cedec. primeiro relatório científico - gestão pública e inserção internacional de cidades
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5/21/2018 CEDEC. Primeiro Relatrio Cientfico - Gesto Pblica e Insero Internacional de Cidades
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CENTRO DE ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORNEA (CEDEC)PONTFICA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO (PUC-SP)
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JLIO DE MESQUITA FILHO" (UNESP)FUNDAO GETLIO VARGAS (FGV-SP)
Processo FAPESP n 03/12953-0
GESTO PBLICA E INSERO INTERNACIONAL DAS
CIDADES
1 RELATRIO CIENTFICO
So Paulo, fevereiro de 2006
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EQUIPE DE COORDENAO
CEDEC/UNESPTullo Vigevani Coordenador
CEDECMarcelo Fernandes de Oliveira
Marcelo Passini MarianoMaria Ins Barreto
PUC-SPLuiz Eduardo W. Wanderley
Raquel Raichelis
UNESPMarco Aurlio Nogueira de Oliveira e Silva
FGV-SPRuben Cesar Keinert
EQUIPE DE PESQUISACEDEC
Tullo Vigevani- Livre docentePesquisador principal Coordenador
Maria Ins Barreto DoutoraKarina Lilia Pasquariello Mariano Doutora
Gabriel Cepaluni MestreMarcelo Fernandes de Oliveira DoutorMarcelo Passini Mariano Doutorando
Rodrigo Cintra DoutorandoRegiane Nitsch Bressan Bolsista de Capacitao TcnicaJoana Cabete Biava - Bacharel
Nicole Aguilar Gayard Bolsista de Iniciao CientficaPedro Henrique Lopes Campo Bolsista de Iniciao Cientfica
PUC-SPLuiz Eduardo W. Wanderley- Livre docente
Pesquisador principal
Raquel Raichelis DoutoraFabiana Rita Dessotti Doutoranda
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Vnia Nery DoutorandaAna Carolina Evangelista Mestranda
Cremildo Jos Volanin - MestrandoDirceu Beninc Mestrando
Maira Junqueira Neves Mestranda
UNESPTullo Vigevani- Livre docente
Pesquisador principal Coordenador
Marco Aurlio Nogueira de Oliveira e Silva Livre docentePesquisador principal
Helosa Pait DoutoraJos Blanes Sala Doutor
Gustavo Rosolen Tessari Pesquisador de Iniciao CientficaTatiana Martinelli Bolsista de Iniciao Cientfica
FGV-SPRuben Cesar Keinert Doutor
Pesquisador principal
Otvio Prado DoutorandoGustavo Beuttenmuller Mestrando
Roberto Vick Bolsista de Iniciao Cientfica (NPP FGV-SP)
COLABORAO DE PESQUISADORES DE OUTRAS INSTITUIESLuiz Carlos Fabbri Doutorando (Universidade de Grenoble Pierre Mends France)
Armando Gallo Yahn Filho Mestre e Doutorando (UNICAMP)Waldomiro Pecht Mestre (FUNDAP)
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NDICE
INTRODUO........ ........ ....... ........ ....... ........ ........ ....... ........ ....... ........ ........ ....... ........ ....... ........ ....... 6
CAPTULO 1 - SO PAULO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAO - LUIZ EDUARDO W. WANDERLEY.....................................................................................................................................................23
CAPTULO 2 AS CIDADES NO ATUAL CONTEXTO INTERNACIONAL E NOS PROCESSOS DEINTEGRAO REGIONAL - GUSTAVO TESSARI ROSSOLEN, KARINA L. PASQUARIELLO MARIANO,MARCELO PASSINI MARIANO ........ ....... ........ ....... ....... ........ ....... ........ ....... ....... ........ ....... ....... ......44
CAPTULO 3 - GESTO MUNICIPAL, INSERO INTERNACIONAL E COOPERAO TCNICA:ASPECTOS CONCEITUAIS - ARMANDO GALLO YAHN FILHO E MARCELO FERNANDES DEOLIVEIRA.....................................................................................................................................80
CAPTULO 4 - PROBLEMAS PARA A ATIVIDADE INTERNACIONAL DAS UNIDADESSUBNACIONAIS: SO PAULO E O CONTEXTO BRASILEIRO - TULLO VIGEVANI.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 100
CAPTULO 5 - SOCIEDADE CIVIL GLOBAL E ONGS - CREMILDO JOS VOLANIN, DIRCEU BENINCE VANIA NERY............................................................................................................................119
CAPTULO 7 - GESTO PBLICA E CIDADE NOTAS SOBRE A QUESTO SOCIAL EM SO PAULO -RAQUEL RAICHELIS....... ........ ....... ........ ....... ........ ....... ........ ....... ........ ........ ....... ........ ....... ........ ...155
CAPTULO 8 - CINCIAS HUMANAS E A UTILIZAO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAO -
MARCELO PASSINI MARIANO E REGIANE NITSCH BRESSAN.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..183
CAPTULO 9 DESENHO FINAL DO PROJETO........ ......... ........ ......... ........ ......... ........ ......... ......... ........ ......... ....... 193
LINHA DE PESQUISA N 1:AS CIDADES NO ATUAL CONTEXTO INTERNACIONAL E NOS PROCESSOS DE INTEGRAOREGIONAL........................................................................................................................................................194
Subprojeto 1: As Cidades no Novo Contexto Internacional:uma Discusso Terica - Karina L. Pasquariello Mariano e Marcelo Passini Mariano...................................195Subprojeto 2: Conflitos Internacionais nas Telas do Brasil - A s Notcias de Telev iso e a Insero de
Audincias no Ambiente Global - Heloisa Pait.......................................................................................................208
LINHA DE PESQUISA N 2: A CIDADE DE SO PAULO, OS FLUXOS INTERNACIONAIS DE BENS E
SERVIOS E A INTEGRAO ECONMICA NO MERCOSUL - W ALDOMIROPECHT................................217
CENTRO DE ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORNEA - CEDEC.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 233
LINHA DE PESQUISA N 3:PARADIPLOMACIA E SOBERANIA: RELAO SUBNACIONAL,
NACIONAL E AS REDES DE CIDADES .................................. .................................. .................................. .233Subprojeto 1: A Atuao Internacional dos Governos Subnacionais e sua Relao com o Governo Nacional:estudo de caso da cidade de So Paulo - Regiane Nitsch Bressan .....................................................................234
Subprojeto 2: Paradiplomacia na Cidade de So Paulo: Uma Anlise da Atuao do Municpio de So Paulono Contex to Internacional - Nicole A guliar Gayard ..............................................................................................247Subprojeto 3. Participao e Posicionamento Estratgico Internacional do Municpio de So Paulo em
Processos de Cooperao Descentralizada: Rede M ercocidades e Programa URB-A L Fabiana Dessotti 258
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Subprojeto 4: A A tuao das Cidades na Integrao Regional: Uma A nlise da Soberania Nacional -Tatiana Martinelli..........................................................................................................................................................269
LINHA DE PESQUISA N 4:GESTO MUNICIPAL E INSERO INTERNACIONAL: COOPERAO TCNICA EFINANCIAMENTO EXTERNO.......................................................................................................................283
Subprojeto 1: Gesto Municipal e Insero Internacional: Cooperao Tcnica e Financiamento Externo -Marcelo Fernandes de Oliveira................................................................................................................................... 284Subprojeto 2: Relaes Internacionais e Governos Subnacionais: Um Estudo da Insero Internacional da
Cidade de Campinas - Armando Gallo Y ahn Filho................................................................................................294
LINHA DE PESQUISA N 5:GESTO PBLICA, SOCIEDADE CIVIL E QUESTO SOCIAL: O NOVO CONTEXTO DAS
RELAES INTERNACIONAIS DAS CIDADES - NCLEODEESTUDOSLATINO-AMERICANOS PUC-SP......311Subprojeto 1: Gesto Pblica Democrtica no Contexto na Globalizao e das Novas Configuraes daQuesto Social nas Relaes Estado-Sociedade Civil - Luiz Eduardo W anderley e Raquel Raichelis.........323
Subprojeto 2: Sociedade Civil do local ao global - A na Carolina Evangelista e Mara Junqueira Nev es. 325Subprojeto 3: A Dimenso Internacional de uma ONG Local A nlise de uma Experincia - Cremildo Jos
Volanin, Dirceu Beninc e Vnia Nery.....................................................................................................................327
LINHA DE PESQUISA N 6: CARACTERIZAO DO MARCO JURDICO DE ATUAOINTERNACIONAL DOS MUNICPIOS BRASILEIROS - JOSBLANESSALA................................................334
CAPTULO 10 -
RELATRIO DE ATIVIDADES...... ...... ....... ...... ....... ...... ....... ...... ....... ...... ....... ...... ....... ...... ....... .....342
SEMINRIO INTERNACIONALAO INTERNACIONAL DAS CIDADES NO CONTEXTO DA GLOBALIZAO ............................343
REUNIES DE PLANEJAMENTO ESEMINRIOS INTERNOS COM ESPECIALISTAS -
2005....................................................................................................................................................................347
RELATRIOS DE ATIVIDADES DOS PESQUISADORES 2005..............................................................350
PUBLICAES ................................................................................................................................................382
ANEXOS: TUTORIAIS....... ....... ........ ....... ........ ....... ........ ....... ........ ....... ........ ....... ........ ....... ........ ...383
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INTRODUO
A reflexo sobre o fenmeno da crescente incorporao do tema da insero
internacional e da integrao regional na agenda dos governos subnacionais de nvel local
envolvendo, inclusive, as diferentes experincias que as cidades tm conseguido desenvolver
constitui tema central deste projeto. Este debate desenvolve-se no marco do acirramento da
globalizao, da integrao progressiva de blocos de naes nos diferentes aspectos da vida
econmica, poltica, social e cultural, da competio econmica e tecnolgica e das assimetrias
entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento. nesse contexto que o estudo das relaes
exteriores dessas instncias governamentais subnacionais adquire cada vez maior relevncia.
