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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Celso Luiz Vasco e Silva
Do Ato Fotográfico à Interpretação de Imagens:Um Estudo sobre o Movimento de Produção e Interpretação de Imagens
Fotográficas
Natal/RN
2013
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Celso Luiz Vasco e Silva
Do Ato Fotográfico à Interpretação de Imagens:Um Estudo sobre o Movimento de Produção e Interpretação de Imagens
Fotográficas
Dissertação apresentada como requisito para aobtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais, nocurso de pós-graduação em Ciências Sociais daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte.
Orientador: Professor Dr. Orivaldo Pimentel LopesJúnior.
Natal/RN2013.
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Silva, Celso Luiz Vasco e.
Do Ato Fotográfico à interpretação de imagens: um estudo sobre o Movimento
de Produção e Interpretação de Imagens Fotográficas / Celso Luiz Vasco e Silva. –
2013.
99 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais, 2013.
Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior.
1. Fotografia. 2. Interpretação fotográfica. 3. Fotografia e Sociologia. I. Lopes
Júnior, Orivaldo Pimentel. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.
Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 77:316
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DO ATO FOTOGRÁFICO À INTERPRETAÇÃO DE IMAGENS:
UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO DE PRODUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
DE IMAGENS FOTOGRÁFICAS
CELSO LUIZ VASCO E SILVA
Aprovado em: _____ de __________________ de 2013.
Banca Examinadora
___________________________________Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior
Orientador – UFRN
____________________________________Profª. Drª. Evaneide Maria de Melo
Examinadora Titular – IFRN
____________________________________Profª. Drª. Josimey Costa da Silva
Examinadora Titular – UFRN
___________________________________Prof. Dr. Gilmar Santana
Examinador Suplente - UFRN
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AGRADECIMENTOS
Agradeço todas as dores que tive nos últimos anos, pois elas me
lembraram da minha condição de humano, passivo de erros. Mas também
agradeço minhas felicidades, pois me incentivaram a continuar em frente
mesmo nos momentos de mais dificuldades.
Agradeço aos amigos que retornaram à minha vida após anos de
separação. O lugar de cada um sempre esteve presente no meu coração,
principalmente pelos momentos que marcaram a nossa amizade.
Agradeço às minhas avós que se foram antes da conclusão deste
trabalho. Vocês são parte de mim, são diretamente culpadas pela minha
existência. Fizeram-me perceber que, às vezes, é melhor deixarmos alguém
partir para não existir em um estado inanimado.
Por fim, agradeço as oportunidades que me foram dadas,
principalmente as que me fizeram sorrir e chorar, viver e desejar morrer. Parte
da vida experimentada depende diretamente da forma que lidamos com essas
etapas da vida.
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“Fotografar é colocar na mesma linha demira a cabeça, os olhos e o coração”.
Henri Cartier-Bresson
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RESUMO
O campo da fotografia sempre foi permeado por diferentes olhares e
interpretações. Tais olhares possibilitaram interpretações e utilizações quase
que infinitas para fotografia. Em paralelo a esses olhares, a sociologia
comparece para fazer uso e auxiliar a fotografia na elaboração de suas
narrativas temáticas. A presente pesquisa tem como finalidade fazer uma
análise dos elementos que auxiliam e guiam o olhar daquele que pretende
realizar o ato fotográfico, bem como contribuir para a análise e interpretação
dos trabalhos sociológicos. Para tal, em um primeiro momento será realizada
uma breve reflexão das formas como a fotografia pode ser observada do ponto
de vista técnico e da técnica de criação de fotografias. Em um segundo
momento, é feita a construção dos elementos simbólicos que compõem o ato
de se registrar fotografias. Por fim, este trabalho se destina a fazer uma análise
da fotografia dentro das interpretações que podem surgir, principalmente por
verificá-la através do conceito de Frame. Este trabalho não visa encerrar as
discussões acerca da relação entre o campo da fotografia e da sociologia, mas,
sim dar um novo olhar de como ambos interage entre si. Para tal, foram
utilizadas fotografias do Sebastião Salgado para compor o campo visual e
poético dessa pesquisa.
Palavras-chave: Fotografia, Ato Fotográfico, Interpretação, Frame
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ABSTRACT
The field of photography has always been permeated by different perspectives
and interpretations. Such perspectives possible interpretations almost endless
and uses for photography. In parallel to these looks, sociology appears to make
use of the photograph and assists in preparing of its thematic narratives. This
research aims to analyze the elements that assist and guide the look of those
who want to perform the photographic act, as well contribute to the analysis and
interpretation of sociological work. To this purpose, at first there will be a brief
reflection of the ways photography can be observed from the technical point of
view and the technique of creating pictures. In a second step, it’s made the
construction of symbolic elements that compose the act of registering
photographs. Finally, this paper intends to make an analysis of the photograph
within the interpretations that can arise, especially to check it through the
concept of Frame. This work is not intended to terminate discussion on the
relationship between the field of photography and sociology, but rather to give a
new look how both interact with each other For that, we used photographs of
Sebastião Salgado to compose the visual and poetic field of this research.
Keywords: Photography, Photographic Act, Interpretation, Frame
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LISTA DE FOTOGRAFIAS
Figura 1 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. .................................................. 30
Figura 2 – Campo Petrolífero em Greater Burhan Kuwait, 1991. ................... 32
Figura 3 – Trapani, Sicília, Itália, 1991. .......................................................... 37
Figura 4 – Ria de Vigo, Espanha, 1988.......................................................... 41
Figura 5 – Colheita de folhas de chá numa plantação próxima a Cyangugu,
que produz chá de alta qualidade. Ruanda, 1991. ........................ 51
Figura 6 – Província de Havana, Cuba, 1988................................................. 59
Figura 7 – Dhambad, Bihar, Índia, 1989......................................................... 61
Figura 8 – Trapani, Sicília, Itália, 1991. .......................................................... 65
Figura 9 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. .................................................. 69
Figura 10 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. ................................................ 74
Figura 11 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. ................................................ 86
Figura 12 – Campo Petrolífero Greater Burhan Kuwait, 1991. ....................... 89
Figura 13 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986 ................................................. 91
9
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ......................................................................................... 4
RESUMO............................................................................................................ 6
ABSTRACT ........................................................................................................ 7
LISTA DE FOTOGRAFIAS................................................................................. 8
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
CAPÍTULO 1 - Do técnico ao estético: compreendendo a fotografia em
relação aos seus aspectos técnicos................................................................. 23
Compreendendo Elementos Técnicos da Fotografia. ............................ 24
Compreendendo Técnicas Básicas de Fotografia ................................. 33
Quando o Técnico e a Técnica se Encontram ....................................... 40
Compreendendo o Espaço no Documento Histórico ............................. 41
Compreendendo o Tempo Representado no Documento Histórico ...... 47
Ponderações da Fotografia como Registro Artístico.............................. 48
CAPÍTULO 2 - Compreendendo as Realidades Fotográficas para Além dos
Espaços Técnicos. ........................................................................................... 53
O Contínuo Fotográfico: Pensando os Instantes que Compõem a
Fotografia............................................................................................... 54
O Ato Fotográfico na Pesquisa Sociológica: Compreendendo as
relações da fotografia com a pesquisa sociológica................................ 66
CAPÍTULO 3 - Compreendendo o Frame Fotográfico para Além das
Margens da Moldura. ....................................................................................... 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 95
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ................................................................... 99
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INTRODUÇÃO
Pensar esse movimento entre o Ato Fotográfico à Interpretação de
Imagens foi uma missão difícil e de autorreflexão. Principalmente por estarmos
lidando com dois elementos que sempre atraíram os meus olhares: O primeiro
a fotografia, que desde os meus primeiros contatos sempre teve um caráter
encantador e mágico, e o segundo a reflexão sociológica, que procurou colocar
em ordem os pensamentos que tinha dentro de mim.
O primeiro capítulo dessa dissertação talvez reflita um pouco desse
encantamento que possuo com os elementos técnicos e da técnica da
fotografia. Nesse capítulo procurei dar uma introduzida a conceitos que existem
na fotografia e que normalmente são de conhecimento apenas daqueles que se
aprofundam no campo da produção fotográfica.
Os primeiros conceitos são em torno do campo técnico da fotografia.
Nesse campo começo fazendo uma distinção entre equipamentos
considerados profissionais e amadores, bem como traçando um paralelo entre
a fotografia analógica com a digital. O paralelo entre o equipamento analógico
e o digital parece colocar uma separação entre eles, mas na verdade marca
principalmente a dimensão da reprodutividade em que a fotografia passa a ser
reproduzida com maior rapidez, bem como a facilidade nos processos de
edição da imagem. Mas do ponto de vista técnico, a principal diferença é a
presença do sensor e visor digital contra o filme e o visor analógico.
No que se trata das objetivas utilizadas pelas maquinas, poucas
mudanças ocorreram, mas para o trabalho foi necessário fazer uma distinção
dos tipos de lentes mais utilizados no campo da fotografia. Tais lentes
consistem nas grande-angulares, teleobjetivas e fixas. Para cada lente, vai
existir uma angulação no campo de visão captado pela mesma, esse elemento,
por sua vez, vai ficar mais evidente nas lentes classificadas como telegrande-
angulares. Ainda nessa temática procurei abordar a presença do anel do
diafragma, que permite controlar a abertura da lente bem como a entrada de
luz suficiente para realizar uma foto. Esse aspecto mais do que qualquer outro
permite criar uma gama de efeitos que transcendem o campo técnico para a
esfera da técnica da fotografia.
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Passando pelas lentes e seguindo para o corpo das maquinas, foi
explorado as mudanças que ocorreram na ISO. De forma mais simples
consiste numa sensibilidade do material que a luz irá tocar para produzir a
imagem. O controle dessa característica permite ao fotógrafo fazer escolhas
que vão possibilitar ao usuário fazer registros com pouca luz, alem de permitir
dar toques estilísticos para a fotografia.
Em seguida foi procurado exemplificar as alterações que ocorrem
quando é modificado o botão de velocidade do obturador. Esse é quem vai
permitir pausar ou captar o borrão do movimento em que é produzido na
fotografia. Se essa função for controlada devidamente poderá produzir fotos
com características estéticas únicas, que variam de pontos extremamente
claros para pontos escuros, como também transmitir a sensação que as cenas
diante da foto estão em movimento ou pausados.
O último elemento técnico que foi exposto nesse capítulo foi o
fotômetro. Esse que tem a função de ler as configurações que o usuário
preparou e como vão interagir com luz disponível. Informando se a fotografia
irá ficar subexposta ou superexposta.
Configurar de forma harmoniosa todos esses dispositivos técnicos da
fotografia vai ser apenas uma das formas de fazer uma fotografia nascer. Será
necessário também compreender elementos que compreendem o campo da
técnica da fotografia. Para tal foi dedicada uma parte da dissertação a fazer
uma reflexão desses elementos e como eles coexistem em um registro
fotográfico.
Os principais elementos que constituem o campo da técnica da
fotografia é a composição e a exposição. A composição é essencialmente
formada pelo olhar seletivo que o fotógrafo tem diante dos elementos da
realidade que estão se desenvolvendo diante de si. É a tentativa de enquadrar
o olhar e o visor da máquina os elementos de maior interesse, elementos que
tem maior representatividade na cena para transmitir ao espectador da
fotografia a intenção do olhar de quem fotografa.
A característica que é mais presente nesse momento tem que ser a
harmonia entre os elementos que irão se desenvolver diante do fotógrafo. É
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pensar se o ângulo escolhido realmente vai representar com mais propriedade
o que está sendo fotografado, é pensar se a lente escolhida realmente é a ideal
para o momento e por fim pensar na configuração que foi realizada na máquina
vai causar efeitos desejados. Como “consequência” disso temos um efeito que
caminha junto com a composição, sendo esse a regra dos terços. Essa “regra”
é uma forma de enquadrar a cena que está disposta a sua frente, colocando
elementos dispostos em linhas imaginarias que dividiriam a fotografia em três
partes. Normalmente os assuntos que são postos dessa forma acabam por
criar um efeito de composição onde se prende o olhar do espectador da
fotografia. Permite também abrir espaços no campo de visão mostrando
elementos que ficariam “ocultos” pela posição do usuário.
Essa técnica, quando combinada com a devida configuração do
diafragma vai permitir criar o efeito de profundidade de campo. Esse efeito é
marcado pelo desfoque de regiões específicas da fotografia, colocando o
assunto principal em foco e os outros elementos do todo desfocados. Esse
elemento é uma poderosa ferramenta de composição, pois pode disfarçar
elementos não desejados, como também realçar características que chamem
mais a atenção do espectador.
E a última técnica de composição abordada foram as linhas de força.
Essas são linhas imaginarias que seguem o que está no plano do “papel”. Elas
formam parte do movimento, mas também parte do olhar, das retas e curvas
que podem compor a realidade exposta na frente dos usuários da fotografia. As
linhas de força podem até ser criadas pelo fotógrafo, mas elas podem surgir de
forma espontânea, algo que a diferencia das outras técnicas utilizadas pelo
fotógrafo. É possível até especular se não foram essas linhas de força que
chamaram a atenção do fotografo para os elementos ali registrados.
A exposição numa fotografia, já havia sido relacionada com a
velocidade de abertura, o ISO e o fotômetro. A exposição é a forma de
equilibrar os contrastes de cores constituintes da fotografia, mesmo no caso da
fotografia em preto e branco. Esse por sua vez, é necessário controlar de forma
harmoniosa para garantir que a exposição tenha os elementos que estão
tentando tornar visível num registro.
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Ainda na parte sobre a reflexão da técnica da fotografia, foi pensada a
maneira como a edição, no momento da pós-produção, é capaz de alterar
elementos que não podiam ser controlados no instante em que foi tirada. A
edição da foto caminhou em conjunto com a evolução dos processos de
revelação. Eles fazem parte de uma gama de características estéticas que o
fotógrafo terá com o produto final, ele é a maneira de transformar o mundo que
existiu de uma determinada forma, para um mundo existente somente no plano
das ideias. Um mundo, o qual, não tem sua origem no plano da realidade
cotidiana.
Quando colocamos os elementos técnicos e a técnica lado a lado,
podemos ver o surgimento da imagem fotográfica propriamente dita, seja no
filme fotográfico, seja no sensor digital. A fotografia vai ser sempre a junção
dessas duas características. No entanto, isso não encerra as reflexões sobre o
ato fotográfico, apenas deu a introdução para chegar às reflexões sobre a
imagem resultante que contêm diferentes maneiras de ser percebida pelo
mundo do visível.
No processo da leitura de uma fotografia podemos acabar por
enquadra-la em “modelos” conceituais que tentam características próprias e
predeterminadas. Sendo os “modelos” aqui trabalhados a maneira de
considerar a fotografia como sendo um documento histórico ou como
expressão artística.
Para definir o campo da fotografia como documento histórico foi feita
uso da argumentação criada por Jacques Aumont sobre analogia, espaço e
temporalidade. A analogia seria uma forma de ligar as características que estão
presentes na imagem com os elementos que estão representados, mas sendo
isso feito não somente por quem produziu a imagem, mas também por pelo
espectador da fotografia. A analogia seria uma maneira de considerar que na
fotografia existem elementos que estão fazendo referencia com o plano do real
de maneira a representar o mundo quase como se fosse um espelho do real ou
que as fotografias traçassem um mapa dos elementos do cotidiano.
Essa característica da fotografia análoga como espelho do real é
interessante por dar a noção para o espectador de que tudo o que está
representado ali é um reflexo “puro” e sem interferências com o plano do real.
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Já a fotografia como um mapa seria uma forma de encontrar os elementos que
constituem a fotografia antes dela ter sido realizada. A fotografia seria vista de
maneira para não colocar elementos que dificultassem a sua leitura pelo
espectador.
A noção de analogia, dentro da argumentação de Jaques Aumont
acaba por ser próxima do conceito de mimese, quer poderia ser considerada
como um sinônimo de analogia. Mas a proximidade do conceito de mimese
com a fotografia vai apenas uma proximidade a uma semelhança “ideal” que a
foto faria com o seu referente.
Todos esses processos dispostos na pesquisa acabam por levar a
argumentação para o espaço e tempo que coexiste dentro do campo da
fotografia. No caso do espaço representado na fotografia temos que considerar
primeiramente o espaço que foi emoldurado pelo olhar do fotógrafo, mas
também considerar o espaço representado na fotografia que vai ser percebido
pela disposição dos elementos que existem dentro da imagem no plano da foto.
Nesse caso vemos que as linhas de força e a profundidade de campo
vão interferir diretamente na leitura desse espaço, pois eles tentam criar a
percepção de um universo tridimensional num plano bidimensional.
Também foi considerado dentro do espaço de uma fotografia os
elementos que estão “fora-de-campo”, fora da moldura que é criada pelas
bordas do papel e do olhar seletor do fotógrafo. Nesse caso, Aumont considera
que pode partir do ponto de vista representado numa fotografia para
compreender o espaço global do campo que ela foi retirada. Mas esse sendo
somente acessado pelo imaginário do espectador, pois não irá compreender a
totalidade dos acontecimentos.
Seguindo essas reflexões parti para elaborar alguns pensamentos
sobre o tempo representado na fotografia. Nesse tempo, não me concentrei ao
tempo de exposição da luz sobre o material sensível, mas procurei a entender
o tempo representado numa fotografia, ao tempo “narrado” pelo fotografo. Para
compreender essa percepção de tempo, fiz uso de dois conceitos de instantes
trabalhos por Jacques Aumont, sendo eles o instante pregnante e instante
qualquer.
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O instante pregnante seria o instante representado pela imagem, seria
um instante que se fez daquele jeito por elementos que permitem identificar no
tempo aquela imagem. Ou seja, seria ler a imagem de forma a compreender as
características que a localizam em um momento do tempo. Para Jacques
Aumont esses elementos iriam sendo acrescentados por aquele que está
fazendo a imagem surgir, ou seja, a imagem teria que ter sido idealizada para
conter determinados elementos que passem a ideia da temporalidade
representada, algo que estaria presente na pintura. Já o instante qualquer,
seria aquele que estaria mais presente na fotografia, pois esse instante pode
ser realizado de forma automática e seria difícil acrescentar tais elementos a
fotografia sem que a situação fotografada não tivesse sido encenada.
Por isso, o tempo exposto na fotografia seria um tempo sintetizado, um
tempo que do ponto de vista do espectador vai estar cristalizado no seu
presente. Vai conceber um retorno ao passado por aqueles que estão situados
num presente, vai procurar situar o espectador no contexto histórico ali
representado.
Tendo sido feitas essa considerações a cerca da fotografia como
documento histórico, procurei fazer uma ponderação sobre a fotografia como
um registro artístico. Devido a gama de obras que podem ser consideradas
expressões artísticas, foi necessário delimitar esse campo através das
sensações que a fotografia artística pode despertar no seu espectador.
Dentro disso, procuro situar que o título de obra artística vai ser
atribuído a fotografia pela forma como essa vai sensibilizar o espectador
através das leituras e das subjetividades que constituem o leitor dessa imagem.
De certa forma, ocorre um surgimento de uma aura em torno de uma imagem,
uma característica “mágica” que encanta e sensibiliza o espectador de tal
forma, que tem a função de despertar sensações e emoções das diversas
naqueles que entram em contato com uma determinada fotografia.
Para falar de aura, fiz uso da argumentação de Walter Benjamin, que
também argumenta que a aura não é somente criada por obras artísticas, mas
é quebrada pela forma com que é reproduzida. Nesse caso, Walter Benjamin
considera que a fotografia foi uma das formas que representou a quebra do
valor de culto de uma obra artística, pois tal obra existiria de forma “única” em
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seus detalhes e da forma como é exposta. E fazendo surgir um valor de
exposição, um valor que está ligado a forma como é exposta os valores
simbólicos atribuídos a difusão de tal obra artística.
O que pode ser visto no desenvolver dos campos técnicos e da técnica
da fotografia no primeiro capítulo dessa pesquisa, é que a harmonia entre tais
aspectos criam o efeito que tento compreender como sendo o Ato Fotográfico.
Esse ato não consiste somente em direcionar a câmera e pressionar um botão,
consiste em uma reflexão entre estilos e técnicas, assim como a tentativa de
captar as minúcias da realidade cotidiana em um plano dimensional. O grande
Ato de fotografar é em sua essência essa harmonia que vai sendo
desenvolvida no decorrer dessa pesquisa, em especial do primeiro capítulo.
É de considerável importância colocar aqui que a fotografias realizadas
pelo internacionalmente reconhecido Sebastião Salgado, foram utilizadas para
contribuir tanto para a argumentação teórica como para a argumentação
ilustrativa desta pesquisa. A seleção do respectivo fotógrafo se deu num
primeiro momento pelo conteúdo poético que as fotografias produzidas por ele
são capazes de manifestar nos espectadores, em segundo momento, por ficar
nítido em suas imagens os elementos técnicos e estilísticos utilizados para criar
o resultado final de suas fotografias. Esse, portanto, não foi escolhido ao
acaso, foi escolhido pela capacidade de manifestar em mim sensações e
curiosidades que me ajudaram a desenvolver diversas argumentações teóricas
trabalhadas no decorrer dessa pesquisa.
