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    Cadernos IESE N. 11

    Antnio Francisco

    Proteco Social no Contexto

    da Transio Demogrfica

    Moambicana

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    Cadernos IESE

    Edio do Conselho Cientfico do IESE

    A ColecoCadernos IESE publica artigos de investigadores permanentes e associados do

    IESE no quadro geral dos projectos de investigao do Instituto.

    Esta coleco substitui as anteriores Coleces de Working Papers e Discussion Papersdo

    IESE, que foram descontinuadas a partir de 2010.

    As opinies expressas atravs dos artigos publicados nesta Coleco so da responsabi-lidade dos seus autores e no reflectem nenhuma posio formal e institucional do IESE

    sobre os temas tratados.

    Os Cadernos IESE podem ser descarregados gratuitamente em verso electrnica a partir

    do endereo www.iese.ac.mz.

    Cadernos IESE

    Edited by IESEs Scientific Council

    The Collection Cadernos IESEpublishes papers, written by IESEs permanent and associa-

    ted researchers, and which report on issues that fall within the broad umbrella of IESEs

    research programme.

    This collection replaces the previous two collections, Working Papers and Discussion Pa-

    pers, which have been discontinued from 2010.

    The individual authors of each paper published as Caderno IESE bear full responsibility for

    the content of their papers, which may not represent IESEs opinion on the matter.

    Cadernos IESE can be downloaded in electronic format, free of charge, from IESEs website

    www.iese.ac.mz.

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    Proteco Social no Contexto da

    Transio Demogrfica Moambicana

    Antnio Francisco

    Cadernos IESE n 11/2011

    Antnio FranciscoDirector de investigao do IESE e Professor Associado da Faculdade de Economia

    da Universidade Eduardo Mondlane, doutorado em Demografia pela Universidade Nacional da

    [email protected]

    Junho, 2011

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    Ttulo: Proteco Social no Contexto da Transio DemogrficaMoambicana

    Autor: Antnio Francisco

    Copyright IESE, 2011

    Instituto de Estudos Sociais e Econmicos (IESE)

    Av. Patrice Lumumba 178

    Maputo, MoambiqueTelefone: + 258 21 328894 | Fax: +258 21 328895

    Email: [email protected]

    Website: http://www.iese.ac.mz

    Proibida a reproduo total ou parcial desta publicao para finscomerciais.

    Execuo grfica: Zowona - Comunicao e Eventos

    Impresso e Acabamentos: Norprint

    Produo Executiva: Marimbique - Contedos e Publicaes, Lda.

    Tiragem: 300 exemplares

    ISBN 978-989-8464-09-5

    Nmero de Registo: 7036/RLINLD/2011

    Palavras-chave:Fecundidade, proteco social, regime demogrfico,transio demogrfica, Moambique

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    Sumrio1

    semelhana do que acontece noutros pases da frica Subsariana, ainda numa fase in-

    cipiente da transio demogrfica, em Moambique, ter muitos filhos constitui a soluoprincipal e mais eficaz de proteco social. Principal, porque enquanto a sociedade mo-

    ambicana no desenvolver instituies econmico-financeiras, formais e informais, so-

    cialmente inclusivas e extensivas a todo o pas, a proteco social continuar predominan-

    temente dependente do sistema de reproduo demogrfico antigo, baseado em relaes

    inter-geracionais, de gnero e linhageiras, visando garantir nveis de fecundidade com-

    pensadores da elevada mortalidade. Soluo mais eficaz, do ponto de vista da estratgia

    de sobrevivncia e de reproduo humana moambicana garantir a descendncia dos

    indivduos e das geraes, atravs da preveno e mitigao de riscos no ciclo de vida, tais

    como: risco de vida na infncia (antes de completar um ou cinco anos de idade), doenas,vulnerabilidade e falta de aposentadoria na velhice.

    No entanto, o facto de a estratgia de ter muitos filhos ainda ser eficaz, no significa que con-

    tinue a ser uma opo eficiente. O custo demogrfico e social da estratgia de sobrevivncia,

    herdada do regime demogrfico antigo, cada vez mais elevado para a populao moam-

    bicana. Esta continua a produzir cerca de seis filhos por mulher, um nmero muito acima do

    necessrio para garantir a reposio das geraes. A implicao disto um elevado desperd-

    cio demogrfico, o qual impede que as famlias possam transferir o seu investimento parental

    da quantidade (elevado nmero de filhos) para a qualidade de um menor nmero de filhos.

    certo que a proteco social demogrfica, em torno da elevada fecundidade da mulher,

    quando avaliada luz dos actuais padres internacionais de segurana humana digna,

    apresenta-se muito precria e incapaz de libertar as pessoas da carncia, pobreza ou indi-

    gncia extremas; principalmente em perodos de rpida acelerao do crescimento popu-

    lacional. Isto, por si s, no torna a proteco social demogrfica menos relevante do que a

    proteco social que emerge alicerada nos sistemas financeiros, formais e informais.

    Os prprios pases com economias desenvolvidas e em fases avanadas da transio de-

    mogrfica enfrentam crescentes desafios de sustentabilidade dos seus sistemas de protec-o social, em grande parte por causa da sua nova estrutura etria idosa. Porm, a natureza

    dos problemas demogrficos em pases desenvolvidos difere muito dos problemas que

    pem em causa a viabilidade e sustentabilidade nos pases em fase incipiente da transio

    demogrfica; sobretudo pases como Moambique, com baixo padro de vida e sistemas

    financeiros precrios, acessveis apenas uma parte limitada da populao.

    1 Partes deste artigo foram partilhadas publicamente, ao longo do ano 2010 (Francisco, 2010b, 2010c;

    Franciscoet al., 2010a, 2010b), no Ideias No. 33 (Francisco, 2011b) e no livro Desafios para Moambique2011 do IESE. As tradues de textos em Ingls so da responsabilidade do autor. Agradeo oscomentrios, sugestes e questes colocadas pelos leitores que generosamente leram e partilharamsuas opinies sobre verses anteriores deste artigo.

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    A amplitude do que pensamos e fazemos est limitada poraquilo que nos escapa. E, porque no nos damos conta do quenos escapa pouco nos resta fazer para mudar; at nos aperce-

    bermos de como o facto de no nos darmos conta condicionaos nossos pensamentos e os nossos actos (R.D. Laing, in Covey,2005: 47).

    Introduo

    A literatura sobre proteco social nos pases subdesenvolvidos, nomeadamente pases da

    frica Subsariana e Moambique em particular, assume como dado adquirido, que os sis-temas financeiros, prevalentes na sociedade, constituem o veculo principal de proteco

    social, independentemente do seu estgio de desenvolvimento. Os exemplos so muitos,

    bastando referir apenas alguns, tais como: Adsn (2010), Cichon et al.(2004), Devereux et

    al.(2010), Ellis et al.(2009), Feliciano et al.(2008), Francisco (2010a), Gentilini (2005), Gross

    (2007), Hodges and Pellerano (2010), Holzmann (2009), ILO (2006), Nio-Zaraza (2010),

    Quive (2007) e Wuyts (2006). Em alguns destes trabalhos, a referida assuno evidente,

    como acontece nas anlises sobre sistemas de proteco social que assentam em mecanis-

    mos - formais e informais, ou ambos - de natureza financeira. Noutros estudos 2, tal assun-

    o fica implcita, por vezes sem que os prprios autores tenham conscincia dela, como seas relaes no financeiras e monetrias fossem uma parte de menor importncia na orga-

    nizao social da reproduo humana em que os sistemas de proteco social se inserem.

    Este artigo d continuidade e aprofunda estudos realizados recentemente pelo autor, so-

    bre o papel determinante dos mecanismos demogrficos de proteco social em Moam-

    bique, tais como os fluxos inter-geracionais, relaes de gnero, matrimoniais e de filiao;

    as redes familiares e comunitrias de reconhecimento mtuo e de inter-ajuda, baseadas

    em laos de parentesco, e de vizinhana, atravs das quais grupos sociais trocam bens e

    servios, numa base no mercantil configuradora da chamada sociedade-providncia.3Na

    vida real, o sistema de proteco social demogrfica inquestionavelmente mais relevante

    e determinante do que os sistemas que actualmente figuram no centro das atenes das

    polticas e aces pblicas, vulgarmente classificados em formais4e informais.5Para alm

    2 Incluindo, at recentemente, o prprio autor deste trabalho (e.g. Francisco, 2010a).3 O conceito de sociedade-providncia designa um conjunto de fenmenos que so frequentemente

    descritos como manifestaes de pr-modernidade, como sobrevivncias e atavismos destinadosa desaparecer com o processo de modernizao e com o evanescer de alguns dos mecanismos queconstituem a sua base material, tais como a pequena agricultura familiar ou as redes alargadas derelaes de parentesco e de relaes sociais continuadas (Nunes, 1995: 8).

    4

    E.g., segurana social contributiva, obrigatria e complementar, no sistema legal moambicano, eno contributiva, segurana social bsica e assistncia social por direito legalmente reconhecido,solidariedade ou caritativa.

    5 E.g., mecanismos de ajuda mtua e redes sociais, familiares e comunitrias, atravs de grupos de

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    de assegurarem a reproduo e sobrevivncia humana, proporcionam ainda o espao

    estratgico principal do conjunto de mecanismos usados pela populao para antecipar,

    compensar e mitigar riscos e choques, a curto prazo, bem como, possveis formas de provi-

    dncia social contra a insegurana na velhice, a longo prazo, em conformidade com o seu

    estgio de desenvolvimento.

    Se aquilo que em trabalhos recentes do autor tem sido definido como proteco social

    demogrfica geralmente deixado de lado, nas anlises convencionais sobre proteco

    social, certamente no por ser irrelevante para a segurana humana digna. Existem mui-

    tas razes, principalmente culturais, para que aquilo que tomado como natural e tradicio-

    nal no merea o devido reconhecimento; mas antes de discutir tais razes importante

    tornar visvel o domnio da proteco social associado aos componentes demogrficos e

    reprodutivos, a fim de mostrar como ele socialmente mais relevantes do que os mecanis-

    mos de proteco social assentes nos sistemas financeiros.

    Por proteco social demogrfica (PSD) entende-se o conjunto de relaes e mecanismos

    determinados pelos componentes de mudana demogrfica, tais como: as taxas vitais (ta-

    xas brutas de mortalidade e de natalidade), estrutura etria, mortalidade infantil e esperana

    de vida. Estas variveis integram um quadro institucional de relaes e fluxos geracionais e

    de gnero, intimamente ligadas s relaes econmicas, sociais, culturais e ticas que inte-

    gram a organizao social da reproduo humana. As evidncias empricas reunidas neste

    trabalho sobre o domnio da PSD so consistentes com uma vasta literatura antropolgica,

    sociolgica e econmica, sobre os comportamentos reprodutivos e estratgias de sobrevi-

    vncia das populaes humanas (Cain, 1981, 1983; Caldwell, 1976, 1982; Francisco, 2010a:37; Feliciano, 1998; Geffray, 2000; Lesthaeghe, 1980, 1989; Livi-Bacci, 1992; Malmberg and

    Sommestad, 2000; Malmberg, 2008; Meillassoux, 1975; Nunes, 1995; Robertson, 1991).