O aumento da interdependncia das relaes polticas, econmicas, tecnolgicas,
sociais e culturais, que amplia a importncia dos temas internacionais nos assuntos do dia-a-dia
explica, at certo ponto, esse fenmeno, na medida em que contribui para elevar o grau de
percepo dos governos locais assim como das foras partidrias, econmicas e sociais
atuantes em seus territrios , a respeito do estreito relacionamento entre questes subnacionais
e internacionais, induzindo-os a ampliar a abrangncia de seu campo de ao tambm em
direo ao exterior. Nessa perspectiva, a diplomacia federativa ou paradiplomacia aqui
entendida como o conjunto das aes internacionais desenvolvidas por governos subnacionais
acaba emergindo e se legitimando como demanda poltica das elites, dos grupos dirigentes e
da sociedade.
Isto significa que a qualidade do padro de vida dos eleitorados das cidades e tambm
a manuteno do poder por parte de seus respectivos lderes polticos comea tambm a
depender de suas habilidades em estabelecer vnculos com as agncias nacionais de
financiamento e com as fontes externas de poder econmico, financeiro e industrial. Da a idia
de que a construo de um poder interno apoiado verticalmente e sustentado pela cooperaohorizontal externa comea a fazer sentido para essas instncias de governo.
Assim sendo, compete a cada governo local em articulao com a sociedade civil
estabelecer os elementos constitutivos de sua estratgia exterior, observados os condicionantes
polticos, jurdicos e institucionais sua atuao no plano internacional. Embora as restries
mais comumente invocadas atuao internacional dos governos subnacionais locais sejam de
natureza jurdica envolvendo, principalmente, as competncias constitucionais estabelecidas
para as diferentes esferas de governo , as experincias empricas e o debate atual oscilam
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entre posies que privilegiam aspectos polticos, econmicos e sociais, paralelamente aos de
cunho jurdico-constitucional.
No caso brasileiro, as experincias protagonizadas por diferentes cidades contrastam
com suas respectivas competncias constitucionais no plano internacional. Embora aConstituio Federal de 1988 tenha fortalecido os municpios ao elev-los condio de entes
federados, no apresentou avanos no plano da paradiplomacia. Da mesma forma, as Leis
Orgnicas dos Municpios no absorvem o debate em curso sobre o tema. Isto porque as
relaes internacionais do Estado brasileiro constituem matria de competncia exclusiva da
Unio, reconhecendo-se aos entes federados estados e municpios possibilidades limitadas
de representao, sem qualquer competncia em matria internacional.
Este descompasso entre a moldura jurdico-institucional e o protagonismo das cidadesno plano internacional reforado pelo fortalecimento das competncias das instncias
municipais de governo tem ensejado iniciativas de adaptao por parte do governo federal 1e
alimentado discusses a respeito dos reais limites e possibilidades de insero internacional de
cidades e tambm dos estados brasileiros.
Segundo alguns autores, a incorporao do tema da paradiplomacia na prpria estrutura
do governo central pode ser explicada pelo fato de as mltiplas iniciativas externas de estados e
municpios brasileiros terem superado a capacidade de processamento do Estado nacional,
configurando um fenmeno despill overa ser, de alguma forma, resolvido. Isto porque tais
iniciativas freqentemente geravam irregularidades, ao no obedecerem os dispositivos
constitucionais que determinam a obrigatoriedade de aprovao dos acordos internacionais
pelo Parlamento.
Considerando este novo contexto e tomando como objeto emprico o Municpio de So
Paulo, esta pesquisa tem como finalidade analisar suas experincias de insero internacional
no quadro ampliado de sua regio metropolitana, tomando em considerao suas novas
1A criao da Assessoria de Relaes Federativas ARF, em junho de 1997 pode ser interpretada como ummovimento de adaptao do governo federal no sentido de estabelecer uma interface do Ministrio das RelaesExteriores - MRE com os governos dos estados e municpios brasileiros, com o objetivo de assessor-los etambm de monitor-los - em suas iniciativas externas. De forma inversa, a recente fuso dessa Assessoria com aAssessoria de Relaes Parlamentares, em junho de 2003, parece revelar uma relativa diminuio da preocupao
por parte do governo central com uma das duas reas envolvidas, configurando um possvel recuo no tratamentodado a esse tema, pelo menos por parte de alguns setores da diplomacia. Esse movimento seria, entretanto,compensado com a criao da Assessoria de Cooperao Internacional Federativa, em 2003, seguida pelaSubchefia de Assuntos Federativos, em 2004, no mbito da Presidncia da Repblica. Embora essas iniciativas
indiquem maior ateno do ncleo de governo com as questes federativas e internacionais, a orientao geraldesse processo no clara e tambm no h homogeneidade no governo no sentido de procurar elevar acapacidade nacional de promoo da insero internacional dos governos subnacionais.
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relaes econmicas, sociais e polticas nos planos regional e internacional, assim como seu
tradicional papel de centro de decises econmicas regionais.
Assumindo as hipteses arroladas no projeto, que identificam espao no plano das
relaes internacionais para a incluso de atores subnacionais de dimenses locais, esta
pesquisa objetiva estudar as estratgias de atuao adotadas pelos sucessivos governos
municipais de So Paulo para alcanar maior insero internacional e regional, de modo a
usufruir as vantagens decorrentes desse posicionamento (maior aporte de capitais, turistas,
consumidores, facilidades urbanas, novas tecnologias, lazer e cultura etc.) (SOMEKH, 1993)
Em razo da prpria natureza complexa e multifacetada deste objeto, caracterizada pelo
entrecruzamento de determinaes econmico-sociais, polticas e culturais, pela repercusso de
fatos nacionais, regionais e internacionais no plano local, assim como pelo choque de presses,
interesses e expectativas de diferentes grupos, segmentos e organizaes sociais, neste primeiro
ano de pesquisa procuramos nos concentrar no desenvolvimento dos marcos conceituais do
objeto do estudo, de modo a estruturar as bases da investigao propriamente dita.
Alm disso, procuramos cumprir ao mximo o cronograma original do projeto
buscando, sobretudo, promover a aproximao e a adequada integrao entre as linhas de
pesquisa apresentadas na proposta inicial. Tal esforo propiciou as condies necessrias
identificao dos pontos de convergncia a serem explorados e aprofundados, assim como dos
possveis atritos potenciais, que foram devidamente debatidos e contornados. Com essas
atividades, acreditamos ter aperfeioado a nossa proposta inicial, superando algumas
imprecises conceituais e avanando tambm em termos de complementao de algumas
idias.
Assim sendo, os trabalhos deste primeiro ano do projeto foram desenvolvidos em duas
vertentes principais. Conforme j mencionado, a primeira vertente envolveu um esforo de
aprofundamento e consolidao do campo terico da pesquisa, acompanhado da produo de
textos que possibilitassem melhor compreenso dos temas em debate. J a segunda vertentebuscou identificar os processos empricos mais relevantes, no sentido de estabelecer uma
estrutura compreensiva das linhas gerais e dos projetos especficos de pesquisa, assim como da
metodologia ou modus operandi do trabalho.
Para tanto, durante todo o ano de 2005 foram realizados workshops, seminrios e
reunies de trabalho, durante os quais logramos estabelecer os referenciais tericos da pesquisa
e avanar no sentido de conseguir maior homogeneizao conceitual entre os integrantes da
prpria equipe multidisciplinar de pesquisadores os quais, oriundos de experincias
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institucionais e intelectuais diferenciadas e convergentes, apresentam, no entanto,
singularidades expressivas.
A seguir, apresentamos os principais eixos temticos em torno dos quais foram
estruturados os trabalhos desenvolvidos neste primeiro ano e que so remetidos, pelo prprio
texto, aos respectivos Captulos deste Relatrio. Estamos convictos que a reflexo terica que
conseguimos aprofundar e consolidar constitui um plano seguro de orientao para os trabalhos
a serem realizados nos prximos dois anos, no mbito deste projeto.
Expomos, tambm, um desenho final do projeto, no qual so estabelecidas as linhas de
pesquisa que constituem as reas especficas de investigao emprica e que qualificaro o
trabalho nos prximos dois anos.
A forma pela qual este projeto est incorporando a gesto eletrnica de documentos
alm de outros instrumentos voltados ao aumento da produtividade da pesquisa atravs da
intensificao do uso das tecnologias de informao relatada em seqncia, mediante
explicitao dos resultados alcanados at o momento.
Por fim so discriminados os workshops, seminrios e reunies internas realizados
neste ano, no mbito deste projeto, seguidos das atividades desenvolvidas pelos pesquisadores
da equipe envolvendo sua participao em eventos nacionais e internacionais e publicaes.
EIXOS TEMTICOS
Ao apresentarmos as linhas de reflexo terica desenvolvidas neste primeiro ano de
pesquisa, necessrio mencionar que este trabalho incorpora, atualiza e rediscute os marcos
tericos desenvolvidos no projeto temtico anterior2, pelo mesmo ncleo de pesquisadores que
compem esta nova equipe.
Nesse sentido, o esforo empreendido neste ano consistiu em avanar para alm do
contedo dos trabalhos desenvolvidos anteriormente, nos campos de estudos das relaesinternacionais, das cincias sociais e da administrao pblica, que abarcaram os seguintes
temas: (a) contribuio das teorias de integrao regional para a compreenso do papel dos
estados subnacionais na integrao; (b) reflexes sobre o processo de integrao latino-
americana, com nfase na identificao dos novos fatores que permitiram superar ainda que
no completamente , algumas das limitaes do Mercosul; (c) caracterizao do estado
2 Projeto temtico Gesto Pblica Estratgica de Governos Subnacionais frente aos Processos de InseroInternacional e Integrao Latino-Americana, desenvolvido em parceria entre o Centro de Estudos de Cultura
Contempornea CEDEC e a Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP, no perodo de 1999 a2002, com participao da Fundao do Desenvolvimento Administrativo- FUNDAP e apoio financeiro daFAPESP.
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subnacional como objeto de anlise poltica, com nfase na discusso do conceito de
governabilidade, tendo em vista sua aplicao s entidades regionais, no quadro do sistema
poltico nacional; (d) fundamentos tericos do planejamento estratgico situacional PES
enquanto corpo tcnico e terico para o estudo da gesto estratgica de governos subnacionais;
(e) conceituao da esfera pblica nos marcos democrticos e de gesto, c o m a
problematizao da questo social e urbana em So Paulo e os desafios que desencadeiam para
governos e novos atores da sociedade civil que ocupam o espao pblico.
