contra o fascismo e o imperialismo É preciso reinventar … · 2014-03-06 · tenha discursos de...

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ESPAÇO SOCIALISTA Organização Marxista Revolucionária A rejeição em 21 novembro do ano passado, por parte de Victor Yanukovich (ex-presidente), de um acordo com a UE - União Europeia - para introduzir de forma profunda os laços econômicos e políticos e incorporar a Ucrânia no livre- comércio com o imperialismo europeu foi o estopim para os protestos e início dos confrontos no país. Tal acordo também tinha como proposta estabelecer obrigações que delimitariam as relações econômicas com a vizinha Rússia. Em outras palavras, para fortalecer os laços econômicos com a UE, a Ucrânia deveria romper definitivamente com Moscou mesmo com uma economia que ainda traz laços de continuidade com a herança dos tempos da ex- União Soviética e, por outro lado, suspender a recusa de adesão à UE na condição de membro não pleno. Não havia nada certo para a resolução dos problemas que a Ucrânia vem enfrentando desde a dissolução da ex- URSS em 1991 e a conquista de sua independência. Em quase duas décadas e meia de independência, a Ucrânia vem vivendo uma feroz investida por parte do capital estrangeiro com empréstimos e investimentos que resultam numa gorda dívida externa para com o imperialismo europeu. O país depende do gás natural importado da Rússia, consumindo 800 bilhões de metros cúbicos por ano e, apesar da redução do preço de US$ 400 no final de 2013 (por 1.000 metros cúbicos de gás) para US$ 268, essa dependência segue prejudicando o desenvolvimento da indústria nacional. A necessidade do gás para indústria e também para aquecimento térmico nas residências no período de rigoroso inverno consequentemente fez a Ucrânia se endividar cada vez mais. Por outro lado, 60% do gás que a Rússia transporta para a Europa passa pelo território da Ucrânia, incluindo as rotas para Alemanha e Itália. A Ucrânia se viu assim esmagada pela pressão de duas forças opostas, a que a prende à Rússia e a que busca aproximá-la da UE. Os empréstimos chegam a 10 U$$ bilhões referentes à dívida externa, com vencimento para o final de 2014, e levaram a burguesia ucraniana a se afinar cada vez mais com o imperialismo europeu. Essa posição entrou em choque com a política entreguista pró-Rússia do agora ex-presidente Victor Yanukovich, que decidiu na última hora rejeitar os acordos de integração à UE. No mês de novembro do no passado os protestos tiveram seu ápice entre os dias 21 e 24, quando milhares de ucranianos, em sua maioria, jovens, saíram às ruas e ocuparam prédios públicos, se concentrando principalmente na Praça Maidan (centro dos protestos em Kiev), capital da Ucrânia. A resposta imediata do governo russo, logo no dia 17 de dezembro, foi uma intervenção direta da Rússia, cristalizada num acordo que transferiu US$ 15 bilhões de Moscou para os cofres em Kiev. Esse aporte, na forma de títulos do governo, implicou de forma direta na diminuição do preço do gás de origem russa consumido no país. No mês de janeiro (16/01) o governo ucraniano ratificou um pacote de caráter antiprotesto, impelindo uma intensa repressão, delimitando a liberdade de impressa, manifestações, reunião, inclusive, com o suporte das operadoras de celular usadas como um instrumento CONTRA O FASCISMO E O IMPERIALISMO É PRECISO REINVENTAR A UTOPIA (“TODO PODER À CLASSE TRABALHADORA” ) Ucrânia Março/2014

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ESPAÇOSOCIALISTA Organização Marxista Revolucionária

A rejeição em 21 novembro doano passado, por parte de VictorYanukovich (ex-presidente), de umacordo com a UE - União Europeia- para introduzir de forma profundaos laços econômicos e políticos eincorporar a Ucrânia no livre-comércio com o imperialismoeuropeu foi o estopim para osprotestos e início dos confrontos nopaís.

Tal acordo também tinha comoproposta estabelecer obrigações quedelimitariam as relações econômicascom a vizinha Rússia. Em outraspalavras, para fortalecer os laçoseconômicos com a UE, a Ucrâniadeveria romper definitivamente comMoscou mesmo com uma economiaque ainda traz laços de continuidadecom a herança dos tempos da ex-União Soviética e, por outro lado,suspender a recusa de adesão à UEna condição de membro não pleno.Não havia nada certo para a resoluçãodos problemas que a Ucrânia vemenfrentando desde a dissolução da ex-URSS em 1991 e a conquista de suaindependência.

