compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - v. 01, n. 10
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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.TRANSCRIPT
TAUÃ LIMA VERDAN
RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL
V.
01
N.
10
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
(V. 01, N. 10)
Capa: Cândido Portinari, Transportador de Café (1937).
ISBN: 978-1517329280
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada
mediante citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por
meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo
dogmático. É possível, à luz da tradicional visão
empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual
não se incluem somente as instituições legais, as ordens
legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma “meta direito”. No
Direito, a construção do conhecimento advém da
interpretação de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando
as experiências empíricas e o contorno regional como
elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.
Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento
jurídico como algo dogmático, buscando conferir
molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos
científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática
de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca
trazer para o debate uma série de assuntos
contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
Tessituras à Carta de Veneza (1964): Carta
Internacional sobre Conservação e Restauração de
Monumentos e Sítios ........................................................... 06
Explicitações à Carta de Burra (1980): primeiras linhas à
salvaguarda do patrimônio cultural ................................... 39
Comentários à Carta de Florença (1981): apontamentos à
proteção dos jardins históricos ............................................ 72
Comentários à Carta de Washington (1986): tessituras à
proeminência na salvaguarda do patrimônio cultural ....... 107
Explicitações à Carta sobre o Patrimônio Construído
(1999): singelas pinceladas ................................................. 140
Destaques à Carta de Cracóvia (2000): princípios para a
conservação e o restauro do patrimônio construído ........... 173
6
TESSITURAS À CARTA DE VENEZA (1964): CARTA
INTERNACIONAL SOBRE CONSERVAÇÃO E
RESTAURAÇÃO DE MONUMENTOS E SÍTIOS
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Carta de Veneza (1964) e as disposições
acerca da conservação e restauração de monumentos e
sítios. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é
constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é
7
o resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio
ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,
é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Tessituras à Carta de Veneza (1964):
Carta Internacional sobre Conservação e Restauração
de Monumentos e Sítios
8
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
9
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set.
2015, s.p.
10
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
07 set. 2015.
11
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
3 VERDAN, 2009, s.p.
12
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”4. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 set. 2015.
13
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade5·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”6.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
14
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível7.
7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
15
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
16
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 19819,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569. 9 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
17
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”10.
Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
10 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
18
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal12.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
19
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198814 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
13 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
20
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade15.
15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
21
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
22
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
23
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
24
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
25
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”16. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
16 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p.
15-16.
26
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”17. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
27
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
28
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”18. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
18 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 07 set.
2015.
29
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”19, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200020,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo21, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo22, que
19 BROLLO, 2006, p. 33. 20 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015. 21 BROLLO, 2006, p. 33. 22 FIORILLO, 2012, p. 80.
30
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 TESSITURAS À CARTA DE VENEZA (1964):
CARTA INTERNACIONAL SOBRE
CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE
MONUMENTOS E SÍTIOS
Em um primeiro momento, cuida anotar que a
Carta de Veneza (1964) explicita que o conceito de
monumento histórico engloba, não só as criações
arquitetônicas isoladamente, mas também os sítios,
31
urbanos ou rurais, nos quais sejam patentes os
testemunhos de uma civilização particular, de uma fase
significativa da evolução ou do progresso, ou algum
acontecimento histórico. Este conceito é aplicável, quer
às grandes criações, quer às realizações mais modestas
que tenham adquirido significado cultural com o passar
do tempo. A conservação e o restauro dos monumentos
devem recorrer à colaboração de todas as ciências e
técnicas que possam contribuir para o estudo e a
proteção do patrimônio monumental. A conservação e o
restauro dos monumentos têm como objetivo
salvaguardar tanto a obra de arte como as respectivas
evidências históricas. Para a conservação dos
monumentos é essencial que estes sejam sujeitos a
operações regulares de manutenção. A conservação dos
monumentos é sempre facilitada pela sua utilização para
fins sociais úteis. Esta utilização, embora desejável, não
deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É
apenas dentro destes limites que as modificações que
seja necessário efetuar poderão ser admitidas. A
conservação de um monumento implica a manutenção de
um espaço envolvente devidamente proporcionado.
Sempre que o espaço envolvente tradicional subsista,
deve ser conservado, não devendo ser permitidas
32
quaisquer novas construções, demolições ou modificações
que possam alterar as relações volumétricas e
cromáticas.
Um monumento é inseparável da história de
que é testemunho e do meio em que está inserido. A
remoção do todo ou de parte do monumento não deve ser
permitida, exceto quando tal seja exigido para a
conservação desse monumento ou por razões de grande
interesse nacional ou internacional. Os elementos de
escultura, pintura ou decoração que façam parte
integrante de um monumento apenas poderão ser
removidos se essa for a única forma de garantir a sua
preservação. O restauro é um tipo de operação altamente
especializado. O seu objetivo é a preservação dos valores
estéticos e históricos do monumento, devendo ser
baseado no respeito pelos materiais originais e pela
documentação autêntica. Qualquer operação desse tipo
deve terminar no ponto em que as conjecturas comecem;
qualquer trabalho adicional que seja necessário efetuar
deverá ser distinto da composição arquitetônica original
e apresentar marcas que o reportem claramente ao
tempo presente. O restauro deve ser sempre precedido e
acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do
monumento. Quando as técnicas tradicionais se
33
revelarem inadequadas, a consolidação de um
monumento pode ser efetuada através do recurso a
outras técnicas modernas de conservação ou de
construção, cuja eficácia tenha sido demonstrada
cientificamente e garantida através da experiência de
uso.
As contribuições válidas de todas as épocas
para a construção de um monumento devem ser
respeitadas, dado que a unidade de estilo não é o objetivo
que se pretende alcançar nos trabalhos de restauro.
Quando um edifício apresente uma sobreposição de
trabalhos realizados em épocas diferentes, a eliminação
de algum desses trabalhos posteriores apenas poderá ser
justificada em circunstâncias excepcionais, quando o que
for removido seja de pouco interesse e aquilo que se
pretenda pôr a descoberto tenha grande valor histórico,
arqueológico ou estético e o seu estado de conservação
seja suficientemente bom para justificar uma ação desse
tipo. A avaliação da importância dos elementos
envolvidos e a decisão sobre o que pode ser destruído não
podem depender apenas do coordenador dos trabalhos.
Os elementos destinados a substituírem as partes que
faltem devem integrar-se harmoniosamente no conjunto
e, simultaneamente, serem distinguíveis do original por
34
forma a que o restauro não falsifique o documento
artístico ou histórico. Ao lado disso, não é permitida a
realização de acrescentos que não respeitem todas as
partes importantes do edifício, o equilíbrio da sua
composição e a sua relação com o ambiente circundante.
Os sítios dos monumentos devem ser objeto de um
cuidado especial, por forma a assegurar que sejam
tratados e apresentados de uma forma correta. Os
trabalhos de conservação e restauro a efetuar nesses
locais devem inspirar-se nos princípios enunciados nos
artigos precedentes.