I. Considerando a lgica dos contedos explorados neste novo projeto temtico, a
primeira linha de reflexo deste ano inicial de pesquisa voltou-se anlise terica do
significado do conceito de globalizao, confrontando o pensamento de diversos autores sobre
o tema e suas inter-relaes com a democracia (GOMES, 1988; CHESNAIS, 1996; SOUZA
SANTOS, 2002; BECK, 1999).
No Captulo 1 (So Paulo no Contexto da Globalizao, de Luiz Eduardo W.
Wanderley)o autor procura, inicialmente, explicitar como se est procurando compreender os
processos deglobalizao, nas suas dimenses econmica, poltica, social e cultural. Aceita a
tese de que a globalizao uma poltica deliberada, proposta e desenvolvida por governos,
agncias multilaterais, intelectuais e setores empresariais e que difundida, sobretudo, pela
mdia e pelas universidades. E que, principalmente nos pases subdesenvolvidos, ela se
apresenta de modo subordinado e assimtrico, gerando desigualdades e excluses. Cita as
posies dos transformacionistas para quem ela realmente algo novo e diferente do passado
__; dos cticos, para quem ela repete ou d continuidade a processos antigos de expanso do
capitalismo e, finalmente, dos que a consideram um mito .
Na seqncia, so feitos comentrios sobre a chamadaglobalizao contra-hegemnica,
resultante daqueles que criticam e resistem globalizao hegemnica, tomando por base as
manifestaes coletivas que se espalham pelo mundo e nos diversos fruns globais do Frum
Social Mundial aos de natureza continental, regional, nacional e local.Para situar a cidade de So Paulo neste contexto, indicam-se, no texto, algumas
interpretaes sobre o crescimento de determinadas cidades, que vm sendo denominadas pelos
termos metrpoles, megacidades, megametrpoles e cidades-globais (com nfase nas anlises
de Manuel Castells e Saskia Sassen, e tambm de alguns estudiosos brasileiros).
Pelo exposto e para os objetivos desta pesquisa, para nomear a cidade de So Paulo, o
autor prope o uso indistinto de todas essas terminologias, de acordo com suas especificidades.
Assim, So Paulo pode ser identificada porgrande metrpole , por seu alcance geogrfico eponto de referncia regional para diversas cidades vizinhas, bem como para a rea
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metropolitana. Como megametrpole , no sentido expresso por Rolnik. E como cidade-global
perifrica, o u cidade-global emergente, porque determinados componentes indicados por
Castells e Sassen esto presentes em So Paulo embora em situao subordinada e
assimtrica.
O autor observa ainda que, no caso de So Paulo, as caractersticas de cidade-global
perifrica, ou de cidade-global emergente podem ser apresentadas tanto como potencialidades
quanto como fraquezas, dependendo da maior incidncia de certos aspectos como expanso
do tercirio, de bancos internacionais e de comrcio mundial, entre outros , ou menor
intensidade de outros, como a presena de sedes de conglomerados, de aeroporto internacional
ou de tecnologia avanada. Porm, mesmo no primeiro caso, enfatiza que no h possibilidade
de equiparao de So Paulo a cidades como Nova Iorque, Londres ou Tquio.
II. Dando seqncia lgica aos contedos explorados, a segunda linha de reflexo
voltou-se anlise terica da insero das cidades no atual contexto internacional e nos
processos de integrao regional. Com o texto apresentado no Captulo 2(As Cidades no Atual
Contexto Internacional e nos Processos de Integrao Regional, de Gustavo Tessari Rossolen,
Karina L. Pasquariello Mariano e Marcelo Passini Mariano), os autores partem da identificao
dos conceitos utilizados nas teorias de relaes internacionais para entender a atuao desses
novos atores, e procuram avaliar at que ponto essas referncias tericas so aplicveis s
especificidades das naes latino-americanas.
As cidades no so atores tradicionais do cenrio internacional; portanto, analisar sua
atuao nessa esfera implica refletir sobre as mudanas que esto ocorrendo no contexto
externo e seus reflexos no comportamento dos Estados.
Nesta primeira incurso no tema, os pesquisadores concentraram sua ateno nas
mudanas geradas na ordem mundial a partir do fim da Guerra Fria, quando o sistema
internacional deixa de se estruturar a partir de uma lgica bipolar. A nova ordem internacional
trouxe em seu bojo mudanas importantes, que implicaram a reformulao das estratgias deinsero internacional dos pases, especialmente no caso do Brasil e do restante da Amrica
Latina.
Iniciando com uma discusso sobre a definio do que equilbrio e ordem no sistema
internacional, este primeiro texto de referncia conceitual expe as caractersticas da ordem
internacional durante a Guerra Fria e as mudanas ocorridas com o seu fim, quando se
inaugurou a chamada Nova Ordem internacional.
Juntamente com essa diferenciao quanto s caractersticas de cada perodo, houveuma preocupao em retomar o debate ter ico sobre as relaes internacionais que
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acompanhou essa mudana. Assim, este texto comea ressaltando as caractersticas do realismo
que vai predominar no perodo posterior Segunda Guerra Mundial e as teorias crticas que
surgem no campo liberal como o funcionalismo, o neofuncionalismo e a teoria da
interdependncia. Em seguida, aborda os efeitos desse debate e o surgimento de novos modelos
de anlise, como o neo-realismo, o institucionalismo e a teoria dos regimes, dentre outros.
Para a realizao deste debate terico, os autores realizam uma retrospectiva geral sobre
as mudanas ocorridas no cenrio internacional, detendo-se especialmente na intensificao
dos fenmenos da globalizao e da regionalizao. E terminam com uma reflexo sobre o
surgimento dos novos atores no sistema internacional e os impactos dessas mudanas nos
pases latino-americanos, abrindo campo compreenso da insero das cidades.
III. Nessa mesma perspectiva de anlise da alterao estrutural da dinmica do sistema
internacional, a terceira linha de reflexo apresentada no Captulo 3 ( Gesto Municipal,
Insero Internacional e Cooperao Tcnica: Aspectos Conceituais, de Armando Gallo Yahn
Filho e Marcelo Fernandes de Oliveira) , explora a crise dos velhos paradigmas do realismo
clssico e a emergncia de novas referncias conceituais sobre cooperao internacional para
explicar o fenmeno da crescente participao das cidades e regies nas relaes
internacionais.
Incorporando o conceito de interdependncia complexa desenvolvido por Keohane e
Nye, assim como o prprio fenmeno da globalizao aqui assumido como fenmeno
multidimensional que abrange diversos domnios de atividade e interao (HELD, 1998) , esta
abordagem demonstra a possibilidade de as sociedades se conectarem atravs de mltiplos
canais, ensejando novas estruturas de relaes (ou regimes internacionais) nas quais as cidades
vo, cada vez mais, assumindo papel estratgico.
Tambm a idia de permeabilizao de fronteiras (perforated sovereignities), cunhada
por Soldatos (1990), vem sendo explorada no somente como causa de problemas, mas
tambm como vetor de oportunidades para a intensificao da ao internacional dos governoslocais. Utilizando o esquema terico sugerido por esse autor para a anlise das caractersticas e
do tipo de internacionalizao das cidades, esta linha de reflexo prope a adoo dos
conceitos de internacionalizao passiva e ativa e da conseqente identificao dessas
localidades como cidades-espao e cidades-atores.
IV. A aplicao deste arcabouo conceitual especificamente ao caso brasileiro
constituiu a quarta linha do trabalho de construo dos parmetros tericos, apresentando um
complexo de questes e temas conexos. Embora o debate no esteja ainda consolidado, aproduo terica e emprica indica a absoro crescente da dinmica internacional, global e
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regional nas aes dos governos locais brasileiros. No plano poltico, a retomada da vida
democrtica, a partir de 1985, propiciou ambiente favorvel participao das autoridades
municipais em setores de atividades que transcendem as fronteiras nacionais. Tambm a
Constituio Federal de 1988, ao reconhecer os municpios como entes federados, abriu novas
perspectivas para o aprofundamento do debate sobre a possibilidade e capacidade
descentralizada de intervenincia internacional.
O Captulo 4 (Problemas para a Atividade Internacional das Unidades Subnacionais:
So Paulo e o Contexto Brasileiro, de Tullo Vigevani) explora exatamente como o Brasil
passou a reunir os dois fatores apontados na literatura como relevantes ao exerccio da
denominada paradiplomacia (sistema federativo e governo democrtico) mantendo, ao mesmo
tempo, um rgido arcabouo jurdico que centralizou a ao internacional no mbito do
governo central.
O debate sobre o caso brasileiro abarca, portanto, questes estruturais que discutem a
mudana das regras jurdicas que norteiam a ao exterior local. Porm, interessante observar
que, especificamente neste caso, o risco apresentado pela ao exterior dos governos
subnacionais estaduais e locais - no se refere a movimentos externos que buscariam romper
com o tecido do Estado brasileiro. O problema apontado pelo autor reside muito mais na
dificuldade de o Estado nacional brasileiro repensar sua ao exterior tomando em
considerao os interesses dos atores subnacionais estaduais e locais sem debilitar a poltica
exterior central.
Neste particular, esta linha de reflexo indica uma tendncia brasileira de adaptao por
parte dos governos nacional e subnacionais no sentido de compatibilizar a manuteno do
papel do Estado nacional no campo da poltica exterior com aes concretas das esferas
subnacionais estaduais e municipais- no plano internacional. Nesse sentido, o caso brasileiro
parece confirmar as teses que atribuem a insero internacional de governos subnacionais
muito mais a necessidades prticas do que a fatores ideolgicos. (KEATING, 2004)Assumindo esta perspectiva como pano de fundo, esta linha de reflexo procurou
oferecer subsdios para a anlise do caso especfico da ao internacional da cidade de So
Paulo. Ou seja, trata-se de entender at que ponto a ao complementar da cidade de So Paulo
no plano externo contribuiu ou tem contribudo - para o fortalecimento da governabilidade e
para a construo de Estados mais eficientes.
