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80 CAPÍTULO 4 Proposta de um modelo de gestão de pessoas estratégico e integrado Introdução Um modelo de gestão deve abranger um conjunto de conceitos e referenciais que ofereçam, a um só tempo, condições de compreender a realidade organizacional e instrumentos para agir sobre ela, aprimorando-a. Segundo Fischer (2002:12), “o modelo de gestão de pessoas é a maneira pela qual a empresa se organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho”. Para Fischer (2002:17) compõem o modelo de gestão princípios, orientações de valor e crenças básicas, políticas, diretrizes de ação, que traduzem compromissos da organização com objetivos de médio e longo prazos para gestão de pessoas e processos; e cursos de ação previamente determinados e operacionalizados por ferramentas de gestão. Neste capítulo, nos ocuparemos mais detalhadamente dos processos de gestão de pessoas dentro de um modelo caracterizado por Fischer (2002:25) como sendo “articulado por competências”. Inicialmente, vamos fazer a distinção entre processo de gestão e práticas de gestão. Processo é um termo emprestado da Biologia e pode significar a transição ou uma série de transições de uma condição para outra. Adaptado para a Sociologia, agrega a ideia de interação entre elementos diferentes associada à ideia de movimento, mudança e fluxo. Esses processos podem repetir- se dentro de padrões, sendo passíveis de interferência para induzi-los, aprimorá-los, inibi-los etc. Processos de gestão são interações de partes com um objetivo e dentro de parâmetros previamente definidos. As práticas de gestão são conjuntos de procedimentos, métodos e técnicas utilizados para a implementação de decisões e para nortear as ações no âmbito da organização e em sua relação com o ambiente externo. Muitos autores misturam processos e práticas ao estabelecer categorias de processos. Podemos criar várias classificações para os processos de gestão de pessoas. Quanto aos seus objetivos e parâmetros, podemos classificá-los, em função de sua natureza, em: Movimentação; Desenvolvimento;

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CAPÍTULO 4

Proposta de um modelo de gestão de pessoas estratégico e

integrado

Introdução

Um modelo de gestão deve abranger um conjunto de conceitos e referenciais que

ofereçam, a um só tempo, condições de compreender a realidade organizacional e

instrumentos para agir sobre ela, aprimorando-a. Segundo Fischer (2002:12), “o

modelo de gestão de pessoas é a maneira pela qual a empresa se organiza para

gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho”. Para Fischer (2002:17)

compõem o modelo de gestão princípios, orientações de valor e crenças básicas,

políticas, diretrizes de ação, que traduzem compromissos da organização com

objetivos de médio e longo prazos para gestão de pessoas e processos; e cursos de

ação previamente determinados e operacionalizados por ferramentas de gestão.

Neste capítulo, nos ocuparemos mais detalhadamente dos processos de gestão de

pessoas dentro de um modelo caracterizado por Fischer (2002:25) como sendo

“articulado por competências”. Inicialmente, vamos fazer a distinção entre processo

de gestão e práticas de gestão. Processo é um termo emprestado da Biologia e

pode significar a transição ou uma série de transições de uma condição para outra.

Adaptado para a Sociologia, agrega a ideia de interação entre elementos diferentes

associada à ideia de movimento, mudança e fluxo. Esses processos podem repetir-

se dentro de padrões, sendo passíveis de interferência para induzi-los, aprimorá-los,

inibi-los etc. Processos de gestão são interações de partes com um objetivo e dentro

de parâmetros previamente definidos. As práticas de gestão são conjuntos de

procedimentos, métodos e técnicas utilizados para a implementação de decisões e

para nortear as ações no âmbito da organização e em sua relação com o ambiente

externo. Muitos autores misturam processos e práticas ao estabelecer categorias de

processos. Podemos criar várias classificações para os processos de gestão de

pessoas. Quanto aos seus objetivos e parâmetros, podemos classificá-los, em

função de sua natureza, em:

• Movimentação;

• Desenvolvimento;

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• Valorização.

Os processos classificados na categoria de movimentação têm como objetivos

básicos oferecer suporte a toda ação de movimento da pessoa que estabelece uma

relação com a empresa, independentemente de seu vínculo empregatício. Essa

categoria compreende as seguintes práticas:

• Captação;

• Internalização;

• Transferências;

• Promoções;

• Expatriação;

• Recolocação.

Desenvolvimento é uma categoria que congrega processos com o objetivo de

estimular e criar condições para o desenvolvimento das pessoas e da organização.

As práticas agrupadas nessa categoria são:

• Capacitação;

• Carreira;

• Desempenho.

Na categoria de valorização, estão os processos que objetivam estabelecer

parâmetros e procedimentos para distinção e valorização das pessoas que

estabelecem alguma relação com a empresa. São compreendidas nessa categoria

as práticas de:

• Remuneração;

• Premiação;

• Serviços e facilidades.

A gestão de pessoas pela organização não está totalmente abrangida pelos

processos de gestão. Há processos que não se ligam unicamente à gestão de

pessoas, mas que são fundamentais para que ela possa ser efetiva ou que tendem a

influenciá-la fortemente. Esses processos, tratados neste trabalho como de apoio à

gestão de pessoas, são:

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• Informação;

• Comunicação;

• Relações sindicais;

• Relações com a comunidade.

Os processos de informação compreendem todo o fluxo de informação, estruturado

ou não, entre a empresa e as pessoas e vice-versa.

Os processos de comunicação englobam os canais e veículos de comunicação entre

empresa e pessoas, entre as pessoas que mantêm relação de trabalho com a

empresa e entre pessoas, empresa e comunidade.

As relações sindicais são processos que tratam da relação entre empresa, pessoas

e sindicatos representativos dos trabalhadores. Muitos autores consideram esses

processos como sendo de gestão de pessoas. Nossa experiência tem demonstrado

que as questões ligadas às relações entre empresa, trabalhadores e sindicatos têm

natureza mais administrativo-financeira e legal, como acordos, condições de

trabalho, relações de emprego, organização do trabalho, arranjo físico do local e

facilidades para o trabalho etc. As questões ligadas mais diretamente à gestão de

pessoas está inserida nas categorias de movimentação, desenvolvimento e

valorização.