Em quase duas décadas e meiade independência, a Ucrânia vemvivendo uma feroz investida por partedo capital estrangeiro comempréstimos e investimentos queresultam numa gorda dívida externapara com o imperialismo europeu. O

país depende do gás naturalimportado da Rússia,consumindo 800 bilhões demetros cúbicos por ano e,apesar da redução do preçode US$ 400 no final de 2013(por 1.000 metros cúbicosde gás) para US$ 268, essadependência segueprejudicando odesenvolvimento da indústr ianacional. A necessidade do gás paraindústria e também para aquecimentotérmico nas residências no períodode rigoroso invernoconsequentemente fez a Ucrânia seendividar cada vez mais. Por outrolado, 60% do gás que a Rússiatransporta para a Europa passa peloterritório da Ucrânia, incluindo asrotas para Alemanha e Itália.

A Ucrânia se viu assim esmagadapela pressão de duas forças opostas,a que a prende à Rússia e a que buscaaproximá-la da UE. Os empréstimoschegam a 10 U$$ bilhões referentesà dívida externa, com vencimentopara o final de 2014, e levaram aburguesia ucraniana a se afinar cadavez mais com o imperialismoeuropeu. Essa posição entrou emchoque com a política entreguistapró-Rússia do agora ex-presidenteVictor Yanukovich, que decidiu naúltima hora rejeitar os acordos deintegração à UE.

No mês de novembro do nopassado os protestos tiveram seuápice entre os dias 21 e 24, quandomilhares de ucranianos, em suamaioria, jovens, saíram às ruas eocuparam prédios públicos, seconcentrando principalmente naPraça Maidan (centro dos protestosem Kiev), capital da Ucrânia. Aresposta imediata do governo russo,logo no dia 17 de dezembro, foi umaintervenção direta da Rússia,cr istalizada num acordo quetransferiu US$ 15 bilhões de Moscoupara os cofres em Kiev. Esse aporte,na forma de títulos do governo,implicou de forma direta nadiminuição do preço do gás deorigem russa consumido no país.

No mês de janeiro (16/01) ogoverno ucraniano ratificou umpacote de caráter antiprotesto,impelindo uma intensa repressão,delimitando a liberdade de impressa,manifestações, reunião, inclusive,com o suporte das operadoras decelular usadas como um instrumento

CONTRA O FASCISMO E O IMPERIALISMO ÉPRECISO REINVENTAR A UTOPIA

(“TODO PODER À CLASSE TRABALHADORA” )

UcrâniaMarço/2014

Nota sobre a situação política na Ucrânia - Espaço Socialista

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de controle do governo, identificandomanifestantes e advertindo através demensagens em seus celulares: “Vocêfoi identificado como participante detumultos de massa”. Nas noites dosdias 21 e 22 de janeiro milhares demanifestantes responderam a essepacote antiprotesto, saíram às ruas etravaram intenso confronto com apolícia, o que gerou centenas deferidos e, pelo menos, trêsmanifestantes mortos, atingidos pelosfranco-atiradores do governo.

Como resposta à políticarepressiva do governo, asmanifestações ganharam mais força,aumentaram massivamente o númerode pessoas, radicalizaram suas açõese ganharam crescente legitimidadefrente ao contra-ataque repressivo dogoverno. Em fevereiro, em especial,entre os dias 18 e 20 houverampesados confrontos com a polícia,deixaram cerca de 86 pessoas mortasna Praça Independência e suasproximidades. Em 21 de fevereiro foianunciado um acordo entre governoe a oposição para dar um fim aosprotestos. Um dia após (22/02) oacordo, a oposição anunciou que opresidente Viktor Yanukovych seencontrava desaparecido eabandonado a Capital, Kiev.

Nesses três meses de protestos aforça da oposição se materializouintensamente no coro dos milharesde jovens ucranianos que sonhamcom um “padrão de vida europeu” ecom essa esperança têmimpulsionado os protestos no país.

A representação burguesa pró-imperialismo na Rada Suprema(parlamento) tem suas expressões nopartido UDAR (Aliança DemocráticaUcraniana Pela Reforma), que tem nafigura do ex-boxeador VitaliKlitschko sua principal figura pública.O partido pró-UE A PÁTRIA da ex-primeira ministra Julia Timoschenkoatualmente liderado por ArseniyYatsenyuk e Alexandr Turchinov, essesegundo nomeado na noite desta

quarta-feira (26/02) presidenteinterino, governa o país até arealização da eleição presidencialantecipada para 25 de maio depoisda derrubada de Victor Yanukovich.