Sendo assim considero suas fotos não são somente registros
artísticos, mas também registros que têm o caráter revelador do mundo que se
desenvolve ao seu redor, pausam a historicidade do momento que nunca mais
vai existir. Sendo assim documentos históricos únicos dotados de infinitos
sentidos que podem ser percebidos por um espectador sensibilizado por sua
obra.
Tendo sido exposto os elementos desse capítulo, foi necessário ir
“além” desses conceitos técnicos que constituem a fotografia. Foi necessário
partir para a esfera da reflexão epistemológica que está presente entre o ato de
fotografar e a interpretação da imagem. Dessa forma foi iniciado o segundo
capítulo dessa dissertação procurando pensar o contínuo fotográfico.
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Procurei fazer uso da argumentação de Philippe Dubois para
compreender o que constitui o universo de “realidades” que estão inseridos na
fotografia. Dubois distingue três formas como a fotografia era considerada
dentro do campo da realidade: O primeiro a realidade como espelho do real,
uma realidade que estaria relacionada com a noção de que foi atribuída à
fotografia como sendo capaz imitar de forma mais perfeita a realidade. A
segunda forma de realidade trabalhada por Dubois foi a fotografia como
transformação do real. Esse por sua vez era uma forma que concebia a
fotografia de forma mais artística, através da junção dos elementos que
conceberam a fotografia, com os elementos que vão percebidos pelo
observador. Sendo a terceira forma considerava a fotografia como traço de um
real, ou seja, ela iria quebrar com a ideia de que a fotografia seria algo “neutro”,
que seria somente a reprodução de um momento que já existiu. A fotografia
como traço de um real vai lidar principalmente com o caráter revelador tanto do
olhar do fotógrafo como do olhar do espectador.
Outro autor utilizado para compreender o ponto epistemológico da
fotografia, foi Roland Barthes, que apareceu primeiramente para falar do “isto-
foi”, que se trata da característica que para uma fotografia ter sido realizada foi
necessário que aquela cena ocorresse daquele jeito. Mesmo que tenha sido
encenado, foi necessário que em algum momento a realidade se apresentasse
dessa forma para o fotógrafo conseguir realizar determinado registro
fotográfico.
E em seguida Barthes aparece para trabalhar a noção de Studium e de
Punctum. Sendo o Studium o desejo que uma fotografia desperta no
espectador de perceber a foto do ponto de vista daquele que a registrou,
perceber o mundo que estava se desenvolvendo diante dos olhos do fotógrafo.
Por sua vez o Punctum seria uma inquietação que atravessa o espectador,
algo que o fere, que causa um “incomodo” que desperta o desejo de ver o que
está além do campo representado na fotografia.
Com base nisso, Barthes argumenta que a fotografia é um certificado
de presença, pois a realidade não precisou somente existir daquela forma para
ser registrada, mas também foi necessário que o fotógrafo estivesse em algum
momento naquele local para poder fazer o registro. Mesmo que a maquina
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tenha sido ativada remotamente, o fotógrafo precisou ir até o local e escolher o
ângulo que iria compor o registro final. Esse certificado de presença em
conjunto com o “isto-foi” vem para pensar que o momento captado por uma
máquina é uma imagem viva de um momento morto. Ele considera que o
momento vai sempre estar vivo na memória e no olhar daquele que entra em
contato com a fotografia, mas o momento vai estar morto por não existir
novamente daquele jeito em momento algum.
Avançando ainda mais nas teóricas abordadas nesse capítulo, faço
uma exposição da argumentação criada em torno de primeiras e segundas
realidades desenvolvidas por Boris Kossoy. A primeira realidade seria
caracterizada pelo próprio passado da fotografia, mas não só pela história
retratada, mas principalmente pelo contexto no qual o assunto fotografado
estava no momento em que foi registrado. Esse contexto vai ser acessado pelo
observador da fotografia, permitindo que ela crie um processo de realidade
interior no observador que tenta identificar o contexto que se desenvolveu para
possibilitar que aquele registro se desse daquela maneira.
Indo para além dos processos internos da fotografia, vai surgir uma
segunda realidade, a qual se projeta para alem do papel da fotografia, se
revela para o mundo exterior e tenta mostrar uma “verdade aparente” dos
microuniversos que constituem o cotidiano.
Tendo sido construído tais visões sobre as realidades presentes na
fotografia, foi um processo necessário para compreender que na fotografia
existem características que vão estar presentes, mas muitas vezes não serão
percebidos nem pelo espectador, nem pelo fotógrafo. Por isso foi posto que
também seja necessário desconstruir toda a construção epistemológica para
produzir uma leitura das narrativas ali representadas.
Isso ocorre por a fotografia não ser algo estático, mas sim algo que
está inserido num contínuo de transformações, que vão sempre ocorrer após a
fotografia ter sido realizada. E dentro dessa noção de contínuo foi iniciado
argumentos que giram em torno da noção de ter a fotografia como Frame do
real, como um elemento que vai estar presente não só nas molduras da
fotografia, mas vai fazer parte de uma continuidade das temporalidade que
constitui uma fotografia. Algo que permite aprofundar o entendimento para
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além de uma relação superficial da fotografia com o espectador, mas
compreender o todo que envolve essa imagem.
Dento sido exposto isso, parto para uma reflexão da forma como a
fotografia e a pesquisa sociológica estão relacionas, como a fotografia é uma
ferramenta que auxilia a sociologia para compor as realidades estudas e
obsevadas pelo pesquisador. Para isso, venho fazer uso dos pensamentos de
José de Souza Martins, o qual vem inicialmente para tratar da maneira como
fotografia e a filmagem passaram a ser utilizadas como fonte de registro factual
dos momentos analisados.
O caráter revelador que a fotografia passa para o espectador é um das
características que são consideradas mais importantes para aquele que deseja
utilizar uma imagem na sua pesquisa. Com isso penso na questão de fotografia
composta de um posicionamento completamente intencional daquele que fez o
registro. Isso ocorre por conter mais elementos do instante que foi registrado
do que muitos relatos manuscritos produzidos por alguns pesquisadores.
Nesse ponto Martinz se diferencia de Barthes, pois considera a
fotografia viva de algo morto, pois o momento não vai se repetir, então morre,
mas a fotografia vai permitir reviver o momento ali registrado. Sendo essa uma
das características mais presentes na pesquisa fotográfica. Martinz ainda fazer
uma breve consideração que de existe uma ilusão na sociedade
contemporânea em relação a fotografia, pois acreditam que a fotografia
paralisa as ações do tempo de envelhecimento e morte do que está contido
numa imagem.
Estabeleço com base em todos os movimentos de verificar a fotografia
como algo morto de algo vivo, ou algo vivo de algo morto, tem uma função
dialética, um caráter duplo que cria uma referencia da foto com o momento
fotografado, mas sem disjunta-la de seu referente.
Para compreender esse caráter foi importante utilizar o conceito de
duplo desenvolvido por Edgar Morin. Morin distingue três formas do duplo se
manifestar, sendo a primeira a relação que uma pessoa estabelece com sua
sombra, sendo essa uma primeira maneira do sujeito entrar em contato com a
forma ele se vê e é visto pelos outros. A segunda manifestação seria o reflexo,
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uma vez que possibilita a contemplação de mais detalhes da projeção de
elementos que estariam contidos no espaço onde é projetada. A terceira
manifestação do duplo seria um Eco que todos temos dentro de nos. Seria uma
pequena manifestação de nós mesmos que percorre o nosso corpo, causando
sensações adversas no nosso organismo e principalmente em uma voz interior
que tenta nos fazer reagir de formas específicas a momentos específicos.
O duplo do Morin não é algo que vive somente dentro daquele que ele
faz referencia, ele vai viver principalmente naqueles que tiveram contato com o
referente. Mesmo que o referente morra, aquelas manifestações vão estar
sempre presente no outro, assim como ocorre com a fotografia após ela ser
revelada e exposta. Ela não vai viver somente dentro das pessoas que
estavam presentes no momento da ação, mas sim viver dentro do espectador
da fotografia.
Avançando nas argumentações teóricas venho fazer um paralelo que
tanto dentro da fotografia como da pesquisa sociológica percebemos a
presença de um olhar dotado de sensibilidade para perceber os detalhes do
mundo que está sendo observado. A isso é dado o nome de Olhar Sensível.
Esse olhar vai ser algo que contribui para criar a sensação de Punctum, mas
não vai ser somente essa que vai permitir compreender a fotografia do ponto
de vista da pesquisa social. Vai ser importante compreender o todo de
elementos que estão expostos e por trás das imagens, vai ser necessário
deslumbrar as realidades presentes dentro da fotografia, como também as
realidades dentro daquele que a registrou.
Um ponto que passa pela mente de que faz uso de uma imagem
fotográfica para compor um trabalho sociológico é tentar perceber a veracidade
dos elementos ali representados. Pois os elementos podem ter sido
encenados, assim como editados depois a que fotografia foi realizada. Nesse
ponto, argumento sobre o ato de fazer pose para uma foto revela a visão que a
mesma tem si e deseja projetar para o mundo, algo que dificilmente ficaria
evidente se a fotografia fosse realizada sem o conhecimento da pessoa
fotografada. Já alterar a fotografia acrescentando ou removendo elementos
através de edição irá romper o elo que essa tem com o seu referente, se
tornando algo completamente diferente.
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Cabe colocar também que é de demasiada importância verificar tanto
para o fotógrafo, quanto para o pesquisador, a necessidade ter conhecimento
de alguns elementos do evento que está para ser registrado. A importância
disso se dá na tentativa de garantir que os elementos da realidade registrada
estejam presentes para compor a narrativa estudada. Pois a fotografia na
pesquisa sociológica não é somente fruto na imaginação e do primeiro contato
com a imagem fotográfica, é importante ter em si que o pesquisador vai alterar
o universo que ele pesquisa, assim como o fotografo também faz quando
fotografa. Sendo assim a fotografia tem uma função primordial de compor o
texto da pesquisa não como um anexo, mas como um corpo de texto, como
uma forma de demonstrar a realidade fotografada para alem dos limites das
palavras.
Por fim, o último capítulo dessa dissertação vem para trabalhar com
mais profundidade a noção de Frame. Esse tem uma delicada função de
contribuir para a maneira como a fotografia é analisada, pois existem diversas
ferramentas teóricas que tentam dar conta da dimensão da fotografia, e muitas
delas acabam limitando a sua compreensão.
Frame surge primeiramente como uma maneira de entender as
molduras presente numa determinada imagem, essa por sua vez, são apenas
formas de enquadramento, mas que não são capazes de conter toda a
realidade que ali tenta se representar. A moldura vai enquadrar e “excluir” os
elementos não pode compor o registro fotografado num determinado momento,
mas o Frame tentará compreender o espaço que está ali representado.
O frame vai estar além também dos limites de tempo que foram criados
pelo dispositivo técnico, ou seja, a capacidade da velocidade do obturador de
“pausar” o movimento, como também o tempo histórico dos acontecimentos. O
frame vai possibilitar enxergar que o instante não está congelado, mesmo que
o momento pareça estar pausado, mas vai principalmente mostrar que tudo
está em transformação, isso ocorre pela fotografia vai ser apenas um dos
milhares de frames que constituem a realidade.
Sendo assim o frame é uma ferramenta que não precisa somente da
construção dos elementos que foram expostos no decorrer de toda a
dissertação, ele vai precisar também de um processo de desconstrução para
22
conseguir produzir uma narrativa. Vai ser importante identificar cada uma
dessas características para abrir o leque de interpretações possíveis de uma
fotografia.
Procuro nesse capitulo fazer uso da argumentação de Itamar Nobre
para compreender parte da noção da narrativa visual que uma fotografia
produz. Faço uso dessa argumentação, pois o Frame não é somente uma
forma de enquadramento da fotografia, nem muito menos uma forma que
compreender que na fotografia está presente temporalidade de elementos, mas
sim para ver que o frame é uma narrativa, é uma maneira de produzir voz de
algo que está estático e não fala somente por si, mas principalmente pelos
outros.
Para finalizar o importante é compreender o frame como narrativa que
depende tanto da construção de elementos técnicos, como elementos da
técnica da produção da fotografia. É enxergar as realidades que estão em
constante conflito na produção da fotografia, é compreender que a pessoa que
faz uma imagem não está fazendo foto ao acaso, mas está com uma
finalidade, com um desejo de mostrar ao mundo do visível o que poderia ter
passado despercebido dos olhares dos espectadores. É verificar que a
fotografia é mais do que uma ferramenta de ilustração, é narrativa, pois ela
contém uma magia que vai envolver e ferir o espectador. É um tempo não
pausado nem que some na temporalidade das ações dos sujeitos, mas ficará
para sempre vivo no plano da fotografia.
O frame vai ser então mais uma ferramenta teórica que pretende guiar
o olhar e possibilitar leituras mais densas, e ao mesmo tempo mais claras, de
toda a narrativa e construção teórica constituinte de uma imagem fotográfica.
23
CAPÍTULO 1Do técnico ao estético: compreendendo a fotografia em relação
aos seus aspectos técnicos.
24
Onde se encontra uma imagem? Onde ela é produzida? Essas são
indagações que parecem iniciar e terminar de forma clara, mas na verdade
levantam questões bastante profundas sobre a essência de uma das formas de
vislumbrar o mundo. Tais questões aparecem de forma ainda mais intensa
quando adicionamos o componente da máquina fotográfica, pois, além da sua
capacidade de produzir imagens, esse aparato produz uma nova série de
pensamentos sobre a questão da imagem.
Pensar em imagem produzida por uma máquina fotográfica não é
limitar a análise do seu pensamento. É focar em um campo específico que tem
seus mistérios e ponderações voltados para um âmbito técnico, tanto do
equipamento que é utilizado para produzir uma fotografia como da técnica
utilizada para produzi-la, e um campo epistemológico que gira em torno das
percepções desse tipo específico de imagem.
Em um primeiro momento será focado questões técnicas da fotografia,
bem como elementos da composição de uma máquina fotográfica que
influenciam o que é registrado por um usuário. Em um segundo momento,
serão desenvolvidos as maneiras de como tais elementos físicos influenciam
nos elementos simbólicos da fotografia.
Compreendendo Elementos Técnicos da Fotografia.
Quando observamos uma câmera, podemos ver diferentes elementos
que formam sua estrutura como um todo. Em câmeras consideradas
profissionais existem pelo menos dois grandes elementos distintos: o corpo da
câmera e a objetiva1, considerando-os de forma separada por ser possível
destacar a objetiva do corpo da máquina. Nas câmeras consideradas
amadoras, esses dois elementos são acoplados no momento da fabricação,
não podendo ser separados e substituídos pela vontade do usuário.
Com o advento da fotografia digital, o elemento que causa a separação
entre máquinas amadoras e profissionais é o tamanho do sensor fotográfico.
1 Também conhecida como “lente” entre os fotógrafos e usuários de equipamentosfotográficos. No entanto é uma maneira equivocada de se referir, pois uma objetiva é compostapor várias lentes em seu interior.
25
Esse, por sua vez, obtendo o tamanho mínimo equivalente ao filme fotográfico
de 35mm, dá ao equipamento a característica necessária para ser considerado
profissional. Por sua vez, equipamentos com sensores menores que 35mm são
classificados em semiprofissionais ou máquinas amadoras. Na fotografia
analógica, aquelas que fazem uso de filmes fotográficos para registrar um
acontecimento, a divisão entre equipamento amador e profissional ocorre no
campo das funções que a máquina é capaz de desempenhar.
Dependendo da potência, velocidade e versatilidade da máquina, o
equipamento seria enquadrado na categoria profissional ou amadora. Como
regra informal desse período, as máquinas que não fossem capazes de mudar
de lente seriam classificadas como amadoras, e máquinas que mudassem de
lente seriam chamadas de SLR2 ou máquinas profissionais. Com o advento da
fotografia digital surgiu a classificação de DSLR ou Digital Single Lens Reflex,
para se referindo às máquinas que fossem capazes de trocar de lentes e
fossem dotadas de sensor fotográfico.
Algo importante que devemos observar é que houve pouca mudança
no tocante aos conjuntos de objetivas nos últimos anos. De um modo geral elas
continuam estruturalmente da mesma forma que no período puramente
analógico. Tanto que lentes anteriores ao período das máquinas digitais
continuam a funcionar em máquinas mais modernas, procurando deixar claro
que os corpos das máquinas não necessariamente recebem qualquer tipo de
lente. Será necessário que as objetivas possuam a adaptação específica que
possibilite a função de autofoco3 ser ativada em um determinado aparelho.
Quando observado uma objetiva, podemos fazer uma comparação da
maneira como a lente se comporta como um olho humano, na forma como a
luz passa pelas lentes para chegar ao material sensível (sendo filme fotográfico
ou sensor digital).
As objetivas se dividem em três categorias principais: Grande-
Angulares, Fixas e Teleobjetivas. Tais categorias foram divididas com base na
angulação do olho humano, assim, lentes que têm ângulo de abertura maior
2 Abreviação de Single Lens Reflex3 Essa função varia de máquina para máquina, mas de forma geral serve para focar
em um ponto específico automaticamente.
26
serão chamadas de Grande-Angulares. As que têm um ângulo de visão inferior
e a capacidade de aproximar o fotógrafo do assunto fotografado são chamadas
de Teleobjetivas. Existem lentes fixas que podem ser classificadas como
grande-angular ou teleobjetiva. Para isto ocorrer, a distância focal deve
permanecer constante. Podemos afirmar que a lente fixa mais representativa e
famosa é a objetiva de 50mm, já que, possui a exata angulação que o olho
humano, conseguindo captar precisamente o que o fotógrafo enxerga sem
haver nenhuma distorção no enquadramento dos elementos fotográficos. Ou
seja, lentes inferiores a 50mm são grande-angulares, e as objetivas com
distâncias focais superiores são teleobjetivas.
É possível haver uma mistura de tipos de lentes, combinando uma
grande-angular com uma Tele4, ou duas lentes grande-angulares de distâncias
focais diferentes, assim como as Teleobjetivas. Essa mistura cria o efeito que é
chamado de Zoom, ou seja, alteração da distância focal com a finalidade de
criar um efeito de versatilidade. Esse tipo de objetiva tornou-se comum nas
câmeras mais acessíveis no mercado atualmente, sendo esse tipo de câmera
conhecido informalmente como câmeras compactas. Tal definição se dá pelo
tamanho reduzido e portátil do aparelho, contendo uma objetiva dotada de
zoom, mas está limitado e é inferior a uma lente de 50mm.
Outro componente muito importante das objetivas é o anel de abertura
do diafragma, ou, como também é conhecido, abertura da lente. Esse tem a
função de controlar a quantidade de luz que entra pela abertura da objetiva e
atinge o material sensível. Quanto maior for a abertura da lente, mais luz
entrará e maior será o efeito conhecido como profundidade de campo. Em
contrapartida, quanto mais “fechado” for o diafragma, menor será o efeito de
profundidade de campo. Em resumo, a profundidade de campo é um efeito de
desfoque que ocorre quando a luz entra pela objetiva, mantendo o elemento
central focado, e os elementos que estiverem posicionados antes e depois do
assunto em “foco” irão receber um ar de desfoque conforme forem se
distanciando do assunto central na foto. Existem lentes que são dedicadas a
4 “Tele” é uma forma abreviada de se referir a Teleobjetivas. Sendo mais comumouvir entre os fotógrafos essa terminologia do que o nome completo da categoria.
27
aumentar esse efeito de desfoque, mas são de uso bastante restrito e de alto
custo para um usuário comum.
Nos dias de hoje, um tipo de câmera portátil e mais acessível que as
compactas tem invadido o mercado e, consequentemente, facilitando a
aquisição por parte dos usuários de fotografia, uma vez que são as câmeras
que fazem parte dos aparelhos de celular. Esse tipo de câmera não possui
muita versatilidade de funções, apesar dos avanços tecnológicos, que foram
desenvolvidos nos novos aparelhos celulares. Tais aparelhos têm funções com
capacidade de serem bastante próximas das máquinas mais elaboradas de
fotografia. Em contraste com as profissionais, as câmeras dos aparelhos de
telefone são dotadas de microssensores, microlentes e microflashes, os quais
deixam a desejar quando comparados com dispositivos especificamente
construídos para fotografia.
Existe uma grande tendência da sociedade incorporar tais tecnologias
no seu cotidiano, e para muitos admiradores da fotografia bastam esses
aparelhos para registrarem os momentos relevantes de suas vidas e dos
instantes que lhes são interessantes. Todavia, um grupo pequeno de usuários
percebe que existem limitações no sistema e nas qualidades das fotografias
realizadas com tais aparelhos. Assim, procuram encontrar profissionais que
sejam familiarizados com equipamentos e técnicas avançadas de fotografia.
A forma como os avanços tecnológicos tem atingindo a fotografia é
incomensurável, e um novo campo de possibilidades se abriu diante daqueles
que apreciam essa arte empolgante. Tais possibilidades giram em torno
principalmente da edição, reprodução e seleção das fotografias. O que por um
lado facilita o processo de trazer para o mundo do visível imagens que iriam
somente existir após um longo processo de revelação química, agora passa a
ocorrer em instantes após ter sido pressionado o botão de disparo5 da
máquina. Compreender todo o impacto desse contexto tecnológico na
fotografia iria demandar uma análise detalhada dos componentes tecnológicos
envolvidos nos processos, tanto da fotografia analógica como da fotografia
digital. Dessa forma, vamos traçar uma linha de estudo sem a pretensão de
5 Também conhecido como “gatilho”, daí surge uma analogia entre fazer umafotografia e disparar uma máquina.
28
fazer análise tão específica, mas tentaremos analisar como esses avanços têm
impactado a realidade fotográfica.