As relações com a comunidade compreendem o conjunto de políticas práticas que

balizam as relações entre empresa, pessoas e comunidade. Nesses processos,

estão incluídas as ações ligadas à responsabilidade social da organização.

Além dos processos de apoio, existe um conjunto de compromissos estabelecidos

entre a empresa e as pessoas, que é materializado em políticas e práticas. Esse

conjunto de compromissos será tratado neste trabalho como as bases estruturais da

gestão de pessoas. Nele estão agrupados compromissos vinculados ao contrato

psicológico estabelecido entre as pessoas e a empresa, ao clima, às dinâmicas

interpessoais e às dinâmicas intergrupais. O conjunto engloba também os

compromissos ligados à preservação da pessoa em termos biopsicossociais, ou

seja, sua integridade, e os compromissos ligados à qualidade de vida no trabalho e à

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participação das pessoas nas decisões que podem afetar sua relação com a

organização ou com seu trabalho.

Essas distinções são importantes porque muitos autores confundem o papel da área

funcional de gestão de pessoas e a gestão de pessoas em si. Ao pensarmos na área

funcional, vamos encontrar diferentes arranjos organizacionais, nos quais as áreas

funcionais têm papéis diferentes, incluindo muitas vezes várias atividades e

responsabilidades de natureza administrativa. Nosso foco neste trabalho são os

processos que caracterizam a gestão de pessoas pela organização. Nesse sentido,

a área funcional de gestão de pessoas é apenas um dos agentes nesses processos;

os demais são: os gestores, responsáveis pela articulação cotidiana entre a empresa

e as pessoas e vice-versa; as pessoas que mantêm relação de trabalho com a

organização, responsáveis pela gestão de seu desenvolvimento e carreira e pela

negociação contínua das bases de sua relação com a organização; os dirigentes,

responsáveis por estabelecer as políticas e definir os processos de gestão de

pessoas pela organização; e a área funcional de gestão de pessoas, responsável

pela articulação entre os processos de gestão entre si, sua articulação com a

estratégia da organização e sua articulação com as expectativas e necessidades

das pessoas.

Este trabalho tem como foco, portanto os processos de gestão de pessoas:

movimentação, desenvolvimento e valorização, articulado por competências.

Outro aspecto a enfatizar neste capítulo é o conjunto de expectativas dos gestores

em relação a um modelo de gestão de pessoas. A atenção a essas expectativas

advém de nossa experiência nos processos de intervenção nas organizações. Os

gestores são os principais elos de ligação entre as pessoas e a organização, sem

esquecer que eles são também pessoas geridas pela organização, atuando como

agentes e pacientes desses processos. Em nossos trabalhos de intervenção,

levantamos as seguintes expectativas em relação a um modelo de gestão de

pessoas:

• Permitir ao gestor mapear as alternativas decisórias sobre as pessoas

e os riscos de cada alternativa para a empresa, para a pessoa, para a

equipe e para o próprio gestor;

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• Permitir ao gestor avaliar os desdobramentos da decisão tomada;

• Garantir um processo contínuo de aprendizado quanto à gestão de

pessoas.

O último aspecto será explorado com maior ênfase neste capítulo. O aprendizado do

gestor em termos de gestão de pessoas vem da prática compartilhada, dos erros e

acertos, de sua interação com a equipe e da interação entre os gestores e as

pessoas com a organização com a qual mantêm relação de trabalho.

Finalmente, procuraremos trabalhar abordagens metodológicas para concepção e

implementação de sistemas de gestão de pessoas por competência. A questão é da

maior relevância, quando se considera que o que garante a efetividade de uma

proposta que implica a alteração de padrões culturais e políticos da organização é o

processo construído para concepção e implementação do sistema. O processo deve

permitir a construção coletiva do sistema para que o mesmo possa traduzir o

conjunto de expectativas dos dirigentes, gestores e pessoas que mantêm uma

relação de trabalho com a organização. Nesse sentido, o processo é mais

importante do que o produto.

Emergência de um modelo de gestão de pessoas articulado por competências

Por que necessitamos de um modelo articulado por competências? Segundo Fischer

(2002:29), porque enfrentamos um ambiente mais competitivo, em que os modelos

anteriores não oferecem respostas adequadas. Ao olharmos mais atentamente as

organizações, observamos que não há compromissos com uma corrente de modelo

de gestão (FISCHER, 2002:19); elas simplesmente reagem às pressões. Os

trabalhos de intervenção em diversas organizações mostram que o fato de reagir às

pressões desnorteia as organizações. Elas não percebem que, ao reagir

implementam práticas ancoradas em premissas conceituais diferentes e muitas

vezes conflitantes. É comum verificar práticas de capacitação com premissas em

total conflito com as práticas de remuneração. Ou práticas de remuneração fixa que

estimulam comportamentos conflitantes com os comportamentos incentivados pela

remuneração variável. Poderíamos, enfim, enumerar uma série de práticas

conflitantes dentro das organizações. De outro lado, os gestores não separam

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capacitação de remuneração ao trabalhar a relação das pessoas de sua equipe com

a organização. Trabalham a pessoa como um todo e pensam a gestão de pessoas

de forma integrada. Do mesmo modo, ao pensarem sua relação com a empresa, as

pessoas não o fazem de forma fragmentada: minha carreira, meu salário, meu

desenvolvimento; pensam também como um todo integrado. Temos aí mais um

conflito entre as expectativas dos gestores e o que é oferecido como modelo de

gestão. Percebemos que a ausência de uma linha conceitual clara, para orientar a

construção de processos de gestão impede que os princípios e as políticas de

gestão de pessoas estejam articulados e coerentes entre si, e muito menos com as

estratégias empresariais.

