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Cadernos IESE N. 11
Antnio Francisco
Proteco Social no Contexto
da Transio Demogrfica
Moambicana
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Cadernos IESE
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Proteco Social no Contexto da
Transio Demogrfica Moambicana
Antnio Francisco
Cadernos IESE n 11/2011
Antnio FranciscoDirector de investigao do IESE e Professor Associado da Faculdade de Economia
da Universidade Eduardo Mondlane, doutorado em Demografia pela Universidade Nacional da
Junho, 2011
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Ttulo: Proteco Social no Contexto da Transio DemogrficaMoambicana
Autor: Antnio Francisco
Copyright IESE, 2011
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Maputo, MoambiqueTelefone: + 258 21 328894 | Fax: +258 21 328895
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ISBN 978-989-8464-09-5
Nmero de Registo: 7036/RLINLD/2011
Palavras-chave:Fecundidade, proteco social, regime demogrfico,transio demogrfica, Moambique
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Antnio Francisco | Proteco Social no Contexto da Transio Demogrfica
Sumrio1
semelhana do que acontece noutros pases da frica Subsariana, ainda numa fase in-
cipiente da transio demogrfica, em Moambique, ter muitos filhos constitui a soluoprincipal e mais eficaz de proteco social. Principal, porque enquanto a sociedade mo-
ambicana no desenvolver instituies econmico-financeiras, formais e informais, so-
cialmente inclusivas e extensivas a todo o pas, a proteco social continuar predominan-
temente dependente do sistema de reproduo demogrfico antigo, baseado em relaes
inter-geracionais, de gnero e linhageiras, visando garantir nveis de fecundidade com-
pensadores da elevada mortalidade. Soluo mais eficaz, do ponto de vista da estratgia
de sobrevivncia e de reproduo humana moambicana garantir a descendncia dos
indivduos e das geraes, atravs da preveno e mitigao de riscos no ciclo de vida, tais
como: risco de vida na infncia (antes de completar um ou cinco anos de idade), doenas,vulnerabilidade e falta de aposentadoria na velhice.
No entanto, o facto de a estratgia de ter muitos filhos ainda ser eficaz, no significa que con-
tinue a ser uma opo eficiente. O custo demogrfico e social da estratgia de sobrevivncia,
herdada do regime demogrfico antigo, cada vez mais elevado para a populao moam-
bicana. Esta continua a produzir cerca de seis filhos por mulher, um nmero muito acima do
necessrio para garantir a reposio das geraes. A implicao disto um elevado desperd-
cio demogrfico, o qual impede que as famlias possam transferir o seu investimento parental
da quantidade (elevado nmero de filhos) para a qualidade de um menor nmero de filhos.
certo que a proteco social demogrfica, em torno da elevada fecundidade da mulher,
quando avaliada luz dos actuais padres internacionais de segurana humana digna,
apresenta-se muito precria e incapaz de libertar as pessoas da carncia, pobreza ou indi-
gncia extremas; principalmente em perodos de rpida acelerao do crescimento popu-
lacional. Isto, por si s, no torna a proteco social demogrfica menos relevante do que a
proteco social que emerge alicerada nos sistemas financeiros, formais e informais.
Os prprios pases com economias desenvolvidas e em fases avanadas da transio de-
mogrfica enfrentam crescentes desafios de sustentabilidade dos seus sistemas de protec-o social, em grande parte por causa da sua nova estrutura etria idosa. Porm, a natureza
dos problemas demogrficos em pases desenvolvidos difere muito dos problemas que
pem em causa a viabilidade e sustentabilidade nos pases em fase incipiente da transio
demogrfica; sobretudo pases como Moambique, com baixo padro de vida e sistemas
financeiros precrios, acessveis apenas uma parte limitada da populao.
1 Partes deste artigo foram partilhadas publicamente, ao longo do ano 2010 (Francisco, 2010b, 2010c;
Franciscoet al., 2010a, 2010b), no Ideias No. 33 (Francisco, 2011b) e no livro Desafios para Moambique2011 do IESE. As tradues de textos em Ingls so da responsabilidade do autor. Agradeo oscomentrios, sugestes e questes colocadas pelos leitores que generosamente leram e partilharamsuas opinies sobre verses anteriores deste artigo.
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A amplitude do que pensamos e fazemos est limitada poraquilo que nos escapa. E, porque no nos damos conta do quenos escapa pouco nos resta fazer para mudar; at nos aperce-
bermos de como o facto de no nos darmos conta condicionaos nossos pensamentos e os nossos actos (R.D. Laing, in Covey,2005: 47).
Introduo
A literatura sobre proteco social nos pases subdesenvolvidos, nomeadamente pases da
frica Subsariana e Moambique em particular, assume como dado adquirido, que os sis-temas financeiros, prevalentes na sociedade, constituem o veculo principal de proteco
social, independentemente do seu estgio de desenvolvimento. Os exemplos so muitos,
bastando referir apenas alguns, tais como: Adsn (2010), Cichon et al.(2004), Devereux et
al.(2010), Ellis et al.(2009), Feliciano et al.(2008), Francisco (2010a), Gentilini (2005), Gross
(2007), Hodges and Pellerano (2010), Holzmann (2009), ILO (2006), Nio-Zaraza (2010),
Quive (2007) e Wuyts (2006). Em alguns destes trabalhos, a referida assuno evidente,
como acontece nas anlises sobre sistemas de proteco social que assentam em mecanis-
mos - formais e informais, ou ambos - de natureza financeira. Noutros estudos 2, tal assun-
o fica implcita, por vezes sem que os prprios autores tenham conscincia dela, como seas relaes no financeiras e monetrias fossem uma parte de menor importncia na orga-
nizao social da reproduo humana em que os sistemas de proteco social se inserem.
Este artigo d continuidade e aprofunda estudos realizados recentemente pelo autor, so-
bre o papel determinante dos mecanismos demogrficos de proteco social em Moam-
bique, tais como os fluxos inter-geracionais, relaes de gnero, matrimoniais e de filiao;
as redes familiares e comunitrias de reconhecimento mtuo e de inter-ajuda, baseadas
em laos de parentesco, e de vizinhana, atravs das quais grupos sociais trocam bens e
servios, numa base no mercantil configuradora da chamada sociedade-providncia.3Na
vida real, o sistema de proteco social demogrfica inquestionavelmente mais relevante
e determinante do que os sistemas que actualmente figuram no centro das atenes das
polticas e aces pblicas, vulgarmente classificados em formais4e informais.5Para alm
2 Incluindo, at recentemente, o prprio autor deste trabalho (e.g. Francisco, 2010a).3 O conceito de sociedade-providncia designa um conjunto de fenmenos que so frequentemente
descritos como manifestaes de pr-modernidade, como sobrevivncias e atavismos destinadosa desaparecer com o processo de modernizao e com o evanescer de alguns dos mecanismos queconstituem a sua base material, tais como a pequena agricultura familiar ou as redes alargadas derelaes de parentesco e de relaes sociais continuadas (Nunes, 1995: 8).
4
E.g., segurana social contributiva, obrigatria e complementar, no sistema legal moambicano, eno contributiva, segurana social bsica e assistncia social por direito legalmente reconhecido,solidariedade ou caritativa.
5 E.g., mecanismos de ajuda mtua e redes sociais, familiares e comunitrias, atravs de grupos de
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de assegurarem a reproduo e sobrevivncia humana, proporcionam ainda o espao
estratgico principal do conjunto de mecanismos usados pela populao para antecipar,
compensar e mitigar riscos e choques, a curto prazo, bem como, possveis formas de provi-
dncia social contra a insegurana na velhice, a longo prazo, em conformidade com o seu
estgio de desenvolvimento.
Se aquilo que em trabalhos recentes do autor tem sido definido como proteco social
demogrfica geralmente deixado de lado, nas anlises convencionais sobre proteco
social, certamente no por ser irrelevante para a segurana humana digna. Existem mui-
tas razes, principalmente culturais, para que aquilo que tomado como natural e tradicio-
nal no merea o devido reconhecimento; mas antes de discutir tais razes importante
tornar visvel o domnio da proteco social associado aos componentes demogrficos e
reprodutivos, a fim de mostrar como ele socialmente mais relevantes do que os mecanis-
mos de proteco social assentes nos sistemas financeiros.
Por proteco social demogrfica (PSD) entende-se o conjunto de relaes e mecanismos
determinados pelos componentes de mudana demogrfica, tais como: as taxas vitais (ta-
xas brutas de mortalidade e de natalidade), estrutura etria, mortalidade infantil e esperana
de vida. Estas variveis integram um quadro institucional de relaes e fluxos geracionais e
de gnero, intimamente ligadas s relaes econmicas, sociais, culturais e ticas que inte-
gram a organizao social da reproduo humana. As evidncias empricas reunidas neste
trabalho sobre o domnio da PSD so consistentes com uma vasta literatura antropolgica,
sociolgica e econmica, sobre os comportamentos reprodutivos e estratgias de sobrevi-
vncia das populaes humanas (Cain, 1981, 1983; Caldwell, 1976, 1982; Francisco, 2010a:37; Feliciano, 1998; Geffray, 2000; Lesthaeghe, 1980, 1989; Livi-Bacci, 1992; Malmberg and
Sommestad, 2000; Malmberg, 2008; Meillassoux, 1975; Nunes, 1995; Robertson, 1991).
O principal objectivo deste artigo demonstrar que, em Moambique, ter muitos filhos
continua a ser a principal forma de proteco social, ao dispor da maioria da populao
moambicana. Trs razes explicam este facto: 1) O tipo de regime demogrfico prevale-
cente nos sculos passados e, no ltimo meio sculo, a transio demogrfica em curso -
lenta, incipiente e atrasada, quando comparada com o processo de transio demogrfica
global; 2) A elevada dependncia da maioria da populao de uma economia de subsistn-cia precria, comparativamente exgua economia de mercado capitalista; 3) A carncia
de infra-estruturas institucionais, nomeadamente um sistema financeiro formal e informal,
capaz de proporcionar acesso amplo e efectivo maioria da populao.
Este artigo est organizado em quatro captulos, para alm desta Introduo. O primeiro
captulo apresenta um breve enquadramento do actual processo de ruptura com o regime
poupana e crdito rotativo (e.g. Xitique, da palavra Tsonga que significa poupana), internacionalmente
conhecidas por ROSCAs (Rotating Rotating Savings and Credit Association); as actividades laborais deentre ajuda (e.g. Kurhimela, Ganho-Ganho), envolvendo troca de mo-de-obra em troca de numerrio;associaes funerrias e outras organizaes comunitrias visando mitigar e antecipar riscos (Dava, Lowe Matusse, 1998; de Vletter et al., 2009).
