concepção integrada de planos diretores municipais e plano de
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Concepção integrada de Planos Diretores Municipais e
Plano de Desenvolvimento Regional: o caso do baixo
Tocantins/PA.
Ana Claudia Duarte Cardoso1
Ana Elizabeth Reymão
Ana Paula Vidal Bastos
Antonio José de O. Castro
Cláudio Fabian Szlafsztein
José Júlio F. Lima
Márcia Cristina F. da Silva
Maria Izabel Tentes Côrtes2
Introdução Este artigo apresenta uma alternativa metodológica para o desenvolvimento de
planos diretores para cinco municípios do Baixo Tocantins – Baião, Mocajuba, Cametá,
Limoeiro do Ajuru e Igarapé-Miri - localizados à jusante da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
A região caracteriza-se por extensas áreas de várzea e ocorrência de arquipélagos que
limitam a atividade agrícola, e favorecem o extrativismo e a pesca. Com a construção da
hidrelétrica o controle do ciclo hidrológico resolveu o problema das enchentes, mas
ocasionou redução na quantidade e diversidade de peixes, gerando impactos sócio-
econômicos e no perfil nutricional da população. Todos os municípios apresentam fortes
contrastes entre a sede e as localidades rurais, e crescentes índices de migração do campo
para a cidade, sem a oferta de oportunidades compatíveis com tais fluxos.
A elaboração dos planos diretores inscreve-se nas iniciativas demandadas pelo Plano
de Desenvolvimento Sustentável a Jusante da UHE Tucuruí (PPDJUS) resultado de
mobilização de movimentos sociais, entidades de pesquisa da região e das prefeituras de
outros quatro municípios além dos já elencados: Oeiras do Pará, Abaetetuba, Moju e
1 Universidade Federal do Pará: [email protected] 2 Universidade Federal do Pará
Barcarena. Os representantes da sociedade civil envolvidos na elaboração do plano
constituem um conselho que conta ainda com a participação da Eletronorte.
A metodologia de trabalho foi concebida a partir da organização de três eixos: o
físico territorial (acessibilidade, uso e ocupação do território, aspectos naturais), o sócio-
econômico (cadeiras produtivas, redes sociais, ação do setor público e do setor privado) e o
sócio-ambiental (saneamento, saúde, nutrição), com o objetivo de gerar subsídios para a
elaboração de planos diretores municipais, de um plano de ação regional, e de promover a
capacitação de gestores e dos movimentos sociais locais, como condição necessária para a
redução da pobreza e retomada do crescimento econômico na região.
1. A complexidade na delimitação do rural e do urbano em cidades
amazônicas Os limites entre o rural e o urbano sempre foram objeto de discussão e a necessidade
de estabelecê-los com precisão parece ter sido um empreendimento que mais do que ajudar
na compreensão da produção social do espaço estabeleceu muitas vezes recortes arbitrários
para realidades dinâmicas e difíceis de serem delimitadas.
Na Amazônia esse empreendimento tende a ser mais difícil, haja vista a imbricação
da vida rural e urbana, seja nas pequenas e tradicionais cidades seja nas grandes e
modernas cidades da região.
Se seguirmos os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
que concebe as cidades (sedes municipais) e vilas (sedes distritais) como espaços que
alojam uma população urbana, poderemos, da mesma forma, associar a noção de vida
urbana como todo e qualquer conteúdo social que nesses limites (cidades e vilas) se
realiza, e, por exclusão, os demais espaços como definidores de uma vida rural. Com base
nessa concepção, os números de população nos indicariam também o perfil da vida urbana
na Amazônia, que corresponderia a cerca de 70% da população total.
Entender a vida urbana e rural na Amazônia a partir desses critérios poderia,
entretanto, nos induzir a graves problemas e equívocos relacionados à interpretação da
realidade regional. Superar essa questão, por outro lado, implica em fazer incursões
analíticas que dêem conta de compreender o espaço geográfico como um sistema de
objetos e de ações dialeticamente articulados (SANTOS, 1994), sendo, assim, a própria
sociedade territorialmente organizada.
Alguns estudos têm se preocupado com essa questão sem, todavia, necessariamente
superar critérios de ordem quantitativa. No âmbito nacional, tornou-se conhecido o estudo
de Veiga (2002), que questiona os dados oficiais, sugerindo a existência de "cidades
imaginárias" a partir deles, e levantando o argumento de que o Brasil e, por conseqüência,
a Amazônia, seriam menos urbanos do que se calcula. Da mesma forma, Hurtienne (2001),
discutindo a urbanização no âmbito regional, questiona a noção de "fronteira
urbana"(BECKER, 1990a; MACHADO, 1999) para determinadas realidades locais da
Amazônia e estabelece limites com base em cálculos populacionais para definir os
conteúdos rural e urbano, demonstrando, a partir desses limites, a improcedência de teses
que asseguram um grau de urbanização mais avançado para a região.
Em ambas as discussões parece estar ausente a interpretação de uma relação
intrínseca entre a sociedade e sua espacialidade, que nos permite compreender o espaço
geográfico como uma forma-conteúdo. Nesse sentido, podemos falar da existência de
formas espaciais, a exemplo de cidade e de campo, assim como de conteúdos sócio-
espaciais, a exemplo de rural e de urbano, que não necessariamente se associam, de
maneira respectiva e mecânica, às formas espaciais anteriormente mencionadas,
especialmente nos dias atuais, marcados pelos avanços e difusão da técnica, da ciência e da
informação (SANTOS, 1994). Para além disso, é preciso reconhecer a existência de uma
tecnosfera (sistemas de objetos mais ou menos artificializados) e de uma psicosfera urbana
(sistema de valores, de comportamentos, de relações de origem urbana) (SANTOS, 1994),
que dão sentido às formas-conteúdo espaciais.
