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CINCIA POLTICASrie Bibliogrfica Unit

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CINCIA POLTICA

Augusto Csar Feitosa

Cincia Poltica

Jouberto Ucha de Mendona Reitor Amlia Maria Cerqueira Ucha Vice-Reitora Jouberto Ucha de Mendona Junior Pr-Reitoria Administrativa - PROAD Ihanmarck Damasceno dos Santos Pr-Reitoria Acadmica - PROAC Domingos Svio Alcntara Machado Pr-Reitoria Adjunta de Graduao - PAGR Temisson Jos dos Santos Pr-Reitoria Adjunta de Ps-Graduao e Pesquisa - PAPGP Gilton Kennedy Sousa Fraga Pr-Reitoria Adjunta de Assuntos Comunitrios e Extenso - PAACE Jane Luci Ornelas Freire Gerente do Ncleo de Educao a Distncia - Nead Andrea Karla Ferreira Nunes Coordenadora Pedaggica de Projetos - Nead Lucas Cerqueira do Vale Coordenador de Tecnologias Educacionais - Nead Equipe de Elaborao e Produo de Contedos Miditicos: Alexandre Meneses Chagas - Supervisor Ancjo Santana Resende - Corretor Andira Maltas dos Santos Diagramadora Bruno Costa Pinheiro - Webdesigner Claudivan da Silva Santana - Diagramador Edilberto Marcelino da Gama Neto Diagramador Edivan Santos Guimares - Diagramador Fbio de Rezende Cardoso - Webdesigner Geov da Silva Borges Junior - Ilustrador Mrcia Maria da Silva Santos - Corretora Matheus Oliveira dos Santos - Ilustrador Monique Lara Farias Alves - Webdesigner Pedro Antonio Dantas P. Nou - Webdesigner Rebecca Wanderley N. Agra Silva - Designer Rodrigo Otvio Sales Pereira Guedes - Webdesigner Rodrigo Sangiovanni Lima - Assessor Walmir Oliveira Santos Jnior - Ilustrador Redao: Ncleo de Educao a Distncia - Nead Av. Murilo Dantas, 300 - Farolndia Prdio da Reitoria - Sala 40 CEP: 49.032-490 - Aracaju / SE Tel.: (79) 3218-2186 E-mail: [email protected] Site: www.ead.unit.br Impresso: Grca Gutemberg Telefone: (79) 3218-2154 E-mail: [email protected] Site: www.unit.br Banco de Imagens: Shutterstock

F311c

Feitosa, Augusto Cesar. Cincia poltica. / Augusto Cesar Feitosa. Aracaju : UNIT, 2010. 152 p.: il. : 22 cm. Inclui bibliografia 1. Poltica. I. Universidade Tiradentes Educao Distncia II. Titulo.

CDU : 32Copyright Sociedade de Educao Tiradentes

ApresentaoPrezado(a) estudante, A modernidade anda cada vez mais atrelada ao tempo, e a educao no pode ficar para trs. Prova disso so as nossas disciplinas on-line, que possibilitam a voc estudar com o maior conforto e comodidade possvel, sem perder a qualidade do contedo. Por meio do nosso programa de disciplinas online voc pode ter acesso ao conhecimento de forma rpida, prtica e eficiente, como deve ser a sua forma de comunicao e interao com o mundo na modernidade. Fruns on-line, chats, podcasts, livespace, vdeos, MSN, tudo vlido para o seu aprendizado. Mesmo com tantas opes, a Universidade Tiradentes optou por criar a coleo de livros Srie Bibliogrfica Unit como mais uma opo de acesso ao conhecimento. Escrita por nossos professores, a obra contm todo o contedo da disciplina que voc est cursando na modalidade EAD e representa, sobretudo, a nossa preocupao em garantir o seu acesso ao conhecimento, onde quer que voc esteja.

Desejo a voc bom aprendizado e muito sucesso!

Professor Jouberto Ucha de Mendona Reitor da Universidade Tiradentes

SumrioParte 1: A Gnese da Poltica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11Tema 1: Desmisticando a Poltica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.1 A Construo do Espao Pblico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1.2 A Sociedade e o Estabelecimento das Relaes . . . . . . . 25 1.3 Movimentos Sociais e a Construo do Discurso Poltico . . .34 1.4 O Poder Poltico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Tema 2: A Cincia Poltica Enquanto Cincia Social . . . . . . . . . . . . . . 51 2.1 A Poltica e a Academia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 2.2 O Estado: Funo e Origem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 2.3 As Formas de Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 2.4 O Sistema Representativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

Parte 2: Temas e Pensadores da Poltica . . . . . . . . . . . 85Tema 3: Pensadores da Poltica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87 3.1 Maquiavel: A Poltica Moderna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 3.2 Hobbes: O Leviat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 3.3 Locke: A Propriedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 3.4 Rousseau: A Igualdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 Tema 4: Temas de Poltica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 4.1 A Democracia e a Participao Popular . . . . . . . . . . . . . . .122 4.2 A Ideologia e as Palavras de Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . .129 4.3 Liberdade e Opinio Pblica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135 4.4 A Guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

Concepo da DisciplinaEmentaDesmistificando a Poltica: A Construo do Espao Pblico; A Sociedade e o Estabelecimento das Relaes; Movimentos Sociais e a Construo do Discurso Poltico; O Poder Poltico. A Cincia Poltica enquanto Cincia Social: A Poltica e a Academia; O Estado: Origem e funo; As Formas de Governo; O Sistema Representativo. Pensadores da Poltica: Maquiavel: A Poltica Moderna; Hobbes: O Leviat; Locke: A Propriedade; Rousseau: A Igualdade. Temas de Poltica: A Democracia e a Participao Popular; A Ideologia e as Palavras de Ordem; A Liberdade; A guerra.

ObjetivosGeral Analisar os elementos que compem o pensamento poltico identificando a aplicabilidade da disciplina na sua formao. Traando um perfil histrico dos principais fatos, autores e temas. As cincias sociais visam estimular o senso crtico e ampliar as ferramentas de anlise social do educando. Especficos Conhecer as principais correntes ideolgicas do pensamento poltico; Entender a dinmica das relaes de poder inerentes tessitura social; Apreender a traar um olhar crtico sobre a histria;

Conhecer os principais pensadores do Pensamento Poltico; Compreender o papel das instituies e do Estado; Propiciar a reflexo terico-crtica para a interveno nas expresses da questo social.

Orientao para EstudoA disciplina prope orient-lo em seus procedimentos de estudo e na produo de trabalhos cientficos, possibilitando que voc desenvolva em seus trabalhos pesquisas, o rigor metodolgico e o esprito crtico necessrios ao estudo. Tendo em vista que a experincia de estudar a distncia algo novo, importante que voc observe algumas orientaes: Cuide do seu tempo de estudo! Defina um horrio regular para acessar todo o contedo da sua disciplina disponvel neste material impresso e no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Organize-se de tal forma para que voc possa dedicar tempo suficiente para leitura e reflexo; Esforce-se para alcanar os objetivos propostos na disciplina; Utilize-se dos recursos tcnicos e humanos que esto ao seu dispor para buscar esclarecimentos e para aprofundar as suas reflexes. Estamos nos referindo ao contato

permanente com o professor e com os colegas a partir dos fruns, chats e encontros presenciais, alm dos recursos disponveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem AVA. Para que sua trajetria no curso ocorra de forma tranquila, voc deve realizar as atividades propostas e estar sempre em contato com o professor, alm de acessar o AVA. Para se estudar num curso a distncia deve-se ter a clareza de que a rea da Educao a Distncia pauta-se na autonomia, responsabilidade, cooperao e colaborao por parte dos envolvidos, o que requer uma nova postura do aluno e uma nova forma de concepo de educao. Por isso, voc contar com o apoio das equipes pedaggica e tcnica envolvidas na operacionalizao do curso, alm dos recursos tecnolgicos que contribuiro na mediao entre voc e o professor.

A GNESE DA POLTICA Parte 1

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Desmisticando a Poltica

Quando falamos em poltica no estamos falando apenas de um fenmeno social responsvel pelo processo de escolha dos nossos governantes. Falamos de uma cincia que possui aspectos muito peculiares, conforme vamos identificar no decorrer do nosso estudo. Mas para tal iniciaremos com a dissociao da poltica do aspecto partidrio para encontr-la no nosso cotidiano. Chamamos a este processo de desmistificao da poltica, identificando o cotidiano da ao poltica nas coisas mais comuns com as quais lidamos. J que a poltica est no nosso cotidiano ela possui um espao muito caracterstico, este o espao pblico. Da a necessidade dos polticos em organizarem comcios, em promoverem propagandas acerca dos seus projetos. Compreendendo este espao percebemos que ele aponta o tempo todo para as relaes estabelecidas na sociedade de um modo geral. Nestas relaes a tenso entre governo e grupos sociais que reivindicam novas polticas. Por fim, analisamos o poder que um dos problemas centrais do estudo da nossa disciplina. A Poltica um fenmeno social que nos acompanha integrando-se de tal maneira forma como ns percebemos e lidamos com a realidade ao nosso redor, que podemos arriscar a constatao de que no teramos mais como viver sem ela. responsvel pelo que de mais importante existe nas nossas percepes da realidade, a saber, a tomada de conscincia.

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A conscincia que professamos expressa de forma direta a nossa postura poltica. Constitui um fato estritamente humano, os animais no possuem poltica, por mais organizados que alguns sejam, ela lhes estranha. Pois a poltica um exerccio de racionalidade, de pensamento, de ponderao, de estratgia. Convida-nos a repensar os nossos modos de ser e a mobilizarmo-nos em prol de uma mudana social, ou de uma mudana de postura diante dos fenmenos que nos cercam. Construir o prprio modo de viver expressa uma condio poltica de extrema importncia para a humanidade. Exemplo disso so as biografias que lemos daqueles que nos mostram a vida por uma tica muito prpria. E embora se fale apenas de um indivduo, percebemos na sua histria a repercusso social desta vida. Desmistificar a compreenso de poltica restrita queles que fazem parte de um partido poltico implica percebermos como ela est presente no cotidiano. O q u e j p e r c e b e m o s l e n d o as obras dos pensadores e dos poetas. Nelas expressa-se uma conscincia da realidade, ou seja, uma poltica disseminada nas coisas mais sutis. A dimenso pblica de debates e discusses acerca de algo, sempre nos joga na esfera poltica. E neste espao se afirmam os diversos movimentos sociais.