Os trabalhos de escavação devem ser efetuados
de acordo com as normas científicas e com a
"Recomendação definidora dos princípios internacionais
a aplicar em matéria de escavações arqueológicas",
adotadas pela UNESCO em 1956. Deve ser assegurada a
manutenção das ruínas e tomadas as medidas
necessárias para garantir a conservação e proteção dos
elementos arquitetônicos e dos objetos descobertos. Para
além disso, devem tomar-se todas as medidas que
permitam facilitar a compreensão do monumento, sem
distorcer o seu significado. Todos os trabalhos de
reconstrução devem ser rejeitados a priori. Só a
anastylosis, isto é, a remontagem das peças soltas que
35
existam num estado de desagregação, pode ser
permitida. Os materiais utilizados para reintegração
deverão ser sempre reconhecíveis e o seu uso restringido
ao mínimo necessário para assegurar as condições de
conservação do monumento e restabelecer a continuidade
das suas formas. Os trabalhos de conservação, restauro
ou escavação devem ser sempre acompanhados por um
registro preciso, sob a forma de relatórios analíticos ou
críticos, ilustrados com desenhos e fotografias. Todas as
fases dos trabalhos de reparação, consolidação,
recomposição e reintegração, assim como os elementos
técnicos e formais identificados ao longo dos trabalhos
devem ser incluídos. Este registro deverá ser guardado
nos arquivos de um organismo público e posto à
disposição dos investigadores. Recomenda-se também,
que seja publicado.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
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36
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__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
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cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
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__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
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artístico nacional. Disponível em:
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__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
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__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.
Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e
dá outras providências. Disponível em:
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__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 07
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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
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classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 set. 2015.
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38
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Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
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Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set. 2015.
39
EXPLICITAÇÕES À CARTA DE BURRA (1980):
PRIMEIRAS LINHAS À SALVAGUARDA DO
PATRIMÔNIO CULTURAL
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Carta de Burra (1980) e sua proeminência
na salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído
por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles
que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
40
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos
os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja
conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Explicitações à Carta de Burra (1980):
Primeiras Linhas à Salvaguarda do Patrimônio
Cultural
41
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
42
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”23. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
23 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set.
2015, s.p.
43
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”24. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
07 set. 2015.
44
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”25. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
25 VERDAN, 2009, s.p.
45
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”26. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
26 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 set. 2015.
46
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade27·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”28.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
27 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 28 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
47
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível29.
29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
48
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”30. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015. 30 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
49
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198131,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
31 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
50
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”32.
Nesta senda, ainda, Fiorillo33, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
32 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 33 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
51
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal34.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
52
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”35.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198836 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
35 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 36 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
53
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade37.
37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
54
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
55
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
56
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
57
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
58
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”38. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
38 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p.
15-16.
59
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”39. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
39 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
60
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
61
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”40. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
40 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 07 set.
2015.
62
grupos em função de seu ambiente”41, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200042,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo43, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo44, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
41 BROLLO, 2006, p. 33. 42 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015. 43 BROLLO, 2006, p. 33. 44 FIORILLO, 2012, p. 80.
63
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 EXPLICITAÇÕES À CARTA DE BURRA (1980):
PRIMEIRAS LINHAS À SALVAGUARDA DO
PATRIMÔNIO CULTURAL
Em um primeiro momento, cuida anotar que a
Carta de Burra estabelece que o objetivo da conservação
é preservar a significação cultural de um bem; ela deve
implicar medidas de segurança e manutenção, assim
como disposições que prevejam sua futura destinação. A
conservação se baseia no respeito à substância existente
e não deve deturpar o testemunho nela presente. A
conservação deve se valer do conjunto de disciplinas
64
capazes de contribuir para o estudo e a salvaguarda de
um bem. As técnicas empregadas devem, em princípio,
ser de caráter tradicional, mas se pode, em determinadas
circunstâncias, utilizar técnicas modernas, desde que se
assentem em base científicas e que sua eficácia seja
garantida por certa experiência acumulada. Na
conservação de qualquer bem deve ser levado em
consideração o conjunto de indicadores de sua
significação cultural; nenhum deles deve ser revestido de
uma importância injustificada em detrimento dos
demais. As opções a serem feitas na conservação total ou
parcial de um bem deverão ser previamente definidas
com base na compreensão de sua significação cultural e
de sua condição material. As opções assim efetuadas
determinarão as futuras destinações consideradas
compatíveis para o bem. As destinações compatíveis são
as que implicam a ausência de qualquer modificação,
modificações reversíveis em seu conjunto ou, ainda,
modificações cujo impacto sobre as partes da substância
que apresentam uma significação cultural seja o menor
possível.
A conservação de um bem exige a manutenção
de um entorno visual apropriado, no plano das formas,
da escala, das cores, da textura, dos materiais, etc. Não
65
deverão ser permitidas qualquer nova construção, nem
qualquer demolição ou modificação susceptíveis de
causar prejuízo ao entorno. A introdução de elementos
estranhos ao meio circundante, que prejudiquem a
apreciação ou fruição do bem, deve ser proibida. Todo
edifício ou qualquer outra obra devem ser mantidos em
sua localização histórica. O deslocamento de uma
edificação ou de qualquer outra obra, integralmente ou
em parte, não pode ser admitido, a não ser que essa
solução constitua o único meio de assegurar sua
sobrevivência. A retirada de um conteúdo ao qual o bem
deve uma parte de sua significação cultural não pode ser
admitida, a menos que represente o único meio de
assegurar a salvaguarda e a segurança desse conteúdo.
Nesse caso, ele deverá ser restituído na medida em que
novas circunstâncias o permitirem.
A preservação se impõe nos casos em que a
própria substância do bem, no estado em que se
encontra, oferece testemunho de uma significação
cultural específica, assim como nos casos em que há
insuficiência de dados que permitam realizar a
conservação sob outra forma. A preservação se limita à
proteção, à manutenção e à eventual estabilização da
substância existente. Não poderão ser admitidas técnicas
66
de estabilização que destruam a significação cultural do
bem. A restauração só pode ser efetivada se existirem
dados suficientes que testemunhem um estado anterior
da substância do bem e se o restabelecimento desse
estado conduzir a uma valorização da significação
cultural do referido bem. Nenhuma empreitada de
restauração deve ser empreendida sem a certeza de
existirem recursos necessários para isso. A restauração
deve servir para mostrar novos aspectos em relação à
significação cultural do bem. Ela se baseia no princípio
do respeito ao conjunto de testemunhos disponíveis,
sejam materiais, documentais ou outros, e deve para
onde começa a hipótese. A restauração pode implicar a
reposição de elementos desmembrados ou a retirada de
acréscimos, nas condições previstas no artigo 16. As
contribuições de todas as épocas deverão ser respeitadas.
Quando a substância do bem pertencer a várias épocas
diferentes, o resgate de elementos datados de
determinada época ou detrimento dos de outra só se
justifica se a significação cultural do que é retirado for de
pouquíssima importância em relação ao elemento a ser
valorizado.
