode
estar em questão a validade de decisão ou norma editada por agência reguladora.
Desde logo, é importante salientar que não se pretende defender que tais entidades
participem de qualquer processo que trate, ainda que indiretamente, de atos
regulatórios. Tal medida não poderia sequer ser adotada, sob uma perspectiva
pragmática.
De outro modo, o que se buscará problematizar é a avaliação do órgão
julgador a respeito da necessidade e pertinência da intervenção das agências
reguladoras no caso concreto. Como se verá, tal análise vem sendo feita de forma
superficial, sem que se ponderem os possíveis impactos da resolução da lide à
estabilidade dos setor regulado. Feitas tais considerações, cumpre tratar, portanto,
de possíveis formas de intervenção processual de órgãos reguladores em demandas
que não integrem inicialmente como partes.
4.1.1. Amicus curiae regulatório
Na ausência de uma expressão própria para corresponder ao significado
de amicus curiae, parte da doutrina tem optado por adotar a terminologia amigo do
juízo ou colaborador da Corte. Segundo OLIVEIRA (2008, p. 94), o amicus curiae é
um auxiliar eventual que colabora em questões de alta relevância social ou política,
ajudando o magistrado na tarefa de interpretar o direito para a aplicação no caso
concreto.
66
Entretanto, com base na natureza dessa modalidade de intervenção e na
imparcialidade que se espera do órgão judicial, parece mais acertado o
entendimento de que o amicus curiae seja um terceiro interessado na lide. Por
iniciativa própria ou por determinação judicial, o amicus curiae intervém em processo
pendente com o escopo de enriquecer o debate judicial sobre as mais diversas
questões jurídicas, portando, para o ambiente judiciário, valores dispersos na
sociedade civil e no próprio Estado, que, de uma forma mais ou menos intensa,
serão afetados pelo que vier a ser decidido, legitimando e pluralizando, com a sua
iniciativa, as decisões tomadas pelo Poder Judiciário (BUENO, 2010)42.
Embora seja dada mais ênfase ao instituto no âmbito do controle de
constitucionalidade, a Lei n. 9.469, de 10 de julho de 1997, prevê, no parágrafo
único de seu artigo quinto, uma importante forma de intervenção aplicável às
agências reguladoras. É o teor do dispositivo:
Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.
A previsão gerou perplexidade na doutrina processualista em face da
possibilidade de intervenção processual de entidades de direito público
independentemente da demonstração de interesse jurídico, porque suficiente a
constatação de que o provimento judicial possa ter reflexos, ainda que indiretos, de
natureza econômica.
Com efeito, o dispositivo denota hipótese de atuação dos entes
reguladores como amici curiae regulatórios, aptos que são a auxiliar o Poder
Judiciário na tomada de decisão, através do esclarecimento de questões técnicas e
42
De acordo com Bueno (2010) é inócuo, porque vazio de significado para a experiência jurídica brasileira, traduzir a expressão amicus curiae para o vernáculo. Ela, mesmo quando traduzida, não tem referencial na nossa história jurídica e, por isso, fica carente de verdadeira identificação. É insuficiente a “tradução vernacular” daquela expressão; é mister encontrar o seu referencial e seu contexto de análise no direito brasileiro. Prossegue o autor sustentando que nosso direito não conhece, pelo menos como este nome, um “amigo” ou um “colaborador” da “Corte”, mesmo que se entenda por “Corte” os Tribunais ou, de forma ainda mais ampla, o Poder Judiciário. De resto, a atuação de qualquer sujeito processual que seja “amigo” do juiz pode comprometer a imparcialidade daquele que presta a jurisdição (art. 135, I, do Código de Processo Civil).
67
sistêmicas, próprias da regulação econômica (CYRINO, 2007). Intervindo como
amicus curiae, a agência reguladora pode esclarecer questões de fato e de direito,
bem como juntar documentos e memoriais considerados úteis ao exame da matéria,
de modo a colocar o órgão judiciário a par de questões que entenda relevantes ao
deslinde do feito.
BUENO (2010) relaciona tal modalidade de intervenção à função de fiscal
da lei (custos legis), desempenhada pelo Ministério Público e, em alguma medida, a
de perito ou, ainda, a de um mecanismo de prova, no sentido de ser uma das
variadas formas de levar ao magistrado, assegurada, por definição, sua
imparcialidade, elementos que, direta ou indiretamente, sejam relevantes à
resolução da lide43. Nessa linha, sustenta o autor:
É como se se dissesse que o amicus curiae faz as vezes de um ―fiscal da lei‖ — e não do fiscal da lei que o direito brasileiro conhece, que é o Ministério Público — em uma sociedade incrivelmente complexa em todos os sentidos; como se ele fosse o portador dos diversos interesses existentes na sociedade civil e no próprio Estado e que, de alguma forma, tendem a ser atingidos, mesmo que em graus variáveis, pelas decisões jurisdicionais. Ele, o amicus curiae, tem que ser entendido como um adequado representante destes interesses que existem na sociedade e no Estado (―fora do processo‖, portanto) mas que serão afetados, em alguma medida, pela decisão a ser tomada ―dentro do processo‖. O amicus curiae, neste sentido, atua em juízo para a tutela destes interesses, e é por isso mesmo que sua admissão em juízo depende sempre e em qualquer caso da comprovação de que ele se apresenta no plano material como um ―adequado representante destes interesses‖.
Nessa perspectiva é que o instituto guarda relação com o papel
desempenhado pelas agências reguladoras. Segundo ARAGÃO (2009, p. 291), as
agências reguladoras expressam, como poucas instituições, as diversas mudanças
que vêm caracterizando o Direito Público Econômico contemporâneo. Entre elas
está a pluralidade de interesses públicos e privados que tais entidades têm sob sua
tutela.
Corrobora esse entendimento o excerto a seguir, extraído do voto do
relator na Medida Cautelar n. 9.275/AM, ao tratar das formas de intervenção
43
Nesse sentido, uma verdadeira prova atípica traduzida na atuação de um terceiro interveniente, uma intervenção de terceiro cuja finalidade última é a de ampliar, aprimorando-o, o objeto de conhecimento do juiz com informações relativas a interesses metaindividuais (os “interesses institucionais” referidos de início) que serão afetados, em alguma medida, pela decisão a ser proferida: uma intervenção de terceiros com finalidade instrutória, portanto. Trata-se, por isso mesmo, de uma intervenção por inserção (BUENO, 2010).
68
processual das agências reguladoras em litígio entre empresas do setor regulado no
qual se discutam, incidentalmente, suas orientações:
Deveras, é possível à agência, coadjuvando uma das partes ou intervindo como singular custos legis à luz de sua finalidade institucional, fornecer nos autos informações úteis ao desate da lide.
De fato, como se constata do exame da legislação relativa às agências
reguladoras, elas devem buscar a realização de interesses tão múltiplos e díspares
como a universalização dos serviços sob sua regulação, a proteção dos
consumidores, o desenvolvimento tecnológico nacional, a atração de investimentos
estrangeiros, a ampliação da concorrência, a garantia do equilíbrio econômico-
financeiro, entre outros (ARAGÃO, 2009, p. 291).
No mesmo sentido, MARQUES NETO (2002, p. 207) aponta como
pressuposto da existência das agências reguladoras sua capacidade de interlocução
com os diversos atores enredados na atividade regulatória. Desse modo, é salutar
que as agências reguladoras possam contribuir com o Judiciário, fornecendo uma
visão sistêmica da questão discutida, sempre que, mesmo indiretamente, o equilíbrio
dos interesses envolvidos na regulação possa estar ameaçado.
Embora timidamente, o Judiciário tem reconhecido a intervenção dos
órgãos reguladores como amicus curiae em processos que tratem de questões
regulatórias e possam refletir economicamente na sociedade44. Em alguns casos, tal
modalidade interventiva vem ao encontro do desprestígio, junto ao Judiciário, das
demais formas de participação processual.
Isso porque, como se demonstrará posteriormente, tem ganhado força no
STJ o entendimento de que somente há interesse jurídico de agências reguladoras
em demandas que repercutam diretamente em sua esfera jurídica. Nessa linha, uma
vez que a intervenção como amicus curiae não requer demonstração de interesse
jurídico, mas institucional45, por vezes o instituto é utilizado como forma de
possibilitar a manifestação dos órgãos reguladores nos autos.
44
Entre os precedentes em que se admitiu a intervenção de agência reguladora como amicus curiae confiram-se: Recurso Especial n. 976.836/RS (2007/0187370-6), Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.08.2010, Dje de 5.10.2010 e Recurso Especial n. 1.185.070/RS (2010/0043631-6), Primeira Seção, Rel. Min. Teoria Albino Zavascki, julgado em 22.9.2010, DJe de 27.9.2010.
45 Embora se entenda que mesmo o interesse institucional das agências reguladoras seja também um interesse
jurídico, a distinção é relevante em face da interpretação restritiva da noção de interesse jurídico adotada pelo STJ. Segundo BUENO (2010), um interesse institucional, que autoriza o ingresso de terceiro como amicus curiae em relação processual, deve ser entendido como aquele interesse que ultrapassa a esfera jurídica de um
69
O acórdão prolatado no Recurso Especial n. 1.009.520/SP ilustra a
situação narrada. No caso, a recorrente, Companhia Paulista de Força e Luz
(CPFL), concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, se
insurgiu contra acórdão que manteve decisão que sustou, em tutela antecipada, os
efeitos do contrato de fornecimento de energia elétrica firmado com a recorrida,
Indústria e Comércio de Embalagens e Papéis Artivinco Ltda. e determinou a
disponibilização de contratos46 necessários à aquisição de energia elétrica no
mercado livre por esta empresa.
Nas razões do recurso, a CPFL alegou o interesse da ANEEL no feito
com base no artigo 3º, IV, V e VI,47 da Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que
define as competências da agência para gerir contratos de concessão, dirimir
divergências entre as concessionárias e consumidores, entre outras.
