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CAPÍTULO 4
Proposta de um modelo de gestão de pessoas estratégico e
integrado
Introdução
Um modelo de gestão deve abranger um conjunto de conceitos e referenciais que
ofereçam, a um só tempo, condições de compreender a realidade organizacional e
instrumentos para agir sobre ela, aprimorando-a. Segundo Fischer (2002:12), “o
modelo de gestão de pessoas é a maneira pela qual a empresa se organiza para
gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho”. Para Fischer (2002:17)
compõem o modelo de gestão princípios, orientações de valor e crenças básicas,
políticas, diretrizes de ação, que traduzem compromissos da organização com
objetivos de médio e longo prazos para gestão de pessoas e processos; e cursos de
ação previamente determinados e operacionalizados por ferramentas de gestão.
Neste capítulo, nos ocuparemos mais detalhadamente dos processos de gestão de
pessoas dentro de um modelo caracterizado por Fischer (2002:25) como sendo
“articulado por competências”. Inicialmente, vamos fazer a distinção entre processo
de gestão e práticas de gestão. Processo é um termo emprestado da Biologia e
pode significar a transição ou uma série de transições de uma condição para outra.
Adaptado para a Sociologia, agrega a ideia de interação entre elementos diferentes
associada à ideia de movimento, mudança e fluxo. Esses processos podem repetir-
se dentro de padrões, sendo passíveis de interferência para induzi-los, aprimorá-los,
inibi-los etc. Processos de gestão são interações de partes com um objetivo e dentro
de parâmetros previamente definidos. As práticas de gestão são conjuntos de
procedimentos, métodos e técnicas utilizados para a implementação de decisões e
para nortear as ações no âmbito da organização e em sua relação com o ambiente
externo. Muitos autores misturam processos e práticas ao estabelecer categorias de
processos. Podemos criar várias classificações para os processos de gestão de
pessoas. Quanto aos seus objetivos e parâmetros, podemos classificá-los, em
função de sua natureza, em:
• Movimentação;
• Desenvolvimento;
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• Valorização.
Os processos classificados na categoria de movimentação têm como objetivos
básicos oferecer suporte a toda ação de movimento da pessoa que estabelece uma
relação com a empresa, independentemente de seu vínculo empregatício. Essa
categoria compreende as seguintes práticas:
• Captação;
• Internalização;
• Transferências;
• Promoções;
• Expatriação;
• Recolocação.
Desenvolvimento é uma categoria que congrega processos com o objetivo de
estimular e criar condições para o desenvolvimento das pessoas e da organização.
As práticas agrupadas nessa categoria são:
• Capacitação;
• Carreira;
• Desempenho.
Na categoria de valorização, estão os processos que objetivam estabelecer
parâmetros e procedimentos para distinção e valorização das pessoas que
estabelecem alguma relação com a empresa. São compreendidas nessa categoria
as práticas de:
• Remuneração;
• Premiação;
• Serviços e facilidades.
A gestão de pessoas pela organização não está totalmente abrangida pelos
processos de gestão. Há processos que não se ligam unicamente à gestão de
pessoas, mas que são fundamentais para que ela possa ser efetiva ou que tendem a
influenciá-la fortemente. Esses processos, tratados neste trabalho como de apoio à
gestão de pessoas, são:
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• Informação;
• Comunicação;
• Relações sindicais;
• Relações com a comunidade.
Os processos de informação compreendem todo o fluxo de informação, estruturado
ou não, entre a empresa e as pessoas e vice-versa.
Os processos de comunicação englobam os canais e veículos de comunicação entre
empresa e pessoas, entre as pessoas que mantêm relação de trabalho com a
empresa e entre pessoas, empresa e comunidade.
As relações sindicais são processos que tratam da relação entre empresa, pessoas
e sindicatos representativos dos trabalhadores. Muitos autores consideram esses
processos como sendo de gestão de pessoas. Nossa experiência tem demonstrado
que as questões ligadas às relações entre empresa, trabalhadores e sindicatos têm
natureza mais administrativo-financeira e legal, como acordos, condições de
trabalho, relações de emprego, organização do trabalho, arranjo físico do local e
facilidades para o trabalho etc. As questões ligadas mais diretamente à gestão de
pessoas está inserida nas categorias de movimentação, desenvolvimento e
valorização.
As relações com a comunidade compreendem o conjunto de políticas práticas que
balizam as relações entre empresa, pessoas e comunidade. Nesses processos,
estão incluídas as ações ligadas à responsabilidade social da organização.
Além dos processos de apoio, existe um conjunto de compromissos estabelecidos
entre a empresa e as pessoas, que é materializado em políticas e práticas. Esse
conjunto de compromissos será tratado neste trabalho como as bases estruturais da
gestão de pessoas. Nele estão agrupados compromissos vinculados ao contrato
psicológico estabelecido entre as pessoas e a empresa, ao clima, às dinâmicas
interpessoais e às dinâmicas intergrupais. O conjunto engloba também os
compromissos ligados à preservação da pessoa em termos biopsicossociais, ou
seja, sua integridade, e os compromissos ligados à qualidade de vida no trabalho e à
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participação das pessoas nas decisões que podem afetar sua relação com a
organização ou com seu trabalho.
Essas distinções são importantes porque muitos autores confundem o papel da área
funcional de gestão de pessoas e a gestão de pessoas em si. Ao pensarmos na área
funcional, vamos encontrar diferentes arranjos organizacionais, nos quais as áreas
funcionais têm papéis diferentes, incluindo muitas vezes várias atividades e
responsabilidades de natureza administrativa. Nosso foco neste trabalho são os
processos que caracterizam a gestão de pessoas pela organização. Nesse sentido,
a área funcional de gestão de pessoas é apenas um dos agentes nesses processos;
os demais são: os gestores, responsáveis pela articulação cotidiana entre a empresa
e as pessoas e vice-versa; as pessoas que mantêm relação de trabalho com a
organização, responsáveis pela gestão de seu desenvolvimento e carreira e pela
negociação contínua das bases de sua relação com a organização; os dirigentes,
responsáveis por estabelecer as políticas e definir os processos de gestão de
pessoas pela organização; e a área funcional de gestão de pessoas, responsável
pela articulação entre os processos de gestão entre si, sua articulação com a
estratégia da organização e sua articulação com as expectativas e necessidades
das pessoas.