Embora a ao crescente dos governos locais no plano internacional tenha sido objeto
de debate pela aparente superposio de competncias com o estado nacional, sujeito exclusivode direito no plano internacional, a idia subjacente que permeia esta reflexo a de que os
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trabalhos acadmicos mais relevantes sobre o tema no sugerem a segmentao do poder no
plano nacional. Pelo contrrio, o termo constituent diplomacy (KINCAID, 1990), ou
paradiplomacia, considera este tipo de ao como uma forma de fortalecer a ao exterior do
Estado e no de debilit-la.
V. A quinta linha de reflexo conceitual decorre da compreenso j explorada
teoricamente no mbito do projeto temtico anterior do governo subnacional (estadual ou
municipal) como um dos atores que participam do sistema social. Nesta perspectiva, a gesto
pblica concebida enquantogesto de aes pblicas, ou seja, como respostas a necessidades
sociais que tm origem na sociedade e so incorporadas e processadas pelo Estado em suas
diferentes esferas de poder (federal, estadual e municipal).
Assumindo esta concepo de esfera pblica, o Captulo 5 (Sociedade Civil Global e
ONGs, de Cremildo J. Volanin, Dirceu Beninc e Vnia Nery) apresenta uma primeira
discusso sobre os conceitos de sociedade civil e de organizaes no-governamentais - ONGs,
tentando entender o papel e as relaes que estas estabelecem dentro de uma sociedade civil
cada vez mais complexa, a partir da emergncia de novas formas associativas e organizativas e
de um conjunto heterogneo de instituies, ONGs, organizaes comunitrias e fundaes
empresariais que disputam a esfera pblica como novos atores polticos. No que respeita
explorao do conceito de sociedade civil, os autores procuraram entender as diferentes
interpretaes que esta categoria apresentou em face dos contextos histricos, dos regimes
polticos e das diversas correntes de pensamento, alm do que a prpria configurao da
sociedade civil com suas articulaes tem- se alterado com o avano do processo de
globalizao.
No interior da sociedade civil, as organizaes no-governamentais vm tendo uma
crescente e significativa participao enquanto canais de busca de solues para os mais
variados problemas sociais, econmicos, polticos, ecolgicos, etc. Da a preocupao desta
linha de reflexo com a identidade e o papel atual destas organizaes, bem como com arelao que estas estabelecem com o Estado e com o conjunto da sociedade civil, sobretudo
diante da possibilidade de constituio de uma sociedade civil global. Alm disso, tambm o
debate sobre as formas de financiamento das ONGs constitui objeto especfico de interesse,
tendo em vista o fato de que estas tm contado com significativos aportes financeiros oriundos
da cooperao internacional.
VI. O estudo das diferentes abordagens do conceito de sociedade civil global
evoluo natural dos trabalhos desenvolvidos no item anterior - o tema da linha de reflexoapresentada no Captulo 6 (A Sociedade Civil na Globalizao: vises sobre a idia de
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sociedade civil global a partir do estudo das relaes internacionais, de Ana Carolina
Evangelista). Pautadas na compreenso de que a intensificao dos processos de globalizao
aumenta de maneira significativa a inter-relao entre as esferas nacional e mundial,
impulsiona o fortalecimento de movimentos locais e nacionais e constri identidades em
mbito internacional e tambm extraterritorialmente, as anlises no campo das relaes
internacionais tm indicado, muito frequentemente, a constituio de uma sociedade civil
global.
Conceitos como identidade nacional, cidadania, participao e sociedade civil so
rediscutidos no contexto, j mencionado, de profundas transformaes na ordem mundial e de
desterritorializao das relaes sociais. A autora ento discute a possibilidade de adoo
desse novo conceito de sociedade civil global, ainda em construo, dado que a literatura
contempornea apresenta anlises que variam desde uma perspectiva extremamente crtica at
outras abordagens que contemplam a emergncia de uma esfera supranacional de participao
social e poltica.
Para tanto, enuncia uma srie de questes. Em que contexto histrico e poltico surgem
estas diferentes vises sobre a idia de sociedade civil global? De que maneira as relaes
internacionais tm incorporado esse conceito? possvel falar em sociedade civil global sem a
existncia de um Estado global? Como estas concepes lidam com as continuidades e
rupturas em debate no final do sculo XX?
De maneira geral, as diferentes abordagens sobre sociedade civil global que surgem a
partir da tica das relaes internacionais , admitem que a idia em si fornece uma
perspectiva analtica importante sobre diversos processos polticos, sociais e c ulturais
contemporneos, mas tambm indicam a necessidade de maior sensibilidade e cuidado na
compreenso dos mritos e perigos da construo de tal conceito. (KENNY E GERMAIN,
2005).
So muitas as maneiras de organizar as diferentes vises e leituras que se tmproduzido sobre a idia de uma sociedade civil global 3. Com base nos trabalhos de Richard
Falk, Mary Kaldor, R.B.J Walker e Robert Cox, esta linha de reflexo introduz a discusso e
apresenta algumas anlises, com o intuito de extrair diferentes contribuies para o estudo da
dimenso social da insero internacional das cidades, objeto deste projeto de pesquisa.
VII. Do estudo das categorias sociedade civil e sociedade civil global, passamos
considerao da questo social nas grandes metrpoles contemporneas e, em especial, na
3 Para diferentes formas de sistematizao deste debate ver BAKER, 2005; KENNY, 2005; COLS, 2002 eKALDOR, 2003.
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cidade de So Paulo. Com a inteno de identificar conflitos, desafios e novas demandas para
a gesto democrtica da cidade e das polticas sociais pblicas, esta stima e ltima linha de
reflexo apresentada no Captulo 7(Gesto Pblica e Cidade - notas sobre a questo social em
So Paulo, de Raquel Raichelis ) questiona: como se expressa a questo social no cenrio
urbano de So Paulo? Que impactos produz na gesto pblica e na vida daqueles que vivem e
trabalham nas cidades?
A partir destas indagaes, o texto alm oferecer subsdios para a anlise das novas
expresses da questo social pretendeu, tambm, trazer ao debate o discurso das agncias
multilaterais sobre pobreza e desigualdade social no Brasil (e na Amrica Latina), cotejando as
propostas de polticas pblicas formuladas para o seu enfrentamento, particularmente as
voltadas problemtica urbana das grandes cidades. Dessa forma, evidencia-se a relao da
poltica das cidades - inclusive de So Paulo -, com o mundo externo.
Para problematizar a questo socialna sociedade brasileira contempornea e, em
especial na cidade de So Paulo , adotou como ponto de partida a anlise de sua origem
histrica universal e das diferenas conceituais em suas abordagens. Apresenta, tambm, uma
problematizao em torno da categoria excluso social, advertindo para um certo abuso e
fetichizao na sua utilizao. E assume, ainda, a perspectiva de que a questo socialexpressa
complexas mediaes sociais, com clivagens de classe, gnero, tnico-raciais e geracionais,
transformando-se em um fenmeno complexo e multifacetado, historicamente produzido.
As novas configuraes e determinaes da questo social so, por fim, aplicadas ao
caso de So Paulo, objeto emprico desta pesquisa, com o intuito de entender os rebatimentos
das transformaes operadas no mundo do trabalho e no mbito da reforma do Estado nas
polticas sociais e na gesto pblica. Os impactos dessas transformaes no cenrio urbano so
analisados a partir dos estudos sobre a chamada questo urbana, cujos campos temticos
constituram-se na literatura brasileira e latino-americana no contexto dos anos 1970 e 1980,
quando as noes de pobreza urbana e de periferia adquiriram centralidade.Ao destacar a associao entre os discursos sobre a pobreza e a forma espacial de
insero da populao pobre no tecido urbano, este estudo traz ao debate a constituio de um
novo padro de segregao social e espacial nas grandes metrpoles mundializadas, como o
caso de So Paulo, a partir do agravamento da questo social e das diferentes formas de
violncia e criminalidade.
Por ltimo, so analisadas as propostas das agncias multilaterais para o enfrentamento
da pobreza e da desigualdade social, no contexto de descentralizao do Estado nacional paraas esferas subnacionais, fazendo emergir as cidades como novos atores na gesto da pobreza e
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dos conflitos urbanos. Situam-se a experincias inovadoras de gesto pblica com
participao democrtica e popular em vrios municpios e estados brasileiros, e a reflexo
sobre seus limites expressos pela manuteno da pobreza e do acesso desigual cidade e
fruio de bens e servios produzidos socialmente.
DESENHO FINAL DO PROJETO
Paralelamente ao esforo de discusso e consolidao do campo terico da pesquisa,
assim como de definio dos temas a serem efetivamente analisados, a equipe de
pesquisadores procurou identificar os processos empricos mais relevantes e estabelecer o
modus operandi ou a metodologia que dever orientar todo o desenvolvimento do projeto.
A inteno no foi apenas a de estabelecer um desenho mais acabado da investigao, mas
tambm de estruturar o projeto como uma efetiva rvore de estudos e investigaes, um
espao para a confluncia de pesquisas de iniciao cientfica e tambm de anlises mais
avanadas, de gerao de dados e de troca de informaes, em consonncia com sua prpria
natureza interinstitucional e tambm com as peculiaridades das quatro instituies que dele
participam.
Por essa razo, neste primeiro ano da pesquisa nos empenhamos em ampliar a base de
dados e informaes existente, contemplando a literatura latino-americana e internacional
sobre a temtica especfica deste projeto. Considerando que j dispnhamos de acervo
considervel de informaes sobre o tema da insero externa dos governos subnacionais de
nvel intermedirio compreendendo as esferas governamentais equivalentes s provncias e
aos estados-membros da Federao brasileira (que constituram o objeto emprico de pesquisa
do projeto temtico anterior) , no levantamento realizado neste ano procuramos avanar ainda
mais no aprofundamento do estudo do protagonismo subnacional no exterior, porm desta vez
centrando todo o nosso interesse na gesto das relaes internacionais das cidades, com foco
especfico no Municpio de So Paulo.Centralizado no Centro de estudos de Cultura Contempornea CEDEC, este conjunto
dos dados est sendo gerenciado por uma equipe dedicada sua digitalizao, organizao,
separao, indexao e disponibilizao, com utilizao intensiva das tecnologias da
informao. O relatrio que integra o Captulo 8 (Cincias Humanas e a Utilizao das
Tecnologias de Informao, de Marcelo Passini Mariano e Regiane Nitsch Bressan) explicita
exatamente o estgio alcanado at o momento na construo de mtodo de gesto eletrnica
de arquivos digitais e de tcnicas de pesquisa e de trabalho em grupo, desenvolvido com ointuito de incorporar mais rapidamente os avanos tecnolgicos ocorridos recentemente. Alm
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de viabilizar a consulta de considervel volume de dados e informaes, em tempo real, a
todos os pesquisadores e de ter reduzido substancialmente o espao de armazemanento assim
como os custos de reproduo e de recuperao das informaes , esta atividade abre agora
novas possibilidades de consulta e pesquisa de forma remota, ainda a serem exploradas em
maior escala.