Uma das características mais influenciadas com a tecnologia digital foi
o sensor fotográfico. Na época das analógicas, o material sensível era o filme
fotográfico. Na atualidade, o sensor digital passou a ter a função de captar a luz
e transformá-la em impulsos elétricos, para serem processados pela máquina e
transformados em informação a ser exibida pelo visor digital que se encontra
na parte de trás da máquina. Sendo assim, a máquina também passou a ser
um pequeno estúdio de revelação da fotografia, pois, nas fotos feitas com filme
fotográfico, só eram exibidas após serem processadas num laboratório
especializado em revelação fotográfica.
Outro elemento que se modificou com a versatilidade do sensor digital
foi a ISO6, que consiste da sensibilidade do material fotográfico, com a
finalidade de tornar a captação de luz mais rápida. Com isso a câmera poderia
fazer registros de situações com pouca luz em menos tempo que normalmente
faria, evitando que a foto saísse tremida ou elementos externos se
posicionassem entre o assunto fotografado e a câmera interferindo no
resultado final. Como consequência desse aumento da sensibilidade, tanto na
fotografia digital como na analógica, surgiram o que é conhecido como
“granulação” ou ruído fotográfico. Para alguns esse ruído causa uma perda da
qualidade da imagem, outros fazem uso como um fenômeno estético para
compor a sua narrativa fotográfica, dando uma característica envelhecida ou
até mesmo “suja” à imagem.
A forma como a ISO se distingue na câmera analógica para a digital,
reside no fato de que no filme a ISO é fixa, vindo informado no rótulo do filme a
numeração da sensibilidade e só podendo ser alterada quando modificado o
filme no interior da máquina. Já na fotografia digital o valor pode ser alterado
sempre que for desejado pelo usuário. Esse valor representado por uma
numeração varia de 50 a 1000 das analógicas, e nas digitais de 50 a 25600. Na
6 ISO é um componente fotográfico que surgiu através da junção de dois outrosformatos de sensibilidade do filme fotográfico. O primeiro formato pela ASA, padrão norteamericano criado pela American Standards Association, e o segundo formato DIN significaDeutsches Institut für Normung. A sigla ISO está relacionada com a International Organizationfor Standardization, a conhecida Organização Internacional para Padronização, que tem comofunção criar normas técnicas de padronização e normalização de 170.
29
fotografia digital, com a utilização de softwares incorporados à máquina, bem
como na “ilha de edição”7, a granulação pode sofrer alterações, sendo reduzida
ou aumentada de acordo com a vontade do profissional que vai executar a
edição final da fotografia.
Provavelmente, um dos elementos técnicos da máquina fotográfica que
mais sofrem alterações para realizar uma foto, em conjunto com o anel do
diafragma, é a velocidade com que o obturador vai realizar a fotografia. Esse
elemento varia de cada modelo de máquina, mas em grande maioria o
obturador é um mecanismo que levanta o espelho que reflete a luz para o
operador ver a foto antes de apertar o gatilho, deixando a luz passar e tocar o
filme ou sensor digital. O controle dessa função é importante da mesma
maneira que o controle da abertura, pois permitirá mais passagem de luz.
Nesse ponto a ISO vai tornar o material mais sensível para a captação de luz, e
a velocidade do obturador permitirá a dupla possibilidade de pausar o
movimento ou captar o “borrão” que o assunto em movimento pode deixar
durante a sua execução. Velocidades mais rápidas também podem escurecer
bastante uma fotografia, assim como velocidades mais lentas podem
“estourar”8 a foto. Muitas vezes a foto é auxiliada pela utilização do flash, que
tem a função de jogar mais luz sobre o referente. Isso permitirá manter o anel
do diafragma numa abertura que possibilitará criar a profundidade de campo
desejada, assim como a ISO não será alterada para não afetar a sua
granulação, e a velocidade não será lenta demais, contribuindo para não sair
tremido ou borrado pelo movimento.
De todos os avanços tecnológicos que surgiram na fotografia,
provavelmente um dos que mais se firmaram foi a criação de um dispositivo
chamado fotômetro. Este veio com a finalidade de medir a luz que passa pela
combinação dos elementos formados pela abertura da objetiva, as
configurações de Velocidade do Obturador e a sensibilidade da ISO, sendo que
elas foram previamente estabelecidas pelo usuário. Em alguns modelos das
máquinas analógicas, essa função só aparecia quando era ativada pelo
7 Termo utilizado para computadores utilizados na edição de fotografias e filmes.8 Na era da fotografia analógica era mais comum se referir à fotografia como
queimada. Na fotografia digital o termo mais comum é estourar, pois o branco acaba dando aimpressão de ter estourado durante o registro da fotografia.
30
usuário, pressionando um botão específico, para confirmar que as
configurações que tinham sido estabelecidas não iriam causar uma foto
subexposta ou superexposta. O fotômetro permite surgir uma criatividade no
fotógrafo, através da possibilidade de fazer jogos de luz para criar efeitos de
claro e escuro numa mesma fotografia, permitindo dar elementos estéticos que
tornem a foto mais atrativa aos olhos de quem observa.
Figura 1 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 304
Como podemos perceber na imagem acima, a foto registra uma escala
de cinza que compõe a imagem em filme preto e branco. A utilização dos
conhecimentos do fotógrafo, em conjunto com o fotômetro, permitiu a ele criar
jogos de luz que escureceram parte das pernas, deixando somente um
pequeno pedaço do céu aparecendo “estourado” na fotografia.
Dependendo da informação que era exposta no gráfico que representa
a informação medida pelo fotômetro, o usuário poderia fazer as correções que
lhe fossem desejadas para evitar que a foto fosse perdida ou que pelo menos
deixasse a foto com as características estéticas que fossem esperadas pelo
usuário. Nas máquinas digitais o fotômetro continuou com a mesma função,
31
todavia, ele será mantido ativo sempre que a máquina não estiver entrado em
modo de “standby”. Porém quando solicitado através do pressionamento do
botão de disparo pela metade, o mecanismo se ativará e responderá
automaticamente às novas configurações que a ele serão atribuídas.
Para finalizar essa parte técnica da fotografia, devemos colocar em
foco que para realizar um registro fotográfico é necessário harmonizar pelo
menos três elementos principais da fotografia: a abertura da lente, a velocidade
do obturador e a sensibilidade da ISO. Quando essas três funções estão em
harmonia, configuradas da forma que o usuário achar mais interessante para o
registro que vai ser realizado, é que se pode então decidir usar iluminação
extra como flashes ou tochas de iluminação, e diversos componentes que são
restritos ao usuário comum.
Por mais que as máquinas compactas de hoje em dia permitam ao
usuário fazer qualquer alteração das configurações dos elementos de abertura,
velocidade do obturador e de ISO para realizar uma fotografia, a grande
maioria dos usuários não possui o devido conhecimento dos aparelhos que
estão manipulando, sejam máquinas compactas, semi ou profissionais. Essa
função é diretamente influenciada pelo fotômetro, que nivela a fotografia por
padrões predefinidos de fábrica conforme acima descritos. Nas máquinas
compactas, o elemento do autofoco dificilmente apresenta a possibilidade de
ser controlado de maneira completamente manual, existindo até uma
terminologia para designar usuários que fazem o uso da máquina apenas na
função automática, sendo ela Point-and-Shoot9. Devemos considerar que o
controle manual dos elementos existentes na máquina fotográfica permite uma
“personalização” da fotografia, possibilitando construir uma identidade do
fotógrafo do ponto de vista técnico.
Cabe ainda expor que, por mais que os programas e funções das
máquinas considerem as configurações corretas para uma determinada
fotografia, isso não garante que todas as fotos tiradas com aquela função vão
ser adequadas e agradar ao seu usuário. Por mais que a máquina
automaticamente considere uma configuração ideal baseada na luz que está
sendo captada por ela, a máquina não estará preparada para captar elementos
9 Significando literalmente: Apontar e Disparar.
32
que vão acontecer ao acaso. Como exemplo, se observássemos uma foto de
uma pessoa caminhando no fim de tarde, onde teria pouca luz, esta fotografia
sairia com o aspecto borrado, já que o movimento da pessoa teria sido
registrado percorrendo o espaço. Para suprir essa deficiência e abrir o leque de
possibilidades, os fabricantes começaram a desenvolver uma função
denominada “scene”. Essa consiste numa configuração pré-programada da
máquina, para conceder a possibilidade do usuário comum fazer fotos
específicas dentro de momentos específicos.
Figura 2 - Campo Petrolífero em Greater Burhan Kuwait, 1991.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 336
Uma cena que se desenvolve dessa forma diante de um fotógrafo,
necessita principalmente de uma mediação muito cuidadosa de como será
configurada a máquina. Afinal de contas, a chama que sai dos poços de
petróleo faz com que gere uma luminosidade extremamente forte e os modos
pré-programados de uma máquina talvez não tivessem conseguido mostrar os
detalhes da cena. Muito possivelmente, numa atribuição pré-programada só
poderia ser registrada a chama e todo o resto estaria completamente
escurecido, ou o fogo seria um borrão claro e sem forma. Resumindo: a
33
configuração cuidadosa permite ao universo fotográfico conter elementos que
poderiam ser anulados pelas “scenes” de uma máquina automática.
Os elementos técnicos aqui descritos são apenas um aspecto da
fotografia. É possível compreender e dominar completamente a mecânica do
aparelho, fazer uso das configurações “corretas”, com a finalidade de criar uma
foto. Mas também é possível fazer uma fotografia desconhecendo
completamente os elementos técnicos, porque, conhecer a mecânica do
aparato não é a mesma coisa que dominar a forma de se fazer fotografia. É
apenas uma maneira de começar a compreender toda a dimensão em que a
fotografia vai se inserir. O que cabe ao usuário é tentar não se limitar às
questões das definições técnicas e começar a desenvolver formas de adequar
o seu estilo para a produção da fotografia, uma vez que o estilo desenvolvido
pelo usuário é a forma como ele quer ser reconhecido, a maneira como suas
fotografias serão identificadas tanto por ele como por outros sem que seu nome
seja mencionado.
Compreendendo Técnicas Básicas de Fotografia
Um elemento que aparece de forma espontânea e comum ao
observarmos uma fotografia é o pensamento em torno da qualidade do
equipamento que foi utilizado para registrá-la. Esse pensamento torna-se mais
intenso em pessoas que admiram a fotografia, mas não conhecem
profundamente os processos envolvidos em seu registro.
Por isso, vale salientar que não basta somente o melhor equipamento
para fazer uma fotografia, até mesmo porque, máquinas fotográficas quebram,
tecnologias avançam e uma gama nova de elementos vem surgindo para
compor os aspectos mecânicos da fotografia. É principalmente necessário que
a fotografia seja realizada fazendo uso de uma técnica fotográfica, algo que
torne ainda mais atrativa aos olhos dos espectadores do registro.
É de bastante relevância fazer o apontamento de alguns itens que
podem influenciar diretamente uma fotografia, a partir do momento em que se
tem uma máquina configurada da forma desejada e vai preparar-se para
disparar o dispositivo. Os elementos de técnica da fotografia que compõem
34
esse instante são inúmeros, principalmente por existir fotografias bastante
específicas, tais como fotografias em macro ou lightpaint. Todavia, não iremos
nos deter a essas formas mais específicas de se fazer um registro, mas sim a
elementos comuns a todas as formas e estéticas fotográficas.
Os principais elementos que constituem as técnicas fotográficas são
composição e exposição. A composição será constituída por elementos da
realidade cotidiana, que vão ser selecionados pelo olho do fotógrafo, para
formar o registro do que está se propondo a fotografar. Não basta
simplesmente levantar a máquina e apertar o gatilho, é necessário selecionar o
que estará dentro dessa foto, dentro de uma temática que vem ocorrendo
diante da pessoa que deseja captar tal momento.
Essa seleção não deve, de forma alguma, fazer com que se exclua o
todo que está ocorrendo, muito pelo contrário, essa seleção é a maneira de
tentar focar o que pode dar mais representação à cena. Para dar essa
representação, não há necessidade de se colocar o máximo de elementos
possíveis, muito menos deixar a cena livre das interferências existentes no
meio. É justamente tentar encontrar uma harmonia entre a essência do
momento com os elementos construtivos do todo.
Ao tentar captar em demasia todas as características existentes numa
cena, pode chegar a “poluir” a fotografia, deixando muito confusa a intenção do
que se quis fotografar e dificultando a leitura daquele momento. O oposto
também pode causar uma dificuldade na composição almejada, evitando o
apagamento, ou a exclusão de determinados elementos, pois podem ocultar
características importantes do momento. Sendo assim, a composição deve ser
entendida principalmente pela coexistência de elementos harmônicos de um
todo, elementos que podem surgir de forma distinta em fotografias diferentes
do todo fotografado.
Uma técnica que vem contribuir com a delicada harmonia da
composição é a regra dos terços. Tal regra se distingue por fazer uma divisória
imaginária da cena em três partes iguais, colocando o assunto principal em
foco dentro de 1/3 da cena e deixando todo o resto dentro dos 2/3 restantes.
Como resultando, o fotógrafo desloca o centro da fotografia para os lados,
possibilitando mostrar elementos ao fundo que estariam encobertos se o
35
assunto estivesse fixado justamente no centro da fotografia. Sendo assim, o
fotógrafo fica livre da necessidade de utilizar alguns componentes, como lentes
grande-angulares para tentar colocar o assunto em harmonia com o ambiente
que o cerca, bem como coloca em simetria certas cenas de paisagem
possibilitando a percepção do que está em perspectiva de profundidade em um
determinado local.
Não estamos aqui afirmando que toda fotografia deveria fazer uso
dessa regra para ajudar na sua composição, mas que ela abre portas para
outras técnicas que coexistem dentro do campo da fotografia. Dentre elas, uma
que já foi comentada, a profundidade de campo. Essa que surge como
consequência natural da abertura do diafragma passa a ser uma técnica de
desfoque da imagem, mais conhecida como bokeh10.
Falar de fotografar normalmente é falar em colocar o assunto
perfeitamente focado em cena, mas, como já foi dito, as objetivas permitem
causar um efeito que distorce o que não está diretamente focado, causando um
borrado não pela foto ter saído tremida ou o assunto estar em movimento, mas
sim pelo excesso de luz que entra pelo diafragma e toca o sensor. Esse efeito
de desfoque pode ser intensificado com aberturas maiores das objetivas, bem
como, o efeito pode ser reduzido com aberturas mais fechadas. Todavia
também pode ser afetado pelo tipo de lente que se utiliza para fazer a foto, pois
as teleobjetivas têm a capacidade de intensificar mais o efeito de borrado do
que lentes grande-angulares.
Essa técnica, quando controlada devidamente, permite também dar
uma acentuação à cena, criando um ponto central na foto, despertando o
interesse naquilo que está em evidência e dando uma característica estética
mais suave à cena. Com desfoques mais intensos é possível apagar
completamente o cenário de fundo, deixando somente aquilo que se deseja
colocar em evidência em total destaque.
Um artifício que também aparece nas técnicas da fotografia, são as
linhas de força. Essas, por sua vez, se constituem por linhas imaginárias que
guiam o olhar do espectador dentro da imagem, aparecendo principalmente de
10 Palavra japonesa que significa desfoque ou borrado.
36
forma complementar ao registro. Se uma pessoa olha diretamente para a
câmera, essas linhas de força podem “saltar” de seus olhos, ou quando alguém
aponta para algo, o ato guia o nosso olhar para onde ela aponta, ou quando
estruturas alinhadas aparecem enquadradas e desfocadas para dar a
sensação de profundidade de campo. Tudo isso guia o movimento dos nossos
olhos pelo plano do registro fotográfico. Tais linhas surgem tanto de forma
intencional daquele que registra ou que é registrado, bem como de forma
espontânea, de maneira que não foram previstas na hora em que estavam para
ser realizadas, mas que se tornaram evidenciadas pelo espectador após a sua
revelação. O fotógrafo deverá tomar cuidado apenas para não exagerar nos
elementos das linhas de força para não extrapolar a harmonia da composição.
Essas três técnicas são formas direta e intimamente ligadas dentro da
narrativa fotográfica, sendo necessárias para entender a composição como
construções das temáticas em harmonia com as realidades expostas diante de
um observador. Aquele que realiza o ato de fotografar deve ter em mente que
não é simplesmente um observador passivo dos elementos que estão se
desenvolvendo diante de suas lentes, ele é agente ativo na captação do
mundo. Principalmente por esses elementos, após surgirem diante do
observador cuidadosamente posicionado, necessitarem de uma delicada
exposição no material sensível, sendo ele o filme fotográfico ou o sensor digital.
O posicionamento da pessoa que deseja realizar um registro
fotográfico diante da realidade a ser fotografada poderá estabelecer diferentes
critérios para análise da imagem resultante. Posicionar longe ou perto dos
acontecimentos poderá transmitir mais do que uma simples ideia de grandeza
do momento ali registrado, pois poderá causar a sensação de intimidade com
as pessoas e as situações ali dispostas. Quanto mais próximo o fotógrafo
estiver da cena, maior a probabilidade dele interferir nas ações que seguiriam
de forma “natural” se ele não estivesse ali presente. Uma das resultantes da
proximidade mais acentuada é fazer com que as pessoas notem sua presença
e reajam de forma específica e completamente imprevisível. Quando a
proximidade do fotógrafo com os assuntos fotografados chega a um nível em
que esse não é notado ou ignorado, muito possivelmente a prática da fotografia
já se fez familiar e íntimo dos que estão dispostos diante dela.
37
Figura 3 - Trapani, Sicília, Itália, 1991.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 96
É plenamente possível perceber a presença dessas três técnicas na
fotografia acima. O Homem à frente estaria posicionado em um dos terços da
imagem, os barcos ao fundo sofrem do efeito de desfoque da profundidade de
campo e, por fim, as linhas de força saem também dos olhos das pessoas que
estão na foto. Todos atentos com uma visão que foge ao quadro emoldurado
pelo fotógrafo. Esse elemento do olhar fugindo da cena nos ajuda a
compreender também o posicionamento de Sebastião Salgado diante das
pessoas fotografadas. Apesar da evidente proximidade, existe uma magnitude
de acontecimentos que lhes “roubam” a atenção, transmitindo a impressão de
que o fotógrafo não está ali e a fotografia ocorreu de forma quase mágica e
completamente espontânea.
A exposição nesse caso tem como função equilibrar o contraste de
claro e escuro na fotografia. Em sua origem, a fotografia revelada era
monocromática, sendo necessária uma séria de avanços no que se trata da
captação e revelação para poder chegar ao filme colorido. Tais transformações
intensificaram ainda mais o cuidado com o contraste de cores permitindo um
registro ainda mais preciso do mundo que está diante das lentes. Nas
38
fotografias de produtos comerciais e principalmente de natureza, a coloração e
o contraste do claro com o escuro são essenciais, pois a subexposição ou a
superexposição podem alterar completamente o resultado final do que está em
foco.
Em geral o fotômetro tem ligação direta com esse componente. Isso
por sua capacidade de medir a luz que permite o usuário fazer uma foto com
harmonia entre o claro e o escuro. Quando foi dito que deveria existir uma
harmonia entre os elementos da composição estava sendo dito algo ligado
diretamente com elementos externos, elementos que não podem ser
controlados plenamente por aquele que realiza o registro. A harmonia na
exposição se trata do controle da luz, luz que muitas vezes não pode ser
controlada da sua fonte de origem, como o sol ou fogos de artifício, mas pode
ter o controle desejado do resultado dessa imagem através das funções
existentes na máquina fotográfica. Decidir até que ponto a luz ambiente vai ser
interessante em iluminar o espaço ou escurecer pontos específicos tem que ser
uma preocupação para valorizar os elementos existentes e alcançar as formas
estéticas desejadas.
Existem técnicas que não estão presentes no ato da fotografia, mas
sim no momento posterior ou, como é mais conhecido, na edição. Na fotografia
analógica a edição poderia ser feita em dois momentos, sendo o primeiro no
negativo que sofreria alterações para modificar a estética da foto. O segundo
seria quando a imagem presente no negativo fosse projetada no papel
fotográfico onde a foto passaria a existir de forma física.
Na edição da fotografia digital existem técnicas que permitem dar o
controle de alterar elementos na imagem que foram determinados antes da foto
ser realizada. Essas edições podem intensificar ou suavizar o efeito de
desfoque, como também pode permitir recortar a foto de maneira a acentuar a
regra dos terços ou retirar elementos que não são considerados interessantes
ao fotógrafo. Em casos extremos, a edição permite acrescentar elementos que
não existiam no momento da foto, ou removê-los permanentemente do registro,
dependendo somente da vontade da pessoa que realiza esse processo de
edição.
39
No que concerne à edição pós-registro fotográfico, não devem ser
negadas ou abominadas as alterações possíveis de serem realizadas,
procurando ter o cuidado para não ser utilizada de forma descontrolada. Tal
edição deveria vir para dar controle dos detalhes que, no instante que a
fotografia foi realizada, não havia possibilidade de alterá-los. Afinal, o tempo
que o fotógrafo iria reconfigurar a sua máquina causaria a possibilidade de
perder completamente a oportunidade de registrar um momento que nunca
mais se repetiria.