Com base nessa proposição fala-se, então, de urbanização da sociedade
(LEFEBVRE, 1970), que se realiza para além da forma espacial cidade e se materializa,
igualmente, no campo. Trata-se de uma forma de urbanização que não se pauta em dados
de população (urbanização da população), como sugere o IBGE, mas que por meio de
expansão de objetos técnicos se difunde no território (urbanização do território), e
principalmente se insere como modo de vida e como prática cotidiana na sociedade
(urbanização da sociedade).
Nesse sentido, nos parece insuficiente tratar o conteúdo rural e urbano a partir de um
limite demográfico, por exemplo, aglomerados de 20.000 habitantes, para definir
realidades rurais (abaixo daquele limite) e urbanas (acima daquele limite), como sugere
Hurtienne (2002). Senão, o que dizer das cidades-empresa ou company towns, que, na
Amazônia, enquadram-se abaixo daquele limite, mas cuja psicosfera e modo de vida estão
muito mais próximos do mundo urbano?
Assim sendo, faz-se necessário pensar, por um lado, a difusão da cidade no território,
que muitas vezes, na Amazônia, até bem recentemente, guardavam pouco da vida urbana;
e, por outro lado, pensar a difusão da vida urbana nas formas espaciais, seja nas cidades,
seja para fora delas, adentrando, inclusive, no campo. Conforme sugere Oliveira (2000), na
Amazônia, o processo de urbanização não se dá necessariamente pela presença da cidade
na paisagem regional (urbanização do território), mas principalmente pela difusão da
sociedade urbana, que expande, igualmente, uma psicosfera urbana, contribuindo para
aquilo que Becker (1990) e Machado (1999) denominaram de expansão de uma "fronteira
urbana".
Nesse contexto, de expansão da fronteira urbana, reconhecem-se vários modelos de
urbanização que foram impostos e/ou que subsistem no contexto regional: o modelo de
urbanização espontânea (decorrentes das frentes de expansão agrícola, mineral etc.), o
modelo de urbanização dirigido pelo Estado ou pela iniciativa privada (relacionados a
projetos de colonização agrícolas que usaram como bases logísticas as agrovilas, as
agrópolis e as rurópolis), o modelo de urbanização dos grandes projetos (construção de
franjas urbanas modernas e planejadas - company towns - para atender aos interesses das
empresas), e o modelo de urbanização tradicional (cidades ribeirinhas, que subsistem e
mantêm fortes ligações com o rio e com a floresta) (BECKER, 1990b).
Para a realidade do Baixo Tocantins, uma sub-região tradicionalmente ribeirinha,
afetada apenas indiretamente pelas frentes de expansão econômica que tomaram corpo a
partir da década de 1960, nos parece marcante a presença do modelo de urbanização
tradicional, ainda que seja uma região situada entre dois grandes empreendimentos, a
Usina Hidrelétrica de Tucuruí (produção de energia elétrica) e o Complexo
Albrás/Alunorte (produção de alumina e alumínio).
Dentre as principais características dos municípios situados à jusante da Usina
Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, destaca-se a natureza ribeirinha da população
local, traduzida, igualmente, para o plano de sua organização espacial - herança de uma
forma dendrítica de rede urbana (CORRÊA, 1987) -, a despeito de outras formas de
circulação que mais recentemente passam a articular essas realidades locais ao restante da
região.
Diferentemente dos municípios situados à montante da mesma hidrelétrica, na sua
maioria recentemente emancipados e com forte influência da dinâmica das rodovias e da
mobilidade da força de trabalho recém-chegada à região amazônica, os núcleos urbanos -
cidades e vilas - situados à jusante, apresentam uma forte presença de populações
tradicionais e de origem local que traduzem uma forte relação com o rio, não simplesmente
por estarem localizados às margens deste, mas principalmente por apresentarem uma
interação funcional (a exemplo da circulação fluvial), de subsistência material (fonte de
recursos alimentares) e simbólica (imaginário sócio-cultural) (TRINDADE JR., 2003).
A importância das cidades e a compreensão da estrutura interna das mesmas face à
essa preocupação faz-se necessária, dado ao papel que as mesmas desenvolveram ao longo
do processo de produção do espaço local e regional e dada à relevância que assumem nas
propostas de desenvolvimento. Como "nós" espaciais, difusores e articuladores da
dinâmica social e econômica, acabam por assumir um papel fundamental no ordenamento
do território.
Por essas condições, mesmo que se faça presente o domínio de uma psicosfera
urbana, não há como desconsiderar as fortes ligações com a vida ribeirinha tradicional, que
resguardam uma certa peculiaridade a esses espaços no contexto da Amazônia Oriental,
fortemente reestruturada pelas frentes de expansão econômica.
Nesse sentido, pensar o desenvolvimento sócio-espacial para esses municípios,
implica, considerar essa contextualização, bem como refletir sobre a configuração
territorial local como resultado de processos globais e regionais que tiveram rebatimentos
locais. Para além disso, implica levar em conta também especificidades da Amazônia
ribeirinha que sobrevive, resiste e se redefine face às transformações ocorridas na região
nas últimas décadas.
2. Problematização inicial: a construção do pacto territorial no
Baixo Tocantins e planos diretores participativos A cultura dos movimentos sociais atuantes nos cinco municípios, não está se mostra
preparada para lidar com as possibilidades colocadas pelos novos instrumentos
urbanísticos agendados pelo Estatuto da Cidade (Brasil, 2001). Experiências anteriores
permitem perceber que não há introjeção de tais instrumentos nas agendas de atuação das
organizações governamentais e não governamentais locais (LIMA, 2000; CARDOSO,
2004). Mesmo porque a pujança dos problemas regionais tem orientado, até recentemente,
a investigação de grupos de pesquisa e de desenvolvimento para questões regionais mais
amplas, subjugando o urbano a uma noção abstrata e não materializada. Em outros planos,
federal e estadual, as políticas públicas (de geração de energia, de provisão de infra-
estrutura, de desenvolvimento econômico) têm sido pensadas e implementadas na
Amazônia desconsiderando os seus impactos nos municípios, e especialmente nos núcleos
urbanos. Perpetua-se a fragmentação e desarticulação do território; em que pese o pequeno
porte das vilas e cidades e a grande ambigüidade na fronteira destas com o meio rural,
observa-se uma diversidade de tipologias de aglomerações (aldeia indígena, vila, agrovila,
sede municipal) que se articulam em “micro redes urbanas” desequilibradas pelas
dificuldades de acessibilidade e pela concentração de serviços nas sedes municipais, e pela
disputa da terra, que refletem os impactos da ação dos outros planos de gestão.