As características principais do modelo de gestão utilizado até aqui têm bases

formadas na administração científica, na qual as pessoas são vistas como

responsáveis por uma ou um conjunto de atividades ou funções. Essa visão das

pessoas tem sido responsável por distorções na análise e interpretação da realidade

organizacional, gerando instrumentos, processos e metodologias inadequados para

atuar sobre ela. Por que essas distorções ocorrem? Porque as bases em que se

assentam os conceitos e os instrumentos são movediças. Ou seja, a forma pela qual

as pessoas são referenciadas, analisadas, diferenciadas e reconhecidas tem bases

que são alteradas em função das pressões internas e externas recebidas pela

organização. A instabilidade dessas bases faz com que as pessoas tenham

dificuldade de se localizar na empresa, de avaliar com clareza suas perspectivas e

de estabelecer um projeto profissional alinhado com as expectativas e necessidades

da empresa. Por sua vez, a empresa tem dificuldade de deixar clara a sua

expectativa em relação às pessoas.

Essas distorções são agravadas quando a organização busca sistemas fechados de

gestão - os chamados pacotes, e quer implementá-los a todo custo. É como se

construíssemos um modelo e tentássemos colocar a realidade dentro dele. O

resultado é uma maior dificuldade para compreender a realidade e para alinhar as

expectativas da organização e das pessoas.

Como corrigir as distorções? Muitas empresas vêm obtendo sucesso em contorná-

las. A análise dessas experiências permitiu encontrar pontos comuns entre elas e

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estabelecer referenciais para estudar diferentes realidades organizacionais. Esses

referenciais constituem as bases conceituais com as quais trabalhamos até aqui e

que foram detalhadas na parte I – os conceitos de competência, de complexidade e

de espaço ocupacional. E empresas com uma base conceitual sólida têm melhores

condições de articular diferentes processos e práticas de forma coerente e

consistente entre si. Esse fato gera maior credibilidade e legitimidade da gestão de

pessoas junto aos gestores, pessoas e dirigentes. A base conceitual deve responder

a todas as questões colocadas pela empresa moderna e o que temos constatado até

aqui é que o uso desses conceitos tem permitido obter coerência e consistência

entre todos os processos e práticas de gestão de pessoas, como procuraremos

demonstrar a seguir.

Movimentação de pessoas

Processo que trata o movimento físico da pessoa na empresa ou no mercado de

trabalho. Ele ocorre quando a pessoa muda de local de trabalho, posição

profissional, empresa, mercado ou de vínculo empregatício. Os movimentos

ocasionados pelo desenvolvimento da pessoa ou da empresa serão abrangidos pelo

processo de desenvolvimento, tratado a seguir.

Da perspectiva da empresa, a movimentação está ligada a decisões como

planejamento de pessoas, atração de pessoas, socialização e aclimatação das

pessoas em seu trabalho, alocação ou realocação de pessoas, reposicionamento

das pessoas no mercado de trabalho etc. Da perspectiva da pessoa, a

movimentação diz respeito a decisões como inserção no mercado de trabalho,

melhor oportunidade de trabalho, localização geográfica do trabalho, retirada do

mercado de trabalho etc.

Aspecto crucial desse processo é a captação de pessoas, que pode ser

compreendida com toda e qualquer atividade da empresa para encontrar e

estabelecer uma relação de trabalho com pessoas capazes de atender às suas

necessidades presentes e futuras. A captação de pessoas pressupõe a consciência

da organização em relação às suas necessidades; somente dessa maneira é

possível saber quem procurar, onde procurar e que tipo de relação será estabelecida

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entre a pessoa e a empresa. A captação de pessoas adequadas às necessidades da

organização exige a concretização dos seguintes aspectos:

• Perfil profissional;

• Perfil comportamental esperado da pessoa;

• Entregas desejadas da pessoa, para atender às necessidades da

organização tanto presentes quanto futuras;

• Condições de trabalho;

• Condições de desenvolvimento profissional;

• Condições contratuais, definindo os vínculos empregatícios a serem

estabelecidos.

Nem sempre é possível determinar de antemão todos esses aspectos; alguns acabam

sendo definidos durante a captação de pessoas. Sua definição prévia, entretanto,

permite conduzir a captação com objetividade e construir entre pessoa e organização

as bases para um contrato psicológico. Nesse momento fica evidente a importância de

uma base conceitual. O primeiro aspecto a ser analisado é o conjunto de entregas

esperado da pessoa a ser captada. Esse conjunto de entregas pode caracterizar-se

pelas competências a serem entregues, pela definição do nível de complexidade

dessas entregas e pelo delineamento do espaço ocupacional. O conjunto de entregas

conduz ao segundo aspecto a ser trabalhado: o estabelecimento do perfil da pessoa a

ser captada, tanto em termos de requisitos técnicos necessários - formação,

experiência, habilidades e conhecimentos - quanto em termos da trajetória de

realizações dessa pessoa, para que ela possa demonstrar a maturidade ou o nível de

abstração correspondente às necessidades impostas pela posição. A partir daí,

trabalhamos o terceiro aspecto - a fonte e a forma de captação. O perfil nos conduz a

verificar se nossa fonte será o mercado de trabalho externo ou seu quadro interno.

Para cada fonte da captação há formas específicas de abordagem. Não as

detalharemos aqui por não ser o objetivo deste trabalho.

O perfil adequado da pessoa a ser captada é um aspecto fundamental da estratégia

de gestão de pessoas, uma vez que a pessoa que está sendo admitida na empresa

será parte da organização por tempo indeterminado. Esse tempo está ligado a uma

relação de agregação mútua de valor. Qual é o valor a ser agregado pela pessoa ao

longo de sua permanência na organização? A resposta a essa questão pressupõe a

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consciência do que se espera da pessoa no tempo. A ideia de que ela vai apenas

ocupar determinado cargo restringe a visão do movimento da pessoa durante seu

tempo na organização. Se ao contrário, estabelecermos que, ao entrar na

organização, a pessoa ocupará determinado espaço, que será ampliado e modificado

no tempo, de acordo com determinada lógica, teremos a visão dinâmica desse

movimento. Dentre as diferentes possibilidades para a abordagem da captação,

vamos verificar mais de perto essas duas perspectivas no Quadro 4.1:

Quadro 4.1 – Diferentes abordagens para a captação de pessoas

Aspectos

analisados

Abordagem tradicional Abordagem por

competência

Horizonte

profissional

Cargo a ser ocupado Carreira da pessoa na

empresa

Perfil Para um cargo específico Para atender demandas

presentes e futuras

Processo de escolha Observa a adequação para o

cargo

Observa a adequação para

uma trajetória específica

Ferramentas de

escolha

Testes de conhecimentos,

habilidades e atitudes necessárias

para o cargo

Analise da trajetória

profissional para avaliar a

maturidade profissional e o

ritmo de desenvolvimento

Contrato psicológico Contrato construído visando a

determinada posição na empresa

Contrato construído visando a

uma carreira ou trajetória

profissional na empresa

Compromisso da

organização

Manter o cargo para o qual a

pessoa está sendo captada

Desenvolver a pessoa para

determinada trajetória dentro

da empresa.