    O principal objectivo deste artigo demonstrar que, em Moambique, ter muitos filhos

    continua a ser a principal forma de proteco social, ao dispor da maioria da populao

    moambicana. Trs razes explicam este facto: 1) O tipo de regime demogrfico prevale-

    cente nos sculos passados e, no ltimo meio sculo, a transio demogrfica em curso -

    lenta, incipiente e atrasada, quando comparada com o processo de transio demogrfica

    global; 2) A elevada dependncia da maioria da populao de uma economia de subsistn-cia precria, comparativamente exgua economia de mercado capitalista; 3) A carncia

    de infra-estruturas institucionais, nomeadamente um sistema financeiro formal e informal,

    capaz de proporcionar acesso amplo e efectivo maioria da populao.

    Este artigo est organizado em quatro captulos, para alm desta Introduo. O primeiro

    captulo apresenta um breve enquadramento do actual processo de ruptura com o regime

    poupana e crdito rotativo (e.g. Xitique, da palavra Tsonga que significa poupana), internacionalmente

    conhecidas por ROSCAs (Rotating Rotating Savings and Credit Association); as actividades laborais deentre ajuda (e.g. Kurhimela, Ganho-Ganho), envolvendo troca de mo-de-obra em troca de numerrio;associaes funerrias e outras organizaes comunitrias visando mitigar e antecipar riscos (Dava, Lowe Matusse, 1998; de Vletter et al., 2009).

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    demogrfico antigo (RDA), designado por transio demogrfica moambicana. O segun-

    do captulo trata dos determinantes do elevado crescimento populacional e identifica em

    que fase da transio demogrfica se encontra actualmente Moambique. O terceiro cap-

    tulo responde a questes especficas sobre o significado de ter muitos filhos, at que ponto

    esta estratgia reprodutiva ainda eficaz e eficiente, o que define o espao estragtico daproteco social demogrfica, entre outras. O quarto captulo sumariza a anlise e equacio-

    na algumas questes para pesquisa futura e desafios ao nvel de polticas pblicas.

    Do regime demogrfico antigo transio demogrfica

    O quadro conceptual apropriado para o esboo de um panorama da evoluo demogr-

    fica moambicana gira em torno do conceito transio demogrfica, considerado no seuduplo sentido: emprico e terico.

    O marco conceptual da transio demogrfica

    O termo transio demogrfica geralmente usado na literatura demogrfica em dois

    sentidos, emprico e terico, um assunto detalhado no recente artigo de Francisco (2011a)

    intitulado Enquadramento Demogrfico da Proteco Social em Moambique. No mbitodeste trabalho, alguns pontos merecem ser recordados.

    Primeiro, relativamente ao conceito: transio demogrfica o processo de transformao

    de um regime demogrfico de altas taxas de mortalidade e natalidade (i.e. taxas vitais) para

    um regime de baixas taxas vitais.

    Segundo, ao longo do ltimo sculo, tanto a teoria como o modelo emprico da transio

    demogrfica, tm sobrevivido aos questionamentos crticos, inspirando novos alentos e

    reconhecimento intelectual. A queda profunda e generalizada da fecundidade6observada

    na maior parte do mundo permitiu dissipar as dvidas que subsistiam quanto transiodemogrfica como um processo global (Caldwell, 2001; Reher, 2004).

    Terceiro, diferentemente das transies do regime demogrfico antigo (RDA) iniciais, ocor-

    ridas principalmente na Europa e outras partes do mundo fortemente influenciadas por

    europeus, nas transies mais recentes as diferenas no tempo de resposta da fecundidade

    ao declnio da mortalidade esto a tornar-se mais longas. A consequncia disto poder ser

    6 A fecundidade uma estimativa da frequncia dos nascimentos ocorridos num subconjunto especfico

    - mulheres em idade de procriar, convencionalmente de 15 a 49 anos de idade. A Taxa de FecundidadeTotal (TFT) medida como o nmero mdio de filhos que uma mulher teria at ao fim do seu perodoreprodutivo, mantidas constantes as taxas observadas na referida data (ver nota 14 sobre diferenaentre fecundidade e fertilidade).

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    uma menor capacidade e possibilidade dos pases recm-chegados transio demogrfi-

    ca global, quando se trata de tirar o melhor proveito dessa transio para a modernizao

    social e econmica das sociedades (Livi-Bacci, 1992: 144; Reher, 2004).

    Quarto, no passado, os estudiosos da demografia concentraram-se principalmente no cres-

    cimento bruto da populao, tendo de algum modo descurado o problema das mudanas

    de longo prazo na estrutura etria. O modelo clssico da transio demogrfica foi formu-

    lado em torno das taxas (brutas) de mortalidade e de natalidade, com incidncia para o

    impacto da transio no crescimento populacional. Nas dcadas mais recentes uma maior

    ateno tem sido canalizada para a interdependncia entre as mudanas na estrutura et-

    ria ao longo da transio demogrfica e as fases do ciclo de vida: infncia, adolescncia,

    maturidade e envelhecimento (Malmberg and Sommestad, 2000: 3). O fundamento terico

    do papel atribudo referida interdependncia no desenvolvimento econmico baseia-se

    no entendimento que os comportamentos das pessoas mudam no decurso do ciclo de

    vida, medida que evoluem da infncia para a maturidade e a velhice. Por isso, entende-

    -se que a populao pode gerar diferentes condies econmicas, dependendo do grupo

    etrio que predomina em cada etapa de crescimento populacional: infncia, juventude,

    maturidade ou velhice (Malmberg and Sommestad, 2000: 7).

    A Figura 1 apresenta uma representao grfica das quatro fases clssicas da trasnio

    demogrfica, acrescida de uma nova fase, correspondente quinta fase, segundo certos

    autores, ou segunda transio demogrfica, de acordo com outros (Coleman, 2006; Les-

    thaeghe and Neidet, 2006; Lesthaeghe, 2010; Kent et al., 2004): Fase 1: Pr-transio (infn-

    cia), caracterizada por elevadas taxas vitais, resultando num crescimento vegetativo popu-lacional muito baixo; Fase 2: Primeira etapa da transio (adolescncia), geralmente iniciada

    com a queda das taxas de mortalidade; ou seja com o incio da transio da mortalidade,

    enquanto a natalidade permanece estacionria; Fase 3: Inicio da transio da fecundidade

    (juventude), resultando numa acelerao do crescimento vegetativo; Fase 4: Perodo de

    consolidao da queda da Taxa Bruta de Mortalidade e da Taxa Bruta de Natalidade (ma-

    turidade), a ritmos diferentes, em que as taxas vitais voltam a estabilizar, encontrando um

    novo equilbrio, gerando um crescimento populacional novamente baixo; abrange pases

    com taxas de fecundidade abaixo do nvel de substituio (2,1 filhos); Fase 5: Fase do en-

    velhecimento.

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    Breve panorama da populao moambicana: passado,presente e futuro

    semelhana do que tem acontecido com a populao mundial (Caldwell, 2004; Demeny

    and McNicoll, 2006; ECA, 2001; Maddison, 2006; UN, 2010a), a populao moambicana

    tem vivido importantes mudanas demogrficas, ao longo dos sculos passados. Uma das

    evidncias mais visveis de tais mudanas, observada no ltimo meio sculo, o rpido

    aumento da populao.

    A Tabela 1 sumariza dados da evoluo de longa durao da populao moambicana, em

    comparao com a populao do mundo e do Continente Africano (INE, 2010a; Maddison,

    2006, 2010; UN, 2010a). Segundo as estimativas de Maddison (2006: 30), no 1 Milnio da

    nossa era, a populao mundial cresceu lentamente. No incio do 1 Milnio, a populao

    mundial rondava 230 milhes de habitantes, tendo aumentado apenas um sexto (17%),

    at ao fim do Milnio. No mesmo perodo, a populao de frica (incluindo 57 pases) au-

    mentou de 16,5 milhes para 32 milhes de habitantes. J a populao de Moambique,

    estima-se que tenha aumentado de 50 mil para 300 mil habitantes no final do 1 Milnio.

    Figura 1: Tipologia das Fases da Transio Demogrfica e Ciclo de Vida, segundoMalmberg e Sommestad, 2000

    1 2 3 4 5

    TBN - Taxa Bruta de Natalidade

    Pop - Crescimento populacional

    TBM - Taxa Bruta de Mortalidade

    1 - Infncia

    2 - Juvenil

    3 - Jovem adulto

    4 - Maturidade

    5 - Envelhecimento

    Fonte: Adaptao de www.youtube.com/watch?v=0dK3mL35nkk&feature=player_embedded

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    Tabela 1: Evoluo da Populao em Moambique, frica e no Mundo

    Momento HistricoMoambi-

    quefrica

    PopulaoMundial

    Moambique em Percen-tagem (%)

    Ano (Mil Hab.) (Mil Hab.) (Mil Hab.) de frica do Mundo

    Sculo I 1 50 17.000 225.820 0,3% 0,02%

    Sculo X 1000 300 32.300 267.330 0,9% 0,11%

    Sculo XV 1500 1.000 46.610 438.428 2,1% 0,23%

    Sculo XVI 1600 1.250 55.320 556.148 2,3% 0,22%

    Sculo XVII 1700 1.500 61.080 603.490 2,5% 0,25%

    Sculo XIX 1820 2.096 74.236 1.041.720 2,8% 0,20%

    Nascimento de Moambique (comoEstado moderno - colonial)

    1890 3.775 103.060 1.323.022 3,7% 0,29%

    Sculo XX

    Incio do sec. XX 1900 4.106 110.000 1.563.464 3,7% 0,26%

    1950 6.250 227.939 2.525.501 2,7% 0,25%

    Independncia - Estado Soberano 1975 10.433 416.226 4.064.231 2,5% 0,26%

    2 Repblica ps-independncia 1990 12.656 633.216 5.256.680 2,0% 0,24%

    Sculo XXI

    Primeira dcada do sec. XXI 2007 19.952 952.787 6.570.525 2,1% 0,30%

    Pop. Projectada (*) 2010 23.406 1.033.043 6.908.688 2,3% 0,34%

    Pop. Projectada (*) 2020 28.545 1.276.369 7.674.833 2,2% 0,37%

    Pop. Projectada (*) 2030 33.894 1.524.187 8.308.895 2,2% 0,41%

    Pop. Projectada (*) 2050 44.148 1.998.466 9.149.984 2,2% 0,48%

    (*) Projeco ajustada com variante mdia da ONU 2008

    Fonte: INE, 1999a; Maddison, 2006, 2010; UN, 2010a.