Essa oposição também contacom a presença do partidoultranacionalista de orientaçãofascista “Svoboda” (Liberdade) quetem como maior representante OlehTyahnybo no parlamento. Já o KPU(Partido Comunista da Ucrânia) quedeveria representar uma terceira viacomunista ao maniqueísmo Pró-Rússia (versus) Pró-UE, emboratenha discursos de “esquerda”, contacom um pequeno corpo dedeputados que sempre votam naposição pró-russa. Até aqui, a vitóriada oposição parece advertir oconvívio com a nova configuração dapolítica no país.

Entretanto, a vitória da oposiçãoem Kiev está longe da resolução dosproblemas da Ucrânia e de formaalguma significou o “retorno ànormalidade”. Nem toda Ucrânia sealinha com essa direção. Por diversascidades bandeiras separatistascontrárias ao sentimento russofóbicoda oposição se ergueram, sobretudo,na Criméia. Alarga-se o risco dadivisão entre a ala nacionalista e pró-Europa no Oeste e, por outro lado,o sudeste mantém-se saudosista aotempo que o país compunha à ex-URSS. Os ucranianos que habitam asregiões da Criméia, Kharkov,Donetsk (representam 17% dapopulação) advertem que nãoaceitarão as novas autoridades deKiev. Milhares de ucranianos naCriméia realizaram uma grandemanifestação contra a ascensão daoposição em Kiev, entrando emconfronto com manifestantes rivaispró-Europa. Os edifícios do governo,entre eles, o parlamento local e a sededo gabinete dos ministros, foramocupados por manifestantes pró-Rússia.

Para compreender o que está em

jogo na Ucrânia torna-se necessáriodecifrar o labirinto de mistificaçãopolítica que leva da intenção dosmanifestantes ao golpe da ultradireitapatrocinado por forças da economiae política externa ocidental, emparticular, EUA e União Europeia.Os líderes da “oposição” ao governoYanukovich se aproveitaram de umasérie de elementos concretos decolapso econômico – com moedadesvalorizada 10% em relação aoeuro; salários inferiores a 200 eurosmensais no oeste do país; necessidadede 35 bilhões de dólares até o finalde 2015 para evitar a moratória;comunicado da Standard & Poor’s (aagência de notação de risco) de queclassificação de risco do país seriareduzida para quatro níveis acima danota D, atribuição usada para aquelespaíses que não podem cumprir suasobrigações – como uma possibilidadede derrubar o governo, contandocom o apoio financeiro doimperialismo alemão, dos líderes daUE, do imperialismo ianque e arevolta justificada do povo ucraniano.

UMA QUESTÃO GEOESTRATÉGICAESTADUNIDENSE

Os últimos acontecimentos naUcrânia vão além de uma disputapolítico-econômica entre EUA eRUSSIA sobre a opção que fará opaís. Trata-se na verdade de umataque direto dos EUA contra aUcrânia e Rússia. Os EUA vêmapoiando o golpe de Estado no paíscontra o governo liberal de VictorYanukovich, que se negou fechar uminconveniente acordo econômicocom a UE. Washington se posicionoufortemente ao lado da oposição, emdezembro, ainda no início dasmanifestações, quandorepresentantes do establishmentestadunidense, como John McCain eVictoria Nuland, apareceram emMaidan apoiando os manifestantes.

Os interesses da geopolítica dosEUA levaram o país a assumir o

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financiamento e armamentodos grupos Jihadistas contráriosà Bashar Al-Assad na Síria, umgoverno que se recusou a seafinar com os EUA e Israel.Recordemos os mujahidins doAfeganistão, que depois daexpulsão das tropas soviéticasem 1989 se converteram na Al-Qaeda, defendem umconservadorismo ideológicoextremo, foram criados emantidos financeiramente pelosEUA. Também, evidentemente,existe a inquietante situação da Líbia.

Em uma tentativa de tirar aUcrânia da esfera de influência russahá uma aliança EUA-UE-OTAN eessa não é a primeira vez queamericanos utilizam forçasultraconservadoras, como os fascistasucranianos. A Ucrânia é uma partefundamental do quebra-cabeçageoestratégico de Washington, poisatravés da intervenção no país,Washington se coloca na ofensivacontra a Rússia, contornando o paíspelo oeste e sudoeste.

Há uma tendência nas análisesatuais dessas questões, que tem comofoco a Ucrânia, em assistir o presentecom a ótica de um filme antigo,compreendendo os fatos atuais comoum espectro da “new guerra fria”. Demodo bem diferente do que foi nopassado, hoje, os EUA podeminterferir nas questões internas daSíria, Iraque, Afeganistão, Egito,Sudão do Sul e Ucrânia, entreinúmeros outros países, e em paraleloa isso assegurar de modo coexistenteduas guerras (Afeganistão e Iraque)por quase 10 anos. Enquanto aRússia, nem consegue firmar laçoscom sua vizinha, Ucrânia. Kiev, acapital da Ucrânia fica a mais oumenos 750 KM da capital Russa,Moscou. E, do modo similar, adistância que separa a sede do poderrusso da fronteira ucraniana-russa éde 550 KM.

