complexidade narrativa na tv brasileira: uma...
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COMPLEXIDADE NARRATIVA NA TV BRASILEIRA: uma análise de
“Justiça” a partir dos conteúdos de opinião1
Juara Castro DA CONCEIÇÃO2
Rosana Maria BORGES3
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO.
RESUMO
O artigo aborda aspectos da ficção seriada na TV brasileira contemporânea, que vem se
estruturando a partir da produção de narrativas inovadoras e híbridas, que neste trabalho
são denominadas narrativas complexas. Em um primeiro momento, o texto fará
pontuações estruturais do que é uma minissérie e suas matrizes culturais. Em seguida,
discorreremos sobre as características de uma narrativa complexa e suas produções de
sentido. Por fim, analisaremos a complexidade narrativa da minissérie “Justiça” e
identificaremos a partir de textos opinativos – colunas e sites que discutem produções
audiovisuais - marcas do fluxo comunicacional das narrativas complexas com o público.
PALAVRAS-CHAVE: audiovisual; estética; ficção seriada; televisão.
Ficção Seriada e suas Matrizes Culturais
A ficção seriada brasileira é voltada sumariamente para a produção de
minisséries e telenovelas. Ambas compartilham as mesmas matrizes culturais – o
melodrama e o folhetim francês. Pallotinni (2012) elenca quais são as únicas diferenças
entre uma minissérie e uma telenovela: a extensão (número de capítulos), o fato de a
minissérie ser uma obra fechada, ou seja, é escrita e gravada completamente antes da
sua exibição, o oposto do que é uma telenovela, pois a mesma é escrita e gravada
concomitante à sua exibição, assim se configurando com uma obra aberta. E por fim o
número de tramas, que na telenovela é bastante plural e no caso da minissérie é restrito
a no máximo duas tramas.
Para compreender os “contares” híbridos das narrativas seriadas ficcionais é
preciso caminhar um pouco mais no passado deparando-se com uma matriz bem mais
1 Trabalho apresentado no DT 4 – Comunicação Audiovisual do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Centro-Oeste, realizado de 12 a 14 de junho de 2017.
2 Bolsista Capes, mestranda em Comunicação, Mídia e Cultura pela Universidade Federal de Goiás (UFG) email:
3 Doutora e Professora da Universidade Federal de Goiás na Faculdade de Comunicação e Informação, email:
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antiga: a fábula. A fertilidade das narrativas ficcionais produz frutos ao longo da
existência humana sendo na construção de identidades e representações ou até mesmo
funcionando como um modo de apreensão do mundo. O melodrama e o folhetim francês
têm origem no século XIX. Para estudar tais matrizes culturais, utilizaremos como base
Martín-Barbero (2015). Para o autor, é preciso considerar a telenovela4 em duas óticas:
uma de Walter Benjamin que nos traz a concepção do que é narração e outra de
Bakhtin, que pensa a narrativa como uma literatura dialógica.
Para entender Bakhtin (1996) é preciso considerar os dialogismos. O autor
apresenta em sua obra a dualidade da narrativa. Para ele, existe mundo extraoficial, mas
que ao mesmo tempo é legalizado. Esse mundo é baseado no prazer do corpo e no
princípio do riso. Este mundo escapa à oficialidade, ele é invertido. A todo o momento
acontecem trocas entre o “alto” e o “baixo”, onde o “alto” representa o racional e o
“baixo” o gozo. Ao assistirmos uma minissérie (ou telenovela) nos deparamos com a
existência desses “dois mundos”. Onde nossas subjetividades e racionalidades são
colocadas à prova através de experiências estéticas.