Internalização Adequação ao cargo Adequação a uma trajetória

Fonte: Material desenvolvido pelo autor

A empresa moderna está naturalmente inclinada a estabelecer uma prática mais

vinculada aos aspectos observados na abordagem por competência, assim como as

pessoas reagem de forma mais positiva a uma abordagem que leva em

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consideração a sua carreira. Apesar disso, o sistema formal das empresas ainda é

construído sob a abordagem tradicional, centrada em cargo. Aspectos como esses

conduzem a uma inconsistência entre a realidade organizacional e o sistema formal.

A realidade organizacional é mais bem traduzida pela abordagem por competência.

A ideia de trajetória é outro aspecto importante é para estabelecer uma gestão

estratégica na captação. No caso de empresas como McDonald’s ou Habib’s, por

exemplo, a tendência é uma trajetória de curta permanência na empresa, e isso

define o perfil a ser captado: a pessoa que consegue estabelecer uma boa

agregação de valor durante a sua trajetória. Esses exemplos, são semelhantes aos

dos anfitriões da Disney World, dos comissários de bordo de empresas aéreas dos

atendentes de call-centers ou de redes de fast-food etc. O McDonald’s ou o Habib’s

precisam de pessoas altamente comprometidas com seu trabalho; ao mesmo tempo,

não oferecem um horizonte profissional extenso. O comprometimento é obtido

através da agregação de valor para a pessoa. Ela entra na empresa com um valor

de mercado “x” e um a dois anos depois em condições de concorrer no mercado de

trabalho para posições com valor de “x + y”, em que “y” é o diferencial agregado

durante o seu período de permanência na organização.

Nos exemplos mencionados, o perfil para captação são pessoas jovens, com bom

potencial de desenvolvimento e aprendizagem e ambiciosas em relação ao futuro

profissional. A clareza da trajetória traz maior objetividade à captação e melhores

condições de conciliar as expectativas da empresa e das pessoas. Outro exemplo é

a carreira de profissionais de tecnologia de informação em bancos ou indústrias de

bens de consumo. Nessas empresas, o espectro de complexidade na trajetória de

geração de tecnologia é limitado; espera-se que o profissional, em menos de cinco

anos passe a ser um gestor de tecnologia e não mais um gerador de tecnologia.

Apesar dessa expectativa, não há preocupação em captar pessoas com inclinação

para a gestão de tecnologia ao longo de sua trajetória. São inúmeros os exemplos

como esse, em que se busca um perfil para atender às demandas de determinado

cargo e não de uma trajetória.

O foco na trajetória é o aspecto mais marcante da diferença entre a abordagem

tradicional e a abordagem por competência na movimentação de pessoas. Para

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reforçar o argumento, vamos analisar outro aspecto crítico nessa movimentação: é o

desligamento, cada vez mais relacionado à responsabilidade de a empresa garantir

à pessoa desligada a recolocação no mercado de trabalho. A recolocação é o

movimento mais característico da modernidade da gestão de pessoas. Maior

mobilidade no mercado, longevidade profissional e encurtamento das carreiras

aumentando a preocupação das pessoas com a recolocação no mercado. A

pressuposição é que nos próximos anos a recolocação seja tão natural nas

empresas quanto a captação. A hipótese é reforçada pela necessidade de a

empresa moderna desenvolver continuamente as pessoas e, em muitos casos, não

ter capacidade para absorver todas. Cabe-lhe, pois, patrocinar a dispensa das

pessoas por ela desenvolvidas.

A rotatividade das pessoas torna-se cada vez mais complexa e custosa, e a

empresa moderna não encontra nos referenciais tradicionais os parâmetros e

instrumentos necessários para adequar-se a esse contexto.

Desenvolvimento de pessoas

Processos que objetivam estimular e criar condições para o desenvolvimento das

pessoas e da organização são mais sensíveis à abordagem por competência.

Primeiramente, pela possibilidade de definir o desenvolvimento profissional da

pessoa como capacidade para assumir atribuições e responsabilidades em

níveis crescentes de complexidade. Esse consenso sobre desenvolvimento

permite os desdobramentos seguintes:

• Mensuração do desenvolvimento – mensurar níveis de complexidade permite

medir o nível de desenvolvimento da pessoa;

• Perenidade e comparabilidade dos padrões – como o objeto da mensuração

não é o trabalho da pessoa e sim a complexidade dele, tem-se um padrão

estável no tempo. Além disso, há condições de comparar diferentes tipos de

trabalho e trabalhos em diferentes contextos;

• Desenvolvimento como patrimônio da pessoa – a pessoa que aprende a atuar

em determinado nível de complexidade não regride para níveis menores. Ao

contrário, quando ela tem de trabalhar em níveis de menor complexidade,

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sente-se frustrada e não desafiada (STAMP, 1993). O desenvolvimento é um

patrimônio que a pessoa levará consigo para onde for.

O conceito do desenvolvimento atrelado à complexidade é insuficiente para construir

os instrumentos de sua gestão. Para dar direção e foco ao desenvolvimento, é

preciso agregar os conceitos de competência e carreira - como capacidade para

assumir atribuições e responsabilidades em níveis crescentes de complexidade. O

segundo ponto a destacar é a possibilidade de atrelar os conceitos de competência,

complexidade e espaço ocupacional à ideia de trajetória de carreira, como vimos no

capítulo 3.