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demogrfico antigo (RDA), designado por transio demogrfica moambicana. O segun-
do captulo trata dos determinantes do elevado crescimento populacional e identifica em
que fase da transio demogrfica se encontra actualmente Moambique. O terceiro cap-
tulo responde a questes especficas sobre o significado de ter muitos filhos, at que ponto
esta estratgia reprodutiva ainda eficaz e eficiente, o que define o espao estragtico daproteco social demogrfica, entre outras. O quarto captulo sumariza a anlise e equacio-
na algumas questes para pesquisa futura e desafios ao nvel de polticas pblicas.
Do regime demogrfico antigo transio demogrfica
O quadro conceptual apropriado para o esboo de um panorama da evoluo demogr-
fica moambicana gira em torno do conceito transio demogrfica, considerado no seuduplo sentido: emprico e terico.
O marco conceptual da transio demogrfica
O termo transio demogrfica geralmente usado na literatura demogrfica em dois
sentidos, emprico e terico, um assunto detalhado no recente artigo de Francisco (2011a)
intitulado Enquadramento Demogrfico da Proteco Social em Moambique. No mbitodeste trabalho, alguns pontos merecem ser recordados.
Primeiro, relativamente ao conceito: transio demogrfica o processo de transformao
de um regime demogrfico de altas taxas de mortalidade e natalidade (i.e. taxas vitais) para
um regime de baixas taxas vitais.
Segundo, ao longo do ltimo sculo, tanto a teoria como o modelo emprico da transio
demogrfica, tm sobrevivido aos questionamentos crticos, inspirando novos alentos e
reconhecimento intelectual. A queda profunda e generalizada da fecundidade6observada
na maior parte do mundo permitiu dissipar as dvidas que subsistiam quanto transiodemogrfica como um processo global (Caldwell, 2001; Reher, 2004).
Terceiro, diferentemente das transies do regime demogrfico antigo (RDA) iniciais, ocor-
ridas principalmente na Europa e outras partes do mundo fortemente influenciadas por
europeus, nas transies mais recentes as diferenas no tempo de resposta da fecundidade
ao declnio da mortalidade esto a tornar-se mais longas. A consequncia disto poder ser
6 A fecundidade uma estimativa da frequncia dos nascimentos ocorridos num subconjunto especfico
- mulheres em idade de procriar, convencionalmente de 15 a 49 anos de idade. A Taxa de FecundidadeTotal (TFT) medida como o nmero mdio de filhos que uma mulher teria at ao fim do seu perodoreprodutivo, mantidas constantes as taxas observadas na referida data (ver nota 14 sobre diferenaentre fecundidade e fertilidade).
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uma menor capacidade e possibilidade dos pases recm-chegados transio demogrfi-
ca global, quando se trata de tirar o melhor proveito dessa transio para a modernizao
social e econmica das sociedades (Livi-Bacci, 1992: 144; Reher, 2004).
Quarto, no passado, os estudiosos da demografia concentraram-se principalmente no cres-
cimento bruto da populao, tendo de algum modo descurado o problema das mudanas
de longo prazo na estrutura etria. O modelo clssico da transio demogrfica foi formu-
lado em torno das taxas (brutas) de mortalidade e de natalidade, com incidncia para o
impacto da transio no crescimento populacional. Nas dcadas mais recentes uma maior
ateno tem sido canalizada para a interdependncia entre as mudanas na estrutura et-
ria ao longo da transio demogrfica e as fases do ciclo de vida: infncia, adolescncia,
maturidade e envelhecimento (Malmberg and Sommestad, 2000: 3). O fundamento terico
do papel atribudo referida interdependncia no desenvolvimento econmico baseia-se
no entendimento que os comportamentos das pessoas mudam no decurso do ciclo de
vida, medida que evoluem da infncia para a maturidade e a velhice. Por isso, entende-
-se que a populao pode gerar diferentes condies econmicas, dependendo do grupo
etrio que predomina em cada etapa de crescimento populacional: infncia, juventude,
maturidade ou velhice (Malmberg and Sommestad, 2000: 7).
A Figura 1 apresenta uma representao grfica das quatro fases clssicas da trasnio
demogrfica, acrescida de uma nova fase, correspondente quinta fase, segundo certos
autores, ou segunda transio demogrfica, de acordo com outros (Coleman, 2006; Les-
thaeghe and Neidet, 2006; Lesthaeghe, 2010; Kent et al., 2004): Fase 1: Pr-transio (infn-
cia), caracterizada por elevadas taxas vitais, resultando num crescimento vegetativo popu-lacional muito baixo; Fase 2: Primeira etapa da transio (adolescncia), geralmente iniciada
com a queda das taxas de mortalidade; ou seja com o incio da transio da mortalidade,
enquanto a natalidade permanece estacionria; Fase 3: Inicio da transio da fecundidade
(juventude), resultando numa acelerao do crescimento vegetativo; Fase 4: Perodo de
consolidao da queda da Taxa Bruta de Mortalidade e da Taxa Bruta de Natalidade (ma-
turidade), a ritmos diferentes, em que as taxas vitais voltam a estabilizar, encontrando um
novo equilbrio, gerando um crescimento populacional novamente baixo; abrange pases
com taxas de fecundidade abaixo do nvel de substituio (2,1 filhos); Fase 5: Fase do en-
velhecimento.
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Breve panorama da populao moambicana: passado,presente e futuro
semelhana do que tem acontecido com a populao mundial (Caldwell, 2004; Demeny
and McNicoll, 2006; ECA, 2001; Maddison, 2006; UN, 2010a), a populao moambicana
tem vivido importantes mudanas demogrficas, ao longo dos sculos passados. Uma das
evidncias mais visveis de tais mudanas, observada no ltimo meio sculo, o rpido
aumento da populao.
A Tabela 1 sumariza dados da evoluo de longa durao da populao moambicana, em
comparao com a populao do mundo e do Continente Africano (INE, 2010a; Maddison,
2006, 2010; UN, 2010a). Segundo as estimativas de Maddison (2006: 30), no 1 Milnio da
nossa era, a populao mundial cresceu lentamente. No incio do 1 Milnio, a populao
mundial rondava 230 milhes de habitantes, tendo aumentado apenas um sexto (17%),
at ao fim do Milnio. No mesmo perodo, a populao de frica (incluindo 57 pases) au-
mentou de 16,5 milhes para 32 milhes de habitantes. J a populao de Moambique,
estima-se que tenha aumentado de 50 mil para 300 mil habitantes no final do 1 Milnio.
Figura 1: Tipologia das Fases da Transio Demogrfica e Ciclo de Vida, segundoMalmberg e Sommestad, 2000
1 2 3 4 5
TBN - Taxa Bruta de Natalidade
Pop - Crescimento populacional
TBM - Taxa Bruta de Mortalidade
1 - Infncia
2 - Juvenil
3 - Jovem adulto
4 - Maturidade
5 - Envelhecimento
Fonte: Adaptao de www.youtube.com/watch?v=0dK3mL35nkk&feature=player_embedded
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Tabela 1: Evoluo da Populao em Moambique, frica e no Mundo
Momento HistricoMoambi-
quefrica
PopulaoMundial
Moambique em Percen-tagem (%)
Ano (Mil Hab.) (Mil Hab.) (Mil Hab.) de frica do Mundo
Sculo I 1 50 17.000 225.820 0,3% 0,02%
Sculo X 1000 300 32.300 267.330 0,9% 0,11%
Sculo XV 1500 1.000 46.610 438.428 2,1% 0,23%
Sculo XVI 1600 1.250 55.320 556.148 2,3% 0,22%
Sculo XVII 1700 1.500 61.080 603.490 2,5% 0,25%
Sculo XIX 1820 2.096 74.236 1.041.720 2,8% 0,20%
Nascimento de Moambique (comoEstado moderno - colonial)
1890 3.775 103.060 1.323.022 3,7% 0,29%
Sculo XX
Incio do sec. XX 1900 4.106 110.000 1.563.464 3,7% 0,26%
1950 6.250 227.939 2.525.501 2,7% 0,25%
Independncia - Estado Soberano 1975 10.433 416.226 4.064.231 2,5% 0,26%
2 Repblica ps-independncia 1990 12.656 633.216 5.256.680 2,0% 0,24%
Sculo XXI
Primeira dcada do sec. XXI 2007 19.952 952.787 6.570.525 2,1% 0,30%
Pop. Projectada (*) 2010 23.406 1.033.043 6.908.688 2,3% 0,34%
Pop. Projectada (*) 2020 28.545 1.276.369 7.674.833 2,2% 0,37%
Pop. Projectada (*) 2030 33.894 1.524.187 8.308.895 2,2% 0,41%
Pop. Projectada (*) 2050 44.148 1.998.466 9.149.984 2,2% 0,48%
(*) Projeco ajustada com variante mdia da ONU 2008
Fonte: INE, 1999a; Maddison, 2006, 2010; UN, 2010a.
No 2 Milnio, registou-se uma visvel acelerao do crescimento populacional, tanto a
nvel mundial e africano como moambicano. A populao mundial aumentou 22 vezes
mais, enquanto em frica aumentou 25 vezes e em Moambique 59 vezes. No ano 1500 a
populao de Moambique teria atingido um milho de habitantes; em 1820, ultrapassou
os dois milhes de pessoas. Por volta de 1891, ano do nascimento do Estado moderno em
Moambique, o nmero da populao rondava os 3,8 milhes de habitantes.7
A Figura 2 resume a evoluo da populao de Moambique nos ltimos 120 anos e apresenta
uma projeco do crescimento nos prximos 40 anos, segundo os dados da variante mdia da
7 Reagindo a estas estimativas, apresentadas no Ideias 28 (Francisco, 2010b), o historiador GerhardLiesegang questionou o tamanho da populao indicado para o incio do sculo XX. SegundoLiesegang, em 1900 a populao moambicana deveria rondar apenas os trs milhes de habitantes; ou
seja, menos oitocentos mil do que estimado na Tabela 1, para o ano 1891, uma dcada antes. Se estahiptese corresponder aos factos, a correco das estimativas permite adicionar uma nova hiptesesobre o incio e ritmo da acelerao da taxa de crescimento populacional, entre 1950 e 1990. Em vezde um crescimento mdio anual de 0,84%, no perodo 1900-1950, a taxa seria 1,57%, correspondente a
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diviso de populao da Organizao das Naes Unidas (UN, 2010a). O ano 1891 escolhido
como referncia inicial, na Figura 2, por ser a data histrica em que a configurao geogrfica
e fronteiras, incluindo a longa costa do Oceano ndico, demarcada atravs do Tratado entre
Portugal e Inglaterra, passou a ser conhecido por Moambique (Newitt, 1997: 291-342; Plissier,
2000: 144). Tal acontecimento histrico deu origem ao nascimento de Moambique como Es-tado moderno.8A delimitao fronteiria de Moambique passou a fornecer o enquadramento
estruturante em mltiplos sentidos (desde o demogrfico, ao social, econmico e poltico), com
implicaes para a delimitao do tamanho, estrutura e dinmica populacional, bem como dis-
tribuio geogrfica, movimentos migratrios e urbanizao, entre outros.