As narrativas seriadas ficcionais são formas de expressão popular que bebem na
fonte do realismo grotesco. Em síntese, boa parte das expressões populares compartilha
essa mesma fonte, como por exemplo, o carnaval e o folclore. O grotesco é uma
categoria estética de vertente clássica. “Nessa categoria ocorre a destruição da ordem
natural através do estranho, do irreal ou antinatural, mas tal relação sempre se dá a partir
do irreal criado com materiais reais” (SILVA, 2010, p. 97). Assim entendemos a relação
entre o real e o grotesco e seu trânsito estético, que permite o transbordamento de uma
categoria dentro da outra (o grotesco no realismo). O grotesco traz o rebaixamento de
valores, assim só existe a partir do real, que seria onde esses valores estariam em seus
devidos lugares e pedestais.
No realismo grotesco os princípios materiais e corporais comandam o
espetáculo. Estes princípios estão diretamente ligados ao caráter animalesco do homem
e são em síntese: beber, comer, defecar e fornicar. Nas expressões populares “abundam
gestos e expressões grosseiras, profanações, heresias e paródias” (MACHADO, 2011, p.
73). Assim entendemos o porquê das temáticas recorrentemente levantadas pelas
4 Entendemos que o objeto analisado neste trabalho é uma minissérie. Porém, como citado desde o início do artigo, a
minissérie e a telenovela compartilham as mesmas matrizes culturais que são responsáveis pelo conhecimento dos
gêneros como consumimos e conhecemos atualmente.
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telenovelas e minisséries. Amor, traição, prazer, casamento, homoafetividade e outras
pautas estão fincadas no caráter literário-dialógico do melodrama.
O melodrama é um gênero sem nenhuma pretensão de pureza, pois a confusão
entre narrativa e vida é proposital. O gênero traz o intercâmbio entre os lugares do
autor, do leitor e dos personagens da história. Assim o melodrama acaba fazendo uma
paródia, das categorias estéticas clássicas, como a tragédia, o drama e o romance.
Segundo Silva, a natureza do melodrama é “a do impressionante e do exagero, e seus
discursos, como os sentimentos que suscita, exagerados ao extremo do paródico,
favorecem no espectador uma identificação fácil e uma catarse barata” (SILVA, 2010,
p. 103). Se considerarmos a existência “evolutiva” dos gêneros, podemos apontar que
na modernidade, para além das minisséries e telenovelas como expoentes
melodramáticos, têm-se também os realities shows.
As Matrizes Culturais e a Indústria
Expostas as matrizes culturais fundamentais, podemos apresentar de que forma o
melodrama e o folhetim foram sendo apropriados por outros modelos dando origem ao
que conhecemos como uma minissérie hoje. Um elemento identitário importante que se
acoplou as telenovelas e, sobretudo às minisséries foi a soa-opera americana. Esse
modelo de negócios deu ao mercado brasileiro o entendimento de como as narrativas
seriadas ficcionais deveriam ser desenvolvidas para a geração de lucros.
A partir de Barbero (2015) e suas leituras ideológicas entende-se que é
necessário mudar as problemáticas recorrentes para se que se entenda a vastidão do
popular. É preciso compreender o popular não como aquilo que somente dá prazer, mas
também por meio de dinâmicas muito mais profundas de memória e dos imaginários.
Diante de pessoas que assistem novelas e sentem prazer nesse consumo, não é possível
reduzir tal fenômeno à dominação ideológica e uma determinação mercantil. O
entendimento é bem mais engenhoso. O que leva à prática de ouvir/ver uma mesma
história todos os dias? Quais memórias e imaginários são ativados para que essas
matrizes culturais se mantenham? É nesse sentido que buscamos entender as matrizes.
Não como um retorno puramente ao arcaico, mas como uma ponte que se mantém
conectada à vida das pessoas até hoje. Diante disso, é fato que as narrativas seriadas
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ficcionais enquanto negócio/indústria valem muito, mas as narrativas não se esgotam
nesse caráter tão superficial.