Este trabalho tem como foco, portanto os processos de gestão de pessoas:
movimentação, desenvolvimento e valorização, articulado por competências.
Outro aspecto a enfatizar neste capítulo é o conjunto de expectativas dos gestores
em relação a um modelo de gestão de pessoas. A atenção a essas expectativas
advém de nossa experiência nos processos de intervenção nas organizações. Os
gestores são os principais elos de ligação entre as pessoas e a organização, sem
esquecer que eles são também pessoas geridas pela organização, atuando como
agentes e pacientes desses processos. Em nossos trabalhos de intervenção,
levantamos as seguintes expectativas em relação a um modelo de gestão de
pessoas:
• Permitir ao gestor mapear as alternativas decisórias sobre as pessoas
e os riscos de cada alternativa para a empresa, para a pessoa, para a
equipe e para o próprio gestor;
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• Permitir ao gestor avaliar os desdobramentos da decisão tomada;
• Garantir um processo contínuo de aprendizado quanto à gestão de
pessoas.
O último aspecto será explorado com maior ênfase neste capítulo. O aprendizado do
gestor em termos de gestão de pessoas vem da prática compartilhada, dos erros e
acertos, de sua interação com a equipe e da interação entre os gestores e as
pessoas com a organização com a qual mantêm relação de trabalho.
Finalmente, procuraremos trabalhar abordagens metodológicas para concepção e
implementação de sistemas de gestão de pessoas por competência. A questão é da
maior relevância, quando se considera que o que garante a efetividade de uma
proposta que implica a alteração de padrões culturais e políticos da organização é o
processo construído para concepção e implementação do sistema. O processo deve
permitir a construção coletiva do sistema para que o mesmo possa traduzir o
conjunto de expectativas dos dirigentes, gestores e pessoas que mantêm uma
relação de trabalho com a organização. Nesse sentido, o processo é mais
importante do que o produto.
Emergência de um modelo de gestão de pessoas articulado por competências
Por que necessitamos de um modelo articulado por competências? Segundo Fischer
(2002:29), porque enfrentamos um ambiente mais competitivo, em que os modelos
anteriores não oferecem respostas adequadas. Ao olharmos mais atentamente as
organizações, observamos que não há compromissos com uma corrente de modelo
de gestão (FISCHER, 2002:19); elas simplesmente reagem às pressões. Os
trabalhos de intervenção em diversas organizações mostram que o fato de reagir às
pressões desnorteia as organizações. Elas não percebem que, ao reagir
implementam práticas ancoradas em premissas conceituais diferentes e muitas
vezes conflitantes. É comum verificar práticas de capacitação com premissas em
total conflito com as práticas de remuneração. Ou práticas de remuneração fixa que
estimulam comportamentos conflitantes com os comportamentos incentivados pela
remuneração variável. Poderíamos, enfim, enumerar uma série de práticas
conflitantes dentro das organizações. De outro lado, os gestores não separam
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capacitação de remuneração ao trabalhar a relação das pessoas de sua equipe com
a organização. Trabalham a pessoa como um todo e pensam a gestão de pessoas
de forma integrada. Do mesmo modo, ao pensarem sua relação com a empresa, as
pessoas não o fazem de forma fragmentada: minha carreira, meu salário, meu
desenvolvimento; pensam também como um todo integrado. Temos aí mais um
conflito entre as expectativas dos gestores e o que é oferecido como modelo de
gestão. Percebemos que a ausência de uma linha conceitual clara, para orientar a
construção de processos de gestão impede que os princípios e as políticas de
gestão de pessoas estejam articulados e coerentes entre si, e muito menos com as
estratégias empresariais.
As características principais do modelo de gestão utilizado até aqui têm bases
formadas na administração científica, na qual as pessoas são vistas como
responsáveis por uma ou um conjunto de atividades ou funções. Essa visão das
pessoas tem sido responsável por distorções na análise e interpretação da realidade
organizacional, gerando instrumentos, processos e metodologias inadequados para
atuar sobre ela. Por que essas distorções ocorrem? Porque as bases em que se
assentam os conceitos e os instrumentos são movediças. Ou seja, a forma pela qual
as pessoas são referenciadas, analisadas, diferenciadas e reconhecidas tem bases
que são alteradas em função das pressões internas e externas recebidas pela
organização. A instabilidade dessas bases faz com que as pessoas tenham
dificuldade de se localizar na empresa, de avaliar com clareza suas perspectivas e
de estabelecer um projeto profissional alinhado com as expectativas e necessidades
da empresa. Por sua vez, a empresa tem dificuldade de deixar clara a sua
expectativa em relação às pessoas.
Essas distorções são agravadas quando a organização busca sistemas fechados de
gestão - os chamados pacotes, e quer implementá-los a todo custo. É como se
construíssemos um modelo e tentássemos colocar a realidade dentro dele. O
resultado é uma maior dificuldade para compreender a realidade e para alinhar as
expectativas da organização e das pessoas.
Como corrigir as distorções? Muitas empresas vêm obtendo sucesso em contorná-
las. A análise dessas experiências permitiu encontrar pontos comuns entre elas e
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estabelecer referenciais para estudar diferentes realidades organizacionais. Esses
referenciais constituem as bases conceituais com as quais trabalhamos até aqui e
que foram detalhadas na parte I – os conceitos de competência, de complexidade e
de espaço ocupacional. E empresas com uma base conceitual sólida têm melhores
condições de articular diferentes processos e práticas de forma coerente e
consistente entre si. Esse fato gera maior credibilidade e legitimidade da gestão de
pessoas junto aos gestores, pessoas e dirigentes. A base conceitual deve responder
a todas as questões colocadas pela empresa moderna e o que temos constatado até
aqui é que o uso desses conceitos tem permitido obter coerência e consistência
entre todos os processos e práticas de gestão de pessoas, como procuraremos
demonstrar a seguir.