Quando se trabalha com a escala regional na situação atual da região do Baixo
Tocantins, despontam de imediato duas questões centrais: i) a relação entre o PPDJUS
(Plano Popular de Desenvolvimento Sustentável da região à Jusante da UHE Tucuruí) e a
institucionalização de um novo pacto territorial; e ii) o Plano Diretor e a regulação de
conflitos de interesses no espaço.
Em relação ao primeiro ponto, deve-se lembrar que a demanda pela elaboração de
Planos Diretores para os cinco municípios se deu no âmbito do Conselho Gestor do
PPDJUS. A construção do PPDJUS tenciona estabelecer um novo campo de interlocução
social e político - ou seja, um novo arranjo político - na região do Baixo Tocantins definiu-
se pela formação de um Conselho Gestor composto por representantes dos movimentos
sociais, da Associação dos Municípios do Baixo Tocantins (AMBAT) e Consórcio de
Desenvolvimento Sócio-Econômico Intermunicipal (CODESEI), que funcionaria como a
instância deliberativa maior no âmbito do PPDJUS. Além disso, a intenção de elaborar
conjuntamente e simultaneamente os Planos Diretores dos cinco municípios não se trata de
mera casualidade ou de economia de custos. A demanda insere-se na discussão maior de
destinação de recursos provenientes de Eletronorte a serem colocados a disposição das
populações para mitigação de efeitos negativos da barragem nos municípios a jusante.
Acredita-se que a elaboração de Planos Diretores em municípios que integram uma
microrregião, aglomeração urbana ou região metropolitana pode contribuir para a
construção de uma agenda metropolitana ou microrregional. Além disto, os municípios
podem elaborar em conjunto uma caracterização da região, discutir problemas e
potencialidades comuns, e muitas vezes, até mesmo compartilhando etapas e produtos
durante a elaboração dos Planos Diretores, como a contratação de levantamento
aerofotogramétrico ou compra de equipamentos e softwares de informática (MINISTÉRIO
DAS CIDADES, 2004). O que está ocorrendo na região do Baixo Tocantins há uma
diferença fundamental: o Plano de Desenvolvimento Regional (no caso, o PPDJUS), ao
invés de ser uma resultante dos Planos Diretores, de fato o precedeu. Para se ter uma
dimensão mais precisa disso, é necessário reconstituir brevemente as peculiaridades
específicas do contexto histórico e político da região do Baixo Tocantins. A construção e
implementação do PPDJUS ocorrem em um contexto em que se tenta estabelecer uma
nova institucionalidade política na relação da Eletronorte com a região (CONCEIÇÃO,
2002). Até então, o paradigma da relação da empresa com a região impactada pela
construção da UHE Turucuí (especialmente no caso da região a montante da UHE) se
processavam mediante “negociações de balcão” com as chamadas elites dominantes locais.
Tais elites se faziam representar principalmente por meio dos prefeitos da região e
políticos tradicionais. Os chamados programas de “inserção regional” (denominação
utilizada pelas empresas do setor elétrico para as ações compensatórias de cunho social e
ambiental nas regiões impactadas por usinas hidrelétricas) em geral privilegiavam relações
com segmentos das elites dominantes locais.
No caso da região do Baixo Tocantins, pode-se perceber pelo menos duas questões
originais: i) pela primeira vez, uma empresa do setor elétrico reconhece impactos sociais
em uma região a jusante de uma UHE; e ii) o protagonismo dos movimentos sociais na
iniciativa de construção de um plano de desenvolvimento regional, fato raro dado que
iniciativas desse tipo em geral são protagonizadas por lideres e/ou entidades empresariais
ou governantes locais.
A elaboração de planos diretores nos cinco municípios, a cargo de um convênio entre
a Eletronorte, Universidade Federal do Pará e as cinco Prefeituras representa uma
iniciativa sem precedentes na Região Amazônica. Apesar do instrumento Plano Diretor ter
se tornado atualmente obrigatório pela Constituição Federal, ainda não foi plenamente
incorporado pelos municípios na região. Segundo o IBGE em seu censo de gestão
municipal, no Baixo Tocantins, somente os instrumentos de planejamento municipal
obrigatórios para o funcionamento da gestão local são encontrados nas administrações
locais. Outros instrumentos de gestão urbanística, entre os quais se encontra o plano
diretor, leis de zoneamento e códigos ambientais, que também fazem parte do escopo do
convênio, inexistem nas administrações.
A elaboração dos planos diretores para no Baixo Tocantins envolve especificidades
que exigem, além de recursos técnicos e financeiros, uma mobilização ampla das
comunidades envolvidas em um vasto território para fazer frente tanto às especificidades
territoriais e políticas, para as quais concorrem as já discutidas dificuldades conceituais
decorrentes da necessidade de avanços no entendimento da interface urbana e rural
presente na Amazônia, quanto operacionais devido às limitações gerenciais impostas pela
falta de capacitação dos atores locais para lidar com os problemas a serem enfrentados por
ocasião da elaboração dos planos diretores. Os planos diretores municipais inserem-se em
programa maior de ações por parte da Universidade visando implementar no Baixo
Tocantins um processo contínuo de pesquisa, ensino e extensão.
Assim sendo, pode-se ler a constituição do PPDJUS como uma tentativa de
estabelecer um novo pacto territorial na região do Baixo Tocantins, ainda que limitado,
pois nem todos os investimentos da Eletronorte voltados a mitigação de efeitos negativos
são discutidos no âmbito de deliberação do PPDJUS.