Outra possibilidade seria do profissional usar a técnica pós-registro
para reinventar ou apenas acentuar elementos estéticos, tais como transformar
uma foto colorida em preto e branco, escurecer algum determinado elemento
da foto para ressaltar outro, ou desfocar algo. Contanto que a edição final não
rompa com a essencialidade do registro.
É possível alterar completamente a estética da fotografia, removendo
elementos que estavam presentes ou acrescentando outros. Nesse instante
acreditamos que a foto perderia sua característica de elemento revelador do
cotidiano, perderia o seu vínculo com o que originalmente está representando,
e poderia então ser considerada mais uma pintura ou mesmo uma montagem
no estilo de bricolagem do que propriamente uma fotografia. Não afirmamos
que a fotografia não possa sofrer retoques, mas o acréscimo ou exclusão de
elementos distintos pode alterar a essência da realidade, criando algo que não
estava lá, algo que não existiu na sua forma física e somente teria existido em
uma concepção imaginária da pessoa que alterou determinadas características
da foto.
Tem-se mostrado evidente que os elementos inseridos no contexto da
fotografia não podem ser separados uns dos outros, principalmente
considerando os aspectos técnicos da mecânica do aparato fotográfico, com as
técnicas utilizadas para dar forma aos desejos fotográficos. Ambos têm que
coexistir e se relacionar para transcreverem a luz no material sensível de forma
a criar um registro fotográfico da situação do cotidiano que deseja ser
armazenada. Por mais que eles tenham se modificado durante as décadas que
acompanharam o surgimento da fotografia, é necessário compreender que
seus limites beiram somente o limiar da imaginação e avanço tecnológico. Nas
40
décadas que estão por vir, o aparato técnico da fotografia sofrerá alterações,
ganhará novos elementos e outros deixarão de existir. O importante, contudo,
para esse momento, é fazer uma análise de como tudo irá interagir de forma
mais elaborada e precisa.
Quando o Técnico e a Técnica se Encontram
Quando colocamos as peculiares do campo técnico de uma fotografia
(câmera, lente, flashes) em harmonia com características da técnica fotográfica
(regra dos terços, profundidade de campo e linhas de força) para existir num
mesmo plano, temos como resultado a fotografia propriamente dita. Parece
muito simples reduzir a fotografia para a harmonia desses elementos, mas isso
possibilita abrir portas ainda mais complexas sobre o “fazer fotografia”. Isso
ocorre, já que o resultado final dessas combinações serão elementos
simbólicos dotados de linguagem que será visto e resignificado por aqueles
que observam essa fotografia.
Isso se caracteriza por um processo de leitura da imagem e,
consequentemente, classificação dentro de campos externos, bem como de
disposições estéticas e temáticas culturais. Sendo assim, apertar o gatilho da
máquina não encerra o registro fotográfico do que está representado no papel,
que abre portas para um mundo de olhares e pensamentos reflexivos.
Uma ação quase que involuntária de uma pessoa que contempla uma
fotografia é fazer uma classificação em algum “modelo” conceitual
predeterminado. Tais modelos são formas de considerar a fotografia como
sendo um documento histórico, uma expressão artística ou até mesmo como
particularidade sem importância de um cotidiano efêmero.
Classificar a fotografia dessa maneira “limita” a sua análise, fechando
as portas das interpretações possíveis de serem fomentadas a partir da sua
leitura. No entanto essa não deveria ser a forma como se percebe uma
fotografia. É importante diferenciá-la para fins de análise, sem disjuntá-la
completamente do campo teórico que pode auxiliar a sua leitura. Sendo assim,
faremos considerações acerca desses campos teóricos da fotografia,
procurando entender a forma como ela se relaciona e distingue entre si.
41
Compreendendo o Espaço no Documento Histórico
Considerar que uma fotografia é um documento histórico é ponderar
primeiramente que o que está exposto ali existiu daquela maneira em algum
momento do tempo. Esse tipo de prática ocorre quando são observadas
fotografias com teor antigo, fotos de pessoas em épocas que há muito se foram
ou em locais muito distantes do nosso. Fotos desse tipo estão sempre
presentes em álbuns de família, revistas, jornais, livros e qualquer outro
documento que possa ser consultado sempre que requisitado.Figura 4 - Ria de Vigo, Espanha, 1988.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 86.
Pelos conteúdos expostos nessa fotografia, podemos perceber que se
trata de algo que ocorreu há muito tempo. As vestes da senhora demonstram
que ela pertence a uma classe social, bem como as mulheres que se
encontram ao fundo. Nela não é possível datar precisamente quando foi
realizada essa fotografia, mas transmite uma sensação de que essa prática
deve ser comum dentro da comunidade da qual essas pessoas fazem parte.
42
As formas aqui descritas são maneiras superficiais de se considerar
uma fotografia como sendo um documento histórico. O que vai realmente
classificar a foto como algo que marcou um momento vai ser a relação de três
elementos existentes na fotografia que faz parte da argumentação do
pesquisador Jacques Aumont. O primeiro está na analogia feita pela realidade
representada com a própria imagem da foto. O segundo será o espaço
propriamente representado e o terceiro é caracterizado pelo que foi a
temporalidade gravada no ato de fotografar.
O ato de estabelecer uma analogia será uma forma mais profunda de
ligar a imagem com o que ela está representando, partindo do ponto de vista
daquele que a observa, ou seja, o espectador. Por mais simples que essa
definição possa parecer, existem, de acordo com Jacques Aumont, fronteiras
que vão compor tal argumentação, pois a analogia pode ser feita de forma a
considerar sua relação com a realidade, com a mimese e com o que se faz
referência.
A relação entre analogia e realidade gira em torno do modo
inconsciente do espectador fazer relação da fotografia, ou da imagem como um
todo, com um “tipo ideal” teórico sobre aquela temática registrada.
Essa atitude, que tem status teórico, ainda se acha em estadoprimitivo em todo telespectador que identifica absolutamente aimagem vista como a realidade documentária, em todo fotógrafoamador que considera suas chapas como um fragmento do real etc.(AUMONT, 2008, Pág. 198)
Acreditamos que essa visão do fotógrafo amador de considerar suas
“chapas” fragmento do real seja também algo que está presente na concepção
de fotógrafos mais experientes. Isso ocorre por criar uma ligação muito forte
com o que está sendo fotografado, pois o fotógrafo se prende ao desejo do que
está captando através de suas lentes, ser a representação mais precisa dos
acontecimentos.
Inserido no aspecto da analogia como convenção ou realidade, surge
um caráter duplo que distingue dois aspectos. O primeiro cria a analogia na
qual a fotografia é um espelho, sendo ele um reflexo do que está fotografado, e
o segundo que ela é um mapa de algo previamente concebido. A concepção de
43
aspecto como espelho é relacionada com a forma dela reproduzir o que está
dentro do seu enquadramento de forma tão natural como se fosse um espelho
ou um reflexo da d’água. Sem descartar que esse seria uma forma sem
interferência do humano no sentido de tratamento da fotografia, ou seja, para
considerar a fotografia como analogia tendo caráter de espelho, tem que
concebê-la sem a interferência de edições, tanto químicas do processo de
revelação, como também de edições digitais antes dessa revelação.
No aspecto de mapa da fotografia análoga, obteríamos uma maneira
mental e universal para traduzir o mundo registrado de forma mais clara e
simples para o espectador. Essa seria uma forma de conceber a fotografia
antes de fazê-la, mas não somente trabalhando com o olhar sensível. Tal
aspecto seria cuidadosamente trabalhado tanto antes como depois, para não
compor o todo de forma complexa e que dificultasse sua leitura.
Por sua vez, vemos que a conceituação de analogia próxima do
conceito de mimese surge primeiramente como um sinônimo bastante
adequado para se falar de analogia. Sendo que é considerada tal definição
para designar determinados tipos de imagens que fazem, ideologicamente,
uma semelhança “absoluta” com o que está sendo retratado. O mais
importante dessa definição é:
Basta apenas reter a asserção do título: a imagem fotográfica temuma essência, que é ser uma “alucinação verdadeira”, “embalsamar”e “revelar” o real em todos seus aspectos, inclusive temporais. É poisa encarnação de uma semelhança ideal, apta a satisfazer anecessidade de ilusão mágica que está no fundo de todo desejo deanalogia. (AUMONT, 2008, Pág. 201)
Sendo assim, por mais próxima que a analogia mimética que uma
fotografia possa ter com o seu referente, ainda sim vai ser somente uma
semelhança “ideal” com o que está fazendo referência. Essa “ilusão” está
bastante presente quando consideramos uma fotografia como documento
histórico, como representação perfeita do que “foi”, ocorrendo de forma a
satisfazer um desejo interno de classificação e determinação.
44
Observando a analogia como referência, vemos um leve
distanciamento da ideia que a fotografia análoga será uma cópia pura e
inocente do que foi fotografado. Como foi argumentado por Jacques Aumont:
Nessa terminologia, trata-se sempre de processo de simbolização doreal, isto é, de produção de artefatos “intercambiáveis” no interior deuma sociedade, que permite se referir convencionalmente a ele.(AUMONT, 2008, Pág. 202)
Ou seja, a fotografia não é a coisa que ela retrata, ela representa de
forma simbólica o que foi fotografado. Isso ocorre pelas características que
estavam presentes no momento do registro, mas que sofrerão “mudanças” num
primeiro nível pela configuração do aparelho que estará sendo utilizado, e num
segundo nível sofrerão alterações novamente através da técnica que será
utilizada para registrá-la. No terceiro nível passarão por mais uma alteração no
processo de pós-produção para no fim se tornar apresentada ao mundo e
assim sofrer a última mudança que ocorrerá no interior de quem a observará.
Nesse ponto temos que perceber que a analogia de referência não é a
coisa a qual representa, por não se tratar dessa coisa “em si”, pois não apaga a
sua característica de revelar o mundo fotografado. Ela justamente mostra que o
assunto fotografado e a foto em si mantêm uma conexão do documento
histórico com os acontecimentos, que irão mostrar e revelar sem ser verdade
absoluta, mas contendo uma essencialidade com traços verídicos do universo
ali presente.
Considerando que os processos de analogias são feitos de formas
(in)conscientes, vemos que a fotografia como documento histórico se firma
principalmente nas questões de espaço e tempo, devendo ser considerado sua
presença na fotografia de maneira a fazer uma representação ao que “foi”, do
passando que esteve ali e hoje não está mais.
Podemos fazer a divisão do espaço apresentado em uma fotografia de
maneira a tratar dele tanto do ponto de vista da percepção de elementos (como
profundidade de campo e percepção visual de elementos estéticos), como
também do espaço que foi emoldurado pelo Frame que constituía o negativo
45
fotográfico. Todavia, pretendemos focar nesse instante nos elementos visuais
que foram emoldurados pelos limites do papel fotográfico.
Existem duas noções visuais centrais na percepção do espaço da
fotografia, as quais são diretamente ligadas pelas técnicas já expostas aqui,
denominadas por profundidade de campo e a perspectiva. A concepção de
perspectiva está fortemente ligada à noção de linhas de força, devido à
característica geométrica que constitui a definição básica de perspectiva como
sendo linhas imaginárias, traçadas no plano do papel, que tendem a se
encontrar no infinito. As linhas que vão percorrer o cenário de uma imagem,
através da disposição dos elementos que estavam presentes na cena,
ganharão a característica tridimensional possível em superfícies planas e
bidimensionais. As linhas de força vão se alinhar aos elementos das retas que
vão se encontrar no infinito, bem como de linhas (podendo ser curvas ou retas)
que partirão de um ponto central para as margens do plano bidimensional.
Tanto do ponto de vista técnico, como da técnica fotográfica, a
profundidade de campo já havia sido desenvolvida, sendo uma resultante da
combinação de elementos da ótica do equipamento fotográfico, controladas
através da abertura da lente pelo próprio fotógrafo. Pelo o que se compreende
por espaço dentro de uma fotografia pode ser percebido um vasto campo
dentro da superfície bidimensional da imagem. Esse campo tem a necessidade
de ser controlado para demonstrar a forma como os elementos estão dispostos
nesse espaço.
Modificar a objetiva para fazer com que diminua o efeito de
profundidade de campo, deixando boa parte da cena em foco, poderia dar a
impressão de que tudo o que estava presente estivesse próximo ou até mesmo
sobreposto à imagem. A fotografia ficaria com detalhes bem nítidos do que está
presente, mas iria causar uma distorção dos elementos que estavam em cena.
Por sua vez, configurar a máquina para acentuar os elementos em desfoque
que vão ser fotografados também pode causar uma distorção deixando grande
parte da fotografia irreconhecível.
Mediar o que está sendo posto de forma nítida ou desfocada numa
fotografia é decidir o que vai compor o que será exposto pelo campo
fotografado. Nesse momento não estamos nos referindo à técnica de
46
profundidade de campo, mas sim ao campo selecionado para estar ali
representado. Esse campo pode conter elementos estáticos e elementos em
movimento, dependendo apenas do que estava sendo fotografado.
Podemos afirmar que o ato de colocar uma cena em foco é criar uma
moldura para “delimitar” o campo que será registrado, um campo que através
de técnicas e lentes poderá ser “distorcido”, mas não deverá ser alterado.
Fazer a separação entre distorção e alteração do campo é necessário para
compreender que quando é feito o uso de lentes grande-angulares, ou
teleobjetivas, não se altera o que está para ser registrado. Faz-se isso
justamente para colocar mais elementos que existem na realidade cotidiana
retratada, dentro do mesmo espaço fotografado. Uma alteração do modo de
enquadramento teria a capacidade de remover ou acrescentar elementos que
estão presentes na cena do cotidiano, mas à medida que o enquadramento
fosse modifico devido à manipulação da distancia focal, poderiam ser ou não
incluídos no enquadramento.
Definir tudo o que compõe o campo é também falar do que está fora
dele. É argumentar que também existem elementos que constituem o espaço
global da fotografia, mas não foram selecionados para estarem presentes no
momento em que a foto foi realizada. Isso Jacques Aumont define como sendo
o Fora-de-Campo.
(...) se o campo é um fragmento do espaço recortado por um olhar eorganizado em função de um ponto de vista, então não passa de umfragmento desse espaço – logo, que é possível, a partir da imagem edo campo que ela representa, pensar o espaço global do qual essecampo foi retirado. (AUMONT, 2008, Pág. 226)
Do ponto de vista da fotografia, o que está fora-de-campo será para
sempre algo que só poderá ser acessado através do imaginário. Por mais que
algo tenha sido complementado por fotografias com outros pontos de vista da
mesma cena, mostrando ângulos e momentos diferentes realizados do mesmo
local, vão ser sempre outras molduras de campo cuidadosamente
selecionadas. A fotografia como documento histórico será sempre algo que
revelará pontualmente, forma enquadrada, em um Frame de particularidades
que foram selecionados por aquele que registrou.
47
Compreendendo o Tempo Representado no Documento Histórico
Quando se fala de fotografia também se fala de tempo. Esse tempo
pode ser dividido de algumas formas: a primeira se trata do tempo de
exposição da luz no material sensível, a qual já foi comentada aqui. Um
segundo tempo a ser considerado consiste no momento da fotografia, o espaço
temporal escrito no plano fotográfico. Essa, por sua vez, necessita conter
informações que demonstrem a época que está armazenada temporalmente na
foto, sem eles a fotografia teria a ambiguidade de conter um tempo registrado,
mas estaria atemporal do ponto de vista da historicidade do momento. Por fim,
o último tempo envolto nesse ponto de vista da fotografia seria o tempo que o
espectador demora a ler e reconhecer o que está numa foto. Esse seria
subjetivo, dependendo principalmente da familiaridade que o espectador
apresenta com o que está observando.
O foco agora será principalmente na temporalidade existente no
documento fotográfico. Sendo assim, vamos fazer uma análise do que pode ser
chamado de instante pregnante. Fazemos uso desse termo para poder nos
referir ao momento que está sendo representado numa imagem, assim como
para relacionar com os elementos que dão indícios de qual posicionamento
temporal está posicionado aquele registro específico. Outra forma de
compreender tal argumentação seria como foi abordada por Jacques Aumont,
quando diz:
“O instante pregnante (ou “instante mais favorável”) é pois definidocomo um instante que pertence ao acontecimento real e que é fixadona representação.” (AUMONT, 2008, Pág. 231)
Cabe citar aqui que a fotografia se distingue da pintura, tanto por sua
capacidade de registrar o momento de forma instantânea, como também a
noção realística da captação de detalhes. As noções temporais vão ser aquelas
que estavam presentes no momento que a fotografia foi realizada, ao passo
que, na pintura, eles poderiam ser acrescentados aos poucos e isoladamente.
A fotografia representa uma transformação que quebra com o instante
pregnante, pois os elementos na pintura iam sendo postos para dar a ideia de
48
temporalidade de acordo com a vontade do pintor. Nesse momento, podemos
verificar que ocorre uma modificação do instante pregnante, o qual se
transforma em um “instante qualquer”, um instante que estaria muito mais
presente na fotografia do que na pintura. Porque, na pintura, o instante estaria
impregnado da história representada.
Esses conceitos de instante são diretamente opostos, mas
devidamente complementares. Isso ocorre para tentar compreender o tempo
que ali está representado e se deseja tornar visível para o espectador. Com o
advento de tecnologias que possibilitam a edição da fotografia, podemos ver
esses dois instantes se chocando entre si. Como já veio sendo trabalhado ao
longo desta pesquisa, a edição pode acrescentar e retirar elementos que ali
estão presentes, pode transformar o instante qualquer, mais comum em
fotografia, no instante pregnante. Fazemos essa reiteração da edição na
fotografia, voltada agora para o tempo, pois assim é transformado algo que
existiu de uma forma para algo que você gostaria de fosse de outra maneira.
Tendo sido feita essas considerações, pensamos sobre uma forma de
perceber a temporalidade exposta numa fotografia, como sendo designada por
tempo sintetizado. Essa característica vem mostrar que praticamente toda vez
que uma fotografia é realizada, é por possuir elementos que conseguem
demonstrar a capacidade de exprimir a temporalidade que se deseja manter
registrada.
Do ponto de vista do espectador, o tempo representado numa
fotografia vai sempre ser o passado cristalizado no presente. Isso ocorre pela
capacidade de retorno do passado estar presente sempre que uma
determinada fotografia for visualizada. Por mais que o espectador não tenha
pleno conhecimento de todo o envolvimento histórico captado por aquele
momento, de forma mesmo que inconsciente o espectador vai se situar
naquele período, entrando nos limites da moldura da fotografia e tentando fazer
parte do instante que ali se fez cristalizado no tempo.
Ponderações da Fotografia como Registro Artístico
49
Considerar a fotografia como arte é algo que parece fácil e até óbvio
em determinado nível. Mas se torna verdadeiramente complexo quando
pensamos no que está sendo trabalhado por trás das noções de fotografia e de
arte. Pensar a relação dos dois por si só já é capaz de produzir uma análise
longa e complexa, principalmente se esta análise for estendida pelas estéticas
e correntes artísticas relacionadas à fotografia. O que pretendemos expor aqui
são considerações acerca de como essa relação de diferentes elementos
permitem verificar uma fotografia como sendo uma obra artística.
Quando verificamos tudo o que foi dito até o momento, vamos perceber
que tem sido abordada a noção que uma imagem, principalmente uma
fotografia, foi produzida pela ação de uma pessoa, através de um dispositivo, o
qual vai tornar o momento visível para pessoas que ali não estavam presentes.
Essa característica ainda mostra-se verdadeira na arte, pois ela também segue
esses elementos para poder surgir no mundo do visível. No entanto, a arte não
fica retida somente ao que existiu em um determinado momento.
A obra artística pode ser fruto da imaginação de algum sujeito,
contendo elementos que seriam impossíveis de existir na realidade cotidiana
ou que teriam que ser criados de forma artificial. No entanto, não estamos aqui
desenvolvendo uma argumentação sobre a fotografia do que não existiu, mas
sim do que estava ocorrendo diante de um observador/fotógrafo, algo que fez
parte do campo visível e não do campo imaginário.
A noção que consideramos mais importante para poder fazer a relação
entre fotografia e arte é a sensação despertada no espectador, a forma como
ela vai sensibilizar aquele que deslumbra a fotografia com teor artístico.
Uma outra transformação da ideologia da presença consiste emsentir, na obra de arte, não mais a presença direta do mundo visível,mas a da Forma. Como dissemos, a forma é uma abstração, queidentificamos anteriormente (...) com a estrutura dos elementosvisuais que compõe um objeto visível. (AUMONT, 2008, Pág. 274)
A sensação despertada pelo olhar de quem se deslumbra com uma
fotografia vai passar diretamente pelo processo de abstração, pelo processo
interno de “quebra” dos elementos expostos no exterior da obra para serem
remontados internamente pelo observador da fotografia. Sendo tudo isso
50
formado por todos os processos acima descritos, pela combinação harmoniosa
de elementos técnicos e da técnica do fotógrafo. A maneira como tudo vai
sensibilizar uma pessoa será completamente particular e dificilmente afetaria
duas pessoas diferentes da mesma forma.