O terceiro ponto que reforça o uso da abordagem por competência no

desenvolvimento das pessoas é a possibilidade de criar as bases para a conciliação

de expectativas entre as pessoas e a organização. O fato de a pessoa não ser

olhada em função do cargo que ocupa, e sim de sua trajetória, possibilita uma

relação com a perspectiva de longo prazo. Ou seja, a pessoa consegue vislumbrar

um horizonte mais amplo do que o cargo que ocupa na sua relação com a

organização, ao mesmo tempo em que o horizonte fica mais claro tanto para a

pessoa quanto para a organização. Como consequência, é possível estabelecer com

nitidez o papel da pessoa na gestão de seu desenvolvimento e de sua carreira e o

papel da organização no suporte ao desenvolvimento da pessoa.

O quarto ponto que consagra o uso da abordagem por competência é a

possibilidade de construir um sistema de gestão do desenvolvimento com os

seguintes desdobramentos:

• Análise das pessoas a partir de sua individualidade – elas deixam de ser

avaliadas em função do cargo que ocupam ou de um perfil (moldura) no qual

devem ser enquadradas e passam a ser observadas a partir de sua entrega.

Quando a pessoa não consegue entregar o que é esperado dela, é possível

determinar o quanto o fato foi motivado por problemas que a organização

precisa sanar e o quanto decorreu de deficiências individuais;

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• Análise das deficiências individuais – observar a capacidade de entrega da

pessoa permite detectar o porquê da não – entrega: deficiências no nível de

informação, conhecimento ou habilidades: problemas comportamentais;

problemas de orientação do desenvolvimento; falta de formação básica etc. É

possível estabelecer com a pessoa um plano de ação para o seu

desenvolvimento e aferir se ele foi ou não efetivo;

• Análise da efetividade das ações de desenvolvimento – ao estabelecer com a

pessoa um plano de ação de desenvolvimento, temos sua cumplicidade e a

de sua chefia em relação ao plano. A cumplicidade aumenta as chances de

sucesso, o qual pode ser medido pelas mudanças, ou falta delas na entrega

da pessoa após as ações de desenvolvimento. Assim, é possível medir a

efetividade das ações de desenvolvimento;

• Adequação das ações de desenvolvimento – do mesmo modo que se deve

respeitar a individualidade e a singularidade das pessoas, deve-se pensar no

seu desenvolvimento. Pessoas se desenvolvem usando de forma cada vez

mais elaborada e sofisticada seus pontos fortes. Ações de desenvolvimento

devem, portanto, centrar-se nos pontos fortes das pessoas.

O quinto ponto a ser explorado é o processo sucessório. Na empresa moderna, as

arquiteturas organizacionais e estruturas decorrentes modificam-se com cada vez

maior velocidade. É impossível prever exatamente as necessidades da empresa no

futuro, mas é possível saber com certeza que ela necessitará de pessoas que lidem

com níveis crescentes de complexidade, por isso é fundamental preparar todas as

pessoas para lidar com níveis crescentes de complexidade é adequá-las ao futuro

da empresa e mercado de trabalho.

Pessoas preparadas para enfrentar maiores desafios devem ser consideradas nos

processos sucessórios. Caso a empresa tenha mais pessoas com esse perfil do que

pode aproveitar deve pensar em exportá-las, ou seja, incentiva-las a buscar se

desenvolvimento no mercado, já que a empresa não consegue oferecer, a curto

prazo, condições concretas de crescimento profissional. Assim procedendo, a

empresa sinaliza sua preocupação com o aprimoramento constante das pessoas,

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mesmo que fora de seus quadros organizacionais. Ao fazê-lo, a empresa cria

espaço para outras pessoas que estão iniciando seu processo de desenvolvimento.

Ao levantar essas questões, muitos perguntam se é aceitável e justo a empresa

preparar pessoas para o mercado, isto é, entregar para concorrentes pessoas

preparadas por ela. Comparemos duas empresas de mesmo porte, que atuem em

um mesmo segmento, no qual não há perspectivas de crescimento a curto prazo.

Uma não investe no desenvolvimento das pessoas porque não necessita, embora

cultive um clima de trabalho muito bom; a outra investe no desenvolvimento das

pessoas, tem um custo adicional em relação à primeira e está arriscada a perder

pessoas preparadas para o mercado. Se houver, no entanto, qualquer turbulência no

mercado ou um rápido crescimento da demanda, a segunda estará mais bem

aparelhada para dar respostas. Se as empresas tiverem de reduzir seus quadros, as

pessoas da primeira terão menor competitividade profissional no mercado que as da

segunda. Por sua vez, esta última terá melhores condições de mobilizar seu quadro

do que a primeira. Em suma, a empresa que está continuamente investindo no

desenvolvimento das pessoas está também em contínuo processo de

desenvolvimento e tem melhores condições de se adaptar às exigências do

ambiente em que se insere.

O sexto ponto é a orientação dada às ações de desenvolvimento das pessoas com o

objetivo de aprimorar sua entrega ou ampliar a complexidade das suas atribuições e

responsabilidades. Em função de sua natureza, as ações podem ser divididas em

duas categorias:

• Ações de desenvolvimento formais – Estruturadas através de conteúdos

programáticos específicos, envolvem metodologias didáticas, instrutores ou

orientadores, material bibliográfico e uma agenda de trabalhos ou aulas.

Exemplos: cursos, ciclo de palestras, seminários, programa de cultura

compartilhada e orientação.

• Ações de desenvolvimento não formais – Estruturadas através de

atuações no próprio trabalho ou de situações ligadas à atuação do

profissional. Podem ser concebidas de diferentes formas, mas, sempre

envolvem o profissional a ser desenvolvido. Exemplos: coordenação ou

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participação em projetos interdepartamentais ou interinstitucionais, trabalhos

filantrópicos, visitas, estágios etc.

Quanto maior a complexidade das atribuições e responsabilidades, maior deve ser o

percentual das ações de desenvolvimento não formais. A explicação está no fato de

que a complexidade demanda mais o uso diversificado do repertório de

conhecimentos e experiências das pessoas e menos o uso de novos repertórios.

