bruno lima rocha interdependencia estructural de tres esferas.pdf

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA

    BRUNO LIMA ROCHA

    A Interdependncia Estrutural das Trs Esferas: uma anlise libertria da Organizao Poltica para o processo de radicalizao

    democrtica

    Tese de doutoramento apresentada como

    requisito parcial para a obteno do ttulo de

    Doutor em Cincia Poltica no Programa de

    Ps-Graduao em Cincia Poltica da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Orientador: Prof. Dr. Marcelo Baquero

    Porto Alegre, maro de 2009.

  • A Interdependncia Estrutural das Trs Esferas: uma anlise libertria da Organizao Poltica para o processo de radicalizao

    democrtica

    Banca Examinadora:

    ________________________________________________________________

    Coordenador: Prof. Dr. Marcelo Baquero (UFRGS)

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Adlson Cabral (UFF)

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Eduardo Vizer (UBA)

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Gabriel Vitullo (UFRN)

    ________________________________________________________________

    Profa. Dra. Jussara Pr (UFRGS)

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Valrio Brittos (Unisinos)

    Porto Alegre, maro de 2009.

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho a minha famlia, esposa e filho, por tudo o que passamos e

    estamos construindo, e pela alegria de trazer o Joo Camilo ao mundo enquanto

    conclua a tese. Tambm quero dedicar a minha famlia de sangue, me, tia, tio, avs e

    prima, por tudo e para sempre. Em especial ao meu av, Jorge, que falecera ante de ver

    tudo isto pronto. Igualmente dedico a meu sogro, genro, cunhada, cunhado, sobrinho,

    contra parente, pela ternura e o conforto. Tambm quero oferecer estas palavras aos

    motivadores de tudo isso: a todos os homens e mulheres que ofereceram suas vidas,

    pouco ou muito, algo ou tudo, para agir no princpio de semear ventos, colher

    tempestades e depois desta a bonana coletiva.

  • AGRADECIMENTOS

    Esta sempre a parte mais complicada. Ficamos na nsia de no cometer nenhuma

    injustia, e nem tampouco parecer piegas ou domesticado. De forma generalizada

    agradeo imensamente a amigos, companheiros, companheiras, mrtires e referentes.

    Nesse mbito, fica o meu muito obrigado aos vizinhos da Grande Santa Isabel, 4

    distrito da Vila Setembrina, meu cho por adoo e onde esta obra foi escrita. Do morro

    sanga, do beco at a avenida, daqui no saio mais. Na figura coletiva de todos el@s,

    resumo o quanto sou grato.

    De forma especfica, dentro do mbito acadmico-universitrio, inicio

    agradecendo a CAPES pela bolsa de doutorado, sem a qual seria impossvel chegar a

    este momento. Igualmente ao conjunto do PPG de Cincia Poltica, nas partes ruins e

    boas do total dos sete anos de ps. Na adversidade aprendi e na generosidade se cresce.

    Um abrao especial para a turma de mestrado que entrou em 2002, extensivo aos

    colegas de doutorado com quem compartilhamos aulas neste ano e em 2003.

    Discrepvamos em aula e conseguimos manter um ambiente saudvel, sadio e

    cooperativo fora dos debates. Ainda na UFRGS, agradeo ao primeiro orientador (de

    mestrado) Carlos Arturi, por me receber ao chegar e por me ver afastar sem traumas. Na

    seqncia, ao Marcelo Baquero, orientador de uma tese e de um doutorando mais que

    arisco. Sua generosidade intelectual permitiu este momento. Tenho certeza de que usara

    toda a sua vertente freireana para tanto. Grato pelo dilogo, a pacincia, a orientao e a

    boa divergncia.

    Ainda na seara acadmica, aos novos/velhos colegas da comunicao, do Emerge,

    do Cepos e da Ulepicc. Sem individualizar os homenageados, sinto-me muito contente

    em poder ter um p na cincia poltica e outro de onde nunca sa. Suamos a camisa e

    queimamos tanta retina juntos que no h muito mais para dizer.

  • Embora estes artistas no o saibam, agradeo a energia e o combustvel para o

    trabalho intelectual vindos da raiz do samba nos vinis de Bezerra da Silva, Martinho da

    Vila, Jorginho do Imprio, Moreira da Silva, Roberto Ribeiro, Clara Nunes, Paulinho da

    Viola e Joo Nogueira dentre outr@s bambas; do nativismo rio-grandense a garra para

    horas escrevendo saram dos acordes em vinil de Noel Guarany, Cenair Maic, Pedro

    Ortaa, Joo de Almeida Neto e dos versos de Jayme Caetano Braun dentre tantos

    guascas a mais; del lado de All que es el mismo lado federal vieram notas e cantos de

    Alfredo Zitarrosa, Olimareos, Loz Zucar, Jos Larralde, Jaime Roos, Atahualpa

    Yupanqui, Jorge Cafrune, Chito de Mello, la payada de Carlos Molina, y otros

    laburantes del canto y de la palabra.

    Por fim, nos versos abaixo, lapidados pela poetisa libertria uruguaia Idea

    Vilario, deixo meu profundo e sincero agradecimento aqueles e aquelas que vivem

    atravs de seus atos

    LOS ORIENTALES

    De todas partes vienen, sangre y coraje, para salvar su suelo los orientales; vienen de las

    cuchillas, con lanza y sable, entre las hierbas brotan los orientales.

    Salen de los poblados, del monte salen, en cada esquina esperan los orientales.