Segundo a recorrente, o vínculo jurídico existente entre ela e a ANEEL e
a reciprocidade das conseqüências econômicas e jurídicas estabelecidas em função
de possível deferimento da pretensão da recorrida, justificaria a caracterização do
litisconsórcio necessário ou, ao menos, legitimaria a incidência do instituto da
denunciação da lide. O último pedido decorreria da alegada responsabilidade
objetiva da autarquia ao impor condutas à recorrida submetidas a questionamento
judicial, de modo que seria forçosa a integração da ANEEL no pólo passivo da
demanda.
Não obstante, com amparo na ausência de relação jurídica direta entre a
autora e a ANEEL, decidiu o STJ que o caso não incide em hipótese de
indivíduo e que, por isso mesmo, é um interesse meta-individual, típico de uma sociedade pluralista e democrática, que é titularizado por grupos ou por segmentos sociais mais ou menos bem definidos.
46 Contrato de Conexão ao Sistema de Distribuição - CCD e Contrato de Uso de Sistema de Distribuição - CUSD
47 Art. 3
o Além das atribuições previstas nos incisos II, III, V, VI, VII, X, XI e XII do art. 29 e no art. 30 da Lei n
o
8.987, de 13 de fevereiro de 1995, de outras incumbências expressamente previstas em lei e observado o disposto no § 1
o, compete à ANEEL: (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004) (Vide Decreto nº 6.802, de
2009).
IV - gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e a prestação dos serviços de energia elétrica; (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004)
V - dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores;
VI - fixar os critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6o do art. 15 da Lei n
o 9.074, de 7 de
julho de 1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos;
70
litisconsórcio necessário48. No atinente ao pedido de denunciação da lide, tampouco
logrou êxito a recorrente. Segundo o relator, a parte que enceta a denunciação da
lide, o denunciante, ou tem um direito que deve ser garantido pelo denunciante-
transmitente, ou é titular de eventual ação regressiva em face do terceiro, porque
demanda em virtude de ato deste, o que não se aplicaria ao caso analisado.
Embora tenham sido indeferidos os pedidos de que a ANEEL integrasse a
relação processual como parte, o relator do processo determinou a intimação da
agência para se manifestar como amicus curiae no feito.
A partir dos esclarecimentos prestados pela ANEEL, afastou-se o perigo
da demora49, bem como se concluiu que a fumaça do bom direito dependeria do
reexame das cláusulas contratuais, análise estranha ao recurso especial50. Desse
modo, a Primeira Turma do STJ decidiu, à unanimidade, pelo não provimento do
recurso especial.
O precedente ilustra a relevância da intervenção do órgão regulador para
trazer ao processo aspectos desconhecidos pelo juiz, mas necessários à adequada
prestação jurisdicional. Uma vez que (i) o controle judicial é imprescindível a um
Estado que se pretenda democrático e de Direito e que (ii) o Poder Judiciário não é
capaz de levar em consideração todos os inevitáveis elementos não jurídicos,
altamente relevantes para a sua tomada de decisão, bem como lhe carece
conhecimento para averiguar as conseqüências sistêmicas de sua decisão,
depreende-se que a participação da agência é fundamental para a compreensão de
questões regulatórias relativas à lide, de sorte que o juiz pode requerer, de ofício,
sua manifestação (CYRINO, 2007).
48
O fundamento apresentado pelo STJ para justificar a inexistência de litisconsórcio necessário, qual seja a ausência de relação jurídica direta entre uma das partes e a ANEEL, será analisado em tópico destinado a tal modalidade de intervenção processual.
49 Consta do relatório que a ANEEL informou o seguinte: no que toca à contratação de energia elétrica pela
Concessionária junto aos agentes vendedores, existe previsão de mecanismos de ajuste decorrentes de migração de consumidores potencialmente livres, evitando-se onerar demais consumidores, bem assim preservar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão e a justa remuneração do concessionário. Além disso, salientou que eventuais alterações da sinalização tarifária experimentadas ao longo do tempo (da rescisão ao término regular da vigência contratual), podem repercutir na receita auferida pela Concessionária, todavia sem imputar ônus aos demais consumidores daquela área de concessão, uma vez que não são necessariamente reconhecidos pela ANEEL.
50 Súmula n. 5, do STJ (10.05.1990; DJ de 21.05.1990). Interpretação de Cláusula - Recurso Especial: A simples
interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial.
71
A despeito da importância da intervenção de órgãos reguladores como
amicus curiae, não estão pacificados na doutrina e, tampouco, na jurisprudência, os
exatos contornos do instituto. Explica-se. Embora o parágrafo único, do artigo 5º, da
Lei n. 9.469, de 1997, preveja, expressamente, a possibilidade de interposição de
recursos pelas entidades intervenientes, e afirme que, nessa hipótese, para fins de
deslocamento de competência, elas serão consideradas partes, na prática, nega-se
efetividade ao dispositivo e, por vezes, questiona-se sua constitucionalidade51. A
questão é delicada e merece análise detida, o que fugiria, no entanto, aos objetivos
deste estudo.
Por ora, é suficiente ressaltar que as divergências não se restringem à
alteração de competência, mas também se referem à possibilidade de interposição
de recursos que, para alguns autores, limita-se à insurgência contra o indeferimento
de sua participação no processo52.
Nessa linha, LOUREIRO (2009) sustenta que a intervenção como amicus
curiae não assegura à agência reguladora participação efetiva no processo, seja em
virtude de ser possível ao relator indeferir seu ingresso na relação processual, seja
porque, uma vez admitida sua intervenção, há, ainda, o risco de ser-lhe negada a
condição de parte, coibindo-lhe a participação em atos essenciais do procedimento,
tais como a possibilidade de recorrer das decisões.
Não por outra razão, a intervenção dos reguladores como amici curiae, conquanto seja admitida, ainda encerra severas limitações quanto à concretização dos direitos de parte que assistem ao órgão
51
Em síntese, a divergência se instaura porque, em uma interpretação literal, o deslocamento da competência para a Justiça Federal dar-se-á somente em caso da interposição de recursos pela entidade federal interveniente, o que gera a possibilidade de que um Tribunal Regional Federal reaprecie sentença de juiz estadual, hipótese que contraria o art. 108, II, da Constituição (CYRINO, 2010). Para BUENO (apud CYRINO, 2010), o dispositivo legal deve ser interpretado conforme a Constituição, deslocando-se a competência para a Justiça Federal desde a primeira instância, por força do art. 109, I, CF. CUNHA (apud CYRINO, 2010), por seu turno, apesar de reconhecer os problemas de sua solução, sustenta que o recurso deve ser interposto ao Tribunal de Justiça do Estado, que, ao dar-lhe provimento, irá anular a decisão ou a sentença, determinando a remessa dos autos à Justiça Federal para que sejam repetidos os atos processuais.
52 A esse respeito, BUENO (2010) pontua que uma vez admitida a intervenção do amicus curiae para participar
do processo é importante reconhecer a ele a possibilidade de atuar amplamente para atingir as finalidades que justificam a sua intervenção. Nessa linha, sustenta que deve ser reconhecida a legitimidade do amicus curiae não só para apresentar recurso contra a decisão que indefere seu ingresso, mas também para buscar uma mais adequada tutela dos direitos que justificam seu ingresso perante as instâncias recursais. Para o autor, também a possibilidade de produção de provas, compatíveis, evidentemente, aos limites em que é admitida sua intervenção, é medida que não pode aprioristicamente ser descartada. Deve-se, registrar, contudo, que o Projeto de Lei n. 8.046/2010, que dispõe sobre o Novo Código Processo Civil, caminha em sentido inverso. O parágrafo único do artigo 322, que trata do amicus curiae, estabelece que a intervenção não importa alteração de competência, nem autoriza a interposição de recursos.
72
regulador. Bem por isso, será desarrazoado negar aos entes de regulação a participação nos autos como litisconsorte, sendo certo que é impossível subtrair-lhe o interesse em discutir causas nas quais pende de eficácia os atos por eles praticados no exercício da competência regulatória.
Embora não haja consenso quanto aos limites de atuação do amicus
curiae, deve-se observar que o indeferimento de sua participação no processo
requer fundamentação expressa, porque também sujeito ao princípio do livre
convencimento motivado do juiz53.
Ademais, faz-se coro ao entendimento de CYRINO (2007), para quem
contrariaria a própria lógica de uma atuação eficiente do Estado – a qual pressupõe
a coordenação entre os Poderes –, que se ignorasse a existência, no bojo da própria
Administração, de órgão legal e tecnicamente habilitado a informar sobre um
determinado assunto, em seus mais amplos e conjunturais aspectos.
4.1.2. Litisconsórcio e assistência processual
As divergências quanto ao instituto do amicus curiae apontam a
importância de se analisar a possibilidade de intervenção de agências reguladoras
como litisconsortes ou assistentes processuais em lides cujos desfechos possam
impactar, ainda que indiretamente, a estabilidade regulatória. É o caso, por exemplo,
de processos que discutam, de forma incidental, a validade de seus atos ou que
tratem de questões relacionadas às suas competências institucionais. Para
enriquecer a reflexão, optou-se por trazer à baila alguns precedentes conexos ao
tema.
Veja-se, por exemplo, o Recurso Especial n. 476.342/MT, que teve
origem em ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao
consumidor, promovida pelo Ministério Público contra a Brasil Telecom S.A.,
Telecomunicações de Mato Grosso S.A - Telemat, a Empresa Brasileira de
Telecomunicações S.A. - Embratel e a Interlig Comunicações Ltda..
Por meio do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso (TJMT) confirmou decisão que deferiu liminar determinando que as
concessionárias aperfeiçoassem e modernizassem o sistema de telecomunicações
53
Entretanto, como se observa no Recurso Especial n. 1.091.670/SP, em que a ANEEL requereu sua intervenção como amicus curiae, nem sempre o Judiciário se preocupa em fundamentar o indeferimento do pedido (Recurso Especial n. 1.091.670/SP - 2008/0215429-6, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 28.09.2010, DJe de 15.10.2010).
73
de Paranatinga, sob pena de multa diária no valor de R$ 100.000,00. Também
decidiu não se tratar o caso de hipótese de litisconsórcio passivo necessário com a
agência reguladora ANATEL, por não ser o órgão do governo federal responsável
pela execução dos serviços determinados pela decisão combatida, mas mero
fiscalizador dos serviços prestados.