    No 2 Milnio, registou-se uma visvel acelerao do crescimento populacional, tanto a

    nvel mundial e africano como moambicano. A populao mundial aumentou 22 vezes

    mais, enquanto em frica aumentou 25 vezes e em Moambique 59 vezes. No ano 1500 a

    populao de Moambique teria atingido um milho de habitantes; em 1820, ultrapassou

    os dois milhes de pessoas. Por volta de 1891, ano do nascimento do Estado moderno em

    Moambique, o nmero da populao rondava os 3,8 milhes de habitantes.7

    A Figura 2 resume a evoluo da populao de Moambique nos ltimos 120 anos e apresenta

    uma projeco do crescimento nos prximos 40 anos, segundo os dados da variante mdia da

    7 Reagindo a estas estimativas, apresentadas no Ideias 28 (Francisco, 2010b), o historiador GerhardLiesegang questionou o tamanho da populao indicado para o incio do sculo XX. SegundoLiesegang, em 1900 a populao moambicana deveria rondar apenas os trs milhes de habitantes; ou

    seja, menos oitocentos mil do que estimado na Tabela 1, para o ano 1891, uma dcada antes. Se estahiptese corresponder aos factos, a correco das estimativas permite adicionar uma nova hiptesesobre o incio e ritmo da acelerao da taxa de crescimento populacional, entre 1950 e 1990. Em vezde um crescimento mdio anual de 0,84%, no perodo 1900-1950, a taxa seria 1,57%, correspondente a

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    diviso de populao da Organizao das Naes Unidas (UN, 2010a). O ano 1891 escolhido

    como referncia inicial, na Figura 2, por ser a data histrica em que a configurao geogrfica

    e fronteiras, incluindo a longa costa do Oceano ndico, demarcada atravs do Tratado entre

    Portugal e Inglaterra, passou a ser conhecido por Moambique (Newitt, 1997: 291-342; Plissier,

    2000: 144). Tal acontecimento histrico deu origem ao nascimento de Moambique como Es-tado moderno.8A delimitao fronteiria de Moambique passou a fornecer o enquadramento

    estruturante em mltiplos sentidos (desde o demogrfico, ao social, econmico e poltico), com

    implicaes para a delimitao do tamanho, estrutura e dinmica populacional, bem como dis-

    tribuio geogrfica, movimentos migratrios e urbanizao, entre outros.

    Desde 1891 at 2010, a populao moambicana aumentou, aproximadamente de 3,8 milhespara 22,2 milhes de habitantes. Um aumento populacional de quase seis vezes mais, num

    perodo de 120 anos, resultando num incremento de 18,4 milhes de habitantes (Figura 2).

    A primeira duplicao populacional poder ter ocorrido no incio da dcada de 1960, ao

    totalizar 7,6 milhes de habitantes em 1961. A segunda duplicao ter acontecido por

    volta de 1995, ao atingir 15,8 milhes de habitantes, prevendo-se que atinja a terceira du-

    1,13%, em 1990- 1930 e 2,01%, em 1930-1950. No foi possvel ter acesso a fontes mais especficas que

    fundamentem esta hiptese, mas no deixa de ser uma hiptese interessante, ao avanar a possibilidadede a transio da mortalidade ter iniciado algumas dcadas antes de meados do sculo XX.

    8 Um Estado de natureza colonial, nos 84 anos decorrentes at Independncia em 1975, e EstadoSoberano, nos ltimos 35 anos, convertido num Estado Falido mas no Falhado (Francisco, 2010a).

    Figura 2: Evoluo e Projeco da Populao Moambicana, 1890-2050

    Fonte: Maddison, 2006; 2010; Projeco mediana UN, 2010a

    Anos

    P

    opulao(emM

    ilHabitantes)

    45.000

    40.000

    35.000

    30.000

    25.000

    20.000

    15.000

    10.000

    5.000

    1890 1906

    1891, Nascimento

    do Estado Moderno

    (colonial) 3806.728816

    1961, 1 Duplicaodesde 1891

    7627.642

    1975, Independncia

    de Moambique

    10432.604

    1995, 2 Duplicao

    desde 1891

    15764.753

    2010

    22173.8877

    2028, Previso da

    3 Duplicao

    31746.3889

    42789.66862

    1922 1938 1954 1970 1986 2002 2018 2034 2050

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    Caderno IESE 11 | 2011

    plicao por volta do ano 2028, ano em que se espera atingir 32 milhes de habitantes.

    Significa assim, que nos 35 anos de Independncia de Moambique, a populao duplicou

    (INE, 1999a, 2010b; Maddison, 2010; UN, 2010a).

    Desta breve retrospectiva, sobressaem aspectos dignos de realce, relativos variao do

    crescimento populacional, em termos absolutos e relativos. A populao total aumentou

    10 vezes, mas metade deste aumento ocorreu nos ltimos 35 anos (em apenas um quinto

    do perodo). Ou seja, foram precisos 70 anos para que a populao duplicasse, entre 1891

    e 1961, resultando num acrscimo absoluto de 6,6 milhes de habitantes. Porm, para a

    segunda duplicao, entre 1961 e 1995, foram precisos apenas 34 anos, resultando num

    acrscimo absoluto maior do que o da duplicao anterior (8,2 milhes de habitantes),

    testemunhando assim uma acelerao da taxa de crescimento.

    A variao relativa do crescimento populacional tambm evidencia uma acelerao, a par-

    tir da segunda metade do Sculo XX. At meados do sculo XX, a taxa mdia anual docrescimento da populao foi inferior a 1% (0,87%, no perodo 1891-1950), mas no ltimo

    meio sculo, registou uma acelerao persistente para nveis superiores a 2% ao ano (Fran-

    cisco, 2010b).

    A evoluo futura do tamanho populacional depender da variao das taxas vitais e da estru-

    tura etria, nomeadamente da taxa bruta de natalidade associada ao nvel de fecundidade das

    mulheres em idade reprodutiva. As projeces da ONU 2008 (UN, 2010a) assumem uma reduo

    progressiva da fecundidade, tanto no mundo em geral como em Moambique. Relativamente

    populao moambicana prev-se que continue a crescer ao longo de toda a primeira metadee parte da segunda metade do corrente Sculo XXI, no se sabendo quando estabilizar.9

    Transio demogrfica moambicana: incipiente, lentae tardia

    Para o senso comum, o rpido crescimento populacional no ltimo meio sculo de algummodo contra-intuitivo ou mesmo intrigante. No quotidiano, as pessoas sentem a adversida-

    de da vida, na luta pela sua sobrevivncia. Muita gente ainda se lembra, da massiva desloca-

    o populacional e dos bitos, causados pela guerra civil (1976-92) e por outras calamidades

    econmicas (e.g. destruio da economia rural, fome) e ambientais (e.g. seca, cheias).10

    9 Recentemente, o Continente Africano registou a passagem da barreira de mil milhes de pessoas,prevendo-se que volte a duplicar por volta do ano 2050. Em Moambique, se a terceira duplicaopopulacional, desde 1891, ocorrer por volta de 2028, significa que o ritmo de crescimento demogrfico

    acelerado manter-se-, tal como na duplicao anterior, com uma durao de 33 anos.10 Reagindo divulgao pblica dos resultados do Censo 2007, um cidado no familiarizado com acincia demogrfica, indagou: Se morreram tantas pessoas, devido guerra civil, calamidades, fome esubnutrio, como que a populao moambicana cresceu to rapidamente?.

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    Perante isto, o senso comum questiona-se sobre as possveis causas de um crescimento

    populacional rpido e vigoroso, no ltimo meio sculo, quando as adversidades registadas

    fariam pensar que a populao registasse uma forte diminuio da qual dificilmente recupe-

    raria. Sabendo que em perodos anteriores guerra civil, tambm se registaram calamidades

    naturais, conflitos militares e diversos outros factores de vulnerabilidade, em que difere a ace-lerao do crescimento populacional recente da evoluo demogrfica mais remota? Ser

    que o fenmeno do rpido crescimento demogrfico resulta de mudanas substantivas e

    estruturais, em vez de conjunturais e espordicas, nos mecanismos de reproduo humana?

    O que explica o elevado crescimento populacional?

    O crescimento populacional depende principalmente da mudana dos componentes fun-damentais da dinmica demogrfica (bitos e nascimentos), representados por indicadores

    como: taxa bruta de natalidade (TBN), taxa bruta de mortalidade (TBM) e taxa de crescimento

    natural ou vegetativo (TCN). A Figura 3 ilustra a tendncia das taxas vitais, entre 1950 e 2005,

    bem como a sua projeco at 2050, segundo a variante mdia da ONU 2008 (UN, 2010a).

    Na Figura 3, a representao grfica dos componentes de mudana demogrfica (TBM, TBN e

    TCN) em Moambique representada pelas linhas contnuas, para o perodo 1950-2005, e pelas

    linhas descontnuas na projeco referente ao perodo 2005-2050. A mancha cinzenta repre-

    senta as taxas vitais a nvel mundial, permitindo evidenciar graficamente algumas semelhanas

    e tambm diferenas, nas trajectrias demogrficas em Moambique e no Mundo.

    A principal semelhana entre a trajectria demogrfica mundial e a moambicana diz res-

    peito direco das mudanas observadas, visto ambas apontarem para o mesmo sentido,

    ou seja, uma diminuio dos componentes de mudana demogrfica (mortalidade e na-

    talidade). Mas a grande diferena entre elas est no ritmo de diminuio dos dois compo-

    nentes, sobretudo a fecundidade.

    Em meados da dcada de 1950, a taxa de mortalidade mdia mundial era de 17 bitos por

    1000 habitantes; cerca de 42% inferior mortalidade em Moambique, estimada em 30bitos por 1000 habitantes, em 1955. A taxa bruta de natalidade moambicana rondava

    os 50 nascimentos por 1000 habitantes, contra 36 nascimentos por 1000 habitantes a nvel

    mundial; isto , quase 40% superior ao nvel mundial.

    O saldo lquido das duas taxas vitais anteriores representava, por volta de 1955, um cresci-

    mento populacional mdio anual de 1,9%, em Moambique, contra 1,8% a nvel mundial.

    Uma diferena que, primeira vista, parece pequena, mas em uma anlise mais cuidada per-

    cebe-se que se traduziu numa divergncia significativa das tendncias demogrficas, nas d-

    cadas seguintes. No perodo 1955-2005, as taxas de mortalidade diminuram drasticamente,

    tanto em Moambique (-46%) como a nvel mundial (-51%). No entanto, no mesmo perodo,

    a natalidade moambicana diminuiu muito lentamente (-20%), comparativamente reduo

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    da natalidade a nvel mundial (-46%). Desta diferena de comportamentos dos componentes

    de mudana demogrfica, resultou que em Moambique, a taxa de crescimento populacio-

    nal acelerou de 1,8% para 2,3%, entre 1955 e 2005, enquanto no mesmo perodo, a popula-

    o mundial registou uma diminuio do ritmo de crescimento, de 1,8% para 1,2%.

    No seguro afirmar se, ao longo da corrente dcada de 2010, a populao moambicana

    continuar a registar nveis de crescimento demogrfico bastante elevados (acima de 2%

    por ano); ou se entrar, nos prximos tempos, numa fase de desacelerao sustentvel do

    crescimento populacional.11

    Em que fase da transio demogrfica est Moambique?

    Os dados usados neste trabalho podem divergir de outros, dependendo das fontes, con-

    duzindo a resultados e concluses ligeiramente diferentes; principalmente se pretender

    entrar em detalhes, com o incio exacto da ruptura com o antigo regime demogrfico e

    durao de cada fase; intensidade do crescimento da populao, dependendo da distncia

    entre os valores da natalidade e da mortalidade e extenso ou impacto de cada fase, em

    termos do volume total da populao afecta pelo processo de transio.