Movimentação de pessoas
Processo que trata o movimento físico da pessoa na empresa ou no mercado de
trabalho. Ele ocorre quando a pessoa muda de local de trabalho, posição
profissional, empresa, mercado ou de vínculo empregatício. Os movimentos
ocasionados pelo desenvolvimento da pessoa ou da empresa serão abrangidos pelo
processo de desenvolvimento, tratado a seguir.
Da perspectiva da empresa, a movimentação está ligada a decisões como
planejamento de pessoas, atração de pessoas, socialização e aclimatação das
pessoas em seu trabalho, alocação ou realocação de pessoas, reposicionamento
das pessoas no mercado de trabalho etc. Da perspectiva da pessoa, a
movimentação diz respeito a decisões como inserção no mercado de trabalho,
melhor oportunidade de trabalho, localização geográfica do trabalho, retirada do
mercado de trabalho etc.
Aspecto crucial desse processo é a captação de pessoas, que pode ser
compreendida com toda e qualquer atividade da empresa para encontrar e
estabelecer uma relação de trabalho com pessoas capazes de atender às suas
necessidades presentes e futuras. A captação de pessoas pressupõe a consciência
da organização em relação às suas necessidades; somente dessa maneira é
possível saber quem procurar, onde procurar e que tipo de relação será estabelecida
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entre a pessoa e a empresa. A captação de pessoas adequadas às necessidades da
organização exige a concretização dos seguintes aspectos:
• Perfil profissional;
• Perfil comportamental esperado da pessoa;
• Entregas desejadas da pessoa, para atender às necessidades da
organização tanto presentes quanto futuras;
• Condições de trabalho;
• Condições de desenvolvimento profissional;
• Condições contratuais, definindo os vínculos empregatícios a serem
estabelecidos.
Nem sempre é possível determinar de antemão todos esses aspectos; alguns acabam
sendo definidos durante a captação de pessoas. Sua definição prévia, entretanto,
permite conduzir a captação com objetividade e construir entre pessoa e organização
as bases para um contrato psicológico. Nesse momento fica evidente a importância de
uma base conceitual. O primeiro aspecto a ser analisado é o conjunto de entregas
esperado da pessoa a ser captada. Esse conjunto de entregas pode caracterizar-se
pelas competências a serem entregues, pela definição do nível de complexidade
dessas entregas e pelo delineamento do espaço ocupacional. O conjunto de entregas
conduz ao segundo aspecto a ser trabalhado: o estabelecimento do perfil da pessoa a
ser captada, tanto em termos de requisitos técnicos necessários - formação,
experiência, habilidades e conhecimentos - quanto em termos da trajetória de
realizações dessa pessoa, para que ela possa demonstrar a maturidade ou o nível de
abstração correspondente às necessidades impostas pela posição. A partir daí,
trabalhamos o terceiro aspecto - a fonte e a forma de captação. O perfil nos conduz a
verificar se nossa fonte será o mercado de trabalho externo ou seu quadro interno.
Para cada fonte da captação há formas específicas de abordagem. Não as
detalharemos aqui por não ser o objetivo deste trabalho.
O perfil adequado da pessoa a ser captada é um aspecto fundamental da estratégia
de gestão de pessoas, uma vez que a pessoa que está sendo admitida na empresa
será parte da organização por tempo indeterminado. Esse tempo está ligado a uma
relação de agregação mútua de valor. Qual é o valor a ser agregado pela pessoa ao
longo de sua permanência na organização? A resposta a essa questão pressupõe a
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consciência do que se espera da pessoa no tempo. A ideia de que ela vai apenas
ocupar determinado cargo restringe a visão do movimento da pessoa durante seu
tempo na organização. Se ao contrário, estabelecermos que, ao entrar na
organização, a pessoa ocupará determinado espaço, que será ampliado e modificado
no tempo, de acordo com determinada lógica, teremos a visão dinâmica desse
movimento. Dentre as diferentes possibilidades para a abordagem da captação,
vamos verificar mais de perto essas duas perspectivas no Quadro 4.1:
Quadro 4.1 – Diferentes abordagens para a captação de pessoas
Aspectos
analisados
Abordagem tradicional Abordagem por
competência
Horizonte
profissional
Cargo a ser ocupado Carreira da pessoa na
empresa
Perfil Para um cargo específico Para atender demandas
presentes e futuras
Processo de escolha Observa a adequação para o
cargo
Observa a adequação para
uma trajetória específica
Ferramentas de
escolha
Testes de conhecimentos,
habilidades e atitudes necessárias
para o cargo
Analise da trajetória
profissional para avaliar a
maturidade profissional e o
ritmo de desenvolvimento
Contrato psicológico Contrato construído visando a
determinada posição na empresa
Contrato construído visando a
uma carreira ou trajetória
profissional na empresa
Compromisso da
organização
Manter o cargo para o qual a
pessoa está sendo captada
Desenvolver a pessoa para
determinada trajetória dentro
da empresa.
Internalização Adequação ao cargo Adequação a uma trajetória
Fonte: Material desenvolvido pelo autor
A empresa moderna está naturalmente inclinada a estabelecer uma prática mais
vinculada aos aspectos observados na abordagem por competência, assim como as
pessoas reagem de forma mais positiva a uma abordagem que leva em
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consideração a sua carreira. Apesar disso, o sistema formal das empresas ainda é
construído sob a abordagem tradicional, centrada em cargo. Aspectos como esses
conduzem a uma inconsistência entre a realidade organizacional e o sistema formal.