Desde 1891 at 2010, a populao moambicana aumentou, aproximadamente de 3,8 milhespara 22,2 milhes de habitantes. Um aumento populacional de quase seis vezes mais, num
perodo de 120 anos, resultando num incremento de 18,4 milhes de habitantes (Figura 2).
A primeira duplicao populacional poder ter ocorrido no incio da dcada de 1960, ao
totalizar 7,6 milhes de habitantes em 1961. A segunda duplicao ter acontecido por
volta de 1995, ao atingir 15,8 milhes de habitantes, prevendo-se que atinja a terceira du-
1,13%, em 1990- 1930 e 2,01%, em 1930-1950. No foi possvel ter acesso a fontes mais especficas que
fundamentem esta hiptese, mas no deixa de ser uma hiptese interessante, ao avanar a possibilidadede a transio da mortalidade ter iniciado algumas dcadas antes de meados do sculo XX.
8 Um Estado de natureza colonial, nos 84 anos decorrentes at Independncia em 1975, e EstadoSoberano, nos ltimos 35 anos, convertido num Estado Falido mas no Falhado (Francisco, 2010a).
Figura 2: Evoluo e Projeco da Populao Moambicana, 1890-2050
Fonte: Maddison, 2006; 2010; Projeco mediana UN, 2010a
Anos
P
opulao(emM
ilHabitantes)
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
1890 1906
1891, Nascimento
do Estado Moderno
(colonial) 3806.728816
1961, 1 Duplicaodesde 1891
7627.642
1975, Independncia
de Moambique
10432.604
1995, 2 Duplicao
desde 1891
15764.753
2010
22173.8877
2028, Previso da
3 Duplicao
31746.3889
42789.66862
1922 1938 1954 1970 1986 2002 2018 2034 2050
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plicao por volta do ano 2028, ano em que se espera atingir 32 milhes de habitantes.
Significa assim, que nos 35 anos de Independncia de Moambique, a populao duplicou
(INE, 1999a, 2010b; Maddison, 2010; UN, 2010a).
Desta breve retrospectiva, sobressaem aspectos dignos de realce, relativos variao do
crescimento populacional, em termos absolutos e relativos. A populao total aumentou
10 vezes, mas metade deste aumento ocorreu nos ltimos 35 anos (em apenas um quinto
do perodo). Ou seja, foram precisos 70 anos para que a populao duplicasse, entre 1891
e 1961, resultando num acrscimo absoluto de 6,6 milhes de habitantes. Porm, para a
segunda duplicao, entre 1961 e 1995, foram precisos apenas 34 anos, resultando num
acrscimo absoluto maior do que o da duplicao anterior (8,2 milhes de habitantes),
testemunhando assim uma acelerao da taxa de crescimento.
A variao relativa do crescimento populacional tambm evidencia uma acelerao, a par-
tir da segunda metade do Sculo XX. At meados do sculo XX, a taxa mdia anual docrescimento da populao foi inferior a 1% (0,87%, no perodo 1891-1950), mas no ltimo
meio sculo, registou uma acelerao persistente para nveis superiores a 2% ao ano (Fran-
cisco, 2010b).
A evoluo futura do tamanho populacional depender da variao das taxas vitais e da estru-
tura etria, nomeadamente da taxa bruta de natalidade associada ao nvel de fecundidade das
mulheres em idade reprodutiva. As projeces da ONU 2008 (UN, 2010a) assumem uma reduo
progressiva da fecundidade, tanto no mundo em geral como em Moambique. Relativamente
populao moambicana prev-se que continue a crescer ao longo de toda a primeira metadee parte da segunda metade do corrente Sculo XXI, no se sabendo quando estabilizar.9
Transio demogrfica moambicana: incipiente, lentae tardia
Para o senso comum, o rpido crescimento populacional no ltimo meio sculo de algummodo contra-intuitivo ou mesmo intrigante. No quotidiano, as pessoas sentem a adversida-
de da vida, na luta pela sua sobrevivncia. Muita gente ainda se lembra, da massiva desloca-
o populacional e dos bitos, causados pela guerra civil (1976-92) e por outras calamidades
econmicas (e.g. destruio da economia rural, fome) e ambientais (e.g. seca, cheias).10
9 Recentemente, o Continente Africano registou a passagem da barreira de mil milhes de pessoas,prevendo-se que volte a duplicar por volta do ano 2050. Em Moambique, se a terceira duplicaopopulacional, desde 1891, ocorrer por volta de 2028, significa que o ritmo de crescimento demogrfico
acelerado manter-se-, tal como na duplicao anterior, com uma durao de 33 anos.10 Reagindo divulgao pblica dos resultados do Censo 2007, um cidado no familiarizado com acincia demogrfica, indagou: Se morreram tantas pessoas, devido guerra civil, calamidades, fome esubnutrio, como que a populao moambicana cresceu to rapidamente?.
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Perante isto, o senso comum questiona-se sobre as possveis causas de um crescimento
populacional rpido e vigoroso, no ltimo meio sculo, quando as adversidades registadas
fariam pensar que a populao registasse uma forte diminuio da qual dificilmente recupe-
raria. Sabendo que em perodos anteriores guerra civil, tambm se registaram calamidades
naturais, conflitos militares e diversos outros factores de vulnerabilidade, em que difere a ace-lerao do crescimento populacional recente da evoluo demogrfica mais remota? Ser
que o fenmeno do rpido crescimento demogrfico resulta de mudanas substantivas e
estruturais, em vez de conjunturais e espordicas, nos mecanismos de reproduo humana?
O que explica o elevado crescimento populacional?
O crescimento populacional depende principalmente da mudana dos componentes fun-damentais da dinmica demogrfica (bitos e nascimentos), representados por indicadores
como: taxa bruta de natalidade (TBN), taxa bruta de mortalidade (TBM) e taxa de crescimento
natural ou vegetativo (TCN). A Figura 3 ilustra a tendncia das taxas vitais, entre 1950 e 2005,
bem como a sua projeco at 2050, segundo a variante mdia da ONU 2008 (UN, 2010a).
Na Figura 3, a representao grfica dos componentes de mudana demogrfica (TBM, TBN e
TCN) em Moambique representada pelas linhas contnuas, para o perodo 1950-2005, e pelas
linhas descontnuas na projeco referente ao perodo 2005-2050. A mancha cinzenta repre-
senta as taxas vitais a nvel mundial, permitindo evidenciar graficamente algumas semelhanas
e tambm diferenas, nas trajectrias demogrficas em Moambique e no Mundo.
A principal semelhana entre a trajectria demogrfica mundial e a moambicana diz res-
peito direco das mudanas observadas, visto ambas apontarem para o mesmo sentido,
ou seja, uma diminuio dos componentes de mudana demogrfica (mortalidade e na-
talidade). Mas a grande diferena entre elas est no ritmo de diminuio dos dois compo-
nentes, sobretudo a fecundidade.
Em meados da dcada de 1950, a taxa de mortalidade mdia mundial era de 17 bitos por
1000 habitantes; cerca de 42% inferior mortalidade em Moambique, estimada em 30bitos por 1000 habitantes, em 1955. A taxa bruta de natalidade moambicana rondava
os 50 nascimentos por 1000 habitantes, contra 36 nascimentos por 1000 habitantes a nvel
mundial; isto , quase 40% superior ao nvel mundial.
O saldo lquido das duas taxas vitais anteriores representava, por volta de 1955, um cresci-
mento populacional mdio anual de 1,9%, em Moambique, contra 1,8% a nvel mundial.
Uma diferena que, primeira vista, parece pequena, mas em uma anlise mais cuidada per-
cebe-se que se traduziu numa divergncia significativa das tendncias demogrficas, nas d-
cadas seguintes. No perodo 1955-2005, as taxas de mortalidade diminuram drasticamente,
tanto em Moambique (-46%) como a nvel mundial (-51%). No entanto, no mesmo perodo,
a natalidade moambicana diminuiu muito lentamente (-20%), comparativamente reduo
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da natalidade a nvel mundial (-46%). Desta diferena de comportamentos dos componentes
de mudana demogrfica, resultou que em Moambique, a taxa de crescimento populacio-
nal acelerou de 1,8% para 2,3%, entre 1955 e 2005, enquanto no mesmo perodo, a popula-
o mundial registou uma diminuio do ritmo de crescimento, de 1,8% para 1,2%.
No seguro afirmar se, ao longo da corrente dcada de 2010, a populao moambicana
continuar a registar nveis de crescimento demogrfico bastante elevados (acima de 2%
por ano); ou se entrar, nos prximos tempos, numa fase de desacelerao sustentvel do
crescimento populacional.11
Em que fase da transio demogrfica est Moambique?
Os dados usados neste trabalho podem divergir de outros, dependendo das fontes, con-
duzindo a resultados e concluses ligeiramente diferentes; principalmente se pretender
entrar em detalhes, com o incio exacto da ruptura com o antigo regime demogrfico e
durao de cada fase; intensidade do crescimento da populao, dependendo da distncia
entre os valores da natalidade e da mortalidade e extenso ou impacto de cada fase, em
termos do volume total da populao afecta pelo processo de transio.
11 Por desacelerao sustentvel entende-se, neste caso, a diminuio da taxa de crescimentopopulacional, resultante de mudanas estruturais da composio etria e condies de reproduo dapopulao, em vez de mudanas meramente circunstanciais ou conjunturais.
Figura 3: Transio Demogrfica em Moambique e no Mundo, 1950-2050
Fonte: UN, 2010a
TBN-Mundo TBM-Mundo TCN-Moz
TCN-MundoTBN-Moz TBM-Moz
Taxa(por1000Habitantes)
Anos
60
50
40
30
20
10
01955
1,2%
0,3%
1965 1975 1985 1995 2005 2015 2025 2035 2045
TCN-Mundo
Taxa de Mortalidade (TBM-Moz)
Taxa de Cres. Natural
(TCN-Moz) 2,6%
Taxa de Natalidade (TBN-Moz)
(dados do meio da dcada, em e %)49,146,9
43,5
39,5
32,6
28,524,5
21,2
9,710,6
11,813,5
16,117,4
2121,7
25,6
30
1,9%
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preciso aprofundar a anlise das taxas vitais, tomando em considerao os dados do l-
timo censo populacional (Censo 2007) ainda por explorar, de forma sistemtica. Arnaldo
(2007) reuniu suficientes evidncias conducentes concluso de que a transio da fe-
cundidade moambicana poder ter iniciado por volta do ano 2000, mas provavelmente
apenas no Sul de Moambique.