No recurso especial formulado pela Embratel, a concessionária insistiu
ser imperiosa a formação de litisconsórcio com a ANATEL. Sustentou, assim, caber
à ANATEL a fiscalização e o controle da qualidade dos serviços prestados aos
usuários pelas respectivas empresas concessionárias, inclusive concedendo (sic) o
poder de reprimir as eventuais infrações dos direitos dos usuários.
Ao analisar o pleito da recorrente, a Primeira Turma do STJ, com fulcro
nos artigos 8º54 e 1955, da Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, entendeu que
embora a agência reguladora Anatel não seja responsável pela execução dos
serviços de aperfeiçoamento e modernização do sistema de telecomunicações, tem
ela o dever de fiscalizar o serviço concedido. Nessa linha, admitiu ser justificável a
sua integração no pólo passivo da demanda, já que cabe a ela a fiscalização de tais
serviços.
Por conseguinte, à luz do disposto no artigo 109, I56, da Constituição
Federal, o STJ declarou nulo o acórdão proferido pelo TJMT, bem como determinou
a remessa dos autos à Justiça Federal, em face de sua competência absoluta para
julgar o feito.
54
Art. 8° - Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais[...].
55 Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o
desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: [...].
X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;
XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;
56 Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
74
De outro modo, no julgamento do Recurso Especial n. 858.797/RS57, a
Primeira Turma do STJ adotou entendimento diverso. No caso, o Ministério Público
Federal recorreu de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, proferido
em ação civil pública visando à suspensão da cobrança do Encargo de Capacidade
Emergencial dos consumidores de energia elétrica, bem como à devolução dos
valores pagos. O acórdão recorrido, ao negar provimento à apelação do Ministério
Público, manteve a sentença de improcedência e decidiu, ainda, que a ANEEL não
detém legitimidade para figurar no pólo passivo do processo.
No tocante à legitimidade da ANEEL para atuar como litisconsorte, o
relator do recurso especial anotou que a questão está diretamente vinculada à
natureza da relação jurídica de direito material controvertida. A partir do argumento
de que a demanda havia sido proposta por consumidores (substituídos, no processo,
pelo Ministério Público) e dizia respeito à relação jurídica contratual por eles
estabelecida com a prestadora de serviço, sustentou que a ANEEL e, tampouco, a
União se legitimavam a figurar como litisconsortes passivas.
A linha argumentativa adotada no precedente, e que vem ganhando força
no STJ58, funda-se na premissa de que, por não constar como parte da relação
contratual que ensejou a lide, a ANEEL não deteria legitimidade para ser parte do
processo judicial. Citando voto proferido no Recurso Especial n. 979.292/PB, o
relator chegou a afirmar que quem não tem vínculo com a relação de direito material
afirmada na inicial não é parte legítima, já que não é e nem pode ser beneficiada ou
prejudicada em seu patrimônio jurídico pelo resultado da demanda.
O acórdão ignora, assim, que o interesse jurídico de agências reguladoras
não se resume à afetação de seu patrimônio. Entretanto, o compromisso de tais
entidades com a estabilidade regulatória projeta-se em relações às quais não se
vincula diretamente, mas que possam impactar o equilíbrio do setor regulado. Como
pontuado por GUERRA (2005, p. 271-272):
Quando um juiz decide modificar um ato administrativo de caráter geral, seja ele vinculado ou discricionário, exarado com o fim de
57
REsp n. 858.797/RS (2006/0055299-3), Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 15.9.2009, DJe 23/9/2009
58 REsp n. 744515/GO (2005/0065731-7), Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27.3.2007,
DJe de 30.9.2008; REsp n. 904.534/RS (2006/0258283-4), Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 14.2.2007, DJ de 1.3.2007, p. 263; REsp n. 809504/RS (2006/0005719-5), Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 27.6.2006, DJ de 7.8.2006, p. 208; REsp n. 716.365/RS (2005/0002392-1), Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 7.11.2006, DJ de 14.12.2006, p. 257.
75
apreciar um determinado direito, individual ou coletivo, os efeitos desse ato, em regra, afetam os administrados envolvidos, ou seus impactos quase sempre são abrandados e diluídos na coletividade.
Por outro lado, se o julgador alterar um ato administrativo regulatório, que envolve, fundamentalmente, a eleição discricionária dos meios técnicos necessários para o alcance dos fins e interesses setoriais – despido das pressões políticas comumente sofridas pelos representantes escolhidos pelo sufrágio -, esse magistrado, na maioria das vezes, poderá, por uma decisão voltada a apenas um dos aspectos em questão, danificar a harmonia e equilíbrio de um subsistema regulado.
O precedente narrado ilustra o argumento de GUERRA. No mérito, o
Ministério Público questionou a legitimidade da cobrança do Encargo de Capacidade
Emergencial, previsto na Lei n. 10.438, de 26 de abril de 2002 e disciplinado pela
Resolução ANEEL n. 249, 6 de maio de 2002. Ao julgar o recurso especial, o STJ
manteve a decisão que negou provimento ao pleito do Ministério Público,
ressaltando que o encargo não tem natureza de taxa, mas, sim, de preço público
pago pela fruição da energia elétrica, em conformidade ao entendimento do STF,
que já afirmara sua constitucionalidade59.
Não obstante, caso o STJ houvesse decidido pela suspensão da
cobrança do referido encargo, bem como determinado a devolução dos valores
pagos pelos consumidores, decerto haveria impacto no equilíbrio regulatório. Isso
porque a cobrança do Encargo de Capacidade Emergencial instrumentaliza o rateio,
entre consumidores finais de energia elétrica60, dos custos, inclusive de natureza
operacional, tributária e administrativa, incorridos pela Comercializadora Brasileira
de Energia Emergencial (CBEE) na contratação de capacidade de geração ou de
potência. Foge à razão dimensionar o impacto da suspensão nacional desse rateio,
além da devolução dos valores pagos a esse título.
Nota-se, assim, a importância de que as agências reguladoras possam
atuar na qualidade de partes em demandas que, relacionadas às suas competências
institucionais, configurem uma ameaça à estabilidade do sistema regulado. Contudo,
tal qual salientado anteriormente, prevalece no STJ uma visão restritiva do
59
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar os RE's 576.189/RS e 541.511/RS, afirmou a constitucionalidade do Encargo de Capacidade Emergencial (Lei 10.438/02, art. 1º, § 1º; Resolução ANEEL 249/02, arts. 2º e 3º), do Encargo de Aquisição de Energia Elétrica Emergencial (Lei 10.438/02, art. 1º, § 2º; Resolução ANEEL 249/02, arts. 4º e 5º), bem assim do Encargo de Energia Livre Adquirida no Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE (Lei 10.438/02, art. 2º; Resolução ANEEL 249/02, arts. 11 a 14)
60 Conforme dispõe o artigo 2º, da Resolução ANEEL n. 249, de 2002, esse rateio se realiza entre os
consumidores finais que tenham sido atendidos pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional.
76
significado de interesse jurídico processual. Desse modo, tem-se rechaçado a
existência de litisconsórcio necessário pela mera análise dos integrantes da relação
de direito material que deu ensejo ao pleito. É o que se depreende do acórdão
prolatado no Recurso Especial n. 431.606/SP, cuja ementa segue transcrita:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - LITISCONSÓRCIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA AUMENTO DE TARIFA TELEFÔNICA - INTERVENÇÃO DA ANATEL. 1. Na relação de direito material, a empresa prestadora de serviço relaciona-se com a agência reguladora e uma outra relação trava-se entre a prestadora de serviço e os consumidores. 2. No conflito gerado na relação entre as prestadoras do serviço e os consumidores, não há nenhum interesse da agência reguladora, senão um interesse prático que não a qualifica como litisconsorte necessária. 3. Inexistindo litisconsórcio necessário, não há deslocamento da ação para a Justiça Federal. 4. Recurso especial improvido.
Não se pretende defender que agências reguladoras sejam
litisconsortes necessárias em qualquer demanda que envolva agentes reguladores
ou destinatários da atividade regulada. Tal entendimento implicaria não só o
abarrotamento da Justiça Federal, como também tornaria infactível a atuação de
assessorias jurídicas e de áreas técnicas de órgãos reguladores.
O que se espera, contudo, é que, ao examinar a participação processual
de tais entidades, no caso concreto, o Judiciário não se detenha a uma análise rasa,
cingida à afetação imediata da esfera jurídica da agência reguladora. Deve o
Judiciário, de outra sorte, considerar os possíveis desdobramentos de sua decisão
no tocante à estabilidade do sistema regulado e, assim, a relevância de que o órgão
regulador não só se manifeste nos autos, mas também atue como parte no
processo.
Todavia, quando muito, os tribunais têm admitido a intervenção da
agência como assistente de uma das partes61. É o caso do Recurso Especial n.
61
A maior acolhida no Judiciário da participação das agências reguladoras como assistentes sugere estar relacionada ao fato de que, na assistência, o terceiro interveniente recebe o processo no estado em que se encontra (CPC, art. 50). Distintamente, o ingresso de autarquia federal como litisconsorte necessária exige o deslocamento de competência para a Justiça Federal (CF, art. 109, I). No Recurso Especial n. 431.606/SP, já citado, a relatora chegou a afirmar em seu voto que a pretensão da ANATEL em tornar-se litisconsorte necessária, só despertada no curso da ação é, sem dúvida, manobra processual para inutilizar a ação civil pública que, com sucesso para os consumidores, encontra-se em fase de apelação. Em semelhante sentido, confira-se o REsp n. 589612/RJ, em que se negou provimento ao pedido de ingresso da ANS como litisconsorte porque, da simples análise dos autos, ficou nítido que referido interesse restringe-se ao propósito de deslocar a competência da causa para a Justiça Federal. (REsp n. 589612/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Min. Honildo Amaral de Mello, julgado em 15/09/2009, DJe de 01.03.2010). É
77
431.606/SP, acima mencionado, em que a relatora, ao negar a condição de
litisconsorte da ANATEL, afirmou que a agência poderia ter ingressado no feito
como assistente ad adjuvandum, por ter um interesse prático no desfecho da
demanda. Essa, contudo, não parece ser a solução mais adequada para a garantia
da imparcialidade e do equilíbrio da regulação.