Profissionais que atuam em níveis de maior complexidade tendem a concentrar seu

desenvolvimento em novas formas de articular seu repertório com o contexto no qual

se inserem. As ações de desenvolvimento devem, portanto, estimular o uso

diferenciado do patrimônio de conhecimento que o profissional já possui. Em

contrapartida, profissionais que atuam em níveis de menor complexidade são

incentivados a ampliar o repertório de conhecimentos e experiências para seu

desenvolvimento.

A figura 4.1 sintetiza o fluxo para a construção do plano de ação.

95

Fonte: Dutra (2002:154).

Ações de desenvolvimento devem ser definidas a partir das necessidades de cada

pessoa em particular e a partir da premissa de ajudar a pessoa a mobilizar seus

pontos fortes para desenvolver-se. Para ilustrar esse processo, vamos relatar a

experiência vivida por uma empresa de serviços. Tínhamos um gestor de conta que

era muito bem quisto por todas as pessoas, inclusive pelos clientes, pelo seu jeito de

ser: sempre de bem com a vida e transmitindo muita alegria de viver. A mesmo

tempo, porém, tinha, dificuldade para entregar o que satisfazia a necessidade dos

clientes. Estes reportavam sua insatisfação com muito pesar, pois gostavam do

relacionamento com seu gerente de conta. Ao analisarmos o problema, constatamos

que esse gestor tinha grande dificuldade de estabelecer empatia com as

necessidades de seus clientes, situação que era encoberta pelo seu jeito de ser. Em

conversa com o gestor, conseguimos que ele visualizasse o problema e

estabelecemos em conjunto uma forma de tentar desenvolver nele essa

competência, mobilizando seu ponto forte: o inter-relacionamento. Recomendamos

que ele se juntasse a uma organização filantrópica para auxiliar a comunidade

carente da cidade onde morava. Ao fazê-lo, o gestor se encontrou e passou a extrair

grande satisfação da nova atividade. Para executar suas atividades na instituição

filantrópica, ele precisava estabelecer comunicação com uma estrutura de valores

completamente diferente da sua e, com esse intuito, desenvolver empatia com os

valores da comunidade carente. Ao colocar-se na situação vivida pela comunidade e

compreender a forma de pensar das pessoas que a constituíam, o gestor conseguiu

também estabelecer empatia com as necessidades de seus clientes.

O exemplo mostra que é possível ajudar as pessoas a se desenvolverem partir de si

mesmas. Com isso, valorizamos as pessoas como elas são, preservamos sua

individualidade e criamos maior comprometimento delas com o próprio

desenvolvimento.

Finalmente, o último ponto que reforça o uso da abordagem por competência: a

forma de avaliar as pessoas na organização. A avaliação por sua característica

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articuladora da gestão de pessoas e por seu caráter ritualístico será trabalhada no

próximo capítulo.

O uso da abordagem por competência na gestão do desenvolvimento das pessoas

agrega alto grau de precisão e qualidade. Não por acaso, portanto, as organizações

vêm migrando para essa abordagem com muita velocidade. Essa migração, aliás,

nos parece inexorável, em função da inadequação da abordagem tradicional para

trabalhar a questão do desenvolvimento de pessoas na empresa moderna.

Valorização das pessoas

A valorização das pessoas é mediada pelas recompensas por elas recebidas como

contrapartida de seu trabalho para a organização. Essas recompensas podem ser

entendidas como o atendimento às expectativas e necessidades das pessoas:

econômicas, de crescimento pessoal, segurança, projeção social, reconhecimento,

possibilidade de expressar-se através do trabalho etc.

A questão fundamental na recompensa é como ela deve ser distribuída entre as

pessoas que trabalham para a empresa. Quais devem ser os critérios da

organização para diferenciar, por meio das recompensas oferecidas, as pessoas

com as quais mantém relações de trabalho? Normalmente, os critérios utilizados têm

como referência o mercado de trabalho e os padrões internos de equidade. As

referências do mercado de trabalho são obtidas por informações oriundas de

pesquisas específicas ou de contatos com o mercado, como processos de

recrutamento e seleção, perda de pessoas para o mercado, contratação de serviços

etc. As informações do mercado ajudam a empresa a posicionar-se de forma a

manter uma relação competitiva, ou seja, aplicar critérios de recompensa que

permitam atrair e reter pessoas. Entretanto, o mercado é instável, oscila ao sabor

das relações de oferta e demanda, e o posicionamento da empresa a partir

unicamente do mercado é insuficiente. Muitas empresas insistem em manter critérios

de recompensa unicamente com base no mercado, mas, pelo fato de essa atitude

gerar nas pessoas um grande sentimento de injustiça, é difícil mantê-la ao longo do

tempo.

97

Padrões internos de equidade tornam-se, portanto, fundamentais para estabelecer

critérios de recompensa perenes e que criem para as pessoas um ambiente de

segurança e justiça. A utilização de padrões de diferenciação considerados pelas

pessoas como justos e a consistência desses padrões com a realidade vivida pela

organização e pelas pessoas são fundamentais para sustentar uma relação de

compromisso com a empresa e com o trabalho a ser executado. A sensação de

injustiça é mais danosa que a inadequação da recompensa em relação ao mercado.

Por isso, como critério para as recompensas, as empresas tendem a privilegiar os

padrões internos de equidade em detrimento dos padrões externos. Levando em

conta esse fato, daremos prioridade ao tratamento dos padrões internos de

equidade.

A organização tem várias formas de concretizar a recompensa por uma contribuição

da pessoa reconhecimento formal através de um elogio, de uma carta ou de um

prêmio até um aumento salarial ou uma promoção para posições organizacionais

com desafios maiores. A questão - chave no processo de valorização está nos

critérios a serem utilizados para tanto. Eles devem ser coerentes entre si e

consistentes no tempo; caso contrário, corre-se o risco de reconhecer duas pessoas

de formas diferentes ou em intensidades diferentes por contribuições semelhantes.