A reconstrução deve ser efetivada quando
constituir condição sine qua non de sobrevivência de um
67
bem cuja integridade tenha sido comprometida por
desgastes ou modificações, ou quando possibilite
restabelecer ao conjunto de um bem uma significação
cultural perdida. A reconstrução deve se limitar à
colocação de elementos destinados a completar uma
entidade desfalcada e não deve significar a construção da
maior parte da substância de um bem. A reconstrução
deve se limitar à reprodução de substâncias cujas
características são conhecidas graças aos testemunhos
materiais e/ou documentais. As partes reconstruídas
devem poder ser distinguidas quando examinadas de
perto. A adaptação só pode ser tolerada na medida em
que represente o único meio de conservar o bem e não
acarrete prejuízo sério a sua significação cultural. As
obras de adaptação devem se limitar ao mínimo
indispensável à destinação do bem a uma utilização
definida de acordo com os termos dos artigos 6 e 7. Os
elementos dotados de uma significação cultural que não
se possa evitar desmontar durante os trabalhos de
adaptação deverão ser conservados em lugar seguro, na
previsão de posterior restauração do bem.
Qualquer intervenção prevista em um bem
deve ser precedida de um estudo dos dados disponíveis,
sejam eles materiais, documentais ou outros. Qualquer
68
transformação do aspecto de um bem deve ser precedida
da elaboração, por profissionais, de documentos que
perpetuem esse aspecto com exatidão. Os estudos que
implicam qualquer remoção de elementos existentes ou
escavações arqueológicas só devem ser efetivados quando
forem necessários para a obtenção de dados
indispensáveis à tomada de decisões relativas à
conservação, do bem e/ou à obtenção de testemunhos
materiais fadados a desparecimento próximo ou a se
tornarem inacessíveis por causa dos trabalhos
obrigatórios de conservação ou de qualquer outra
intervenção inevitável. Qualquer ação de conservação a
ser considerada deve ser objeto de uma proposta escrita
acompanhada de uma exposição de motivos que
justifique as decisões tomadas, com provas documentais
de apoio (fotos, desenhos, amostras, etc.). As decisões de
orientação geral devem proceder de organismos cujos
nomes serão devidamente comunicados, bem como o de
seus dirigentes responsáveis, devendo a cada decisão
corresponder uma responsabilidade específica. Os
trabalhos contratados devem ter acompanhamento
apropriado, exercido por profissionais, e deve ser
mantido um diário no qual serão consignadas as
novidades surgidas, bem como as decisões tomadas.
69
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
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classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
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72
COMENTÁRIOS À CARTA DE FLORENÇA (1981):
APONTAMENTOS À PROTEÇÃO DOS JARDINS
HISTÓRICOS
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Carta de Florença (1981) e sua
proeminência na tutela dos jardins históricos. Cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído
por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles
que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
73
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange
todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,
cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Comentários à Carta de Florença
(1981): Apontamentos à Proteção dos Jardins
Históricos
74
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
75
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”45. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
45 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set.
2015, s.p.
76
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”46. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
07 set. 2015.
77
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”47. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
47 VERDAN, 2009, s.p.
78
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”48. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
48 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 set. 2015.
79
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade49·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”50.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
49 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 50 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
80
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível51.
51 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
81
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”52. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015. 52 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
82
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198153,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
53 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
83
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”54.
Nesta senda, ainda, Fiorillo55, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
54 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 55 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
84
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal56.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
85
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”57.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198858 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
57 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 58 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
86
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade59.
59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
87
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
88
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
89
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
90
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
91
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”60. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
60 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p.
15-16.
92
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”61. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
61 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
93
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
94
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”62. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
62 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 07 set.
2015.
95
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”63, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200064,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo65, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo66, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
63 BROLLO, 2006, p. 33. 64 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015. 65 BROLLO, 2006, p. 33. 66 FIORILLO, 2012, p. 80.
96
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 COMENTÁRIOS À CARTA DE FLORENÇA (1981):
APONTAMENTOS À PROTEÇÃO DOS JARDINS
HISTÓRICOS
Em um primeiro momento, cuida anotar que a
Carta de Florença define jardim histórico como uma
composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de vista
da história ou da parte, apresenta um interesse público.
Como tal é considerado monumento. O jardim histórico é
uma composição de arquitetura cujo material é
principalmente vegetal, portanto, vivo e, como tal,
97
perceptível e renovável. Seu aspecto resulta, assim, de
um perpétuo equilíbrio entre o movimento cíclico das
estações, do desenvolvimento e do definhamento da
natureza, e da vontade de arte e de artifício que tende a
perenizar o seu estado. Por ser monumento, o jardim
histórico deve ser salvaguardado, conforme espírito de
Carta de Veneza. Todavia, como Monumento Vivo, sua
salvaguarda requer regras específicas que são objeto da
Carta de Florença. Destacam-se na composição
arquitetônica do jardim histórico: (i) seu plano e os
diferentes perfis do seu terreno; (ii) suas massas
vegetais: suas essências, seus volumes, seu jogo de cor,
seus espaçamentos, suas alturas respectivas; (iii) seus
elementos constituídos ou decorativos; (iv) as águas
moventes ou dormentes, reflexo do céu. Expressão de
relações estreitas entre a civilização e a natureza, lugar
de deleite, apropriado à meditação e ao devaneio, o
jardim toma assim o sentido cósmico de uma imagem
idealizada do mundo, um paraíso no sentido etimológico
do termo, mas que dá testemunho de uma cultura, de um
estilo, de uma época, eventualmente da originalidade de
um criador.
A denominação jardim histórico aplica-se tanto
aos jardins modestos quanto aos parques ordenados ou
98
paisagísticos. Ligado a um edifício, do qual será parte
inseparável ou não, o jardim histórico não pode ser
separado de seu próprio meio ou ambiente urbano ou
rural, artificial ou natural. Um sítio histórico é uma
paisagem definida, evocadora de um fato memorável:
lugar de um acontecimento histórico maior, origem de
um mito ilustre ou de um combate épico, assunto de um
quadro célebre etc. A proteção dos jardins históricos
exige que eles sejam identificados e inventariados. Impõe
intervenções diferenciadas, que são a manutenção, a
conservação, a restauração. Pode-se, eventualmente,
recomendar a reconstituição. A “autenticidade” diz
respeito tanto ao desenho e ao volume de partes quanto
ao seu décor ou à escolha de vegetais ou de minerais que
os constituem. Qualquer operação de manutenção, de
conservação, restauração ou reconstituição de um jardim
histórico ou de uma de suas partes deve considerar
simultaneamente todos os seus elementos. Separar-lhes
os tratamentos alteraria os laços que os unem.
A manutenção do jardim histórico é uma
operação primordial e necessariamente contínua, sendo
vegetal o material principal, é por substituições pontuais
e, a longo termo, por renovações cíclicas (corte raso e
replantação de elementos já formados) que a obra será
99
mantida no estado. A escolha de espécies de árvores,
arbustos, de plantas ou de flores a serem substituídas
periodicamente deve-se efetuar com observância dos usos
estabelecidos e reconhecidos para as diferentes zonas
botânicas e culturais, em uma vontade de permanente
conservação e pesquisa de espécies de origem. Os
elementos de arquitetura, de escultura ou de decoração,
fixos ou moveis, que fazem parte integrante do jardim
histórico, não devem ser retirados ou deslocados, senão
na medida em que sua conservação ou sua restauração o
exijam. A substituição ou restauração o exijam. A
substituição ou restauração de elementos em perigo
devem ser feitas conforme os princípios da Carta de
Veneza e a data de qualquer substituição será indicada.