Desse modo, o controle sobre a

Ucrânia dá acesso às planícies ao sulde Moscou. E isso significa que umataque à Ucrânia é necessariamente,do ponto de vista geoestratégico, umataque direto à Rússia. Do ponto devista bélico, os EUA têm mais de 800bases navais por todo planeta,podendo locomover suas frentesmilitares para onde (e quando)quiserem. Diferente da Rússia, queatualmente tem apenas uma basenaval ultramar, na Síria.

Entretanto, após décadas deprofundo silêncio sobre a expansãode suas bases navais, com o intuitode se reposicionar no cenáriogeoestratégico atual, o ministro daDefesa da Rússia, Sergei Choigu,anunciou nesta quara-feira (26-02) oplanejamento de instalações militaresem países como Cuba, Nicarágua,Venezuela, Vietnã, Ilhas Seychelles eCingapura. Com os problemasfinanceiros enfrentados pelos russosem 2002, o país fechou duas daspoucas bases navais que tinha ativano Vietnã e outra em Cuba.Enquanto os americanos têm umforte potencia naval. Rússia (e emtabela, China) tem um forte potencialmilitar terrestre.

A partir desse breve exemplo,tornar-se difícil acreditarmos que osEUA e Rússia estão competindoentre si para conseguir áreas deinfluência ao redor do planeta, (comoacontecia no período de Guerra Fria)como se os dois países estivessem empé de igualdade, em que pese o podermilitar, ideológico, cultural e

econômico. Diferente dosEUA, a Rússia não tem um terçodas bases militares ao redor domundo e nem de longe seequipara a escala planetária dedisseminação da indústr iacultural estadunidense. São osEUA que além de impor umatotal submissão econômica ecultural à América Latina,também atacam tanta a Ásiaquanto à África. Sobre a

transculturalização manipulada,nenhum país do mundo quer adotarpra si o estilo de vida russo, masdiferentemente, a maioria dos povosdo planeta deseja adquirir os valoresdo “american way of life”.

Assim, diferente de nossos dias,o período da Guerra Fria parecia tertrês pilares: 1) a existência de duassuperpotências dominantes nomundo; 2) o conflito ideológico entredois modelos e 3) uma rivalidademundial. Pilares esses inexistentesatualmente, pois a bifurcação em quese encontra a Rússia está contidainternamente no círculo incontrolávelde expansão do capitalismo. Poroutro lado, a disputa na zona deinfluência econômica dentro dosmoldes capitalistas parece notória. Apolítica econômica geoestratégicatem a pretensão por parte de Moscouda construção de sua própria área delivre comércio (plano de uniãoaduaneira) com a Bielorrússia e outrasrepúblicas da extinta União Soviética,com intenção em particular deintegração de sua capital vizinha(Kiev).

Nesse sentindo, o debate atualsobre a Ucrânia baseado numadicotomia excludente entre um grupo“pró-russos” de um lado e, do outro,o grupo “pró-europeu”, sem apresença dos interessesestadunidenses é uma forma bastantesimplificada de se caracterizar oembate político-econômico. O“desejo de Europa” que se cristalizaem grande parte nos manifestantes

Nota sobre a situação política na Ucrânia - Espaço Socialista

“DEVIDO A ESSAS DIVERSASAPARIÇÕES DA POLÍTICA FASCISTANA EUROPA, A OFENSIVA DOEXTREMISMO NACIONALISTA NAUCRÂNIA NÃO DEVE SERENTENDIDA COMO UM FATOEXCLUSIVO DO PAÍS. MAS, ANTESDE TUDO, COMO UMA TENDÊNCIACONTINENTAL EM CRESCIMENTO,QUE AMEAÇA OS PRÓPRIOSFUNDAMENTOS DA ‘DEMOCRACIA’ “

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ucranianos é antes de tudo e semdúvida fruto de uma novaburguesia nacional em emergênciana Ucrânia, que ganha forçamaterial através do “sonho padrãode vida europeu”, combustível dosjovens manifestantes. Esse é acimade tudo, um desejo manipuladopela mídia, por via dos EUA e pelaEU, a favor de uma ideologiaocidental, do livre comércioconsumista e do sentimentorussofóbico. Como se nãobastassem essas interferênciasexternas, o povo ucraniano,trabalhadores, camponeses ejuventude se encontram submetidosà destruição do que restou dasconquistas sociais da população.