A realidade organizacional é mais bem traduzida pela abordagem por competência.
A ideia de trajetória é outro aspecto importante é para estabelecer uma gestão
estratégica na captação. No caso de empresas como McDonald’s ou Habib’s, por
exemplo, a tendência é uma trajetória de curta permanência na empresa, e isso
define o perfil a ser captado: a pessoa que consegue estabelecer uma boa
agregação de valor durante a sua trajetória. Esses exemplos, são semelhantes aos
dos anfitriões da Disney World, dos comissários de bordo de empresas aéreas dos
atendentes de call-centers ou de redes de fast-food etc. O McDonald’s ou o Habib’s
precisam de pessoas altamente comprometidas com seu trabalho; ao mesmo tempo,
não oferecem um horizonte profissional extenso. O comprometimento é obtido
através da agregação de valor para a pessoa. Ela entra na empresa com um valor
de mercado “x” e um a dois anos depois em condições de concorrer no mercado de
trabalho para posições com valor de “x + y”, em que “y” é o diferencial agregado
durante o seu período de permanência na organização.
Nos exemplos mencionados, o perfil para captação são pessoas jovens, com bom
potencial de desenvolvimento e aprendizagem e ambiciosas em relação ao futuro
profissional. A clareza da trajetória traz maior objetividade à captação e melhores
condições de conciliar as expectativas da empresa e das pessoas. Outro exemplo é
a carreira de profissionais de tecnologia de informação em bancos ou indústrias de
bens de consumo. Nessas empresas, o espectro de complexidade na trajetória de
geração de tecnologia é limitado; espera-se que o profissional, em menos de cinco
anos passe a ser um gestor de tecnologia e não mais um gerador de tecnologia.
Apesar dessa expectativa, não há preocupação em captar pessoas com inclinação
para a gestão de tecnologia ao longo de sua trajetória. São inúmeros os exemplos
como esse, em que se busca um perfil para atender às demandas de determinado
cargo e não de uma trajetória.
O foco na trajetória é o aspecto mais marcante da diferença entre a abordagem
tradicional e a abordagem por competência na movimentação de pessoas. Para
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reforçar o argumento, vamos analisar outro aspecto crítico nessa movimentação: é o
desligamento, cada vez mais relacionado à responsabilidade de a empresa garantir
à pessoa desligada a recolocação no mercado de trabalho. A recolocação é o
movimento mais característico da modernidade da gestão de pessoas. Maior
mobilidade no mercado, longevidade profissional e encurtamento das carreiras
aumentando a preocupação das pessoas com a recolocação no mercado. A
pressuposição é que nos próximos anos a recolocação seja tão natural nas
empresas quanto a captação. A hipótese é reforçada pela necessidade de a
empresa moderna desenvolver continuamente as pessoas e, em muitos casos, não
ter capacidade para absorver todas. Cabe-lhe, pois, patrocinar a dispensa das
pessoas por ela desenvolvidas.
A rotatividade das pessoas torna-se cada vez mais complexa e custosa, e a
empresa moderna não encontra nos referenciais tradicionais os parâmetros e
instrumentos necessários para adequar-se a esse contexto.
Desenvolvimento de pessoas
Processos que objetivam estimular e criar condições para o desenvolvimento das
pessoas e da organização são mais sensíveis à abordagem por competência.
Primeiramente, pela possibilidade de definir o desenvolvimento profissional da
pessoa como capacidade para assumir atribuições e responsabilidades em
níveis crescentes de complexidade. Esse consenso sobre desenvolvimento
permite os desdobramentos seguintes:
• Mensuração do desenvolvimento – mensurar níveis de complexidade permite
medir o nível de desenvolvimento da pessoa;
• Perenidade e comparabilidade dos padrões – como o objeto da mensuração
não é o trabalho da pessoa e sim a complexidade dele, tem-se um padrão
estável no tempo. Além disso, há condições de comparar diferentes tipos de
trabalho e trabalhos em diferentes contextos;
• Desenvolvimento como patrimônio da pessoa – a pessoa que aprende a atuar
em determinado nível de complexidade não regride para níveis menores. Ao
contrário, quando ela tem de trabalhar em níveis de menor complexidade,
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sente-se frustrada e não desafiada (STAMP, 1993). O desenvolvimento é um
patrimônio que a pessoa levará consigo para onde for.
O conceito do desenvolvimento atrelado à complexidade é insuficiente para construir
os instrumentos de sua gestão. Para dar direção e foco ao desenvolvimento, é
preciso agregar os conceitos de competência e carreira - como capacidade para
assumir atribuições e responsabilidades em níveis crescentes de complexidade. O
segundo ponto a destacar é a possibilidade de atrelar os conceitos de competência,
complexidade e espaço ocupacional à ideia de trajetória de carreira, como vimos no
capítulo 3.
O terceiro ponto que reforça o uso da abordagem por competência no
desenvolvimento das pessoas é a possibilidade de criar as bases para a conciliação
de expectativas entre as pessoas e a organização. O fato de a pessoa não ser
olhada em função do cargo que ocupa, e sim de sua trajetória, possibilita uma
relação com a perspectiva de longo prazo. Ou seja, a pessoa consegue vislumbrar
um horizonte mais amplo do que o cargo que ocupa na sua relação com a
organização, ao mesmo tempo em que o horizonte fica mais claro tanto para a
pessoa quanto para a organização. Como consequência, é possível estabelecer com
nitidez o papel da pessoa na gestão de seu desenvolvimento e de sua carreira e o
papel da organização no suporte ao desenvolvimento da pessoa.
O quarto ponto que consagra o uso da abordagem por competência é a
possibilidade de construir um sistema de gestão do desenvolvimento com os
seguintes desdobramentos:
• Análise das pessoas a partir de sua individualidade – elas deixam de ser
avaliadas em função do cargo que ocupam ou de um perfil (moldura) no qual
devem ser enquadradas e passam a ser observadas a partir de sua entrega.