    11 Por desacelerao sustentvel entende-se, neste caso, a diminuio da taxa de crescimentopopulacional, resultante de mudanas estruturais da composio etria e condies de reproduo dapopulao, em vez de mudanas meramente circunstanciais ou conjunturais.

    Figura 3: Transio Demogrfica em Moambique e no Mundo, 1950-2050

    Fonte: UN, 2010a

    TBN-Mundo TBM-Mundo TCN-Moz

    TCN-MundoTBN-Moz TBM-Moz

    Taxa(por1000Habitantes)

    Anos

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    01955

    1,2%

    0,3%

    1965 1975 1985 1995 2005 2015 2025 2035 2045

    TCN-Mundo

    Taxa de Mortalidade (TBM-Moz)

    Taxa de Cres. Natural

    (TCN-Moz) 2,6%

    Taxa de Natalidade (TBN-Moz)

    (dados do meio da dcada, em e %)49,146,9

    43,5

    39,5

    32,6

    28,524,5

    21,2

    9,710,6

    11,813,5

    16,117,4

    2121,7

    25,6

    30

    1,9%

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    preciso aprofundar a anlise das taxas vitais, tomando em considerao os dados do l-

    timo censo populacional (Censo 2007) ainda por explorar, de forma sistemtica. Arnaldo

    (2007) reuniu suficientes evidncias conducentes concluso de que a transio da fe-

    cundidade moambicana poder ter iniciado por volta do ano 2000, mas provavelmente

    apenas no Sul de Moambique.

    No objectivo deste artigo desenvolver anlises detalhadas sobre a recente dinmica

    dos componentes da mudana demogrfica em Moambique, ser contudo suficiente su-

    marizar a discusso anterior, com hipteses de resposta questo: Afinal em que fase da

    transio demogrfica se encontra actualmente Moambique?

    A Tabela 2 permite responder a esta questo, recorrendo aos dados mais actualizados pu-

    blicados pelo INE e de um conjunto de trs dezenas de pases, agrupados segundo as cinco

    fases de transio demogrfica referidas anteriormente.

    Tendo em conta os dados demogrficos, Moambique encontra-se na Fase 2 com 41,1

    de TBN e 16,5 de TBM, 2,4% de crescimento vegetativo, 133 de TMI, esperana de

    vida nascena de 47,3 anos e 5,5 filhos por mulher (INE, 2010b). Estes dados referem-se

    a uma das verses das estimativas do INE, disponvel no seu Portal de Internet, diferentes

    de outras fontes suas como, por exemplo as Projeces Anuais da Populao Total, Urba-

    na e Rural, 2007-2040 (INE, 2010a), devido a diferenas metodolgicas, cujos detalhes se

    desconhece. No entanto, as diferenas nos dados, de uma maneira geral no afectam o

    posicionamento de Moambique na Tabela 2, o qual pretende ser mais indicativo do que

    exacto. Indicativo, porque no cmputo geral os indicadores demogrficos moambicanosreflectem ainda o RDA e a primeira fase da transio demogrfica, apresentando uma TBN

    na escala, ou muito prxima da escala dos 40-50, dependendo das estimativas, enquan-

    to a TBM diminuiu para nveis inferiores a 20.

    Tratando-se de uma transio, pressupondo assim a mudana de um equilbrio dinmico

    relativamente estvel para um novo equilbrio, significa que ela tem um incio e fim. Na

    prtica, porm, difcil identificar com preciso o incio e o fim da mudana do regime

    demogrfico antigo (RDA) para um regime demogrfico moderno (RDM), em parte por

    causa da complexidade e sobreposio dos factores envolvidos; por outro lado, por causa

    da falta e da fraqueza de dados que permitam medir os processos de mudana. A partir da

    experincia mundial, sabe-se que a transio demogrfica , na maioria dos casos, despo-

    letada pela queda da mortalidade, nomeadamente pela queda sustentvel da mortalidade

    infantil. Segue-se a transio da fecundidade, resultante da mudana no comportamento

    reprodutivo em processos que no so lineares nem ininterruptos. Quando se fala do in-

    cio da transio, em geral, refere-se queda irreversvel dos nveis da mortalidade ou da

    fecundidade, relativamente ao pico mais elevado e relativamente constante. A transio

    acontece, no obstante eventuais variaes, porque no se observa um retorno ao pico

    mais elevado. Pelo contrrio, ao longo do tempo, a transio da fecundidade acontece em

    direco ao nvel de substituio demogrfica (2,1 filhos por mulher) (Bongaarts, 2002: 4-5;

    Lucas, 1994: 25).

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    Tabela 2: Moambique no Contexto da Distribuio dos Pases por Fases da TransioDemogrfica, 2005-2010

    Fases EstadoTBN TBM TC

    (%)Intervaloda TC (%)

    TFT TMI Caractersticas

    Fase 1 - 40-50 40-50 0

    Na actualidade no hnenhum pas no mundoque apresente taxas demortalidade to altas.Para encontrar algumpas do Terceiro Mundonesta fase seria precisorecuar primeira metadedo sculo XX e, at ao s-culo XVIII, para encontraralgum dos pases ricos.

    Fase 2

    Guin Bissau

    NgerAngolaMaliUgandaTanzniaSomliaMoambique(*)

    49,6

    49,647,348,146,6

    3942,941,1

    18,4

    13,820,514,713,412,916,616,5

    3,1

    3,62,73,33,32,62,62,5

    > 2,0

    7,2

    7,16,46,56,55,26,05,4

    113

    111132129

    7773

    116133

    A Taxa Bruta de Natali-

    dade (TBN) mantm-sealta. Pelo contrrio, a TaxaBruta de Mortalidade(TBM) regista uma dimi-nuio, originando umforte aumento do cresci-mento populacional.

    Fase 3

    HondurasZimbabweBotwanandiaMarrocosAfrica do Sul

    27,927,924,923,020,522,3

    5,617,914,1

    8,25,817

    2,21,01,11,51,50,5

    [1,0-1,9]

    3,33,22,92,82,41,9

    28,258

    46,555

    30,619,8

    A TBN inicia uma redu-o, mas como a TBMtambm continua emqueda, o crescimentodemogrfico permanecemarcadamente positivo.

    Fase 4

    MaurciasTunisiaReino UnidoNoruegaEspanhaAustraliaSuciaustriaEstados Unidos

    14,816,712,012,010,812,411,3

    9,214,0

    75,69,99,18,87,1

    10,19,48,2

    0,81,10,20,30,20,50,10,00,6

    [0,9-0]

    1,92,41,71,81,31,81,71,42,1

    1444,8

    4,83,34,24,43,24,46,3

    A TBN e a TBM reduzem,at atingir valores mui-to parecidos, resultan-do numa desaceleraodo crescimento (comoacontece actualmentena Sucia e Astria).

    Fase 5

    AlemanhaItlia

    EslovniaLituniaJapo

    8,29,2

    9,09,18,3

    10,710,5

    9,912,39,0

    -0,3-0,1

    -0,1-0,3-0,1

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    classificaram Moambique, no incio da transio da fecundidade, com um nvel mdio na-

    cional da TFT de 5,5 filhos por mulher (6,1 rural e 4,4 urbano), no se observando qualquer

    diminuio nos dados do IDS (DHS - Demographic Health Survey), entre 1976 e 2003.

    Proteco social no contexto de uma transiodemogrfica incipiente

    Reproduo o processo em que os organismos adultos realizam sua capacidade fsica de

    produo de outros organismos, regenerando deste modo renovao das espcies (Robert-

    son,1991: 1). O estudo da reproduo humana requer o recurso a mobilizao do conheci-

    mento elaborado por disciplinas cientficas diferentes, incluindo a antropologia, a econo-

    mia, a psicologia, a neurobiologia e a demografia.

    Como escreveu Wilson (2009: 98), nenhuma teoria conduz directamente aos factos H

    sempre um processo repetido de formao e teste de hipteses; mas no menos ver-

    dade que o entendimento no depende de saber muitos factos, mas de ter os conceitos,

    explicaes e teorias correctos Ns entendemos a estrutura da realidade somente pelo

    entendimento das teorias que a explicam. E como elas explicam mais do que percebemos

    imediatamente, podemos entender mais do que percebemos imediatamente que enten-

    demos (Deutsch, 2000: 1, 9).

    Presentemente, apenas a teoria da evoluo transcende os limites disciplinares dos contri-

    butos cientficos especializados, ao proporcionar um quadro intelectual suficientemente

    abrangente e flexvel para entender a evoluo da reproduo humana. A teoria da evolu-

    o oferece um terceiro modo de pensar, em relao a duas outras formas de pensamento

    muito mais difundidas: a teologia e o materialismo. A teologia no til para investigar

    factos da vida social, defende Wilson, porque a sua misso apenas estabelecer valores

    relativos ao mundo material. O materialismo, apesar de complementar a seleco natural e

    permitir conhecer a constituio fsica dos organismos, deixa obscura a lgica e mecanis-

    mos adaptativos que explicam a finalidade na vida (Wilson, 2009: 33-36, 67-68).

    Ser que a teoria da evoluo pode ajudar a pensar a finalidade e os mecanismos de pro-

    teco social, no contexto do regime demogrfico antigo e da transio para o regime de-

    mogrfico moderno? Se a abordagem de Wilson for correcta a resposta questo anterior

    positiva:

    A adopo de um novo conjunto de convices sobre ns mesmos ajudar-nos- a ava-

    liar como as nossas antigas convices fracassaram A evoluo tem intrinsecamente

    a ver com organismos que reagem a modificaes ambientais no que toca evolu-o, o futuro pode ser diferente do passado (Wilson, 2009: 102; 144).

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    Ao reconhecer-se o carcter multidisciplinar e transcendente da explicao da seleco

    natural, possvel aprender a pensar os trs cs da evoluo humana - cognio, cultu-

    ra e cooperao (Wilson, 2009: 220-221). primeira vista, caractersticas mais ou menos

    controversas eg. igualitarismo, discriminao, infanticdio, suicdio, homossexualidade, o

    riso, a adopo e a arte parecem superficiais para se entender a sobrevivncia e reprodu-o humana. Porm, numa considerao de tais caractersticas informada pela perspectiva

    evolutiva, rapidamente se percebe que so tudo menos suprfluas.

    No espao reservado a este terceiro captulo procura-se responder a questes decorrentes

    da ideia principal sintetizada no ttulo deste trabalho: Ter muitos filhos, principal forma

    de proteco social em Moambique: O que significa ter muitos filhos, em termos gerais,

    e no caso de Moambique de hoje, em particular? Ser a estratgia de muitos filhos ain-

    da eficaz e eficiente? O que define o espao estratgico da proteco social demogrfica?

    Quantos filhos representam um nmero demasiado elevado? Ou qual o nvel de desper-

    dcio demogrfico da actual populao moambicana? No ser um paradoxo o facto da

    maioria das crianas moambicanas morrerem antes dos seus pais e avs? Se a sociedade

    no precisa do excedente de crianas que actualmente produz, porque consegue repor as

    geraes com menor nmero de crianas, ser que ir continuar a aliment-las?