Não se ignora que a atuação do órgão regulador como assistente de uma
das partes possa ser uma alternativa para a defesa da validade de seus atos.
Contudo, tal modalidade interventiva somente deve ser adotada quando o interesse
do regulador coincidir com o interesse de uma das partes, o que nem sempre se
verifica.
De todo modo, quer como assistente, quer como litisconsorte, é salutar
que a participação de agências reguladoras em processos que questionem, ainda
que incidentalmente, a legalidade de seus atos, seja analisada com maior
profundidade pelos órgãos judiciários. O advento do Estado Regulador exige que
também o Poder Judiciário revise noções como a de interesse jurídico, sob pena de
colocar em risco o equilíbrio regulatório, tão caro aos interesses que pretende
tutelar.
4.2. Instrumentos e propostas para um controle de conteúdo dos atos
regulatórios
A diversidade de setores sujeitos à regulação e a especificidade das
questões tratadas pelas agências torna inevitável o questionamento acerca da
viabilidade prática do exame substantivo de atos regulatórios pelos juízes. Nas
palavras de CYRINO (2007):
(...) Estão os nossos juízes preparados para isso? Seriam eles verdadeiros ―Hércules‖, para usar a expressão de Dworkin, capazes de averiguar todos os aspectos relevantes para o controle da atuação estatal, sendo certo que na atuação do Estado regulador há muitos aspectos de ordem técnico-científica? Como possibilitar o controle judicial sem que a assimetria de informações entre Judiciário, reguladores e regulados atrapalhe mais que ajude a atuação eficiente do Estado?
certo, contudo, que utilização do processo para fins escusos por alguns jamais pode justificar a análise superficial da existência de litisconsórcio necessário com agência reguladora nacional, que, caso configurado, implicará a remessa dos autos a Justiça Federal.
78
Conforme exposto, a participação das agências reguladoras no processo
é relevante para a elucidação de questões regulatórias e para que sejam trazidos
aos autos aspectos e desdobramentos da lide ignorados pelo juiz. Entretanto, é
certo que o controle de conteúdo de atos regulatórios demanda outras soluções que
possam subsidiar a prestação jurisdicional, para além da manifestação de tais
entidades.
Embora as agências reguladoras tenham sido instituídas para assumir um
papel de imparcialidade, na prática, é possível a captura de agentes reguladores
para atuar em defesa de interesses estranhos às finalidades institucionais da
agência. Assim, o caráter técnico e especializado da atuação de entidades
reguladoras não as exime do escrutínio judicial.
Como sustentado no capítulo anterior, não se pode ter a ingenuidade de
achar que a tecnicidade é sempre acompanhada da imparcialidade, já que, salvo em
casos limites, o saber técnico pode perfeitamente ser instrumentalizado em favor de
diversos fins políticos (ARAGÃO, 2009, p. 324). Desse modo, também os argumentos
técnicos apresentados por entidades reguladoras, ao atuar como parte ou como
terceiro interveniente, não podem ser adotados como verdades universais.
Nesse contexto, para um controle de conteúdo de atos regulatórios, deve
o Judiciário se reformular, ou ainda, se valer de mecanismos que possam subsidiá-lo
em sua decisão, sem prejuízo da participação das agências reguladoras no
processo, o que, como se viu, também assume especial importância.
4.2.1. Assistência pericial
Conquanto não se conceba a ciência e a técnica como conhecimentos
neutros, nota-se que a possibilidade de o magistrado conhecer da opinião de um
especialista, em tese não vinculado a nenhuma das partes, pode contribuir para sua
compreensão do tema.
DI PIETRO (2006), ao colocar em questão a denominada
discricionariedade técnica dos órgãos reguladores, anota que a legislação
processual permite que o juiz se socorra do auxílio de peritos para a tomada de
decisões que envolvam dados técnicos que possam ser esclarecidos por
79
especialistas62. Por seu turno, DAROCA (1997) aponta que os critérios extrajurídicos
estranhos à formação do julgador para controlar a concreção e aplicação do
conceito jurídico indeterminado podem aportar-se através da prova pericial. De fato,
conforme dispõe o caput do artigo 14563 do Código de Processo Civil, pode o juiz
recorrer ao auxílio de um perito, sempre que o julgamento de mérito da causa
dependa de conhecimentos técnicos de que não disponha (CÂMARA, 2004, p. 424).
Nessa esteira, aplicam-se ao controle de atos regulatórios as críticas de
OTERO (2003, p. 768) à postura do Judiciário em apreciar meramente os casos de
erro manifesto a partir do critério do ostensivamente inadmissível ou manifestamente
desacertado. Para o autor, tal postura jurisprudencial, esquecendo a possibilidade
de se recorrer a peritos, corre o risco de envolver uma limitação indevida do direito
de impugnação contenciosa das decisões administrativas que é reconhecido pela
Constituição.
Do exposto não resulta que o controle dos atos emanados de agências
reguladoras seja deixado nas mãos de peritos. Isso porque o juiz não está vinculado
nem às apreciações prévias do regulador, nem às conclusões do perito64 (DAROCA,
1997, p. 136). Ademais, como sustentado no capítulo anterior, não cabe ao
magistrado a substituição da decisão impugnada, pelo que o entendimento do perito
consultado não prevalece, obrigatoriamente, no caso concreto. Mas, decerto, sua
participação no processo converge para a melhor compreensão das questões
regulatórias pelos órgãos jurisdicionais.
4.2.2. Realização de audiências públicas
A realização de audiências públicas está relacionada à possibilidade de
se dar voz à sociedade para se manifestar a respeito de questões que possam
repercutir sobre os diversos interesses que a compõem.
No que tange às agências reguladoras, a realização de audiências
públicas é de fundamental importância, uma vez que tais entidades legitimam-se
62
Conforme prevêem os artigos 420 a 439 do Código de Processo Civil.
63 Art. 145. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por
perito, segundo o disposto no art. 421. (...)
64 CPC, art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros
elementos ou fatos provados nos autos.
80
democraticamente não pela eleição dos seus membros, mas pela participação da
sociedade na formação de decisões de sua competência (JUSTEN FILHO, 2006).
Nesse contexto, o controle judicial dos atos regulatórios deve incidir
também nos procedimentos adotados pelas agências reguladoras, de modo a se
verificar se essa abertura democrática foi observada. Procedimentos que combinem
a participação da sociedade com a exigência de motivação fornecem elementos
para o controle judicial da atividade regulatória à luz da teoria dos motivos
determinantes e, quando observados, fortalecem a presunção de legitimidade que
deve ser atribuída aos atos deles resultantes (BRUNA, 2003, p. 275-276)65.
Entretanto, a mera realização de audiência pública ou a participação
formal de interessados no processo decisório não é bastante para assegurar a
higidez do procedimento. Segundo BRUNA (2003, p. 275-276), a validade do ato
regulatório somente deve ser reconhecida pelo Judiciário quando a participação dos
interessados tenha assumido significado prático, o que ocorre quando tenham sido
efetivamente apreciados os principais argumentos apresentados durante o
procedimento de consulta pública. Tal análise pode ser realizada por meio da
apreciação dos fundamentos apresentados pela autoridade reguladora ao acatar ou
rejeitar tais argumentos.
Nessa linha, o autor destaca a importância da fundamentação dos atos
regulatórios (BRUNA, 2003, p. 271):
Com efeito, nenhum sentido haveria em a lei exigir a realização de uma consulta pública, se a autoridade não estivesse obrigada a efetivamente examinar as contribuições dos interessados, acatando-as ou não, sempre de forma fundamentada.
65
JUSTEN FILHO (2006) acrescenta ser relevante que a própria definição dos procedimentos faça-se por via democrática. Segundo o autor, não há sentido em remeter a fixação dos procedimentos decisórios das agências à sua exclusiva e discricionária escolha. Um dos instrumentos de limitação dos poderes decisórios das agências reside na sua submissão a procedimentos fixados legislativamente. Remeter à competência administrativa da própria agência a determinação das regras processuais a que se submeterá é uma solução inadequada, que amplia o risco de a agência consagrar soluções procedimentais insuficientes ou inadequadas, impedindo a satisfação da função essencial reservada ao processo administrativo. Nessa linha, convém trazer à baila recomendação formulada por BRUNA (2003, p. 278): A fim de atender às peculiaridades das diversas situações de fato que devem ser objeto da ação normativa da Administração, seria recomendável que fosse adotado um diploma legislativo, no Brasil, com o propósito de disciplinar, de forma sistemática e uniforme, os procedimentos normativos do Executivo. Na elaboração de uma lei como essa, poderia ser aproveitada a experiência norte-americana da implantação e operacionalização do Administrative Procedure Act, já com mais de cinqüenta anos de aplicação, feitas as necessárias adaptações das lições assim colhidas às peculiaridades do sistema jurídico brasileiro. O estabelecimento de uma disciplina geral, de outra parte, não impediria a instituição e a manutenção dos regimes específicos estabelecidos de forma setorial por leis especiais, sempre que isso fosse desejável, tendo em vista as circunstâncias específicas do setor regulado.
81
Também JUSTEN FILHO (2006) sustenta ser fundamental que a
atividade decisória da agência incorpore a participação popular, mesmo quando não
assinta às sugestões e às propostas apresentadas. Para o autor, incorporar a
participação popular significa reconhecer como relevante a intervenção externa,
acolhendo-a ou justificando sua rejeição.
Não se admite o fenômeno que se poderia qualificar como participação externa "cosmética". A expressão indica a situação em que a agência predetermina sua decisão e desencadeia uma série de formalidades, inclusive com audiências públicas, destinadas apenas a dar uma aparência de democracia à decisão. Assim, ouvem-se os particulares e os segmentos interessados, mas se adota decisão desvinculada de todas as contribuições.