No objectivo deste artigo desenvolver anlises detalhadas sobre a recente dinmica
dos componentes da mudana demogrfica em Moambique, ser contudo suficiente su-
marizar a discusso anterior, com hipteses de resposta questo: Afinal em que fase da
transio demogrfica se encontra actualmente Moambique?
A Tabela 2 permite responder a esta questo, recorrendo aos dados mais actualizados pu-
blicados pelo INE e de um conjunto de trs dezenas de pases, agrupados segundo as cinco
fases de transio demogrfica referidas anteriormente.
Tendo em conta os dados demogrficos, Moambique encontra-se na Fase 2 com 41,1
de TBN e 16,5 de TBM, 2,4% de crescimento vegetativo, 133 de TMI, esperana de
vida nascena de 47,3 anos e 5,5 filhos por mulher (INE, 2010b). Estes dados referem-se
a uma das verses das estimativas do INE, disponvel no seu Portal de Internet, diferentes
de outras fontes suas como, por exemplo as Projeces Anuais da Populao Total, Urba-
na e Rural, 2007-2040 (INE, 2010a), devido a diferenas metodolgicas, cujos detalhes se
desconhece. No entanto, as diferenas nos dados, de uma maneira geral no afectam o
posicionamento de Moambique na Tabela 2, o qual pretende ser mais indicativo do que
exacto. Indicativo, porque no cmputo geral os indicadores demogrficos moambicanosreflectem ainda o RDA e a primeira fase da transio demogrfica, apresentando uma TBN
na escala, ou muito prxima da escala dos 40-50, dependendo das estimativas, enquan-
to a TBM diminuiu para nveis inferiores a 20.
Tratando-se de uma transio, pressupondo assim a mudana de um equilbrio dinmico
relativamente estvel para um novo equilbrio, significa que ela tem um incio e fim. Na
prtica, porm, difcil identificar com preciso o incio e o fim da mudana do regime
demogrfico antigo (RDA) para um regime demogrfico moderno (RDM), em parte por
causa da complexidade e sobreposio dos factores envolvidos; por outro lado, por causa
da falta e da fraqueza de dados que permitam medir os processos de mudana. A partir da
experincia mundial, sabe-se que a transio demogrfica , na maioria dos casos, despo-
letada pela queda da mortalidade, nomeadamente pela queda sustentvel da mortalidade
infantil. Segue-se a transio da fecundidade, resultante da mudana no comportamento
reprodutivo em processos que no so lineares nem ininterruptos. Quando se fala do in-
cio da transio, em geral, refere-se queda irreversvel dos nveis da mortalidade ou da
fecundidade, relativamente ao pico mais elevado e relativamente constante. A transio
acontece, no obstante eventuais variaes, porque no se observa um retorno ao pico
mais elevado. Pelo contrrio, ao longo do tempo, a transio da fecundidade acontece em
direco ao nvel de substituio demogrfica (2,1 filhos por mulher) (Bongaarts, 2002: 4-5;
Lucas, 1994: 25).
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Tabela 2: Moambique no Contexto da Distribuio dos Pases por Fases da TransioDemogrfica, 2005-2010
Fases EstadoTBN TBM TC
(%)Intervaloda TC (%)
TFT TMI Caractersticas
Fase 1 - 40-50 40-50 0
Na actualidade no hnenhum pas no mundoque apresente taxas demortalidade to altas.Para encontrar algumpas do Terceiro Mundonesta fase seria precisorecuar primeira metadedo sculo XX e, at ao s-culo XVIII, para encontraralgum dos pases ricos.
Fase 2
Guin Bissau
NgerAngolaMaliUgandaTanzniaSomliaMoambique(*)
49,6
49,647,348,146,6
3942,941,1
18,4
13,820,514,713,412,916,616,5
3,1
3,62,73,33,32,62,62,5
> 2,0
7,2
7,16,46,56,55,26,05,4
113
111132129
7773
116133
A Taxa Bruta de Natali-
dade (TBN) mantm-sealta. Pelo contrrio, a TaxaBruta de Mortalidade(TBM) regista uma dimi-nuio, originando umforte aumento do cresci-mento populacional.
Fase 3
HondurasZimbabweBotwanandiaMarrocosAfrica do Sul
27,927,924,923,020,522,3
5,617,914,1
8,25,817
2,21,01,11,51,50,5
[1,0-1,9]
3,33,22,92,82,41,9
28,258
46,555
30,619,8
A TBN inicia uma redu-o, mas como a TBMtambm continua emqueda, o crescimentodemogrfico permanecemarcadamente positivo.
Fase 4
MaurciasTunisiaReino UnidoNoruegaEspanhaAustraliaSuciaustriaEstados Unidos
14,816,712,012,010,812,411,3
9,214,0
75,69,99,18,87,1
10,19,48,2
0,81,10,20,30,20,50,10,00,6
[0,9-0]
1,92,41,71,81,31,81,71,42,1
1444,8
4,83,34,24,43,24,46,3
A TBN e a TBM reduzem,at atingir valores mui-to parecidos, resultan-do numa desaceleraodo crescimento (comoacontece actualmentena Sucia e Astria).
Fase 5
AlemanhaItlia
EslovniaLituniaJapo
8,29,2
9,09,18,3
10,710,5
9,912,39,0
-0,3-0,1
-0,1-0,3-0,1
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classificaram Moambique, no incio da transio da fecundidade, com um nvel mdio na-
cional da TFT de 5,5 filhos por mulher (6,1 rural e 4,4 urbano), no se observando qualquer
diminuio nos dados do IDS (DHS - Demographic Health Survey), entre 1976 e 2003.
Proteco social no contexto de uma transiodemogrfica incipiente
Reproduo o processo em que os organismos adultos realizam sua capacidade fsica de
produo de outros organismos, regenerando deste modo renovao das espcies (Robert-
son,1991: 1). O estudo da reproduo humana requer o recurso a mobilizao do conheci-
mento elaborado por disciplinas cientficas diferentes, incluindo a antropologia, a econo-
mia, a psicologia, a neurobiologia e a demografia.
Como escreveu Wilson (2009: 98), nenhuma teoria conduz directamente aos factos H
sempre um processo repetido de formao e teste de hipteses; mas no menos ver-
dade que o entendimento no depende de saber muitos factos, mas de ter os conceitos,
explicaes e teorias correctos Ns entendemos a estrutura da realidade somente pelo
entendimento das teorias que a explicam. E como elas explicam mais do que percebemos
imediatamente, podemos entender mais do que percebemos imediatamente que enten-
demos (Deutsch, 2000: 1, 9).
Presentemente, apenas a teoria da evoluo transcende os limites disciplinares dos contri-
butos cientficos especializados, ao proporcionar um quadro intelectual suficientemente
abrangente e flexvel para entender a evoluo da reproduo humana. A teoria da evolu-
o oferece um terceiro modo de pensar, em relao a duas outras formas de pensamento
muito mais difundidas: a teologia e o materialismo. A teologia no til para investigar
factos da vida social, defende Wilson, porque a sua misso apenas estabelecer valores
relativos ao mundo material. O materialismo, apesar de complementar a seleco natural e
permitir conhecer a constituio fsica dos organismos, deixa obscura a lgica e mecanis-
mos adaptativos que explicam a finalidade na vida (Wilson, 2009: 33-36, 67-68).
Ser que a teoria da evoluo pode ajudar a pensar a finalidade e os mecanismos de pro-
teco social, no contexto do regime demogrfico antigo e da transio para o regime de-
mogrfico moderno? Se a abordagem de Wilson for correcta a resposta questo anterior
positiva:
A adopo de um novo conjunto de convices sobre ns mesmos ajudar-nos- a ava-
liar como as nossas antigas convices fracassaram A evoluo tem intrinsecamente
a ver com organismos que reagem a modificaes ambientais no que toca evolu-o, o futuro pode ser diferente do passado (Wilson, 2009: 102; 144).
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Ao reconhecer-se o carcter multidisciplinar e transcendente da explicao da seleco
natural, possvel aprender a pensar os trs cs da evoluo humana - cognio, cultu-
ra e cooperao (Wilson, 2009: 220-221). primeira vista, caractersticas mais ou menos
controversas eg. igualitarismo, discriminao, infanticdio, suicdio, homossexualidade, o
riso, a adopo e a arte parecem superficiais para se entender a sobrevivncia e reprodu-o humana. Porm, numa considerao de tais caractersticas informada pela perspectiva
evolutiva, rapidamente se percebe que so tudo menos suprfluas.
No espao reservado a este terceiro captulo procura-se responder a questes decorrentes
da ideia principal sintetizada no ttulo deste trabalho: Ter muitos filhos, principal forma
de proteco social em Moambique: O que significa ter muitos filhos, em termos gerais,
e no caso de Moambique de hoje, em particular? Ser a estratgia de muitos filhos ain-
da eficaz e eficiente? O que define o espao estratgico da proteco social demogrfica?
Quantos filhos representam um nmero demasiado elevado? Ou qual o nvel de desper-
dcio demogrfico da actual populao moambicana? No ser um paradoxo o facto da
maioria das crianas moambicanas morrerem antes dos seus pais e avs? Se a sociedade
no precisa do excedente de crianas que actualmente produz, porque consegue repor as
geraes com menor nmero de crianas, ser que ir continuar a aliment-las?
O espao estratgico da proteco social demogrfica
Se a proteco social for entendida como o sistema de relaes e mecanismos institucio-nais estabelecido para garantir uma segurana humana digna, tal sistema precisa de ser
analisado e investigado no contexto da organizao social da evoluo reprodutiva e do
espao estratgico em que a populao vive. Trs componentes importantes compem
o espao estratgico definidor do sistema PSD moambicano, tanto antigo como na sua
transio recente: sobrevivncia, reproduo e ambiente natural e scio-econmico.