Para dar materialidade aos trabalhos intelectuais de estruturao do projeto,
procuramos organizar de forma lgica e sistemtica as reas especficas de investigao, com
a finalidade de promover aproximaes e tambm para evidenciar a natureza temtica do
projeto.
Nessa perspectiva, a primeira linha de pesquisa, intitulada As Cidades no Atual
Contexto Internacional e nos Processos de Integrao Regional busca compreender e explicar
o reposicionamento estratgico das cidades e, em especial do Municpio de So Paulo
frente aos processos de constituio da ALCA e de integrao regional do Mercosul, tendo em
vista suas negociaes em curso com a Unio Europia e com os demais pases da Amrica do
Sul.
Paralelamente, pretende tambm analisar o aspecto comunicativo desse processo de
insero estratgica municipal, dado que a questo da comunicao constitui pano de fundo de
todo o cenrio da integrao. Assim sendo, alm de estudar os governos subnacionais locais
como novos atores institucionais, esta linha de pesquisa prope-se tambm a investigar at que
ponto o pblico paulistano, ator em diversos momentos da vida nacional, constitui-se tambm
em ator da cena regional e internacional. Ou seja, procurar entender at que ponto esse
pblico se interessa pelo que se passa nessa cena maior que se constri e como dela participa.
Em sntese, buscar compreender a insero regional e internacional da cidade de So Paulo
desde a perspectiva de seus atores comunicativos, sejam eles mediadores ou membros do
pblico em geral. Para cumprir estas finalidades, esta linha de pesquisa desdobrar-se- nos
seguintes subprojetos:1. As Cidades no Novo Contexto Internacional: Uma Discusso Terica
2.Conflitos Internacionais nas Telas do Brasil As notcias da televiso e a insero
de audincias no ambiente global.
A segunda linha de pesquisaenvolve um nico projeto, intitulado A Cidade de So
Paulo, os Fluxos Internacionais de Bens e Servios e a Integrao Econmica no Mercosul e
tem como finalidade estudar a insero internacional da cidade de So Paulo a partir da
avaliao de seus fluxos de comrcio exterior de bens e servios. Seu intuito contribuir paraaumentar o conhecimento sobre questes especficas, relacionadas com as potencialidades
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oferecidas pelos processos de integrao econmica regional economia das grandes cidades,
no mundo contemporneo. Ao tomar como objeto emprico a cidade de So Paulo e o
Mercosul, esta pesquisa tambm pretende contribuir para identificar alternativas para polticas
pblicas de gesto no mbito regional.
A terceira linha de pesquisa, intitulada Paradiplomacia e Soberania: Relao
Subnacional Nacional e as Redes de Cidades, procura examinar a forma pela qual a
paradiplomacia entendida como a atuao internacional dos governos subnacionais - tem sido
determinada e executada especificamente no caso dos municpios brasileiros, tomando como
objeto emprico a cidade de So Paulo. Por outro lado, pretende tambm estudar a questo da
soberania nacional, com o intuito de verificar como as cidades tm participado do processo de
integrao do Mercosul e at que ponto esse tipo de insero regional apresenta ou no -
limitaes ao exerccio da soberania por parte do Estado nacional. Inclui os seguintes
subprojetos:
1. A Atuao Internacional dos Governos Subnacionais e sua Relao com o Governo
Nacional: Estudo de Caso da Cidade de So Paulo.
2. Paradiplomacia na Cidade de So Paulo: Uma Anlise da Atuao do Municpio de
So Paulo no Contexto Internacional.
3. Participao e Posicionamento Estratgico Internacional do Municpio de So Paulo
em Processos de Cooperao Descentralizada: Rede Mercocidades e Programa URB-
AL.
4. A Atuao das Cidades na Integrao Regional: Uma Anlise da Soberania
Nacional.
Partindo de uma discusso terica a respeito da evoluo do conceito de cooperao
tcnica e financeira internacional, a quarta linha de pesquisa, intitulada Gesto Municipal e
Insero Internacional: Cooperao Tcnica e Financiamento Externo, apresenta quatro
objetivos principais, a saber: (a) entender o papel e a natureza das funes desempenhadospelas agncias brasileiras atuantes no campo das relaes internacionais, de forma a especificar
como essas organizaes podem auxiliar os governos subnacionais no caso municipais a
desenvolverem suas atividades externas, sem romperem com a ordem jurdico-institucional da
Federao brasileira; (b) compreender a lgica de funcionamento dos organismos
internacionais multilaterais e das agncias governamentais estrangeiras, com o intuito de
identificar fatores de acesso municipal cooperao tcnica internacional e aos recursos
financeiros externos; (c)criar cenrios hipotticos lastreados na realidade internacionalcontempornea, com a finalidade de identificar e confrontar necessidades e problemas
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enfrentados pelo governo do Municpio de So Paulo com as possibilidades apresentadas pela
arena externa, e (d) desenvolver estudo de caso especfico sobre uma experincia de insero
internacional pautada especificamente na cooperao internacional: a cidade de Campinas. Esta
linha incorpora os seguintes subprojetos:
1.Gesto Municipal e Insero Internacional: Cooperao Tcnica e Financiamento
Externo.
2. Relaes Internacionais e Governos Subnacionais: Um Estudo da Insero
Internacional da Cidade de Campinas.
A quinta linha de pesquisa, intitulada Gesto Pblica, Sociedade Civil e Questo
Social: O Novo Contexto das Relaes Internacionais das Cidades, explora as implicaes das
relaes internacionais na problemtica da gesto pblica democrtica da cidade de So Pauloe seus impactos na questo social, bem como as estratgias e procedimentos utilizados para a
sua resoluo e/ou enfrentamento, buscando explicitar os distintos projetos polticos, a partir da
tica da Sociedade Civil. Sua inteno estudar os impactos negativos e positivos que as
relaes internacionais tm trazido para a participao da Sociedade Civil na cidade de So
Paulo, considerando sua insero nos planos mundial, continental e local. De modo mais
especfico, este projeto procura explorar quatro aspectos, a saber: (a) analisar as relaes do
subgoverno paulistano com a Sociedade Civil organizada, na gesto da cidade de So Paulo;
(b) analisar essas mesmas relaes nos subgovernos das cidades de Barcelona e Buenos Aires;
(c) avaliar os efeitos dessas relaes nos processos democrticos de participao e deciso e na
melhoria das condies de vida da populao; (d) avaliar o modelo da Unio Europia nas
formas de gesto democrtica e nas inter-relaes entre governo e Sociedade Civil. Para o
desenvolvimento dessa linha de pesquisa sero realizados trs sub-projetos:
1.Gesto Pblica Democrtica no Contexto da Globalizao e das Novas
Configuraes da Questo Social nas Relaes Estado -Sociedade Civil.
2.Sociedade Civil do Local ao Global.
3.A Dimenso Internacional de uma ONG Local Anlise de uma Experincia.
Por fim, a sexta e ltima linha de pesquisa composta por nico projeto, intitulado
Caracterizao do Marco Jurdico de Atuao Internacional dos Municpios Brasileiros ,
busca configurar as possibilidades jurdicas e o campo de atuao dos municpios no mbito
internacional, de acordo com a ordem jurdica estabelecida no Brasil. Este trabalho envolve,
tambm, o estudo de diferentes interpretaes desenvolvidas por especialistas em direto
internacional e tambm a identificao e o exame de solues adotadas por municpios de
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outros pases com estruturas jurdicas similares brasileira, tendo em vista fornecer subsdios
para a formulao de alternativas novas e criativas.
Os subprojetos referentes a estas sete grandes linhas de pesquisa esto reunidos no
Captulo 9do presente relatrio.
O Captulo 10 apresenta as demais atividades desenvolvidas pela equipe de
pesquisadores ao longo deste primeiro ano da pesquisa, envolvendo a realizao de seminrio
internacional e de seminrios internos para discusso de textos ou debates com especialistas,
alm de reunies internas de planejamento das atividades do prprio projeto. Tambm so
anexados os relatrios de atividades apresentados pelos pesquisadores envolvendo, dentre
outras, a participao em eventos nacionais e internacionais. Por fim, so discriminados os
livros e cadernos publicados neste ano ou ainda em fase final de elaborao.
Dentre estas atividades, consideramos importante ressaltar a realizao do Seminrio
Internacional Ao Internacional das Cidades no Contexto da Globalizao, na PUC-SP, nos
dias 23 e 24 de novembro de 2005. Este evento foi concebido e organizado pela equipe de
pesquisadores deste projeto, com a finalidade de ampliar o dilogo e a reflexo com outros
interlocutores especializados nacionais e estrangeiros, tanto na perspectiva terica quanto
prtica. Para tanto, procurou articular vises de gestores pblicos detentores de diferentes
experincias concretas com reflexes de ordem acadmica, de forma a estabelecer relaes
entre conceitos e realidade acerca do fenmeno da atuao internacional de governos
subnacionais. Ospapers apresentados pelos expositores, neste evento, sero divulgados em
Caderno a ser publicado em parceria entre o CEDEC e a PUC-SP, atualmente em fase final de
elaborao.