1.1 A Construo do Espao PblicoQuando se trata do interesse comum, temos a a poltica. Ela algo ligado ao cotidiano das pessoas e est inevitavelmente presente nas atividades mais simples, mais elementares, no olhar que lanamos

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sobre a realidade. Somos seres polticos e exercitamos tal funo quando nos relacionamos com as pessoas e seus bens simblicos1. A origem da ideia de poltica remonta aos gregos da antiguidade. Etimologicamente, a palavra poltica um desdobramento da palavra polis, que em grego significa cidade. Neste sentido, poltica algo que aponta para a nossa condio de cidados, de participantes da cidade. De seres que exercem a cidadania em seus desdobramentos e possibilidades. Tal noo muito importante para os antigos gregos que constituram as bases do pensamento ocidental, porque corresponde a um sentimento de unicidade e familiaridade inerente a todos os que correspondem a essa funo, a de cidado2. Os antigos pensadores, em especial Aristteles, no concebiam a ideia de um ser humano s, sem os outros e sem as relaes que nos enlaam, tornando-nos, por vezes, to comuns ou, ao contrrio, diferenciando-nos. Paradoxalmente, o que nos faz envolver com os outros e vivermos em uma sociedade de massa, ou aquilo que nos impulsiona a viver de forma alternativa, parte do mesmo sentimento de poltica. Em Bobbio (2004) a ideia de Poltica possui dois sentidos: - O clssico: o adjetivo politiks, implica naquilo que se refere cidade. Implica nas ideias de urbanidade, vida pblica, civilidade, sociabilidade, tica. - O moderno: o ordenamento ou a proibio de alguma coisa em funo dos arranjos sociais. A vida em coletividade uma caracterstica humana to ampla que arriscamos a afirmao de que s somos seres-com-os-outros. O hfen proposital

1 Um bem simblico, segundo o pensador poltico Bourdieu, se congura quando a um objeto artstico ou cultural atribudo valor mercantil, sendo consagrado pelas leis do mercado ao status de mercadoria.Fonte: http://www.fmemoria.com.br/teoriaecritica/ pgs/bens_simbolicos.htm

2 Embora se fale de cidadania importante frisar que entre os gregos antigos O Cidado apenas o homem maior de idade. Crianas, mulheres, escravos e estrangeiros estariam aparte do sistema. No gozariam dos privilgios ofertados pelo Estado.Fonte: BARKER, Ernest. Teoria Poltica Grega. Brasilia: Editora da UNB, 1978.

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3 Eugen Berthold Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemo do sculo XX. Seus trabalhos artsticos e tericos inuenciaram profundamente o teatro contemporneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentaes de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955.Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Bertolt_Brecht

para mostrar como a presena do outro uma marca inapagvel da humanidade. Essa percepo arrastase por toda e qualquer compreenso da poltica. Fazendo-nos lembrar que para uma vida coletiva necessitamos estabelecer regras, normas, diretrizes. Somos cobrados habitualmente e o grau de adequao ou inadequao a um determinado sistema, sempre vai dizer respeito a estas cobranas. Se as regras existem, precisamos de rgos, instituies e representantes que as observem e as exponham para todos os membros do corpo social. Assim, a poltica apresenta-se, num sentido primeiro, como o cuidado com as questes da coletividade e posteriormente como a poltica partidria. Exercitamos a poltica, num sentido simples, quando estas questes so identificadas e absorvidas. Como habitualmente estamos fazendo isso, a poltica est em nosso cotidiano. Conforme podemos visualizar no clebre poema do dramaturgo Bertold Brecht3 que fala dessa percepo arraigada de poltica impregnada ao modo de ser de qualquer indivduo, a ponto de que no h como neg-la, recus-la. Tom-la como algo que no nos pertence. Se assim o for, chama-se a este indivduo de analfabeto poltico. Vejamos o que nos diz Brecht: O Analfabeto Poltico O pior analfabeto o analfabeto poltico, Ele no ouve, no fala, nem participa dos acontecimentos polticos. Ele no sabe que o custo de vida, o preo do feijo, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remdio dependem das decises polticas. O analfabeto poltico to burro que se orgulha e estufa o peito dizendo

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que odeia a poltica. No sabe o imbecil que, da sua ignorncia poltica nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que o poltico vigarista, pilantra, corrupto e o lacaio das empresas nacionais e multinacionais. (Berthold Brecht4) Percebemos que, quando a coletividade atingida, somos atingidos tambm, somos parte. Participamos e vivenciamos essa participao seja na escola, seja na feira, seja na igreja. Desse modo, deixamos de pensar que poltica coisa de poltico e assumimos a condio de polticos porque somos parte dela, somos povo. A poltica est em nosso cotidiano. Todavia, o povo por si s no se ordena. necessria a presena do governante, que assume a condio de representante do povo. Nele so depositadas as expectativas e os interesses gerais e, por isso, o exerccio dessa representatividade se constitui como a expresso por excelncia da poltica, pelo seu carter institucional. Afinal, cada governante estar aliado a um grupo de ideologias ou prticas que so avaliadas por todos, pelos eleitores. A partir de tais noes chamamos a poltica de arte de governar. Nos regimes democrticos, ela manifesta-se como a atividade dos cidados pr-ocupados com os assuntos pblicos, manifestando seu interesse com o voto e com sua militncia.

AVA: Links 4 Leitura Complementar, Pgina 17

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O governante aquele que atende s virtudes e preferncias de uma dada comunidade, responsabilizando-se por identificar e empreender o status da concordncia, ou seja, as condies com as quais vai se estabelecer o bem comum. Uma conjugao de aes e interesses, quando se consegue fazer com que os interesses se tornem convergentes e as diretrizes do ordenamento atinjam o mesmo fim comum. Esta a poltica que advm das estratgias daquele que governa. Diversos exemplos podem ilustrar as definies aqui apresentadas. A histria nos enche de heris e viles que se envolveram nas teias da poltica. Estes povoam at hoje o nosso imaginrio: Nelson Mandela (1918), Che Guevara (1928-1967), Mahatma Ghandi (1869-1948), Fidel Castro (1926), Janio Quadros (1917-1992), Fernando Henrique Cardoso(1931), Getlio Vargas (1882-1954), entre outros. Poltica como a arte de governar implica no uso de recursos de manuteno do poder para defender os direitos e os interesses dos cidados. Tanto pela dimenso cotidiana, quanto pela dimenso institucional, a poltica deve conduzir a formas de direcionar e ajustar a sociedade, estabelecendo a organizao. A palavra sociedade nos d a sensao de um fenmeno coeso, mas efeito apenas da nomenclatura, por nomearmos esse conglomerado humano por um nico termo. A sociedade nos lana em mbitos diversos pelos quais a ao poltica institui-se gerando a convincia dos diferentes, tornando ordenado o que seria por natureza catico. Caraterstica que nos lana numa enorme complexidade porque habitualmente falamos dos nossos interesses, das

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nossas necessidades e pensamos sempre no outro como aquele que sabe o que sentimos, ou que sente o mesmo que ns. Saindo dessa condio etnocntrica5, percebemos que exerccio poltico antes de qualquer coisa um exerccio de alteridade6. E neste sentido a poltica apresenta um dos seus aspectos mais importantes, atingir o outro. Um dos pontos mais interessantes da vivncia poltica pelo desafio que gerado. Falamos do outro, em especial, porque tratamos do fato de que temos de dividir o mesmo espao. A este nos acomodamos e construmos as formas de sociabilidade. As formas de habitar, interagir, dividir constituem-se dentro de certas relaes de interao. Ora, se dividimos o mesmo espao, inevitavelmente nos envolvemos em conflitos. Expressos tanto pelas questes de grupos, classes sociais, por exemplo. E que so mais comuns quando tratamos de poltica, ou polticas. Mas os conflitos tambm so expressos pelas diferenas da individualidade de cada pessoa. como se o universo da Poltica e a ao do governante tivesse que transitar de um macrocosmo, que chamamos de sociedade, para minsculos microcosmos, ilustrados pelos diversos grupos sociais e em ltima instncia pela individualidade de cada indivduo. No podemos considerar as individualidades um fardo para a gerncia da vida social. Ao contrrio, nossa individualidade reivindicada sempre que a sociedade se renove em seus parmetros. Para que novas tendncias, novos estilos sejam trazidos para o enlace social. Basta olharmos para a histria e sermos surpreendidos pelo modo com que certos costumes gozavam de normalidade num dado momento. Da mesma forma como assustamos aos mais idosos pelos diversos arranjos socias que so constitudos na atualidade. A individualidade

5 Tomamos um termo da antropologia que representa um olhar sobre as pessoas levando em considerao os nossos valores, tornando os padro a ser seguido. A vida social um grande embate de vises etnocntricas da realidade Fonte: ROCHA, Everardo. O que etnocentrismo. So Paulo: Brasiliense, 1984 (Primeiros passos) 6 Falamos em alteridade como exerccio de aceitao do outro. Fonte: ROCHA, Everardo. O que etnocentrismo. So Paulo: Brasiliense, 1984 (Primeiros passos)

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um bem que enriquece o espao social e por isso no pode ser perdida de vista pela ao poltica. Nas organizaes modernas a individualidade promove possibilidades de reorganizar as aes e construir uma nova ordem, conforme a ilustrao abaixo que pretende pensar a poltica na ao de cada indivduo dentro das empresas. Da as engraadas tipificaes criadas pra identificar comportamentos gerais:Aprenda a ser poltico Atitudes para melhorar sua chance de crescer na empresa Entenda que a poltica no sinnimo de politicagem, e que fazer poltica no o tornar mau-carter Pense no seu sonho de carreira e em como pretende chegar l. Se for ao topo, a poltica vai ser fundamental Observe o ambiente, perceba quais so os grupos de poder e como pode trafegar entre eles Construa uma rede de relacionamentos. Seus contatos ajudaro a evitar a ao dos ratos No tenha vergonha de divulgar seus sucessos e exaltar sua equipe. Se voc no fizer isso, ningum far Ao reconhecer um rato, tome alguns cuidados. S fale com ele por e-mail, de preferncia com cpia para algum Se o rato for seu chefe, a sada recomendada tentar, sutilmente, conseguir uma transferncia Fonte: Por Tiago Lethbridge, Sem poltica ningum sobe nas empresas Exame 07.10.2005

Consequentemente, o espao pblico o lugar da diversidade, embora o termo venha carregado com as reivindicaes dos grupos que lutam pela questo sexual, a diversidade o termo que melhor abrangeria nossa condio. Somos diversificados e o espao pblico o espao da diversidade. Desse modo, no pode sucumbir s formas de intolerncia, preconceito, discriminao. um espao to peculiar que mesmo aqueles que no se dispem a participar so utilizados pelos grupos mais atentos ao ordenamento social.