Assim um elemento fortemente presente para dar o “título” de arte a
uma obra fotográfica será completamente relacionado com as sensações
subjetivas presentes nos processos interiores de subjetividade. O que está
expresso na fotografia não ficará retido somente no universo das emoções e
sensações de um sujeito. Necessitará de um sentido mais profundo de
realidade. Esse sentido mais profundo de realidade ocorrerá para fazer o
espectador trazer as emoções que tem dentro de si para dentro da fotografia
que está contemplando.
Os encantamentos que cada sujeito tem com uma obra artística são
formados de uma essência que muitos não conseguem explicar. Todavia um
conceito aparece para dar forma a esse efeito “mágico” que está presente na
fotografia, classificando tal efeito como Aura. Esse conceito trabalhado
originalmente por Walter Benjamim pode ser visto de forma a compreender por
que determinados trabalhos possuem uma irradiação inexplicável que prende
os sentidos e transporta quem o observa para um mundo completamente
distante do qual o observador tem contato. De certa forma, qualquer objeto tem
uma aura que lhe concede a característica de arte, foge do mundano, numa
tentativa de lhe transferir um conhecimento que transcenda sua existência
como um objeto físico para um objeto próximo de divindades.
Acompanhado dessa noção de aura, principalmente quando é
relacionado com a fotografia dentro da obra do Walter Benjamin, surge a ideia
de Perda da Aura. Essa perda ocorrerá devido à possibilidade de reprodução
imediata e infinita da obra artística.
Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua aura, é a característicade uma forma de percepção cuja capacidade de captar “o semelhanteno mundo” é tão aguda, que graças à reprodução ela conseguecaptá-la até no fenômeno único. (BENJAMIN, 1987, Pág. 170)
51
Esse processo ocorre na fotografia, de acordo com Benjamin, depois
que começa a perder seu valor de culto para se transformar em valor de
exposição. O valor de culto será o valor atribuído a uma obra artística
justamente por ela ser cultuada por suas características únicas, a possibilidade
de deslumbrá-la somente ocorrerá se o observador for ao encontro dessa obra
que estaria exposta de forma quase que ritualística. O valor de exposição seria
o valor simbólico atribuído pela difusão do elemento artístico exposto. Seria a
reprodução e fácil acesso a esse elemento, rompendo com os valores
ritualísticos e quase sagrados atribuídos pelos contempladores dessas obras
artísticas.
Existe uma característica multiplicadora no campo da fotografia, mas
acreditamos que isso não impede o surgimento da aura, devendo, portanto,
contribuir para um novo entendimento de aura. Tal entendimento seria distante
dos valores de culto e de exposição, passando próximo aos elementos
simbólicos e internos que fazem parte dos sujeitos que contemplam a
fotografia. Possibilitando uma difusão de obras que não seriam facilmente
conhecidas se fossem mantidas em museus, assim como em galerias de
exposição espalhados pelo mundo, distante dos olhos dos admiradores
daquele autor, ou daquela corrente artística.
Figura 5 - Colheita de folhas de chá numa plantação próxima a Cyangugu, que produz chá de altaqualidade. Ruanda, 1991.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 40.
52
Uma fotografia como essa cria uma aura em torno de si que envolve
principalmente a prática que está desenvolvendo. As marcas nas mãos da
pessoa nos fazem questionar o tempo que ela está realizando essa atividade,
os caminhos que a levaram a seguir essa profissão na vida, qual seria o aroma
das folhas de chá que ela está segurando. A aura atrai e prende o olhar a
infinitos elementos que são expostos pela fotografia, faz cultuar o momento em
que a pessoa representada viveu. Ela também permite cultuar a pessoa que
realizou esse registro, neste caso o fotógrafo Sebastião Salgado,
principalmente pela sensibilidade de perceber esse momento diante de
diversos outros que devem ter sido apresentados diante de si. Os valores de
culto e de exposição aqui tendem a se chocar, não por um se sobrepor ao
outro, mas numa forma de alimentarem-se mutuamente. Os valores vão
proporcionar que a obra artística seja exposta para o mundo através da sua
reprodução, mas sendo algo ainda restrito somente para quem tem
conhecimento desse tipo de arte.
Para encerrar este capítulo, devemos expor que a resultante da técnica
e o técnico não é um elemento que constitui um documento histórico ou uma
obra artística. Pensar fotografia é lidar com esses dois universos
simultaneamente, é considerar que, dependendo do sujeito que a contemple,
será considerada tanto como registro histórico como forma de arte. Da mesma
forma, se não puderem ponderar a fotografia dentro de nenhuma dessas
formas, pode ser simplesmente um registro vazio de um momento que não lhe
é familiar. O olhar sensível nesse momento não vai girar em torno daquele que
registra a fotografia, ele deverá compor a visão do contemplador que se
sensibiliza com ela, como se algo mágico tivesse tocado a sua própria
essência.
54
O Contínuo Fotográfico: Pensando os Instantes que Compõem aFotografia
Desde o advento da fotografia é possível verificar um aumento
significativo na sua utilização e reprodução. Diferentes avanços tecnológicos
contribuíram para esse acontecimento. No entanto, um aspecto parece levantar
alguns questionamentos: a construção da imagem fotográfica dentro da
pesquisa sociológica. Esse aspecto está relacionado com a capacidade do
aparato fotográfico de “pausar” o instante fotografado e fazer com que seja
dada a ele uma “finalidade” dentro de uma pesquisa teórica.
Antes de adentrar nessa questão é necessário desenvolver pontos que
constituem o instante fotografado, pontos que vão além do fazer, ver e
interpretar as imagens fotográficas. Tais pontos giram em torno das realidades
capturadas pelas fotografias, sobre como elas interagem com as realidades
cotidianas.
Segundo a argumentação desenvolvida por Philippe Dubois em seu
livro O Ato Fotográfico, é possível verificar a existência de três maneiras
possíveis de enxergar a relação que a fotografia tem com o universo da
“realidade”: A primeira dessas formas consiste em considerar a fotografia como
espelho do real.
Em sua origem, tal visão era baseada na ideia de que a fotografia era
considerada como sendo a “imitação mais perfeita da realidade” (DUBOIS,
Pág. 27). Nesse processo é necessário considerar que a fotografia, em seu
princípio tecnológico, era concebida de forma mecânica, em que o fotógrafo
interferia pouco no processo de concepção da imagem.
Essa concepção “mecânica” da fotografia fazia com que pensadores,
como Baudelaire, considerassem o fotógrafo como um assistente “operador” da
máquina. Dessa forma, Philippe Dubois argumenta que:
O que é importante apontar aqui é a clivagem que Baudelaireestabelece com vigor entre a fotografia como simples instrumento deuma memória documental do real e a arte como pura criaçãoimaginária. O papel da fotografia é conservar o traço do passado ouauxiliar as ciências em seu esforço para uma melhor apreensão darealidade do mundo. Em outras palavras, na ideologia estética de sua
55
época, Baudelaire recoloca com clareza a fotografia em seu lugar: elaé um auxiliar (um “servidor”) da memória, uma simples testemunha doque foi. (DUBOIS, 2009, Pág. 29)
Ou seja, a fotografia deveria servir como instrumento da ciência, capaz
de registrar os traços do passado com maior rapidez e precisão do que as
pinturas produzidas.
Em outra corrente de pensamento oposta a essa, Philippe Dubois
argumenta que a fotografia veio para libertar a arte da obrigação de se
aproximar do real, principalmente dos retratos em miniatura. Sendo assim a
fotografia seria ligada à função documental, referência, concreto e o conteúdo,
enquanto a pintura ficava ligada à busca do formal, da arte e do imaginário.
Essa visão só é contestada quando outra corrente de pensamento veio
considerar a fotografia exatamente como uma pintura, pois era realizada uma
série de manipulações estéticas no filme fotográfico antes de ser revelado. Aqui
já podemos perceber uma característica plural da fotografia, que varia de
acordo com as visões e intencionalidades dos que a estão produzindo.
Deixando de ser SÓ um registro para se tornar TAMBÉM um registro.
Nesse ponto se inicia a segunda visão de Philippe Dubois sobre a
relação entre a fotografia e a realidade, sendo tal visão, a fotografia como
transformação do real. A questão não paira mais sobre a relação entre
fotografia e arte, mas sim sobre o registro feito pela fotografia, desenvolvido por
Dubois:
(...) a inaptidão da fotografia para exibir toda sutileza das nuançasluminosas e não apenas reduzindo o espectro de cores a simplesjogos de dégradés do preto ao branco. De fato, como se sabe, seobservarmos concretamente a imagem fotográfica, ela apresentamuitas “falhas” na sua representação pretensamente perfeita domundo real. (DUBOIS, 2009, Pág. 38)
Aqui temos o retorno aos elementos técnicos e da técnica já abordados
anteriormente, pois faz um regresso ao questionamento da relação da
capacidade de registro da fotografia, bem como dos ângulos escolhidos,
enquadramento, posicionamento do assunto fotografado. Sem contar ainda que
a fotografia reduza toda realidade tridimensional para um mundo bidimensional,
ou seja, todo o universo de qualidades dentro da fotografia passa a depender
da escolha quase que arbitrária partindo de um ponto de vista.
56
Esses e outros elementos serviram para formar o pensamento de que
a máquina fotográfica não é um “agente reprodutor neutro” (DUBOIS, Pág. 40).
O aparelho fotográfico, bem como a fotografia, atua do mesmo modo que a
linguagem, permitindo assim servir de instrumento de análise e interpretação
do real.
(...) as considerações técnicas vinculadas à percepção e àsdesconstruções ideológicas, eis os propósitos determinados pelosusos antropológicos da foto, que mostram que a significação dasmensagens fotográficas é de fato determinada culturalmente, que elanão se impõe como uma evidência para qualquer receptor, que suarecepção necessita de um aprendizado dos códigos de leitura.(DUBOIS, 2009, Pág. 41)
Interpretar esse mundo é entrar em contato com um novo sistema de
códigos a serem decifrados, de uma linguagem que passa a ser imagética. Tais
sistemas de códigos desenvolvidos para trabalhar a imagem foram sendo
principalmente utilizados pela antropologia para demonstrar que a fotografia
não é isenta de análise subjetiva, começando assim a ser vista como uma
construção culturalmente desenvolvida.
Dessa forma, a fotografia deixou de ser algo que apenas registra o
mundo exterior para também ser um instrumento que revela o interior, tanto do
fotógrafo como também da pessoa que deslumbra a fotografia. Isso acabou
fornecendo os elementos necessários para a elaboração do último dos pontos
ordenados por Philippe Dubois, que considera a fotografia como sendo um
traço de um real.
Esse ponto vem quebrar as visões anteriores de que a fotografia vai
ser sempre dotada de um sentido maior, passando a ter um sentindo mais
singular e particular, elementos que mostram que o real não vai ser único, vai
variar a partir dos diferentes olhares sobre o mesmo assunto.
Finalmente, num terceiro momento é necessário considerar que
ocorreu um processo de desconstrução dos elementos expostos pelos pontos
anteriores. Onde, a priori, a fotografia foi considerada como algo mecânico e
sem a influência do fotógrafo, a posteriori, passou a ser algo manipulado dentro
do seu negativo para criar uma nova “realidade”, ou seja, um novo registro.
57
O que é mais importante nesse momento é verificar que o único
instante no qual a fotografia permanece intocada é o tempo que vai demorar
entre o registro da foto, depois que a máquina foi devidamente configurada e
posicionada, até o momento em que a foto é revelada, mostrada, exibida. Nas
máquinas analógicas, esse momento é mais estendido porque demanda um
tempo maior para trazer à luz o que foi registrado. Nas máquinas digitais esse
momento foi reduzido a milésimos de segundo, pois o fotógrafo tem quase que
imediatamente a foto revelada no visor de sua máquina.
Dessa forma, cabe afirmar que na fotografia sempre existirá o que
Roland Barthes chama de “isto-foi”. Todavia, o que vem a seguir o “isso quer
dizer aquilo” é nada mais que a própria construção cultural feita sobre o
assunto fotografado e representado na foto. Esse “isto-foi” se refere
diretamente a algo que já existiu em algum determinado momento, algo que
não se repetirá mais.
O nome do noema da Fotografia será então <<Isto-foi>> ou, ainda, oInacessível. Em latim (...), dir-se-ia sem dúvida: <<interfuit>>, aquiloque vejo esteve lá, nesse lugar que se estende entre o infinito e osujeito (operador ou spectador). Esteve lá e, contudo, imediatamenteseparado; esteve absolutamente, indesmentivelmente presente, e,todavia, já diferenciado. (BARTHES, 2008, Pág. 89)
O importante de se perceber dessas correntes de pensamento
relacionadas com a realidade fotográfica é verificar que a fotografia não é uma
produção mecânica e espontânea. Dentro do espectro do registro fotográfico
existe uma série de elementos que saltam da imagem, elementos que
constituem uma linguagem imagética. Um elemento que salta da fotografia
seria próximo do conceito de aura trabalhado por Walter Benjamin. Sendo esse
conceito originalmente utilizado para fazer referência à quebra do ponto de
vista da tradição com a técnica da reprodução, vemos na fotografia digital que
a aura surge no instante que demora a surgir no visor da máquina até que se
comece a reproduzir a fotografia pelas mídias sociais.
Dentro dessa linguagem imagética, é possível se deparar com um
leque gigantesco de correntes teóricas que procuram analisar os sentidos
produzidos pela imagem. Verificar uma fotografia é ler os sentidos que ela
produz, então da mesma forma, entender as realidades que constituíram o
58
“fazer fotográfico” é importante compreender o algo que vai guiar o olhar do
operador da máquina para as temáticas que vão ser registradas. Portando é
mais do que necessário pensar a fotografia também a partir de quem captou tal
momento, a partir do olhar do fotógrafo que foi capaz de registrar tal momento.
Tendo sido feito considerações sobre fotografia, faz-se necessário
recorrer à argumentação teórica de Roland Barthes, já que ele traz elementos
teóricos essenciais que contribuem para entender não só a leitura das
imagens, mas o ato de fazer fotografia. Um dos seus argumentos mais
importantes para compreender tal ato é o que ele denomina Studium.
Roland Barthes argumenta que em toda fotografia existe um Studium,
um elemento que salta a foto, que nos motiva a descobrir a intenção do
“Operador” e tentar reviver os elementos e momentos que ocorreram para
culminar na fotografia. Sendo assim, identificar o Studium é ver a fotografia
através dos olhos de quem registrou.
Reconhecer o studium é, fatalmente, descobrir a intenção dofotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las,mas sempre compreendê-las, discuti-las interiormente, porá a cultura(a que se lia o studium) é um contrato feito entre os criadores e osconsumidores. (BARTHES, 2008, Pág. 37)
Outro elemento que existe tanto nas teorias de Barthes, como em
muitas imagens fotográficas, é conhecido como Punctum, que nada mais é que
aquela fisgada, a picada, a inquietação causada por uma fotografia. Ele não é
somente um incômodo, mas sim um ferimento, é algo que atravessa o
espectador da fotografia, mas sem ser algo grandioso e que ocuparia todo o
espaço da fotografia. O Punctum é um pormenor que existe na imagem
fotográfica, é algo que nos prende a atenção e cria algo que Barthes chama de
“campo cego” ou algo “fora-de-campo”.
O punctum é então uma espécie de fora-de-campo subtil, como se aimagem lançasse o desejo para alem daquilo que dá a ver: nãoapenas para <<o resto>> da nudez, não apenas para o fantasma deuma prática, mas para a excelência absoluta de um ser que a alma eo corpo se misturam. (BARTHES, 2008, Pág. 67)
O Punctum e o Studium coexistem numa fotografia, mas não existe
nenhuma regra que obrigue a presença de ambos. Bem como não existe
59
nenhum elemento obrigatório numa fotografia que transmita e desperte as
mesmas sensações nos seus observadores. Portanto, ambos vão depender de
um olhar particular, composto pelos elementos culturais do observador.
Figura 6 - Província de Havana, Cuba, 1988.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 26.
Nessa fotografia é plenamente possível perceber os elementos que
compõe Studium e o Punctum. Nesse caso tentamos reviver o momento
sentindo o cheiro da cana cortada, escutando o barulho dos animais e dos
golpes do facão e o do motor da maquinaria usada. Sentimos a fisgada do
Punctum principalmente no olhar do homem parado à frente. Por mais que
esteja por trás dos óculos de proteção, ele ainda fisga de forma profunda,
tentando nos fazer enxergar exatamente o que ele está olhando.
Tudo o que foi dito sobre a relação entre realidades e a fotografia,
assim como o Punctum e o Studium irá compreender um dos milhares de
aspectos que criaram o universo simbólico da linguagem fotográfica. Um ponto
em comum e imprescindível para qualquer fotografia é que para registra-la,
num determinado momento, seria necessário obrigatoriamente que alguém
estivesse presente no local. Ou seja, mesmo que a máquina tenha sido
60
acionada remotamente, em algum momento, alguém precisou posicioná-la
daquela forma.
Esse aspecto de estar presente fisicamente em um local para poder
realizar uma fotografia estabelece um laço íntimo com quem fotografa e o
resultado da sua produção fotográfica. Mesmo que a foto tenha sido feita de
forma remota (com o auxílio de controles remotos), a fotografia carrega não só
os elementos registrados pela objetiva da máquina, mas também a intenção e
o olhar do operador.
Toda a fotografia é um certificado de presença. Esse certificado é ogene novo que a sua invenção introduziu na família das imagens. (...)A sua consciência colocava o objeto encontrado fora de toda aanalogia, como o ectoplasma <<daquilo que tinha sido>>. Nemimagem, nem real, um ser novo, verdadeiramente: um real que já nãopode ser tocado. (BARTHES, 2008, Pág. 98)
Devemos ter em mente, que ao pensarmos sobre a teoria de Roland
Barthes, o instante registrado numa fotografia é um instante que morre, que o
que foi exposto e capturado deixa de existir. Isso ocorre, pois no momento em
que a fotografia é realizada, ela vai ser algo vivo de um momento que deixou
de existir, ou como ele mesmo diz:
(...) é a imagem viva de uma coisa morta. Porque a imobilidade dafoto é como que o resultado de uma confusão perversa entre doisconceitos: o Real e o Vivo. Atestando que o objeto foi real, ela levasub-repticiamente a pensar que ele está vivo, devido a essaarmadilha que nos faz atribuir ao Real um valor absolutamentesuperior, como que eterno. (BARTHES, 2008, Pág. 89).
Para compreender isso melhor, é preciso pensar que o Vivo, a que se
refere Barthes, esteve presente para ser registrado, portanto, teve que ser real.
Ao garantir que o momento foi Real, transporta-se o conceito para algo
superior, perpétuo, no entanto, o momento deixou de existir no passado. Com o
aparecimento do “isto-foi”, o qual vem junto com a transposição do momento
vivo para o passado, o instante fotografado deixa de estar vivo e passa a ser
algo morto.
Barthes procura deixar claro que essa separação entre o Vivo e o
Morto dentro do campo fotográfico não se dá unicamente no instante que é
realizada a fotografia, pois sempre vai existir um elo entre o que foi fotografado
61
e a foto. Ambos vão sempre coexistir, mas a pessoa, ou paisagem ou objeto
fotografado, vai se modificar enquanto a imagem na foto vai manter-se a
mesma.
Essa dualidade no campo da fotografia que Barthes expõe parece ser
algo muito duro, apesar de afirmar que o referente e a sua representação
fotográfica, Barthes acaba dando uma noção de que a fotografia se fragmenta
da realidade cotidiana. Tal noção é bem comum, pois ao “aprisionar” a luz que
compõe a realidade cotidiana registrada na fotografia, tende-se a disjuntá-la do
plano do Real, pensando a fotografia como um “recorte do real”.
Figura 7 - Dhambad, Bihar, Índia, 1989.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 270.
O universo aqui representado está vivo e morto. Vivo por tudo o que
transmite nos olhares dos que estão aí presentes. Morto porque a situação pela
qual eles estavam passando continuou a existir após a fotografia ter sido
realizada. Suas vidas se modificarão e o espaço que ali está emoldurado não
existe mais de forma física, vai existir agora no interior de quem a observou.
O problema de realizar essa fragmentação da realidade no plano
fotográfico com a realidade no plano do cotidiano é que não se devem separar
62
elementos tão próximos. Mesmo que a temporalidade da fotografia fique
“congelada” no papel fotográfico após ser registrada, e a temporalidade do
cotidiano continua a se desenvolver e a se modificar. Ou seja, fragmentar e
separar a fotografia como um “recorte do real” seria equivalente a fragmentar a
realidade cotidiana negando a temporalidade da sua continuidade.
Fazendo um breve retorno ao que vem sendo dito até agora, é possível
perceber a presença constante das palavras realidade e real. Pensar fotografia,
bem como fazer fotografia e refletir sobre ela, é lidar diretamente com as
facetas do real. Diferentes olhares fotográficos revelam diferentes facetas da
realidade. Consideramos que as três vertentes abordadas por Philippe Dubois
são evoluções encadeadas da maneira em que a fotografia é constituída, já
que, abordam diferentes pontos de um mesmo elemento, mas pontos que não
necessariamente excluem uns aos outros. As vertentes então lidam com
diferentes olhares do verossímil da realidade fotografada.
O Studium e o Punctum lidam com outra faceta de realidade, dessa
vez não trabalham tão intensamente com o aparente do registro fotográfico.
São desenvolvidos os olhares que contrastam com o mundo sensível, com o
olhar que vai além do que está representado, despertam principalmente o
desejo de se colocar por trás da câmera de quem registrou, o Studium, e ser
perfurado pela inquietação da sensação que a fotografia causou, o Punctum.