Para além da lógica industrial e dos interesses dominantes, há algo muito mais
complexo no universo popular latino-americano, que nos coloca em dinâmicas
diferentes de produção e consumo. No Brasil, a paixão e o resgate do popular se dão,
particularmente pela telenovela e narrativas afins como as minisséries, que são folhetins
eletrônicos. Pode-se considerar essas narrativas como a versão contemporânea do
folhetim. Porém o formato superou seu criador em termos de relevância, penetração e
sucesso comercial. A linguagem televisiva aproximou-se da cinematográfica com a
chegada do videoteipe ao Brasil. Assim foi possível a separação dos processos de
produção e edição na transmissão de TV. Diante dessa aproximação de linguagem da
TV com o cinema é que temos o primeiro indício do que denominamos narrativas
complexas.
Narrativa Ficcional e Complexidade
A influência do cinema na TV é muito mais visual que narrativa. Em termos de
mercado nacional, as minisséries e telenovelas exibidas no horário das 23 horas, pela
Rede Globo, estão fixando-se cada vez mais no mercado como “superproduções”.
Capítulos curtos, película diferente da convencional e inovações narrativas são as
marcas identitárias das programações dessa faixa de horário. Diante disso, nos
deparamos com um movimento denominado “televisão de arte”, onde as técnicas e
regras do cinema de arte são transportadas para as telas pequenas, como é o caso da
televisão. Ao se tratar de mudanças ligadas tanto à emissão quanto a recepção, nos
deteremos neste debate às mudanças que ocorrem na recepção e suas implicações
culturais a partir desse deslocamento no modo de produção das narrativas seriadas
ficcionais (minisséries).
Ao falarmos de complexidade narrativa retomamos os “modos de contar”
ligados intimamente ao storytelling, onde a narrativa segue um modelo de fruição e
compreensão muito mais dependente da criatividade. Ressaltamos que, falar de uma
narrativa complexa não aplica um juízo de valor a esse modelo como “mais criativo”,
mas sim se pontua que a sua produção está atrelada a uma indústria criativa que propõe
práticas participativas e inovação tecnológicas como variáveis importantes para
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recepção e consumo daquela narrativa. A complexidade narrativa oferece uma gama de
oportunidades narrativas e retorno do público, assim podemos observar como as
reverberações de sentido dessas narrativas são plurais e variam muito de acordo com a
plataforma em que elas são desdobradas.
A narrativa complexa é uma alternativa à narrativa televisiva convencional,
assim também é exibida na televisão, porém seus aspectos visuais e narrativos se
diferem visivelmente das produções tradicionais. É um modo de escrever uma história
com muito mais pistas encadeadas e com tramas ainda mais episódicas, fazendo emergir
muito mais os aspectos cinematográficos dessa narrativa. Falar dessa estética de
“cinema” em narrativas seriadas ficcionais de televisão é deparar-se com uma estética
operacional, onde cada recurso visual é utilizado como parte de um projeto industrial
criativo, que em sua maioria trabalha em favor de uma convergência midiática.
A emergência das narrativas complexas ocorre em meados dos anos 90, em uma
perspectiva de resgate histórico das narrativas tradicionais e a incrementação das
mesmas com variáveis tecnológicas e características estéticas fílmicas. A complexidade
não está ligada ao valor da narrativa e nem se trata de uma exaltação deste modelo
frente aos produtos tradicionais. Procura-se entender, de fato, quais os desdobramentos
culturais tornam-se presentes na recepção a partir destas narrativas. O que temos são
modelos de narração muito mais “tramáticos” e envolventes, que em uma perspectiva de
grandes conglomerados midiáticos, buscam envolver os espectadores no maior número
de telas e experiências possíveis.
Ang (2010) e Mittell (2006) entendem a complexificação narrativa nas últimas
décadas em termos estruturais e estilísticos. É preciso atentar para as condições de
produção dessas narrativas e compreender como a sua estrutura complexa decorre em
inovações para os diversos formatos. Eco (2016) nos dá pistas para o entendimento
dessa complexidade a partir do reconhecimento de uma mudança no “leitor”, que se
torna cada vez mais rebuscado, sem que isso tenha relação direta com fatores
econômicos. Tal mudança acaba por influenciar na estruturação de roteiros e até mesmo
na tentativa de desenhar possíveis modos de fruição para cada narrativa.