Nesse contexto, caso o órgão julgador verifique que a participação dos
particulares em determinado processo administrativo configurou uma mera
formalidade, destituída de utilidade prática, entende-se que o ato regulatório que
dele derivar deverá ser invalidado. Isso porque é inafastável a vedação a decisões
produzidas no âmbito puramente interno da agência ou a ela transmitidas por
autoridades políticas externas, cuja formalização seja precedida de um arremedo de
processo. Desse modo, se a participação de terceiros no procedimento for
desprovida de qualquer efeito prático, estará violado o postulado do devido processo
administrativo (JUSTEN FILHO, 2003).
No mesmo sentido, confira-se a posição de VERISSIMO (2006, p. 413-
414), ao tratar do controle judicial da atividade normativa de agências reguladoras:
(...) A análise do processo administrativo utilizado na produção da norma pode relevar-se extremamente útil para a avaliação do grau de deferência que poderá merecer uma dada regra regulatória. A subtração de mecanismos de legitimação como consultas e audiências públicas ao processo de produção de uma dada norma regulatória compromete muito da deferência de que ela, de outro modo, poderia desfrutar. O mesmo se pode dizer quanto ao comportamento do órgão de regulação no curso dessas audiências e consultas, ou seja, quanto ao grau de atenção que é dado, pelo órgão, a cada comentário e sugestão específica. Vale lembrar que as respostas dadas pelo órgão administrativo a tais sugestões ficam incorporadas, no processo normativo, como razões determinantes da regra baixada, possibilitando, assim, novas frentes de controle.
Sob essa perspectiva, o controle judicial da motivação de atos
regulatórios revela-se de singular importância. A partir da análise dos fundamentos
apresentados pelas entidades reguladoras, o Poder Judiciário pode verificar se as
colaborações advindas da sociedade foram levadas em consideração na tomada de
decisão, seja na resolução de um caso concreto ou na elaboração de uma norma
82
regulatória66. Nas palavras de MATTOS, (2002, p. 66), esse tipo de avaliação
significa testar o potencial democrático das agências como instituições que, apesar
de órgãos técnicos, não deixam de ser órgãos políticos.
Entretanto, na hipótese de um ato regulatório questionado judicialmente
não ser precedido de processo administrativo que assegure a efetiva participação de
interessados, nada obsta, a princípio, que o Poder Judiciário possibilite tal abertura
democrática no processo judicial.
Foi essa a solução adotada pelo juiz federal da 2ª Vara Federal da Seção
Judiciária de Sergipe, em ação civil pública67 promovida pelo Ministério Público
Federal contra a ANVISA. No caso registrado por ARAUJO (2010), o Ministério
Público requereu provimento judicial para determinar que fossem inseridos, em
rótulos de produtos submetidos ao controle da ANVISA, avisos relacionados ao
desencadeamento de reações alérgicas.
Embora o autor houvesse requerido o julgamento antecipado da lide, o
juiz optou pela instrução do processo, sobretudo para a aquisição e verificação de
dados técnicos científicos necessários para a ponderação crítica das teses
apresentadas pelos demandantes.
Ao primeiro passo, foi promovida audiência pública na qual foram ouvidos
médicos especialistas com larga experiência no trato direto ou indireto de reações
alérgicas correlacionadas a acidentes de consumo. Em face de dados que
denunciavam o elevado número de acidentes de consumo atrelados a
manifestações alérgicas, a ANVISA reconheceu o insucesso de seu aparato
normativo no que tange à prevenção de tais acidentes:
(...) há necessidade de se adequar as frases de advertências existentes, quanto à linguagem, para torná-las mais fácil compreensão para os pacientes, e ampliar a lista de substâncias e princípios ativos para as quais há a necessidade de frases de advertências, por populações especiais, nas bulas e/ou embalagens de medicamentos.
Consta da decisão que o impacto dos dados levantados foi tão sensível
que a ANVISA aquiesceu quanto à instalação de um grupo de trabalho para
66
Isso significa que a agência independente tem o dever de justificar suas decisões regulatórias, inclusive apresentando os fundamentos pelos quais reputou inadequado acolher as colaborações, manifestações e propostas formuladas pela sociedade (JUSTEN FILHO, 2006).
67 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, Processo n. 2008.85.00.001185-2, Juiz Federal Substituto
Fernando Escrivani Stefaniu.
83
intensificar o debate plural iniciado na audiência pública, deixando vislumbrar a
possibilidade de uma saída consensual para a demanda.
O grupo de trabalho, formado tanto por profissionais da área médica,
quanto pelos integrantes da relação processual, tinha como objetivo tentar produzir,
por consenso, propostas de alterações nas regras de rotulagens, com o objetivo de
prevenir acidentes associados a reações alérgicas. Conforme exposto na decisão,
as propostas consolidadas pelo grupo de trabalho não visavam à substituição das
resoluções de competência da ANVISA, mas simplesmente somar, em termos mais
diretos, regras elementares de fácil compreensão.
Ao decidir, o juiz federal julgou procedente o pedido e determinou fosse
realizada a revisão da norma, com observância de parâmetros mínimos, definidos a
partir de informações colhidas em audiência pública, bem como de propostas
elaboradas pelo grupo de trabalho. Desse modo, foi possível ao magistrado suprir
sua carência de conhecimento técnico não só por meio de manifestações da agência
reguladora, mas também mediante a participação direta dos interessados.
Como destacado por ARAUJO (2010), a postura adotada pelo juiz federal
em questão é iniciativa isolada que não se encontra procedimentalizada no Código
de Processo Civil. Não obstante, consta do Projeto de Lei do Senado n. 166, de
2010, que trata do Novo Código de Processo Civil, previsão expressa de que os
regimentos internos dos tribunais disponham sobre a realização de audiências
públicas68. De todo modo, convém ressaltar que ao magistrado cabe analisar a
necessidade e relevância da realização de audiência pública judicial no caso
concreto.
4.2.3. Criação de varas especializadas em matérias regulatórias
A dificuldade que, de modo geral, os magistrados possuem ao apreciar
atos regulatórios pode ser atenuada por meio da criação de varas técnicas
especializadas em processar e julgar ações relacionadas à regulação.
68
Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, art. 882: Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte:
§ 2º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.
84
ARAGÃO (2009, p. 323), ao tratar do caráter preponderantemente técnico
da atuação das agências reguladoras, observa a necessidade de maior
especialização dos juristas em face das constantes evoluções tecnológicas e da
crescente complexização e pluralização do sistema social. Segundo o autor, esses
fatos têm feito com que a especialização em determinado área do Direito deva ser
acompanhada de profundos estudos técnicos sobre a matéria regulada, sendo cada
vez mais comuns e necessários os “juristas-biólogos”, “juristas-sanitaristas”,
“juristas-economistas”, entre outros.
A criação de varas especializadas em matéria regulatória foi apontada por
RAMALHO (2009, p. 151) e também por MARQUES NETO (2005, p. 209), que
incluiu a solução em sua proposta de Lei Quadro para as Agências Reguladoras
Independentes (ARIs):
Art. 129: A apreciação judicial de todos os feitos que envolvam atos praticados pelas ARIs ou matérias sujeitas à sua competência caberá a varas especializadas em direito regulatório a serem criadas no âmbito da Justiça Federal, com observância do disposto no art. 96, I, ―d‖, da Constituição Federal.
Não se tem notícia de que existam, atualmente, varas com tal
especialidade em nenhuma seção judiciária brasileira (USP, 2011, p.9). Tampouco o
Projeto de Lei n. 3.337, de 2004, concebido para se tornar a lei geral das agências
reguladoras, menciona a criação de varas especializadas. Não obstante, nada há no
ordenamento jurídico brasileiro que impeça sua criação ou mesmo a especialização
de varas já existentes.
Em verdade, conforme julgados recentes do Supremo Tribunal Federal69,
a especialização da competência em razão da matéria de varas já concebidas
sequer é tema exclusivo de lei, podendo ser feita por atos normativos dos tribunais.
É o que dispõe o artigo 96, I, a70, da Constituição Federal e o artigo 1271, da Lei n.
5.010, de 30 de maio de 1966, que organiza a Justiça Federal de primeira instância.
69
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: STF, HC 96.104/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16.06.2010, DJ de 06.08.2010; STF, HC 94.146/MS, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 21.10.2008, DJ de 06.11.2008; e STF, HC 91.253/ MS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16.10.2007, DJ de 13.11.2007.
70 Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;
85
Nos Tribunais Regionais Federais, a distribuição dos recursos entre as
seções e as turmas que as compõem observa o que estabelecem os respectivos
Regimentos Internos. Não há nos Regimentos Internos desses tribunais a previsão
de uma seção ou turma especializada em causas que questionem decisões de
agências reguladoras. O que mais se aproxima da matéria são as varas
especializadas para julgar feitos de natureza administrativa ou feitos relativos à
nulidade e anulabilidade de atos administrativos, especialização que se reputa vaga,
dadas as particularidades dos atos regulatórios72.
Como vantagens da criação de tais varas ou turmas especializadas,
citem-se (i) o ganho de experiência e melhor compreensão do modelo e do direito
regulatório pelos magistrados que poderão, inclusive, participar de cursos de
capacitação específicos; (ii) a possibilidade de aparelhá-las com suporte técnico de
assessores e peritos especializados em áreas de conhecimento correlatas à atuação
das agências reguladoras, tais quais economia, medicina e engenharia; e (iii) a
possível redução da média de tempo de duração do processo, em razão da
expertise adquirida pelos órgãos julgadores e da diminuição de conflitos de
competência em tribunais (USP, 2011).
Por outro lado, a concentração de especialistas com a função de auxiliar
os magistrados na revisão de atos regulatórios poderia suscitar um fenômeno
análogo ao da captura de agentes reguladores. Essa desvantagem seria, contudo,
atenuada tendo em vista a independência do magistrado quanto ao entendimento
esposado por assessores ou peritos. De todo modo, mesmo não se podendo afirmar
que as análises de tais especialistas sejam mais acertadas ou menos corruptíveis do
que as realizadas pelas agências reguladoras, parece que a simples possibilidade
de se aprofundar o debate em torno de questões regulatórias, por meio de um
melhor aparelhamento do Judiciário, supera os argumentos em contrário.
71
Art. 12. Nas Seções Judiciárias em que houver mais de uma Vara, poderá o Conselho da Justiça Federal fixar-lhes sede em cidade diversa da Capital, especializar Varas e atribuir competência por natureza de feitos a determinados Juízes.