Ou seja, as realidades trazidas por Barthes são as realidades do olhar sensível,
realidades que vão além dos elementos técnicos da fotografia, são realidades
que vão refletir a subjetividade do sujeito que faz e observa a fotografia.
Com base nessa reflexão das diferentes realidades tratadas por esses
autores, cabe expor mais um conceito de realidade trabalhado por outro
pesquisador que também articula novos pensamentos sobre fotografia.
Fazendo uso dos conceitos de primeira e segunda realidades, bem como de
realidades exterior e interior, trabalhados por Boris Kossoy.
A primeira realidade desenvolvida por Boris Kossoy é caracterizada por
ser o próprio passado, o instante da “história particular do assunto
independentemente da representação” (KOSSOY, 2009, Pág. 36). Essa
realidade não é composta só pelo instante que passou, mas principalmente
pelo contexto no qual o assunto fotografado estava no momento em que foi
63
registrado. O diferencial dessa teoria acerca da primeira realidade é que ela
não se restringe apenas ao assunto11, mas também está intimamente ligada ao
olhar do fotógrafo que realizou o registro, levando em conta as ações técnicas.
Juntamente nessa primeira realidade, Boris Kossoy comenta que a
fotografia também tem algo que está oculto, algo que se encontra no mais
íntimo de sua composição. A fotografia é carregada de sua história, de todo o
contexto que a guiou para aquele exato instante que foi registrada, recebendo
assim a denominação de realidade interior.
A primeira realidade tem um “tempo de vida” muito curto, pois assim
que o resultado da intenção do fotógrafo, bem como da resultante da realidade
interior que passa a ser exposta, ela vira a segunda realidade. Essa “nova”
realidade revelada pelo material sensível (seja o papel fotográfico ou o visor da
máquina digital) é delimitada pela bidimensionalidade do plano que ela foi
registrada e imutável pelas ações de modificação do tempo e espaço. O tempo
e espaço aqui citados fazem uma alusão ao momento em que a foto foi
realizada e ao local onde se esteve, isso pois fazendo referência ao
posicionamento do fotógrafo em relação ao assunto registrado.
A fotografia nessa segunda realidade é então o resultado físico da
fotografia, o documento gerado pelas escolhas previamente elaboradas
durante as ações que ocorreram na primeira realidade. Ou seja, a segunda
realidade é a realidade que se apresenta para o mundo exterior, para a
realidade exterior. Realidade essa que é comum a todas as fotografias, a todos
os registros fotográficos, pois a fotografia não é somente um registro interior do
mundo aparente, ela é revelação dos microuniversos que constituem o
cotidiano.
Para Boris Kossoy, esse movimento de transição da primeira realidade
para a segunda realidade é algo imprescindível para a existência da fotografia.
Pensar a fotografia é construir realidades dentro de uma trama fotográfica, em
produzir algo que não seja a verdade histórica, mas a “verdade aparente”, que
11 Nesse caso, assunto faz referência a uma das formas utilizadas pelos fotógrafos para sereferir ao que se está se fotografando. Também é bastante comum ouvir os termos: Objetivo,Objeto, Referente e diversos outros.
64
se abre para diferentes olhares que produzem diferentes reações e relações
com o mundo.
Portanto, compreender a fotografia é se deparar com um território
muito complexo de sentidos. Primeiro por ser necessário entender todo o
processo de construção da fotografia, visualizar os elementos que estão por
trás do que vai ser fotografado, entender que a fotografia é mais do que um
processo de construção “física” do momento e construção técnica do fotógrafo,
é um processo de construção simbólica da realidade aparente. A fotografia vai
ser sempre o olhar guiado, selecionado, orientado de um observador
privilegiado. Sendo assim a fotografia vai ser sempre um ponto de vista
“capturado” por um aparato tecnológico, revelado e exposto aos olhares
carregados de sentidos e sensações.
Em contrapartida, para compreender esse movimento de construção
da imagem fotográfica é necessário desconstruí-lo, desmontá-lo, mas sem
fragmentá-lo ou disjuntá-lo da construção simbólica da realidade registrada.
Mas por que desconstruí-lo? Pelo simples fato de que, na grande maioria, o
espectador que observa e é sensibilizado pela fotografia não estava presente
no exato momento em que ela foi realizada.
É necessário desconstruir para poder enxergar a temporalidade do
momento, perceber os movimentos que ocorreram para que aquele instante,
dentre tantos outros, seja o milésimo de segundo que ficará gravado no
registro. Desconstruir não é somente tentar desvendar também a
intencionalidade do fotógrafo, é desvendar a intenção de quem está sendo
gravado na imagem, desvendar para onde os olhos apontam, para onde os
passos irão levá-lo. Devemos expor que a ação de desmontar a fotografia
acaba criando novas construções, novos olhares sobre o que está sendo
exposto e o que está sendo visto.
Através disso temos que entender então que a fotografia não é algo
estático. Ela veio de um movimento contínuo, de um movimento que vai
continuar mesmo depois que a fotografia for realizada. Uma fotografia
específica é nada mais do que um dos instantes selecionados de uma série de
outros movimentos da realidade vivenciada pelo fotógrafo.
65
Figura 8 – Trapani, Sicília, Itália, 1991.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 101.
O movimento estático dessa fotografia ajuda a perceber o que acabou
de ser dito. O movimento dos peixes que agitam a água, os homens puxando a
rede, o “caos” que se estabeleceu na tentativa de capturar os peixes.
Dificilmente esse momento seria encenado, dificilmente todos estariam postos
assim para realizar uma fotografia. Essa foto se fez assim porque o momento
captado, através da técnica e do olhar do fotógrafo, permitiu registrar o instante
da forma como ele se fez representar naquele momento. Efetuou um “corte”
temporal no momento que vinha se desenvolvendo diante do
espectador/fotógrafo.
Exposto isso podemos indagar se a fotografia seria um “recorte do
real”, “espelho do real”, “transformação do real” ou “traço de um real”. Não
seriam essas concepções muito reducionistas do que realmente deveríamos
considerar acerca da imagem fotografada?
Qualquer que seja a concepção usada para compreender os
elementos que de uma fotografia, ela vai sempre ser parte de uma realidade,
de algo que não vai ficar pausado eternamente no tempo a menos que seja
66
captada pelas lentes de uma maquina, podendo ser fotográfica ou
cinematográfica. Ou seja, vai fazer parte de uma cadeia de movimentos que
não podem ser desvinculados um do outro, mas podem ser emoldurados em
sequencia e serem revisitados no plano final do registro.
Através de tudo o que foi exposto aqui, de todas as leituras que vêm
nos influenciando nesta pesquisa, levantando questionamentos que talvez
devêssemos começar a pensar na fotografia como um Frame do real.
Compreendemos que tal termo é mais comum dentro do cinema, mas façamos
uso dele, pois assim como no cinema, uma fotografia é sempre antecedida por
uma e seguida de outra. No próprio negativo fotográfico é possível observar
essa proximidade do Frame fotográfico com o Frame cinematográfico. De certa
forma, o cinema em si é composto por uma série de fotografias exibidas
consecutivamente em uma velocidade mais acelerada.
O conceito de Frame é uma forma que nos permite pensar na
fotografia dentro da temporalidade da realidade cotidiana, bem como o
contínuo de ações da casualidade dos acontecimentos. Pensar na fotografia
como Frame do real, ou “moldura” do real, é pensar em uma ligação mais
direta e mais forte com as camadas do real, é por sua vez, não desvinculá-la
das construções realizadas tanto pelo fotógrafo, como pelos elementos que vão
ser gravados na imagem fotográfica. Bem como não a separa quando se faz a
desconstrução dos elementos simbólicos expostos na fotografia.
Compreender esse conceito de Frame dentro da fotografia é algo que
ajudaria a trazer novos entendimentos na leitura das imagens. Ele iria romper
com limites conceituais que vêm envolvendo a análise e leitura das imagens
fotográficas, algo que pode trazer mais proximidade entre o fotógrafo e o
espectador, permitindo que ambos produzam novos conceitos e até contribuam
para a produção fotográfica.
O Ato Fotográfico na Pesquisa Sociológica: Compreendendo asrelações da fotografia com a pesquisa sociológica
67
Compreender a fotografia e sua pluralidade de sentidos produzidos por
sua linguagem visual é algo que vem desafiando e intrigando diversos
pesquisadores, admiradores e seus entusiastas. Ainda por cima quando
fazemos uso da aplicação da fotografia sobre o campo de pesquisa da
sociologia. Esse estudo é constituído por vastas esferas teóricas e de
pesquisa, bem como ferramentas de coletas de dados e correntes teóricas
seguidas e utilizadas pelos pesquisadores.
O que se pode afirmar é que a fotografia e a sociologia têm uma
relação íntima e próxima, que esses dois setores podem fazer uso um do outro
para compor seus trabalhos e temáticas. Por exemplo, um Sociólogo pode
utilizar a fotografia dentro da sua pesquisa para dar uma ilustração do que está
sendo trabalhado, bem como um fotógrafo pode fazer uso de temáticas
desenvolvidas por sociólogos para servir de inspiração nas fotos que serão
realizadas para formar uma exposição.
Para o presente momento não pretendemos fazer uma discussão
dessa troca entre a fotografia e a sociologia. O que pretendemos fazer é o
levante da forma como a fotografia tem sido utilizada dentro do campo
sociológico, compreendendo como ela contribui para a elaboração teórica dos
trabalhos científicos.
Um dos teóricos que vêm tentando compreender essa função se
chama José de Souza Martins. No livro Sociologia da Fotografia da Imagem,
ele o se dedica a fazer uma análise bem completa do que chama de sociologia
da imagem. Para tal, em suas palavras de abertura, Martins comenta que:
A Sociologia e a Antropologia têm cultivado a esperança de que afotografia (e também o filme e o vídeo) possa ser utilizada como fontee registro factual de informações de trato sociológico (eantropológico) sobre a realidade social. Uma fonte que documentasseo que os instrumentos usuais e já tradicionais de pesquisa nãodocumentam ou documentam insuficientemente, uma novidademágica na revelação de dimensões novas e inesperadas da realidadesocial. (MARTINS, 2008, Pág. 9)
Tal ponderação faz surgir uma série de questionamentos pertinentes
para esse assunto: Será possível que a fotografia tenha realmente essa
capacidade de captar todos os elementos necessários para a pesquisa
68
sociológica. Será que simplesmente acrescentar uma fotografia dentro de um
trabalho sociológico permite que seja exposta a diversidade de sentidos que
podem estar inseridos na fotografia dentro de um universo de possibilidades de
percepções?
Esses questionamentos, apesar de serem direcionados para a
fotografia, também poderiam ter sido feitos em técnicas como a filmagem, em
entrevistas gravadas, entre outros. Não vimos aqui questionar a forma de se
levantar dados para uma pesquisa sociológica, muito menos questionar sua
validade. O que estamos nos propondo a fazer é pensar alguns dos limites e
abrangências dessa forma tão distinta e complexa de captação dos elementos
visuais e simbólicos que é a fotografia. Antes de falar da utilização da fotografia
em alguma pesquisa é necessário fazer breves observações sobre o que vem
antes, ou seja, considerar o ato de fotografar, de fazer a fotografia para a sua
devida utilização.
Fotografar é algo que pode ser considerado por uns como sendo uma
atividade fácil e simples, todavia, existem pessoas que consideram o ato de
realizar uma fotografia como algo denso e complexo. Essa prática se mostra
verdade quando levamos em consideração que, nos dias de hoje, qualquer
pessoa portando uma câmera digital compacta, ou até mesmo um celular com
câmera, pode realizar uma fotografia, pode procurar fazer o registro de algo
inusitado, particular, íntimo. Atualmente, mais do que em qualquer outra época,
é possível tornar visível momentos que ficariam guardados apenas na
memória.
A fotografia tem a possibilidade de fazer um registro que traga algo que
se deseja reviver. Para isso, é preciso fazer uso da memória para encontrar
elementos simbólicos do espectador. Aproximar a fotografia da memória
permite encontrar dois caminhos opostos com relação à visibilidade dos
acontecimentos. O primeiro é o desejo de mostrar para relembrar e reviver. O
segundo é o desejo de esquecer-se e manter às escuras o que não gostaria
que fosse revelado. Nesse aspecto, a fotografia causa mais um rompimento do
íntimo e exposição do espaço privado, o que não significa necessariamente
que a fotografia tenha sido indesejada, até porque vivemos num momento em
que a imagem tem um papel presente e constante na vida dos indivíduos.
69
Considerando a fotografia livre de qualquer análise sociológica e
estética, vemos que a fotografia vai ser sempre o registro do que foi, do que
aconteceu, o momento que fez parte dos acontecimentos, ou seja, o “isto-foi”
do Roland Barthes. Mas a fotografia não é um registro livre de posicionamento,
de interpretações e intencionalidades, pelo contrário, ela é a pura expressão de
todos esses fatores. Uma foto que aparentemente foi realizada ao acaso
contém mais informações sobre a realidade cotidiana do que muitos relatos
escritos por algum pesquisador. É necessário ponderar cuidadosamente tais
elementos quando for feita alguma análise, procurando os elementos
pertinentes para a sua pesquisa.
Figura 9 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 312.
Quando observamos esse “isto-foi” diante da análise sociológica,
podemos perceber o quanto a fotografia transcende a função de ser um
simples registro, principalmente brincando com a existência do visível com o
invisível. Mas dentro de todo o universo captado, ainda assim vai ser uma visão
pontual da realidade, ela vai conter um olhar, um pequeno fragmento de todo o
cotidiano que está fotografando, cotidiano que está em constante mudança.
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O invisível se torna visível na própria evidência visual e fotográficacontida nas coisas que restaram, de quem lá esteve e já não está. Decerto modo, nos resíduos da humanidade dos que partiram, as fotosnos dizem que sociedade é esta e, também, que sociedade éanômala e provisória sociedade dos que perderam a liberdade. Seessas considerações, tanto o depoimento, em suas várias formas,quanto à imagem constituem documentos pobres ou, no mínimo,insuficientes da realidade social. (MARTINS, 2008, Pág. 27)
A realidade social é extremamente complexa para poder ser reduzida a
uma fotografia, ou a uma série de fotografias. Da mesma forma que
observador/pesquisador tem que se posicionar, direcionar o olhar e filtrar os
elementos da realidade que se apresenta à sua frente para poder efetuar sua
pesquisa, o fotógrafo, sendo o próprio pesquisador ou não, realiza essas
mesmas ações gravando essa escolha de posicionamento em seu registro
fotográfico. No entanto, uma fotografia para uma pesquisa sociológica também
é dotada de uma visão que vai além dos limites da cena registrada. A fotografia
é dotada das “fantasias” e criações do imaginário tanto de quem fez a
fotografia, como também de quem é fotografado e quem lê o resultado final da
composição.
O “isto-foi” vai estar sempre gravado nessa imagem, mas não como
algo morto de algo que esteve vivo, como Barthes acreditava que toda
fotografia fosse, e sim como José de Souza acredita, que a fotografia é o vivo
de algo que está morto. A morte que José de Souza se refere é o momento que
nunca mais vai se repetir, que se perde no tempo e não tem como ser recriado,
muito menos encenado, o que segue a mais pura base da pesquisa social, o
fato de que todos os eventos são únicos e não se podem recriá-los.
Isso também fica evidente na argumentação de Boris Kossoy. No
entanto não faz ligação somente com o que está exposto na fotografia, também
é feita referência direta ao fotógrafo. Kossoy denomina essa característica de
processo de construção de representação, o que não é nada mais do que a
produção física da obra fotográfica por parte do fotógrafo através dos
mecanismos internos, tais como os elementos culturais e referenciais teóricos.
A fotografia se conecta fisicamente ao seu referente, – esta é umacondição inerente ao sistema de representação fotográfica – porém,através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado noimaginário de seu criador. A representação fotográfica é uma
71
recriação do mundo físico ou imaginado, tangível ou intangível; oassunto registrado é produto de um elaborado processo de criaçãopor parte de seu autor. (KOSSOY, 2009, Pág. 43)
A noção de que a fotografia é algo vivo de um momento morto,
introduzida por José de Souza, quando aplicado para dar a característica à foto
com a finalidade de substituir o referente12, o que pode ser definido como uma
ilusão da sociedade contemporânea. Essa ilusão existe na crença de que a
fotografia, mesmo que viva, vai paralisar as ações de envelhecimento e morte
de tudo o que está contido naquela imagem. Contrapor a visão de que a
fotografia também é uma construção da ilusão fotográfica, com a noção da
verossimilhança com o real cotidiano, é verificar a presença do campo onde se
pretende fazer o estudo sociológico. Mas isso só é possível quando se faz uso
do referencial teórico apropriado para uma análise.
O que pode ser visto aqui é uma relação dialética entre a fotografia e
sociologia. Em todos os momentos a fotografia foi e continua sendo algo, é
uma ilusão, mas não deixa de ser verossímil, é algo morto de um momento que
esteve vivo e algo vivo que passou a ser morto. Tudo isso acaba gerando uma
dificuldade em entender qual é a real aplicabilidade da fotografia em estudos
de diferentes ordens. Sendo assim, é necessário fazer uma reflexão que gire
em torno de um caráter duplo, algo que cria uma referência, mas sem disjuntá-
la do seu referente.
Em um dos primeiros livros publicados por Edgar Morin, O Homem e a
Morte, é introduzido um conceito bastante particular, conceito esse chamado
de Duplo. Para Morin o Duplo é uma “cópia exata post mortem do indivíduo
morto.” (MORIN, Pág. 134). Essa cópia vai sempre acompanhar e viver a vida
que o indivíduo vivo tem, sentindo os sabores, aromas, vivendo as felicidades,
tristezas. O duplo vai ter uma relação inversa com o seu referente vivo, vai
manter-se em estado de alerta enquanto o referente dorme.
Morin diferencia três formas do duplo se manifestar mesmo com o
indivíduo vivo, argumentando que a primeira seria a própria sombra, como uma
das primeiras manifestações da própria percepção de si, pois para a criança,
12 Referente é um dos termos usados dentro do campo da fotografia para fazer referência aoassunto fotografado.
72
como Morin expõe, a sombra é um ser vivo, enquanto que para o homem, ela
está ligada ao mistério de como esse homem projeta sua imagem para o outro.
Através da projeção da sombra é que o duplo adquire a sua forma “física” e seu
nome de duplo. No entanto, essa projeção do duplo só existe perante o
momento em que o sujeito está exposto à luz e essa se reflete em uma
superfície.
A segunda manifestação do duplo é caracterizada pela presença do
reflexo. O reflexo é o oposto da sombra, enquanto a sombra seria uma
projeção “escurecida” da pessoa, o reflexo dessa forma seria a projeção mais
“precisa” do duplo, não conseguindo apenas fugir da sua qualidade de ser
invertida diante das ações do seu referente. O reflexo então seria uma “Sombra
Clara” (MORIN, Pág. 136) que carregaria tudo da pessoa, mas não seria capaz
de se desprender do espaço onde é projetada, pois somente se faz surgir
perante o toque da luz em uma superfície refletora. Essa manifestação do
duplo, ao contrário da sombra, não vai acompanhar o sujeito preso a si, mas
revela uma compreensão mais profunda do seu eu.
A terceira manifestação do duplo se caracteriza por ser uma pequena
manifestação de si em seu interior, marcada por uma presença do eco sonoro
que se apresenta como reflexo auditivo. Esse duplo é um “pequeno ser” que
vai trafegar no interior do seu referente, se manifestando em diversas partes do
seu corpo, seja ouvido, olhos, cabeça, coração e qualquer outra parte. Dessa
maneira, a utilização da palavra eco para designar essa manifestação do duplo
transmite a ideia de que ele é composto pela voz interior do sujeito, ou a
sensação de reviravolta no estômago e até mesmo das palpitações mais
aceleradas no peito de uma pessoa quando exposto a alguma situação mais
emocionante.
Com base nessas três manifestações, o duplo vai ser considerado por
Morin como um ego alter, algo que a pessoa viva vai sentir no mais íntimo do
seu ser, mas que também se projeta para o mundo exterior. O duplo não é
somente uma cópia do sujeito, mas uma cópia viva, uma imagem da pessoa
que vive e sobrevive à morte, bem como nas palavras de Morin, “O ego alter é
realmente do ‘Eu’ que ‘é um outro’” (MORIN, 1997, Pág. 137).
73
O conceito de duplo permite adentrar numa diferença entre o conceito
de Barthes sobre a fotografia ser algo morto do que esteve vivo, do conceito de
José de Souza em que a fotografia é algo vivo de algo que passou a ser morto.
A fotografia é composta por ambos os conceitos. Tendo a capacidade de
capturar parte do duplo e expor em um plano bidimensional. O duplo aqui vai
sempre viver mesmo que o seu referente deixe de existir, seja pelo momento
não se repetir novamente, ou pelo referente ter vindo a óbito. No entanto a
fotografia se faz morta por fazer referência ao que deixou de existir, por trazer
aos espectadores a recordação do que não vai mais se repetir. Talvez a única
forma de romper essa capacidade da foto é a sua completa destruição, apagar
completamente a forma física desse registro. Assim a foto seria completamente
algo morto de um momento morto.