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notrio o interesse dos polticos, quando atravs das pesquisas eleitorais constatam o nmero de votos brancos ou indecisos. que aqueles que geralmente no se interessam pela poltica, pensando que sua manifestao nica a institucional, esquecem-se que j esto desde o princpio previstos e formam um grupo seleto aos olhos dos polticos profissionais. que em poltica, o silncio refletese como a concordncia passiva diante de uma voz que clama. O egosmo e a inconscincia misturamse formando uma mesma massa de indivduos que no desejam a participao. Alienam-se diante das suas possibilidades. Nesta perspectiva, a participao poltica ajusta-se necessidade de cumprimento moral, de identificao dos deveres e das obrigaes, para reforar a integridade da natureza humana. A omisso diante das situaes sugere a conivncia, a cumplicidade. (DALLARI, 2004, p.34) Por uma questo moral, no podemos nos alienar das questes sociais que advm da ao poltica. A atividade poltica revela quem ns somos, como pensamos e o que esperamos. uma forma de deixar claro e evidente os princpios que nos regem e nos formam. Tal constatao aponta para a conscincia que possumos, ou ao contrrio, sua falta. A participao implica numa busca pelo melhor, pelas melhorias, pelo caminho a ser desbravado e a ser deixado para as geraes vindouras. Mesmo os grupos mais disprivilegiados possuem condies de pressionar a sociedade organizada para que seus interesses sejam visualizados e posteriormente atendidos. A vivncia poltica nos ensina que nunca se pode subestimar a fora do grupo.

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O contrrio da poltica poderia ser a barbrie. Levando a srio essa afirmao, consideramos que fazer poltica no aceitar a violncia. um caminho que no busca as aes guerreiras como modo de resolver os problemas e conflitos estabelecidos. Porque fora dos seus limites s nos resta o recurso fora bruta, esquecendo das possibilidades de elaborao de prmetros que norteiem os conflitos e ajustem suas resolues. Quando cessa a poltica se instala a guerra. Ainda que o espao pblico da poltica se estenda ao conflito, ao debate e discordncia, ele no suporta a violncia. Agir politicamente faz evidenciar formas de tolerncia, de dilogo. E s existe violncia se a palavra no mais vigora. Percebam todas as manchetes que so noticiadas pelos telejornais. Nelas a violncia sempre expresso da falta de dilogo, da ausncia de possibilidades de se assumir as contraposies como legtimas. Quando o discurso no mais demonstrado, quando argumentos no so mais avaliados, parte-se para a violncia, a palavra perde o seu valor, desfaz-se a poltica. Revela-se esse carter quando fazemos parte deste ou daquele grupo. Por agirmos corriqueiramente assim, expressamos essa vocao poltica. Estamos ligados a agremiaes, times, sindicatos, comunidades que nos fortalecem e nos protegem de supostas ameaas. que a poltica tem a capacidade de nos unir ainda que pela oposio. Supe-se que o fim da poltica seria o prprio fim da humanidade. O fim dos bens mais valiosos que reunimos at os dias atuais. O filsofo Andr Comte-Sponville vai problematizar a questo que estamos a analisar com as seguintes consideraes:

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O que poltica? a vida comum e conituosa, sob o domnio do Estado e por seu controle; a arte de tomar, de conservar e de utilizar o poder. tambm a arte de compartilh-lo, mas porque, na verdade, no h outra maneira de tom-lo. Seria um erro considerar a poltica uma atividade unicamente subalterna ou desprezvel. O contrrio que verdade, claro: ocupar-se da vida comum, do destino comum, dos confrontos comuns uma tarefa essencial, para todo ser humano, e ningum poderia esquivar-se dela. Voc vai deixar o caminho livre para os racistas, os fascistas, os demagogos? Vai deixar uns burocratas decidirem por voc? (COMTESPONVILLE, 2004, p.30)

Portanto, sempre que falarmos em poltica levemos em considerao que ela est no nosso dia a dia, embora tambm se manifeste em setores especficos, em rgos que a institucionalizam. Atravs dos seus desdobramentos lidamos com o poder. Ao institucionalizar-se, o poder, passa a representar grupos e comunidades que reivindicam algo acerca da sua realidade. Da necessitarmos de um governante para ordenar a sociedade que pura diversificao. Desse modo, dirigir grupos e dirigir individualidades uma atividade que acompanha a ao poltica. De forma que passamos a ser politicamente responsveis por cada ao positiva, tambm por cada ao negativa que estendemos s pessoas em geral. Somos at responsveis por cada ato de omisso e de indiferena. A apatia poltica tambm revela uma condio poltica:

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o descaso e a falta de compromisso com o outro. por tais fatores que assentamos a ideia de que poltica algo que vivenciamos cotidianamente e no apenas dentro das instituies, dos partidos. Assim a desmistificamos para lidar com a poltica frente a frente.

INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTARDALLARI, Dalmo de Abreu. O que participao poltica. So Paulo: Brasiliense, 2004. (Primeiros Passos n.104) COMTE-SPONVILLE, Andr. Poltica. In: Apresentao da filosofia. So Paulo: Martins Fontes, 2002. Ambas as obras buscam discutir o problema da poltica por uma perspectiva ampla, buscando elementos na cotidianidade e nos exemplos comuns da nossa vivncia. So leituras fceis, embora mantenham critrios acadmicos bem definidos e que oferecem as primeiras ideias para o pesquisador iniciante.

PARA REFLETIRParticipe de uma reunio da Cmara de Vereadores do seu municpio e descreva as ocorrncias presentes na pauta daquele dia. Identifique como as pessoas se comportam e as ideias que elas defendem. Exponha suas percepes no AVA para que se identifique as diversas opinies construdas atravs desta experincia.

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1.2 A Sociedade e o Estabelecimento das RelaesEnquanto seres polticos levaremos em considerao um pressuposto importantssimo para efetivao das noes que estamos a construir. O fato que nascemos iguais, no h como medir o grau de importncia ou de qualidade de duas pessoas que acabaram de nascer, mas inevitavelmente, a sociedade o far. Dentro das instncias sociais, passamos a assumir papis e valores que nos distinguem. Um grande artifcio ao qual nos submetemos e, por vezes, chegamos a acreditar na sua naturalidade. A sociedade atual marcada por caractersticas muito peculiares: individualismo crescente, economia flexvel, predomnio da cultura de massa, etc. uma organizao de origem burguesa7, bem diferente da compreenso que os medievais tinham do que constituiria sua estrutura, por exemplo. Desse modo, prevalecem comportamentos individualistas8 e utilitaristas9 que se desdobraram durante os ltimos sculos, conduzindo-nos aos moldes sociais que encontramos espalhados pelo mundo. A origem burguesa da sociedade moderna responsvel por alguns feitos que merecem destaque: a formulao dos fundamentos da sociedade; a construo de um Estado autnomo, o que chamamos de Estado Moderno; as diversas formas de promoo do ethos10 capitalista.

7 A sociedade burguesa responsvel pela transio do antigo regime de carter medieval. A burguesia inova ao desconstruir os antigos valores aristocrticos e trazer a livre iniciativa como valor deste novo contexto.Fonte: SALDANHA, Nelson. Pequeno dicionrio de teoria do direito e losoa poltica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 1987.

8 Individualismo um conceito poltico, moral e social que exprime a armao e a liberdade do indivduo frente a um grupo, sociedade e ao Estado .Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Individualismo

9 Utilitarismo uma forma de consequencialismo, ou seja, ele avalia uma ao (ou regra) unicamente em funo de suas consequncias.Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Utilitarismo

10 A palavra ethos vem do grego e signica costume, hbito, modo de ser. Desta palavra vai surgir a expresso tica, que signica modo de conduzir a vida.

Ao tratarmos dos fundamentos da sociedade percebemos nuances e aspectos singulares. Ainda que a vida em sociedade seja uma necessidade da

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nossa natureza: natureza humana. A construo da vida social e as formas de sociabilidade, que nos impulsionam ao estabelecimento de certos determinismos sociais so muito sutis e complexos porque esto constantemente a se renovar, mas ao mesmo tempo, aspirando por permanncia. A poltica, na positividade da sua ao, o que ir romper com as diversas imposies e as diversas classificaes que se pretendem permanentes. O ser humano o ponto central da trama social, pois ela s existe em prol dela, ao tempo em que a sociedade est no centro das aes deste ser. Ou seja, toda a sociedade voltada para valorar o humano, mas a sociedade no apenas o que est fora, mas tambm o que est dentro de cada um. Carregamos a sociedade que habitamos. H uma co-pertinncia caracterstica que acompanha essa relao. Ns somos a sociedade, ainda que estejamos a viver a precariedade de sermos apenas uma parte dela. Abstrao que acompanha a formalizao do nosso ser social nas instncia de poder, enquanto atores sociais que esto cumprindo um papel. As relaes, as vivncias, as interposies, os sentimentos, as ideias advm dessa condio comum, existem em vista das interaes; dos processos de sociabilidade: relaes de apoio mtuo, atividades filantrpicas, adeso comoo do grupo, entre outros . Como j foi tratado no captulo anterior, h um espectro que nos acompanha na vida social, o outro. Eu e o Outro somos a sociedade. Pressentimos sempre um mbito mais vasto, uma dimenso mais abrangente que nos compartimenta e nos acolhe. O outro social representa o motivo pelo qual as leis e as instituies foram criadas. Este outro uma presena que se impe atravs

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de um papel social, so os atores sociais, ou seja, aquelas funes exercidas em prol da imposio do grupo, ou da satisfao em fazer parte de um certo crculo. Darcy Azambuja (2008, p.45) fala que refletindo um pouco, chegaria concluso de que no obedecia propriamente a essas pessoas como homens, e sim porque eram autoridades. Enquanto atores sociais tornamo-nos autoridades em algo, em alguma atividade. As pessoas que exercem suas funes sociais e demonstram pelo exerccio destas a autoridade, apontam para a complexidade desse sistema, composto de diversas peas, ao qual chamamos sociedade. Isto porque no nos esgotamos num s papel. Dentro das relaes sociais somos profissionais, pais, sndicos de um prdio, membros de um partido, torcedores de um certo time de futebol. Tudo isso, ao mesmo tempo. A instncia ltima com a qual o indivduo se depara em vista desse arranjo social o Estado. A sociedade encontra nele sua expresso mais excelente. A institucionalizao da sociedade em Estado entrega-nos s regras, s ordens, s diretrizes, com o risco de sofrermos o incmodo da sano. Engraado que, ao contrrio disto repercutir como negativo, uma sociedade s obtm sua sade e perfeio com o cumprimento fiel aos preceitos normativos acordados mutuamente, ou seja, percebendo-se refletida no Estado.