No Brasil, Motter e Mungioli (2006) vem produzindo sistematicamente
conteúdos teóricos que buscam discutir a complexidade narrativa nas produções locais,
sobretudo em narrativas seriadas ficcionais de televisão. Segundo elas, é preciso pensar
sobre o modo de fazer serialidade para além de uma repetição, como defende a Indústria
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Cultural e não somente como produtos que buscam lucros para os conglomerados
econômicos. De fato, não podemos esquecer o fator econômico, mas é problemático
colocá-lo como determinante e superior às relações sociais e culturais.
Segundo Calatrava (2008), a narrativa complexa tem sua base no romance
moderno. As narrativas ditas complexas trazem “algo a mais” na estrutura de seus
enredos. A capacidade de relações intertextuais é uma variável no entendimento desse
tipo de narrativa, visto que, a ficção seriada é muitas vezes a saída para um projeto que
se aproxima mais do cinematográfico, mas que por sua extensão não pode ser realizado
em um filme. Entender as narrativas complexas passa pela identificação de elementos
audiovisuais que complexificam a relação entre os mediadores e os espectadores. A
complexidade narrativa ficcional seriada na televisão vai além de uma aprimoração
estética da literatura do romance. Enfim, quais fatores seriam indicadores de narrativa
complexa:
Trata-se na verdade de um conjunto de fatores sociais, econômicos e tecnológicos cujas
ressonâncias intra/extratextuais podem ser observadas no discurso ficcional televisivo,
principalmente, a partir do final da década de 1970. Tais ressonâncias não ocorrem
apenas nas séries norte-americanas, mas também na produção de ficção de televisão de
outros países fortemente influenciada pelos padrões da indústria televisiva norte-
americana. São transformações que envolvem o circuito da comunicação e, portanto,
constroem práticas, conceitos, códigos na forma de retroalimentação em que as questões
simbólicas não se desvinculam das práticas sociais e condições de produção. (MOTTER
E MUNGIOLI, 2013. p.4)
Para compreender as transformações que ocorrem nessas narrativas, entendemos
a complexidade a partir da hibridização dos gêneros e dos formatos ficcionais. Outra
categoria a ser analisada é o “acabamento temático”, que segundo Bakhtin (2003) trata-
se da capacidade de abordar temáticas com um maior diálogo com o social, o estético e,
sobretudo com o psicológico do receptor. Diante disso, temos o surgimento de novas
formas de recepção, que hoje são muito mais dependentes das relações entre memória e
discurso. Só é possível entender a memória discursiva a partir da análise de uma
situação histórica. Quando falamos de complexidade narrativa, tratamos de apropriações
e novos usos, porém todas essas práticas estão inseridas em um contexto histórico.
Portanto não há de fato criação, mas sim reinvenções a partir de linguagens já
consolidadas.
Jost (2011) alerta para a dimensão cultural que encontramos ao estudar a
serialização. Há um esforço teórico em afastar um determinismo econômico dessas
discussões, visto que, as reverberações sociais ocasionadas pelas narrativas ficcionais
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seriadas televisivas estão atreladas muito mais às questões de identidade, identificação,
cultura e subjetividade. A compreensão simbólica do mundo é uma relação cultural e se
deve muito mais aos aspectos de cultura do que simplesmente aos recursos audiovisuais
que são usados nessas produções. A tendência que identificamos é de convenções
globais, sobretudo norte-americanas, que são usadas para atender gostos e demandas
locais. Vale ressaltar, que tais convenções não são utilizadas como encaixes, mas sim de
forma diluída e híbrida, de forma que o global deve fazer sentido em uma realidade
local.