    O espao estratgico da proteco social demogrfica

    Se a proteco social for entendida como o sistema de relaes e mecanismos institucio-nais estabelecido para garantir uma segurana humana digna, tal sistema precisa de ser

    analisado e investigado no contexto da organizao social da evoluo reprodutiva e do

    espao estratgico em que a populao vive. Trs componentes importantes compem

    o espao estratgico definidor do sistema PSD moambicano, tanto antigo como na sua

    transio recente: sobrevivncia, reproduo e ambiente natural e scio-econmico.

    Nos dois captulos anteriores destacou-se o estgio actual de transio demogrfica em

    Moambique, nomeadamente o seu carcter incipiente, lento e retardado, tanto ao nvel da

    transio da fecundidade como da transio da mortalidade. Se a experincia da transiodemogrfica mundial pode servir para antecipar a transio demogrfica moambicana,

    parece razovel admitir que o ritmo da transio da fecundidade moambicana continuar

    fortemente dependente da consolidao e sustentabilidade da transio da mortalidade,

    nomeadamente a mortalidade infantil.12 Como escreveu Livi-Bacci (1992: 123), olhando

    12 Cleland (2001), num artigo recente, inspirado nas ideias originalmente elaboradas por Kingsley Davis(1963), argumentou de forma persuasiva que redues substanciais da mortalidade representam acondio necessria e suficiente do estmulo da queda da fecundidade, em contexto histricos dos pases

    em desenvolvimento. Os resultados apresentados aqui oferecem forte suporte emprico ideia de Cleland:em parte nenhuma do mundo, independentemente da poca, dos nveis de riqueza ou estgios damodernizao, a fecundidade mudou sem que primeiro a mortalidade mudasse significativamente (Reher,2004: 25; ver tambm Livi-Bacci, 1992: 152-153; Malmberg and Sommestad, 2000; Malmberg, 2008).

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    Caderno IESE 11 | 2011

    Caixa 1. Expresses da Proteco Social Demogrfica Moambicana Sucesso

    e Interdependncia Geracional nos Macuas do Norte de Moambique

    Uma rapariga casada na puberdade, tem doze ou treze anos quando o esposo vem dormir com ela na

    cozinha da sua me. Pode ter o seu primeiro filho, o mais tardar, por volta dos quinze anos; a este ritmo apassagem das geraes efectua-se rapidamente. -se frequentemente av aos trinta e cinco anos, idadeaproximada em que uma mulher por consequncia introduzida na gerao snior. Uma mulher que vivamais de cinquenta anos tem todas as hipteses de vir a conhecer os seus bisnetos. (p. 78).

    A verdade que no h trs, mas pelo menos quatrogeraes em presena, demograficamente induzidaspela precocidade da fecundidade das mulheres (quinze anos). Com o tempo, com a passagem das geraes,o grupo domstico renova-se em torno das mulheres da ex-gerao jnior, promovida a snior, e expulsa dosseus efectivos a antiga gerao snior o casamento das netas que provoca e sanciona simultaneamenteesta ltima passagem de gerao para as mulheres velhas, que as introduz na gerao dos ancios. Tm entrecinquenta e setenta anos, so excludas das redes sociais e econmicas, constituindo e integrando os gruposdomsticos que outrora polarizavam, em proveito agora da gerao snior. Esta passagem de gerao corres-ponde alm disso ao perodo das suas vidas em que as mulheres e os sues esposos, ainda mais velhos, vem

    declinar as suas capacidades fsicas. Como subsistem? (p. 79).

    As consequncias funestas, para os ancios, da sua expulso do grupo domstico renovado, so na realidade evitadasuns quinze anos antes. Com efeito, nessa altura a av adoptou e criou sob o seu tecto a primeira neta nascida do ca-samento da sua filha. A mais velha das filhas no vive junto da sua me, levada para casa da av desde o desmame,onde criada e alimentada. Como mais velha, atinge a idade de ser casada antes que se inicie a passagem das gera-es, que ir excluir a sua av dos efectivos do grupo domstico Por outras palavras, a av tomou uma opo sobreo futuro do lar da sua neta ao adopt-la e aambarca antecipadamente o servio dos seus primeiros genros da novagerao, da qual ela inaugurar o advento matrimonial junto da sua adelfia Assim, ela ser de novo o plo de atrac-o das prestaes de uma nova gerao de genros que supriram junto dela a falta dos outros, quando estes forempromovidos a seniores A mulher snior subtrai a primeira criana nascida do casamento da sua filha aos cuidadosdesta, e renova com a criana o investimento que efectuou outrora com a sua filha. Ela beneficiar assim mais tarde,quando se tornar improdutiva, de servios provenientes do lar desta neta, equivalente aos que goza agora parte dolar da sua filha uma prepotncia das mulheres seniores sobre o destino da progenitura das jovens mes juniores,com o objectivo de preparar e garantir a assistncia social e material na sua velhice (pp. 79-81).

    As reservas assim acumuladas no ptio da mais velha das ancis destinam-se a fazer face aos anos dif-ceis A terra transmitida entre e pelas mulheres: quando morre uma mulher, uma outra da adelfia substi-tu-a junto do vivo. Toma o estatuto, o esposo e as terras da defunta, de quem herda isto , de quem elatoma o lugar e a identidade -, um vivo por um morto (diz-se tomar o nome do morto). As mulheres perma-necem assim toda a sua vida no interior do territrio. Os homens s tm acesso terra por intermdio dasmulheres, enquanto esposas, no quadro do casamento (pp. 82-83).

    A condio masculina parece aqui particularmente desagradvel: as mulheres dependem do trabalho dos ho-mens, mas o dispositivo tal que so estes que dependem delas para usufruir do seu prprio produto. Final-

    mente, embora o mesmo produto sirva para prover s necessidades das crianas, os homens no desfrutam docrdito de as ter alimentado, apenas as mulheres tiram disso partido, para reivindicar, em prejuzo dos homens,a autoridade sobre esta progenitura, nascida das suas unies. Em virtude destas relaes, liga-se, como vimos, apertena das crianas ao grupo das mulheres, a relao adlfica (p. 90).

    a sociedade macua evoca uma espantosa dependncia dos homens em relao s mulheres E no entantoos homens no possuem quase nenhum ascendente sobre as mulheres com quem casam, mas exercem a sua au-toridade sobre as mulheres da sua prpria adelfia, com as quais cresceram. A progenitura das esposas escapa-lhes,mas so senhores do destino das crianas das suas congneres. O domnio feminino dos celeiros e do ciclo pro-dutivo claro e sem partilha, mas so os homens que ordenam e fazem os casamentos que iniciam e sancionamcada um dos momentos do dito ciclo As mulheres administram este, os homens dispem, com a dominaodo casamento, do controlo das modalidades sociais da reproduo deste ciclo produtivo no tempo e, em virtudedesta prerrogativa estratgica, exercem indirectamente sua autoridade sobre toda a sociedade. De onde lhes vem

    este poder? Que fazem com ele? (p. 107- 108).

    Fonte: Geffray, 2000.

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    Estratgia de sobrevivncia e reproduo: o que significa ter muitos

    filhos?

    No contexto deste trabalho o uso de termos como muitos filhos ou poucos filhos assume

    um destaque particular, comeando pelo prprio ttulo, justificando uma nota qualificativasobre o seu significado especfico, no contexto da estratgia de sobrevivncia e reprodu-

    o humana.

    Os bilogos geralmente distinguem dois tipos de estratgia de sobrevivncia e reprodu-

    tiva, entre os organismos vivos: r13e K. Os seres humanos sobrevivem e reproduzem-se

    segundo uma estratgia-K, semelhana de outros mamferos, de mdio e grande porte,

    e outros seres vivos pequenos (e.g. pssaros). A estratgia-K apropriada para ambientes

    relativamente estveis, se bem que povoados por concorrentes, predadores e parasitas. Os

    seres vivos so de tamanho mdio ou grande, crescem lentamente e adquirem maturidade

    tardia, dedicando enorme investimento (tempo e recursos em cuidados parentais) prole.

    Por isso, a prole relativamente pequena, comparada com a estratgia-r. O menor cresci-

    mento demogrfico dos animais de maior porte pode estar ligado sua menor vulnerabi-

    lidade s flutuaes ambientais, e isto tambm est relacionado ao seu tamanho corporal

    (Livi-Bacci, 1992: 2-3).

    No contexto da estratgia-K seguida pelos seres humanos, a maior ou menor quantidade

    de descendentes ou filhos, pressupe uma relatividade diferente do que acontece com a

    estratgia-r. Nas populaes humanas, o nmero mdio de filhos nascidos vivos que uma

    mulher pode ter na sua vida frtil (convencionalmente definida entre os 15 e 49 anos), variaentre zero a 15 filhos.14Este nmero mximo de filhos, em termos estatsticos, explicado

    pelas limitaes biolgicas e sociais da procriao da mulher.15

    Em conformidade com a estratgia-K a vida no uma lotaria - pelo menos no sentido da

    estratgia-r, em que a probabilidade de sobrevivncia muito reduzida e, por isso a perpe-

    13 A estratgia-r praticada por insectos, peixes e certos mamferos pequenos que vivem em ambientesmuito instveis, o que requer que aproveitem os perodos favorveis (anual ou sazonal) para se

    reproduzirem rpida e abundantemente, apesar da probabilidade de sobrevivncia da prole serpequena. Num ambiente muito instvel, os seres vivos so de tamanho pequeno, crescem rapidamente,tm uma maturidade precoce e dependem de grandes proles ou de elevado nmero de nascimentos life is a lottery and it makes sense simply to buy many tickets (May and Rubinstein, ReproductiveStrategies, p.2 (Livi-Bacci, 1992: 3).

    14 Os conceitos fecundidade e fertilidade so susceptveis de certa confuso (e.g. Mariano e Paulo, 2009:11), em grande parte porque em ingls eles tm sentido diametralmente oposto ao que dado naslnguas portuguesa, francesa e espanhola. Assim, no francs: fcondit; no espanhol: fecundidad; eno portugus: fecundidade correspondem ao termo fertility em ingls. Os termos fertilit, fertilidad efertilidade correspondem ao termo fecondity em ingls, significando o potencial ou capacidade fisiolgicade produzir um nascido vivo, por parte de um homem, uma mulher ou um casal. Em outras palavras,fertilidade a probabilidade de engravidar, ou a probabilidade de exposio possibilidade de engravidar,

    a qual depende do padro de sade sexual e comportamentos preventivos da gravidez. A ausncia de talcapacidade denominada infertilidade ou esterilidade (Newell, 1988: 35; UN, 2010b: #621).15 O tempo de gravidez (9 meses); tempo perdido aps o parto e antes de retomar a fertilidade (infertilidade

    ps-parto, cerca de 1,5 meses); tempo de espera para a concepo (cerca de 7,5 meses); tempo perdido

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    Caderno IESE 11 | 2011

    tuao da espcie depende de elevados nveis de procriao. 16Mas se a espcie humana

    revelou-se muitssimo boa a resolver os problemas relevantes para a sua sobrevivncia e

    reproduo (Wilson, 2009: 43), algo adicional muito especial permitiu que se distinguis-

    se das demais espcies que seguem a estratgia-K.