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O Estado a concretizao da sociedade poltica. Comunidades, associaes, formas de cooperao, remetem-nos a este rgo maior no seu sentido mais exemplar, atravs das polticas. Revelando-nos um plano interior que conduz o indivduo como se a forma estabelecida de agir dentro de seus parmetros fosse a mais natural. E em contrapartida, todas as regulamentaes do Estado buscam assegurar o exerccio das aptides do cidado, sejam elas: fsicas, intelectuais, morais, entre outras. Compartimenta-se o conjunto dos diversos grupos, que pelo vnculo em comum so compreendidos todos como sociais. Esse fenmeno ressalta como toda forma de sociedade poltica. No existe uma sociedade isolada, ainda que assim se assuma. H uma condio poltica subjazendo ao seu estilo. Diz Azambuja (2008, p.2) que a sociedade a unio moral de seres racionais e livres, organizados de maneira estvel e eficaz para realizar um fim comum e conhecido por todos. A finalidade comum a tnica, motiva cada indivduo e gera a expectativa de permanncia. Inspirando a execuo de projetos. Quando paramos para pensar no que estamos a teorizar, ao falarmos da sociedade compreendemos que cada instncia social movimenta-se de modo muito similar. Em relao frase em destaque, parece estarmos falando de um casal, ou de ideais imaginados por um pai para com seu filho, ou at mesmo de ocorrncias da vida de algum em relao a alguma instncia institucional, como, por exemplo, algum que recebe uma bolsa de estudos e tem a garantia de permanncia no curso que est matriculado.

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O bem individual est ligado ao bem pblico de tal modo que um refora no outro os mesmos votos. Intermediando estes indivduos e suas relaes, instauramos: o direito positivo, que vai indicar as regras e os princpios que norteiam a vida social num dado espao e num tempo especfico; as instncias organizacionais, enquanto rgos nos quais se fazem presentes as relaes entre membros de um grupo, ou mesmo entre grupos; o governo, como autoridade de uma unidade poltica, fonte das aspiraes comuns.

Todos primando e dedicando-se ao bem pblico. O modo como o bem particular ultrapassado pelo bem pblico passa a repercutir na maneira de se forjar necessidades. Excedendo e ultrapassando a instncia particular, o Estado expressa o tempo todo um desenvolvimento e ajuste dessas necessidades. No fundo o Estado a prpria resposta pelas vias da razo s carncias da nossa condio natural. Artifcio da nossa engenhosidade para instituir a convivncia social atravs do sentimento de cidadania, de partcipe. Sociedade implica sempre na unificao de pessoas para formar um conjunto coeso e distinto. A sua coeso s ajustada pelas relaes normativas especficas e sistemticas expressas pelas leis. Atravs destas, se entende que as aes de qualquer dos integrantes repercute em respostas de repdio ou motivao por parte dos demais membros. A condio de sujeio s normas intensifica o sentimento de pertencimento caracterstico do grupo social.

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As normas sociais no servem para condicionar o indivduo, para obrig-lo a algo porque sua vontade seria outra. Tais preceitos materializam-se como a moral vigente, ou seja, como algo que requerido e esperado pelos membros do corpo social. Toda sociedade constri uma estrutura moral que lhe d suporte. Todavia, precisamos compreender esse acontecimento. A moral, ao contrrio do que pensamos, no aquilo que nos prende, como foi dito, mas o que nos liberta. Tudo o que exigimos de ns mesmos est na esfera da moral. A compreenso do bem e do mal e o modo como, ao procedermos, associamos nossas aes a estas bases. A moral implica sempre na relao que estendo ao outro e, consequentemente, pelo bem que cumpro e pelo mal que no me permito exercer. A moral erigida para levarmos em considerao os direitos do outro. E assim, nunca nos podarmos na vida social. Pois, essa condio, de vivncia integrada s estruturas, nos resguarda da adversidade. Sabemos o que esperar e como agir. Desse modo tornamo-nos livres. (COMTE-SPONVILLE, 2002, p.19) As reivindicaes polticas apontam para conquistas sociais que nos tornaram mais livres. A liberdade de expresso figura como uma dessas ltimas conquistas em prol de uma sociedade mais esclarecida, mais transparente. As possibilidades de interao e trocas tornam-se de grande valia para as pessoas, individualmente, e para os grupos sociais de um modo geral. Comunidades passam a interagir ainda que estejam muito distantes. O fenmeno da comunicao generalizada tem encurtado

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distncias e possibilitado o contato com prticas e modelos sociais nunca visualizados anteriormente. O que instiga a comparao, a anlise e a busca por novas perspectivas que ainda no tenham sido empreendidas pelas lideranas locais. O espao de interao no seio do corpo social caracteriza essa liberdade poltica. A sociedade de comunicao generalizada, chamada de mass media, responsvel por inovaes surpreendentes nas novas estruturas. A difuso e divulgao de imagens, programas e relatos procuram estender a todos a realidade na sua mais bruta manifestao, porque se interpreta esta como a mais verdadeira. Responsabilizando-se por novos comportamentos culturais e valores que passam a repercutir entre a juventude, primeiramente, disseminando-se pelas classes. Embora a sociedade atual se arrogue de ter desfraldado as ideologias que nos acompanharam durante muitos anos, ela no consegue fazer com que este modelo social seja verdadeiramente transparente. Assim, a sociedade de hoje sendo mais livre e lcida, no se tornou mais transparente. A complexidade com a qual fomos envolvidos atravs da difuso dos meios de comunicao nos coloca em paradoxos (VATTIMO, 1992). Por exemplo, ao tempo em que possumos mais meios de comunicao que nos apresentam verses dos acontecimentos correntes, a proliferao da notcia to imediata e vasta que sempre estamos condenados desinformao.

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11 A idia de sociedade de massa, mass media na qual prevalece esse tipo de comunicao, representa uma mudana cultural que fecha os ideais modernos e inaugura outros, dentro de uma nova perspectiva que o autor citado chamar de perspectiva ps-moderna.Fonte: VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa: Edies 70, 2005.

A partir desse modelo de sociedade os meios de comunicao de massa11 exercem funo primordial para a quebra de preconceitos e noes equivocadas que foram guardadas por muito tempo pelo desconhecimento ou por fora da acomodao. Os grandes ideais que antes eram legitimados como fundamentais foram levados condio de parcialidade como todo e qualquer ideal que procure assumir hegemonia. Desfaz-se a expectativa de construo de uma teoria poltica universal. Por isto, nesta mesma sociedade germinam questionamentos em torno dos ideais capitalistas de vida e de felicidade. Percebe-se que a lgica do consumo busca criar um clima de naturalidade e pacificidade que no corresponde com as verdadeiras conquistas sociais. Assim, ao pensarmos a sociedade e suas relaes no espao contemporneo identificamos os mecanismos de poder que estruturam nosso comportamento, percebendo como ele est aliado a outros muitos e ao mesmo tempo identificamos nas conquistas vigentes novas possibilidades de sermos mais conscientes da nossa condio. E isso s acontece por percebermos as muitas conquistas que ainda temos que promover dentro desse conflituoso centro social.

INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTARAZAMBUJA, Darcy. Introduo cincia poltica. So Paulo: Globo, 2008. VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa: Edies 70, 2005. A primeira obra indicada um manual de cincia Poltica, que possui uma estruturao bem didtica

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e inicia todo discurso acerca da questo da poltica atravs de uma identificao das instncias sociais e da forma como a sociedade se revela como um fenmeno a ser analisado. Tanto pela inconstncia dos seus arranjos, quanto pela diversidade dos grupos que a compem. A segunda Obra trata da anlise da sociedade contempornea atravs do processo de comunicao generalizada, explorando a questo da presena das mdias em nosso cotidiano. O autor identifica que a sociedade em lugar de tornar-se mais transparente, complexifica-se e assume outras estruturas ideolgicas de manuteno do poder.

PARA REFLETIREstruture um roteiro de entrevista com o tema cidadania. Desenvolva perguntas gerais, bem abertas. Entreviste trs pessoas de classes sociais diferentes e faa as mesmas perguntas. Observe as diferentes percepes da realidade e das relaes sociais motivadas pelas condies materiais de existncia de cada indivduo. Procure tabular os dados, ou seja, ter um quadro estatstico das respostas encontradas e compare com a dos seus colegas no dia do encontro presencial.

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1.3 Movimentos Sociais e a Construo do Discurso PolticoOs primeiros escritos acerca da questo dos movimentos sociais surgem com Lorens Von Stein (1815 - 1890) em 1840 ao tratar do movimento operrio. Tais iniciativas concretizam-se de fato no sculo XIX e XX e representam a principal reao ao tipo de mudana social provocada pela era industrial. Desse modo, os movimentos iro eleger seus interesses e propor mudanas para a sociedade capitalista. Mas s na dcada de 60 do sculo passado que os movimentos sociais comeam a ser objeto de estudo da cincia social. Historicamente so identificadas mobilizaes que se proliferaram por todo o mundo. Nos Estados Unidos reivindicando por direitos civis. Na Europa o movimento estudantil de maio de 68, o movimento pacifista, o movimento ecolgico, o movimento de mulheres, entre outros. Neste momento surgem as teorias dos movimentos sociais para dar conta desse fenmeno (SELL, 2006, p.118). Tendncias de pensamento e escolas, dentre as quais podemos citar: a Teoria da Mobilizao de Recursos (TMR) que prima por uma compreenso racional, estrutural e funcional. Considera os movimentos sociais como grupos de presso que so organizados pela comunidade para que as necessidades vigentes sejam atendidas. a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS) que prima por uma compreenso neomarxista12. Privilegia os novos atores sociais emergentes: os pacifistas, os ecologistas, as mulheres, os negros entre

12 O neo-marxismo foi uma escola do sculo XX que se remonta aos primeiros escritos de Karl Marx dantes da inuncia de Engels, que se enfocou no idealismo dialtico mais que no materialismo dialtico, recusando assim o determinismo econmico percebido em Marx mais adiante, preferindo enfocarse em uma revoluo psicolgica, mais cultural que poltica.Fonte: http://pt.wikilingue. com/es/Neomarxismo

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outros. Direciona-se ao carter anti-intitucional destes atores pelo fato de buscarem resultados atravs de uma autoreinvidicaao baseada em suas identidades. Dentre os principais estudiosos da temtica dos movimentos sociais, destaca-se o pensamento do socilogo francs Alain Touraine, que estuda acerca destes atores e sujeitos sociais que por sua ao conseguem repensar e alterar a sociedade. Para ele, o ator social no apenas o indivduo na sociedade sofrendo as suas presses, mas aquele que modifica o meio ambiente material e social, modificando tambm a relao de trabalho, as formas de deciso, as relaes de dominao e orientao culturais. Desta forma no qualquer ao coletiva que pode ser considerada um movimento social, pois devem ser distinguidos os interesses em obter benefcios do Estado, ou mesmo reivindicar seus direitos. Os movimentos sociais para Touraine devem modificar, transformar a sociedade e suas formas de organizao econmica, poltica e cultural. Os movimentos sociais devem lutar por uma sociedade renovada, e transformada. Touraine13 destaca a grandeza do movimento dos operrios da era industrial, pois foi capaz de transformar aquelas pessoas em sujeitos, questionando e agindo contra a lgica do lucro e da explorao, lutando por novas relaes sociais. O que deve existir num movimento para que minimamente ele possa se autoafirmar? So destacados trs elementos basilares:

13 TORAINE, Alan. Crtica da modernidade. Petrpolis: Vozes, 2005, p15-25.

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Identidade, quando o mesmo se autodefine por certos fatores; Adversrio, quando se identifica o inimigo poltico; Objetivo, quando se estabelece a viso cabvel acerca da ordem ou organizao.