Somam-se a esse cenário osherdeiros da Organização dosNacionalistas Ucranianos,continuadores dos grupos quelutaram ao lado dos nazistas na IIGuerra, contra o Exército Vermelhosoviético. Esses grupos são hoje osprincipais ideólogos do nacionalismono país. O povo ucraniano se vê nasituação de optar entre o grupodominante no Leste, próximo daRússia, em oposição ao grupo doOeste, que tem o suporte dos EUA eoferece a adesão à UE, que já tem nasua história recente os trágicos efeitospara as populações de países comoPortugal, Grécia, Itália e Espanha queainda hoje sobrevivem com seuscofres sangrando das facadas daTroika.

A CRISE E A OFENSIVA SOCIALISTA

A ofensiva de grupos fascistas naUcrânia não pode ser compreendidade modo isolado. Ao contrário,devemos buscar as relações dessaascensão fascista nas cicatrizesdeixadas por um passado recente doséculo XX, assim como, na criseestrutural do sistema capitalista.Assim, o fenômeno do fascismo, porestar ligado umbilicalmente com abase econômica, não é umacontecimento típico dos protestos

atuais em Kiev, mas se estende portoda Europa (mais vulnerável àpenetração dessa ideologia por ser oepicentro e ainda estar vivendo osefeitos de uma crise econômicaprofunda) e também por todo oplaneta.

Recordemos os golpes de Estadorecentes no cenário político daAmérica Latina, não esqueçamos ogolpe de junho de 2012 no Paraguaie em Honduras em 2009. Assimcomo a tentativa em 2002 naVenezuela e a repetição da mesmahistória (enquanto farsa ou tragédia)nesse mesmo país nos dias atuais. Semcontar às inúmeras armações dapolítica estadunidense contra ospaíses no oriente. Existem mais doque fatos para atestar a amplitude dacrise política se alastrando por todoglobo.

Na Grécia a imposição da políticafinanceira pela Troika (BCE,Comissão Europeia e FMI) dizimoua economia grega, causando umadepressão tão relevante quantoa Grande Depressão nos EUA.Os gregos perderam 25% doPIB em apenas quatro anos. Jáem países como Espanha, Itáliaou Irlanda perdeu-se entre 6 e10%. É exatamente contra essasperdas e tentativa de “ajustes”por via da Troika que o Partidoneonazista “Aurora Dourada” seelevou a tal ponto no paíshelênico, atingindo o patamar de

terceiro maior partido políticogrego. O “Aurora Dourada”tornou-se uma força política tãorelevante que o governo de Atenaso compreende como uma grandeameaça à própria sociedade.Configura-se de modo verídicocomo um partido Nazista quefomenta o chauvinismo antijudeu,antimulher e anti- imigrante,pregando uma ideologia do ódio.

Da mesma forma que diversosmovimentos fascistas do século XXtransformaram os imigrantes em

bodes expiatórios, o “AuroraDourada” converte mulçumanos,africanos, imigrantes em geral em“reais” culpados pelos váriosproblemas que o país vive hoje. O quefaz do “Aurora Dourada” umaameaça atual é a razão de que, emboratenha uma ideologia central nazista,seu discurso pro-austeridade e anti-UE seduz uma boa parte da Gréciadeteriorada economicamente. O ódioirracional contra imigrantes eminorias atrai a consciência de umaparte da população num país emcircunstâncias econômicasassustadoras, pois “aparentemente”surge como uma resposta imediata aoproblema social. Apesar dos líderesdo “Aurora Dourada” estarem naprisão (por conta do assassinato deum ativista do hip hop), ainda háoutros membros do partido noparlamento que são candidatos acargos na cidade de Atenas.

Se esses acontecimentos

Oleh Tiahnybok, neo-nazista - um dosdirigentes dos protestos

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estivessem exclusivamente limitadosà Grécia e Ucrânia eles não seapresentariam como uma tendênciacontinental. Ainda assim,infelizmente assist imos ocrescimento, ainda que menosdeclaradamente fascista, de partidospor toda Europa. Na Holanda, oPartido pela Liberdade – prega umapolítica anti-imigrantes eantimulçumanos – se elevou atéconfigurar-se como o terceiro maiorpartido do parlamento holandês. Nospaíses escandinavos se alastram ospar tidos com ideologiaultranacionalista, que em outrosmomentos, foram beminsignificantes e até ausentes, mashoje, já podemos dizer: são atoresrelevantes do processo eleitoral. NaEspanha, crescem as leis querestringem os protestos, a liberdadeda palavra, e crescem as táticaspoliciais de repressão e as políticaspró-austeridade por decreto doPartido do Povo. E, na França já épraxe a transformação dos imigrantesmuçulmanos e africanos em bodesexpiatórios por parte do Partido daFrente Nacional, que ganhou 20%(vinte por cento) dos votos naseleições presidenciais no primeiroturno.