Nos dois captulos anteriores destacou-se o estgio actual de transio demogrfica em
Moambique, nomeadamente o seu carcter incipiente, lento e retardado, tanto ao nvel da
transio da fecundidade como da transio da mortalidade. Se a experincia da transiodemogrfica mundial pode servir para antecipar a transio demogrfica moambicana,
parece razovel admitir que o ritmo da transio da fecundidade moambicana continuar
fortemente dependente da consolidao e sustentabilidade da transio da mortalidade,
nomeadamente a mortalidade infantil.12 Como escreveu Livi-Bacci (1992: 123), olhando
12 Cleland (2001), num artigo recente, inspirado nas ideias originalmente elaboradas por Kingsley Davis(1963), argumentou de forma persuasiva que redues substanciais da mortalidade representam acondio necessria e suficiente do estmulo da queda da fecundidade, em contexto histricos dos pases
em desenvolvimento. Os resultados apresentados aqui oferecem forte suporte emprico ideia de Cleland:em parte nenhuma do mundo, independentemente da poca, dos nveis de riqueza ou estgios damodernizao, a fecundidade mudou sem que primeiro a mortalidade mudasse significativamente (Reher,2004: 25; ver tambm Livi-Bacci, 1992: 152-153; Malmberg and Sommestad, 2000; Malmberg, 2008).
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Caixa 1. Expresses da Proteco Social Demogrfica Moambicana Sucesso
e Interdependncia Geracional nos Macuas do Norte de Moambique
Uma rapariga casada na puberdade, tem doze ou treze anos quando o esposo vem dormir com ela na
cozinha da sua me. Pode ter o seu primeiro filho, o mais tardar, por volta dos quinze anos; a este ritmo apassagem das geraes efectua-se rapidamente. -se frequentemente av aos trinta e cinco anos, idadeaproximada em que uma mulher por consequncia introduzida na gerao snior. Uma mulher que vivamais de cinquenta anos tem todas as hipteses de vir a conhecer os seus bisnetos. (p. 78).
A verdade que no h trs, mas pelo menos quatrogeraes em presena, demograficamente induzidaspela precocidade da fecundidade das mulheres (quinze anos). Com o tempo, com a passagem das geraes,o grupo domstico renova-se em torno das mulheres da ex-gerao jnior, promovida a snior, e expulsa dosseus efectivos a antiga gerao snior o casamento das netas que provoca e sanciona simultaneamenteesta ltima passagem de gerao para as mulheres velhas, que as introduz na gerao dos ancios. Tm entrecinquenta e setenta anos, so excludas das redes sociais e econmicas, constituindo e integrando os gruposdomsticos que outrora polarizavam, em proveito agora da gerao snior. Esta passagem de gerao corres-ponde alm disso ao perodo das suas vidas em que as mulheres e os sues esposos, ainda mais velhos, vem
declinar as suas capacidades fsicas. Como subsistem? (p. 79).
As consequncias funestas, para os ancios, da sua expulso do grupo domstico renovado, so na realidade evitadasuns quinze anos antes. Com efeito, nessa altura a av adoptou e criou sob o seu tecto a primeira neta nascida do ca-samento da sua filha. A mais velha das filhas no vive junto da sua me, levada para casa da av desde o desmame,onde criada e alimentada. Como mais velha, atinge a idade de ser casada antes que se inicie a passagem das gera-es, que ir excluir a sua av dos efectivos do grupo domstico Por outras palavras, a av tomou uma opo sobreo futuro do lar da sua neta ao adopt-la e aambarca antecipadamente o servio dos seus primeiros genros da novagerao, da qual ela inaugurar o advento matrimonial junto da sua adelfia Assim, ela ser de novo o plo de atrac-o das prestaes de uma nova gerao de genros que supriram junto dela a falta dos outros, quando estes forempromovidos a seniores A mulher snior subtrai a primeira criana nascida do casamento da sua filha aos cuidadosdesta, e renova com a criana o investimento que efectuou outrora com a sua filha. Ela beneficiar assim mais tarde,quando se tornar improdutiva, de servios provenientes do lar desta neta, equivalente aos que goza agora parte dolar da sua filha uma prepotncia das mulheres seniores sobre o destino da progenitura das jovens mes juniores,com o objectivo de preparar e garantir a assistncia social e material na sua velhice (pp. 79-81).
As reservas assim acumuladas no ptio da mais velha das ancis destinam-se a fazer face aos anos dif-ceis A terra transmitida entre e pelas mulheres: quando morre uma mulher, uma outra da adelfia substi-tu-a junto do vivo. Toma o estatuto, o esposo e as terras da defunta, de quem herda isto , de quem elatoma o lugar e a identidade -, um vivo por um morto (diz-se tomar o nome do morto). As mulheres perma-necem assim toda a sua vida no interior do territrio. Os homens s tm acesso terra por intermdio dasmulheres, enquanto esposas, no quadro do casamento (pp. 82-83).
A condio masculina parece aqui particularmente desagradvel: as mulheres dependem do trabalho dos ho-mens, mas o dispositivo tal que so estes que dependem delas para usufruir do seu prprio produto. Final-
mente, embora o mesmo produto sirva para prover s necessidades das crianas, os homens no desfrutam docrdito de as ter alimentado, apenas as mulheres tiram disso partido, para reivindicar, em prejuzo dos homens,a autoridade sobre esta progenitura, nascida das suas unies. Em virtude destas relaes, liga-se, como vimos, apertena das crianas ao grupo das mulheres, a relao adlfica (p. 90).
a sociedade macua evoca uma espantosa dependncia dos homens em relao s mulheres E no entantoos homens no possuem quase nenhum ascendente sobre as mulheres com quem casam, mas exercem a sua au-toridade sobre as mulheres da sua prpria adelfia, com as quais cresceram. A progenitura das esposas escapa-lhes,mas so senhores do destino das crianas das suas congneres. O domnio feminino dos celeiros e do ciclo pro-dutivo claro e sem partilha, mas so os homens que ordenam e fazem os casamentos que iniciam e sancionamcada um dos momentos do dito ciclo As mulheres administram este, os homens dispem, com a dominaodo casamento, do controlo das modalidades sociais da reproduo deste ciclo produtivo no tempo e, em virtudedesta prerrogativa estratgica, exercem indirectamente sua autoridade sobre toda a sociedade. De onde lhes vem
este poder? Que fazem com ele? (p. 107- 108).
Fonte: Geffray, 2000.
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Estratgia de sobrevivncia e reproduo: o que significa ter muitos
filhos?
No contexto deste trabalho o uso de termos como muitos filhos ou poucos filhos assume
um destaque particular, comeando pelo prprio ttulo, justificando uma nota qualificativasobre o seu significado especfico, no contexto da estratgia de sobrevivncia e reprodu-
o humana.
Os bilogos geralmente distinguem dois tipos de estratgia de sobrevivncia e reprodu-
tiva, entre os organismos vivos: r13e K. Os seres humanos sobrevivem e reproduzem-se
segundo uma estratgia-K, semelhana de outros mamferos, de mdio e grande porte,
e outros seres vivos pequenos (e.g. pssaros). A estratgia-K apropriada para ambientes
relativamente estveis, se bem que povoados por concorrentes, predadores e parasitas. Os
seres vivos so de tamanho mdio ou grande, crescem lentamente e adquirem maturidade
tardia, dedicando enorme investimento (tempo e recursos em cuidados parentais) prole.
Por isso, a prole relativamente pequena, comparada com a estratgia-r. O menor cresci-
mento demogrfico dos animais de maior porte pode estar ligado sua menor vulnerabi-
lidade s flutuaes ambientais, e isto tambm est relacionado ao seu tamanho corporal
(Livi-Bacci, 1992: 2-3).
No contexto da estratgia-K seguida pelos seres humanos, a maior ou menor quantidade
de descendentes ou filhos, pressupe uma relatividade diferente do que acontece com a
estratgia-r. Nas populaes humanas, o nmero mdio de filhos nascidos vivos que uma
mulher pode ter na sua vida frtil (convencionalmente definida entre os 15 e 49 anos), variaentre zero a 15 filhos.14Este nmero mximo de filhos, em termos estatsticos, explicado
pelas limitaes biolgicas e sociais da procriao da mulher.15
Em conformidade com a estratgia-K a vida no uma lotaria - pelo menos no sentido da
estratgia-r, em que a probabilidade de sobrevivncia muito reduzida e, por isso a perpe-
13 A estratgia-r praticada por insectos, peixes e certos mamferos pequenos que vivem em ambientesmuito instveis, o que requer que aproveitem os perodos favorveis (anual ou sazonal) para se
reproduzirem rpida e abundantemente, apesar da probabilidade de sobrevivncia da prole serpequena. Num ambiente muito instvel, os seres vivos so de tamanho pequeno, crescem rapidamente,tm uma maturidade precoce e dependem de grandes proles ou de elevado nmero de nascimentos life is a lottery and it makes sense simply to buy many tickets (May and Rubinstein, ReproductiveStrategies, p.2 (Livi-Bacci, 1992: 3).
14 Os conceitos fecundidade e fertilidade so susceptveis de certa confuso (e.g. Mariano e Paulo, 2009:11), em grande parte porque em ingls eles tm sentido diametralmente oposto ao que dado naslnguas portuguesa, francesa e espanhola. Assim, no francs: fcondit; no espanhol: fecundidad; eno portugus: fecundidade correspondem ao termo fertility em ingls. Os termos fertilit, fertilidad efertilidade correspondem ao termo fecondity em ingls, significando o potencial ou capacidade fisiolgicade produzir um nascido vivo, por parte de um homem, uma mulher ou um casal. Em outras palavras,fertilidade a probabilidade de engravidar, ou a probabilidade de exposio possibilidade de engravidar,
a qual depende do padro de sade sexual e comportamentos preventivos da gravidez. A ausncia de talcapacidade denominada infertilidade ou esterilidade (Newell, 1988: 35; UN, 2010b: #621).15 O tempo de gravidez (9 meses); tempo perdido aps o parto e antes de retomar a fertilidade (infertilidade
ps-parto, cerca de 1,5 meses); tempo de espera para a concepo (cerca de 7,5 meses); tempo perdido
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tuao da espcie depende de elevados nveis de procriao. 16Mas se a espcie humana
revelou-se muitssimo boa a resolver os problemas relevantes para a sua sobrevivncia e
reproduo (Wilson, 2009: 43), algo adicional muito especial permitiu que se distinguis-
se das demais espcies que seguem a estratgia-K.