O jardim histórico deve ser conservado em um
meio ambiente apropriado. Qualquer modificação do
meio físico, que coloque em perigo o desequilíbrio
ecológico, deve ser proibida. Essas medidas referem-se ao
conjunto de infraestruturas, sejam elas internas ou
externas: canalizações, sistemas de irrigação, caminhos,
estacionamentos, cercas, dispositivos de vigilância, de
exploração etc. Qualquer restauração e, com mais forte
razão, qualquer reconstituição de um jardim histórico só
serão empreendidas após um estudo aprofundado, que vá
100
desde as escavações até a coleta de todos os documentos
referentes ao respectivo jardim e aos jardins análogos,
suscetível de assegurar o caráter científico da
intervenção. Antes de qualquer execução, esse estudo
deverá resultar em um projeto que será submetido a um
exame e a uma aprovação dos colegiados. A intervenção
de restauração deve respeitar a evolução do respectivo
jardim. Em princípio, ela não deveria privilegiar uma
época à custa de outra, salvo se a degradação ou o
definhamento de certas partes puderem,
excepcionalmente, dar ensejo a uma reconstituição
fundada sobre vestígios ou sobre uma documentação
irrecusável. Poderão ser, mais particularmente, objeto de
uma reconstituição eventual as partes do jardim mais
próximos do edifício, a fim de fazer ressaltar sua
coerência.
Quando um jardim houver desaparecido
totalmente ou quando só se possuírem elementos
conjeturais de seus estados sucessivos, não se poderia
empreender uma reconstituição relevante da noção de
jardim histórico. Os trabalhos que, nesse caso, se
inspirariam em formas tradicionais sobre o terreno de
um jardim antigo, ou em lugar onde nenhum jardim
tenha previamente existido, constituiriam então noções
101
de evocação ou de criação, excluída qualquer qualificação
de jardim histórico. Se todo jardim histórico é destinado
a ser visto e percorrido, conclui-se que o acesso a ele deve
ser moderado, em função de sua extensão e de sua
fragilidade, de maneira a preservar sua substância e sua
mensagem cultural. Por sua natureza e por vocação, o
jardim histórico é um lugar tranquilo, que favorece o
contato, o silêncio e a escuta da natureza. Essa
aproximação cotidiana deve contrastar com o uso
excepcional de um jardim histórico como local de
acontecimentos festivos. Convém definir, então, as
condições de visita aos jardins históricos, de tal sorte que
tais acontecimentos, acolhidos excepcionalmente, possam
por si mesmos exaltar o espetáculo do jardim e não
desnaturá-lo ou degradá-lo. Se, na vida cotidiana, os
jardins podem acomodar-se à prática de jogos tranquilos,
convém criar, paralelamente aos jardins históricos,
terrenos apropriados aos jogos vivos e violentos aos
esportes, de tal maneira que se atenda a essa demanda
social sem que ela prejudique a conservação de jardins e
dos sítios históricos.
A prática da manutenção ou da conservação
dos jardins históricos, cuja duração é imposta pela
estação, ou as curtas operações que concorrem para lhes
102
restituir a autenticidade, devem sempre ter prioridade
sobre as servidões de utilização. A organização de
qualquer visita a um jardim histórico deve ser submetida
a regras de conveniência adequadas a preservar-lhe o
espírito. A retirada dos muros de um jardim cerca não
poderia ser empreendida sem levar em conta todas as
consequências prejudiciais à modificação de sua
ambiência e de sua proteção. Cabe às autoridades
responsáveis adotar, sob a orientação de peritos
competentes, as disposições legais e administrativas
apropriadas a identificar, inventariar e proteger os
jardins históricos. Essa proteção deve ser integrada aos
planos de ocupação dos espaços urbanos e aos
documentos do planejamento físico-territorial.
Cabe igualmente às autoridades responsáveis
assumir, conforme orientação de peritos competentes, as
disposições financeiras adequadas a favorecer a
manutenção, a conservação, a restauração e,
eventualmente, a reconstituição dos jardins históricos.
Os jardins históricos constituem um dos elementos do
patrimônio cuja sobrevivência, em razão de sua
natureza, exige o máximo de cuidados contínuos por
parte de pessoas qualificadas. Convém, pois, que uma
pedagogia adequada assegure a formação dessas pessoas,
103
quer se trate de historiadores, de arquitetos, de
paisagistas, de jardineiros ou de botânicos. Deve-se
também assegurar a produção regular de vegetais que
entram na composição dos jardins históricos. O interesse
pelos jardins históricos deverá ser estimulado por todas
as ações apropriadas a valorizar esse patrimônio e a
torná-lo melhor conhecido e apreciado: promoção de
pesquisa científica, intercâmbio internacional e difusão
de informação, publicação e divulgação, estímulo à
abertura controlada dos jardins ao público, sensibilização
para o respeito à natureza e ao patrimônio histórico pela
mídia. Os mais eminentes jardins históricos serão
propostos para figurar na lista do patrimônio mundial.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
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__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
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cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
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__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
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fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
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classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
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<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set. 2015.
107
COMENTÁRIOS À CARTA DE WASHINGTON (1986):
TESSITURAS À PROEMINÊNCIA NA
SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Carta de Washington (1986) e sua
proeminência na tutela do patrimônio cultural. Cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído
por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles
que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
108
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos
os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja
conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Comentários à Carta de Washington
(1986): Tessituras à Proeminência na Salvaguarda do
Patrimônio Cultural
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1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
110
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”67. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
67 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set.
2015, s.p.
111
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”68. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
68 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
07 set. 2015.
112
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”69. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
69 VERDAN, 2009, s.p.
113
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”70. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
70 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 set. 2015.
114
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade71·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”72.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
71 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 72 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
115
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível73.
73 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
116
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”74. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015. 74 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
117
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198175,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
75 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
118
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”76.
Nesta senda, ainda, Fiorillo77, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
76 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 77 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
119
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal78.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
78 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
120
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”79.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198880 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
79 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 80 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
121
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade81.
81 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
122
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
123
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
124
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
125
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
126
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”82. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
82 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p.
15-16.
127
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”83. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
83 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
128
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
129
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”84. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
84 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 07 set.
2015.
130
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”85, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200086,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo87, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo88, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
85 BROLLO, 2006, p. 33. 86 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015. 87 BROLLO, 2006, p. 33. 88 FIORILLO, 2012, p. 80.