Quando a pessoa não consegue entregar o que é esperado dela, é possível
determinar o quanto o fato foi motivado por problemas que a organização
precisa sanar e o quanto decorreu de deficiências individuais;
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• Análise das deficiências individuais – observar a capacidade de entrega da
pessoa permite detectar o porquê da não – entrega: deficiências no nível de
informação, conhecimento ou habilidades: problemas comportamentais;
problemas de orientação do desenvolvimento; falta de formação básica etc. É
possível estabelecer com a pessoa um plano de ação para o seu
desenvolvimento e aferir se ele foi ou não efetivo;
• Análise da efetividade das ações de desenvolvimento – ao estabelecer com a
pessoa um plano de ação de desenvolvimento, temos sua cumplicidade e a
de sua chefia em relação ao plano. A cumplicidade aumenta as chances de
sucesso, o qual pode ser medido pelas mudanças, ou falta delas na entrega
da pessoa após as ações de desenvolvimento. Assim, é possível medir a
efetividade das ações de desenvolvimento;
• Adequação das ações de desenvolvimento – do mesmo modo que se deve
respeitar a individualidade e a singularidade das pessoas, deve-se pensar no
seu desenvolvimento. Pessoas se desenvolvem usando de forma cada vez
mais elaborada e sofisticada seus pontos fortes. Ações de desenvolvimento
devem, portanto, centrar-se nos pontos fortes das pessoas.
O quinto ponto a ser explorado é o processo sucessório. Na empresa moderna, as
arquiteturas organizacionais e estruturas decorrentes modificam-se com cada vez
maior velocidade. É impossível prever exatamente as necessidades da empresa no
futuro, mas é possível saber com certeza que ela necessitará de pessoas que lidem
com níveis crescentes de complexidade, por isso é fundamental preparar todas as
pessoas para lidar com níveis crescentes de complexidade é adequá-las ao futuro
da empresa e mercado de trabalho.
Pessoas preparadas para enfrentar maiores desafios devem ser consideradas nos
processos sucessórios. Caso a empresa tenha mais pessoas com esse perfil do que
pode aproveitar deve pensar em exportá-las, ou seja, incentiva-las a buscar se
desenvolvimento no mercado, já que a empresa não consegue oferecer, a curto
prazo, condições concretas de crescimento profissional. Assim procedendo, a
empresa sinaliza sua preocupação com o aprimoramento constante das pessoas,
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mesmo que fora de seus quadros organizacionais. Ao fazê-lo, a empresa cria
espaço para outras pessoas que estão iniciando seu processo de desenvolvimento.
Ao levantar essas questões, muitos perguntam se é aceitável e justo a empresa
preparar pessoas para o mercado, isto é, entregar para concorrentes pessoas
preparadas por ela. Comparemos duas empresas de mesmo porte, que atuem em
um mesmo segmento, no qual não há perspectivas de crescimento a curto prazo.
Uma não investe no desenvolvimento das pessoas porque não necessita, embora
cultive um clima de trabalho muito bom; a outra investe no desenvolvimento das
pessoas, tem um custo adicional em relação à primeira e está arriscada a perder
pessoas preparadas para o mercado. Se houver, no entanto, qualquer turbulência no
mercado ou um rápido crescimento da demanda, a segunda estará mais bem
aparelhada para dar respostas. Se as empresas tiverem de reduzir seus quadros, as
pessoas da primeira terão menor competitividade profissional no mercado que as da
segunda. Por sua vez, esta última terá melhores condições de mobilizar seu quadro
do que a primeira. Em suma, a empresa que está continuamente investindo no
desenvolvimento das pessoas está também em contínuo processo de
desenvolvimento e tem melhores condições de se adaptar às exigências do
ambiente em que se insere.
O sexto ponto é a orientação dada às ações de desenvolvimento das pessoas com o
objetivo de aprimorar sua entrega ou ampliar a complexidade das suas atribuições e
responsabilidades. Em função de sua natureza, as ações podem ser divididas em
duas categorias:
• Ações de desenvolvimento formais – Estruturadas através de conteúdos
programáticos específicos, envolvem metodologias didáticas, instrutores ou
orientadores, material bibliográfico e uma agenda de trabalhos ou aulas.
Exemplos: cursos, ciclo de palestras, seminários, programa de cultura
compartilhada e orientação.
• Ações de desenvolvimento não formais – Estruturadas através de
atuações no próprio trabalho ou de situações ligadas à atuação do
profissional. Podem ser concebidas de diferentes formas, mas, sempre
envolvem o profissional a ser desenvolvido. Exemplos: coordenação ou
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participação em projetos interdepartamentais ou interinstitucionais, trabalhos
filantrópicos, visitas, estágios etc.
Quanto maior a complexidade das atribuições e responsabilidades, maior deve ser o
percentual das ações de desenvolvimento não formais. A explicação está no fato de
que a complexidade demanda mais o uso diversificado do repertório de
conhecimentos e experiências das pessoas e menos o uso de novos repertórios.
Profissionais que atuam em níveis de maior complexidade tendem a concentrar seu
desenvolvimento em novas formas de articular seu repertório com o contexto no qual
se inserem. As ações de desenvolvimento devem, portanto, estimular o uso
diferenciado do patrimônio de conhecimento que o profissional já possui. Em
contrapartida, profissionais que atuam em níveis de menor complexidade são
incentivados a ampliar o repertório de conhecimentos e experiências para seu
desenvolvimento.
A figura 4.1 sintetiza o fluxo para a construção do plano de ação.
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Fonte: Dutra (2002:154).