O contedo desta pesquisa tambm foi divulgado e discutido no exterior, por
intermdio da participao de vrios pesquisadores desta equipe em eventos internacionais de
grande relevncia, sobre o tema da insero internacional das cidades. Merece destaque a
coordenao, por Tullo Vigevani, doslinked panels Paradiplomacy and international activityof Federated Statese Sub-national governement and international relations: Theoretical and
Empirical Aspects no evento First Global International Studies Conference do World
International Studies Comitee (WISC), realizado no ms de agosto de 2005, na Bilgi
University, em Istambul.
Outra importante oportunidade para debate e reflexo foi propiciada pela organizao
de mesa especfica de pesquisadores deste projeto no X Congreso Internacional del CLAD 4
sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, realizado em outubro de 2005, em4 CLAD Centro Latinoamericano de Administracin para el Desarrollo .
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Santiago do Chile. Esta mesa, intitulada A insero internacional das cidades enquanto
estratgia de fortalecimento da capacidade de gesto dos governos locais, contou com a
presena de Luiz Eduardo W. Wanderley (pesquisador principal deste projeto), Karina
Pasquariello Mariano, Waldomiro Pecht e Maria Ins Barreto (coordenadora da mesa). Neste
mesmo evento foi tambm apresentado o livro A Dimenso Subnacional e as Relaes
Internacionais. Organizado no mbito do projeto temtico anterior, este primeiro livro
congrega textos de referncia para o estudo deste tema, considerados eixos analticos tambm
para esta pesquisa.
Alm destas incurses externas, enfatizamos que os relatrios de atividades
demonstram a presena de pesquisadores desta equipe em eventos promovidos por diferentes
universidades, em vrios estados do Brasil - como So Paulo, Santa Catarina e Mato Grosso do
Sul, entre outros - assim como por associaes acadmicas como a ANPOCS, organizaes
no governamentais e rgos pblicos de nvel municipal e federal.
Por fim, destacamos a publicao do segundo livro, intitulado Governos Subnacionais
e Sociedade Civil: Integrao Regional e Mercosul, que apresenta parte dos resultados do
projeto temtico anterior sobre esta mesma temtica, porm com foco na atuao externa de
governos de nvel intermedirio (provncias e estados membros da Federao).
So Paulo, fevereiro de 2006
Maria Ins BarretoDoutora pela EAESP/FGV-SP
Pesquisadora do CEDEC-SP
Tullo VigevaniProfessor livre-docente em Cincia Poltica (UNESP)
Pesquisador do CEDEC -SP
Pesquisador principal e Coordenador Cientfico
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CAPTULO 1 - SO PAULO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAO -
Luiz Eduardo W. WanderleyGLOBALIZAO, ESTADO-NAO E PERSPECTIVAS
Em estudo anterior (Wanderley: 2003), foram feitas algumas distines entre trs
processos histricos: mundializao, internacionalizao e globalizao. Amplio, no presente
texto, o significado de globalizao, acrescentando as reflexes de outros autores, e
incorporando partes do referido trabalho.
Com fundamento privilegiado na denominadaglobalizao econmica , confrontando o
pensamento de diversos autores sobre o tema da globalizao e suas inter-relaes com a
democracia, Gmez (1988:12), inicialmente, retoma o sentido dado por Chesnais (1996),
enfatizando a acepo econmica hoje prevalecente, e que surgiu nos anos 1980: em
reconhecidas escolas americanas de administrao de empresas, populariza-se atravs das
obras de notrios consultores de estratgia e marketing internacional, difunde-se atravs da
imprensa econmica e financeira especializada e, rapidamente, assimilada pelo discurso
hegemnico neoliberal. O termo, nas vises mais apologticas, est vinculado s grandes
corporaes multinacionais sediadas nos centros do capitalismo mundial (Estados Unidos,Europa Ocidental e Japo). Nas palavras de John K. Galbraith, globalizao (...) no um
conceito srio. Ns, os americanos, o inventamos para dissimular a nossa poltica de entrada
econmica nos outros pases (apud Batista, 2000:58). Nesta perspectiva, para a corrente dos
crticos radicais dessa modalidade globalizadora, ela no um fenmeno que decorreu,
naturalmente, dos avanos do modo de produo capitalista, mas umapoltica deliberada.A
qual vem sendo formulada e organizada por governos dos pases ricos, empresas
multinacionais, agncias internacionais, com apoio ostensivo da mdia mundial, e que culminana orientao norteadora do pensamento nico e das tendncias ao que se considera uma
ditadura do mercado.
Com base nos argumentos de distintos analistas, ainda com acento no plano econmico,
Gmez (idem, p. 21) comenta: A partir de uma viso mais abrangente, essas reflexes
encaram a globalizao da economia capitalista como a resultante de mutaes aceleradas e
profundas operadas nas ltimas dcadas em diversos mbitos: tecnolgico (microeletrnica,
processamento de informaes e telecomunicao por satlite, que permitem o incremento do
volume da velocidade das informaes e reduzem os custos de comunicao e de transporte);
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poltico (decises governamentais de ajuste estrutural baseado na liberalizao e
desregulamentao dos mercados de bens, servios e fatores de produo, diretrizes e presses
de agncias internacionais e instncias informais de geogovernana global);geopoltico (fim
do comunismo); microeconmico(estratgias de investimento, produo e comercializao em
escala mundial de firmas industriais e financeiras submetidas competio acirrada e livre de
entraves); e ideolgico (hegemonia neoliberal) (Chesnais, 1996; Adda, 1996; Gill, 1995; Cox,
1996). Na mesma tica, Vieira (2001:98) complementa: macroeconmicas (aumento do
nmero de novos pases industrializados): ideolgicas(hegemonia neoliberal).
Ampliando o conceito para outros mbitos, Gmez traz a contribuio de Ladi
(1997:294), sublinhando a sua concordncia com esta formulao:
(...) em um momento de compresso do espao no qual os homens vivem, se movem etrocam, com todas as conseqncias que esse processo tem sobre suas conscincias de
pertencerem ao mundo, seja tal mundo o mercado para os mercadores, a ordemmundial para os estrategistas, o universal para os indivduos-cidados. A globalizaomuda, assim, nossa relao com o espao que se amplia e com o tempo que seacelera. Tudo o que est em jogo, em termos de sentido, precisamente saber comoarcar simbolicamente com essa dupla mudana. Esse momento comum para todas as
sociedades humanas radicalmente incerto, de um lado, porque no implica nenhumacordo sobre a mesma viso de mundo, e, do outro, porque todos os processos que onutrem so por definio ambivalentes. O fim da coero geogrfica acompanhado
por uma revalorizao dos lugares. O pertencimento a um mesmo mundo desdobra-seem processos de d istanciamento econmico e cultural sem precedentes. Asimultaneidade planetria traduz-se, finalmente,em uma mundializao dosparticularismos. Portanto, para pensar de maneira rigorosa a globalizao, conveniente evitar trs obstculos: v-la sob o ngulo exclusivo de um processo dehomogeneizao (a sndrome McWorld, ou McDonalds, como smbolo da empresa
global); reter somente os fatores de heterogeneidade; e compreender a dialtica daglobalizao e da fragmentao recorrendo a frmulas de efeito, fundadas, porexemplo, na oposio McWorld versus Jihad (apud Gmez, p. 44).
Estaria se constituindo uma poltica da globalizao (Gill, 1995) muito imprecisa eindefinida. O que existe uma nebulosa , (...) constituda por um conjunto complexo e inter-
relacionado de redes de influncias e agncias que desenvolvem uma ideologia econmica
comum e realizam uma funo de governana global ao injetar resultados consensuais
transnacionais nos processos nacionais de tomada de deciso (Cox, 1996) (Gmez, idem: 27).
Para ele, essas doutrina e polticas so elaboradas e disseminadas em conclaves no oficiais
(encontros anuais de Davos), de agncias intergovernamentais e privadas especializadas
(Comits da OCDE, encontros dos Bancos Centrais, do Fundo Monetrio Internacional e do
Banco Mundial, agncias privadas de avaliao) e de reunies de cpula dos Estados ricos (G-
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8). Tudo isto para constatar que, se a economia globalizada incide mundialmente, ela no
condiciona por igual os pases, as regies, as zonas no interior de um mesmo pas, as classes,
categorias e grupos sociais.
Na seqncia de seu texto, Gmez destaca duas posies sobre a globalizao: a dos
transformacionistas(para quem ela representa um corte radical com o passado), e os cpticos
(para quem ela se afirma em sua continuidade histrica e at mesmo com precedentes
similares). Para os transformacionistas, o acento recai na multiplicao e variedade inexistentes
anteriormente de fenmenos supraterritoriais, com efeitos diretos no controle efetivo dos
Estados sobre suas fronteiras nacionais (desterritorializao de organizaes econmicas e
polticas); ao lado da exploso e difuso de identidades culturais religiosas, de classe
capitalista transnacional, de solidariedade racial, de gnero, de cultura jovem, de preferncias
sexuais e identidades supra-estatais no plano regional (idem, p.48). Estaria surgindo uma
ordem mundial ps-Vestflia (ele cita Cox, Rousenau, Linklater, MacMillan), desafiadora das
capacidades de autonomia e soberania do Estado-Nao. Mesmo que os Estados-Nao
preservem seu papel de atores importantes nas relaes internacionais, e que as fronteiras
territoriais ainda conservem um lugar significativo em todos os planos, a soberania est sendo
compartilhada com agncias nacionais, regionais e internacionais (ele indica Held).
J para os cpticos(Gilpin, Krasner, Hirst e Thompson, so as referncias indicadas),
h uma rejeio da idia de que a globalizao esteja diminuindo o poder, as funes e a
autoridade do Estado-Nao e, contrariamente, sustentam que sua atuao cresceu exatamente
para facilitar e regular os processos de globalizao.