131
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 COMENTÁRIOS À CARTA DE WASHINGTON
(1986): TESSITURAS À PROEMINÊNCIA NA
SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Em um primeiro momento, cuida anotar que
resultantes de um desenvolvimento mais ou menos
espontâneo ou de um projeto deliberado, todas as cidades
do mundo são expressões materiais da diversidade das
sociedades através da história e são todas, por essa
razão, históricas. A presente carta diz respeito mais
precisamente às cidades grandes ou pequenas e aos
132
centros ou bairros históricos com seu entorno natural ou
construído, que, além de sua condição de documento
histórico, exprimem valores próprios das civilizações
urbanas tradicionais. Atualmente, muitas delas são
ameaçadas de degradação, de deterioração e até mesmo
de destruição sob o efeito de um tipo de urbanização
nascido na era industrial e que hoje atinge
universalmente todas as cidades. Face a essa situação
muitas vezes dramática, que provoca perdas irreversíveis
de caráter cultural, social e mesmo econômico, o
Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
(ICOMOS) julgou necessário redigir uma Carta
Internacional para a Salvaguarda das Cidades
Históricas.
Ao complementar a Carta Internacional sobre
a Conservação e a Restauração de Monumentos e Sítios
(Veneza, 1964), este novo texto define os princípios e os
objetivos, os métodos e os instrumentos de ação
apropriados a salvaguardar a qualidade das cidades
históricas, a favorecer a harmonia da vida individual e
social e a perpetuar o conjunto de bens que, mesmo
modestos, constituem a memória da humanidade. Como
no texto da Recomendação da UNESCO relativa à
Salvaguarda dos Conjuntos Históricos ou Tradicionais e
133
a sua Função na Vida Contemporânea (Varsóvia –
Nairóbi, 1976) e, também, como em outros instrumentos
internacionais, entende-se aqui por salvaguarda das
cidades históricas as medidas necessárias a sua proteção,
a sua conservação e restauração, bem como a seu
desenvolvimento coerente e a sua adaptação harmoniosa
à vida contemporânea. Para ser eficaz, a salvaguarda das
cidades e bairros históricos deve ser parte essencial de
uma política coerente de desenvolvimento econômico e
social, e ser considerada no planejamento físico
territorial e nos planos urbanos em todos os seus níveis.
Ao lado disso, os valores a preservar são o
caráter histórico da cidade e o conjunto de elementos
materiais e espirituais que expressam sua imagem, em
particular: (i) a forma urbana definida pelo traçado e pelo
parcelamento; (ii) as relações entre os diversos espaços
urbanos, espaços construídos, espaços abertos e espaços
verdes; (iii) a forma e o aspecto das edificações (interior e
exterior) tais como são definidos por sua estrutura,
volume, estilo, escala, materiais, cor e decoração; (iv) as
relações da cidade com seu entorno natural ou criado
pelo homem; (v) as diversas vocações das cidades
adquiridas ao longo de sua história. Qualquer ameaça a
esses valores comprometeria a autenticidade da cidade
134
histórica. A participação e o comprometimento dos
habitantes da cidade são indispensáveis ao êxito da
salvaguarda e devem ser estimulados. Não se deve
jamais esquecer que a salvaguarda das cidades e bairros
históricos diz respeito primeiramente a seus habitantes.
As intervenções em um bairro ou em uma cidade
histórica devem realizar-se com prudência, sensibilidade,
método e rigor. Dever-se-ia evitar o dogmatismo, mas
levar em consideração os problemas específicos de cada
caso particular.
O planejamento da salvaguarda das cidades e
bairros históricos deve ser precedido de estudos
multidisciplinares. O plano de salvaguarda deve
compreender uma análise dos dados, particularmente
arqueológicos, históricos, arquitetônicos, técnicos,
sociológicos e econômicos e deve definir as principais
orientações e modalidades de ações a serem
empreendidas no plano jurídico, administrativo e
financeiro. O plano de salvaguarda deverá empenhar-se
para definir uma articulação harmoniosa entre os bairros
históricos e o conjunto da cidade. O plano de salvaguarda
deve determinar as edificações ou grupos de edificações
que devam ser particularmente protegidos, os que devam
ser conservados em certas condições e os que, em
135
circunstâncias excepcionais, possam ser demolidos. Antes
de qualquer intervenção, as condições existentes na área
deverão ser rigorosamente documentadas. O plano
deveria contar com a adesão dos habitantes existentes na
área deverão ser rigorosamente documentadas. O plano
deveria contar com a adesão dos habitantes.
Antes da adoção de um plano de salvaguarda
ou enquanto ele estiver sendo finalizado, as ações
necessárias à conservação deverão ser adotadas em
observância aos princípios e métodos da presente carta e
da Carta de Veneza. A conservação das cidades e bairros
históricos implica a manutenção permanente das áreas
edificadas. As novas funções devem ser compatíveis com
o caráter, a vocação e a estrutura das cidades históricas.
A adaptação da cidade histórica à vida contemporânea
requer cuidadosas instalações das redes de
infraestrutura e equipamento dos serviços públicos. A
melhoria do habitat deve ser um dos objetivos
fundamentais da salvaguarda. No caso de ser necessário
efetuar transformações dos imóveis ou construir novos,
todo o acréscimo deverá respeitar a organização espacial
existente, especialmente seu parcelamento, volume e
escala, nos termos em que o impõem a qualidade e o
valor do conjunto de construções existentes. A introdução
136
de elementos de caráter contemporâneo, desde que não
perturbe a harmonia do conjunto, pode contribuir para o
seu enriquecimento. É importante contribuir para um
melhor conhecimento do passado das cidades históricas,
através do favorecimento às pesquisas arqueológicas
urbanas e da apresentação adequada das descobertas,
sem prejuízo da organização geral do tecido urbano.
A circulação de veículos deve ser estritamente
regulamentada no interior das cidades e dos bairros
históricos; as áreas de estacionamento deverão ser
planejadas de maneira que não degradem seu aspecto
nem o do seu entorno. Os grandes traçados rodoviários
previstos no planejamento físico-territorial não devem
penetrar nas cidades históricas, mas somente facilitar o
tráfego das cercanias para permitir-lhes um fácil acesso.
Devem ser adotadas nas cidades históricas medidas
preventivas contra as catástrofes naturais e contra todos
os danos (notadamente, as poluições e as vibrações), não
só para assegurar a salvaguarda do seu patrimônio, como
também para a segurança e o bem-estar de seus
habitantes. Os meios empregados para prevenir ou
reparar os efeitos das calamidades devem adaptar-se ao
caráter específico dos bens a salvaguardar. Para
assegurar a participação e o envolvimento dos habitantes
137
deverá ser efetuado um programa de informações gerais
que comece desde a idade escolar. Deverá ser favorecida
a ação das associações de salvaguarda e deverão ser
tomadas medidas de caráter financeiro para assegurar a
conservação e a restauração das edificações existentes. A
salvaguarda exige uma formação especializada de todos
os profissionais envolvidos.
REFERÊNCIA:
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138
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140
EXPLICITAÇÕES À CARTA SOBRE O
PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO (1999): SINGELAS
PINCELADAS
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Carta sobre o Patrimônio Construído
Vernáculo (1999) e sua proeminência na salvaguarda
do patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio
ambiente cultural é constituído por bens culturais,
cuja acepção compreende aqueles que possuem valor
histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,
espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo
as características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o
141
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Explicitações à Carta sobre o
Patrimônio Construído Vernáculo (1999): Singelas
Pinceladas
142
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
143
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”89. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
89 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set.
2015, s.p.
144
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”90. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
07 set. 2015.