Ações de desenvolvimento devem ser definidas a partir das necessidades de cada
pessoa em particular e a partir da premissa de ajudar a pessoa a mobilizar seus
pontos fortes para desenvolver-se. Para ilustrar esse processo, vamos relatar a
experiência vivida por uma empresa de serviços. Tínhamos um gestor de conta que
era muito bem quisto por todas as pessoas, inclusive pelos clientes, pelo seu jeito de
ser: sempre de bem com a vida e transmitindo muita alegria de viver. A mesmo
tempo, porém, tinha, dificuldade para entregar o que satisfazia a necessidade dos
clientes. Estes reportavam sua insatisfação com muito pesar, pois gostavam do
relacionamento com seu gerente de conta. Ao analisarmos o problema, constatamos
que esse gestor tinha grande dificuldade de estabelecer empatia com as
necessidades de seus clientes, situação que era encoberta pelo seu jeito de ser. Em
conversa com o gestor, conseguimos que ele visualizasse o problema e
estabelecemos em conjunto uma forma de tentar desenvolver nele essa
competência, mobilizando seu ponto forte: o inter-relacionamento. Recomendamos
que ele se juntasse a uma organização filantrópica para auxiliar a comunidade
carente da cidade onde morava. Ao fazê-lo, o gestor se encontrou e passou a extrair
grande satisfação da nova atividade. Para executar suas atividades na instituição
filantrópica, ele precisava estabelecer comunicação com uma estrutura de valores
completamente diferente da sua e, com esse intuito, desenvolver empatia com os
valores da comunidade carente. Ao colocar-se na situação vivida pela comunidade e
compreender a forma de pensar das pessoas que a constituíam, o gestor conseguiu
também estabelecer empatia com as necessidades de seus clientes.
O exemplo mostra que é possível ajudar as pessoas a se desenvolverem partir de si
mesmas. Com isso, valorizamos as pessoas como elas são, preservamos sua
individualidade e criamos maior comprometimento delas com o próprio
desenvolvimento.
Finalmente, o último ponto que reforça o uso da abordagem por competência: a
forma de avaliar as pessoas na organização. A avaliação por sua característica
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articuladora da gestão de pessoas e por seu caráter ritualístico será trabalhada no
próximo capítulo.
O uso da abordagem por competência na gestão do desenvolvimento das pessoas
agrega alto grau de precisão e qualidade. Não por acaso, portanto, as organizações
vêm migrando para essa abordagem com muita velocidade. Essa migração, aliás,
nos parece inexorável, em função da inadequação da abordagem tradicional para
trabalhar a questão do desenvolvimento de pessoas na empresa moderna.
Valorização das pessoas
A valorização das pessoas é mediada pelas recompensas por elas recebidas como
contrapartida de seu trabalho para a organização. Essas recompensas podem ser
entendidas como o atendimento às expectativas e necessidades das pessoas:
econômicas, de crescimento pessoal, segurança, projeção social, reconhecimento,
possibilidade de expressar-se através do trabalho etc.
A questão fundamental na recompensa é como ela deve ser distribuída entre as
pessoas que trabalham para a empresa. Quais devem ser os critérios da
organização para diferenciar, por meio das recompensas oferecidas, as pessoas
com as quais mantém relações de trabalho? Normalmente, os critérios utilizados têm
como referência o mercado de trabalho e os padrões internos de equidade. As
referências do mercado de trabalho são obtidas por informações oriundas de
pesquisas específicas ou de contatos com o mercado, como processos de
recrutamento e seleção, perda de pessoas para o mercado, contratação de serviços
etc. As informações do mercado ajudam a empresa a posicionar-se de forma a
manter uma relação competitiva, ou seja, aplicar critérios de recompensa que
permitam atrair e reter pessoas. Entretanto, o mercado é instável, oscila ao sabor
das relações de oferta e demanda, e o posicionamento da empresa a partir
unicamente do mercado é insuficiente. Muitas empresas insistem em manter critérios
de recompensa unicamente com base no mercado, mas, pelo fato de essa atitude
gerar nas pessoas um grande sentimento de injustiça, é difícil mantê-la ao longo do
tempo.
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Padrões internos de equidade tornam-se, portanto, fundamentais para estabelecer
critérios de recompensa perenes e que criem para as pessoas um ambiente de
segurança e justiça. A utilização de padrões de diferenciação considerados pelas
pessoas como justos e a consistência desses padrões com a realidade vivida pela
organização e pelas pessoas são fundamentais para sustentar uma relação de
compromisso com a empresa e com o trabalho a ser executado. A sensação de
injustiça é mais danosa que a inadequação da recompensa em relação ao mercado.
Por isso, como critério para as recompensas, as empresas tendem a privilegiar os
padrões internos de equidade em detrimento dos padrões externos. Levando em
conta esse fato, daremos prioridade ao tratamento dos padrões internos de
equidade.
A organização tem várias formas de concretizar a recompensa por uma contribuição
da pessoa reconhecimento formal através de um elogio, de uma carta ou de um
prêmio até um aumento salarial ou uma promoção para posições organizacionais
com desafios maiores. A questão - chave no processo de valorização está nos
critérios a serem utilizados para tanto. Eles devem ser coerentes entre si e
consistentes no tempo; caso contrário, corre-se o risco de reconhecer duas pessoas
de formas diferentes ou em intensidades diferentes por contribuições semelhantes.
Os padrões de equidade são fundamentais para garantir o tratamento justo da
contribuição da pessoa para a organização e também para estimular as pessoas a
ampliarem sua contribuição, na medida em que conseguem visualizar padrões de
resposta da empresa para as diferentes contribuições. A forma de concretizar as
recompensas deve estimular respostas das pessoas para a empresa. No passado,
as pessoas eram estimuladas a adotar uma postura de submissão às determinações
da empresa e de muito esforço para atingirem as metas que lhes eram impostas.