Os padrões de equidade são fundamentais para garantir o tratamento justo da

contribuição da pessoa para a organização e também para estimular as pessoas a

ampliarem sua contribuição, na medida em que conseguem visualizar padrões de

resposta da empresa para as diferentes contribuições. A forma de concretizar as

recompensas deve estimular respostas das pessoas para a empresa. No passado,

as pessoas eram estimuladas a adotar uma postura de submissão às determinações

da empresa e de muito esforço para atingirem as metas que lhes eram impostas.

Atualmente, a expectativa das empresas em relação às pessoas é de uma postura

autônoma e empreendedora, em que pessoa tenha iniciativa para antecipar e

solucionar problemas, e esteja preparada para o amanhã. Nesse cenário, o

desenvolvimento contínuo da pessoa é fundamental para sustentar o

desenvolvimento da organização. Não é por acaso, portanto, que as recompensas

mais nobres vêm sendo carreadas para estimular e valorizar o desenvolvimento da

pessoa.

98

O desenvolvimento da pessoa é normalmente recompensado por estar vinculado à

sua maior capacidade agregar valor para a empresa. Essa recompensa pode ser

realizada através de aumento da remuneração, quer na forma de um salário maior,

quer na diferenciação de benefícios ou serviços oferecidos pela empresa, ou através

de acesso a programas de capacitação ou a linhas de subsídio para formação

profissional ou pessoal.

A grande dificuldade para estabelecer os padrões internos de eqüidade está em

determinar critérios de diferenciação que sejam a um só tempo:

• Capazes de traduzir a contribuição de cada pessoa para a organização;

• Aceitos por todos como justos e adequados;

• Mensuráveis pela organização e pela própria pessoa;

• Coerentes e consistentes no tempo, ou seja, tenham perenidade mesmo

em ambiente turbulento e instável;

• Simples e transparentes para que todas as pessoas possam compreendê-

los e a eles ter acesso.

Na realidade organizacional, a tendência é para considerar como justos e

adequados critérios de diferenciação que apontem o nível de agregação de valor da

pessoa para a empresa. Nesse sentido, os conceitos de complexidade auxiliam no

estabelecimento de critérios de mensuração entendidos pelas pessoas e pela

organização como legítimos para diferenciar a contribuição das pessoas. As

organizações tendem ao uso da abordagem por competência para valorizar as

pessoas. Ao contrário dos processos de desenvolvimento, nos quais o uso dessa

abordagem está mais amadurecido, nos processos de valorização ele ainda é

tímido. No Brasil, são poucas as empresas que utilizam a abordagem baseada em

competências para trabalhar a questão da valorização.

Aspecto importante na discussão sobre critérios para valorização das pessoas no

Brasil é o contraponto entre competências e habilidades. Definimos habilidade como

o saber - fazer necessário para à execução de determinado conjunto de atribuições

e responsabilidades dentro da organização, ou seja, o saber - fazer necessário para

corresponder às exigências estabelecidas por determinado espaço ocupacional

99

dentro da empresa. Um autor importante nesse tema é Edward Lawler (1990, 1992 e

1996), que exerceu muita influência sobre os profissionais de remuneração que

buscavam alternativas para os modelos tradicionais de valorização. No final dos

anos 80, Lawler discutia ideia de centrar a avaliação não mais no cargo, mas na

própria pessoa. Ele propunha então que a diferenciação tivesse como ponto central

as habilidades das pessoas (skill-based), e algumas empresas experimentaram suas

propostas. A definição estabelecida por Lawler para skill era uma mistura do saber -

fazer e das competências. O autor inspirava-se na escola de McClelland (1973) e

Spencer (1993) para a definição de competências, ao mesmo tempo, procurava

elementos para a mensuração das habilidades no estabelecimento de padrões

remuneratórios. A principal crítica às proposições de Lawler e de seus seguidores foi

a não consideração da complexidade como um elemento de diferenciação.

No Brasil, as experiências mais consolidadas foram efetuadas em empresas do

setor petroquímico, e são relatadas pela literatura brasileira (PICARELLI et al.,

1995). As experiências no Brasil apresentaram algumas limitações, assim como as

experiências acompanhadas por Lawler nos Estados Unidos (1996), e podem ser

sintetizadas nos seguintes pontos:

• Perenidade dos parâmetros de avaliação – quando as habilidades

são estabelecidas como elemento de valorização, surgem questões

ligadas à valorização dessas habilidades, a permanência de uma

habilidade como elemento de diferenciação no tempo e o grau de

homogeneidade das habilidades para comparação entre diferentes

posições dentro da empresa e da empresa com o mercado. Ao

tentarmos responder a essas questões, verificamos que os critérios se

mostram extremamente frágeis;

• Abrangência dos critérios – a quem aplicar esses critérios? As

experiências no Brasil e os relatos de Lawler demonstram que

habilidades são válidas apenas para posições operacionais. São de

difícil aplicação às posições não operacionais. Como as posições

operacionais tendem a ser cada vez menos comuns em empresas

complexas, essa abordagem mostra-se cada vez menos adequada;

• Confiabilidade dos parâmetros – as habilidades revelam-se por si

sós pouco confiáveis. As empresas que as adotaram como referencial

100

para a remuneração foram constatando que, ao diferenciar as pessoas

em função do número de habilidades dominadas, foram sendo

pressionadas a oferecer oportunidade para a capacitação das pessoas

e, ao mesmo tempo, gerando grande pressão sobre a massa salarial.

Paulatinamente, essas empresas abandonaram esse critério e foram

incorporando os referenciais de complexidade.

Nos Quadros 4.2 e 4.3, procuramos firmar uma relação entre competência e

habilidade. No Quadro 4.2, montamos um quadro comparativo entre os dois

conceitos. Enquanto a competência significa um patamar de agregação de valor por

parte da pessoa para a organização e para o meio, a habilidade se caracteriza pela

capacidade de a pessoa exercer tarefas, atividades ou funções. No Quadro 4.3,

procuramos estabelecer as condições em que uma habilidade se iguala a uma

competência, ou seja, em que ambas retratam a capacidade da pessoa para atuar

em um patamar diferente de complexidade. Essa distinção é importante porque

encontramos há grande confusão nas empresas brasileiras em relação à temática,

sendo aspecto de abordagem obrigatória em todas as palestras e aulas sobre o

assunto.