Johnson (2005) fala de como os telespectadores sentem-se cumprimentados em
meio à multidão frente a uma narrativa complexa. As tramas de alguma forma
demandam um maior nível de envolvimento, fazendo com que cada espectador torne-se
parte de um grupo seleto. Culler (2009) atenta para o fato de como as narrativas
complexas se concretizam de formas diferentes. Se concretizando, por exemplo, em um
prazer ligado ao desejo ou na vontade de conhecer e desvendar segredos presentes na
história - o “como aconteceu” mostra-se mais importante do que a ação final de fato.
Mittell (2010) compara a função do espectador com a de amarrar fios desconectados. O
telespectador pode tornar-se um caçador de pistas, pelo menos essa é a proposta
criativa, mas tal atividade não é uma obrigação.
A estética do “quebra-cabeça” é cada vez mais recorrente nas narrativas
televisivas, não se trata apenas de uma quebra de linearidade nas tramas, mas sim de
uma aprimoração das funções dos personagens na história. A fórmula episódica passa a
incorporar elementos do serial e as histórias passam a ser amarradas uma dentro das
outras. No desenvolvimento das narrativas cumulativas os fatos não podem ser
esquecidos, pois eles a qualquer momento serão acionados com alguma finalidade. A
imagem vai além do cenário, ela passa a comunicar significativamente algo para a trama
em uma espécie de “in media res”.5
As Teias de “Justiça”
A minissérie “Justiça” 6 é uma obra de Manuela Dias com direção de José Luiz
Villamarim que foi exibida pela TV Globo, no horário das 22h30, entre os dias
5 Expressão usada pela literatura para denominar uma narrativa que acontece “no meio das coisas”. 6 Todas as informações, sinopses e fichas técnicas foram retiradas do site Memória Globo, portal que cataloga as
produções da TV Globo. Acesso em: 07/04/2017.
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22/08/2016 e 23/09/2016. A produção teve um total de 20 episódios, onde cada um era
dedicado a contar a história de um dos quatro protagonistas. Todas as histórias eram
conectadas e tinham como pano de fundo a metrópole Recife, cidade em que as cenas
foram gravadas antes da exibição da minissérie. “Justiça” foi resumida da seguinte
forma pela Globo:
Justiça conta quatro histórias diferentes e intercaladas. Em comum, crimes ocorridos na
mesma noite em 2009, em Recife. A trama mostra um playboy que mata a noiva ao
flagrá-la nos braços de outro; uma mulher presa por atirar em um cachorro; uma futura
estudante de jornalismo detida com drogas; e um homem que realiza eutanásia na
mulher. Sete anos depois, essas quatro pessoas saldam suas dívidas com a Justiça e
deixam a penitenciária. Entretanto, as marcas do passado são penosas e a retomada da
vida é um desafio. (MEMÓRIA GLOBO, 2016, p. 01)
As narrativas complexas têm sido estudadas e elencadas principalmente nas
últimas décadas. Porém, de forma conceitual, esse ainda é um assunto restrito. A
proposta a seguir é identificar nos textos e discursos de colunas, sites e blogs que
discorrem acerca de conteúdos audiovisuais, marcas da complexidade de “Justiça” que
são expostas por meio de “opiniões”. Os textos, em sua maioria, não apresentam
conceituações, mas demonstram como a complexidade narrativa é sensível ao público
(audiência) mesmo quando este não é um especialista. Analisaremos textos de quatro
portais de notícia: Veja, Omelete, R7 e Séries Por Elas. Todos os textos possuem em
comum a veiculação em ambiente digital e são produções assinadas, ou seja, há alguém
que se coloca como “dono/dona” daquele discurso. A escolha da Veja se deu pela
circulação e reputação do veículo na mídia nacional. O site Omelete se coloca no
mercado como “especialista” em cultura pop e é reconhecido por críticas “válidas”. O
R7 foi escolhido por figurar como um possível concorrente dos produtos Globo, visto
que, pertence a sua principal rival que é a Record. O blog Séries Por Elas foi listado
por ser um produto contra-hegemônico, colaborativo e produzido apenas por mulheres.