14 Clebre pensador da Escola de Frankfurt. Pensa os movimentos sociais como formas de minar o sistema vigente, apontando para uma nova ordem no mais sistmica.

Na atualidade os atores sociais deslocam sua luta da economia para a esfera cultural, pois na era ps-industrial que vivemos, esse esforo de transformao social tem como objetivo o melhor compartilhamento da informao e dos recursos tecnolgicos, empreendidos pela sociedade da comunicao generalizada. Os novos movimentos sociais no limitam sua luta ao salrio ou a bradar contra o capitalismo como o movimento operrio atuou, mas voltam-se regularmente para a relao entre cultura e sociedade. Ampliando seu elo de mobilizao, desde as velhas formas de manifestao, como o caso dos operrios, mas tambm nas novas arrumaes de movimentos. Durante a transio democrtica no Brasil o tema movimentos sociais ganha destaque, aps uma ditadura severa, floresce uma pluralidade de atores sociais e promessas de consolidao da democracia. O pice da reflexo terica no Brasil vem do final da dcada de 70 e ganha intensificao nos anos 90, pois logo aps a restaurao da democracia, os movimentos sociais mudaram suas prticas de atuao poltica, dando menos nfase a mobilizao, e mais nfase nas polticas pblicas. Um dos grandes tericos que lana diretrizes para compreenso das novas condies Jrgen Habermas14.

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Neste comeo de sc. XXI, surge uma srie de estudos associativos com a teoria do capital. Eles tratam das contribuies dos movimentos sociais para a implantao de polticas pblicas. E refletem acerca das nossas condies a partir de estudos de caso e teorizaes de variadas matizes. Segundo Sell (2006) as teorias que mais se destacaram foram: a teoria sociolgica que identifica a emergncia dos movimentos sociais de forma especfica no Brasil. Atravs da teoria marxista compreende que o Estado est a servio de uma classe dominante e capitalista, e que a populao operria e trabalhista luta e reage pelas suas necessidades sociais. Questiona o sistema autoritrio vigente. a teoria dos novos movimentos sociais que sofre a influncia de Touraine, tem destaque aqui no Brasil por privilegiar os movimentos sociais rompendo com a nfase nas classes sociais, mostrando a diversidade de sujeitos plurais, e um horizonte maior que apenas a luta por um poder. O cotidiano destacado como elemento em constante transformao, o que repercute numa nova cultura poltica. A teoria da mobilizao de recursos que se interessa por grupos de presso que lutam por interesses e no por grandes transformaes. Buscam objetivos muitas vezes fragmentados, sem que isso constitua uma lacuna.

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Da histria dos movimentos sociais e dos diversos dilogos que se abrem entre os grupos constitudos, passamos a precisar as redes sociais. Elas configuram relaes sociais que concretizam possibilidades de solidariedade, reciprocidade e de compartilhamento, assumindo uma poltica mediadora. As ONGs que auxiliam os movimentos de base na localidade de onde surgem lidam com os processos de empoderamento de grupos, mas no apenas compondo uma outra hierarquia de poder. Constituem-se com o reconhecimento da diversidade que quebra qualquer tipo de relao verticalizada e passa a atuar com o processo de empoderamento atravs da horizontalidade das reivindicaes e aes empreendidas. Requisitos previstos nas configuraes da gesto da organizao da rede. Neste sentido, h um preparo para que os indivduos tornem-se e vejam-se como atores sociais. Envolvendo o trnsito por setores distintos, em funo de que o dilogo poltico seja inovado pelas inter-relaes dos diferentes grupos e instituies, so estes: A Sociedade civil; O Estado; O Mercado.

As formas de atuao nestes trmites se ampliam. Ainda que as decises mais significativas mantenham-se nos conselhos setoriais. O que chamamos de participao cidad advm dessas redes organizadas que ilustram a nova face da sociedade civil. Promovendo um ativismo crescente, seja nas aes solidrias, seja na discusso das polticas de base. Engajamento em prol das causas sociais. Identificando os grupos excludos e discriminados para propor uma democracia na diversidade.

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Consequentemente tais iniciativas geraram na populao de um modo geral uma afirmao positiva que se mostra emblemtica e exemplar em relao a polticas institucionais. Um novo modo de fazer poltica atravs de discursos que privilegiam as camadas desprivilegiadas do corpo social. Propondo a mudana social pela margem e no mais em funo de mudanas estruturais no centro do poder. A descentralizao funciona como primordial para o acomodamento dos grupos, a reorganizao dos espaos e das narrativas discursivas presentes na assistncia poltica. As atividades empreendidas so geralmente apresentadas atravs de uma certa transparncia porque so ligadas ao coletiva. Ligadas ao dia a dia estendendo um caminho que interliga militncia poltica e cotidiano pela riqueza de experincias emergentes. Assim, os movimentos

sociais atingem sua funo primordial atingindo as diferentes camadas pela diferena que lhes inerente. Desfaz-se o discurso da igualdade, no mximo ousamos falar em igualdade de possibilidades, desfraldando-se todo o recurso retrico e de dominao que prevaleceu durante dcadas em vista da to esperada igualdade. O reconhecimento de tais diferenas alarga as concepes de direitos humanos e amplia as bases de mobilizao das comunidades.

INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTARSELL, Carlos E. Introduo sociologia poltica: poltica e sociedade na modernidade tardia. Petrpolis: Vozes, 2006. TOURRAINE, Alain. Crtica da modernidade. Petrpolis: Vozes, 2002.

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A primeira Obra revela um contexto bem amplo em que duas cincias passam a ter um ponto de encontro: a sociologia e a poltica. Expressa ideias atuais e desenvolve suas anlise por temas que envolvem o mundo contemporneo. A segunda visa dar conta do fenmeno da modernidade, abrangendo as circunstncias e os principais elementos de transformao que estiveram presentes durante esse perodo da histria.

PARA REFLETIRIdentifique que grupos sociais assumem a condio de movimento social presentes na sua localidade ou na localidade mais prxima. Converse com seus lderes para saber como foi o processo de organizao e o porqu de esse grupo estar presente neste lugar.

1.4 O Poder PolticoTratamos agora de uma das questes principais quando o assunto poltica, o poder. Sabemos que diversas pessoas se encantam com a poltica em tendo em vista que ela oferece oportunidades de controle e manipulao. O fato de agir sobre os interesses comuns faz com que a ao poltica expresse um poder muito peculiar que se desdobra desde as assertivas e imposies expostas por uma liderana, at as presses feitas por certo grupo. O poder requisitado por quem lidera, mas tambm por quem liderado. Essa plasticidade faz com que a poltica torne-se sinnimo de poder.

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um conceito fundamental, de difcil definio. Sua importncia para a cincia poltica corresponde a uma substncia que vivifica as relaes sociais. Sem ele, no existe poltica. Mesmo nas comunidades mais simples em que a diviso social do trabalho no representava uma hierarquizao, o poder esteve presente. Os ritos, as premiaes, as mudanas de fases de um membro da comunidade, apontam o tempo todo para a questo do poder. Ele sugere sempre: Uma relao bipolar e desigualitria, caracterstica de qualquer corpo social. O estabelecimento das estruturas hierrquicas em funo do trabalho. Os processos de estratificao social.

Desse modo, a energia vital que se depreende destas relaes implica na capacidade de agir e produzir efeitos sobre um grupo humano. Chegando a determinar o prprio comportamento do outro. Atravs dele percebemos o homem como sujeito e ao mesmo tempo objeto da sociedade. Carlos Eduardo Sell (2006) explica que para compreendermos essa relao devemos nos questionar acerca da abrangncia da ideia de poder. Este questionamento sugere uma anlise que passa por trs instncias de identificao: A primeira delas implica em saber o que o poder. Trat-lo como legtimo e como fenmeno. O que gera uma dimenso epistemolgica e filosfica; A segunda identificar quem o agente do poder, quem o exerce. Este exige um tratamento contextual para se compreender os trmites;

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Por ltimo, buscar compreender o seu exerccio, ou seja, como o poder vivenciado. Remete-nos dimenso tica, pela procura do seu sentido.

O poder promove coeso ao grupo, reforando os laos de solidariedade necessrios manuteno de uma organicidade social. Para sua consolidao, vrias instncias se desdobram paralelamente. Duas destas, destacadas por Paulo Bonavides (2010), so a fora e a competncia, cada qual inspirando aspectos do poder, conforme se pode identificar: poder de fato relativo predominncia da fora, trazendo como consequncia o carter coercitivo. poder de direito relativo competncia, desenrola-se do consentimento do governante em funo da viso que se possui de uma realidade e das possibilidades de atuao.

Dentro do nosso sistema de governo pouco a pouco o poder deixa o carter de fora para ser referendado na aprovao do grupo, aspirando dimenso institucional, ou seja, aspirando ao Estado. J vimos que o Estado tambm uma forma de sociedade, pois possui como funo o estabelecimento da organicidade necessria ao grupo. Desse modo, uma organizao de poder que se constitui atravs de uma coero especfica, possuindo capacidade de

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auto-organizao. Esta diz respeito aos vnculos que unem os indivduos s vrias formas de estratificao 15. H uma ambincia coletiva, ou seja, motivos que emanam do ordenamento que incitam vida em coletividade. A legalidade e a legitimidade so critrios fundamentais do poder do Estado para o estabelecimento dessa ambincia social. O princpio da legalidade faz com que o poder do Estado busque integrar-se a regras jurdicas estabelecidas, ajustando o poder ao direito, mantido na funo de regulador. A harmonia da ordem social do Estado depende deste inteiro ajuste. Implicando numa ordem que possui desembarao e consonncia com as regras, mesmo em meio complexidade das instituies. O poder que emerge da legalidade expressa a sintonia com os princpios jurdicos. Conforme Bobbio (2000, p.935):O poder poltico pertence categoria do poder do homem sobre outro homem, no do poder do homem sobre a natureza. Esta relao de poder expressa de mil maneiras, onde se reconhecem frmulas tpicas da linguagem poltica.