Quadro 4.2 – Comparativo entre competência e habilidade

101

Fonte: Material desenvolvido pelo autor

Quadro 4.3 – Diferenças e igualdades entre competências e habilidades

102

Fonte: Material desenvolvido pelo autor

Na prática, as experiências bem-sucedidas foram aquelas que, embora utilizando as

habilidades das pessoas como referência, buscaram estabelecer diferenciais com

base na complexidade, e revestiram as habilidades do conceito de entrega,

complexidade e espaço ocupacional, que apresentamos aqui. Da mesma forma que

em relação aos processos de desenvolvimento, cremos que a valorização das

pessoas na empresa moderna caminhe de forma inexorável para o uso da

abordagem por competência. Não percebemos, aliás qualquer movimento teórico

conceitual que consiga resposta melhor que a métrica da complexidade para

mensurar a agregação de valor da pessoa à organização ou ao meio em que se

insere.

Definição de faixas salariais com base em competência e complexidade

Como vimos no capitulo 3 o conceito de trajetória de carreira permite relacionar os

degraus da carreira, ou seus diferentes patamares de complexidade, com a

103

remuneração das pessoas. Pode-se associar uma faixa salarial para cada degrau de

complexidade. Desse modo, independentemente de como a empresa organize a

questão da remuneração, há uma regra subjacente: na medida em que a pessoa se

desenvolve, aumenta sua agregação de valor e passa a valer mais para a empresa

e para o mercado.

A remuneração obedece à lógica da agregação de valor da pessoa, embora os

sistemas formais da empresa estejam baseados em cargos e, por decorrência, nas

tarefas, atividades ou funções executadas por pessoas. O problema dessa

abordagem é que utilizar o cargo como referência é apoiar-se em uma base

movediça, pois o cargo não continua igual no tempo, ou seja, as tarefas e as

responsabilidades das pessoas estão em constante alteração. É necessário um

padrão estável no tempo. Esse padrão é a complexidade das entregas esperadas da

pessoa. Mesmo que essas entregas mudem no tempo, o que importa é o grau de

sua complexidade. O grau é estável no tempo e pode ser transformado em uma

base métrica sólida.

Para determinar uma estrutura salarial com base em complexidade podem-se adotar

os seguintes passos:

• Estabelecer os principais eixos de carreira da empresa e definir as

competências a serem entregues em cada eixo de carreira conforme vimos no

capítulo 3

• Estabelecer os degraus de complexidade de cada competência dentro do

mesmo eixo de carreira. Para cada eixo de carreira, é importante verificar

quantos graus de complexidade existem e que podem ser claramente

identificados. Os graus de complexidade correspondem a níveis de agregação de

valor da pessoa para a empresa e, portanto, correspondem a diferentes

patamares salariais;

• Construção das faixas salariais para cada degrau de complexidade. Dentro de

cada eixo de carreira, pode-se estabelecer uma relação entre os salários da

empresa ou do mercado e os graus de complexidade;

104

• Enquadramento das pessoas nos diferentes graus de complexidade. Estes

devem ser equivalentes a cada uma das diferentes competências, ou seja, o

primeiro grau de complexidade da competência “a” deve equivaler ao primeiro

grau de complexidade da competência “b”. Por que isso é importante? Porque

uma pessoa pode ser enquadrada na faixa salarial utilizando-se apenas uma

competência, já que ela retrata toda a escala de complexidade do eixo de

carreira. Ao realizarmos o enquadramento da pessoa em todas as competências,

repetimos várias vezes o enquadramento, aumentando a confiabilidade do

processo. Verificamos que, com cinco competências, eliminamos o viés de

enquadramento. Em geral, recomendamos que as empresas utilizem sete

competências para total confiabilidade.

Para exemplificar esse processo vamos utilizar o caso a seguir. Ele se refere a

trajetória gerencial de uma determinada organização industrial, no qual G 1 e G 2

são posições de gerência operacional; G 3 e G 4, posições de gerência tática; e G

5, posição de gerência estratégica.

Na Figura 4.2, vamos mostrar o conjunto de competências utilizado para distinguir

a trajetória de carreira gerencial. Para cada competência, foram atribuídos cinco

graus de complexidade. O grau de complexidade estabelecido para o G 1, na

competência Atuação em Equipe é equivalente ao estabelecido para as demais

cinco competências para o G 1. Se determinado gerente é classificado como G 1

na competência Atuação em Equipe, provavelmente será classificado como G 1

nas demais.

Por que isso ocorre? Porque, como vimos, o grau de complexidade está ligado ao

nível de abstração que a pessoa obtém para realizar seu trabalho. É muito

provável que um gerente operacional em início de carreira consiga entregar a

complexidade inicial em todas as competências. Se o gerente avaliado estiver

enquadrado no nível G 1 em algumas competências e no G 2 em outras, isso é

sinal de que o mesmo se encontra em processo de desenvolvimento rumo ao

segundo nível de complexidade da carreira.

105

Fonte: material desenvolvido pelo autor

O exemplo apresentado na figura 4.2 demonstra que a remuneração não está

atrelada à competência, e sim à complexidade. A articulação entre os conceitos de

competência, complexidade e espaço ocupacional permite visão ampla e integrada

da gestão de pessoas.

Conclusões

Um sistema de gestão de pessoas integrado e estratégico favorece maior sinergia

entre suas partes. Desse modo, os vários processos de gestão do sistema reforçam-

se mutuamente e garantem ao sistema maior efetividade, coerência e consistência.

Ao mesmo tempo, se o sistema de gestão de pessoas está articulado com as

estratégias organizacionais e com as expectativas das pessoas, ele ganha

legitimidade e credibilidade por agregar valor tanto para a organização como um

todo quanto para as pessoas que com ela mantêm relação de trabalho.

106

A forma de articular o sistema de gestão de pessoas tornou-se essencial para o seu

aprimoramento contínuo. Verificamos que as organizações têm conseguido obter

esse resultado através do aprimoramento dos rituais de diálogo entre gestores sobre

os membros de suas equipes e entre de diálogo dos gestores com os membros de

sua equipe. Esse será o objeto do próximo capítulo.