O Plano Diretor Municipal participativo, enquanto expressão do pacto firmado entre
a sociedade e os poderes Executivos e Legislativos, pressupõe que todos os cidadãos estão
habilitados a participar do planejamento de sua cidade e, assim, podem intervir na
realidade de seu município na perspectiva da construção de cidades melhores e mais justas,
em síntese: o Plano Diretor é construção coletiva e atividade de participação
(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). Desta maneira, verifica-se que a participação se
constitui central no âmbito da proposta de elaboração do referido Plano.
Analisando alguns autores, constata-se que a idéia de participação pressupõe a
concepção de homem como sujeito de sua história e recusa de qualquer tipo de solução
“empacotada” ou pré-fabricada. Segundo Brandão (1984), a participação não significa
apenas estar presente, mas criar com o poder da presença o direito à intervenção daqueles a
quem a lógica do arbítrio destina lugares à margem da vida e da cultura da sociedade. Isto
significa dizer que a participação implica em tomar parte nos processos dinâmicos que
constituem a sociedade, ou seja, tomar parte da história da mesma. Em consequência, a
participação não pode ser medida em termos de integração ou não em uma associação, ou
de desempenho ativo ou passivo nela, mais sim em termos de intensidade e qualidade da
participação na produção, gestão e usufruto de bens e serviços da sociedade como um todo.
Sendo assim, o conceito de participação distancia-se da dimensão do mero associativismo
imediatista, em geral sem consequência sobre o coletivo: a participação não representa um
fenômeno isolado e incidental, assim, a maior ou menor oportunidade de participação é
determinada pelo tipo de relações que vigoram na sociedade. Dito de outra maneira, a
participação se dá mediante mecanismos que variam em cada sociedade e em cada
momento histórico, os quais funcionam como oportunidades conquistadas pela ou
outorgadas à população em função do processo participativo (AMMANN, 1977). O voto, o
plebiscito, a representação política e de organização social/sindical, têm se constituído em
alguns mecanismos de participação mais frequentes nas sociedades atuais, e em particular
a brasileira.
Se o processo participativo se opera sob determinadas condições históricas de cada
sociedade, é pertinente se perguntar qual é a metodologia de participação popular proposta
para a elaboração dos Planos diretores no contexto do PDJUS? Responder esta questão
implica inicialmente discorrer ainda que breve sobre as particularidades das condições
históricas da população que vive nos municípios a jusante da Hidroelétrica de Tucuruí.
Conforme já referido a situação peculiar da região em meio a grandes projetos em meio a
sua natureza ribeirinha da população local. No plano político, verifica-se a predominância
da relação clientelista e paternalista estabelecida entre o governo local e a sociedade civil.
Essas condições de vida na qual esta submetida a maioria da população moradora nos
municípios a jusante da UHE remetem à necessidade de encorajar uma metodologia
participativa para a elaboração do PPDJUS que garanta a capacidade de articulação da
sociedade local e regional através da ampla participação social, que se estabeleça juntos
aos segmentos sociais, institucionais e o poder governamental local.
Assim, a proposta metodológica tem como ponto de partida a elaboração de um
diagnóstico social, baseado na participação popular como forma de valorização do saber
popular que vive o seu cotidiano. Os conhecimentos obtidos através do saber popular são
ampliados com os obtidos na interlocução entre a equipe da UFPA e os técnicos das
prefeituras que são executores das políticas sociais. Esse diagnóstico social indicará as
estratégias de ação que responderão as demandas apresentadas pela população local na
perspectiva do desenvolvimento regional, como exemplo, a implantação de determinados
equipamentos sociais, tais como hospitais, áreas de lazer, centros culturais, estradas,
atividades turísticas, etc. A proposta baseia-se ainda na identificação do poder municipal
local e as forças sociais locais tais como a AMBAT, o CODESEI e o próprio CONJUS e
determinadas organizações (Associação de Trabalhadores, Organizações Não-
governamentais Sociais, Conselhos Comunitários) e sindicais (Sindicato de Trabalhadores
Rurais e Colônia dos Pescadores). Pretende-se estimular os canais de controle social e
político nos municípios de forma a garantir a execução de políticas sociais não
fragmentadas, assim como contribuir para alterar as relações entre o Estado e a Sociedade,
na perspectiva da construção da cidadania e, em conseqüência, melhorar as formas de
gestão do poder local.
2. A metodologia de construção dos Planos Diretores Municipais na
região do Baixo Tocantins A metodologia a ser desenvolvida para a elaboração dos planos diretores no primeiro
ano de realização do convênio inclui estudos, levantamentos, análises, discussão de
propostas e diretrizes com a população participante mediante uma agenda a ser
desenvolvida, culminando em produtos intermediários, produtos finais visando à
aprovação dos instrumentos legais após a entrega dos produtos finais a Eletronorte. Para
fins de entendimento das operações necessárias a elaboração dos planos diretores e
legislação complementar de gestão urbanística. Serão submetidos produtos intermediários
e produtos finais na conclusão de cada etapa de trabalho ou atividade, executadas a partir
de indicações da Eletronorte e do Conselho Gestor do PPDJUS à região, seguindo a
metodologia de planejamento participativo a ser detalhada no projeto e regulamentados
pela legislação (Estatuto da Cidade, de 10/07/2001). Desse modo, o conjunto dos Planos
Diretores Urbanos, dos cinco municípios da região do entorno da área impactada a jusante
pela UHE Tucuruí, serão a soma de produtos intermediários, compostos por relatórios
parciais de diagnostico, propostas de políticas e minutas de projeto de lei do plano,
zoneamento, regulamentação edilícia e ambiental, estes últimos como produtos finais, o
que aproxima a realização dos Planos Diretores a atividades como a definição da Agenda
21 municipal para cada partícipe do convênio.