Atualmente, a expectativa das empresas em relação às pessoas é de uma postura
autônoma e empreendedora, em que pessoa tenha iniciativa para antecipar e
solucionar problemas, e esteja preparada para o amanhã. Nesse cenário, o
desenvolvimento contínuo da pessoa é fundamental para sustentar o
desenvolvimento da organização. Não é por acaso, portanto, que as recompensas
mais nobres vêm sendo carreadas para estimular e valorizar o desenvolvimento da
pessoa.
98
O desenvolvimento da pessoa é normalmente recompensado por estar vinculado à
sua maior capacidade agregar valor para a empresa. Essa recompensa pode ser
realizada através de aumento da remuneração, quer na forma de um salário maior,
quer na diferenciação de benefícios ou serviços oferecidos pela empresa, ou através
de acesso a programas de capacitação ou a linhas de subsídio para formação
profissional ou pessoal.
A grande dificuldade para estabelecer os padrões internos de eqüidade está em
determinar critérios de diferenciação que sejam a um só tempo:
• Capazes de traduzir a contribuição de cada pessoa para a organização;
• Aceitos por todos como justos e adequados;
• Mensuráveis pela organização e pela própria pessoa;
• Coerentes e consistentes no tempo, ou seja, tenham perenidade mesmo
em ambiente turbulento e instável;
• Simples e transparentes para que todas as pessoas possam compreendê-
los e a eles ter acesso.
Na realidade organizacional, a tendência é para considerar como justos e
adequados critérios de diferenciação que apontem o nível de agregação de valor da
pessoa para a empresa. Nesse sentido, os conceitos de complexidade auxiliam no
estabelecimento de critérios de mensuração entendidos pelas pessoas e pela
organização como legítimos para diferenciar a contribuição das pessoas. As
organizações tendem ao uso da abordagem por competência para valorizar as
pessoas. Ao contrário dos processos de desenvolvimento, nos quais o uso dessa
abordagem está mais amadurecido, nos processos de valorização ele ainda é
tímido. No Brasil, são poucas as empresas que utilizam a abordagem baseada em
competências para trabalhar a questão da valorização.
Aspecto importante na discussão sobre critérios para valorização das pessoas no
Brasil é o contraponto entre competências e habilidades. Definimos habilidade como
o saber - fazer necessário para à execução de determinado conjunto de atribuições
e responsabilidades dentro da organização, ou seja, o saber - fazer necessário para
corresponder às exigências estabelecidas por determinado espaço ocupacional
99
dentro da empresa. Um autor importante nesse tema é Edward Lawler (1990, 1992 e
1996), que exerceu muita influência sobre os profissionais de remuneração que
buscavam alternativas para os modelos tradicionais de valorização. No final dos
anos 80, Lawler discutia ideia de centrar a avaliação não mais no cargo, mas na
própria pessoa. Ele propunha então que a diferenciação tivesse como ponto central
as habilidades das pessoas (skill-based), e algumas empresas experimentaram suas
propostas. A definição estabelecida por Lawler para skill era uma mistura do saber -
fazer e das competências. O autor inspirava-se na escola de McClelland (1973) e
Spencer (1993) para a definição de competências, ao mesmo tempo, procurava
elementos para a mensuração das habilidades no estabelecimento de padrões
remuneratórios. A principal crítica às proposições de Lawler e de seus seguidores foi
a não consideração da complexidade como um elemento de diferenciação.
No Brasil, as experiências mais consolidadas foram efetuadas em empresas do
setor petroquímico, e são relatadas pela literatura brasileira (PICARELLI et al.,
1995). As experiências no Brasil apresentaram algumas limitações, assim como as
experiências acompanhadas por Lawler nos Estados Unidos (1996), e podem ser
sintetizadas nos seguintes pontos:
• Perenidade dos parâmetros de avaliação – quando as habilidades
são estabelecidas como elemento de valorização, surgem questões
ligadas à valorização dessas habilidades, a permanência de uma
habilidade como elemento de diferenciação no tempo e o grau de
homogeneidade das habilidades para comparação entre diferentes
posições dentro da empresa e da empresa com o mercado. Ao
tentarmos responder a essas questões, verificamos que os critérios se
mostram extremamente frágeis;
• Abrangência dos critérios – a quem aplicar esses critérios? As
experiências no Brasil e os relatos de Lawler demonstram que
habilidades são válidas apenas para posições operacionais. São de
difícil aplicação às posições não operacionais. Como as posições
operacionais tendem a ser cada vez menos comuns em empresas
complexas, essa abordagem mostra-se cada vez menos adequada;
• Confiabilidade dos parâmetros – as habilidades revelam-se por si
sós pouco confiáveis. As empresas que as adotaram como referencial
100
para a remuneração foram constatando que, ao diferenciar as pessoas
em função do número de habilidades dominadas, foram sendo
pressionadas a oferecer oportunidade para a capacitação das pessoas
e, ao mesmo tempo, gerando grande pressão sobre a massa salarial.
Paulatinamente, essas empresas abandonaram esse critério e foram
incorporando os referenciais de complexidade.
Nos Quadros 4.2 e 4.3, procuramos firmar uma relação entre competência e
habilidade. No Quadro 4.2, montamos um quadro comparativo entre os dois
conceitos. Enquanto a competência significa um patamar de agregação de valor por
parte da pessoa para a organização e para o meio, a habilidade se caracteriza pela
capacidade de a pessoa exercer tarefas, atividades ou funções. No Quadro 4.3,
procuramos estabelecer as condições em que uma habilidade se iguala a uma
competência, ou seja, em que ambas retratam a capacidade da pessoa para atuar
em um patamar diferente de complexidade. Essa distinção é importante porque
encontramos há grande confusão nas empresas brasileiras em relação à temática,
sendo aspecto de abordagem obrigatória em todas as palestras e aulas sobre o
assunto.