Nos protestos atuais da Ucrâniahá diversos grupos nacionalistas,abrangendo inclusive os fascistas. Elesse locomoveram de diferentes regiõesda Ucrânia e significam 30% (trintapor cento) dos manifestantes daPraça Maidán, em Kiev. Entre essaporcentagem os dois maiores grupossão o “Svoboda” (liberdade) e o“Pravy Sektor” (Setor de Direita). OPravy Sektor é fundamentalmenteuma organização composta pordiversos grupos de direita (leia-sefascismo), “Patriotas da Ucrânia”,Assembleia Nacional Ucraniana —“Autodefesa Nacional Ucraniana”(UNA-UNSO) e “Trizub” e aindasimpáticos do partidoultranacionalista “Svoboda”. Todosestes grupos são partidários em

comum de umamesma ideologiaantirrussa, antijudeue anti- imigrantesetc., além decompartilhar umaprofunda veneraçãopela “Organizaçãode NacionalistasU c r a n i a n o s ”(colaboradores dosnazis quec o m b a t e r a mativamente contra aUnião Soviética ecometeram algumasdas pioresatrocidades da IIGuerra Mundial). Aforça desses gruposno interior dasm a n i f e s t a ç õ e sganhou tal tamanho,que em determinadomomento das manifestações aquestão central na praça Maidan(Kiev) se tornou: apoiar ou recusar ofascismo.

Devido a essas diversas apariçõesda política fascista na Europa, aofensiva do extremismo nacionalistana Ucrânia não deve ser entendidacomo um fato exclusivo do país. Mas,antes de tudo, como uma tendênciacontinental em crescimento, queameaça os próprios fundamentos da“democracia”. Embora a oposiçãodepois da derrubada de V.Yanukovych tenha anunciado eleiçõesantecipadas para 25 de maio, umareforma constitucional e um governode unidade nacional, a instabilidadepolítica e econômica ainda é muitogrande. Dentro desse cenário há umpadrão que nos inquieta e que passapropositalmente ouinconscientemente despercebido porgrande parte dos observadores.

O fato dos EUA sempre fazeremcausa comum com extremistas,direitistas e fascistas de qualquer lugardo planeta para conseguirem suasvantagens geopolíticas. A crise coloca

em dúvida o futuro digno aos 45milhões de ucranianos, no meio dadisputa entre Rússia e o ocidente.

É PRECISO DESTRUIR O MITO EREINVENTAR A UTOPIA

De 1921 até 1990 a Ucrâniatornou-se um dos principais paísesda extinta União das RepúblicasSocialistas Soviéticas (URSS). Nesseperíodo a URSS soube muito bemutilizar a fertilidade do solo ucraniano(“terra negra”) e desenvolverabundantes plantações de cereais. Em1930, após Stalin ter assegurado seupoder definitivo desde 1928, tratoude criar uma política de controle dosgrandes recursos naturais ucranianos.Em especial, a Ucrânia ostentava osolo mais fértil da Europa — daítambém o apelido de “o manancialda Europa”. Entretanto, o carátereconômico atrasado da URSS levouà implantação de uma política porparte dos soviéticos imposta na regiãoagrícola da Ucrânia que tinha oobjetivo de garantir uma quantidadeadequada de cereais para ser ofertadaàs cidades, onde por outro lado, nos

“... A SAÍDA PELA VIA PARLAMENTAR, COM ADEPOSIÇÃO DO PRESIDENTE E A ANTECIPAÇÃODAS ELEIÇÕES PARA 25 DE MAIO, AAPROVAÇÃO DO GOVERNO PROVISÓRIO E AFORMAÇÃO DE UM GABINETE DE COALIZÃONACIONAL, PROPONDO O NOME DE ARSENYYATSENIUK, EX-MINISTRO DA ECONOMIA,COMO PRIMEIRO-MINISTRO, NÃO SIGNIFICANENHUMA VITÓRIA PLENA DASMANIFESTAÇÕES. A QUESTÃO IMEDIATA QUESE APRESENTA ENQUANTO ALTERNATIVA PARAA JUVENTUDE E PARA OS TRABALHADORESDA UCRÂNIA É A CRIAÇÃO DE UMAPERSPECTIVA REVOLUCIONÁRIA, DEESQUERDA, ANTICAPITALISTA, CLASSISTA ESOCIALISTA QUE EXPULSE O CAPITAL RUSSOE IMPERIALISTA EUROPEU DO PAÍS E COLOQUEO POVO UCRANIANO COMO SUJEITOCONSCIENTE DE SUA PRÓPRIA HISTÓRIA”

Nota sobre a situação política na Ucrânia - Espaço Socialista

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centros urbanos, o proletariadosoviético trabalhava pesadamentepara expandir a indústria.