Apesar de as capacidades mentais de certos animais ultrapassarem em muito a dos
seres humanos, no que se refere a tarefas especficas, ns somos especiais na flexi-
bilidade da nossa inteligncia. A nossa espcie consegue resolver problemas absolu-
tamente novos de uma maneira que as outras espcies so incapazes (Wilson, 2009:
43).17 Mas no obstante esta capacidade, Wilson (2009: 220) questiona a representao
habitual, auto-complacente, da singularidade humana, como se apenas os seres hu-
manos fossem inteligentes e tivessem qualidades morais e estticas. Segundo Wilson
(2009: 220), a capacidade de pensamento simblico dos humanos, bem como sua ca-
pacidade de transmitir socialmente informao aprendida aquilo que se designa por
cultura e de cooperar, embora comparvel de organismos multicelulares e insectos
sociais, ultrapassa muito a de outros vertebrados. Apesar disso, Wilson (2009: 220) con-
sidera errado descrever as capacidades especiais humanas como singulares, porque a
evoluo exige uma continuidade de precursores com antepassados comum a outros
primatas (Wilson, 2009: 202).18
por causas naturais intra-uterino (cerca de 2 meses); a mortalidade e o tempo perdido por esterilidadedecorrente naturalmente da idade, ou induzida por um estado patolgico, dependendo de factores
biolgicos e da variabilidade de comportamentos sexuais. Tendo em conta os riscos atrs referidos,em mdia a fertilidade mxima possvel reduz de 35 nascimentos para cerca de 15 filhos, assumindoque a mulher comece a procriar na adolescncia, entre os 14 e 15 anos de idade at ao fim da vidareprodutiva, por volta dos 50 anos de idade (Frank, 2008: 2; Newell, 1988: 35).
16 Em geral, nenhuma populao atinge o mximo da fertilidade natural, tal como tambm existe grandevariabilidade individual entre as mulheres. Algumas mulheres, por vrias razes, so infrteis. Noutroscasos tm muitos filhos, como acontece ainda em Moambique. De acordo com o Guiness Book ofRecords, a me mais prolfica na histria foi uma camponesa dos arredores de Moscovo, no sculo XVIII;teve 69 crianas oficialmente registadas, 67 das quais sobreviveram infncia. Entre 1725 e 1765, elagerou 27 nascimentos mltiplos, incluindo 16 pares de gmeos, sete conjuntos de trigmeos e quatroconjuntos de qudrigmeos. O recorde mundial moderno, para partos mltiplos a Leontina Albina,de San Antonio, no Chile. Actualmente, nos seus sessentas, ela afirma ser me de 64 filhos, dos quais
55 esto registados com certido de nascimento (Newell, 1988: 35; http://www.answerbag.com/q_view/576125).17 Tanto quanto sabemos, baseando-nos na informao de que actualmente dispomos, os nossos
antepassados saram de frica (ou permaneceram l, se o leitor for africano) h aproximadamente setentamil anos e espalharam-se pelo planeta, chegando Austrlia h aproximadamente trinta mil anos. Podemosagradecer esta expanso inteligncia humana, pois ela exigiu a soluo para diversos problemas a umagrande escala. Para onde quer que fssemos, descobramos como extrair comida do ambiente, at estarmosa comer tudo, desde sementes at baleiasEm cada populao humana distinta, a lenta sabedoria daseleco natural seguia para onde a rpida sabedoria da inteligncia humana a conduzia. Em civilizaes quecriavam gado, o leite tornou-se, pela primeira vez na histria dos mamferos, um recurso para os adultosNadcada de 1950, os programas americanos de ajuda ao estrangeiro enviaram leite em p para todo o mundo,produzindo flatulncia generalizada em regies onde as pessoas no esto geneticamente adaptadas a
digerir leite em adultos. No admira que nos odeiem! ... (Wilson, 2009: 83).18 A evoluo exige continuidade, pelo que as nossas capacidades devem ter tido precursores noantepassado comum que partilhamos com os outros grandes primatas vivos chimpazs, bonobos,gorilas e orangotangos h apenas seis milhes de anos(Wilson, 2009: 220).
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De qualquer forma, a capacidade especial dos seres humanos inquestionvel, por diver-
sas razes, nomeadamente a sua flexibilidade comportamental e capacidade de construir
ambientes sociais que aumentam a probabilidade de sobrevivncia das populaes huma-
nas. Tal capacidade materializa-se especificamente nos mecanismos de proteco social
atravs dos quais as populaes humanas mitigam e antecipam riscos de insegurana eameaas sobrevivncia, primeiro de forma natural ou subconsciente, e mais recentemen-
te por via do controlo racionalizado da sua reproduo. Um controlo baseado em mtodos
e tecnologias mais eficientes do que os mtodos antigos, como o prolongamento do per-
odo de amamentao dos filhos para reduzir a fertilidade, o adiamento da idade de acasa-
lamento; ou opes mais cruis (na perspectiva moral contempornea) como o aborto, o
infanticdio e a venda ou abandono das crianas sua sorte.
Mortalidade, fecundidade e elevado nmero de nascimentos
Ao longo de milhares, para no dizer milhes, de anos, a sobrevivncia das populaes hu-
manas foi determinada principalmente pelas condies climticas e ambientais, as quais
dependiam decisivamente das variaes da precipitao, do potencial e deficincias do
solo e, eventualmente, da melhoria dos meios tcnicos rudimentares desenvolvidos na
poca paleoltica e neoltica, tais como: a roda, a escrita, a cultura de traco animal e os
sistemas de irrigao.
Pode-se por isso tomar como hiptese, parafraseando Hugon (1999: 29), que ao longo do
RDA a vulnerabilidade econmica e tcnica favoreceu uma grande coeso social das co-
munidades e uma hierarquia dos poderes baseada na idade. Mas diferentemente do queHugon (1999: 29) sugere, o favorecimento da coeso social e hierarquia dos poderes base-
ada na idade prolongou-se, no caso de Moambique, muito alm do perodo pr-colonial.
Tanto no perodo colonial como nas dcadas posteriores independncia, os meios pouco
desenvolvidos e as condies naturais hostis (insectos e parasitas, doenas endmicas, fra-
gilidade dos solos, riscos climticos, entre outros), apontados por Hugon (1999: 29) como
caractersticos de economias pr-coloniais, persistiram e persistem em Moambique, at
ao presente, principalmente nas zonas rurais.
A maioria da populao rural moambicana tem vivido em condies de subsistncia pre-crias, geralmente dependente de meios tcnicos tpicos das sociedades agrcolas neo-
lticas, em que a roda, a escrita e a cultura de traco animal permanecem marginais na
actividade quotidiana rural.
A Figura 4 apresenta um retrato grfico do espao estratgico da sobrevivncia e reprodu-
o no ltimo quinqunio do sculo XX (1995-2000), relacionando a fecundidade (medida
pela TFT) e a mortalidade (medida pela taxa de mortalidade infanto-juvenil mortalidade
dos menores de cinco anos), com recurso aos dados estatsticos dos distritos e provncias
de Moambique e de 174 pases do mundo (INE, 2005; UNDP, 2001).
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No final do sculo XX, a mortalidade infanto-juvenil moambicana era de 256 bitos por
mil nascidos vivos, a esperana de vida nascena 41,4 anos de idade e a taxa geral de
fecundidade 7,3 filhos (mediana 7 e moda 6,2 filhos) por mulher. 19Por seu turno, a nvel
mundial, a mortalidade infanto-juvenil rondava os 65,4 bitos por mil nascimentos, a espe-
rana de vida nascena 65,3 anos de idade e a fecundidade (TFT) uma mdia de 3,4 filhos(mediana 3 e moda 1,6 filhos) por mulher.
A disperso da mortalidade infanto-juvenil, entre o mnimo e o mximo, tanto a nvel mun-
dial como em Moambique, tambm era muito grande, com a diferena que o mnimo
a nvel mundial foi de 4 bitos por mil nascimentos, enquanto o mnimo moambicano
cifrou-se em 88 bitos por mil nascimentos. O hiato entre os valores mximos mundiais da
mortalidade infanto-juvenil e os de Moambique foi 361 bitos por mil (desvio padro 67)
nascimentos, contra 485 bitos por mil nascimentos (desvio padro 93,6).
19 Refira-se que o PNUD, no clculo do ndice de esperana de vida, estabelece como limite mnimo25 anos e limite mximo 85 anos. Significa que, h dez anos, assumindo que as estimativas do INE
representam a realidade, em certos distritos de Moambique a populao apresentava um nvel deesperana abaixo do prprio limite mnimo que internacionalmente se assume estar superado em todoo mundo. Ser interessante verificar qual ser a situao mais recente, a partir da anlise detalhada dosdados do Censo 2007 (INE, 2009b).
Figura 4: Mortalidade Infanto-Juvenil e Taxa de Fecundidade Total (TFT),Moambique e o Mundo, 1995-2000
Fonte: INE, 2005; UNDP, 2001
y Moz= 1.1599ln(x) - 0.724R = 0.6776
yMundo = 2.639ln(x) - 7.2065R = 0.3236
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500
Fecundidade(TFT)Mundo
-1995-2000
Fecundidade(TFT)M
oz-1997
Taxa de Mortalidade Infanto-Juvenil (menores de cinco anos)
Mundo Moz-Dist Moz-regies Provincias
Log. (Mundo) Log. (Moz-Dist) Log. (Moz-Dist)
GRUPO 3
GRUPO 1
GRUPO 2
DU1 Myanmar
Oman
Yemen.
Banglades
Mavago Maua
Zavala
Macanga
Changara
Pemba
Zamb
CD
SUL
Muembe
Yemen
DU2
Arbia Saudita NORTECENTRO
MOAMBIQUE
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Existe um terceiro aspecto, talvez o mais importante para o argumento deste trabalho, que
revela sobre a ntima interdependncia entre a reproduo e a mortalidade. A Figura 4
mostra uma forte correlao positiva entre a mortalidade infanto-juvenil e a fecundidade,
a nvel mundial (R2= 0.677); no interior de Moambique, a correlao tambm positiva (R2
= 0.323), muito mais fraca do que a nvel mundial.
Apesar de a Figura 4 correlacionar a fecundidade com a mortalidade infanto-juvenil, em vez da
mortalidade infantil, o resultado consistente com a concluso encontrada na literatura recen-
te, sobre a forte inter-dependncia entre a mortalidade infantil e a fertilidade (Malmberg, 2008;
Reher, 2004). Malmberg (2008: 18) chega a concluir que os pases com taxas de mortalidade
infantil acima de 100 bitos por mil nascimentos, apresentam taxas de fecundidade de seis ou
mais filhos por mulher. No entanto, segundo ainda Malmberg, quando a mortalidade infantil
baixa para menos de 100 bitos por mil nascimentos, a TFT reduz para valores inferiores a seis
filhos por mulher. E quando a reduo da mortalidade infantil atinge os 50 bitos por mil nasci-
mentos, a TFT aproxima-se dos trs filhos por mulher (Malmberg, 2008: 18).