As premissas adotadas por ocasião da elaboração diagnóstico orientam o tratamento
da realidade por eixo de trabalho, a saber:
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Conceito de justiça social assumindo como prioritária a distribuição igualitária dos
benefícios entre os membros da sociedade, outras enfatizam a necessidade de
reconhecimento de diferenças entre os membros da sociedade, reconhecendo diferenças
entre os membros da sociedade.
Sustentabilidade ambiental, buscando equilíbrio entre a organização espacial
regional e os impactos decorrentes da instalação da UHE Tucurui, sem que haja
determinismo no trato dos mesmos.
Desenvolvimento econômico, observando a articulação entre cadeias produtivas
locais e estratégias governamentais de desenvolvimento estadual e regional.
Ampliação de oportunidades individuais, pelo reconhecimento de que o espaço
pode contribuir ou limitar o acesso dos indivíduos à cidade, e entendimento de que o
acesso a terra, aos serviços e infra-estrutura urbanos como meios para o desenvolvimento
humano.
• Participação popular para reforçar a responsabilidade social de todos os atores
envolvidos no processo de planejamento e gestão dos municípios e microrregião
articulando a elaboração dos planos diretores com a formação do CONJUS.
Além do comprometimento teórico existe o desafio de se trabalhar os paradigmas a
partir dos instrumentos de gestão definidos normalmente provenientes de um plano diretor
– lei de uso e ocupação do solo, lei de perímetro urbano, lei de edificações, código
ambiental e posturas. A articulação entre os sistemas urbanos a serem analisados e os
instrumentos de gestão citados procura incorporar aspectos da realidade ambiental,
cultural, sócio-econômica manifestos e os padrões de ocupação do solo. O trabalho
demanda ainda uma avaliação da adequação do sistema de gestão municipal e das políticas
públicas oriundas dos vários âmbitos de governo para as condições locais.
O quadro a seguir traz elementos que foram inicialmente tomados para o
planejamento de ações visando a elaboração dos planos diretores e da legislação de gestão
urbanística. Embora sejam comumente utilizadas para o planejamento de ações em outras
regiões brasileiras, a variável população, área e distância à capital (Belém), apresentam
limitações para o cálculo do montante de recursos necessários para o trabalho, bem como
não são capazes de revelar dificuldades operacionais encontradas na região.
Tabela 1. População urbana e rural, área e distância a Belém de municípios
participantes do convenio, IBGE, 2000 População (hab) Município
Total Urbana Rural
Área (km2) Distância a Belém (km)
Baião 21119 10865 10254 3202,3 197 Cametá 97624 40417 57207 3122 141 Igarapé-Miri 52604 24983 27621 2009,7 77 Limoeiro do Ajuru 19564 3770 15794 1404,5 109 Mocajuba 20542 14561 5981 860,4 168 Fonte: Censo demográfico IBGE, 2000. Secretaria de Transportes do Governo do Estado do Pará, 2003.
Os municípios em questão apresentam um elevado grau de alteração dos
ecossistemas principalmente em função do desmatamento das florestas nativas, o que
acarreta em uma investigação no local do nível de disputas entre os atores locais. Tendo
como agravante a falta de uma presença efetiva do poder municipal para intermediar as
demandas locais frente às dificuldades técnicas e falta de capacitação.
A grande maioria das áreas urbanas destes municípios, diferentemente de outras
regiões do País é também a sede e, freqüentemente, a única urbanização do município. A
publicação do Ministério das Cidades (2004) sugere que “ não faz sentido reproduzir, para
a estrutura social de uma pequena cidade, os complexos instrumentos de mobilização
presentes nas grandes metrópoles, com a sua multiplicidade de arenas representativas e
mecanismos de participação” (pág. 70). Como já exposto, nestes pequenos municípios,
existe uma complexa participação de atores, muito diferente ao existente em outras regiões
do País, onde há uma profunda atuação do INCRA, Eletronorte, Ibama, além de uma alta
dependência dos recursos e programas dos governos estaduais e federais.
Porém, em que pesem as dinâmicas regionais de alteração do quadro institucional
ligado a criação de novos municípios e interferências de agentes externos, merecem
destaque as já em curso visando a obtenção de dados e cartografia capaz de cobrir o
território municipal, as sedes e demais localidades urbanas e periurbanas. Segundo a
mesma publicação do Ministério da Cidade, é citado que “Hoje, é possível ter um cadastro
informatizado para um pequeno ou médio município a custo relativamente baixo e
utilizando os dados do IBGE por sector censitário” (idem, pág. 72). Vale lembrar, que as
informações por setor censitário correspondem a áreas definidas pelo IBGE, em função do
agrupamento de domicílios e somente considerando a necessidade de não ultrapassar
limites municipais ou distritais pré-estabelecidos, mas sem considerar características
urbanas, morfológicas, ambientais, culturais, econômicas, pelo que dificulta sua utilização
posterior na análise das problemáticas municipais.
Segue ainda que “é possível atender uma planta físico-territorial com informação
socioeconômica sobre as famílias moradoras e as atividades instaladas....” (ibid.). Cabe
lembrar a dificuldade existente em função da carência de estas plantas físico-territoriais na
escala de detalhe (1:10.000 ou maior). O referido guia diz que “para uma pequena cidade,
o levantamento em campo apenas com equipe de topografia para atualização de planta
também não é muito custoso. Na falta de opção melhor, pode-se tomar como base as
plantas dos serviços de abastecimento de água ou da rede elétrica” (ibid.). Isto novamente
demonstra as dificuldades regionais. Poucos municípios amazônicos regiões têm mapa
plani-altimétrico e quando existente a melhor escala é 1:100.000. As cidades não contam
com mapa topográfico o qual não poderá, em conseqüência, ser atualizado a baixo custo.
Também, poucas cidades de pequeno porte na Amazônia contam com rede de
abastecimento de água ou energia elétrica, sendo menores ainda aquelas que dispõem de
alguma cartografia a respeito.