15 Clebre pensador da Escola de Frankfurt. Pensa os movimentos sociais como formas de minar o sistema vigente, apontando para uma nova ordem no mais sistmica.

Compreendemos que a Legalidade advm de um sentido normativo. O legal se apresenta como algo correspondente ao devido, ao certo, ao aceitvel, ao que est dentro da norma. Deste modo, a legalidade o oposto da ilegalidade. O ilegal marginal, est margem, foi identificado e tipificado como tal. Vivemos habitualmente em meio s normas. Diversos casos so noticiados pelos telejornais de comportamentos que expressam a marginalidade e

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outros que reforam a necessidade de normatizao. Sabemos que a complexidade dessa condio nos toca sempre que nos deparamos com situaes de renovao da estrutura social. No caso do Brasil, percebemos essa discusso quando somos questionados acerca de temas muito polmicos como a legalizao de drogas, como maconha, cocana entre outras. Quando somos questionados acerca da legalizao da pena de morte para crimes hediondos e diversos outros exemplos podem nos ilustrar a responsabilidade que a sociedade carrega ao legalizar algo. A legalizao o momento mximo pelo qual somos conduzidos normatizao. Ora, a lei expressa o que de mais nobre foi produzido pelo direito, implicando na norma jurdica. Ligam-se a este carter o direito costumeiro e a criao da constituio. Toda essa racionalidade que pretende ordenar as relaes atravs do Estado desemboca num normativismo que persiste no percurso: da legalidade normatizao. Em sentido amplo o termo legal implica o constitucional. Este amparo na validade da norma, na base formal da lei, constitudo para promover a generalizao e garantia da validade dos atos de cada cidado. A legalidade possui uma relao direta com a legitimidade, embora em alguns momentos sejam confundidas. Ambas complementam-se, mas a condio na qual uma se ampara diferencia-se radicalmente da outra. O princpio da legitimidade evade esse aspecto formal da legalidade e aponta para uma outra experincia caraterstica da nossa estrutura social. A legitimidade

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constitui-se pela prpria legalidade expressa na intencionalidade que habita o Estado legalista de direito. Tal qual a legalidade, provm da lei, mas se desdobra por elementos no formais, por exemplo, atravs de valores. Isso lhe confere um carter qualitativo inovador. Legitimar significa justificar, estender fundamento a algo. Indica-nos um nvel mais profundo e, por isso, verdadeiro, ou melhor, originrio. Desse modo, abrange um plano normativo, mas ultrapassando-o. Diversas so as formas de legitimao. A condio de ser legtimo oferece ao poder autoridade. Existe nessa condio uma completude que satisfaz a asceno do governante, porque se constitui com um nmero sempre menor de contestaes. Em vista das diversas alteraes que circundam o cenrio contemporneo, as questes relacionadas ao poder assumem sentidos e aspectos distintos. No nos cabe apenas saber identificar o inimigo, mas, como diz Foucault, cabe-nos perceber que o poder estende-se a todas as esferas sociais, habitando os recantos mais despretenciosos. Noberto Bobbio (2002, pp.105-116) quando analisa o poder na sociedade atual conduz-nos a uma caracterstica peculiar, que a condio deste ocultarse. O ocultamento do poder, ou melhor, o poder oculto de uma potncia e amplitude que surpreende completamente o pensamento poltico. Trata-se, na verdade, da condio pela qual os grandes lderes sempre buscaram se tornar mais clebres, pois quanto mais oculto, mais se potencializa sua autoridade, acresce sua importnciam, mistifica-se sua personalidade, mitifica-se, endeusa-se. Diz Bobbio:

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O poder tende a esconderse. O poder tanto mais potente quanto menos se deixa ver. Deus tanto mais potente quanto mais invisvel for. aquele que v e no visto; que v a todos e ningum o v Pense no Panopticon, de Bentham, ou seja, na idia de um edifcio, no qual o guarda que est no centro tudo via e no podia ser visto. Esta idia de poder ver sem ser visto certamente o emblema do poder de Deus. (BOBBIO,2002, p.105)

Esta compreenso relaciona a invisibilidade do poder oculto a um atributo que apenas os deuses possuem. A forma mais perfeita, que no decorrer da histria foi ensaiada pelos lderes. O gabinete seria o lugar por excelncia no qual as tomadas de deciso se efetivariam, o espao do ocultamento. Ainda que parea paradoxal, so as decises secretas que viro luz num outro momento, no momento certo. O poder se esconde, mas ao mesmo tempo precisa manifestar-se. Esta condio pode seguir duas condies: Temor Dizemos que os comportamentos atemorizados esto volta do poder. A ordem por mais que parea absurda, deve ser cumprida, executada. Mas preciso ter cautela quanto ao temor para que o lder, o sujeito do poder no se revista das caractersticas do dspota. Seduo Caracterstica fundamental de um lder, e contraponto necessrio para o temor. Temor e seduo conduzem o poder a um ponto de equilbrio. A seduo apresentada habitualmente atravs da pompa e o fausto. Grandes lderes so aqueles capazes de grandes feitos. H um carter herico que o

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acompanha porque ele justamente aquele que foge ordem comum, aquele que possui o carter de exceo. O que encanta simplesmente pela sua presena. A figura ilustre, o ilustrssimo. A dimenso oculta do poder tambm exercida para a ampliao dos interesses privados e com isso gera-se a corrupo. A simulao e a mentira quando caracterizam esse ocultamento desvirtuam a interao poltica e o seu sentido maior que o bem pblico.

INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTARBOBBIO, Noberto. Dilogos em torno da repblica: os grandes temas da poltica e da cidadania. Rio de Janeiro, 2002. BONAVIDES, Paulo. Cincia poltica. So Paulo: Malheiros, 2010. So duas obras bem distintas. A de Norberto Bobbio visa a fazer uma anlise da implantao da repblica e suas implicaes para a sociedade atual. O autor, um dos mais clebres pensadores da poltica da atualidade toma especificamente o caso da Itlia e discute com seu interlocutor Viroli os ltimos acontecimentos. uma boa obra para aprofundar conceitos e ideias. A segunda obra um manual de poltica que vem acompanhando geraes de pensadores e estudiosos do tema. Possui um rigor peculiar de pesquisa e desdobramento de ideias.

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PARA REFLETIRFaa uma pesquisa na Cmara de Vereadores e converse com os polticos ali presentes para saber que decises so necessrias para melhorar as condies de vida da sua localidade. E quais as medidas que eles planejaram para fazer valer tais interesses. Exponha os resultados nos frum do AVA.

RESUMONo decorrer das nossas leituras conseguimos estabelecer algumas convices acerca do problema da poltica. Identificamos que para falar desse assunto precisamos ampliar nossa percepo identificando que este fenmeno social representa algo muito maior que a participao neste ou naquele partido. O interesse comum revela sempre a poltica. Neste sentido, ela est ligada s coisas mais cotidianas. A origem da ideia de poltica remonta aos gregos da antiguidade. algo que aponta para a nossa condio de cidados, de participantes da cidade. Aqueles que geralmente no se interessam pela poltica, pensando que sua manifestao nica a institucional, esquecem-se que j esto desde o princpio previstos e formam um grupo seleto aos olhos dos polticos profissionais. Quem pensa que poltica no lhe diz respeito aliena-se diante das suas possibilidades. A poltica um exerccio de sociabilidade. Leva-nos a assumir papis e valores que nos distinguem. Atravs da poltica compomos os movimentos sociais que representam a principal reao

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ao tipo de mudana social provocada pela era industrial. Desse modo, os movimentos elegem seus interesses e propem mudanas para a sociedade. No sculo XX temos uma multiplicao dos movimentos sociais que eclodem por todo o mundo. Dentre as teorias dos movimentos sociais, ressaltamos a Teoria da Mobilizao de Recursos (TMR) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS). Tais teorias visam atingir o outro social, que representa o motivo pelo qual as leis e as instituies foram criadas. Buscamos atravs dos movimentos sociais um novo modo de fazer poltica, propondo a mudana social pela margem e no mais em funo de mudanas estruturais no centro do poder. A descentralizao elemento primordial para construo de novas polticas. Por mais que se trate da poltica no seu sentido corriqueiro, sabemos que diversas pessoas se encantam com a poltica em vista de ela oferecer oportunidades de controle e manipulao. Por ela oferecer a condio de singularidade para o lder. O poder poltico fonte de assdio e disputa. O fato de agir sobre os interesses comuns faz com que a ao poltica expresse um poder muito peculiar que se desdobra de diversos modos. Diramos at que, em certos momentos, a poltica torna-se sinnimo de poder. Este promove a coeso do grupo, reforando os laos de solidariedade necessrios manuteno de uma organicidade social. Duas formas de poder se destacam: o poder de fato, que diz respeito fora e o poder de direito, que diz respeito competncia. Tambm o poder aponta para dois princpios fundamentais: o da legalidade que revela o aspecto formal e o vnculo que o poder possui com as leis, e o da legitimidade.

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A Cincia Poltica Enquanto Cincia Social

O interesse dos captulos que se seguem apresentar a Poltica enquanto uma cincia de cunho social. Desse modo, apresentamos o que constitui a poltica enquanto um certo modo de olhar para a realidade. A poltica em seu sentido cientfico, acadmico, que se interrelaciona com diversas reas do saber: o direito, a filosofia, etc. Mantendo um objeto de anlise especfico acerca do qual s ela se debrua. O Estado o objeto peculiar pelo qual nasce esta cincia com mtodos, conceitos e perspectivas de anlise que enriquecem o cenrio contemporneo. Fazendo-se preocupada com as relaes de poder e com a conduo do Estado, teorizando acerca deste e apresentando algumas consequncias para o sistema de governo. A cincia poltica estuda as formas de governo e sua adequao s expectativas populares, s formas de soberania e s suas possibilidades dentro do regime democrtico. Fechamos a unidade apresentando o carter da representatividade com o qual somos contemplados pela poltica partidria e pelos polticos eleitos. E assim, atravs das diretrizes de estudo dessa rea de conhecimento, acentuamos esse espelhamento que nos conforta e enriquece nas possibilidades abertas pela trama da estrutura social.