145
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”91. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
91 VERDAN, 2009, s.p.
146
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”92. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
92 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 set. 2015.
147
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade93·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”94.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
93 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 94 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
148
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível95.
95 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
149
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”96. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015. 96 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
150
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198197,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
97 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
151
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”98.
Nesta senda, ainda, Fiorillo99, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
98 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 99 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
152
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal100.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
153
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”101.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988102 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
101 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 102 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
154
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade103.
103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
155
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
156
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
157
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
158
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
159
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”104. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
104 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p.
15-16.
160
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”105. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
105 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
161
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
162
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”106. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
106 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 07 set.
2015.
163
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”107, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000108, que institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências, consiste em
instrumento efetivo para a preservação dos bens
imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como
bem aponta Brollo109, em seu magistério, o aludido
decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais
de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política
de inventariança, referenciamento e valorização desse
patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado
por Celso Fiorillo110, que os bens que constituem o
denominado patrimônio cultural consistem na
107 BROLLO, 2006, p. 33. 108 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015. 109 BROLLO, 2006, p. 33. 110 FIORILLO, 2012, p. 80.
164
materialização da história de um povo, de todo o caminho
de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,
os quais têm o condão de substancializar a identidade e a
cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada
comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-
ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do
meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que
o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento
de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem
como é propiciada a constante evolução fomentada pela
atenção à diversidade e à criatividade humana.
4 EXPLICITAÇÕES À CARTA SOBRE O
PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO VERNÁCULO (1999):
SINGELAS PINCELADAS
Em um primeiro momento, cuida anotar que o
património construído vernáculo ocupa um lugar central
no afeto e no orgulho dos povos. Foi aceite como uma
característica e como um produto atrativo da sociedade;
ele surge informal, mas ainda assim ordeiramente. É
utilitário e ao mesmo tempo possui interesse e beleza. É
um foco da vida contemporânea e ao mesmo tempo um
165
registro da história da sociedade. Apesar de ser o
trabalho do homem, também é uma criação do tempo.
Seria indigno do património do homem se não fosse
prestada atenção à conservação destas harmonias
tradicionais que constituem o núcleo da própria
existência do homem. O património construído
vernáculo é importante; ele é a expressão fundamental
da cultura de uma comunidade, do seu relacionamento
com o seu território e, ao mesmo tempo, a expressão da
diversidade da cultura mundial. A construção vernácula
é a forma tradicional e natural pela qual as comunidades
habitavam. É um processo contínuo que inclui as
necessárias modificações e adaptações contínuas como
resposta às restrições sociais e ambientais. A
sobrevivência desta tradição está mundialmente
ameaçada pelas forças da homogeneização econômica,
cultural e arquitetônica. Como se podem deter essas
forças é um problema fundamental que deve ser
abordado pelas comunidades e, também, pelos governos,
pelos planejadores, pelos arquitetos, pelos
conservacionistas e por grupos multidisciplinares de
especialistas. Em consequência da homogeneização da
cultura e da transformação socioeconômica, as estruturas
vernáculas são extremamente vulneráveis em todo o
166
mundo, enfrentando sérios problemas de obsolescência,
de equilíbrio interno e de integração. É, portanto,
necessário estabelecerem-se princípios para o tratamento
e para a proteção do nosso património construído
vernáculo, para além da Carta de Veneza.
Os exemplos do vernáculo podem ser
reconhecidos por: a) uma maneira de construir
partilhada pela comunidade; b) um caráter local ou
regional reconhecível; c) coerência no estilo, na forma ou
na aparência, ou o uso de tipos de construção
tradicionalmente estabelecidos; d) sabedoria tradicional
no projeto e na construção, que é transmitida
informalmente; e) uma resposta efetiva às restrições
funcionais, sociais e ambientais; f) a aplicação efetiva de
sistemas e de ofícios de construção tradicionais. A
apreciação e a proteção com sucesso do patrimônio
vernáculo dependem do envolvimento e do apoio da
comunidade, da continuidade do seu uso e da sua
manutenção. Os governos e as autoridades responsáveis
devem reconhecer o direito que todas as comunidades
têm de manterem as suas tradições de vida, de protegê-
las através de todos os meios legislativos,
administrativos e financeiros disponíveis, e de passá-las
para as futuras gerações. A conservação do patrimônio
167
vernáculo deve ser executada por competências
multidisciplinares, embora reconhecendo a
inevitabilidade da mudança e do desenvolvimento, bem
como a necessidade de ser respeitada a identidade
cultural estabelecida.
O trabalho atual em edifícios, grupos e
povoados vernáculos deve respeitar os respectivos
valores culturais e o seu caráter tradicional.
Frequentemente, o vernáculo é representado apenas por
estruturas únicas, e é melhor conservado pela
manutenção e pela preservação de grupos de edificações
e de povoados com um caráter representativo, região por
região. O patrimônio vernáculo edificado é uma parte
integral da paisagem cultural, e este relacionamento
deve ser tomado em consideração no desenvolvimento
das abordagens de conservação. O vernáculo abrange não
só a forma e a fábrica física dos edifícios, das estruturas e
dos espaços, mas também as formas pelas quais eles são
usados e compreendidos, e as tradições e associações
intangíveis que lhes estão associadas. Qualquer trabalho
físico sobre um edifício, ou sobre uma estrutura
vernácula, deve ser cuidadoso e deve ser precedido por
uma análise completa da sua forma e da sua estrutura.
Este documento deve ser conservado num arquivo
168
acessível ao público. As intervenções sobre estruturas
vernáculas devem ser executadas de uma forma que
respeite e mantenha a integridade da localização, do
relacionamento com a paisagem física e cultural, e das
diversas estruturas entre si.
A continuidade dos sistemas tradicionais de
construção e das competências artesanais associadas com
o vernáculo é fundamental para a expressão vernácula, e
é essencial para a reparação e para o restauro destas
estruturas. Tais competências devem ser retidas,
registradas e passadas para as novas gerações de
artesãos e de construtores, através da educação e da
formação. As alterações que respondem legitimamente às
solicitações do uso atual devem ser efetuadas pela
introdução de materiais que mantenham a consistência
da expressão, da aparência, da textura e da forma de
toda a estrutura, bem como a consistência dos materiais
de construção. A adaptação, e o novo uso, das estruturas
vernáculas deve ser executada de forma que respeite a
integridade da estrutura, o seu caráter e a sua forma
sendo, ao mesmo tempo, compatível com padrões de vida
aceitáveis. Onde não houver quebra na continuidade de
utilização das formas vernáculas, um código de ética
próprio da comunidade pode servir como ferramenta de
169
intervenção.