72 Os dados apresentados referem-se a consultas dos Regimentos Internos disponíveis nos sites dos TRFs em
novembro de 2011.
86
CONCLUSÕES
Por meio deste trabalho, procurou-se demonstrar que ainda há muito a se
progredir no que concerne ao controle judicial de atos regulatórios. Nos moldes
atuais, ou há um controle fraco de atos regulatórios discricionários (sem controle de
mérito quando se trata de juízo de conveniência ou oportunidade), ou há um controle
meramente formal de legalidade de normas de conjuntura editadas pelas agências
reguladoras, ou ainda, não há, na prática, controle algum (MATTOS, 2006, p. 358).
Para além do reconhecimento da ambiguidade e ineficiência da revisão
judicial de atos regulatórios, buscou-se, ao longo desta monografia, apontar os
limites e contornos próprios a essa modalidade de controle.
Com esse escopo, no primeiro capítulo, procurou-se explicitar em que
medida as entidades reguladoras independentes inovaram o modelo clássico de
Administração Pública. Nesse contexto, ressaltou-se sua independência em face da
Poder Central e a amplitude de suas funções, tipicamente relacionadas aos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário.
Observou-se, ainda, que o fato de as agências reguladoras não
possuírem dirigentes eleitos pelo povo e deterem elevado grau de autonomia em
relação à Administração Pública central não implica, por si só, a existência de déficit
democrático em sua atuação. Não obstante, admitiu-se que tais entidades possam
carecer de legitimidade democrática sempre que os critérios de sua organização e
funcionamento frustrem ou dificultem a realização dos princípios e valores
fundamentais (JUSTEN FILHO, 2006).
Por esse prisma e, considerando o risco de captura dos agentes
reguladores, reputou-se fundamental a existência de sistemas de limitação de
competências, inerentes a um Estado Democrático de Direito. Nessa esteira, se
abordou a necessidade de um controle judicial efetivo, cuja análise foi realizada nos
capítulos seguintes.
No segundo capítulo, anotou-se que a independência das agências
reguladoras não pode ser afirmada plenamente em relação ao Poder Judiciário.
Ressaltou-se, ainda, que o estudo do controle judicial de atos regulatórios assume
contornos próprios e especial relevância em razão da ampla discricionariedade
87
conferida pela lei às agências reguladoras, ao caráter técnico-especializado do seu
exercício e ao equilíbrio sensível entre os interesses difusos e os objetivos dos
particulares envolvidos, sejam eles agentes econômicos ou consumidores.
A partir dos estudos realizados pela ABDIB em 2008 e 2011, constatou-se
que a judicialização de questões regulatórias possui trajetória ascendente e que o
ritmo de resolução judicial dos conflitos é quase quatro vezes menor que o de
ajuizamento de novas ações.
Ademais, a pesquisa realizada pela USP apontou que o Judiciário, além
de consumir tempo excessivo para apreciar em definitivo os atos submetidos a seu
controle, profere decisões de baixa qualidade técnica em razão do despreparo para
apreciar políticas regulatórias, questões técnicas econômicas ou setoriais e ponderar
interesses individuais e coletivos em jogo. Concluiu-se, ainda, que, ao combinar a
intervenção suspensiva de atos de agências com a confirmação da decisão após
longo tempo de oscilações por parte de órgãos julgadores, o Poder Judiciário dá
uma sinalização ruim às agências e ao mercado.
A imprevisibilidade das decisões do Judiciário pode reverter-se em
insegurança jurídica, uma vez que a regulação de uma atividade econômica envolve
continuamente a tomada de decisões de grande transcendência para os regulados.
A insegurança quanto à execução dos termos contratados, por sua vez, pode
comprometer o equilíbrio regulatório e, nesse contexto, impactar negativamente
também o consumidor comum, gerando efeito inverso ao pretendido pelo órgão
jurisdicional.
Como agravante, observou-se que a ausência de especialização técnica
dos magistrados quanto a temas regulatórios específicos, bem como a falta de uma
visão sistêmica do setor regulado, podem significar a prolação de decisões não
somente imprevisíveis, mas também atécnicas.
Apesar das deficiências constatadas, ponderou-se que a simples
possibilidade de sujeição de atos regulatórios à revisão judicial já provoca um efeito
positivo na atuação das agências reguladoras e demanda a adequada motivação de
suas decisões, mesmo quanto aos critérios técnicos utilizados.
Contudo, para ser eficaz, o controle judicial deve congregar qualidade e
capacidade de oferecer respostas em tempo concorrencial, ou seja, em um prazo
compatível com a celeridade das transformações de mercado. Além disso, ao
decidir, os magistrados devem ponderar que os efeitos de sua decisão não só
88
incidem sobre os integrantes dos polos da relação processual, como também
interferem no equilíbrio regulatório a que as agências visam a resguardar. Só assim
é possível falar em controle judicial sem prejuízo da estabilidade do sistema
regulado, essencial à qualidade dos serviços prestados, ao aporte de investimentos
pelos agentes privados e à composição de interesses afetados pela regulação.
O terceiro capítulo tratou dos limites do controle judicial de atos
regulatórios. Concluiu-se que, embora o exame de legalidade seja uma importante
forma de controle, o controle judicial não deve ser a ele reduzido. No que toca às
atividades reguladas, há uma tendência de que a lei se limite a fixar parâmetros
sobremodo abertos. Desse modo, cingir o controle judicial ao controle de legalidade
e, assim, à observância de tais parâmetros, significa anular a efetividade do controle
judicial.
Nessa linha, sustentou-se que não deve o Judiciário se furtar a realizar
um controle de mérito sob o argumento de que a decisão foi concebida a partir do
exercício de discricionariedade técnica própria às agências reguladoras. Como se
viu, a própria noção de discricionariedade técnica é passível de questionamentos.
Conquanto se tenha reconhecido que órgãos reguladores, em função de
sua especialidade, possam decidir com base em conhecimentos técnicos a respeito
da matéria que lhes é afeta, verificou-se que tais fundamentos também se sujeitam
ao controle judicial.
Além disso, contestou-se a premissa adotada por parte da doutrina e da
jurisprudência, segundo a qual a tecnicidade das decisões prolatadas por agências
reguladoras afasta o controle judicial. Como apurado, mesmo quando as decisões
devam pautar-se por critérios técnicos, sempre haverá margem para a subjetividade.
Por meio dessa análise, pretendeu-se objetar a pretensão de se conferir
neutralidade aos atos regulatórios. Com efeito, ocultar critérios políticos adotados
em uma decisão sob o color da tecnicidade pode gerar conseqüências funestas ao
sistema regulado.
A insuficiência do controle de legalidade e, por conseguinte, a relevância
do controle de mérito de atos regulatórios, não significa, contudo, que caiba ao
magistrado definir que medidas regulatórias são mais razoáveis ou adequadas ao
caso concreto. Tal entendimento corresponderia, no limite, à substituição da
discricionariedade do regulador pela do juiz, uma vez que também os parâmetros
89
para se determinar o que seria uma decisão razoável, proporcional, ou mesmo uma
decisão ótima são relativos e envolvem a adoção de critérios subjetivos.
Não obstante, da análise de precedentes do STJ, constatou-se que a
jurisprudência tem oscilado quanto aos limites do controle exercido pelo Poder
Judiciário e, por vezes, tem-se decidido de forma substitutiva às agências
reguladoras. Essa postura é preocupante tendo em vista que, quando se trata de
regulação, conferir tratamento distinto aos agentes econômicos ou aos destinatários
da atividade regulada pode ocasionar instabilidades no setor. As conseqüências, por
sua vez, podem repercutir não só entre as partes, mas também sobre a pluralidade
de interesses públicos e privados tutelados pela agência. Nessa linha, decisões do
Judiciário que substituam atos regulatórios podem colocar em risco o equilíbrio do
setor regulado.
Por todo o exposto, sustentou-se que a amplitude do exame judicial não
autoriza a substituição do agente regulador pelo juiz. Nessa perspectiva, caso o
Judiciário anule uma decisão regulatória discricionária, o magistrado deverá devolver
o assunto à agência reguladora para que decida novamente, levando em
consideração os pontos indicados na decisão judicial. De modo análogo, constatada
a omissão indevida do ente regulador, pode o Judiciário fixar prazo para que a
agência se manifeste, mas não decidir em seu lugar.
Ressaltou-se, ainda, que um controle judicial efetivo não consiste na
análise de adequação do conteúdo da regulação a princípios ou objetivos
constitucionais genéricos mediante interpretação na qual o Judiciário desvendaria
qual o interesse público pretendido pela Constituição ou pelas leis setoriais. Primeiro
porque inexiste método objetivo de definição do que seja o interesse público
(SHAPIRO, 1988, p. 5), razão pela qual não se pode inferir a existência de um único
interesse público a ser observado. Segundo porque, considerando ser inadequado
falar abstratamente em interesse público, exorbita as competências do Judiciário a
definição de que interesse deva ser perseguido pelas agências reguladoras.
Nessa esteira, adotou-se o entendimento esposado por MATTOS (2006,
p. 363), segundo o qual o controle judicial de mérito dos atos regulatórios deve
avaliar as condições de deliberação sobre o conteúdo da regulação. Tal avaliação
compreenderia a análise da conformação dos procedimentos administrativos
existentes à deliberação – em audiências públicas e consultas públicas, por exemplo
– e dos efeitos do conteúdo da regulação adotado sobre os atores afetados.
90
Por fim, no quarto capítulo, apresentaram-se soluções para o
aprimoramento desse controle. Pontuou-se que, para um controle de mérito efetivo,
deve o Poder Judiciário se aperfeiçoar de modo que seja possível ao órgão julgador
compreender, no caso concreto, o conteúdo e os efeitos do ato regulatório
impugnado, na medida necessária ao deslinde da controvérsia.
Foram apontadas duas possíveis implicações da carência de
conhecimento especializado e da falta de uma compreensão sistêmica da atividade
regulatória pelos magistrados. A primeira se refere à realização de um controle
adstrito a aspectos processuais, em detrimento de um controle substancial do ato
questionado. A segunda conseqüência diz respeito à atuação de alguns órgãos
julgadores que, embora realizem um controle de conteúdo, o fazem de forma
desastrosa, por ignorar questões regulatórias importantes relativas à lide.