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Cincia Poltica

2.1 A Poltica e a AcademiaO nascimento da Cincia Poltica compartilhado com mais duas outras cincias: a sociologia e a antropologia. As trs caracterizam as Cincias Sociais em vista de abranger tanto a integralidade do fenmeno social, quanto pelas especificidades que acompanham cada setor desse conhecimento que busca atender s microestruturas e suas especificidades. A cincia Poltica detm-se no estudo de fenmenos sociais como organizaes, processos polticos e nos sistemas que so gerados dentro das relaes de poder. Estes fenmenos caracterizam o que geralmente chamamos de Poltica. Dois elementos so destacados para assentar as bases da sua pesquisa, o Estado e o poder. Cientistas polticos se dividem em consideraes e anlises para fundamentar suas posturas a partir de um ponto de origem, desdobrando diversas reflexes. Mas toda e qualquer instituio pode ser objeto de anlise desta cincia. Enquanto uma cincia social, a poltica visa uma interveno direta na realidade. Possui um carter prtico que a acompanha e que conduz o pesquisador a desdobrar-se em meio a metodologias variadas, muito estudo de caso, diversas formas de pesquisa participante. O pesquisador social procura vivenciar os fatos ao sabor da sua imediaticidade, ainda que estes possam apenas posteriormente servir de base para reflexes. No raras vezes as funes de assessoria de partidos e candidatos, como tambm a prpria candidatura, envolvem o entusiasta pela poltica.

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O processo poltico e suas implicaes tornam-se ponto de questionamento e anlise. Mas a complexidade vai estar em vivenciar e ao mesmo tempo descrever tais fatos e acontecimentos. O envolvimento e a torcida pelo desfecho faz com que o cientista poltico se avalie sempre, em vista das consequncias que sua anlise possa apontar. Pois suas teorias so a base para reflexo e articulao de outros setores ou profissionais que no lidam com esse fenmeno de forma direta. A parcialidade de percepo gera obstculos que nos remete s possibilidades de neutralizao que um cientista possui em relao ao seu objeto, podendo, assim, validar suas concluses e afastar-se das concepes prconcebidas. Da a importncia de uma metodologia bem estabelecida e dos processos interpretativos voltados para a plurivocidade16 dos discursos. Apresentar os limites antes de afirmar qualquer ideia, pode parecer algo bem enriquecedor dentro desta atividade. Segundo Bonavides (2010, p.38), a cincia poltica possui algumas dificuldades terminolgicas que precisam ser visualizadas para construirmos mais certezas em torno da sua constituio e aplicao. Destas dificuldades destacam-se: o carter mvel e oscilante do vocabulrio poltico; as variaes semnticas dos termos de que se serve o cientista social de um pas para outro; os casos distintos, por exemplo, as vrias acepes de democracia, que gera um caos aos esforos de fixao conceitual.

16 Representa as mltiplas vozes que fazem parte da viso da realidade contempornea. No mais voltada para o discurso apenas das classes dominantes, mas de todos os atores sociais.

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Parece que lhe falta uma nomenclatura que permita s pessoas de um modo geral inteirar-se, mesmo com dificuldades, em relao a certas definies conceituais inerentes, como quando se fala de governo, nao, liberdade, democracia, que no se fixam numa nica terminologia. Fato que agrava uma compreenso mais usual para que as questes no recaiam apenas no academicismo. Todavia, se problematizarmos a prpria ideia de cincia teremos nuances to distintas que parece ser essa complexidade inerente ao prprio tipo de explorao que se tenta esboar. Ainda mais em se tratando de uma cincia relativamente jovem em vista das demais. Bonavides (2010, pp. 26-27) faz uma abordagem histrica encontrando em diferentes autores diretrizes variadas para compreendermos o que seja cincia. Traando um percurso de definies significativas que vo de Aristteles a Comte, ou seja, definies que se sucederam desde o sc. III a.C at o sc. XIX, com o positivismo. Assim, os autores e suas definies so esboados do seguinte modo: Aristteles (384 a.C. 322 a.C) considera cincia a anlise que detinha os princpios e as causas por objeto. Santo Toms de Aquino (1225 1274) definiu-a como a assimilao da mente direcionada ao conhecimento do mundo. Wolff (1679 - 1754) compreendeu como aquilo que se liga a princpios certos e imutveis, apresentado pelo hbito de demonstrar assertivas e inferncias.

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Kant (1724 1804) diz que a cincia tudo que possa ser objeto de certeza apodtica17, ou seja, necessrio e demonstrvel. Age sistematizando conhecimentos a partir de princpios. Littr (1801 1881) a cincia a generalizao da experincia, e a filosofia, a generalizao da cincia. Separando a cincia da filosofia, a segunda caracterizada como conhecimento unificado dos fenmenos que servem de objeto a toda atividade cognoscitiva. Spencer (1820 1903) recorre simplicidade. Segundo ele, h trs variantes do conhecimento: emprico no unificado; cientfico parcialmente unificado; e filosfico totalmente unificado. Comte (1798 1857) as cincias podem ser abstratas e concretas, Estas ltimas consideradas como cincias fundamentais. A caracterizao da cincia implica, segundo inumerveis autores, a tomada de determinada ordem de fenmenos, em cuja pluralidade se busca um princpio de unidade, investigando-se o processo evolutivo, as causas, as circunstncias, as regularidades observadas no campo fenomenolgico (BONAVIDES, 2010, p. 26).

17 Kant emprega-a no sentido dos juzos que esto acima de qualquer contradio, que so necessariamente verdadeiros.Fonte: http://www.loinfo. bem-vindo.net/losoa/ modules/lexico/print. php?entryID=494

Atravs da anlise das polticas a cincia poltica apresenta teses que so caracterizadas como positivas, quando se detm no exerccio de anlise e normativas, quando ala previses acerca de situaes determinadas. Medir o grau de sucesso de

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um governo, das polticas implementadas, o grau de estabilidade, elementos como justia, bem-estar social, paz, entre outros. So tarefas que requisitam ferramentas metodolgicas e pesquisas bem incisivas sobre a realidade estudada. A pesquisa, dentro desta rea pode ser desdobrada pelas seguintes perspectivas: Pela via terica da poltica, enquanto opo de pesquisa de uma dada realidade, configurando-se atravs da identificao de certos fenmenos que so explicados em funo dos elementos tericos que norteiam a percepo do pesquisador. Pela pesquisa descritiva, de carter apenas emprico tomando o fenmeno da poltica atravs dos acontecimentos, consequentemente procede de maneira bem mais detida a coleta de dados, assumindo-a como o seu ponto mais forte para aproximar-se o mximo possvel da realidade. Pela pesquisa comparada, que possui como elemento positivo a delimitao necessria para o procedimento de anlises comparativas. Elencam-se os elementos e as realidades scio-histricas so mediadas para que os dados empricos sejam verdadeiramente compreendidos dentro das suas possibilidades, entrevistas no prprio sistema. Identificam-se elementos generalizveis e os singulares.

Bonavides (2001, pp. 40-45) nos convida a compreender essa cincia por prismas diferenciados, para entendermos, para sua origem e sua abrangncia. Identificando sentidos multidisciplinares que a envolvem.

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Sob o prisma filosfico: o seu estudo detm-se nos acontecimentos, instituies e ideias. Tanto em sentido terico como em sentido prtico. Abrangendo perodos histricos distintos, pois sua investigao no se restringe apenas a um tempo especfico. Partindo de conceitos polmicos no que diz respeito ao mtodo e extenso de seus limites. A filosofia quando lana seu olhar sobre a cincia poltica traz a discusso de suas proposies, das afirmativas que lhe garantem um fundamento epistemolgico. Polemiza sua origem, sua essncia. Diversos filsofos se destacam na reflexo acerca da poltica desde os gregos antigos at os pensadores do sec. XVII, os filsofos da poltica que criaram as bases para o surgimento da cincia. Sob o prisma sociolgico: dois autores so destacados pela iniciativa de sua anlise, Max Weber (1864 1920) e Vierkandt (1867 1953). O primeiro, Max Weber, por iniciar estudos concernentes poltica cientfica, destacando a racionalizao do poder e a legitimao das bases sociais. Identificando as nossas relaes com os aparelhos burocrticos do Estado. Alm do que, Weber descreve o interior dos partidos e sua organizao, suas tcnicas de combate e liderana, entre outros procedimentos. As formas de autoridade e a administrao pblica, que gozam de grande privilgio na literatura sociolgica. O segundo, Vierkandt, expe o carter classista do Estado e da sociedade, as lutas pelo poder na sociedade moderna. Explicita os parmetros nos quais se baseiam os partidos como representao de interesses, e os movimentos reformistas caractersticos do sculo XX. Sob o prisma jurdico: destaca-se Kelsen pelos estudos que realiza acerca da teoria do Estado. Este autor desenvolve uma tendncia exclusivamente jurdica para o fenmeno da

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poltica. Para ele, o Estado se traduz como organizao do poder e por isso o seu estudo deve se desfazer de toda a substantividade. Reflete sobre o Territrio e a populao pelos elementos materiais que os compe. Convertendo a problemtica para o mbito espacial e o mbito pessoal de validade do ordenamento jurdico. Atravs da sua teoria, o normativismo jurdico e o escalonamento das leis dentro do sistema tornam-se o foco principal para o estabelecimento das relaes de poder. Contemporaneamente uma das tendncias que mais tem repercutido entre os tericos da cincia poltica tem sido a perspectiva do tridimensionalismo. Nela est presente o interesse em construir uma viso unificada destes elementos que no decorrer da histria pareciam no se ajustar nas suas tendncias epistemolgicas. Assim, em lugar de se falar de filosofia poltica ou sociologia poltica busca-se manter como parmetro a teoria social jurdica e a teoria filosfica dos fatos, das instituies e das ideias. Expostas numa ordem enciclopdica. Mantendo-se a possibilidade de uma mesma queto mantenha emfoques distintos que no se anulam pela fora do outro.

INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTARBOBBIO, Norberto; METEUCCI, Nicola; PASQUIRO, Gianfranco. Dicionrio de poltica. Vol. I So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2000. BOBBIO, Norberto; METEUCCI, Nicola; PASQUIRO, Gianfranco. Dicionrio de poltica. Vol. II So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2000.

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Uma mesma obra dividida em dois volumes com verbetes, termos, indicaes de aprofundamento. Extremamente rica em casos e exemplificaes que, alm de ilustrar as situaes para o aluno, lana-o na lgica da pesquisa cientfica. A consulta a dicionrios especficos deve ser uma prtica implementada na graduao para que o aluno enriquea seu vocabulrio e perceba a teia de relaes que um conceito pode dispor.