Veja
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No artigo publicado no site da “Veja” podemos indicar vários indícios de
complexidade narrativa a partir do texto da jornalista Maria Carolina Maia. O primeiro
ponto é a sua definição de “Justiça” como uma estrutura diferenciada, o que já aponta
para o entendimento de que a minissérie não se iguala as demais produções. O segundo
ponto vai de encontro à ideia de Eco (2016) e a mudança do “leitor”. Carolina afirma
que o público está provando “que está pronto para estruturas mais complexas”,
chegando aqui a adjetivar “Justiça” como uma narrativa complexa. Outra importante
colocação é quanto à audiência da minissérie – “é um fenômeno no Ibope”, que indica
que o apuro estético faz parte de uma dinâmica industrial.
Observamos que a marca de autoria é uma variável levantada, neste texto de
forma mais endossada, pois a jornalista aplica um juízo de valor – “autora da
igualmente boa Ligações Perigosas”. O uso do “igualmente boa” indica tanto uma
adjetivação quanto um conhecimento acumulativo das narrativas escritas por Manuela
Dias. Ao usar “caso raro” observamos que a proposta é particularizar a narrativa de
“Justiça” como algo fora dos padrões cotidianamente trabalhados. Ainda que de forma
aparentemente despretensiosa, as entrelinhas do texto perpassam várias características
marcantes para o entendimento das narrativas complexas.
Omelete
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O artigo publicado pelo Omelete é estruturado de forma bem parecida à uma
crítica cinematográfica, o que coloca a narrativa ficcional de TV em um patamar
equivalente à um filme. O site Omelete historicamente divulga conteúdos voltados para
a cultura pop, cinema, séries americanas e produtos “Cult”. De certa forma, a postagem
de uma crítica de minissérie é uma quebra de regularidade desse emissor, que por uma
demanda de mercado e público sente a necessidade de discorrer acerca dessas
narrativas. O texto aborda a estrutura de “Justiça” como narrativa complexa e explicita
suas características tramáticas – “a cada dia da semana o público acompanhará a história
de um personagem (...)”.
A crítica evidencia os recursos estéticos da minissérie discorrendo sobre os
possíveis efeitos de sentido que sua exibição e trilha sonora podem ocasionar ao
telespectador. O texto contempla o aspecto histórico em que as narrativas complexas
estão inseridas que é o de “viradas da TV aberta”. Entendo que a complexidade não é
determinante para que se construa uma história envolvente e exitosa, o texto é feliz ao
colocar que apesar do apuro técnico, o que a audiência espera sempre é boas histórias.
R7
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O texto de Álvaro Leme publicado em sua coluna no R7 trabalha em uma
perspectiva de aproximação do público. O artigo articula o tempo todo, uma interação
com o espectador e coloca tanto o autor da coluna quanto os leitores como um “público
seleto” e envolvido não só com “Justiça”, mas com outras narrativas ficcionais que dão
sentido à minissérie, como por exemplo, trabalhos anteriores de cada um dos atores e
atrizes (personagens). O primeiro destaque desse texto vai para a citação da repercussão
de “Justiça” nas redes sociais digitais. Como colocado na caracterização de uma
narrativa complexa, podemos destacar o uso dessas narrativas como atuantes em um
cenário de convergência midiática, assim para além da audiência tradicional, medida
pelo número de televisores ligados, temos a repercussão dessas séries nas redes
(Facebook, Twitter e Instagram).