Devem ser apreciadas e compreendidas as
alterações ao longo do tempo como sendo aspectos
importantes da arquitetura vernácula. Normalmente,
não deve ser objetivo dos trabalhos sobre estruturas
vernáculas procurar-se a conformidade de todas as
partes com um único período. Para se conservarem os
valores culturais de expressão vernácula, os governos, as
autoridades responsáveis, os grupos e as organizações
devem dar relevo ao seguinte: a) Programas de educação
para conservadores sobre os princípios do vernáculo. b)
Programas de formação para apoiar as comunidades na
manutenção dos sistemas, materiais e competências
artesanais tradicionais de construção. c) Programas de
informação que aumentem a consciência pública sobre o
vernáculo, especialmente entre a geração mais nova. d)
Redes regionais sobre arquitetura vernácula, para troca
de competências e de experiências.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
170
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
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171
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173
DESTAQUES À CARTA DE CRACÓVIA (2000):
PRINCÍPIOS PARA A CONSERVAÇÃO E O
RESTAURO DO PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Carta de Cracóvia (2000) e sua
proeminência na conservação e restauro do patrimônio
construído. Cuida salientar que o meio ambiente
cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o
174
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Destaques à Carta de Cracóvia (2000):
Princípios para a Conservação e o Restauro do
Patrimônio Construído
175
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
176
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”111. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
111 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 set.
2015, s.p.
177
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”112. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
112 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
07 set. 2015.
178
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”113. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
113 VERDAN, 2009, s.p.
179
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”114. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
114 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 07 set. 2015.
180
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade115·. Ora, daí
se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”116.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
115 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 116 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
181
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível117.
117 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
182
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”118. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015. 118 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
183
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981119,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
119 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015.
184
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”120.
Nesta senda, ainda, Fiorillo121, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
120 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 121 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
185
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal122.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
186
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”123.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988124 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
123 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 124 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
187
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade125.
125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
188
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 set. 2015.
189
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
190
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
191
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
192
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”126. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
126 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 07 set. 2015, p.
15-16.
193
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”127. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
127 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
194
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
195
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”128. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
128 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 07 set.
2015.
196
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”129, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000130, que institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências, consiste em
instrumento efetivo para a preservação dos bens
imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como
bem aponta Brollo131, em seu magistério, o aludido
decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais
de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política
de inventariança, referenciamento e valorização desse
patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado
por Celso Fiorillo132, que os bens que constituem o
denominado patrimônio cultural consistem na
129 BROLLO, 2006, p. 33. 130 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2015. 131 BROLLO, 2006, p. 33. 132 FIORILLO, 2012, p. 80.
197
materialização da história de um povo, de todo o caminho
de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,
os quais têm o condão de substancializar a identidade e a
cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada
comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-
ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do
meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que
o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento
de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem
como é propiciada a constante evolução fomentada pela
atenção à diversidade e à criatividade humana.
4 DESTAQUES À CARTA DE CRACÓVIA (2000):
PRINCÍPIOS PARA A CONSERVAÇÃO E O
RESTAURO DO PATRIMÔNIO CONSTRUÍDO
Em um primeiro momento, cuida anotar que o
património arquitetônico, urbano ou paisagístico, assim
como os elementos que o compõem resultam de uma
dialética entre os diferentes momentos históricos e os
respectivos contextos socioculturais. A conservação deste
património é o objetivo da Carta da Cracóvia. A
conservação pode ser realizada mediante diferentes tipos
198
de intervenções, tais como o controlo do meio ambiental,
a manutenção, a reparação, o restauro, a renovação e a
reabilitação. Qualquer intervenção implica decisões,
escolhas e responsabilidades relacionadas com o
património, entendido no seu conjunto, incluindo os
elementos que embora hoje possam não ter um
significado específico, poderão, contudo, tê-lo no futuro. A
manutenção e a reparação constituem uma parte
fundamental do processo de conservação do património.
Estas ações exigem diversos procedimentos,
nomeadamente investigações prévias, testes, inspeções,
controles, acompanhamento dos trabalhos e do seu
comportamento pós-realização. Os riscos de degradação
do património devem ser previstos em relatórios
apropriados para permitir a adoção de medidas
preventivas. A conservação do património construído é
executada de acordo com o projeto de restauro, que se
inscreve numa estratégia para a sua conservação a longo
prazo. O “projeto de restauro” deverá basear-se num
conjunto de opções técnicas apropriadas e ser elaborado
segundo um processo cognitivo que integra a recolha de
informações e a compreensão do edifício ou do sítio. Este
processo pode incluir o estudo dos materiais tradicionais,
ou novos, o estudo estrutural, análises gráficas e
199
dimensionais e a identificação dos significados histórico,
artístico e sociocultural. No projeto de restauro devem
participar todas as disciplinas pertinentes e a
coordenação deve ser levada a cabo por uma pessoa
qualificada na área da conservação e restauro.
Devem ser evitadas reconstruções de partes
significativas de um edifício, baseadas no que os
responsáveis julgam ser o seu “verdadeiro estilo”. A
reconstrução de partes muito limitadas, com um
significado arquitetônico pode ser excepcionalmente
aceite, na condição de se fundamentar, em documentação
precisa e irrefutável. Se for necessário para o uso
adequado do edifício, podem-se incorporar elementos
espaciais e funcionais, mas estes devem exprimir a
linguagem da arquitetura atual. A reconstrução total de
um edifício, que tenha sido destruído por um conflito
armado ou por uma catástrofe natural, só é aceitável se
existirem motivos sociais ou culturais excepcionais, que
estejam relacionados com a própria identidade da
comunidade local. Qualquer intervenção que afete o
património arqueológico, devido à sua vulnerabilidade,
deve estar estritamente relacionada com a sua
envolvente: o território e a paisagem. Os aspectos
destrutivos das escavações devem reduzir-se tanto
200
quanto seja possível. Cada escavação deve ser
acompanhada de documentação completa sobre os
trabalhos arqueológicos. Tal como em qualquer
intervenção patrimonial, os trabalhos de conservação de
achados arqueológicos devem basear-se no princípio da
intervenção mínima. Os trabalhos arqueológicos só
podem ser realizados por profissionais e a metodologia e
técnicas usadas devem ser estritamente controladas.
Para a proteção e apresentação pública de sítios
arqueológicos deve encorajar-se: o recurso a técnicas
modernas; a criação de bancos de dados; a utilização de
sistemas de informação e a utilização de técnicas de
apresentação virtual dos sítios.
O objetivo da conservação dos monumentos e
dos edifícios com valor histórico, que se localizem em
meio urbano ou rural, é o de manter a sua autenticidade
e integridade, incluindo os espaços interiores, o
mobiliário e a decoração, de acordo com o seu aspecto
original. Tal conservação requer um “projeto de restauro”
apropriado, que defina os métodos e os objetivos. Em
muitos casos, requer-se ainda um uso apropriado para os
monumentos e edifícios com valor histórico, compatível
com os seus espaços e o seu significado patrimonial. As
obras em edifícios com valor histórico devem analisar e
201
respeitar todas as fases construtivas pertencentes a
períodos históricos distintos. A decoração arquitetônica,
as esculturas e os elementos artísticos, que fazem parte
integrante do património construído, devem ser
preservados mediante um projeto específico vinculado ao
projeto geral de restauro. Esta metodologia pressupõe
que o especialista em restauro do património construído
possua os conhecimentos e a formação adequadas, para
além da capacidade cultural, técnica e prática, para
interpretar os diferentes ensaios e análises nas áreas
artísticas específicas. O “projeto de restauro” deve
garantir uma relação correta com o conjunto envolvente,
incluindo o ambiente, a decoração e a escultura e
respeitando as técnicas tradicionais da construção e a
sua necessária integração como uma parte substancial do
património construído.