Mesmo considerando que os municípios são pequenos em relação a população total;
Baião, 21.119 habitantes segundo o censo 2000 do IBGE; as áreas territoriais são enormes
(3758 km2), uma situação não muito comum noutras regiões do País. Como exemplo, um
município com uma população igual ou um pouco maior que Baião, Barrinha no estado de
São Paulo, 24207 pessoas moram num município de pouco mais de 145 km2,
aproximadamente 25 vezes menor que Baião. Neste sentido, para estabelecer as diretrizes
mínimas exigidas, entre as que se destacam a identificação de áreas de risco, reservas de
espaços de preservação ambiental, reserva de terrenos para moradia digna para população
de baixa renda, é necessário o mapeamento através de técnicas de sensoriamento remoto e
trabalhos de campo em grandes áreas. Esta metodologia de trabalho implica entre outras
coisas, a aquisição de imagens de satélite na escala regional. Perante a carência de
informações atualizadas e precisas, os trabalhos de campo terão que ser feitos em
determinados períodos do ano (condições climáticas), utilizando em estradas muitas vezes
intrafegáveis, ainda com veículos especializados, e percorrendo distâncias muito longas.
Quanto aos dados necessários para uma leitura dos municípios, fazem-se necessárias
pesquisas sócio-econômicas de cunho quantitativo e qualitativo, destacando-se a
necessidade de aprofundamento da pesquisa qualitativa através de uma série de entrevistas
com os principais atores sociais e políticos da região. Tal pesquisa é considerada como
requisito prévio para realizar um mapeamento dos atores sociais e políticos da região
(ALMEIDA, 1995). Dessa forma, a pesquisa qualitativa deverá dar destaque especial ao
mapeamento das bases institucionais e organizativas das sociedades locais, conformando
um mapa temático dos conflitos sociais na região e os alvos das disputas e os segmentos e
atores sociais e políticos envolvidos.
Como há limite temporal para pesquisas mais profundas sobre a conformação das
redes sociais que permeiam as atividades econômicas, o principal objetivo da pesquisa
sócio-econômica na escala local no Baixo Tocantins é justamente um mapeamento
preliminar de algumas características de maior evidência empírica e objetiva, varrendo
desde os perfis de população, e padrões de ocupação do território, até a base institucional e
organizativa das principais atividades da economia regional. Com base nisso, pode-se
realizar um mapeamento das principais aglomerações produtivas locais e sugerir algumas
políticas públicas de estímulo à evolução dessas aglomerações produtivas. Razão pela qual
a pesquisa quantitativa deverá dar conta de questões relacionadas ao Estudo da
estruturação do espaço municipal, incluindo identificação de áreas urbanas, de expansão
urbana, propriedade da terra, áreas de produção e natureza da produção e a identificação do
uso do solo strictu sensu, considerada básica para a problematização sócio-espacial e
participação de agentes sociais envolvidos.
Ainda não existe um relatório de impacto social e ambiental para a região, todas as
considerações apresentadas são provenientes da percepção da população local e dos
pesquisadores. Devido a inexistência de exigência legal na época de elaboração do projeto,
somente agora, vinte anos após o início das operações da hidrelétrica, a Eletronorte elabora
um estudo de impacto a jusante. Informações provenientes da percepção da população são
mais freqüentes que mensurações objetivas, com as narrativas condicionadas pelo tempo e
a forma da mediação de conflitos com a empresa e a vivência das transformações pela
população. As transformações são observáveis em intervalos de tempo variáveis. Alguns
dos impactos foram mais imediatos, outros podem ainda não ter se manifestado. A
distância da hidrelétrica amortiza possíveis impactos ambientais – as porções média e
baixa da bacia do Rio Tocantins, distam até 400 km da hidroelétrica. Impactos são mais
intensos nas áreas mais próximas à barragem, entretanto a magnitude da intervenção é
tamanha que permeia a bacia por inteiro.
O represamento cria uma alteração no sistema hidrológico, que acarreta modificações
nas taxas de erosão e sedimentação, na competência (tamanho máximo de grãos de
sedimentos transportável pelo rio) e capacidade (quantidade de sedimento) do rio, alteração
da composição da água, devido à submersão da floresta para formação do lago, mudança
na paisagem, as condições de navegabilidade. Os impactos abióticos somam-se a uma
diminuição do número, tipo e tamanho do peixe, acarretando importantes impactos na
sócio economia da região.
Em uma primeira aproximação a estrutura preliminar para a produção de um
diagnóstico por município deverá conter:
•
•
•
•
Contextualização do município com a identificação da(s) dinâmica(s) de inserção
regional em todos os aspectos a serem tratados pelas diversas equipes.
Identificação da ação do Poder Público Federal, Estadual e Municipal no
município, através do exame da evolução de investimentos, programas e projetos por
âmbito de governo e aprofundamento sobre a estrutura governamental da prefeitura.
Identificação e análise dos problemas por setores públicos (políticas de saúde,
educação, assistência, saneamento, habitação, agricultura, transporte, etc.) segundo a
orientação de cada equipe.
Caracterização da estruturação espacial urbana e municipal com a identificação de
áreas urbanas, de expansão urbana, propriedade da terra, áreas de produção e natureza da
produção.
• Análise da dinâmica sócio-espacial do município (incluindo questões ambientais,
fundiárias, produtivas) e caracterização das estratégias de agentes sociais envolvidos
(como contraponto a identificação dos problemas tratados de forma setorial)
• Pesquisa quantitativa e qualitativa deverá servir para coletar informações que
completem os estudos e forneçam detalhamento das informações disponíveis por setor
censitário visando a elaboração de propostas no plano. Além destes itens há a necessidade
de que todas as análises sejam referenciadas espacialmente, para tal as listagens a seguir
servem com indicação do que precisamos produzir em conjunto.
2.1. Eixo físico-territorial A intenção de associar através da analise físico territorial as escalas regional e urbana
e buscar a proposição de mecanismos de gestão que viabilizem tratamento adequado para a
hierarquia de assentamentos existentes nos municípios (distrito sede, distritos urbanos,
vilas, assentamentos).
