colóquio timor: missões científicas e antropologia colonial · missões científicas e...
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Colóquio
Timor: Missões Científicas e Antropologia Colonial
Ana Cristina Roque e Vitor Rosado Marques
IICT – Departamento de Ciências Humanas / Programa de Desenvolvimento Global
Nos dias 24 e 25 de Maio, realizou-se no Arquivo Histórico Ultramarino
do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), o Colóquio Timor:
Missões Científicas e Antropologia Colonial1. O Colóquio resultou de
uma parceria entre o IICT e o ICS, no âmbito de projectos financiados
pela FCT no quadro da História da Ciência, e teve como principal objec-
tivo dar visibilidade à mais recente pesquisa sobre história da ciência
portuguesa em Timor Leste, durante o período da presença portuguesa
na ilha. Tal propósito visava igualmente contribuir para dinamizar o
interesse pela História de Timor e pelo papel nela desempenhado pela
investigação científica. Por sua vez, através de uma compreensão his-
tórica mais aprofundada da realidade timorense, esperava-se também
contribuir para a compreensão da situação presente deste país, aju-
dando a identificar dificuldades actuais e a cooperar na sua resolução.
O Colóquio reuniu investigadores Portugueses e Timorenses e foi
enquadrado por uma exposição e mostra documental Timor: ciência,
saberes e património através das colecções do Instituto de Investiga-
ção Científica Tropical, cujo catálogo só foi possível editar com o patro-
cínio especial da Fundação D. Manuel II.
Nesta exposição foi apresentada documentação escrita, carto-
gráfica e fotográfica, bem como equipamento, material etnográfico e
1 Programa disponível em http://www2.iict.pt/archive/doc/Programa_-_Flyer28Abr_a.pdf
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espécimes biológicos produzidos ou recolhidos no âmbito de missões
científicas em Timor, realizadas sobretudo entre 1950 e 1970, preten-
dendo-se deste modo responder, também, a uma solicitação expressa
pela Secretaria de Estado da Cultura de Timor Leste, relativa à neces-
sidade de disponibilizar informação histórica e científica sobre Timor,
existente nos Arquivos Portugueses, para que a mesma possa vir tam-
bém a ficar acessível em Timor Leste.
1. Aspectos da Exposição no AHU
Ao longo de dois dias, o Colóquio contou com 125 participantes -
37 oradores e moderadores e 88 interessados que para tal se inscreve-
ram - e com a presença de uma delegação da Secretaria de Estado da
Cultura de Timor, tendo a abertura dos trabalhos ficado a cargo do
próprio Secretário de Estado da Cultura de Timor Leste, Dr. Vírgilio Si-
mith, que proferiu uma Conferência sob o lema Património Cultural e
Identidade Nacional em Timor-Leste.
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2. Intervenção do Dr. Vírgilio Simith, Secretário de Estado da Cultura de Timor-Leste
e do Dr. José Amaral, Adido Cultural da Embaixada da República Democrática de
Timor-Leste em Lisboa
Nesta conferência foi sublinhada a importância da cooperação
entre os dois países, também por via das instituições de investigação, a
necessidade de se promover e facilitar o acesso à documentação e co-
lecções existentes em Portugal, designadamente no IICT, e do estabe-
lecimento de protocolos que venham a permitir a disponibilização des-
ta informação, também em Timor-Leste.
O desenvolvimento dos trabalhos prosseguiu de acordo com a
organização em painéis temáticos2, com especial destaque para os
painéis relacionados com documentação e colecções3.
2 Painel 1 – Missões Científicas em Timor (I) Documentação e colecções; Painel 2 - Mis-sões Científicas em Timor (II) – Documentação e Colecções; Painel 3 – Presença Portu-guesa e Antropologia Colonial; Painel 4 – Missões Científicas, Fronteiras e Território; Painel 5: Missões Científicas, Arqueologia e Antropologia; Painel 6: Etnografias de Ti-mor: Repensando o legado; Painel 7: Etnografias de Timor: Olhares sobre o presente, Painel 8: Timor: Antropologia e Imagem.