Em Moambique, h dez anos atrs, somente alguns dos distritos urbanos da Cidade de
Maputo apresentavam nveis de mortalidade infanto-juvenis inferiores a 100 bitos por
mil nascimentos: Distrito Urbano 1 (87,5; 2,7)20, Distrito Urbano 2 (94; 3,4), Distrito Urbano 4
(96,7; 4,2) e Distrito Urbano 5 (90,3; 4,3). Existia apenas uma dzia de distritos com mortali-
dade infanto-juvenil entre 100 e 1500 bitos por mil nados-vivos.21
A concluso de Malmberg (2008: 18) consistente com a tendncia apresentada na Figura 4,
mas convm clarificar que por causa da falta de dados distritais sobre mortalidade infantil, avarivel usada no grfico corresponde s taxas de mortalidade infanto-juvenil. De qualquer
forma, dados provinciais mais recentes, divulgados pelo INE (2009b), continuam a corrobo-
rar a concluso de Malmberg, com a particularidade de se reportarem situao de pouco
mais de uma dcada atrs. Segundo o MICS 2008 (INE, 2009a), as estimativas provinciais da
mortalidade infantil apresentam nveis superiores a 100 bitos por mil nascimentos, a nvel
nacional (105,3) e nas zonas rurais (110,2), bem como nas provncias de Cabo Delgado
(131,7), Nampula (104,9), Zambzia (147,1) e Tete (107,5). Somente em Maputo,
Cidade (66,6) e Provncia (67,3), que as taxas de mortalidade infantil so inferiores a
70, mas evidentemente bastante acima dos 50 (INE, 2009a: Q2.3.2).
De acordo com as recentes projeces 2007-2040 do INE (2010a), se as condies de mor-
talidade infantil no superarem as actuais expectativas, s dentro de duas dcadas que
a mortalidade infantil moambicana ultrapassar o limiar dos 50. Recentemente, o INE
divulgou suas projeces demogrficas para o perodo 2007-2040, nas quais estima que a
20 O primeiro valor entre parntisis refere-se mortalidade infanto-juvenil por mil nascimentos e osegundo TFT.
21
Distrito Urbano 3 (100,5), Cidade da Matola (105,3), Moamba (108,4), Zavala (113), Cidadede Inhambane (115,1), Marracuene (116,8), Cahora Bassa (117,4), Maxixe (124,4), Namaacha(124,7), Inharrime (125,5), Distrito de Xai-Xai (155,4), Cidade de Xai-Xai (128,7), Boane(132), Magude (144,7), Cuamba (147,6), Cidade de Lichinga (147,7) e Mossurize (148,8).
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mortalidade infantil atinja os 50,7 em 2030 e 48,9 em 2031, enquanto a fecundidade
poder situar-se nos 3,8 filhos por mulher. As novas projeces do INE para a fecundida-
de tomam certamente em considerao o facto de, na dcada passada, a sua diminuio
ter sido inferior previso nas projeces divulgadas em 1999. Em vez de uma reduo
da fecundidade para 5,3 filhos por mulher, projectada pelo INE (1999b: 84) para 2010, nasua mais recente actualizao, o INE (2010a) corrige a estimativa da taxa de fecundidade
para 5,6 filhos por mulher.Tendo em conta os dados do Censo 2007, avaliaes sistemticas
como a que foi feita por Arnaldo (2007) sobre os determinantes prximos da fecundidade,
necessitam de ser retomadas e actualizadas (Caixa 2).
Caixa 2. O Alto Prestgio Social que as Mulheres com Muitos Filhos Gozam
Acredita-se que o baixo estatuto social da mulher na frica Sub-Saariana tambm promove nveis elevadosde fecundidade... A dependncia econmica das mulheres nos homens, que caracteriza a estrutura familiarpatriarcal da maior parte da frica Sub-Saariana, resulta em nveis de fecundidade desejadarelativamenteelevados de modo a minimizar os riscos na velhice (Cain, 1993; Mason, 1993; Abadian 1996). Contudo, mesmoquando os desejos de fecundidade das mulheres so baixos, estes nveis podem no ser facilmente atingi-dos, pois as mulheres tm um poder de tomada de deciso limitado. Nas estruturas familiares africanas, asmulheres no tm autoridade na tomada de decises sobre o tamanho da famlia e de praticar ou no o pla-neamento familiar. A prtica do Lobolo vista como um meio que confere ao esposo e seus familiares o direitode decidir sobre a prtica do planeamento familiar (Boserup, 1985; Caldwell e Caldwell, 1987; Frank e McNicoll,1987; Caldwell et al., 1992). Em adio ao seu mnimo envolvimento na tomada de decises sobre o nmero defilhos a ter, as mulheres em frica temem a esterilidade: ter filhos de um modo regular e muitos, refora o pres-tgio da mulher e assegura respeito, enquanto que, em contraste, a esterilidade ou um menor nmero de filhossujeita a mulher ao ridculo, sofrimento e consequncias sociais negativas (vide Capitulo 7) (Arnaldo, 2007: 23).
A investigao sobre os diferenciais da fecundidade tem observado, sistematicamente, que as mulheres quevivem em reas urbanas tm [mais] baixos nveis de fecundidade do que a sua contraparte rural Esta dife-rena nos nveis de fecundidade pode reflectir diferentes estatutos socio-econmicos entre as mulheres urba-nas e rurais. As mulheres urbanas tm uma melhor escolarizao e esto mais susceptveis de participar nomercado de trabalho formal, casar mais tarde, e possuir melhor conhecimento sobre e acesso a contraceptivosmodernos do que as mulheres rurais (Cohen, 1993; Shapiro e Tambashe, 2001). Por outro lado, devido ao factodos custos de procriao serem elevados em reas urbanas do que em rurais, onde as crianas ajudam nasactividades domesticas e agrcolas, as mulheres de reas urbanas esto mais susceptveis de apreciarem asvantagens de terem uma famlia pequena (Cohen, 1993; Jolly e Griblle, 1993). Nveis elevados de fecundidadeem reas urbanas podem tambm estar associados, parcialmente, residncia rural per se, pois a vida est as-sociada a muitos filhos e normas que tendem a favorecer a famlia alargada (United Nations, 1987:188) (p. 131)
Como se esperava, as TFTs estimadas (Tabela 4.7)(*) so [mais] baixas em reas urbanas do que em rurais. Anvel nacional, a diferena de 1,7 filhos por mulher, reflectindo uma TFT de 6,3 comparada com 4,6 para reas
urbanas. As diferenas entre as reas urbanas e rurais so grandes na regio Centro (1,9) do que as regiesNorte (1,2) ou Sul (1,4). Em termos relativos, a fecundidade urbana de 28, 18 e 25% mais baixa do que a fecun-didade rural nas regies Centro, Norte e Sul, respectivamente. Em sete das dez provncias, a diferena urba-no-rural na TFT excede um filho por mulher, e aproximando-se a dois em Sofala. No existe quase nenhumadiferena entre a TFT urbana e rural em Manica, onde a TFT urbana de apenas 0.2 filhas menos do que a rural.Na verdade, Chimoio (em Manica) a capital provincial com a mais elevada TFT (6,2), 2,1 filhos por mulher maisalto do que a mdia nacional. Fazendo uso de mtodos quantitativos e qualitativos, Martinho (2000) sugereque as razes por detrs da elevada fecundidade na Cidade de Chimoio so, talvez, o alto prestgio social queas mulheres com muitos filhosgozam e a ausncia de motivao para adoptar mtodos de contracepomodernos. Mais ainda, Manica, tanto quanto Niassa, Nampula e Tete, todas com TFTs de 5.0 ou mais, estoentre as provncias menos desenvolvidas do pas (Ministrio do Plano e Finanas, 2000) (p. 131).
Fonte: Arnaldo, 2007.
(*) No texto original o autor usou ponto (sistema ingls) em vez de vrgula (sistema portugus) comoseparador decimal
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A questo da eficcia e da eficincia da estratgia de termuitos filhos
Para melhor se compreenderem as oportunidades e os constrangimentos que afectama incipiente transio demogrfica moambicana, ser necessrio ir alm das descries
dos processos demogrficos e do conhecimento das tendncias passadas e possibilida-
des futuras.
A teoria demogrfica e outras cincias sociais possuem uma extensa literatura sobre a
transio da mortalidade e da fecundidade em ntima ligao com os mecanismos adap-
tativos e possveis causas explicativas das mudanas. Aprofundar este assunto requereria
igual ou maior espao do que j foi ocupado por este texto, mas pelo menos possvel
referir alguns dos principais factores determinantes que permitam responder s questes
enunciadas no incio deste captulo. Para alm dos factores biolgicos j referidos (os que
afectam os intervalos entre nascimentos), existem factores socioeconmicos que afectam
o nmero de nascimentos e a proporo do perodo reprodutivo dedicado aos cuidados
parentais dos filhos: idade do casamento, formas de casamento e outros mecanismos tra-
dicionais de regulao da criao e desenvolvimento das crianas. Em ltima anlise, os
factores biolgicos e socioeconmicos determinam a eficcia e a eficincia da reproduo
humana, as quais, por sua vez, moldam, incentivam ou condicionam as formas e o desem-
penho da PSD.
Se entendermos a eficcia da estratgia de reproduo como a capacidade de a populaoalcanar a sua principal finalidade - isto , a sobrevivncia -, a descrio anterior sobre a
enorme variabilidade da fecundidade moambicana no deixa qualquer dvida. A popu-
lao moambicana uma das populaes do mundo que tem alcanado, com sucesso, a
sua estratgia de sobrevivncia. Nesta perspectiva, a maximizao da procriao com vista
a compensar e superar minimamente o nvel de mortalidade uma estratgia eficaz.
Tal estratgia ser tambm eficiente? Eficiente, no sentido da capacidade da populao
alcanar a sua finalidade de forma competente, com o menor desperdcio possvel. Em
outras palavras, o desempenho eficiente da reproduo em funo da forma como a po-pulao combina a componente ligada eficcia (o nmero de filhos necessrios para que
a sobrevivncia seja garantida) com a componente ligada eficincia (a maneira ou o tipo
de investimento no cuidado parental).
Uma estratgia reprodutiva eficaz, mas ineficiente
A implicao analtica da anterior distino, entre eficcia e eficincia, deve comear a ficar
evidente. Primeiro, o sucesso da estratgia de uma populao, em termos de crescimento,
depende da ntima inter-dependncia entre sobrevivncia e reproduo. Neste sentido, onmero que importa considerar, quando se lida com o nmero de crianas ou filhos nas-
cidos por mulheres, no o nmero total de filhos que nascem mas o nmero de filhos
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que efectivamente sobrevivem at a idade reprodutiva. Ou seja, em termos de capacidade
reprodutiva efectiva, o nvel de fecundidade da populao necessita de ser considerada
em ligao com o nvel e comportamento da mortalidade, ao longo do perodo de vida
reprodutiva da mulher.