A política foi de requisiçãocompulsória de cereais — em outraspalavras, forma diferente de dizer queo governo URSS tomava à força todocereal cultivado pelos camponesesucranianos, lhes pagando um preçoimposto pelo próprio governo. Em1929 teve início a coletivizaçãoforçada das propriedades rurais etambém uma campanha contra acultura nacional ucraniana, campanhaque havia sido adormecida desde oinício da década de 1920. Isso gerouna Ucrânia a maior resistência que apolítica stalinista teve que enfrentar,frente aos países que compunham oconjunto das repúblicas soviéticas.Essa resistência, contudo, nãoimpediu a concretização de todo oprocesso em 1932.

Tendo em vista as metas dogoverno stalinista, para os ucranianosdo meio rural, comer tornou-se umaação clandestina. Devido às metas daprodução, e mesmo com uma saframuito abaixo da média em 1932, oplanejamento stalinista não deixou deexigir para 1933 um número aindamaior, equivalente a 7 milhões detoneladas de grãos. Tal exigênciacausou o “holodomor”, “holod”(fome) e “moryty” (matar através deprivações), cerca de cinco milhões deucranianos foram mortos de 1932-33.Acontecimento que ocupa um lugartrágico na memória do povoucraniano e que vem alimentandodurante décadas o sentimentonacionalista. Esse é um entre osdiversos exemplos que nos impele anecessidade de destruir o mito de quea URSS stalinista significou umaalternativa de construção de umanova sociedade contrária aocapitalismo.

Não existe direção revolucionáriano país, quem está manobrando osprotestos na Praça Maidan é oSvoboda (partido neonazista e

centenas de pequenos grupos deultradireita e os oligárquicosentreguistas pró-UE). Como se nãobastasse, o que existe em oposição aisso é o lastimável saudosismo paracom a Rússia. Não existe o projetode construção de uma forma desociedade radicalmente oposta aocapitalismo.

A defesa da estátua de Lêninimplica a defesa de uma sociedadecontrária ao Capital? Se essa defesafosse travada profundamente, talvezsim, e apesar da forma ofuscada dessadefesa ela ainda serve paraimpulsionar o elemento classistafundamental nesse processo. Masesse elemento atualmente estáausente.

O separatismo em andamentoentre o Sul do país para com o oestepró-UE se circunscreve dentro dadisputa política geoestratégica entreo capitalismo russo e o imperialismoeuropeu/Alemanha/EUA. Do modocomo está se desenrolando a situação,isso significará apenas mais domesmo, um prolongamento dasituação permanente em quase 2décadas e meia de independênciaucraniana: um país subjugado àsrelações econômicas da Rússia.

As saídas pelo viés parlamentarsempre significarão umsubstitucionismo da classet r a b a l h a d o r aucraniana. Nãoexiste nenhuma“borracha mágica”que apagará o RadaS u p r e m o(parlamento) demodo instantâneo,imediato, relâmpago.Aí existe o problemae polêmica centralcom os anarquistas,que tratam a questãodo Estado como sefosse algo quepudesse sersuprimido por uma

borracha mágica revolucionária. Paraque haja a dissolução do Estado aconstituição de um duplo poder éinevitável nesse processo. O Estadonão é uma invenção subjetiva dospovos, ele é uma determinaçãohistórica das sociedades de classe.Existem setores que defendem ahipótese de que existe hoje naUcrânia um duplo poder configuradopela existência da Rada de um lado eos manifestantes na Praça Maidan deoutro. Mas esse duplo poder éilusório, já que o conteúdo políticoque está sendo defendido nos doispólos é o mesmo, tanto a Radaquanto o parlamento defendem aincorporação à UE (fachada doimperialismo alemão), com a bençãodo imperialismo estadunidense.

Existe um vácuo nasmanifestações da Ucrânia que precisaser preenchido pela perspectivarevolucionária. Infelizmente a relaçãohistórica do país com a ex-URSSescurece cada vez mais esse espaçovazio. Os revolucionários conseguemfazer uma explicação transcendente,enquanto a imanência do processo delutas na Ucrânia vem sendo disputadaentre o ultranacionalismo neonazistae o imperialismo, faces diferentes damesma moeda que é o capital.