3 Dois painéis especificamente dedicados a documentação e colecções - Painel 1 e Painel 2 – que contaram com a colaboração de vários sectores do IICT, designadamente o Arquivo Histórico Ultramarino, O Programa de Desenvolvimento Global, O Centro de Geo-Informação para o Desenvolvimento e o Jardim Botânico Tropical / Herbário, e a colaboração do Museu Nacional de Etnologia, do Museu Municipal da Figueira da Foz, do Museu de Coimbra, do Centro Português de Fotografia, da Sociedade de Geografia de Lisboa e do Museu de Marinha.
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3. Painel Documentação e Colecções (I). Materiais do espólio da
Missão Antropológica de Timor
IICT- Programa de Desenvolvimento Global
As intervenções feitas neste contexto revelaram não só a diver-
sidade e quantidade de materiais de e sobre Timor que existem em
Portugal, nomeadamente em termos de acervos documentais4, de co-
lecções etnográficas5 e fotográficas
6, como permitiram um debate cen-
trado na sua importância histórica e na possibilidade da sua utilização
actual.
4 Intervenções de Ana Cannas, Ana Cristina Roque, António Canas e Rui Costa Pinto.
5 Intervenções de Ana Paula Cardoso, Joaquim Pais de Brito e Maria do Rosário Martins.
6 Intervenções de Aida Freitas Ferreira, Ana Cristina Roque e Vítor Rosado Marques.
Documentação manuscrita e impressaCartografia manuscrita DesenhosFotografiasFilmes e gravações áudioMaterial arqueológicoMaterial etnográficoC
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Projecto FCT HC0075/2009. INSTITUTO D EINVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA TROPICAL - DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS / PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO GLOBAL. (SOC-DES)
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4. Painel Documentação e Colecções (I). IICT - Docu-
mentação do Arquivo Histórico Ultramarino
5. Painel Documentação e Colecções (I). IICT – Herbário LISC
Esta última questão foi particularmente pertinente nos casos em
que documentação e colecções podem constituir um ponto de partida
para a melhor compreensão e análise da situação actual ou nas que
permitem a recuperação de informação histórica relevante para as
áreas específicas do património cultural e dos saberes e das práticas
tradicionais. No primeiro caso, destacou-se a informação relativa à bio-
Colóquio Missões Científicas e Antropologia Colonial Lisboa 24 de Maio de 2011
Chafariz. Anexo ao processo de abastecimento de água a Dili: órgãos de distribuição pública. Lisboa, 1963. AHU, MU
Possui ~ 1700 espécimes de Timor-Leste
Cerca de 150 dos exemplares do Herbáriode LISC contêm informação relativa àssuas utilizações, pelas populações locais:
MedicinalTratamento de doenças de animaisFabrico de utensíliosAlimentação de gadoIluminaçãoRituaisBiocidasSombreamentoLenhaFertilizante do solo
Estas colecções foram maioritariamente efectuadas por 8 colectores
O Herbário LISC
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diversidade e à possibilidade de se utilizar esta informação para mape-
ar a situação anterior relativa aos recursos naturais por contraponto à
situação actual, possibilitando uma melhor avaliação da persistência,
degradação ou extinção de habitat e de comunidades vegetais e ani-
mais7. Enquanto no segundo caso, se sublinhou a importância da in-
formação histórica na recuperação de dados específicos sobre aspectos
da cultura material e do património construído que foram completa-
mente destruídos durante o período de ocupação indonésia, ou ainda
para revitalização de alguns sectores da economia tradicional, nomea-
damente, ao nível do artesanato8.
6. Painel Documentação e Colecções (II) – Intervenção do Direc-
tor do Museu Nacional de Etnologia, Prof. Joaquim Pais de Brito,
Prova da abrangência e da relevância desta temática foram ain-
da as intervenções centradas em aspectos mais específicos como as
missões antropológicas9, geográficas
10 e de delimitação de fronteiras,
sublinhando-se a importância da documentação e produção cartográfi-
7 Intervenção de Maria Manuel Romeiras.
8 Intervenções de Ana Cristina Roque e Vítor Rosado Marques.
9 Intervenções de Ana Cristina Roque, Vítor Rosado Marques e Rita Poloni.
10 Intervenções de Paula Santos e António Canas.
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ca relativa a estas últimas na precisão do traçado de fronteira, ainda
hoje em discussão11
.