No sentido de suprir as lacunas apontadas, assinalou-se a importância de
que as agências reguladoras possam intervir em processos nos quais não constem
originariamente como parte, mas que possam interferir no equilíbrio regulatório, por
estarem relacionados à validade de seus atos ou envolverem suas competências
institucionais. Como salientado, a depender do caso, a participação de tais
entidades no processo pode ser relevante à compreensão da controvérsia pelo juiz,
porque capazes de fornecer informações a respeito de questões regulatórias que lhe
são afetas e, assim, subsidiar a tomada de decisão.
A partir do estudo de acórdãos do STJ, observou-se que os tribunais
ainda analisam a existência de interesse jurídico das agências reguladoras sob uma
perspectiva atomizada do processo somada a uma visão clássica da Administração
Pública. Assim, a despeito das competências institucionais das entidades
reguladoras, o Judiciário tem infirmado seu interesse em intervir, alegando que os
efeitos da decisão não irão repercutir diretamente em sua esfera jurídica, ou, ainda,
que elas não compõem a relação de direito material que ensejou o pleito. Ignora-se,
portanto, que o interesse jurídico de agências reguladoras não se resume à afetação
de seu patrimônio.
Todavia, ainda que órgão regulador não suporte os efeitos da decisão,
subsiste seu interesse em assegurar a estabilidade do setor regulado, sempre que
tais efeitos possam ameaçá-la. Por essa razão, mesmo quando se trate de disputa
judicial travada entre agentes econômicos regulados, ou entre concessionária e
consumidor, pode estar presente o interesse da agência em atuar no processo.
91
Assim, foram trabalhadas possíveis formas de intervenção processual de
agências reguladoras e, neste particular, características de sua atuação como
amicus curiae, assistente e litisconsorte.
Defendeu-se, em suma, que, ao examinar a participação processual de
entidades reguladoras, no caso concreto, o Judiciário não se detenha a uma análise
rasa, restrita à afetação imediata de sua esfera jurídica. Devem os magistrados, de
outra sorte, considerar os possíveis desdobramentos de sua decisão no atinente à
estabilidade do sistema regulado e, assim, ponderar a relevância da intervenção do
órgão regulador.
Para além da participação processual das agências reguladoras,
ressaltou-se a necessidade de que o Judiciário se valha de outras formas de
aperfeiçoamento de sua atuação. Isso porque, embora as agências reguladoras
tenham sido instituídas para assumir um papel de imparcialidade, na prática, é
possível a captura de agentes reguladores para atuar em defesa de interesses
alheios à missão institucional da agência. Além disso, como demonstrado, mesmo
as decisões de ordem técnica de tais entidades são sindicáveis pelo Poder
Judiciário. Nessa esteira, a participação processual das agências reguladoras
apesar de relevante, não é suficiente para sanar as deficiências da apreciação
judicial de atos regulatórios.
Desse modo, passou-se analisar outras formas de aprimoramento da
prestação jurisdicional. O auxílio de peritos foi apontado como um instrumento
subutilizado, apesar de importante para o esclarecimento de questões regulatórias
que demandem conhecimento especializado. Como exposto, a assistência pericial
ao juiz não significa relegar a tais profissionais o controle de atos emanados de
agências reguladoras, tendo em vista que o juiz não está vinculado às conclusões
do perito.
Também se anotou a importância do controle dos procedimentos
adotados em audiências públicas, cuja realização é fundamental à legitimidade
democrática dos órgãos reguladores. Ressaltou-se, contudo, que a mera realização
de audiência pública ou a participação formal de interessados no processo decisório
não são bastantes para assegurar a higidez do procedimento. Por essa razão,
afirmou-se, à luz da teoria dos motivos determinantes, que as agências reguladoras
devem analisar de forma motivada os argumentos trazidos pela sociedade, seja para
acolhê-los, seja para rejeitá-los.
92
Além disso, registrou-se a possibilidade de que o órgão julgador promova
audiência pública judicial na hipótese de o ato questionado não ser precedido de
processo administrativo que assegure a efetiva participação de interessados. É
certo, contudo, que a necessidade e a relevância da realização de audiência pública
devem ser avaliadas pelo juiz, no caso concreto.
Sugeriu-se, ainda, a criação de varas e turmas especializadas em
processar e julgar ações relacionadas a atos praticados pelas agências reguladoras
ou matérias sujeitas à sua competência. Como salientado, não existem óbices no
ordenamento jurídico para a implementação dessa proposta. Ademais, apontou-se,
como possíveis benefícios i) o ganho de experiência dos juízes titulares no trato de
matérias regulatórias; ii) a possibilidade de aparelhá-las com assessoria
especializada; iii) a conseqüente otimização do tempo de análise de questões
regulatórias pelos órgãos julgadores.
Decerto, as críticas e sugestões aventadas não esgotam o debate acerca
do controle judicial de atos regulatórios. Tampouco seria possível fazê-lo. A
complexidade do tema requer o aprofundamento do estudo, bem como o
comprometimento do Judiciário com a busca de soluções compatíveis com o
paradigma do Estado Regulador. De todo modo, como primeiro passo, é
fundamental que se reconheçam as falhas procedimentais e de conteúdo que vem
sendo cometidas na realização desse controle.
93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Alexandra da Silva. Princípios Estruturantes das Agências Reguladoras e os Mecanismos de Controle. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008. ANÁLISE de Infra-estrutura, A escalada de ações judiciais na infra-estrutura. Ano III, n. 13, out. 2008. Disponível em: <http://www.abdib.org.br/index/analise_infraestrutura.cfm>. Acesso em: 27 nov. 2011. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2009. ARANHA, Márcio Iorio; LOUREIRO, Luiz Gustavo Kaercher. Direito Regulatório. Apostila disponibilizada no Curso de Especialização em Direito Público realizado na UnB, em 2009. ARAUJO, Luiz Eduardo Diniz. Controle da atividade normativa das agências reguladoras. 2010. 154f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Recife, Recife. BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 109 a 143. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 5869, de 11 de janeiro de 1973. Brasília. Diário Oficial da União de 17.1.1973. Disponível em: < http http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm> Acesso em: 27 nov. 2011. _______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em: 5 de outubro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> . Acesso em: 27 nov. 2011. _______. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em: 24 de janeiro de 1967. Artigo 153. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm> . Acesso em: 27 nov. 2011. _______. Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1966. Organiza a Justiça Federal de primeira instância, e dá outras providências. Brasília. Diário Oficial da União de 1º de junho de 1966. Retificado em 4 de julho de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5010.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011. _______. Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília. Diário Oficial da União de 24 de setembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.
94
_______. Lei n. 9.469, de 10 de julho de 1997. Regulamenta o disposto no inciso VI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; dispõe sobre a intervenção da União nas causas em que figurarem, como autores ou réus, entes da administração indireta; regula os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judiciária; revoga a Lei nº 8.197, de 27 de junho de 1991, e a Lei nº 9.081, de 19 de julho de 1995, e dá outras providências. Brasília. Diário Oficial da União de 11 de julho de 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9469.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011. _______. Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos
serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e
outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995.
Brasília. Diário Oficial da União de 11 de julho de 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9472.htm >. Acesso em: 20 nov. 2011.
_______. Lei n. 10.438, de 26 de abril de 2002. Dispõe sobre a expansão da oferta de energia elétrica emergencial, recomposição tarifária extraordinária, cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), dispõe sobre a universalização do serviço público de energia elétrica, dá nova redação às Leis no 9.427, de 26 de dezembro de 1996, no 9.648, de 27 de maio de 1998, no 3.890-A, de 25 de abril de 1961, no 5.655, de 20 de maio de 1971, no 5.899, de 5 de julho de 1973, no 9.991, de 24 de julho de 2000, e dá outras providências. Brasília. Diário Oficial da União de 29 de abril de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10438.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011. _______. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar n. 9.275/AM (2004/0168957-0), Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 7.5.2005, Diário de Justiça da União de 23.5.2005, p. 148. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 431.606/SP (2002/0049291-7), Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 15.8.2002, Diário de Justiça da União de 30.9.2002, p. 249. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 572.070/PR (2003/0128035-1), Segunda Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 16.3.2004, Diário de Justiça da União de 14.6.2004. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 979.292/PB, Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino ZAVASCKI, julgado em 13.11.2007, Diário de Justiça da União de 3.12.2007, p. 302. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.100.057/RS (2008/0236004-2), Primeira Turma, Relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 19.5.2009. Diário da Justiça Eletrônico de 7.6.2009. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 476.342 - MT (2002/0108264-2), Primeira Turma, Relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 06.08.2009, Diário da Justiça Eletrônico de 19.8.2009.