    Apesar de as capacidades mentais de certos animais ultrapassarem em muito a dos

    seres humanos, no que se refere a tarefas especficas, ns somos especiais na flexi-

    bilidade da nossa inteligncia. A nossa espcie consegue resolver problemas absolu-

    tamente novos de uma maneira que as outras espcies so incapazes (Wilson, 2009:

    43).17 Mas no obstante esta capacidade, Wilson (2009: 220) questiona a representao

    habitual, auto-complacente, da singularidade humana, como se apenas os seres hu-

    manos fossem inteligentes e tivessem qualidades morais e estticas. Segundo Wilson

    (2009: 220), a capacidade de pensamento simblico dos humanos, bem como sua ca-

    pacidade de transmitir socialmente informao aprendida aquilo que se designa por

    cultura e de cooperar, embora comparvel de organismos multicelulares e insectos

    sociais, ultrapassa muito a de outros vertebrados. Apesar disso, Wilson (2009: 220) con-

    sidera errado descrever as capacidades especiais humanas como singulares, porque a

    evoluo exige uma continuidade de precursores com antepassados comum a outros

    primatas (Wilson, 2009: 202).18

    por causas naturais intra-uterino (cerca de 2 meses); a mortalidade e o tempo perdido por esterilidadedecorrente naturalmente da idade, ou induzida por um estado patolgico, dependendo de factores

    biolgicos e da variabilidade de comportamentos sexuais. Tendo em conta os riscos atrs referidos,em mdia a fertilidade mxima possvel reduz de 35 nascimentos para cerca de 15 filhos, assumindoque a mulher comece a procriar na adolescncia, entre os 14 e 15 anos de idade at ao fim da vidareprodutiva, por volta dos 50 anos de idade (Frank, 2008: 2; Newell, 1988: 35).

    16 Em geral, nenhuma populao atinge o mximo da fertilidade natural, tal como tambm existe grandevariabilidade individual entre as mulheres. Algumas mulheres, por vrias razes, so infrteis. Noutroscasos tm muitos filhos, como acontece ainda em Moambique. De acordo com o Guiness Book ofRecords, a me mais prolfica na histria foi uma camponesa dos arredores de Moscovo, no sculo XVIII;teve 69 crianas oficialmente registadas, 67 das quais sobreviveram infncia. Entre 1725 e 1765, elagerou 27 nascimentos mltiplos, incluindo 16 pares de gmeos, sete conjuntos de trigmeos e quatroconjuntos de qudrigmeos. O recorde mundial moderno, para partos mltiplos a Leontina Albina,de San Antonio, no Chile. Actualmente, nos seus sessentas, ela afirma ser me de 64 filhos, dos quais

    55 esto registados com certido de nascimento (Newell, 1988: 35; http://www.answerbag.com/q_view/576125).17 Tanto quanto sabemos, baseando-nos na informao de que actualmente dispomos, os nossos

    antepassados saram de frica (ou permaneceram l, se o leitor for africano) h aproximadamente setentamil anos e espalharam-se pelo planeta, chegando Austrlia h aproximadamente trinta mil anos. Podemosagradecer esta expanso inteligncia humana, pois ela exigiu a soluo para diversos problemas a umagrande escala. Para onde quer que fssemos, descobramos como extrair comida do ambiente, at estarmosa comer tudo, desde sementes at baleiasEm cada populao humana distinta, a lenta sabedoria daseleco natural seguia para onde a rpida sabedoria da inteligncia humana a conduzia. Em civilizaes quecriavam gado, o leite tornou-se, pela primeira vez na histria dos mamferos, um recurso para os adultosNadcada de 1950, os programas americanos de ajuda ao estrangeiro enviaram leite em p para todo o mundo,produzindo flatulncia generalizada em regies onde as pessoas no esto geneticamente adaptadas a

    digerir leite em adultos. No admira que nos odeiem! ... (Wilson, 2009: 83).18 A evoluo exige continuidade, pelo que as nossas capacidades devem ter tido precursores noantepassado comum que partilhamos com os outros grandes primatas vivos chimpazs, bonobos,gorilas e orangotangos h apenas seis milhes de anos(Wilson, 2009: 220).

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    Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica

    De qualquer forma, a capacidade especial dos seres humanos inquestionvel, por diver-

    sas razes, nomeadamente a sua flexibilidade comportamental e capacidade de construir

    ambientes sociais que aumentam a probabilidade de sobrevivncia das populaes huma-

    nas. Tal capacidade materializa-se especificamente nos mecanismos de proteco social

    atravs dos quais as populaes humanas mitigam e antecipam riscos de insegurana eameaas sobrevivncia, primeiro de forma natural ou subconsciente, e mais recentemen-

    te por via do controlo racionalizado da sua reproduo. Um controlo baseado em mtodos

    e tecnologias mais eficientes do que os mtodos antigos, como o prolongamento do per-

    odo de amamentao dos filhos para reduzir a fertilidade, o adiamento da idade de acasa-

    lamento; ou opes mais cruis (na perspectiva moral contempornea) como o aborto, o

    infanticdio e a venda ou abandono das crianas sua sorte.

    Mortalidade, fecundidade e elevado nmero de nascimentos

    Ao longo de milhares, para no dizer milhes, de anos, a sobrevivncia das populaes hu-

    manas foi determinada principalmente pelas condies climticas e ambientais, as quais

    dependiam decisivamente das variaes da precipitao, do potencial e deficincias do

    solo e, eventualmente, da melhoria dos meios tcnicos rudimentares desenvolvidos na

    poca paleoltica e neoltica, tais como: a roda, a escrita, a cultura de traco animal e os

    sistemas de irrigao.

    Pode-se por isso tomar como hiptese, parafraseando Hugon (1999: 29), que ao longo do

    RDA a vulnerabilidade econmica e tcnica favoreceu uma grande coeso social das co-

    munidades e uma hierarquia dos poderes baseada na idade. Mas diferentemente do queHugon (1999: 29) sugere, o favorecimento da coeso social e hierarquia dos poderes base-

    ada na idade prolongou-se, no caso de Moambique, muito alm do perodo pr-colonial.

    Tanto no perodo colonial como nas dcadas posteriores independncia, os meios pouco

    desenvolvidos e as condies naturais hostis (insectos e parasitas, doenas endmicas, fra-

    gilidade dos solos, riscos climticos, entre outros), apontados por Hugon (1999: 29) como

    caractersticos de economias pr-coloniais, persistiram e persistem em Moambique, at

    ao presente, principalmente nas zonas rurais.

    A maioria da populao rural moambicana tem vivido em condies de subsistncia pre-crias, geralmente dependente de meios tcnicos tpicos das sociedades agrcolas neo-

    lticas, em que a roda, a escrita e a cultura de traco animal permanecem marginais na

    actividade quotidiana rural.

    A Figura 4 apresenta um retrato grfico do espao estratgico da sobrevivncia e reprodu-

    o no ltimo quinqunio do sculo XX (1995-2000), relacionando a fecundidade (medida

    pela TFT) e a mortalidade (medida pela taxa de mortalidade infanto-juvenil mortalidade

    dos menores de cinco anos), com recurso aos dados estatsticos dos distritos e provncias

    de Moambique e de 174 pases do mundo (INE, 2005; UNDP, 2001).

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    No final do sculo XX, a mortalidade infanto-juvenil moambicana era de 256 bitos por

    mil nascidos vivos, a esperana de vida nascena 41,4 anos de idade e a taxa geral de

    fecundidade 7,3 filhos (mediana 7 e moda 6,2 filhos) por mulher. 19Por seu turno, a nvel

    mundial, a mortalidade infanto-juvenil rondava os 65,4 bitos por mil nascimentos, a espe-

    rana de vida nascena 65,3 anos de idade e a fecundidade (TFT) uma mdia de 3,4 filhos(mediana 3 e moda 1,6 filhos) por mulher.

    A disperso da mortalidade infanto-juvenil, entre o mnimo e o mximo, tanto a nvel mun-

    dial como em Moambique, tambm era muito grande, com a diferena que o mnimo

    a nvel mundial foi de 4 bitos por mil nascimentos, enquanto o mnimo moambicano

    cifrou-se em 88 bitos por mil nascimentos. O hiato entre os valores mximos mundiais da

    mortalidade infanto-juvenil e os de Moambique foi 361 bitos por mil (desvio padro 67)

    nascimentos, contra 485 bitos por mil nascimentos (desvio padro 93,6).

    19 Refira-se que o PNUD, no clculo do ndice de esperana de vida, estabelece como limite mnimo25 anos e limite mximo 85 anos. Significa que, h dez anos, assumindo que as estimativas do INE

    representam a realidade, em certos distritos de Moambique a populao apresentava um nvel deesperana abaixo do prprio limite mnimo que internacionalmente se assume estar superado em todoo mundo. Ser interessante verificar qual ser a situao mais recente, a partir da anlise detalhada dosdados do Censo 2007 (INE, 2009b).

    Figura 4: Mortalidade Infanto-Juvenil e Taxa de Fecundidade Total (TFT),Moambique e o Mundo, 1995-2000

    Fonte: INE, 2005; UNDP, 2001

    y Moz= 1.1599ln(x) - 0.724R = 0.6776

    yMundo = 2.639ln(x) - 7.2065R = 0.3236

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    0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500

    Fecundidade(TFT)Mundo

    -1995-2000

    Fecundidade(TFT)M

    oz-1997

    Taxa de Mortalidade Infanto-Juvenil (menores de cinco anos)

    Mundo Moz-Dist Moz-regies Provincias

    Log. (Mundo) Log. (Moz-Dist) Log. (Moz-Dist)

    GRUPO 3

    GRUPO 1

    GRUPO 2

    DU1 Myanmar

    Oman

    Yemen.

    Banglades

    Mavago Maua

    Zavala

    Macanga

    Changara

    Pemba

    Zamb

    CD

    SUL

    Muembe

    Yemen

    DU2

    Arbia Saudita NORTECENTRO

    MOAMBIQUE

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    Existe um terceiro aspecto, talvez o mais importante para o argumento deste trabalho, que

    revela sobre a ntima interdependncia entre a reproduo e a mortalidade. A Figura 4

    mostra uma forte correlao positiva entre a mortalidade infanto-juvenil e a fecundidade,

    a nvel mundial (R2= 0.677); no interior de Moambique, a correlao tambm positiva (R2

    = 0.323), muito mais fraca do que a nvel mundial.

    Apesar de a Figura 4 correlacionar a fecundidade com a mortalidade infanto-juvenil, em vez da

    mortalidade infantil, o resultado consistente com a concluso encontrada na literatura recen-

    te, sobre a forte inter-dependncia entre a mortalidade infantil e a fertilidade (Malmberg, 2008;

    Reher, 2004). Malmberg (2008: 18) chega a concluir que os pases com taxas de mortalidade

    infantil acima de 100 bitos por mil nascimentos, apresentam taxas de fecundidade de seis ou

    mais filhos por mulher. No entanto, segundo ainda Malmberg, quando a mortalidade infantil

    baixa para menos de 100 bitos por mil nascimentos, a TFT reduz para valores inferiores a seis

    filhos por mulher. E quando a reduo da mortalidade infantil atinge os 50 bitos por mil nasci-

    mentos, a TFT aproxima-se dos trs filhos por mulher (Malmberg, 2008: 18).