Outra característica marcante é o comentário acerca de quase todos os
personagens da minissérie. Porém, eles não são “avulsos”, na maioria das vezes estão
articulados com a história dos atores e atrizes e de seus personagens. Na narrativa
complexa temos uma valorização exponencial dos personagens, pois quase ninguém (ou
ninguém) é coadjuvante. Observamos que o jornalista se torna uma espécie de caçador
de pistas, desvendando não só informações sobre “Justiça”, mas ao mesmo tempo
construindo uma teia paralela de sentidos. O texto é marcado por uma necessidade de
mostrar o quanto o escritor tem consciência da trama da minissérie e de toda construção
simbólica que envolve a narrativa para além dos episódios.
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Séries por Elas
O artigo de Carolina Maria para o Séries por Elas desbrava variadas
características das narrativas complexas. Desde o título, o texto aguça o leitor para o
entendimento de que a riqueza da minissérie está na simplicidade. Nesse ponto a autora
dá indícios do hibridismo entre o tradicional e as incorporações contemporâneas que são
ligadas basicamente à tecnologia e a convergência midiática. Nesse âmbito, o texto faz
uma referência de que “Justiça” é uma narrativa aos moldes dos conteúdos distribuídos
pela Netflix, que explicita ainda mais a saída do convencional a partir da minissérie.
Outra questão é discorrer sobre a telenovela e seu possível “formato esgotado”, o que
nos leva a entender que há um entendimento por parte da autora que a minissérie tem a
mesma matriz cultural da telenovela, apesar da sua extensão, e que é possível reinventar
ainda que “dentro” das matrizes culturais que são o melodrama e o folhetim.
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O acabamento temático (Bahktin, 2003) fica bastante sensível no artigo de
Carolina, pois ela discorre acerca do diálogo da “justiça” com nossa estrutura social. É
possível ver como o estético conversa com o psicológico em uma narrativa seriada – “ao
final da história os nossos próprios valores sobre o tema também sejam questionados”.
Há também uma forte relação de memória e discurso no texto, visto que, a blogueira faz
um exercício de definir o que é uma dramaturgia “convencional” e ao mesmo tempo
expõe o que faz de “Justiça” uma narrativa que se encontra fora desses padrões. O
melodrama aparece no artigo no uso da palavra “vilão” com aspas, o que indica que a
partir de uma representação histórica, temos um arquétipo de vilania que está sendo
questionado – e de “mocinha” também. Por fim, o texto termina com um tom de
benefício mercadológico e ao mesmo tempo social – “que para TV e que bom para o
público”.
Considerações Finais
A TV vive a modernidade trazendo o apuro estético do cinema para a telinha.
Presenciamos narrativas ficcionais com uma quantidade muito mais elevada de cenas
externas, com o objetivo de serem mais realistas – como aconteceu em “Justiça” que
prezou pela exploração imagética de Recife. Além de uma iluminação sofisticada que
trabalha a serviço da dramaticidade, como também ocorreu na minissérie a partir das
camadas de cores escolhidas. Temos uma construção narrativa que se dá por fragmentos
e tem o telespectador como confidente, como foi mostrado por meio das análises das
colunas opinativas que em certo modo traziam um retrato do público. O melodrama é
reinventado no desenvolvimento dramáticos dos personagens, até mesmo o “dramalhão”
é mais apurado tecnicamente.
De certo, as narrativas complexas trazem mudanças na relação entre produção,
distribuição, consumo e reprodução, pois interferem diretamente nessas variáveis. Tais
narrativas indicam um maior envolvimento emocional e cognitivo, muitas vezes
resultado da complexificação dos personagens, o que muda também a relação do
público e crítica com os atores e atrizes. O telespectador torna-se um descobridor, que
desbrava a história para além da própria história. Entendo as narrativas complexas
somos levados a reconhecer que o espectador ganha um novo status a partir desse
consumo. A partir dos textos analisados, vemos como a narrativa complexa é cognitiva
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para audiência, que mesmo não sendo “especialista” é capaz de identificar os trânsitos
estéticos e narrativos presentes nessas novas produções, como é o caso de “Justiça”.
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