Outra característica fundamental da fotografia como duplo é conseguir
captar as três manifestações citadas por Morin. Na fotografia, além de registrar
o próprio referente, a sombra vai estar presente mesmo que num plano não
visível. Em alguns casos a foto pode conter apenas a sombra do sujeito,
demonstrando para o outro a maneira como o referente percebe o seu contorno
mais primário. A fotografia vai ser sempre um reflexo de si que é projetando
para si e para o outro, contendo um pequeno eco do que já foi, do que vai
existir dentro da memória do referente e do outro.
Quando o duplo da fotografia for alvo dos olhares externos é
justamente o instante em que irá se transformar, se manter vivo além das
concepções de que a fotografia é um simples instante congelado no tempo.
Pensar a fotografia como um instante congelado dentro de um processo social,
segundo Martins, é algo que esteve presente na compreensão dos sociólogos
e historiadores acerca da fotografia. “A fotografia não congela nem retrata ‘o
que está lá’” (Martins, Pág. 36), a fotografia vai ser, portanto, uma construção
que não interrompe muito menos congela a realidade cotidiana. Ela, por sua
vez, vai necessitar da capacidade de tecer suas tramas sociais mantendo
contínuo o fluxo de significações, propiciando que a fotografia seja um “retrato”
de um determinado momento social.
74
(...) a fotografia tece uma história. Revela-se o oposto do“congelamento”, entrosa-se dinamicamente nas necessidades doprocesso social. É documento da cambiante suposição daspersonagens. (...). A fotografia se propõe, aí, como documento daincerteza, e não da certeza. Questiona a pressuposição do estrutural,do que pretende permanecer e que a Sociologia precisa quepermaneça para interpretar. A Sociologia pressupõe reiterações,continuidades, permanências. (MARTINS, 2008, Pág. 37)
Esse “retrato”, ou conjunto de “retratos”, vai ter a difícil função de
“narrar” para o espectador os elementos que fazem parte da sua composição
temática. Essa narração por si só já é uma forma de posicionamento em que
algo distante vai aparecer mais distante ainda, mas numa tentativa de dar
forma e não separar o retrato da sua composição. Ainda mais porque é fato
que toda fotografia segue uma temática, uma intencionalidade que motivou que
ela fosse efetuada. Em muitas pesquisas sociológicas é mais do que
necessário ter uma habilidade de olhar o outro de forma distinta para tentar
encontrar os elementos relevantes da sua pesquisa. O conhecido Olhar
Sensível atribuído ao fotógrafo também é um artifício utilizado pelo sociólogo,
principalmente pelo que se propõe aquele que se coloca como espectador da
fotografia.
Figura 10 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 310.
75
O termo Olhar Sensível é bastante utilizado pelos fotógrafos, bem
como por admiradores da fotografia, para determinar a capacidade do fotógrafo
de perceber o que muitos não notariam. O olhar sensível é algo que consegue
propiciar o Punctum na fotografia, sendo que essa capacidade não deve ser
somente restringida àquele que executa a fotografia, mas também para aquele
que se deslumbra com o registro. Para a pesquisa sociológica, bem como para
a antropológica, não basta somente perceber o Punctum para fazer sua
análise.
É de demasiada importância fazer uma leitura de todos os elementos
que constituem a fotografia. Fotos que têm como “alvo” indivíduos, ou uma
série deles, é importante perceber nelas elementos como o posicionamento
dos indivíduos, as suas vestimentas, as emoções que cada um está expondo
naquele momento.
Não devendo deixar de lado o que está “por trás” do alvo principal. Os
elementos do cenário vão ser importantes para ajudar a posicionar a fotografia
dentro de uma espacialidade e temporalidade da narrativa que deseja ser feita
a partir daquela imagem. Em fotografias que não existe a presença direta do
humano como alvo do registro, a paisagem composta de elementos naturais e
artificiais se faz mais importante para compreender os elementos que o
pesquisador/espectador quer tornar relevante na sua pesquisa.
Com o levantamento e a compreensão desses elementos, dentro da
imagem fotográfica, pode-se perceber uma das contribuições mais básicas que
a fotografia pode fazer para a pesquisa sociológica. Essa contribuição se trata
da percepção dos elementos do senso comum de uma sociedade. Quando
essa leitura aparece na companhia da leitura de um conjunto de fotografias
ajuda a construir uma memória dos acontecimentos registrados. No entanto,
quando essa leitura é feita sem que o espectador estivesse presente no
momento em que as fotografias foram feitas, ou quando não tem o menor
conhecimento dos eventos registrados, essa construção da memória é quase
que realizada com base nos elementos internos e culturais desse espectador.
76
As fotos e seu arranjo apenas alimentavam, na impressão do leitor,seus próprios valores visuais. A leitura expressava o modo comohavia interiorizado o código visual de sua socialização. O leitor dafotografia pratica um confisco visual da imagem, remontando-a, apartir de suas insuficiências, no seu próprio código de leitura que étambém o manual sistêmico de suas experiências e das experiênciasdo seu ver. (MARTINS, 2008, Pág. 46)
Uma questão que surge ao se tentar ler uma imagem fotográfica é com
relação à sua veracidade. Essa questão gira em torno de dois aspectos
básicos: o primeiro questionar se a cena registrada foi encenada antes de ser
feita a foto. A segunda questão já se trata de uma edição posterior à realização
da fotografia, uma edição de consta com a remoção ou alteração de elementos
que estavam presentes no momento em que os acontecimentos da realidade
cotidiana estavam desenvolvendo de forma natural.
No primeiro caso, a encenação para uma fotografia pode revelar mais,
do ponto de vista sociológico e antropológico, do que provavelmente fotografias
ditas espontâneas teriam a capacidade de revelar. Isso porque para encenar
uma situação é necessário adequá-la, dispor os elementos externos para se
tornar o mais próximo possível dos elementos que as pessoas que vão posar
para a foto têm dentro de si. A ação de encenação é uma tentativa que trafega
pelo real e fictício e que traz mais elementos do interior da pessoa do que ela
mesma considera sendo do exterior.
O antropólogo e o sociólogo sempre dirão que querem fotografar aspessoas em situações em que aparecem como elas sãoverdadeiramente. Mas as pessoas podem dizer, com razão, que seuverdadeiro modo de ser está naquilo que querem ser e acham quesão, e não naquilo que aparentam na intimidade ou fora dos cenáriosde ostentação, naquilo que o pesquisador acha que é a sua autênticaverdade. (...) As pessoas são o que imaginam ser e o que queremque os outros pensem que são. Nossos processos interativos sãotambém, técnicas para dar vida e realidade à ficção que nos move nasociedade. (MARTINS, 2008, Pág. 49)
Considerando o primeiro caso como mais uma ferramenta reveladora
de elementos importantes para uma análise socioantropológica, no entanto,
isso não ocorre no segundo caso. Alterar o conteúdo de uma fotografia após
ela ser realizada, no sentido de retirar ou acrescentar elementos que não
estavam presentes no momento em que foi realizada, não é a mesma coisa
77
que encenar algo. Nesse caso, se trata mais de uma violação da integridade do
material coletado, de criar mentira distorcendo a realidade.
Dentro de uma pesquisa, a atitude de alterar uma fotografia nesse
nível seria comparável com a falsificação de dados, tais como acrescentar ou
retirar trechos de uma entrevista ou alegar ter presenciado fenômenos que não
existiram. O que torna tal atitude mais problemática é a dificuldade para
descobrir tal violação, mas, em casos de dúvida, é mais do que necessário que
o suposto autor do material seja questionado sobre o fato, para tentar soltar
algum fio de verdade na trama de mentiras que criou.
Outra forma seria ver como os pesquisados reagiram com o retorno do
resultado final da pesquisa alterada e, dependendo de sua reação, talvez seja
possível comprovar a ação. Independentemente da forma que for utilizada para
tentar descobrir se o registro foi alterado ou não, é importante colocar que o
questionamento desse tipo de ação dentro de uma pesquisa que faça uso da
fotografia acabe por questionar a integridade de todo o trabalho realizado por
esse pesquisador.
Um fator que é imprescindível para fazer uma leitura de uma imagem
fotográfica de maneira mais precisa é ter em mãos uma fotografia que tenha
sido tirada de forma específica. Essa forma não se liga diretamente a
elementos estéticos e artísticos corretos, mas sim a elementos que o
fotógrafo/pesquisador carregou com si antes mesmo de fazer a fotografia. Para
tal, é mais do que necessário que aquele que vai fazer a fotografia não vá a
campo sem conhecer nada do que pretende registrar.
É importante ter dentro de si o mínimo de conhecimento sobre os
eventos, as pessoas, os atores, aqueles que vão permitir fazer um recorte
teórico mais apurado da realidade cotidiana da situação. Para realizar tal
entrosamento com o campo, cabe fazer uso das técnicas de pesquisa
socioantropológicas, tais como observação participante e a dialógica. Se
possível, o retorno e registro do mesmo evento, das mesmas pessoas, podem
contribuir para que a fotografia, dentro da pesquisa, não vá ser composta de
uma primeira impressão.
78
A fotografia vai ser fruto de uma série de transformações ocorridas no
sensível desse fotógrafo/pesquisador. Uma alternativa que contribuirá para a
visão acerca dos fenômenos sociais de um determinado grupo seria pedir para
que os fotografados realizassem registros que consideram importantes do
determinado evento. Isso iria dar a possibilidade de estudar a noção de
visibilidade que o próprio grupo tem de si.
Evidentemente, elementos como enquadramento, profundidade de
campo, velocidade do obturador e outras terminologias técnicas da fotografia
vão influenciar diretamente no resultado final da fotografia que vai ser utilizada
nas pesquisas socais. Esse é um dos fatores que se somam para criar o que
se deseja tornar reproduzível visualmente, assim como afirma José de Souza
Martins.
É nessa construção, nessa redução dos tempos da realidade socialao espaço da imagem fotográfica e ao seu tempo aparentementeúnico, que o fotógrafo imagina, isto é, constrói a sua imagemfotográfica, aquilo que quer dizer através da fotografia. (MARTINS,2008, Pág. 65)
Todos os elementos que contribuem para construir a fotografia vão ser
utilizados pelo leitor/pesquisador para dar movimento ao que está estático na
fotografia. Seria fazer com que o Punctum fosse além da capacidade de ferir o
espectador, mas sim de saltar e ferir o próprio limite da fotografia que lhe foi
exposto. Bem como, a necessidade de dar movimento ao que está parado e ler
além do que está visível, compreender o invisível e sensível na fotografia. Isso
seria então uma desconstrução de todos os elementos simbólicos, técnicos,
estéticos, sensíveis e imaginários acerca daquela temática utilizados
anteriormente para construir a fotografia.
Martins argumenta que mesmo que consigamos desconstruir os
elementos da temporalidade de uma fotografia para realizar uma etnografia dos
elementos da composição, a análise seria feita com base em elementos que já
se modificaram. Mas a mudança não vai ocorrer simplesmente pela
modificação dos elementos físicos da fotografia, mas principalmente pelos
elementos sociais, culturais e simbólicos.
79
Existe uma troca de influências entre o fotógrafo e o fotografado, em
que ambos vão ser influenciados pela presença mútua da composição.
Construindo uma realidade posicionada e reveladora, a qual tenta “esconder” o
que não é considerado adequado para a ocasião, mas revelando todo um
universo de realidades modificadas que nunca mais voltarão a se repetir em
suas minúcias.
Para o sociólogo, o importante da fotografia está no imaginário socialde que ela é meio, na imaginação mediadora que suscite. Osociólogo “lê” a fotografia indiretamente, através da compreensão quedela tem o homem comum, da interpretação da vida social e daconsciência social de que ela é instrumento e expressão. (MARTINS,2008, Pág. 68)
Estudar a fotografia, ou fazer uso dela, é se deparar com algo que não
fala por si só. Sociologicamente a fotografia “fala” através da relação de
Punctum e Studium, da compreensão do que está por trás do “isto-foi”, dos
elementos que saltam da fotografia. Mas independentemente dessas
características essenciais que também trafegam entre as outras formas de
coleta de dados da sociologia, a fotografia, quando utilizada em pesquisas,
aparece simplesmente como anexo das pesquisas, uma mera contribuição de
ilustração.
É necessário modificar essa prática porque a fotografia é corpo de
texto, informação que agrega ao texto elementos que muitas vezes as palavras
não têm capacidade de descrever. Mas isso não significa que a fotografia tenha
que vir sozinha substituindo o texto escrito, ela necessita das observações e
considerações daquele que a está utilizando. O texto deve aparecer para guiar
o olhar de quem está pesquisando aquele trabalho, dentro do mesmo olhar que
o pesquisador teve ao fazer uso do artifício da fotografia.
Tudo o que foi trabalhado ao longo deste texto teve como finalidade
agregar saberes e reflexões que mostrassem um caminho para um melhor
entendimento de duas formas de produção de saberes, que, por vezes,
aparecem distantes uma da outra. Aliar a fotografia com os saberes
sociológicos, bem como aproximar a sociologia da forma de olhar que a
fotografia concede aos seus usuários, é permitir que uma nova forma de
80
conhecimento, mais rica de significações, venha aparecer e trazer novas
compreensões acerca dos fenômenos sociais.
82
Nesse momento, fazemos uma reflexão interna sobre tudo o que está
sendo trabalhado sobre fotografia nesta pesquisa, enfatizando que,
primeiramente, foi realizada uma explanação dos elementos que envolvem a
produção propriamente dita de uma fotografia, elementos que variam de fatores
mecânicos, oriundos de uma máquina fotográfica, bem como conceitos básicos
e extremamente presentes em diversas fotografias, elementos que, quando
manuseados da forma que o usuário desejar, irão permitir que o fotógrafo
criasse registros com características próprias.
Também foram abordadas visões teóricas mais comuns para serem
atribuídas a uma fotografia. Nesse caso, acabou-se por verificar a existência de
noções repletas de historicidade encontradas nos documentos históricos, assim
como através das sensações que esses transmitem e passou a ser constituída
a formação de uma visão artística da fotografia. Essas formas podem coexistir
dentro de uma mesma imagem, variando apenas a forma como o espectador
entrará em contato com ela.
Em um segundo momento, foram articuladas as noções de realidade
que constituem a fotografia, podendo considerar essas noções formas distintas
e complementares de compreender o impacto que a fotografia teve no mundo
que está em constante transformação, dialogando invariavelmente com essa
linguagem. Ainda nesse segundo momento, foram feitas reflexões sobre a
forma como esta narrativa salta da imagem e começa a se inserir na pesquisa
sociológica.
Um conceito que começou a surgir teoricamente na argumentação dos
pensamentos já expostos aqui, o qual de certo modo faz parte tanto da
fotografia como do cotidiano de uma pessoa comum. Tal elemento brinca com
a capacidade de um sujeito selecionar as informações que estão à sua volta
para dar uma atenção focada, bem como centralizada dentro do leque de
informações que estão se desenvolvendo simultânea e espontaneamente pelo
mundo. Venho então mencionar o conceito de Frame.
Na primeira fase de existência da fotografia, vimos que, para ela ser
revelada, precisava ser captada pelo material sensível. Esse, por sua vez, a
encaixava num espaço predeterminado pela pessoa que tinha desenvolvido o
tal material sensível. Pelos avanços ocorridos, o material utilizado para gravar a
83
fotografia foi tomando a forma do filme de 35mm, sendo substituído apenas
pelo sensor digital. O interessante do negativo do filme é a maneira como as
fotos aparecem expostas, pois são apresentadas alinhadas e divididas por uma
fina moldura que coloca em quadro cada uma das fotos realizadas. Essa
mesma forma ocorria de maneira semelhante entre negativos de outros
formatos e filmes cinematográficos, que mesmo com detalhes
substancialmente diferentes um do outro, as imagens vinham dispostas lado a
lado, mostrando uma sequência cronológica do que havia sido fotografado.
A disposição das fotografias poderiam ser atribuídas e tomar a
organização desejada pela pessoa somente após as fotos serem transferidas
do negativo para o papel fotográfico. Esse novo arranjo tem como
característica demonstrar que a fotografia não está presa fisicamente às que a
antecederam, assim como não está ligada com as que foram realizadas depois.
Uma foto pode ser selecionada dentre muitas para expressar o que se deseja,
assim como inúmeras podem ser usadas com a finalidade de desvendar um
acontecimento e mesmo assim não representar parte da realidade revelada.
De qualquer maneira, a fotografia será delimitada por uma moldura.
Delimitações na forma de ser apresentada para o mundo “exterior de si”, sendo
mais comum no universo da pintura e do cinema. A delimitação do campo
apresentado na fotografia terá uma característica seletora de maneira
excludente, ou seja, ela excluirá o que momentaneamente não será
interessante para representar o que é esperado para ser representado,
revelando então a intencionalidade do fotógrafo.
Considerando que a moldura não tem a mesma função que o Frame,
pois trata de um elemento da composição da fotografia, poderá ser vista pela
denominação de enquadramento, seguindo elementos estéticos e harmoniosos
específicos com a linguagem estética desejada pelo seu desenvolvedor. Por
sua vez, o Frame vem compreender o espaço que está para além do plano
delimitado pelas bordas da moldura.
Para compreender melhor o conceito a ser desenvolvido sobre Frame,
é de demasiada importância fazer um retorno à questão de tempo na fotografia.
Existem dois conceitos de tempo que já foram citados aqui e que estão em
comum existência numa fotografia. O primeiro será o tempo de exposição que
84
a fotografia sofrerá para ser registrada, e o segundo, o tempo representado
pela historicidade do momento. O primeiro tempo, o qual depende quase que
exclusivamente da configuração da câmera e da vontade do fotógrafo, pode
marcar um borrão do movimento dos assuntos em cena, como também pode
deixar completamente pausado. Por sua vez, o segundo estará imortalizado,
fixado na historicidade, com elementos que estarão em constante mudança no
seu cotidiano. A luz no plano fotográfico é aliada do tempo para tornar perpétuo
determinados elementos que irão dissolver no ar.
Para ler a fotografia como Frame, é necessário construir toda uma
narrativa através de elementos que estão expostos na cena, assim como é
importante mostrar que a realidade traduzida no plano fotográfico é uma
construção de elementos internos e externos. Todos os elementos aqui
desenvolvidos fazem parte de um processo de desconstrução da realidade
fotográfica para poder enfim mostrar sob a luz do mundo uma pequena
dimensão de noções que são carregadas pela fotografia. Isso pode ser visto na
argumentação desenvolvida por Boris Kossoy no livro Os Tempos da
Fotografia:
Em seu conteúdo, uma única imagem reúne uma série de elementosicônicos que fornecem informações para diferentes áreas doconhecimento. Esses elementos acham-se formal e culturalmentecodificados na imagem, sendo tais codificações inerentes àrepresentação fotográfica, à sua estética particular. Tal codificaçãodiz respeito, pois, a fatores que corporificam o documento,materializam a representação e aos elementos icônicos propriamenteditos, que conformam a imagem. (KOSSOY, 2007, Pág.48)
Desconstruir ou desmontar uma fotografia é ler os elementos que estão
ali presentes de forma separada, mas não disjuntada. Não devemos, portanto,
isolar determinadas características da leitura para poder compreender a
imagem. Fazer isso seria equivalente a ler um livro pulando capítulos ou
assistir a um filme avançando partes que não lhe fossem interessante. Então
devemos entender esse processo de desconstrução como uma forma de
decifrar os elementos escondidos numa fotografia. Desconstruir a fotografia
implica reconstruí-la a partir do ponto de vista que o espectador pretende
compreender.
85
O movimento de construir a fotografia na sua concepção antes de
fotografá-la, depois desconstruir suas características para identificar elementos
distintos e por fim reconstruir novamente através da interpretação do
espectador é um ato de produção da narração da imagem. É dar voz para os
elementos que estão sendo identificados e interpretados pelo espectador.
A fotografia marca uma mudança, é o elo entre o que existiu e o queestá ocorrendo no presente, sendo construído culturalmente. Daí, apotencialidade informativa da fotografia enquanto narrativa visual,geradora de interesses pela sua interpretação e pelo que está contidonela (...). (NOBRE, 2003, Pág. 24)
Esse trecho da pesquisa, desenvolvida pelo Professor Doutor Itamar
Nobre, permite verificar a afirmação de que a fotográfica é capaz de produzir
uma narrativa que estará presente nas informações contidas no presente de
um passado que estava repleto de um “isto-foi”, para um presente observador.
Ainda mais porque a narrativa que surgirá na leitura de uma imagem é uma
narrativa que se caracteriza pelo posicionamento do espectador. Ou seja, se o
espectador não perceber absolutamente nada de relevante em uma fotografia,
talvez isso tenha ocorrido por essa imagem não lhe ser familiar ou não
emocioná-lo de forma alguma. Sendo assim, o espectador apático diante da
fotografia que não o sensibilizou produzirá uma narrativa densa e diferente de
qualquer outra já realizada sobre a respectiva fotografia.
Como a fotografia é uma resultante de um posicionamento de fotógrafo
devidamente disposto, com as características estéticas devidamente
configuradas num aparelho, podemos verificar que narrativa fotográfica segue
exatamente o mesmo processo. Só que dessa vez não serão processos que
vão ocorrer de fora da máquina para dentro da foto, e sim de fora da foto para
dentro do espectador.