Hoje, após quase duas décadas emeia de independência, a Ucrânia vive

“ O MOTIVO QUE IMPULSIONA OS PROTESTOS

NA UCRÂNIA SÃO AS CONSEQUÊNCIAS

SOCIAIS PRODUZIDAS PELA CRISE ECONÔMICA

DO CAPITAL, COMBINADA COM O ATRASO

DA POLÍTICA OLIGÁRQUICA DO ESTADO

UCRANIANO, QUE OFERECE COMO UM

BANQUETE AS RIQUEZAS DO PAÍS PARA O

CAPITAL ESTRANGEIRO. A INSEGURANÇA

ECONÔMICA CORRESPONDENTE À CRISE

POLÍTICA QUE ATINGE A MOEDA UCRANIANA

LEVANDO-A A UMA REDUÇÃO RECORDE, COM

O PREÇO DO DÓLAR EQUIVALENTE À 11GRÍVNIAS (MOEDA LOCAL)”

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uma tensão política que pode levar aum colapso econômico do país. Umacordo atual com a União Europeiaou a política econômica subjugada aogoverno russo tem o mesmosignificado para o povo ucraniano,isto é, uma brutal servidão do paísao capital internacional. O motivoque impulsiona os protestos naUcrânia são as consequências sociaisproduzidas pela crise econômica docapital, combinada com o atraso dapolítica oligárquica do Estadoucraniano, que oferece como umbanquete as riquezas do país para ocapital estrangeiro. A insegurançaeconômica correspondente à crisepolítica que atinge a moeda ucranianalevando-a a uma redução recorde,com o preço do dólar equivalente à11 grívnias (moeda local).

Ainda que a força que faz a rodados protestos girar tenha seuepicentro na Praça Maidan, e que oRada Supremo esteja cercado demanifestantes, a saída pela viaparlamentar, com a deposição dopresidente e a antecipação daseleições para 25 de maio, a aprovaçãodo governo provisório e a formaçãode um gabinete de coalizão nacional,propondo o nome de ArsenyYatseniuk, ex-ministro da Economia,como primeiro-ministro, nãosignifica nenhuma vitória plena dasmanifestações. A questão imediataque se apresenta enquanto alternativapara a juventude e para ostrabalhadores da Ucrânia é a criaçãode uma terceira perspectivarevolucionária, perspectiva essa de

esquerda, anticapitalista, classista esocialista que expulse o capital russoe imperialista europeu do país ecoloque o povo ucraniano comosujeito consciente de sua própriahistória.

A representação parlamentarpró-União Europeia tem for teressonância nas ruas e claramentesignifica a permanência da exploraçãodos milhões de jovens e trabalhadoresucranianos por via da face imperialistado capitalismo europeu.Contrariamente a essa posição, épreciso construir uma perspectivaextra parlamentar que direcionecomitês deliberativos e julgue todarepressão sofrida pelos manifestantesnesses três meses. Assim como se faznecessária à criação de assembleiaspopulares que condene as açõesfascistas, bem como, seus gruposorganizados e dirija consciente ofuturo político e econômico do país,ocupando as fábricas e centralizandoo poder político na mão da classetrabalhadora.

Frente ao capitalismo quesubjuga a humanidade à sua vontadese transformando em sujeito cego eautomático guiando a história,reinventar a utopia é a questão maisurgente posta para a humanidadehoje. Quando os problemas setornam insupor táveis em todainstância da vida é necessário superara velha ideia de utopia para poderreinventá-la.

A história não nos deixar mentir,ela nos atesta que os projetos

utópicos fracassaram, mas comoindependente de nossa vontade elacontinua, é missão do revolucionáriose prestar a seu serviço, e antes quesejamos tragados pela história torna-se necessário domá-la, reinventandoa utopia: só o socialismo pode salvara Ucrânia da crise e elucidar umaalternativa contra a barbáriecapitalista.

Por isso, defendemos aconstrução de organizações operáriase populares independentes dogoverno e dos partidos de oposição,com comitês locais que impulsionema ocupação das fábricas e grandesempresas, que controlem as planilhasde custos das empresas e acabem coma inflação e a escassez.

Contra o golpe de Estado!Nenhuma confiança no governoprovisório!

Contra os grupos fascistas!

Contra a intervenção doimperialismo europeu na Ucrânia!

Contra a ingerência dos EUA!

Nem pró-Rússia, nem pró-União Europeia: todo poder à classetrabalhadora ucraniana!

Pela formação de conselhos ecomitês de base independentes, noslocais de trabalho e de moradia! Pelocontrole operário da produção e dospreços!

Por um poder socialista dostrabalhadores baseado em suasorganizações de luta!