Quadro 4.2 – Comparativo entre competência e habilidade
101
Fonte: Material desenvolvido pelo autor
Quadro 4.3 – Diferenças e igualdades entre competências e habilidades
102
Fonte: Material desenvolvido pelo autor
Na prática, as experiências bem-sucedidas foram aquelas que, embora utilizando as
habilidades das pessoas como referência, buscaram estabelecer diferenciais com
base na complexidade, e revestiram as habilidades do conceito de entrega,
complexidade e espaço ocupacional, que apresentamos aqui. Da mesma forma que
em relação aos processos de desenvolvimento, cremos que a valorização das
pessoas na empresa moderna caminhe de forma inexorável para o uso da
abordagem por competência. Não percebemos, aliás qualquer movimento teórico
conceitual que consiga resposta melhor que a métrica da complexidade para
mensurar a agregação de valor da pessoa à organização ou ao meio em que se
insere.
Definição de faixas salariais com base em competência e complexidade
Como vimos no capitulo 3 o conceito de trajetória de carreira permite relacionar os
degraus da carreira, ou seus diferentes patamares de complexidade, com a
103
remuneração das pessoas. Pode-se associar uma faixa salarial para cada degrau de
complexidade. Desse modo, independentemente de como a empresa organize a
questão da remuneração, há uma regra subjacente: na medida em que a pessoa se
desenvolve, aumenta sua agregação de valor e passa a valer mais para a empresa
e para o mercado.
A remuneração obedece à lógica da agregação de valor da pessoa, embora os
sistemas formais da empresa estejam baseados em cargos e, por decorrência, nas
tarefas, atividades ou funções executadas por pessoas. O problema dessa
abordagem é que utilizar o cargo como referência é apoiar-se em uma base
movediça, pois o cargo não continua igual no tempo, ou seja, as tarefas e as
responsabilidades das pessoas estão em constante alteração. É necessário um
padrão estável no tempo. Esse padrão é a complexidade das entregas esperadas da
pessoa. Mesmo que essas entregas mudem no tempo, o que importa é o grau de
sua complexidade. O grau é estável no tempo e pode ser transformado em uma
base métrica sólida.
Para determinar uma estrutura salarial com base em complexidade podem-se adotar
os seguintes passos:
• Estabelecer os principais eixos de carreira da empresa e definir as
competências a serem entregues em cada eixo de carreira conforme vimos no
capítulo 3
• Estabelecer os degraus de complexidade de cada competência dentro do
mesmo eixo de carreira. Para cada eixo de carreira, é importante verificar
quantos graus de complexidade existem e que podem ser claramente
identificados. Os graus de complexidade correspondem a níveis de agregação de
valor da pessoa para a empresa e, portanto, correspondem a diferentes
patamares salariais;
• Construção das faixas salariais para cada degrau de complexidade. Dentro de
cada eixo de carreira, pode-se estabelecer uma relação entre os salários da
empresa ou do mercado e os graus de complexidade;
104
• Enquadramento das pessoas nos diferentes graus de complexidade. Estes
devem ser equivalentes a cada uma das diferentes competências, ou seja, o
primeiro grau de complexidade da competência “a” deve equivaler ao primeiro
grau de complexidade da competência “b”. Por que isso é importante? Porque
uma pessoa pode ser enquadrada na faixa salarial utilizando-se apenas uma
competência, já que ela retrata toda a escala de complexidade do eixo de
carreira. Ao realizarmos o enquadramento da pessoa em todas as competências,
repetimos várias vezes o enquadramento, aumentando a confiabilidade do
processo. Verificamos que, com cinco competências, eliminamos o viés de
enquadramento. Em geral, recomendamos que as empresas utilizem sete
competências para total confiabilidade.
Para exemplificar esse processo vamos utilizar o caso a seguir. Ele se refere a
trajetória gerencial de uma determinada organização industrial, no qual G 1 e G 2
são posições de gerência operacional; G 3 e G 4, posições de gerência tática; e G
5, posição de gerência estratégica.
Na Figura 4.2, vamos mostrar o conjunto de competências utilizado para distinguir
a trajetória de carreira gerencial. Para cada competência, foram atribuídos cinco
graus de complexidade. O grau de complexidade estabelecido para o G 1, na
competência Atuação em Equipe é equivalente ao estabelecido para as demais
cinco competências para o G 1. Se determinado gerente é classificado como G 1
na competência Atuação em Equipe, provavelmente será classificado como G 1
nas demais.
Por que isso ocorre? Porque, como vimos, o grau de complexidade está ligado ao
nível de abstração que a pessoa obtém para realizar seu trabalho. É muito
provável que um gerente operacional em início de carreira consiga entregar a
complexidade inicial em todas as competências. Se o gerente avaliado estiver
enquadrado no nível G 1 em algumas competências e no G 2 em outras, isso é
sinal de que o mesmo se encontra em processo de desenvolvimento rumo ao
segundo nível de complexidade da carreira.
105
Fonte: material desenvolvido pelo autor
O exemplo apresentado na figura 4.2 demonstra que a remuneração não está
atrelada à competência, e sim à complexidade. A articulação entre os conceitos de
competência, complexidade e espaço ocupacional permite visão ampla e integrada
da gestão de pessoas.
Conclusões
Um sistema de gestão de pessoas integrado e estratégico favorece maior sinergia
entre suas partes. Desse modo, os vários processos de gestão do sistema reforçam-
se mutuamente e garantem ao sistema maior efetividade, coerência e consistência.
Ao mesmo tempo, se o sistema de gestão de pessoas está articulado com as
estratégias organizacionais e com as expectativas das pessoas, ele ganha
legitimidade e credibilidade por agregar valor tanto para a organização como um
todo quanto para as pessoas que com ela mantêm relação de trabalho.
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A forma de articular o sistema de gestão de pessoas tornou-se essencial para o seu
aprimoramento contínuo. Verificamos que as organizações têm conseguido obter
esse resultado através do aprimoramento dos rituais de diálogo entre gestores sobre
os membros de suas equipes e entre de diálogo dos gestores com os membros de
sua equipe. Esse será o objeto do próximo capítulo.