PARA REFLETIRIdentifique os conceitos principais, rena uns cinco conceitos, que fazem parte da cincia poltica. Busque seus significados a partir de autores diferentes e perceba como cada autor se apropria de forma diferente para falar do mesmo assunto. Exponha no frum do AVA para que seus colegas possam comparar com as definies encontradas por eles. Ou mesmo para identificar as definies e os autores mais procurados.

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2.2 O Estado: Funo e OrigemAgora que j compreendemos o que a cincia da poltica enquanto uma cincia social, nos deteremos num dos principais pontos da sua anlise, o Estado e suas teias de laos indissolveis com o corpo social. O sentido etimolgico da palavra Estado remonta Grcia e Roma antigas, vem da palavra status, que significa a condio que o indivduo possua ou no enquanto participante de uma unidade poltica. A expresso estado civil que at hoje utilizamos advm dessa compreenso. O sentido moderno no qual nos movemos abandona essa dimenso privada e cunha a ideia de Estado na esfera pblica Com Bodin (1530-1596), no perodo da renascena, a palavra Repblica designa o Estado, mas logo depois vai representar uma forma de governo. E a palavra Estado se firma como a unidade poltica por excelncia. O Estado de maneira geral a sociedade poltica, que se estabelece sobre um territrio e dirigida por um governo soberano. Max Weber pensa o Estado como uma instituio social que possui a peculiaridade de manter o monoplio sobre o uso da fora. A ao precpua do Estado se expressa na autoridade para gerar e aplicar o poder coletivo. Por ser mais uma dentre tantas instituies sociais, est organizado em torno de um conjunto de funes: ordenamentos, construo de estabilidades, leis, resoluo de litgios, implementao de medidas, entre vrias outras funes.

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Comumente se confunde Estado e governo, mas faz-se necessrio situar cada qual: Estado uma instituio social e consiste na implementao de uma forma, ou um plano social, para esclarecer e instituir como vrias funes devem ser desempenhadas; Governo se entende um conjunto muito particular de pessoas, que num determinado tempo ocupam posio poltica de autoridade dentro do prprio Estado.

Pensa-se o Estado como uma sociedade organizada com governo autnomo que representa o papel de uma pessoa moral. da que usamos a expresso, o papel do Estado. Ele se distingue em relao s outras sociedades anlogas com as quais est frequentemente relacionado. O Estado tambm pode ser o conjunto dos servios gerais de uma nao. Expresso maior do espao pblico em contraposio ao privado. Por isso afirmamos habitualmente que quando um mecanismo social est comprometido, a culpa do estado. Assim tambm quando somos impedidos do usufruto de um servio pblico. A tomada de decises uma caracterstica do Estado que o liga poltica, fazendo desta a prpria cincia do Estado. Quando se trata da sua origem dois percursos de entendimento so ressaltados, a perspectiva filosfica e a sua origem histrica. Diversas teorias com as limitaes do seu

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tempo so lanadas para se entender esta instituio. Destacamos algumas elencadas por Darcy Azambuja (2010, pp. 118-132) que auxiliam uma compreenso mais abrangente. A origem familiar fundamenta o desenvolvimento do Estado a partir da ampliao da famlia, considerando que a sociedade em geral adveio deste ncleo especfico. Tais motivos fazem com que se conceba a famlia como a clula-me da sociedade. Ainda que apresente coerncia nas suas premissas, esta teoria no confirmada pela observao histrica e, por isso, no suscetvel de generalizao. Os crticos desta teoria destacam dois fatores que devem ser levados em considerao. O primeiro que a sociedade humana e a Sociedade poltica no podem ser confundidos porque no so sinnimos. A segunda que a autoridade poltica no pode ser comparada com a autoridade do chefe de famlia. Seria incompatvel com a condio moderna do Estado. A origem contratual O contratualismo parece repercutir sempre que se pergunta pela origem do Estado. O contrato ou a conveno um princpio que encantou vrios autores, no decorrer da histria, que arriscaram conceber esta como sua origem. Ou seja, o Estado teria sido gerado pela conveno dos grupos sociais que acordaram as formas e as diretrizes que passariam a ser adotadas por todos. Comea com Aristteles e Epicuro (341-271 a.C.) estendendo-se ao perodo dos pensadores jusnaturalistas. Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704), Espinoza (1632-1677), Grotius (15831645), Puffendorf (1632-1694).

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A origem violenta Considera-se que o surgimento da instituio estatal adveio da violncia e da fora. Diversos autores adotam tal perspectiva, Bodin, por exemplo, admite uma origem a partir da violncia dos mais fortes. A perspectiva Darwiniana reflete na sociedade poltica a luta pela vida. E nos governantes, a sobrevivncia dos mais aptos. Na estrutura jurdica dos Estados, a organizao da concorrncia. Conjuntamente Darwin (1809-1882), Gumplowicz (1838-1909) dizia que o Estado era um fenmeno social, derivado de aes naturais, onde um grupo se permitia dominar por outro. Outro terico Oppenheimer para o qual o Estado em sua totalidade, sua natureza e organizao, era imposto por um grupo de vencedores a um grupo vencido, o objetivo do primeiro organizar sua dominao, defendendo sua autoridade contra revoltas internas e externas. Outros tantos pensadores centralizaram a importncia da fora como diretriz determinante de estabelecimento da autoridade, da soberania e da gesto poltica. Alguns tomando o Estado como doutrina da fora, como teoriza lie Reclus (18271904). Assim, diante dos fatos acima citados, pode-se afirmar ento que a guerra, a dominao de povos vencidos, um dos modos de formao de novos Estados. A Formao natural Construda a partir de algumas inferncias lgicas em relao prpria composio do Estado. Se este formado por trs elementos: territrio, populao e governo, pois um Estado s existe realmente quando uma populao se fixa em um territrio determinado, leva-se em considerao que a formao do Estado no somente a formao de um poder, mas um ajuste natural destes requisitos.

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A Formao histrica Procura-se na histria as condies e circunstncias que levaram ao seu nascimento. Historicamente, existem trs modos que fundamentam a formao dos Estados: Os modos originrios, alegando que a formao integralmente nova, sem derivar de outro estado antes existente, nascendo diretamente de uma populao e de um pas. Os modos secundrios, pregando que h unio entre vrios Estados, formando um novo, ou que algum se divide para que tal inovao acontea. Os modos derivados, dizendo que a formao se faz por influncias externas de Estados preexistentes.

A Formao jurdica Considera que o Estado deve antes de tudo sua existncia ao fato de possuir uma Constituio. Ele nasce e permanece atravs de todas as mudanas. Tal perspectiva no se fragiliza por no haver como precisar o momento exato em que um Estado obteve sua primeira constituio, parte-se da Constituio escrita ser uma necessidade para formalizar outras formas primrias. Tampouco importa o modo como o poder se formou ou como as pessoas que o aplicam foram designadas, pois desde o momento em que a coletividade estadual se organizou e constituiu rgos para a regncia dos mesmos, o Estado surge.

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Expostas as teorias acerca da sua origem, ressaltamos a importncia de compreenso do Estado para se teorizar em torno do fenmeno da poltica. Como j falamos, o Estado a instncia mxima de realizao das aes e das mobilizaes, o interlocutor para o qual lanamos nossas propostas e desafios de transformao. Neste sentido, perguntamo-nos qual o objetivo do Estado em nossa existncia social. Ele um meio ou um fim para realizao da vida social? Afirma-se que o Estado o fim do ser humano, e este um meio de que serve para realizao das suas aes. Darcy Azambuja fala que alguns pensadores da poltica consideram o Estado em si mesmo, como um fim, como o ideal e a sntese de todas as aspiraes do homem e das foras sociais. Outros sustentam ideias contraditrias a esta: o Estado o meio pelo qual o homem realiza a sua felicidade social, um sistema para adquirir a paz e a prosperidade. Embora possua fins, no propriamente um fim. O fim do Estado o objetivo que ele visa a atingir quando exerce o poder, e esse objetivo invarivel e indiscutvel: o bem pblico. O que vai sofrer variao a competncia do Estado, que se desdobrar de forma distinta conforme a poca e o lugar. Desta forma, o Estado assume certos servios, ou delega para que os setores particulares os executem. Mas tanto ampliando, quanto restringindo sua competncia, o Estado visa a alcanar o bem pblico. Em todos os casos, observa-se sua competncia para no perder de vista o seu grande objetivo.

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O to idealizado bem pblico pode ser entendido como um conjunto de meios de aperfeioamento que a sociedade politicamente organizada tem por fim oferecer aos homens, um patrimnio comum, um reservatrio da comunidade, tais como: ambiente de paz, moralidade e segurana, consolidao e proteo dos quadros naturais que regem o esforo do individuo, como a famlia, a corporao profissional, o progresso, enfim, coordenao de atividades particulares e pblicas tendo em vista a satisfao harmoniosa dos membros da comunidade. Desse modo o Estado exerce suas verdadeiras potencialidades. Atingindo seu sentido ltimo, o bem-estar social.

INDICAO DE LEITURA COMPLEMENTARAZAMBUJA, Darcy. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Globo, 1985. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Poltica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. Dois grandes manuais para compreenso da poltica. A obra do professor Darcy Azambuja detm aspectos muito especficos ao Estado. um trabalho rigoroso extremamente ilustrativo.

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A segunda Obra do pensador Norberto Bobbio mais sistemtica e com conceitos que so identificados em outras obras. Nesta ele rene temas abordados e discutidos, mas que fazem parte dos seus elementos de anlise. Alguns at bem mais amadurecidos desde a poca em que os discutiu durante suas aulas e conferncias.

PARA REFLETIRAprofunde a pesquisa acerca das distines entre Estado e Governo. Procure filmes que ilustrem formas de governo e formas de Estado. Como sugesto assista aos filmes A Outra18, A lista de Schindler19 e Caada ao Outubro Vermelho20. Discuta as principais questes no encontro de tutoria e associe as ideias despertadas pelos filmes teoria estudada.

18 Ttulo original: The Other Boleyn Girl Direo: Justin Chadwick Ano: 2008 Gnero: Drama Durao: 115 min 19 Ttulo original: Schindlers List Direo: Steven Spielberg Ano: 1993 Gnero: Drama / Guerra Durao: 197 min 20 Ttulo original: The Hunt For Red October Direo: John McTiernan Ano: 1990 Gnero: Aventura Durao: 135 min

2.3 As Formas de GovernoA partir das compreenses que acumulamos ao tratar da questo do Estado, explorando sua teoria e suas teses acerca da verdadeira origem dessa instituio moderna deteremo-nos agora numa visualizao das formas de governo. No captulo anterior fizemos uma breve distino acerca da diferena que torna especfica