De todas as maneiras, Gmez sinaliza que a globalizao impacta a cidadania,
principalmente no que concerne a identidade jurdica de direitos e deveres como se colocou na
esfera ocidental; e deve considerar as identidades socioculturais e as diferenas de grupos
diversos mulheres, pobres, ancios, minorias raciais, tnicas, religiosas, sexuais, nacionais
etc. que se consideram oprimidos ou excludos da cultura hegemnica, embora possuam osdireitos comuns de cidadania (p.56). Devendo-se levar em conta o pluriculturalismo, o
respeito diferena, a poltica do reconhecimento, eliminando-se as discriminaes e as
desigualdades. Nesse conjunto de mudanas mundiais, elabora-se a idia de uma cidadania
global, entendida (...) no apenas como a extenso na esfera das relaes internacionais do
conjunto dos direitos civis, polticos e sociais e suas respectivas garantias constitucionais (...)
mas tambm como deveres morais com os outros para alm das fronteiras ou obrigaes com o
restante da humanidade (em termos de pobreza e excluso, de preservao do meio ambienteetc. (...) E isso, articulado a uma poltica de multiculturalismo, baseado no reconhecimento,
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respeito e reciprocidade das identidades includa a sndrome da identidade mltipla-, de
modo a evitar a oposio, excluso e violncia que tm permeado constantemente as relaes
internacionais no passado e ainda no presente (Scholte, 1996) (Gmez, idem:57-58).
Neste aspecto, vale trazer a colocao de Vieira (2001:99), o qual, do mesmo modo,
sintetiza essas posies dos transformacionistas e dos cticos, e aborda o tema da identidade no
sentido de que: isto no significa que a identidade nacional deixou de ser importante na
atualidade, ou que foi absorvida por uma nova homogeneizao de alcance global, seja de um
hipercapitalismo sem fronteiras, seja de um cosmopolitismo de sentimentos universais e atos
de solidariedade com a humanidade como um todo. Mas inegvel que a identidade nacional
se tornou mais uma entre as tantas identidades que os povos hoje constroem ( ele menciona
Krause & Reinwick, 1996).
Vieira (2001:97) acrescenta uma terceira posio, a daqueles que: afirmam que a
globalizao um mito, pois, segundo eles, a fase atual de internacionalizao da economia,
alm de responder a um processo plurissecular imanente ao capitalismo, no indita, j que
apresenta notveis similitudes, em matria de comrcio, finanas, investimento direto, com a
fase de internacionalizao do incio do sculo XX sob a dominao daPax Britnica. E
agrega que eles rejeitam a idia de que as corporaes multinacionais sejam efetivamente
transnacionais. Alm disso: afirmam ainda que o tecnoglobalismo no mais do que um mito
que esconde a proteo e o acesso desigual dos pases a inovaes tecnolgicas, e que os
Estados nacionais, ao menos os mais poderosos, tm condies de assegurar a governana da
economia mundial (idem:97).
Para Beck, conveniente distinguir as noes de globalismo, globalidade e
globalizao. Na sua anlise (1999:27-28):
Globalismo designa a concepo de que o mercado mundial bane ou substitui ele
mesmo, a ao poltica; trata-se portanto da ideologia do imprio do mercado mundial, da
ideologia do neoliberalismo. O procedimento monocausal, restrito ao aspecto econmico, ereduz a pluridimensionalidade da globalizao a uma nica dimenso a econmica. 0 que,
por sua vez, ainda pensada de forma linear e deixa todas as outras dimenses relativas
ecologia, cultura, poltica e sociedade civil sob o domnio subordinador do mercado
mundial.
Globalidade significa: j vivemos h tempos em uma sociedade mundial, ao menos no
sentido de que a idia de espaos isolados se tornou fictcia. Nenhum pas, nenhum grupo pode
se isolar dos outros (...) Mundial, na expresso sociedade mundial, designa ento a
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diferena, diversidade, e sociedade designa no-integrao, de tal forma que se pode
compreender [...] a sociedade mundial como diversidade sem unidade(...).
Globalizao significa osprocessos, em cujo andamento os Estados nacionais vem a
sua soberania, sua identidade, suas redes de comunicao, suas chances de poder e suas
orientaes sofrerem a interferncia cruzada de atores transnacionais .
O que torna a globalidade irreversvel, para Beck?
A poltica mundial ps-internacional e policntrica em poder e nmero fazem paraos governos uma quantidade cada vez maior de atores transnacionais (companhias,organizaes no-governamentais, unies nacionais).
A questo da pobreza mundial.
A destruio ambiental mundial.
Conflitos transculturais localizados.
A poltica mundial ps-internacional e policntrica em poder e nmero. Faz par aosgovernos uma quantidade cada vez maior de atores transnacionais (companhias,organizaes no-governamentais, unies nacionais).
A questo da pobreza mundial.
A destruio ambiental mundial.
Conflitos transculturais localizados.
de relevncia enfatizar que, alm dos elementos j assinalados, diversos estudiosos
buscam demonstrar, na esfera da globalizao poltica, as restries impostas por esta
globalizao aos Estados, principalmente aos pases pobres e emergentes, na perda da
soberania externa e interna, nas dificuldades de governana e governabilidade.
E acrescentam aglobalizao social, que vem alterando a estrutura nacional de classes,
intensificando novas formas de desigualdades e injustias (com a reduo dos custos salariais,
reduo de direitos adquiridos, liberalizao do mercado, despedidas massivas, desemprego
estrutural); para combater a pobreza, prevalecem as medidas compensatrias que minorem,mas no eliminem, a excluso, j que um efeito inevitvel (e, por isso, justificado) do
desenvolvimento assente no crescimento econmico e na competitividade em nvel global
(Sousa Santos, 2002: 35). Sobre essa realidade, aduzi os seguintes comentrios: Na Amrica
Latina, a chamada dcada perdida sinalizou a tragicidade dessa situao, e na ltima dcada
(anos 90 do sculo passado), mesmo tendo em vista a melhoria de certos indicadores sociais
em uns poucos pases, os dados concretos aferem os efeitos danosos dessa dimenso da
globalizao (Wanderley, 2003: 228).
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Um elemento importante, mas nem sempre valorizado suficientemente, diz respeito
globalizao cultural, que se exprime, sobretudo, no avano das tecnologias informticas,
eletrnicas e cibernticas, no crescimento da Internet; na disseminao da mdia televisiva; na
divulgao preponderante de filmes, msica, literatura, norte-americanos; na moda para os
setores ricos; no modo de vida em geral dos EUA expandido como padro universal; no uso do
ingls como lngua global, entre outros pontos. O debate gira em torno de se saber se ela
conduz homogeneizao, ou diferenciao, e sobre a hiptese de estar ou no emergindo
uma cultura global. Para Sousa Santos, no domnio cultural, o consenso neoliberal muito
seletivo. Os fenmenos culturais s lhe interessam na medida em que se tornam mercadorias
que, como tal, devem seguir o trilho da globalizao econmica (idem: 229). No caso latino-
americano, com acento no Brasil, conhecido o fato de que existem culturas multiformes,
combinando as tradies dos povos indgenas, as razes negras africanas, as influncias das
imigraes multiformes, as complexas inter-relaes entre a cultura popular, a cultura artstica,
a cultura acadmica e a indstria cultural. E constata-se que h uma penetrao, com maior
intensidade, da presena de teorias e prticas culturais do chamado Primeiro Mundo,
hegemoneizadas pela norte-americana, o que provoca fraturas e, simultaneamente, movimentos
de defesa a protagonismo dessa imensa variedade cultural no sentido de resguardar e afirmar
tradies, costumes, valores, hbitos, lnguas, religies.
Mesmo convencido de que a globalizao, nas modulaes que vm mostrando, gera
novas desigualdades e injustias trgicas, alm de acentuar outras j existentes, preciso
reconhecer que, em alguns de seus resultados, produz aspectos vlidos, mesmo que possam ser
ambivalentes e estimular ambigidades, tais como:
1.As facilidades de comunicao entre as pessoas, em tempo real, o que tem propiciadoum dilogo intenso distncia. Por sua vez, cria novos espaos para troca deinformaes, presses sobre governos e autoridades em geral (o caso de Chiapas foi
paradigmtico)5, conhecimento de segredos escondidos pelos poderosos que so
divulgados etc.
2.O crescimento e a rapidez no setor dos transportes, que tm facilitado a realizaodos negcios, as consultas intergovernamentais e de entidades civis, as viagens emgeral e o turismo em particular.
3. O desenvolvimento dos meios de comunicao de massa, que do acesso aosusurios do que se passa no mundo, mesmo que muitas vezes por meio de informaesfragmentadas e controladas pelos donos das cadeias transmissoras.
4.Os avanos na medicina, que possibilitam o conhecimento de tcnicas e remdios
para um sem-nmero de doenas, apesar dos lobbiesdas empresas farmacuticas na5 Ver CASTELLS, Manuel. La era de la informacin . Madrid, Alianza, 1998, 3 tomos.
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questo das patentes e dos altos preos dos medicamentos.
5.A formao de redes entre grupos, organizaes, movimentos, partidos, igrejas,abrindo canais para conhecimento mtuo e troca de experincias pessoais e coletivas.
6.O intercmbio entre professores e estudantes, trazendo um leque de aberturas para
estudos e pesquisas em conjunto, enriquecedores de teorias e prticas.
Globalizao contra-hegemnica
Na perspectiva de uma teorizao crtica da globalizao neoliberal, refuta-se a falcia
do determinismo de que e la seja um processo espontneo, automtico, inelutvel e
irreversvel, que se intensifica e avana segundo uma lgica e uma d inmica prprias
suficientemente fortes para se imporem a qualquer interferncia externa (Sousa Santos, 2002).
Para uma determinada corrente de pensamento, como ela interpretada, vlida para os pases
ricos ou desenvolvidos, que procuram impor ao resto do mundo essa poltica globalizadora; na
compreenso dos crticos, nos chamados Terceiro e Quarto Mundos (formado pelos pases
subdesenvolvidos, pobres, emergentes), ela se apresenta de modosubordinado aos ditames
das foras dominantes , e assimtrico gerando maiores desigualdades entre pases e regies,
e dentro de cada pas. Constitui-se, pois, numa globalizao excludente (analistas nesta
tica:Chomski, Casanova, Therborn, Salama, Wallerstein), com efeitos perversos para a
humanidade, ampliando a pobreza e a excluso social (Gentili, 1999).