Aproveitando o exemplo ilustrativo de Livi-Bacci (1992: 18-20), com uma esperana de vida
nascena igual a 20 anos, uma gerao apenas vive 29,2% da vida fecunda potencial,
devido dizimao causada pela alta taxa de mortalidade. Esta proporo aumenta gradu-
almente com o aumento da esperana de vida: para 70,8% e 98,2%, quando a esperana
de vida nascena igual a 50 e 80 anos, respectivamente. Assumindo que a mulher tem
uma mdia de seis filhos, abstraindo da mortalidade, quando apenas 30% do espao re-
produtivo usado (eo
= 20), o nmero de filhos nascidos por mulher 6 x 0,3 = 1,8. Quando
70% do espao estratgico usado e a eo
= 50 anos, o nmero de filhos nascidos 6 x 0,7
= 4,2; quando eo
= 80 anos e 98% do espao estratgico usado, o nmero de filhos nas-
cidos 6 x 0,98 = 5,88. Como cada criana gerada pela unio de dois indivduos (mulher
e homem), em termos hipotticos, cada casal salda a sua dvida demogrfica se o nmero
obtido rondar o nvel de dois filhos. Um nmero acima de dois implica crescimento; se
atingir os quatro, a populao duplica em apenas uma gerao (cerca de 30 anos) e a taxa
mdia anual de crescimento ser de 2,3%.
Qual o nvel de desperdcio demogrfico dos Moambicanos?
Aplicando o exemplo anterior ao caso particular da populao moambicana, no ser
difcil inferir que a exploso demogrfica provocada pela transio demogrfica acaboupor permitir o quanto o RDA logrou alcanar com sucesso (ou eficcia) a sua estratgia de
sobrevivncia, mas de forma extremamente ineficiente. A ineficincia reside no facto de a
populao alcanar a sua finalidade estratgica custa de um elevado desperdcio demo-
grfico. Desperdcio porque, semelhana do que acontecia no RDA, tambm no decurso
da transio demogrfica a mulher continua a ter uma mdia de seis filhos, supostamente
para garantir a substituio pela gerao seguinte.
Acontece que o nvel de reposio, ou seja, a taxa de fecundidade necessria para a popula-
o se manter constante a longo prazo, de 2,1 filhos por mulher. Em termos mais comuns,cada mulher apenas precisaria de ter uma filha para substituir a si prpria. Se no existisse
mortalidade na populao feminina, at ao fim da idade frtil (geralmente considerada o
perodo 15- 49 anos, embora existam excepes), o nvel de substituio de TFT seria muito
prximo de 2,1 filhos, (o ligeiro excedente acima de dois filhos corresponde compensao
do excesso de rapazes em relao s raparigas nascena, nas populaes humanas).
Na prtica, o nvel de substituio afectado pela mortalidade, especialmente a mortali-
dade infantil.22Considerando que a mulher moambicana tem actualmente uma mdia de
22 Arnaldo e Muanamoha (2010:11) concluem que o nvel de fecundidade moambicana o triplo do queseria necessrio para garantir a reposio das geraes, mas este valor abstrai-se do efeito da mortalidade.
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5,7 filhos, sem tomar em considerao o efeito da mortalidade, com uma esperana de vida
nascena (eo
= 47,3 anos), por causa da mortalidade cada gerao vive apenas 69% da sua
vida frtil potencial. Com se disse anteriormente, o sucesso reprodutivo da populao de-
pende do nmero de filhos que realmente sobrevivem at idade reprodutiva. Neste caso,
o nmero de filhos necessrios para garantir a reposio 5,7 x 0,69 = 3,9 filhos.
Significa que nas actuais condies de mortalidade em Moambique, a ineficincia repro-
dutiva da populao moambicana ronda os dois filhos por mulher; ou seja, um desper-
dcio demogrfico duas vezes acima do nvel de reposio necessrio para cada gerao
moambicana assegurar a sua substituio pela gerao seguinte.
Nascimentos e sobreviventes: quando que as famlias se tornaram
grandes?
As famlias grandes representam uma caracterstica mais recente do que geralmente per-cebido pelo senso comum; um produto da transio demogrfica, em vez dos tempos re-
motos do RDA. Esta percepo do senso comum tem sido apoiada por certos especialistas
em estudos da populao, incluindo investigadores notveis como Caldwell (1976, 1982) e
Lesthaeghe (1980, 1989), bem como crticos da teoria da transio demogrfica (Bandeira,
1996; Campbell, 2007: 242-243).
Na verdade, a ideia das famlias grandes no passado remoto tornou-se uma pea importan-
te na justificao da transio demogrfica do RDA para o RDM. Segundo Reher (2004: 25),
o entendimento geral sobre a mudana da fecundidade e a transio demogrfica susten-ta-se geralmente na seguinte descrio. Antes da transio, as pessoas preferiam grandes
famlias, provavelmente por perceberem a utilidade das crianas, quer para a segurana
social dos idosos na fase avanada da vida, quer por razes culturais diversas. A introduo
de elementos modernizadores na sociedade motivou os pais a desejarem famlias meno-
res. Assim, do ponto de vista da mudana idealizada, o incio da transio da fecundidade
passou a ser considerado como um captulo crucial no triunfo da emancipao humana, da
racionalizao e modernizao, do individualismo e da ocidentalizao.
Ainda que seja uma interpretao atractiva, como refere Reher (2004: 25), ela resulta deuma realidade relativamente recente e contempornea, em vez de um passado distante.
As famlias nunca foram grandes antes da transio demogrfica A taxas relativamen-
te baixas prevalecentes na maior parte do mundo, antes da transio demogrfica, so a
melhor prova de que as famlias tendiam a ser pequenas, em vez de grandes (Wilson and
Airey, 1999; Reher, 2004: 25).
Considerando que, do ponto de vista da reproduo, o indicador realmente importante
no o nmero de crianas que nasceram vivas (medido pela TFT), mas o nmero de crian-
as que sobrevivem at idade reprodutiva, sabido que este ltimo nunca foi elevado,
excepto no perodo prximo ou durante a transio demogrfica. E se assim , como refere
Reher (2004: 25), tanto o controlo da mortalidade como a subsequente controlo da fecun-
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didade assume um significado totalmente diferente do aconteceria se as famlias grandes
existido h muito mais tempo. Significa que o controlo da fecundidade pode ser visto
como uma soluo para se manter o tamanho da famlia, em vez de se procurar diminu-lo.
Esta questo de primordial importncia para Moambique, na actual fase da sua transi-
o demogrfica. Certos grupos populacionais, talvez ainda poucos, procuram reduzir o
tamanho dos agregados familiares s novas condies da sua vida, mas outros procuram
encontrar soluo para os efeitos de deficitem vez de excesso de nascimentos. Geffray, na
sua descrio dos desequilbrios da estrutura demogrfica dos Macuas, no Norte de Mo-
ambique, em meados do sculo XX, mostrou como o deficitde nascimentos de raparigas
pode perturbar a estabilidade da passagem das geraes:
O deficit de nascimentos femininos tem em primeiro lugar como consequncia, na pri-
meira passagem das geraes, um pequeno nmero de raparigas para casar, reduzindopor isso o efectivo dos homens jovens incorporados pelo casamento: h poucos casais
juniores na casa. A ascenso de uma sororia jnior incapaz de se reproduzir provoca,
a partir da gerao seguinte, o aparecimento de um efectivo de seniores e de ancios
supranumerrios, relativamente ao de uma gerao socialmente produtiva de juniores.
A pirmide de idades do grupo reduz-se ou inverte-se a partir da base(Geffray, 2000:
110-111).
Ceccato (2000), na sua avaliao do impacto da modernizao na fecundidade em Moam-
bique, analisa as variaes da fecundidade a nvel regional e de grupos tnicos e sociais,identificando alguns tipos de casais tpicos correspondentes aos principais estgios da
transio demogrfica clssica: tradicional (em transio) e moderno (Caixa 3).
O debate sobre a idealizao da famlia grande, principalmente o mito de que elas so mais
antigas do que aquilo que as prprias condies demogrficas teriam permitido, merece
ser testado e confrontado para o caso da realidade moambicana, de uma maneira mais
sistemtica e detalhada do que possvel neste trabalho. Na verdade, ser preciso revisitar-
-se a literatura antropolgica, histrica, demogrfica e sociolgica com o propsito espec-
fico de avaliar a relevncia do referido questionamento para tornar mais visvel o contedoe tipos de famlias herdadas do RDA e em processo de desenvolvimento no perodo da
transio demogrfica moambicana incipiente em curso actualmente.
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antes dos seus pais e avs; ou mesmo, morrerem antes de atingirem a idade reprodutiva e
poderem saldar a sua dvida por terem nascido, contribuindo para a sua reposio gerando
os seus prprios descendentes.
O paradoxo dos filhos morrerem antes dos pais e avs
Para alm do drama que o falecimento de uma criana representa para os seus progeni-
tores, do ponto de vista da reproduo da espcie, a elevada mortalidade infantil significa
que a maioria das crianas morre antes de saldar a sua dvida demogrfica para com a sua
espcie. Em termos reprodutivos, saldar a dvida demogrfica individual significa repor e
garantir que uma gerao seja substituda pelos novos descendentes. Isto acontece graas
ao investimento e cuidados dos pais, mas tambm capacidade individual de crescerem e
viverem at idade reprodutiva e gerarem seus descendentes.
Na actual situao de transio demogrfica incipiente, se os esforos visando melhorara esperana de vida nascena tiverem sucesso, sem que igual esforo seja canalizado
para a reduo sustentvel da fecundidade, crescer o risco de o desperdcio demogrfico
aumentar. Por exemplo, se at ao fim da corrente dcada a TFT baixar para cinco filhos, a
esperana de vida nascena aumentar para eo
= 60 e o espao estratgico em uso aumen-
tar para 88%, o nmero de filhos sobreviventes rondar os 5 x 0,88 = 4,4.
Ainda precisar de mim, ainda me alimentar?
Uma das obras mais famosas na cincia demogrfica o livro de Malthus, Ensaio sobre oPrincpio da Populao, publicado pela primeira vez em 1798, sob anonimato. Uma fama
que ultrapassou o domnio da demografia ao inspirar, ao longo dos dois sculos passados,
imensas reflexes intelectuais, tanto inovadoras e criativas como crticas e controversas.
Uma das inspiraes mais famosas e frutferas foi provavelmente a que o prprio Darwin
reconheceu, na famosa referncia influncia que o livro de Malthus teve na formulao
da sua teoria da seleco natural.23
Mas a principal razo da grande controvrsia que o livro de Malthus provocou, desde a
sua primeira apario pblica, parece ter pouco a ver com os dois importantes postuladosque enunciou: 1) Que o alimento necessrio para a existncia do homem; 2) Que a p