O quadro a seguir indica os componentes dos principais sistemas a serem
investigados na fase de diagnóstico dentro do eixo físico-territorial nos cinco municípios a
serem investigados. Entendem-se como variáveis de análise o conjunto formado por
informações que serão capazes de identificar cada um dos sistemas. A partir dos
indicadores de desempenho propostos serão articuladas as abordagens dos demais eixos
metodológicos da proposta de trabalho.
Quadro 1: Estrutura metodológica do eixo físico territorial Sistemas urbanos Variáveis de análise Indicador de
desempenho Transporte urbano Vias e terminais
Linhas de ônibus (capacidade) Demanda provável
Tipos de uso do solo Usos identificados no lote Propriedade da terra Disponibilidade de infra-estrutura Valor do solo
Aspectos fundiários Titulação Polígonos de propriedade Instrumentos de posse
Tipologia edilícia Identificação e localização no lote Material de construção Relação com espaço público Idade das edificações (evolução da ocupação) Valorização da edificação
Unidade administrativa / setor censitário
Hierarquia de bairros, distritos, assentamentos, vilas identificada por setor censitário
Centralidade Capacidade de indução do uso do solo Segregação Desigualdade urbana Conflitos fundiários
Sistema viário Hierarquia Tipo de pavimentação Conservação
Centralidade urbana
Sistema de drenagem Tipo Capacidade Lançamento em corpo de água
Abastecimento de água Sistema isolado Rede/capacidade
Esgotamento sanitário Tipo de solução Condições do solo
Saneamento ambiental e saúde pública
Energia elétrica Fornecimento e iluminação pública Rede primária, alta tensão e subestação
Serviço de telefonia fixa, móvel e rede lógica
Rede Capacidade atendida Atendimento atual Cobertura
Educação Localização de equipamentos Capacidade do espaço físico Matrícula por série / turno Repetência / evasão População em idade escolar Analfabetismo
Grau de atendimento e potencial de desenvolvimento e econômico
Saúde Tipo / condição Local dos equipamentos Atendimento atual Capacidade Demanda
Segurança, lazer, cultura, abastecimento alimentar, assistência social e cemitérios
Local e tipo de equipamento e caracterização
Limpeza pública Área coberta por coleta Equipamentos existentes Destinação final:
Grau de atendimento Interfaces entre o serviço e a questão social envolvida
2.2. Eixo sócio-econômico As especificidades das aglomerações urbanas na Amazônia, descritas mais acima
neste artigo, bem como do processo participativo que culminou na elaboração do texto que
contempla as demandas dos movimentos sociais dos municípios a jusante da UHE de
Tucuruí (Plano Popular de Desenvolvimento Sustentável da Região de Tucuruí - PPDJUS)
se apresenta como uma oportunidade de pesquisa sem paralelo. A presença dos
pesquisadores nos momentos de discussão do plano de desenvolvimento e na da elaboração
dos planos diretores municipais (Estatuto da Cidade, lei 10.257/01) se revelou em um
laboratório sócio-espacial que se vai consolidando e permitindo aos pesquisadores o
desenvolvimento de estratégias de pesquisa em permanente mutação. Ao assimilar o
conhecimento tácito dos integrantes dos movimentos sociais locais incorporando-o na sua
pauta de análise, as equipes multidisciplinares desafiam as suas modalidades de pesquisa
quando articulam os planos diretores dos Municípios com as diretrizes econômicas e
sociais do Plano de Desenvolvimento Regional (ou seja, o PPDJUS).
O objetivo geral do trabalho do eixo sócio-econômico, pautado na articulação acima
mencionada, é caracterizar a situação sócio-econômica dos municípios (observados numa
perspectiva local e regional) em estudo e de sua população.
Na primeira etapa, desenvolver-se-á esforços no sentido efetuar uma análise das
finanças públicas dos municípios; da gestão técnico-administrativa de políticas públicas e
políticas sociais nos campos da educação, da seguridade social (previdência e assistência
social) e da segurança pública; bem como caracterizar as principais atividades econômicas
de cada município, além de traçar o perfil sócio-econômico da população.
As diversas etapas do diagnóstico permitem, através de utilização dos indicadores
sócio-econômicos desenvolvidos pelo IBGE e pela etapa subseqüente de entrevistas e
visitas aos locais, a caracterização da situação sócio-econômica da população.
A análise das finanças públicas dos municípios, buscando a construção de
indicadores de avaliação da situação financeira de cada um deles, está sendo efetuada a
partir de dados dos respectivos balanços orçamentários e dos termos de confissão da dívida
pública consolidada. A análise da gestão técnico-administrativa de políticas públicas está
centrada na caracterização das estruturas administrativas municipais, considerando-se o
processo de descentralização das ações do poder público via transferência sistemática de
competências e atribuições da esfera central para a municipal, fenômeno que pode ser
considerado relativamente recente no cenário nacional, acentuando-se visivelmente a partir
da década de oitenta.
Complementar ao diagnóstico da gestão técnico-administrativa é igualmente
importante, tem sido centrado no levantamento de informações acerca das políticas sociais
nos campos da educação, da seguridade social (previdência e assistência social) e da
segurança pública. A pesquisa participada serve como base ao desenvolvimento de
proposições acerca do planejamento e gestão locais.
O item que complementa a etapa de diagnóstico dos trabalhos é a caracterização e
localização das principais atividades econômicas dos municípios (efetivas e potenciais),
permitindo-se obter uma fotografia estática do município e da região do Baixo Tocantins.
Na pauta, dadas as características rurais destes municípios, está a identificação e a
elaboração de propostas para o desenvolvimento e fomento de arranjos produtivos locais,
sempre segundo as diretrizes traçadas pelo PPDJUS: agricultura familiar (arroz, feijão,
mandioca, cacau, pimenta-do-reino, etc); pesca artesanal e piscicultura; extrativismo
(madeira, palmito, açaí, etc); turismo (cultura popular, patrimônio cultural, artesanato, etc);
economia popular (associações, cooperativas, atividades informais, etc).