Nessa d ireo, esses autores baseiam-se em anlises tericas e em prticas
potencializadoras da denominada globalizao contra-hegemnica, buscando alternativas
concretas de uma outra configurao. Fundamentam-se nas resistncias de aes coletivas
globais (campanhas e movimentos que irrompem por ocasio de eventos realizados por
agncias internacionais e instituies mundiais, tais como as citadas OMC, BID, Davos, G-8
etc.); se algumas entidades (Anistia Internacional, World-Wide Fund for Nature, Friends of
Earth, Greenpeace, e outras) j agiam como lobbistas e trazendo protestos de impacto, ativistas
protestam contra empresas como a Monsanto, McDonalds, Exxon, Nike.Para exemplificar com dados dessas manifestaes no plano mundial, vale relembrar
dos 50 mil manifestantes protestando contra a OMC, em Seattle (1999), com papel destacado
das ONGs, cujas reivindicaes foram precedidas de reunies e articulaes (houve um
manifesto, assinado por 1.2000 ONGs de 87 pases, via Internet, articulado por Global Trade
Watch e Observatoire de la Mondialization). Este Manifesto continha itens referentes : defesa
de clusulas sociais e ambientais; excluso da sade e da educao da liberalizao dos
servios; excluso dos remdios essenciais das patentes; perdo da dvida externa; agricultura(proteo dos pequenos e mdios agricultores contra a concorrncia externa, defesa do meio
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ambientes etc.); segurana alimentar; adoo do princpio de precauo para a liberao de
produtos que possam afetar a sade ou o meio ambiente (pontos extrados da sntese preparada
por Vieira, 2001: 106-107). Este socilogo destaca, tambm, outras manifestaes. A
Conferncia Internacional sobre Alternativas G lobalizao (novembro de 1998, nas
Filipinas). As manifestaes em Davos (fevereiro de 1999), lideradas pela Associao Mundial
de Povos contra a Mundializao AMP, e a Associao pela Taxao das transaes
Financeiras em Apoio aos Cidados ATTAC, denunciando a globalizao que mata e o
culto ao mercado; para os organizadores, a globalizao a centralizao do poder e das
riquezas nas mos de poucosglobal leaders e, para um nmero cada vez maior de pessoas,
excluso, pobreza e misria (idem: 108). A manifestao contra a realizao da reunio
conjunta FMI/Banco Mundial (16 de abril de 2000), em Washington. Nela, as ONGs,
agrupadas numa coalizo denominada Mobilizao Global pela Justia, denunciaram a
perversidade do sistema financeiro mundial que empobrece os trabalhadores de todo o mundo,
destri as florestas tropicais, estimula o trabalho forado, obriga os pases pobres a desviar
recursos de investimentos sociais bsicos para pagar a dvida externa (The New Y ork Times,
17/04/2000) (idem: 108). Na seqncia, houve o protesto em Praga (26 de setembro de 2000),
pedindo o fechamento do FMI; para Boaventura de Sousa Santos, os protestos contra a
(desordem neoliberal global, por ocasio da reunio anual do Banco Mundial e do Fundo
Monetrio Internacional em Praga, constituram mais uma afirmao vigorosa de que as lutas
democrticas transnacionais j so hoje um pilar importante do sistema poltico internacional e
de que o seu impacto repercute tanto nas polticas nacionais como nas locais (idem: 109).
Outros protestos coletivos aconteceram em Montreal, Melbourne, Genebra, Praga, Nice,
Npoles, Gnova (300 mil manifestantes, na reunio do G-8), Cancun, e Porto Alegre, entre
outras cidades. Num sentido diferenciado, de se recordar da formao do G-20, que envolveu
os principais pases do Terceiro Mundo, com atuao especial do Brasil.
Nesse espectro de iniciativas, cabe uma referncia particular aoFrum Social Mundial.Idealizado, no incio, como um encontro anti-Davos, de resistncia ao neoliberalismo e
passagem para uma etapa propositiva, ele acontece em 2000, na cidade de Porto Alegre,
firmando um Acordo de Cooperao entre a Associao Brasileira de organizaes No-
Governamentais ABONG, Ao pela Tributao das Transaes Financeiras em Apoio aos
Cidados ATTAC; Comisso Brasileira Justia e Paz CBJP; Associao Brasileira de
Empresrios pela Cidadania CIVES; Central nica dos trabalhadores CUT; Instituto
Brasileiro de Anlises Scio-Econmicas IBASE; Centro de Justia Global CJG;Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. No geral, o Frum busca a
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identificao de caminhos e propostas mobilizadoras para manifestaes e aes concretas da
sociedade civil. Seu lema Um outro mundo possvel diz bem de seu desiderato.
Progressivamente, organizou-se o Conselho Internacional, ao lado dos Comits Organizadores
nacionais, que aprovou uma Carta de Princpios. Ela definia o FSM como um espao aberto
de encontro (no , portanto, uma organizao, entidade, instituio ou rede). Ele delimitado
politicamente como espao de entidades e movimentos da sociedade civil que se opem ao
neoliberalismo e ao domnio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo.
Suas propostas contrapem-se a um processo de globalizao comandado pelas grandes
corporaes multinacionais e pelos governos e instituies internacionais a servio de seus
interesses, com a cumplicidade de governos nacionais. Os Encontros do FSM tm um carter
no deliberativo. O FSM no se constitui em instncia de poder, a ser disputado pelos
participantes de seus encontros. O FSM : um espao plural e diversificado, no
confessional, no governamental e no partidrio; (...) rene e articula somente entidades e
movimentos da sociedade civil de todos os pases do mundo; (...) ser sempre um espao aberto
ao pluralismo e diversidade de engajamentos e atuaes; (...) podero ser convidados a
participar, em carter pessoal, governantes e parlamentares que assumam (seus)
compromissos (trecho extrado de Correa Leite, 2004).
Por ocasio do II FSM, dentre as inmeras propostas surgidas, podem-se mencionar
algumas: abolio da dvida externa dos pases pobres; controle de capitais e impostos
internacionais para a redistribuio de riqueza e financiamento do desenvolvimento;
moratria contra a OMC para reorientar o comrcio internacional; controle pblico
sobre as empresas transnacionais; defesa dos direitos dos trabalhadores;
desenvolvimento de um setor de economia solidria; reconstruo do meio ambiente e
desenvolvimento sustentvel; criao e extenso dos sistemas de sade e educao
pblicos e universais; soberania alimentar; democratizao dos meios de comunicao
de massa; defesa da identidade dos povos; direitos dos emigrantes e combate ao trficode pessoas; desarmamento; direitos humanos integrais; novas instituies internacionais
de governana global (sntese extrada de T. Ponniah, IN: William Fisher and Thomas
Ponniah, eds.Another world is possible: popular alternatives to globalization at the
World Social Frum ; apud Correa Leite, 2004:360-361-362).
METRPOLE, MEGALPOLE, MEGACIDADE, CIDADE-GLOBAL
Compreender, classificar e definir o gigantismo que caracteriza muitas cidades do
mundo tem sido objeto de anlise de estudiosos das mais variadas perspectivas tericas, que
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acentuam um ou outro elemento da sua configurao. As tentativas neste sentido cobrem um
espectro ora descritivo, ora interpretativo. As prprias denominaes que foram e vem sendo
utilizadas constituem um testemunho eloqente das dificuldades e complexidade existentes
para a sua identificao: grandes cidades, metrpoles, megalpoles, cidades-regies,
zonas metropolitanas, conurbao, cidades-globais etc.
Alguns privilegiam os critrios espacial (um espao geograficamente determinado) e
demogrfico (concentrao de habitantes), outros privilegiam os indicadores econmicos (PIB,
atividades financeiras, etc.) e scio-polticos (peso que elas exercem, por suas atividades de
gesto e de informao, nas relaes nacionais e internacionais etc.). Dois critrios clssicos
foram o da urbanizao e da industrializao. Nas ltimas dcadas, um componente bsico
deriva dos processos de globalizao e seus impactos nas cidades.
Estudos apontam que o termo megalpole foi criado pelo gegrafo francs Jean
Gottmann, ao qualificar a rea metropolitana que se estende sobre 700 quilmetros de Boston a
Washington, no decorrer dos anos cinqenta do sculo passado; e adquiriu disseminao no
uso dado pelo ensasta norte-americano Lewis Mumford que denunciava o gigantismo da
megalpole considerada, para ele, como a ltima etapa do desenvolvimento urbano. A palavra
ganhou fortuna entre especialistas, jornalistas e polticos. Nos anos 1980, por iniciativa de
Philippe Haeringer (1993), pesquisador em Orstom, foi estabelecido um grupo de trabalho
sobre a megalopolizao do mundo, e, com importncia para a nossa pesquisa, mostra a
diversidade das situaes urbanas e que ela no conduz para uma uniformizao das paisagens
e dos modos de vida. Os prefixos mega ou mgalo tem um emprego equivalente: extrado
do grego megalou (genitivo de megas).
Para Moriconi-Ebrard (1995) a noo ambgua, porque ela pode ser definida em
funo de dois sistemas de referncia: um absoluto, outro relativo. No primeiro caso,
megapole poderia designar um punhado de cidades plurimilionrias em nmero de habitantes.
Sobre a base de um atributo arbitrrio, em 1990, a ONU qualificou de megacidades asaglomeraes que ultrapassam 8 milhes de habitantes (...) sobre esta base estatstica no se
observa nenhuma ruptura no continuum da classificao das cidades segundo seu tamanho
demogrfico (...) Definir o gigantismo requer um sistema de referncia. no sentido relativo
que o termo megapole empregado pelos historiadores e gegrafos, para designar as grandes
cidades que, em certos perodos da histria ou num espao dado, tiveram um papel excepcional
opondo-se notadamente ao funcionamento usual da rede de cidades pequenas e mdias (...)
No sentido literal, a metrpole era a cidadade-me (do grego meter: me, e polis: cidade), querdizer a capital, a cidade que colonizou os territrios, fundada de outras cidades (...) A
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megapole` seria pois uma metrpole que possui todas as funes de comando de um sistema
territorial ou, ao menos, da maioria. Neste caso, contrariamente metrpole, megapole`
no pode ser completada do que por um epteto; escala de um territrio, somente se poderia
observar seno uma e uma nica megapole. A noo de gigantismo seria medida por uma
acumulao relativa de populao, de bens, de servios ou de funes num sistema territorial
ou numa r