As cidades e as aldeias históricas, no seu
contexto territorial, representam uma parte essencial do
nosso património universal. Cada um destes conjuntos
patrimoniais deve ser considerado como um todo, com as
suas estruturas, os seus espaços e as características
socioeconômicas, em processo de contínua evolução e
mudança. Qualquer intervenção deve envolver todos os
sectores da população e requer um processo de
202
planejamento integrado, cobrindo uma ampla gama de
atividades. Em meio urbano, a conservação tem por
objeto, quer os conjuntos edificados, quer os espaços
livres. A sua área de intervenção tanto pode restringir-se
a uma parcela de um grande aglomerado urbano, como
englobar a totalidade de uma pequena cidade ou mesmo
uma aldeia, integrando sempre os respectivos valores
imateriais, ou intangíveis. Neste contexto, a intervenção
na cidade histórica deve ter presente a morfologia, as
funções e as estruturas urbanas, na sua interligação com
o território e a paisagem envolventes. Os edifícios que
constituem as zonas históricas podendo não se destacar
pelo seu valor arquitetônico especial, devem ser
salvaguardados como elementos de continuidade urbana,
devido às suas características dimensionais, técnicas,
espaciais, decorativas e cromáticas, elementos de união
insubstituíveis para a unidade orgânica da cidade.
O “projeto de restauro” das cidades ou aldeias
históricas deve, não só verificar a sustentabilidade das
opções estratégicas que assume, como prever o processo
de gestão de futuras alterações, ligando as questões da
conservação do património aos aspectos econômicos e
sociais. Para além do conhecimento das estruturas
físicas, devem ser estudadas as influências que futuras
203
alterações poderão provocar, bem como os necessários
instrumentos para gerir essas alterações. O “projeto de
restauro” de cidades e aldeias históricas deve considerar
que os imóveis do tecido urbano desempenham uma
dupla função: a) são elementos definidores da forma
urbana, mas também; b) possuem uma espacialidade
interna, que constitui um dos seus valores essenciais. As
paisagens reconhecidas como património cultural são o
resultado e o reflexo da interação prolongada nas
diferentes sociedades entre o homem, a natureza e o meio
ambiente físico. São testemunhos da relação evolutiva
das comunidades e dos indivíduos com o seu meio
ambiente. Neste contexto, a sua conservação,
preservação e desenvolvimento centram-se nos aspectos
humanos e naturais, integrando valores materiais e
intangíveis. É importante compreender e respeitar o
caráter das paisagens e aplicar leis e normas adequadas
que harmonizem os usos mais importantes do território
com valores paisagísticos essenciais.
Em muitas sociedades, as paisagens possuem
uma relação histórica com o território e com as cidades. A
integração da conservação da paisagem cultural com o
desenvolvimento sustentado de regiões e localidades com
atividades ecológicas, assim como com o meio ambiente
204
natural requerem uma conscientização e uma
compreensão das suas relações ao longo do tempo, o que
implica o estabelecimento de relações com o meio
ambiente construído, de regiões metropolitanas, cidades
e núcleos históricos. A conservação integrada de
paisagens arqueológicas ou com interesse paleontológico,
bem como o desenvolvimento de paisagens que
apresentam alterações muito significativas, envolvem a
consideração de valores sociais, culturais e estéticos. As
técnicas de conservação devem estar intimamente
ligadas à investigação pluridisciplinar sobre materiais e
tecnologias usadas na construção, reparação e no
restauro do património edificado. A intervenção escolhida
deve respeitar a função original e assegurar a
compatibilidade com os materiais, as estruturas e os
valores arquitetônicos existentes. Quaisquer novos
materiais ou tecnologias devem ser rigorosamente
testados, comparados e experimentados antes da
respectiva aplicação. Embora a aplicação in situ de novas
tecnologias possa justificar-se para uma boa conservação
dos materiais originais, estas devem ser constantemente
controladas tendo em conta os resultados obtidos, o seu
comportamento ao longo do tempo e a possibilidade da
sua eventual reversibilidade. Deve estimular-se o
205
conhecimento dos materiais e técnicas tradicionais de
construção, bem como a sua apropriada manutenção no
contexto da sociedade contemporânea, considerando-as
como componentes importantes do património cultural.
A gestão das cidades históricas e do património
cultural em geral, tendo em conta os contínuos processos
de mudança, transformação e desenvolvimento, consiste
na adoção de regulamentos apropriados, na tomada de
decisões, que implicam necessariamente escolhas, e no
controlo dos resultados. Um aspecto essencial deste
processo, é a necessidade de identificar os riscos, de
antecipar os sistemas de prevenção apropriados e de
criar planos de atuação de emergência. O turismo
cultural, apesar dos seus aspectos positivos para a
economia local, deve ser considerado como um risco.
Deve prestar-se uma particular atenção à otimização dos
custos envolvidos. A conservação do património cultural
deve constituir uma parte integrante dos processos de
planejamento econômico e gestão das comunidades, pois
pode contribuir para o desenvolvimento sustentável,
qualitativo, econômico e social dessas comunidades. A
pluralidade de valores do património e a diversidade de
interesses requerem uma estrutura de comunicação que
permita uma participação efetiva dos cidadãos no
206
processo, para além dos especialistas e gestores
culturais. Caberá às comunidades adotar os métodos e as
formas apropriadas para assegurar uma verdadeira
participação dos cidadãos e das instituições nos processos
de decisão.
A formação e a educação em património
cultural exigem a participação da sociedade e a
integração da temática nos sistemas nacionais de
educação a todos os níveis. A complexidade dos projetos
de restauro, ou de quaisquer outras intervenções de
conservação, por envolverem aspectos históricos,
técnicos, culturais e econômicos, requer a nomeação de
responsáveis bem formados e competentes. A formação
dos especialistas em conservação deve ser
interdisciplinar e incluir o estudo da história da
arquitetura, da teoria e das técnicas da conservação.
Esta formação deve assegurar uma qualificação
adequada, necessária à resolução de problemas de
investigação, bem como para resolver corretamente as
intervenções de conservação e restauro de uma forma
profissional e responsável. A formação de profissionais e
técnicos nas disciplinas da conservação deve considerar a
evolução das metodologias e do conhecimento técnico e
participar no debate atual sobre as teorias e as políticas
207
de conservação. Ao lado disso, a qualidade da mão-de-
obra e o trabalho técnico durante os projetos de restauro
devem também ser valorizados com uma melhor
formação profissional.
A proteção e conservação do património
construído podem ser melhoradas através da adoção de
medidas legais e administrativas. Estas medidas devem
assegurar que os trabalhos de conservação sejam
realizados por especialistas em conservação ou sob sua
supervisão. As disposições legais também podem prever
um período de estágios práticos, no contexto de
programas estruturados. Deve conceder-se uma atenção
especial aos recém-formados especialistas em
conservação do património cultural, nomeadamente no
momento da graduação como profissionais
independentes. Este grau deveria ser adquirido sob
supervisão de especialistas em conservação.
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