Carta da Fronteira de Ocussi-Ambenu (1899) compreendendo Noé Muti segundo o tra-
tado de 1859, IICT – Centro de História / Cartoteca da Comissão de Cartografia, 31-009
MLITGJIU
Na mesma linha, mas evidenciando a necessidade de proceder a
um trabalho de campo e de levantamento actual, foram particularmen-
te incisivas as intervenções sobre as pesquisas arqueológicas e antro-
pológicas. As primeiras, sublinhando a deficiente informação relevante
da maior parte dos trabalhos desenvolvidos pelos portugueses na se-
gunda metade do século XX, carentes de uma metodologia científica,
11 Intervenção de Paula Santos, Rui costa Pinto e Manuel Lobato.
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de localização precisa e contextualização no território12
, e que decorre-
ram, quase na sua totalidade, por acréscimo a outros trabalhos consi-
derados então prioritários13
. Apesar de serem considerados entre os
primeiros trabalhos sobre a Pré-história da região, não podem ser tidas
senão como referências que, apesar dos trabalhos que depois disso
têm vindo a ser desenvolvidos, continua a ser necessário confirmar14
.
As segundas, sobretudo pela componente específica de que enferma a
abordagem colonial ao tema e, por isso mesmo, do cuidado redobrado
que deve ser tido quando se tomam como fontes para os estudos an-
tropológicos actuais15
.
A história e a antropologia cruzaram-se em muitas das interven-
ções, evidenciando não só os muitos testemunhos de quem viveu e
conheceu bem o terreno e fez por isso registos circunstanciados do que
a sua experiência possibilitou, nomeadamente os missionários, os mili-
tares ou os membros do governo local, mas que, nem por isso exigem
menos cuidado na avaliação da veracidade das informações presta-
das16
.
No que respeita aos aspectos históricos, o destaque foi dado aos
diferentes aspectos da presença portuguesa na ilha17
e aos impactes
em Portugal dessa mesma presença18
enquanto no domínio da antro-
pologia e etnografia se evidenciou a necessidade de complementar as
informações e recolhas feitas durante o período colonial com um traba-
lho de campo actual que possa permitir uma abordagem diferente e
mais abrangente e possa por isso contribuir para uma melhor compre-
ensão da realidade timorense19
.
12 Intervenção de Nuno Oliveira.
13 Intervenções de Nuno Oliveira e de Rita Poloni.
14 Intervenção de Nuno Oliveira.
15 Intervenções de Cláudia Castelo e de Paulo Seixas.
16 Intervenções de Manuel Lobato, Ricardo Roque e Johana Schouten,
17 Intervenções de Fernando Figueiredo, Manuel Lobato, Frederico Rosa e Ricardo Ro-que.
18 Intervenções de Gonçalo Antunes e Vicente Paulino.
19 Intervenções de Susana Matos Viegas e Lúcio Souza.
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O Colóquio contou ainda com 3 intervenções centradas na ima-
gem, onde se procurou fazer um percurso desde o século XIX à reali-
dade20
, com a apresentação do projecto Wild Timor 21
, sobre biodiver-
sidade e recursos florísticos de Timor, a apresentação da próxima con-
ferência da Euroseas em Lisboa22
e com a colaboração do Centro de
Informação e Divulgação da Cultura de Timor, que disponibilizou uma
exposição sobre tecelagem e habitações tradicionais de Timor.
O conjunto das intervenções sublinhou a importância não só da
divulgação e disponibilização da informação que, a vários níveis, existe
sobre Timor, como da possibilidade de desenvolver linhas de investiga-
ção transversais que, em colaboração com Timor, contribuam para es-
timular o interesse pelas várias vertentes da história de Timor e refor-
çar a cooperação actual e futura entre Portugal e Timor-Leste.
20 Intervenções de Aida Freitas Ferreira, Vítor Marques Marques, Ernesto Matos e Graça Afonso.
21 Apresentação de António Castelo e João Vasconcelos.
22 Apresentação de Rui Feijó e Paulo Seixas.