95
________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.009.520/SP (2007/0279121-0), Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 18.5.2010, Diário da Justiça Eletrônico de 25.6.2010. _______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.123.343/RS (2009/0027242-2), Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, julgado em 8.6.2010, Diário da Justiça Eletrônico de 15.10.2010. _______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 5. Interpretação de Cláusula - Recurso Especial: A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial. 10.5.1990, Diário de Justiça da União de 21.5.1990). _______. Tribunal Regional Federal. Região, 2. Agravo de Instrumento n. 159.351/RJ, Sétima Turma Especializada, Relator Desembargador Reis Friede, julgado em 2.7.2008, Diário Eletrônico da Justiça Federal de 9.7.2008, p. 115. _______. Tribunal Regional Federal. Região, 4. Apelação Civil n. 48.806/RS, Terceira Turma, Relator Desembargador Maria Lúcia Luz Leiria, julgado em 30.03.2010, Diário Eletrônico da Justiça Federal de 28.4.2010. _______. Tribunal Regional Federal. Região, 5. Apelação Civil n. 457.088/PE (2006.83.00.012127-9), Quarta Turma, Relator Desembargador Marcelo Navarro, julgado em 17.3.2009. Diário Eletrônico da Justiça Federal de 3.4.2010, p. 138. _______. Tribunal Regional Federal. Região, 5. Apelação Civil n. 451.548/PE (0010491-41.2008.4.08.8300), Primeira Turma, Relator Desembargador Rogério Fialho Moreira, julgado em 15.4.2010, Diário Eletrônico da Justiça Federal de 23.4.2010, p. 138. BRUNA, Sérgio Varella. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública e revisão judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae: Uma homenagem a Athos Gusmão Carneiro. In: DIDIER JR., F.; CERQUEIRA; L. O.; WAMBIER, T. A. A.. (Coord.) O Terceiro no Processo Civil Brasileiro e Assuntos Correlatos. Estudos em homenagem ao Professor Athos Gusmão Carneiro. Revista dos Tribunais, 2010. CALIL, Lais. O poder normativo das agências reguladoras em face dos princípios da legalidade e da separação dos poderes. In: BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 111-176.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed.. Coimbra: Almedina, 1999. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. Vol. I. 4ª. Coimbra: Coimbra, 2007 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
96
CARVALHO, Raquel Melo Urbano. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Podivm, 2008. CUÉLLAR, Leila. Introdução às Agências Reguladoras Brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008. CYRINO, André Rodrigues. Separação de poderes, regulação e controle judicial: por um amicus curiae regulatório. Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte: Fórum, v. 5, n. 19, p. 67-95, out.-dez. 2007. DAROCA, Eva Desdentado. Los Problemas del Control Judicial de la Discrecionalidad Técnica. Madrid: Civitas, 1997. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11ª ed.. São Paulo: Atlas, 1999. ________. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. ________. Limites da função reguladora das agências diante do princípio da legalidade. In ________. Direito Regulatório, Temas Polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 27 a 60. ________. Discricionariedade técnica e discricionariedade administrativa. In: FIGUEIREDO, Marcelo; PONTES, Valmir. (Org.). Estudos de direito público. São Paulo: Malheiros, 2006, v. 1, p. 480-504. ________. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 2ª ed.. São Paulo: Atlas, 2007. ENTERRÍA; Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo . Vol. 1. 10 ed.. Madrid: Civitas, 2000. FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2006. FARIA, José Eduardo. Antinomias jurídicas e gestão econômica. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, Ética Política e Gestão Econômica, n. 25, p. 167-173. 1992. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Como regular agências reguladoras? Revista Brasileira de Direito Público (RBDP). Belo Horizonte: Fórum, ano 6, n. 22, p. 7-24, jul.-set. 2008. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências Reguladoras: A ―Metamorfose‖ do Estado e da Democracia. In: BINENBOJM, Gustavo (Coord.). Agências Reguladoras e Democracia. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2006, p. 21-57. GUERRA, Sérgio. Discricionariedade Técnica e Agências Reguladoras in Anais do Seminário As Agências Reguladoras. In: SEMINÁRIO AS AGÊNCIAS
97
REGULADORAS, Mata de São João - BA, Anais... ESMAF – Escola de Magistratura da 1ª Região. 2004, p. 9-21. ________. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005. ________. Atualidades sobre o controle judicial dos atos regulatórios. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, v. 21, p. 1-24, fev.-abr. 2010. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-21-FEVEREIRO-2010-SERGIO-GUERRA.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2011. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. JUST, Gustavo. O princípio da legalidade administrativa: o problema da interpretação e os ideais do direito público. In: ADEODATO, João Maurício; BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco (Coords.). Princípio da legalidade: Da Dogmática Jurídica à Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.236. JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. ________. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. ________. Agências Reguladoras e Democracia: Existe um Déficit Democrático na ‗Regulação Independente‘?. In: ARAGÃO, Alexandre Santos (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 301-332. HIPOLLITO, Lúcia. Palestra de abertura do Painel I: Evolução e eficácia de controle. Controle interno, externo e social. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL: QUEM CONTROLA AS AGÊNCIAS REGULADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS? Brasília, 2001. Anais... Brasília: Instituto Helio Beltrão, 2003, p. 17-19. LA SPINA, Antonio; MAJONE, Giandomenico. Lo Stato regolatore. Bologna: Il Mulino, 2000. LOUREIRO, Caio de Souza. A intervenção processual do órgão regulador. Revista de Direito Público da Economia, v. 27, p. 221-247, 2009. MAJONE, Giandomenico. Do Estado Positivo ao Estado Regulador: causas e conseqüências da mudança no modo de governança. In: MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Regulação Econômica e Democracia: O Debate Europeu. São Paulo: Editora Singular, 2006. MARQUES, Maria Manuel Leitão; MOREIRA, Vital. Desintervenção do Estado, privatização e regulação dos serviços públicos. Economia e Perspectiva. In: MOURA, Joaquim Pina. O Estado, a economia e as empresas. Lisboa, v. 3, n. 2, p. 133-158, 1988/1999.
98
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.) Direito Administrativo Econômico. 2000, p. 72-98 ________. Regulação Estatal e Interesses Públicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. ________. Agências Reguladoras: Instrumentos de fortalecimento do Estado. São Paulo: Associação Brasileira de Regulação (ABAR), 2003. ________. Agências Reguladoras Independentes. Belo Horizonte: Fórum, 2005. MAS, Joaquín Tornos. Las Autoridades de Regulácion de lo Audiovisual. Madrid: Martins Pons, 1999. MATTOS, Paulo Todescan Lessa, Regulação Econômica e Democracia: contexto e perspectivas na compreensão das agências de regulação no Brasil, in Regulação, Direito e Democracia, José Eduardo Faria (Org.), pp. 43-66. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. ________. Autonomia Decisória, Discricionariedade Administrativa e Legitimidade da Função Reguladora do Estado no Debate Jurídico Brasileiro. In: ARAGÃO, Alexandre Santos (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 333-364. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 22. ed.. São Paulo: Malheiros, 1997. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. MELO, Marcus André. A Política da Ação Regulatória: Responsabilização, Credibilidade e Delegação. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 46, jun., 2001, p. 64. MENDES, Conrado Hübner. Reforma do Estado e Agências Reguladoras: Estabelecendo os Parâmetros de Discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 130- 131. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade dos Atos Normativos das Agências. In: SEMINÁRIO AS AGÊNCIAS REGULADORAS, Mata de São João - BA, Anais... ESMAF – Escola de Magistratura da 1ª Região. 2004, p. 109-126. MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. MOREIRA, Egon Bockmann. Agências Reguladoras Independentes, Déficit Democrático e a ―Elaboração Processual de Normas‖. In: CUÉLLAR, Leila;
99
MOREIRA, Egon Bockmanm. Estudos de Direito Econômico. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 161-206. ________. Os Limites à Competência Normativa das Agências Reguladoras. ARAGÃO, Alexandre dos Santos (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. MOREIRA, Vital. Auto-Regulação Profissional e Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1997a. ________. Administração Autônoma e Associações Públicas. Coimbra: Coimbra Editora, 1997b. MOREIRA, Vital; MAÇÃS, Fernanda. Autoridades Administrativas Independentes - Estudo e Projecto de Lei-Quadro. Coimbra: Coimbra, 2003. MORÓN, Miguel Sanches. Discrecionalidad administrativa y control judicial. Madrid: Tecnos, 1994. OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Constituição e Processo Civil. Editora Saraiva: São Paulo, 2008. ORTIZ, Gaspar Ariño. Principios de derecho público económico: modelo de Estado, gestión pública, regulación económica. Granada: Comares, 2004. ________. Sucessos e Fracassos da regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n.3, ago.-set. 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em: 27 nov. 2011. OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: o Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003. PARENTE, Pedro. Palestra de abertura do SEMINÁRIO INTERNACIONAL: QUEM CONTROLA AS AGÊNCIAS REGULADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS? Brasília, 2001. Anais... Brasília: Instituto Helio Beltrão, 2003, p. 10-16. PEREIRA, Cesar A. Guimarães. Discricionariedade e Apreciações Técnicas da Administração. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 231, jan.-mar. 2003, p. 254-261. PEREIRA, Renée. Criadas para intermediar problemas, agências são questionadas na Justiça. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 25 jul., 2011. RAMALHO, Pedro Ivo Sebba. Regulação e agências reguladoras: reforma regulatória da década de 1990 e desenho institucional das agências no Brasil. In: _______. Regulação e Agências Reguladoras Governança e Análise de Impacto Regulatório. Brasília: Anvisa, 2009.
100
SHAPIRO, Martin. Who guards the guardians?: judicial control of administration. Atlanta:University of Georgia, 1988. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O Poder Normativo das Agências em Matéria Tarifária e a Legalidade: o Caso da Assinatura do Serviço Telefônico. In: ARAGÃO, Alexandre Santos (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 605-636. UNIVERSIDADE de São Paulo. Inter-relações entre o processo administrativo e o Judicial sob a perspectiva da segurança jurídica no plano da concorrência econômica e da eficácia da regulação pública. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisasjudiciarias/Publicacoes/relat_pesquisa_usp_edital1_2009.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2011 VERISSIMO, Marcos Paulo. Controle Judicial da Atividade Normativa. In: ARAGÃO, Alexandre Santos (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 377-418. WIMMER, Miriam. Discricionariedade administrativa, conceitos jurídicos indeterminados e controle judicial: limites e possibilidades. Revista de Direito de Informática e Telecomunicações (RDIT), Belo Horizonte, ano 3, n. 5, jul.-dez. 2008. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28637>. Acesso em: 27 nov. 2011.
103
ANEXO C – Transitados em Julgado por Tipo de Desfecho
Fonte: Pesquisa de Campo realizada pela USP (2011)
104
ANEXO D - Taxa de Confirmação de Transitados em Julgado com Julgamento
de Mérito
Fonte: Pesquisa de Campo realizada pela USP (2011)
105
ANEXO E - Duração Média de Casos Transitados em Julgado
Fonte: Pesquisa de Campo realizada pela USP (2011)
106
ANEXO F - Viés de Seleção em Transitados em Julgado
Fonte: Pesquisa de Campo realizada pela USP (2011)
107
ANEXO G - Taxa de Anulação da Decisão Administrativa em 1ª Instância e em
Transitados em Julgado
Fonte: Pesquisa de Campo realizada pela USP (2011)