    Em Moambique, h dez anos atrs, somente alguns dos distritos urbanos da Cidade de

    Maputo apresentavam nveis de mortalidade infanto-juvenis inferiores a 100 bitos por

    mil nascimentos: Distrito Urbano 1 (87,5; 2,7)20, Distrito Urbano 2 (94; 3,4), Distrito Urbano 4

    (96,7; 4,2) e Distrito Urbano 5 (90,3; 4,3). Existia apenas uma dzia de distritos com mortali-

    dade infanto-juvenil entre 100 e 1500 bitos por mil nados-vivos.21

    A concluso de Malmberg (2008: 18) consistente com a tendncia apresentada na Figura 4,

    mas convm clarificar que por causa da falta de dados distritais sobre mortalidade infantil, avarivel usada no grfico corresponde s taxas de mortalidade infanto-juvenil. De qualquer

    forma, dados provinciais mais recentes, divulgados pelo INE (2009b), continuam a corrobo-

    rar a concluso de Malmberg, com a particularidade de se reportarem situao de pouco

    mais de uma dcada atrs. Segundo o MICS 2008 (INE, 2009a), as estimativas provinciais da

    mortalidade infantil apresentam nveis superiores a 100 bitos por mil nascimentos, a nvel

    nacional (105,3) e nas zonas rurais (110,2), bem como nas provncias de Cabo Delgado

    (131,7), Nampula (104,9), Zambzia (147,1) e Tete (107,5). Somente em Maputo,

    Cidade (66,6) e Provncia (67,3), que as taxas de mortalidade infantil so inferiores a

    70, mas evidentemente bastante acima dos 50 (INE, 2009a: Q2.3.2).

    De acordo com as recentes projeces 2007-2040 do INE (2010a), se as condies de mor-

    talidade infantil no superarem as actuais expectativas, s dentro de duas dcadas que

    a mortalidade infantil moambicana ultrapassar o limiar dos 50. Recentemente, o INE

    divulgou suas projeces demogrficas para o perodo 2007-2040, nas quais estima que a

    20 O primeiro valor entre parntisis refere-se mortalidade infanto-juvenil por mil nascimentos e osegundo TFT.

    21

    Distrito Urbano 3 (100,5), Cidade da Matola (105,3), Moamba (108,4), Zavala (113), Cidadede Inhambane (115,1), Marracuene (116,8), Cahora Bassa (117,4), Maxixe (124,4), Namaacha(124,7), Inharrime (125,5), Distrito de Xai-Xai (155,4), Cidade de Xai-Xai (128,7), Boane(132), Magude (144,7), Cuamba (147,6), Cidade de Lichinga (147,7) e Mossurize (148,8).

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    mortalidade infantil atinja os 50,7 em 2030 e 48,9 em 2031, enquanto a fecundidade

    poder situar-se nos 3,8 filhos por mulher. As novas projeces do INE para a fecundida-

    de tomam certamente em considerao o facto de, na dcada passada, a sua diminuio

    ter sido inferior previso nas projeces divulgadas em 1999. Em vez de uma reduo

    da fecundidade para 5,3 filhos por mulher, projectada pelo INE (1999b: 84) para 2010, nasua mais recente actualizao, o INE (2010a) corrige a estimativa da taxa de fecundidade

    para 5,6 filhos por mulher.Tendo em conta os dados do Censo 2007, avaliaes sistemticas

    como a que foi feita por Arnaldo (2007) sobre os determinantes prximos da fecundidade,

    necessitam de ser retomadas e actualizadas (Caixa 2).

    Caixa 2. O Alto Prestgio Social que as Mulheres com Muitos Filhos Gozam

    Acredita-se que o baixo estatuto social da mulher na frica Sub-Saariana tambm promove nveis elevadosde fecundidade... A dependncia econmica das mulheres nos homens, que caracteriza a estrutura familiarpatriarcal da maior parte da frica Sub-Saariana, resulta em nveis de fecundidade desejadarelativamenteelevados de modo a minimizar os riscos na velhice (Cain, 1993; Mason, 1993; Abadian 1996). Contudo, mesmoquando os desejos de fecundidade das mulheres so baixos, estes nveis podem no ser facilmente atingi-dos, pois as mulheres tm um poder de tomada de deciso limitado. Nas estruturas familiares africanas, asmulheres no tm autoridade na tomada de decises sobre o tamanho da famlia e de praticar ou no o pla-neamento familiar. A prtica do Lobolo vista como um meio que confere ao esposo e seus familiares o direitode decidir sobre a prtica do planeamento familiar (Boserup, 1985; Caldwell e Caldwell, 1987; Frank e McNicoll,1987; Caldwell et al., 1992). Em adio ao seu mnimo envolvimento na tomada de decises sobre o nmero defilhos a ter, as mulheres em frica temem a esterilidade: ter filhos de um modo regular e muitos, refora o pres-tgio da mulher e assegura respeito, enquanto que, em contraste, a esterilidade ou um menor nmero de filhossujeita a mulher ao ridculo, sofrimento e consequncias sociais negativas (vide Capitulo 7) (Arnaldo, 2007: 23).

    A investigao sobre os diferenciais da fecundidade tem observado, sistematicamente, que as mulheres quevivem em reas urbanas tm [mais] baixos nveis de fecundidade do que a sua contraparte rural Esta dife-rena nos nveis de fecundidade pode reflectir diferentes estatutos socio-econmicos entre as mulheres urba-nas e rurais. As mulheres urbanas tm uma melhor escolarizao e esto mais susceptveis de participar nomercado de trabalho formal, casar mais tarde, e possuir melhor conhecimento sobre e acesso a contraceptivosmodernos do que as mulheres rurais (Cohen, 1993; Shapiro e Tambashe, 2001). Por outro lado, devido ao factodos custos de procriao serem elevados em reas urbanas do que em rurais, onde as crianas ajudam nasactividades domesticas e agrcolas, as mulheres de reas urbanas esto mais susceptveis de apreciarem asvantagens de terem uma famlia pequena (Cohen, 1993; Jolly e Griblle, 1993). Nveis elevados de fecundidadeem reas urbanas podem tambm estar associados, parcialmente, residncia rural per se, pois a vida est as-sociada a muitos filhos e normas que tendem a favorecer a famlia alargada (United Nations, 1987:188) (p. 131)

    Como se esperava, as TFTs estimadas (Tabela 4.7)(*) so [mais] baixas em reas urbanas do que em rurais. Anvel nacional, a diferena de 1,7 filhos por mulher, reflectindo uma TFT de 6,3 comparada com 4,6 para reas

    urbanas. As diferenas entre as reas urbanas e rurais so grandes na regio Centro (1,9) do que as regiesNorte (1,2) ou Sul (1,4). Em termos relativos, a fecundidade urbana de 28, 18 e 25% mais baixa do que a fecun-didade rural nas regies Centro, Norte e Sul, respectivamente. Em sete das dez provncias, a diferena urba-no-rural na TFT excede um filho por mulher, e aproximando-se a dois em Sofala. No existe quase nenhumadiferena entre a TFT urbana e rural em Manica, onde a TFT urbana de apenas 0.2 filhas menos do que a rural.Na verdade, Chimoio (em Manica) a capital provincial com a mais elevada TFT (6,2), 2,1 filhos por mulher maisalto do que a mdia nacional. Fazendo uso de mtodos quantitativos e qualitativos, Martinho (2000) sugereque as razes por detrs da elevada fecundidade na Cidade de Chimoio so, talvez, o alto prestgio social queas mulheres com muitos filhosgozam e a ausncia de motivao para adoptar mtodos de contracepomodernos. Mais ainda, Manica, tanto quanto Niassa, Nampula e Tete, todas com TFTs de 5.0 ou mais, estoentre as provncias menos desenvolvidas do pas (Ministrio do Plano e Finanas, 2000) (p. 131).

    Fonte: Arnaldo, 2007.

    (*) No texto original o autor usou ponto (sistema ingls) em vez de vrgula (sistema portugus) comoseparador decimal

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    A questo da eficcia e da eficincia da estratgia de termuitos filhos

    Para melhor se compreenderem as oportunidades e os constrangimentos que afectama incipiente transio demogrfica moambicana, ser necessrio ir alm das descries

    dos processos demogrficos e do conhecimento das tendncias passadas e possibilida-

    des futuras.

    A teoria demogrfica e outras cincias sociais possuem uma extensa literatura sobre a

    transio da mortalidade e da fecundidade em ntima ligao com os mecanismos adap-

    tativos e possveis causas explicativas das mudanas. Aprofundar este assunto requereria

    igual ou maior espao do que j foi ocupado por este texto, mas pelo menos possvel

    referir alguns dos principais factores determinantes que permitam responder s questes

    enunciadas no incio deste captulo. Para alm dos factores biolgicos j referidos (os que

    afectam os intervalos entre nascimentos), existem factores socioeconmicos que afectam

    o nmero de nascimentos e a proporo do perodo reprodutivo dedicado aos cuidados

    parentais dos filhos: idade do casamento, formas de casamento e outros mecanismos tra-

    dicionais de regulao da criao e desenvolvimento das crianas. Em ltima anlise, os

    factores biolgicos e socioeconmicos determinam a eficcia e a eficincia da reproduo

    humana, as quais, por sua vez, moldam, incentivam ou condicionam as formas e o desem-

    penho da PSD.

    Se entendermos a eficcia da estratgia de reproduo como a capacidade de a populaoalcanar a sua principal finalidade - isto , a sobrevivncia -, a descrio anterior sobre a

    enorme variabilidade da fecundidade moambicana no deixa qualquer dvida. A popu-

    lao moambicana uma das populaes do mundo que tem alcanado, com sucesso, a

    sua estratgia de sobrevivncia. Nesta perspectiva, a maximizao da procriao com vista

    a compensar e superar minimamente o nvel de mortalidade uma estratgia eficaz.

    Tal estratgia ser tambm eficiente? Eficiente, no sentido da capacidade da populao

    alcanar a sua finalidade de forma competente, com o menor desperdcio possvel. Em

    outras palavras, o desempenho eficiente da reproduo em funo da forma como a po-pulao combina a componente ligada eficcia (o nmero de filhos necessrios para que

    a sobrevivncia seja garantida) com a componente ligada eficincia (a maneira ou o tipo

    de investimento no cuidado parental).

    Uma estratgia reprodutiva eficaz, mas ineficiente

    A implicao analtica da anterior distino, entre eficcia e eficincia, deve comear a ficar

    evidente. Primeiro, o sucesso da estratgia de uma populao, em termos de crescimento,

    depende da ntima inter-dependncia entre sobrevivncia e reproduo. Neste sentido, onmero que importa considerar, quando se lida com o nmero de crianas ou filhos nas-

    cidos por mulheres, no o nmero total de filhos que nascem mas o nmero de filhos

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    que efectivamente sobrevivem at a idade reprodutiva. Ou seja, em termos de capacidade

    reprodutiva efectiva, o nvel de fecundidade da populao necessita de ser considerada

    em ligao com o nvel e comportamento da mortalidade, ao longo do perodo de vida

    reprodutiva da mulher.