Se, na imagem fotográfica, existirem códigos compreensíveis paraalguém, a narrativa visual estará efetivada para aquele interpretante,mas, mesmo que o interpretante de imediato não consiga decodificá-la, nem por isso ela deixará de ser uma narrativa, visto que umalinguagem não é elaborada apenas para um indivíduo específico.Uma linguagem é elaborada quase sempre para uma coletividade,para um corpo social, um universo cultural. (NOBRE, 2003, Pág. 25)
86
Onde inicialmente a noção de Frame era algo que estava atrelado à
movimentação sequenciada de eventos que vinham antes da fotografia, e
continuavam depois, agora começamos a considerar se essa noção está além
das bordas do papel fotográfico. Segue-se para o surgimento das narrativas
que deverão vir complementadas pela fotografia como elemento revelador de
realidades. Limitar a noção de Frame para somente a noção próxima de
elementos temporais que continuariam a se movimentar, seria criar limitações
conceituais para uma noção que vem contribuir para a expansão da maneira
como interpretamos os campos repletos de sentidos complementares e
distintos.
Figura 11 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 308.
Observar uma fotografia como essa é fazer o levante de todos os
elementos aqui já discutidos sobre o registro fotográfico. Em primeiro lugar,
vemos o fotógrafo posicionado, disposto em um local que conseguisse captar
os acontecimentos que estavam se desenvolvendo na sua frente. Em segundo
lugar, vemos o enquadramento que, devido à quantidade de pessoas
envolvidas na cena, acabou deixando algumas “cortadas” pela moldura da foto.
87
Esse enquadramento coloca de forma alinhada na regra dos terços as duas
pessoas que estão em “conflito” na ação que se desenvolve.
Existem múltiplas linhas de força saltando da fotografia nesse
momento, as que estão partindo dos olhares dos dois homens em conflito,
como também da multidão que os cerca. As linhas de força também estão
presentes na direção que a arma está apontada e em um sentido oposto ao
pulso fechado, preparado para dar um golpe no homem situado à esquerda.
Através da configuração da máquina, temos uma impressão de que os
elementos dispostos estão pausados, não demonstrando nenhum traço brusco
de movimentação, com ressalva do homem no canto da extrema esquerda que
tenta se equilibrar para não escorregar no terreno.
A temporalidade histórica também está bastante presente nessa foto.
Principalmente pelos elementos que se encontram nas vestimentas dos
homens que aparecem. Roupas desgastadas e sujas, demonstrando condições
de trabalho terríveis, completamente opostas ao uniforme do policial que
aparece portando uma arma que não é mais adotada pela polícia. Em um
primeiro momento o terreno que as pessoas estão caminhando não me revela
o posicionamento geométrico de onde essa foto foi realizada, mas revela que o
local tem passado (no momento que a foto foi realizada) por uma
transformação causada pelas atividades que esses homens realizam no local.
Percebendo que a fotografia foi realizada com filme preto e branco,
podemos indagar que o fotógrafo tenha feito tal escolha estética de realizar,
naquele momento, uma quantidade significativa de registros que carregassem
a dramaticidade que a utilização desse tipo de filme proporciona. Ainda no
ponto de vista estético, vemos um controle devidamente cuidadoso de captar
as mudanças de claro e escuro na cena. O céu levemente escurecido para não
causar um borrão “estourado” da foto, e deixando tons mais suaves de
sombreamento no restante da imagem. Esses cuidados podem ser tanto da
estética que o fotógrafo deseja alcançar nessa fotografia, como também para
não enegrecer a fotografia de maneira a não apagar elementos relevantes para
a fotografia.
O desfoque, causado pela profundidade de campo, que ocorre entre
aqueles que não estão dispostos no centro da fotografia facilita como nosso
88
olhar volte para o conflito que está sendo “armado”. Tal elemento estético faz
surgir uma dúvida quanto à encenação das realidades que ali estão se
desenvolvendo. Questões como a encenação desse acontecimento passam
pelo olhar de quem tenta se posicionar no lugar do fotógrafo, mas encenar uma
situação assim tomaria tempo de todos os envolvidos no registro, incluindo
principalmente as pessoas que não estão em primeiro plano da fotografia.
Perguntas relacionadas com o momento do contínuo começam a
surgir. O que foi que ocorreu para esses dois homens entrarem em conflito? O
que aconteceu depois que essa foto foi registrada? Onde será que essas
pessoas estão hoje em dia? O que ocorreu com o local após o
desenvolvimento das atividades que reuniram uma quantidade aparente
elevada de pessoas num mesmo local? Essas são perguntas que tentam
contribuir para a narrativa visual que essa fotografia em particular tenta
desenvolver em nós.
A resposta para a maioria dessas perguntas necessitaria ter
conhecimento dos motivos que levaram o fotógrafo a se deslocar até o local e
realizar esse trabalho. Como também necessitaria estabelecer contato com
possíveis pessoas que estivessem posicionadas nessa região na época em
que foram realizadas as atividades na localidade. Numa pesquisa sobre as
motivações existentes na intencionalidade do fotógrafo Sebastião Salgado,
será visto que ele procura fazer o registro de situações extremas. Na situação
dessa fotografia, vemos a presença da extrema exploração do trabalho e da
exploração dos recursos naturais. Sendo evidentes ambas as características,
pelo fato dessas fotografias pertencerem a dois trabalhos fotográficos de
Sebastião Salgado: o primeiro seria o Serra Pelada e o segundo o
Trabalhadores.
Tendo sido feita a análise dessa fotografia, vamos exercitar novamente
o olhar sensível de espectador em outra foto do mesmo fotógrafo, sendo,
nesse caso, uma situação completamente distinta da exposta acima.
89
Figura 12 - Campo Petrolífero Greater Burhan Kuwait, 1991.
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 342.
Novamente vemos duas pessoas dispostas de forma a ressaltar a
regra dos terços, sendo que, dessa vez, esta regra também existe na
composição de elementos paisagísticos. A divisão feita entre o céu, as areias
do deserto e a parte inferior onde se encontra uma poça de petróleo está
perfeitamente posicionada de forma a dividir a cena em um padrão estético.
Acaba por transmitir a sensação de vastidão da região onde se encontram os
elementos que estão na foto. Apesar de já ter existido a regra dos terços no
primeiro plano dessa imagem fotográfica, composta pelos homens que ali estão
expostos, nada impede o surgimento de uma segunda regra dos terços. O
fotógrafo tem apenas que tomar cuidado para não exagerar nas características
que possibilitam a percepção da regra dos terços para não poluir a fotografia e
quebrar a harmonia da composição.
As linhas de força novamente seguem o olhar dos homens que estão
aparecendo na fotografia, mas, no caso de um deles, o olhar vai para fora da
cena, para os elementos que estão fora dos limites do enquadramento. Já no
outro homem que está enquadrado na fotografia, o olhar segue para a
tubulação que adentra na terra e avança para o céu. Na fotografia está
90
presente linhas de força que estão fora das ações desprendidas pelas pessoas
ali existentes. Nesse caso, podemos perceber as linhas na tubulação que estão
dividindo a cena em duas, seguindo para cima, mas também podemos
perceber as linhas descendo do céu acompanhando a chuva negra de petróleo
que cai sobre os homens e o deserto.
O controle da luz permitiu captar o peso que a chuva de petróleo
transmitiu na cena que os homens se encontram. Nesse caso alguns riscos de
chuva aparecem ao fundo do céu da fotografia, bem como óleo pingando do
capacete e das estruturas tubulares que ali aparecem. Ou seja, o movimento
está parcialmente e completamente estático ao mesmo tempo, pois a chuva
ainda não se encontra completamente nítida e deixa leves rastos no céu. Mas
em contrapartida, vemos o que está em primeiro plano devidamente pausado.
Justamente por essa característica que podemos constatar que a cena dos
poços de petróleo poderia estar num ritmo muito mais acelerado do que a
fotografia do conflito em Serra Pelada.
A estética criada pela utilização de filme preto e branco quase faz um
dos homens que ali está apresentado sumir entre as areias do deserto sujas de
óleo. Mas, ainda é capaz de captar a dramaticidade dos poços de petróleo ao
fundo sendo incinerados. De certa maneira ambos transmitem uma sensação
quase como de serem estátuas dispostas no meio do deserto. Levando em
consideração a densidade de elementos que estão expostos na fotografia, a
encenação de muitos não é questionada, todavia a disposição das pessoas
nessa fotografia em particular pode ser questionada.
Mas como foi dito, a encenação às vezes pode revelar mais do que
tentar fazer uma fotografia de uma situação completamente espontânea. Se
considerarmos nesse caso que os homens estão encenando, é possível
indagar se é para retratar a dificuldade do trabalho que estão desempenhando,
o qual lhes obriga a ficar completamente cobertos de óleo. Se considerarmos
como um momento espontâneo, ainda podemos compreender que é um
trabalho bastante desgastante, mas que não necessariamente podem passar
por situações como a representada na fotografia.
91
Figura 13 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986
Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 302.
Nessa fotografia, por sua vez, vemos a mudança do ângulo que o
fotógrafo fez uso para realizar a foto. Em vez de estar disposto de forma frontal
do assunto, ele se coloca no alto de uma subida olhando para baixo. Isso
transmite a característica de profundidade da fotografia, podendo ser notada
principalmente quando vemos que as pessoas que estão mais ao fundo da foto
encontram-se desfocadas.
O enquadramento deixou os pés de alguns homens aparecendo no
canto esquerdo da foto, brincando com a percepção dos elementos que não
estão enquadrados e localizam-se fora da moldura, mas não fora da
representação que ali se faz.
As linhas de força nessa fotografia seguem o padrão que as pessoas
ali expostas estão fazendo para se locomover dentro do espaço enquadrado.
Nesse caso mais específico, as linhas não são totalmente retas, algumas são
espirais que aprofunda na cratera que está aparecendo ao fundo da imagem.
92
Vemos aqui outra cena da mesma região que a fotografia acima dos
dois homens em conflito, porém, não segue a trajetória dos acontecimentos
que estavam ocorrendo na fotografia anterior. Mesmo assim, transmite a noção
de continuidade temporal que a outra tinha, mas dessa vez o tempo contínuo
dessa imagem vai ser outro. Vai contar a sua história mesmo inserido na sua
própria temporalidade de acontecimentos.
Existem elementos comuns em todas as fotografias aqui expostas, tais
como terem sido realizadas pela mesma pessoa, Sebastião Salgado, que tem
uma técnica bastante peculiar de registrar um acontecimento. Sebastião
Salgado tem o costume de passar longos períodos de tempo inserido no
grupamento que está realizando o levante fotográfico, estabelecendo uma
relação de proximidade com as pessoas que vão ser assuntos de suas
fotografias.
Outra característica que está presente na obra fotográfica de Sebastião
Salgado é a utilização de um equipamento bastante específico para realizar as
fotos desse trabalho, sendo ele uma câmera profissional analógica, com filme
em preto e branco e uma objetiva de 50mm. Isso o obriga a ficar situado de
maneira próxima aos assuntos fotografados, evitando que as pessoas que
estão na cena não o percebam, bem como evita que as fotografias fiquem
distorcidas pela utilização de lentes grande-angulares.
Tentar encontrar a narrativa fotográfica dentro de imagens produzidas
por nós mesmos já é um processo devidamente complicado. Essa complicação
ainda se intensifica quando tentamos analisar fotografias produzidas por outras
pessoas. Isso ocorre por não ter pleno conhecimento das técnicas,
equipamentos, acessórios utilizados para registro da fotografia.
Fazendo uso da fotografia em espaços como a pesquisa sociológica
pode ocorrer com o surgimento de um “conflito” relacionado com a produção da
própria imagem. Fazer uso das fotografias que originalmente foram produzidas
para outras finalidades e principalmente produzidas por outros fotógrafos, pode
complicar ainda mais a análise. Por isso é necessário procurar conhecer quem
produziu as imagens ali expostas, tentar se aprofundar nas técnicas que
costumam ser feitas, numa tentativa de se inserir no Studium produzido na
fotografia. Sempre tendo em mente que todo fotógrafo é um narrador em
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primeiro nível, pois a fotografia vai ser constituída primeiramente dentro de si,
para somente depois passar a existir no outro.
É evidente que não é possível ter pleno conhecimento de tudo o que o
autor da fotografia tinha em si quando realizou aquele registro. Dependendo da
pesquisa isso realmente não será necessário, pois a narrativa que a imagem
deverá transmitir poderá contemplar as indagações e os questionamentos que
serão realizados sobre aquela fotografia. O mais necessário para isso será o
mínimo de conhecimento dos elementos fotográficos e das técnicas existentes
para poder captar determinado registro daquela maneira, como afirma Itamar
Nobre quando diz:
Contudo, o fotógrafo pesquisador precisa conhecer minimamente alinguagem fotográfica para obter êxito na sua narrativa visual, assimcomo um escritor precisa conhecer determinada língua e os seuscódigos, para escrever utilizando os códigos da linguagem escritareferente a essa língua. (NOBRE, 2003, Pág. 27)
Esses códigos são os que têm aparecido no decorrer de todo este
trabalho, principalmente quando tentamos dar forma ao conceito de Frame
para além das fronteiras que delimitam as margens da fotografia. É importante
compreender a fotografia de forma mediadora com universos reais que estão
em constante transformação, seguindo as mudanças culturais que ocorrem
simultaneamente no campo do cotidiano, ou seja, as codificações necessárias
para compreender uma precisa situação de uma determinada maneira vão
depender principalmente dos elementos que estão à disposição do plano de
códigos que contemplam o mundo social.
Para finalizar a argumentação sobre Frame devemos considerar o
caráter revelador de visões de mundo que a fotografia apresenta diante de si
mesma e diante do espectador. A concepção de Frame vai sofrer mudanças
para poder compreender a narrativa que tanto o espectador como o fotógrafo
vão estabelecer para conseguir compreender, cada um de sua maneira, os
elementos presentes na fotografia. Afinal de contas, o olhar de quem fotografou
um instante vai conter elementos diferentes de quem contempla a fotografia,
mesmo que esses sejam a mesma pessoa.
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Sendo assim, o Frame é uma moldura que extrapola seus limites, é
uma linguagem que narra o que foi representado visualmente, mas também o
que foi representado internamente no olhar do observador. O Frame
compreende as realidades que nascem no cotidiano, mas também as
realidades internas do fotógrafo/pesquisador/espectador.
O Frame compreende elementos que saltam da imagem e também
elementos que entram na imagem. A modificação do seu contínuo vai existir
para revelar estruturas representativas de um elemento narrativo e
simbolicamente construído por realidades em constante mutação. Ou seja, o
Frame vai constituir uma noção de sequenciação que a realidade representa,
mas não vai fazer referência à sequenciação que está presente nos filmes
cinematográficos. A sequência vai se desenvolver no lado mais íntimo e
profundo daqueles que vão entrar em contato com a realidade fotografada e se
sensibilizar com as narrativas desenvolvidas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos três capítulos aqui desenvolvidos acerca do ato fotográfico e da
interpretação de imagens, foram abordadas temáticas distintas, no entanto
complementares sobre o estudo da imagem fotográfica. Tais abordagens
aparecem de maneira que complementam as noções teóricas já existentes
sobre a forma de ler imagens, principalmente a imagem fotográfica.
Estabelecer a diferença entre os elementos técnicos, com a técnica da
fotografia demonstrou-se necessário para compreender a relação dos sentidos
produzidos do ponto de vista mecânico da câmera com as características
teóricas da fotografia. Isso ocorreu, por existir características essenciais no
aparelho fotográfico, no entanto, muitas vezes esquecidos nos textos
científicos, que demonstram que a fotografia tem uma origem “mística” pautada
em elementos reais e técnicos.
Mesmo com os avanços tecnológicos possibilitando que pessoas
comuns portem consigo aparelhos capazes de fazer um registro fotográfico,
muitas delas não compreendem as características e funcionalidades desses
aparelhos. Principalmente se tratando de pessoas sem conhecimento profundo
de fotografia, o interesse no ato de fotografar passa a ser uma prática do
cotidiano tão comum como realizar um telefonema ou acessar a internet. Por
isso, a fotografia vem se incluindo cada vez mais na rotina das pessoas e se
fazendo natural, apagando para muitos o caráter místico de se fazer uma foto,
bem como excluindo as características de registrar algo que transcenda a
barreira temporal e a barreira das sensações despertadas pela emoção
transmitida por fotografias de teor mais perpétuo.
Apesar de ter ocorrido uma considerável mudança nas formas que
consistem a essência do ato fotográfico, deixando de estar presentes como
elementos da construção de traços de um real, para serem simplesmente
retratos de uma produção fotográfica reveladora de instantes do dia a dia. Não
acreditamos que o sentido que define uma imagem passou a ser definido, bem
como as características que constituem a fotografia, tenham sido compelidas a
uma pessoa ou a um grupo de pessoas. Estando presente no olhar de quem
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vai entrar em contato com a fotografia, produzindo assim as narrativas visuais
pertinentes à devida imagem fotográfica.
Os conhecimentos das técnicas fotográficas permitem à pessoa
comum, que deseja fotografar, tentar criar sentidos essenciais para uma
narrativa que poderá sensibilizar um espectador. Mesmo assim, a fotografia
não exige o conhecimento de regras específicas, por não ter uma regra única
de como devem ser realizadas, apenas que ela tenha que ser sentida e
interpretada pelos olhares alheios.
Os conceitos aqui trabalhados, que contribuem a formação das
realidades que existentes na fotografia, possibilitam verificar que ela não é algo
dotado da capacidade de compreensão totalizadora dos elementos cotidianos.
A compreensão desses conceitos ajuda a identificar a foto como um elemento
pertencente a uma realidade posicionada e transformadora dos mesmos
elementos comuns no cotidiano.
A fotografia é uma linguagem que narra com a luz, que constrói um
mundo de significados principalmente pautados nas emoções e
particularidades culturais existentes. Talvez neste exato momento,
encontremos a maior proximidade entre a fotografia e a pesquisa sociológica,
pois encontramos um mundo de sentidos estrategicamente posicionados e
voltados a revelar elementos que ali estão dispostos para quem souber
identificá-los.
Através disso, se tornou consequência compreender que na pesquisa
sociológica a fotografia não é somente um anexo ao texto, mas sim uma forma
de apresentar a narrativa contida no campo da citada fotografia, sendo
consequência de toda a argumentação e exposição das fotografias nessa
pesquisa. Portanto, foi evitado desenvolver uma leitura da fotografia de forma
“corrida”, foi trabalhado uma forma de produzir um texto que crescesse em
volta da imagem e tivesse uma relação com os elementos visíveis e invisíveis
da própria imagem selecionada para representar as ideias que estão sendo
desenvolvidas. A fotografia nesse caso tem que falar por si só, mas tem a
necessidade de ser argumentada pela pessoa que está fazendo uso.
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Em contrapartida, vemos também, que foi feita uma leitura dos
elementos presentes em algumas fotografias, elementos técnicos e sensíveis
permitindo extrair diversas interpretações que a imagem fotográfica pode
expressar. Outra maneira que poderia fazer uso da fotografia para compor as
temáticas das pesquisas sociológicas seria compreender a fotografia além dos
seus sentidos históricos e técnicos, considerando a fotografia simplesmente
através das emoções despertadas nos espectadores.
Tal análise não foi desenvolvida, para considerar o levante das
sensações que uma fotografia poderia suscitar em um espectador, sendo tais
sensações de extrema complexidade, a qual seria somente possível fazer em
um trabalho especificamente voltado para isso. Mesmo que a considere válida
pela sua característica transformadora em relação com os elementos internos
do espectador. O espectador que foi tanto aqui trabalhado será sempre aquele
que está se deslumbrando com o universo de símbolos e signos presentes,
mas desligados da intencionalidade de fabricação. Por mais que em diferentes
momentos o espectador tenha produzido a fotografia que está sendo exposta,
quando esse entra em contato com sua própria produção e a observa, ocorre
um retorno ao caráter de espectador e não produtor da fotografia.
Por fim, vemos que a argumentação teórica que surgiu em torno do
conceito de Frame, possibilitou encontrar uma narrativa que transcenda as
margens que constituem a fotografia fisicamente, dentro das limitações de
enquadramento e da captação da noção de movimento. Assim como também a
constitui como possibilidade de compreender que o Frame é dotado da
narrativa que vai compreender o campo das interpretações.
Ficou evidente que tal conceito não se encerrou com as análises e
argumentações aqui trabalhadas, mas necessita de uma análise mais profunda
dos elementos que começaram a trilhar a sua formulação metodológica.
Análises práticas desse conceito, inserindo e aprimorando suas características
tem se mostrado cada vez mais necessárias para fazer com que compreenda a
gama de sentidos que podem surgir através de uma fotografia. Assim como
difundir tal conceito entre pesquisadores da fotografia também se faz
necessário, para contribuir na uma formulação crítica de uma metodologia mais
apurada na análise das fotografias.
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Façamos essa ressalva por ter encontrado dificuldade em estabelecer
quem seria os referenciais teóricos, bem como encontrar nas suas
argumentações os elementos necessários para desenvolver as teorias aqui
trabalhadas. Afirmamos isso por esses autores, que descreverem uma gama
extremamente vasta de elementos similares, mas ao mesmo tempo
demasiadamente distintos, acabam por dificultar a compreensão de maneira
mais ampla dos argumentos que são postos para tentar compreender as
noções de sentidos que a fotografia tenta estabelecer com seus leitores.
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