Na etapa seguinte do trabalho, o prognóstico, o desafio que se coloca é propor
estratégias para a gestão e para o planejamento municipal, para o desenvolvimento e
fomento de arranjos produtivos locais diagnosticados, para as políticas públicas de
educação, de seguridade social e de segurança pública. Articulado com o trabalho das
demais eixos e seguindo a metodologia geral do trabalho de espacialização, serão
elaborados mapas temáticos das aglomerações produtivas e dos equipamentos sociais
(escolas, creches, centros comunitários, delegacias, etc).
Na etapa final, a de implementação dos planos diretores municipais, serão realizadas
oficinas dirigidas à capacitação de técnicos e gestores locais, além da implantação de um
laboratório de avaliação de políticas públicas, destacando as que estimulem o
desenvolvimento local e regional.
As pesquisas sócio-econômicas se constroem em espirais de aprofundamento na
coleta de dados, reuniões participativas como os agentes locais, coleta de dados
secundários de diversas fontes, entrevistas coletivas e/ou individuais, dirigidas, com os
representantes da sociedade civil organizada, poder público, organizações não-
governamentais, etc, entrevistas individuais por amostragem com a população local e
observação participada.
As pesquisas de caráter qualitativo estão pautadas em entrevistas em profundidade
com os principais atores sociais e políticos da região e visam, por parte dos pesquisadores,
constituírem-se em um mapeamento dos atores sociais e políticos da região. Sugestões
acerca do roteiro das entrevistas, podem-se retirar deste trecho do guia do Plano Diretor
Participativo: “(...) o processo de elaborar o Plano pode ser resumido em organizar a
comunidade local para responder três perguntas-chave: Que município temos? Que
município desejamos? Que acordo podemos firmar para alcançar essa situação desejada?”
(Ministério das Cidades, 2004, p. 71).
2.3. Eixo sócio-ambiental O objetivo geral do trabalho do eixo sócio-ambiental visa diagnosticar serviços e
definição de produtos intermediários e finais necessários ao projeto de lei dos planos
diretores urbanos. As atividades deste eixo estão divididas em duas grandes áreas de
atuação: Na primeira etapa, o eixo “sócio-ambiental” desenvolverá estratégias de
identificação e avaliação do grau de atendimento dos programas existentes (disponibilidade
de equipamentos, de programas e recursos versus demandas da população) assim como de
identificação de estratégias alternativas aos programas oficiais. Isto se dará através de duas
ações: um diagnóstico dos principais problemas relacionados ao atendimento de saúde da
comunidade no que diz respeito à infra-estrutura hospitalar de equipamentos e recursos
humanos. O procedimento metodológico constará da aplicação de um questionário
referente à disponibilidade de recursos materiais e humanos. Serão utilizados de maneira
integrada os produtos da análise físico-territorial no que se refere a avaliação do espaço
físico das instituições de saúde para que possamos orientar na ordenação de construções de
unidades de saúde dentro dos padrões estabelecidos pela OMS. Simultaneamente a essa
ação, será realizado um levantamento do perfil nutricional das populações-alvo
caracterizando o VET (ingestão calórica) dos alimentos consumidos pelas populações dos
municípios que serão alvo do atendimento. Os agentes de saúde pertencentes aos
respectivos municípios como integrantes das equipes que farão o levantamento nutricional.
O produto deste trabalho será uma caracterização do perfil alimentar da população dos
municípios-alvo que futuramente permitirá o estabelecimento de índices de desnutrição,
bem como estabelecer estratégias de combate e prevenção às carências nutricionais.
A segunda etapa refere-se ao estabelecimento de propostas de políticas de meio
ambiente no que se refere à proteção, conservação e requalificação ambiental vinculando o
impacto ambiental da UHE Tucuruí. No que se refere ao levantamento de impacto
ambiental nos restringiremos a abordar aspectos relacionados à contaminação da água e do
solo, que em conjunto com as análises voltadas ao perfil nutricional e o entendimento das
cadeias produtivas será possível articular a organização espacial com possíveis impactos da
UHE Tucuruí nos cinco municípios.
O trabalho de análise de água constará primeiramente do treinamento dos agentes
comunitários de saúde pela equipe técnica do projeto para a coleta de água em pontos
específicos dos municípios-alvo para diagnosticar a qualidade da água ingerida pela
população, a água coletada será enviada para análise laboratorial em Belém para análise
físico-química e microbiológica. Além da análise da água também será realizado um
levantamento de dados junto às prefeituras com o intuito de caracterizar o sistema de
abastecimento do município e os eventuais problemas relacionados a ele. O resultado deste
estudo levará a elaboração de propostas para a estruturação dos serviços relacionados á
água consumida nos municípios-alvo. Concomitantemente, será realizada uma análise do
tratamento dado ao esgotamento sanitário e ao lixo através de visitas aos municípios-alvo
com o intuito de diagnosticar o destino final dos resíduos sólidos, assim como distinguir
por meio da utilização de questionários os principais problemas relacionados a esta
questão. Será também realizado um levantamento de dados junto aos gestores locais para
caracterizar a infra-estrutura do esgotamento sanitário existente. O produto deste trabalho
constará na formulação de propostas para a formação do arcabouço dos serviços
relacionados ao tratamento dos resíduos sólidos dos municípios.
Considerações finais A problematização inicial dos cinco municípios incluídos no trabalho aqui descrito
mostra o quanto a defasagem e complexidade dos problemas principalmente no que diz
respeito à questão sócio ambiental justificam o emprego de tempo e recursos em outros
eixos de diagnostico alem dos comumente adotados na ocasião de elaboração de planos
diretores. Além disso, a rapidez do processo de ocupação urbana, as distâncias amazônicas
e a fragilidade da base econômica destes municípios nos leva a necessidade de relacionar
procedimentos metodológicos que possam detectar pontos críticos na qualificação do
sistema gestor de cada município e informação básica para a população a respeito de sua
participação pode efetivamente contribuir para melhoria da qualidade de vida.
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