    Aproveitando o exemplo ilustrativo de Livi-Bacci (1992: 18-20), com uma esperana de vida

    nascena igual a 20 anos, uma gerao apenas vive 29,2% da vida fecunda potencial,

    devido dizimao causada pela alta taxa de mortalidade. Esta proporo aumenta gradu-

    almente com o aumento da esperana de vida: para 70,8% e 98,2%, quando a esperana

    de vida nascena igual a 50 e 80 anos, respectivamente. Assumindo que a mulher tem

    uma mdia de seis filhos, abstraindo da mortalidade, quando apenas 30% do espao re-

    produtivo usado (eo

    = 20), o nmero de filhos nascidos por mulher 6 x 0,3 = 1,8. Quando

    70% do espao estratgico usado e a eo

    = 50 anos, o nmero de filhos nascidos 6 x 0,7

    = 4,2; quando eo

    = 80 anos e 98% do espao estratgico usado, o nmero de filhos nas-

    cidos 6 x 0,98 = 5,88. Como cada criana gerada pela unio de dois indivduos (mulher

    e homem), em termos hipotticos, cada casal salda a sua dvida demogrfica se o nmero

    obtido rondar o nvel de dois filhos. Um nmero acima de dois implica crescimento; se

    atingir os quatro, a populao duplica em apenas uma gerao (cerca de 30 anos) e a taxa

    mdia anual de crescimento ser de 2,3%.

    Qual o nvel de desperdcio demogrfico dos Moambicanos?

    Aplicando o exemplo anterior ao caso particular da populao moambicana, no ser

    difcil inferir que a exploso demogrfica provocada pela transio demogrfica acaboupor permitir o quanto o RDA logrou alcanar com sucesso (ou eficcia) a sua estratgia de

    sobrevivncia, mas de forma extremamente ineficiente. A ineficincia reside no facto de a

    populao alcanar a sua finalidade estratgica custa de um elevado desperdcio demo-

    grfico. Desperdcio porque, semelhana do que acontecia no RDA, tambm no decurso

    da transio demogrfica a mulher continua a ter uma mdia de seis filhos, supostamente

    para garantir a substituio pela gerao seguinte.

    Acontece que o nvel de reposio, ou seja, a taxa de fecundidade necessria para a popula-

    o se manter constante a longo prazo, de 2,1 filhos por mulher. Em termos mais comuns,cada mulher apenas precisaria de ter uma filha para substituir a si prpria. Se no existisse

    mortalidade na populao feminina, at ao fim da idade frtil (geralmente considerada o

    perodo 15- 49 anos, embora existam excepes), o nvel de substituio de TFT seria muito

    prximo de 2,1 filhos, (o ligeiro excedente acima de dois filhos corresponde compensao

    do excesso de rapazes em relao s raparigas nascena, nas populaes humanas).

    Na prtica, o nvel de substituio afectado pela mortalidade, especialmente a mortali-

    dade infantil.22Considerando que a mulher moambicana tem actualmente uma mdia de

    22 Arnaldo e Muanamoha (2010:11) concluem que o nvel de fecundidade moambicana o triplo do queseria necessrio para garantir a reposio das geraes, mas este valor abstrai-se do efeito da mortalidade.

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    5,7 filhos, sem tomar em considerao o efeito da mortalidade, com uma esperana de vida

    nascena (eo

    = 47,3 anos), por causa da mortalidade cada gerao vive apenas 69% da sua

    vida frtil potencial. Com se disse anteriormente, o sucesso reprodutivo da populao de-

    pende do nmero de filhos que realmente sobrevivem at idade reprodutiva. Neste caso,

    o nmero de filhos necessrios para garantir a reposio 5,7 x 0,69 = 3,9 filhos.

    Significa que nas actuais condies de mortalidade em Moambique, a ineficincia repro-

    dutiva da populao moambicana ronda os dois filhos por mulher; ou seja, um desper-

    dcio demogrfico duas vezes acima do nvel de reposio necessrio para cada gerao

    moambicana assegurar a sua substituio pela gerao seguinte.

    Nascimentos e sobreviventes: quando que as famlias se tornaram

    grandes?

    As famlias grandes representam uma caracterstica mais recente do que geralmente per-cebido pelo senso comum; um produto da transio demogrfica, em vez dos tempos re-

    motos do RDA. Esta percepo do senso comum tem sido apoiada por certos especialistas

    em estudos da populao, incluindo investigadores notveis como Caldwell (1976, 1982) e

    Lesthaeghe (1980, 1989), bem como crticos da teoria da transio demogrfica (Bandeira,

    1996; Campbell, 2007: 242-243).

    Na verdade, a ideia das famlias grandes no passado remoto tornou-se uma pea importan-

    te na justificao da transio demogrfica do RDA para o RDM. Segundo Reher (2004: 25),

    o entendimento geral sobre a mudana da fecundidade e a transio demogrfica susten-ta-se geralmente na seguinte descrio. Antes da transio, as pessoas preferiam grandes

    famlias, provavelmente por perceberem a utilidade das crianas, quer para a segurana

    social dos idosos na fase avanada da vida, quer por razes culturais diversas. A introduo

    de elementos modernizadores na sociedade motivou os pais a desejarem famlias meno-

    res. Assim, do ponto de vista da mudana idealizada, o incio da transio da fecundidade

    passou a ser considerado como um captulo crucial no triunfo da emancipao humana, da

    racionalizao e modernizao, do individualismo e da ocidentalizao.

    Ainda que seja uma interpretao atractiva, como refere Reher (2004: 25), ela resulta deuma realidade relativamente recente e contempornea, em vez de um passado distante.

    As famlias nunca foram grandes antes da transio demogrfica A taxas relativamen-

    te baixas prevalecentes na maior parte do mundo, antes da transio demogrfica, so a

    melhor prova de que as famlias tendiam a ser pequenas, em vez de grandes (Wilson and

    Airey, 1999; Reher, 2004: 25).

    Considerando que, do ponto de vista da reproduo, o indicador realmente importante

    no o nmero de crianas que nasceram vivas (medido pela TFT), mas o nmero de crian-

    as que sobrevivem at idade reprodutiva, sabido que este ltimo nunca foi elevado,

    excepto no perodo prximo ou durante a transio demogrfica. E se assim , como refere

    Reher (2004: 25), tanto o controlo da mortalidade como a subsequente controlo da fecun-

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    didade assume um significado totalmente diferente do aconteceria se as famlias grandes

    existido h muito mais tempo. Significa que o controlo da fecundidade pode ser visto

    como uma soluo para se manter o tamanho da famlia, em vez de se procurar diminu-lo.

    Esta questo de primordial importncia para Moambique, na actual fase da sua transi-

    o demogrfica. Certos grupos populacionais, talvez ainda poucos, procuram reduzir o

    tamanho dos agregados familiares s novas condies da sua vida, mas outros procuram

    encontrar soluo para os efeitos de deficitem vez de excesso de nascimentos. Geffray, na

    sua descrio dos desequilbrios da estrutura demogrfica dos Macuas, no Norte de Mo-

    ambique, em meados do sculo XX, mostrou como o deficitde nascimentos de raparigas

    pode perturbar a estabilidade da passagem das geraes:

    O deficit de nascimentos femininos tem em primeiro lugar como consequncia, na pri-

    meira passagem das geraes, um pequeno nmero de raparigas para casar, reduzindopor isso o efectivo dos homens jovens incorporados pelo casamento: h poucos casais

    juniores na casa. A ascenso de uma sororia jnior incapaz de se reproduzir provoca,

    a partir da gerao seguinte, o aparecimento de um efectivo de seniores e de ancios

    supranumerrios, relativamente ao de uma gerao socialmente produtiva de juniores.

    A pirmide de idades do grupo reduz-se ou inverte-se a partir da base(Geffray, 2000:

    110-111).

    Ceccato (2000), na sua avaliao do impacto da modernizao na fecundidade em Moam-

    bique, analisa as variaes da fecundidade a nvel regional e de grupos tnicos e sociais,identificando alguns tipos de casais tpicos correspondentes aos principais estgios da

    transio demogrfica clssica: tradicional (em transio) e moderno (Caixa 3).

    O debate sobre a idealizao da famlia grande, principalmente o mito de que elas so mais

    antigas do que aquilo que as prprias condies demogrficas teriam permitido, merece

    ser testado e confrontado para o caso da realidade moambicana, de uma maneira mais

    sistemtica e detalhada do que possvel neste trabalho. Na verdade, ser preciso revisitar-

    -se a literatura antropolgica, histrica, demogrfica e sociolgica com o propsito espec-

    fico de avaliar a relevncia do referido questionamento para tornar mais visvel o contedoe tipos de famlias herdadas do RDA e em processo de desenvolvimento no perodo da

    transio demogrfica moambicana incipiente em curso actualmente.

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    antes dos seus pais e avs; ou mesmo, morrerem antes de atingirem a idade reprodutiva e

    poderem saldar a sua dvida por terem nascido, contribuindo para a sua reposio gerando

    os seus prprios descendentes.

    O paradoxo dos filhos morrerem antes dos pais e avs

    Para alm do drama que o falecimento de uma criana representa para os seus progeni-

    tores, do ponto de vista da reproduo da espcie, a elevada mortalidade infantil significa

    que a maioria das crianas morre antes de saldar a sua dvida demogrfica para com a sua

    espcie. Em termos reprodutivos, saldar a dvida demogrfica individual significa repor e

    garantir que uma gerao seja substituda pelos novos descendentes. Isto acontece graas

    ao investimento e cuidados dos pais, mas tambm capacidade individual de crescerem e

    viverem at idade reprodutiva e gerarem seus descendentes.

    Na actual situao de transio demogrfica incipiente, se os esforos visando melhorara esperana de vida nascena tiverem sucesso, sem que igual esforo seja canalizado

    para a reduo sustentvel da fecundidade, crescer o risco de o desperdcio demogrfico

    aumentar. Por exemplo, se at ao fim da corrente dcada a TFT baixar para cinco filhos, a

    esperana de vida nascena aumentar para eo

    = 60 e o espao estratgico em uso aumen-

    tar para 88%, o nmero de filhos sobreviventes rondar os 5 x 0,88 = 4,4.

    Ainda precisar de mim, ainda me alimentar?

    Uma das obras mais famosas na cincia demogrfica o livro de Malthus, Ensaio sobre oPrincpio da Populao, publicado pela primeira vez em 1798, sob anonimato. Uma fama

    que ultrapassou o domnio da demografia ao inspirar, ao longo dos dois sculos passados,

    imensas reflexes intelectuais, tanto inovadoras e criativas como crticas e controversas.

    Uma das inspiraes mais famosas e frutferas foi provavelmente a que o prprio Darwin

    reconheceu, na famosa referncia influncia que o livro de Malthus teve na formulao

    da sua teoria da seleco natural.23

    Mas a principal razo da grande controvrsia que o livro de Malthus provocou, desde a

    sua primeira apario pblica, parece ter pouco a ver com os dois importantes postuladosque enunciou: 1) Que o alimento necessrio para a existncia do homem; 2) Que a p