    Porque dejaron sus vidas, sus amigos y sus bienes, porque es ms querida la libertad que no

    tienen, porque es ajena la tierra y la libertad ajena y porque siempre los pueblos saben romper

    sus cadenas.

    Eran diez, eran veinte, eran cincuenta, eran mil, eran miles, ya no se cuentan.

    Rebeldes y valientes se van marchando, las cosas que ms quieren abandonando.

    Como un viento que arrasa van arrasando, como un agua que limpia vienen limpiando.

    Porque dejaron sus vidas...

  • SUMRIO

    Apresentao do Trabalho de Tese................................................................................. 10 1. Bases da Teoria da Interdependncia Estrutural das Esferas: uma anlise libertria do papel da Organizao Poltica para o processo de radicalizao democrtica ............... 16

    1.1. O Mtodo Utilizado............................................................................................. 16 1.2. A Questo Central, o Problema de Pesquisa e os objetivos secundrios: ........... 23 1.3. A anlise estratgica e o Jogo Real da Poltica ................................................... 25 1.4. A matriz estruturalista, os primeiros passos na definio do que cincia e o enfoque realista........................................................................................................... 33 1.5. A estrutura de classes e a categoria de dominao.............................................. 47 1.6. Um mapa analtico do terreno onde esta tese tem a inteno de ser universalizvel ............................................................................................................ 53

    2. Condies iniciais para formar uma teoria para incidncia e conflito na Amrica Latina: identidade posicionamento poltico pressupostos terico-epistemolgicos. 56

    2.1. A raiz do conflito e da origem da produo intelectual latino-americana. Uma viso do perodo da bipolaridade................................................................................ 58 2.2. Um pensamento social brasileiro e latino-americano.......................................... 62 2.3. Acercamento e afastamento dos poderes centrais ............................................... 74 2.4. Institucionalizao e radicalizao da cincia social na Argentina anterior ao golpe de 1976 ............................................................................................................. 77 2.5 O estudo de caso mexicano e a obra fundamental de Casanova .......................... 83 2.6 A afirmao de uma base terico-epistemolgica atravs da obra de Celso Furtado........................................................................................................................ 88 2.7.A tomada de posio............................................................................................. 90

    3. A Interdependncia Estrutural das Esferas: ancestralidade e atualidade da construo e origem desta teoria....................................................................................................... 92

    3.1. A ancestralidade e o marco orgnico no qual a obra coletiva de Cariboni foi produzida .................................................................................................................... 93 3.2. A importncia da Teoria e o trabalho de Raul Cariboni .................................. 96 3.3. Uma definio adequada da categoria ideologia ............................................... 105 Parte II A atualidade da teoria das 3 esferas e a contribuio original 108 3.4. Os trs nveis de representao.......................................................................... 108 3.5. Sobre o conceito estrutura global ...................................................................... 110 3.6. A representao das esferas e das estruturas ..................................................... 113 3.7. A relevncia da luta ideolgica como forma organizativa de identidades, sujeitos e agentes ................................................................................................................... 117

    4. Aspectos do treinamento necessrio para a organizao poltica e o partido de quadros ......................................................................................................................... 119

    4.1. O debate da caracterizao e tipificao de funes do partido poltico no regime democrtico .............................................................................................................. 120

  • 4.2. O problema repressivo deve ser levado em conta ............................................. 127 4.3. O estudo da organizao poltica e a carncia na cincia poltica atual ............ 128 4.4. A polifuncionalidade ......................................................................................... 130 4.5. Caracterizando o partido de quadros com inteno de ruptura ......................... 131 4.6. Um possvel e factvel cenrio para o desenvolvimento deste tipo de organizao.................................................................................................................................. 135 4.7. A respeito do tema do treinamento de quadros e o ambiente institucional propcio.................................................................................................................................. 141 4.8. Habitus, domnio e inteligibilidade dos cdigos das classes onde se est, a idia de insero social e o recrutamento adequado.......................................................... 145 4.9. Retomando a arena prioritria para este modelo e suas razes ......................... 148 4.10. A ancestralidade do modelo de organizao aqui desenvolvido ..................... 151 4.11. Desenvolvimento do modelo de organizao aqui apontado .......................... 154 4.12. Aspectos conclusivos quanto ao tema do partido de quadros ......................... 156

    5. O conceito de Processo de Radicalizao Democrtica: uma forma social de defesa, criao e ampliao de direitos..................................................................................... 157

    5.1. Na busca de um paradigma de uma rea necessariamente aparadigmtica ... 158 5.2. A importncia da identidade; quando a matriz epistemolgica tambm poltica e esttica ................................................................................................................... 170 5.3. O dilogo do Capital social com a sociedade civil: a redefinio deste conceito aplicado em uma nova institucionalidade................................................................. 179 5.4. As limitaes da democracia representativa e a localizao terica da radicalizao democrtica ........................................................................................ 186 5.5. Territrio desorganizado, fragmentao e reorganizao do tecido social. As condies essenciais para a radicalizao democrtica............................................ 193 Parte II A perspectiva do Poder Popular e das foras em acumulao 194 5.6. A perspectiva do Poder Popular como forma de acumulao de foras do processo de radicalizao democrtica..................................................................... 195 5.7. O conceito de independncia de classe.............................................................. 196 5.8. A hierarquia de prioridades e a necessidade de coordenao para o processo de radicalizao democrtica ........................................................................................ 199

    6. Uma crtica econmica dos constrangimentos sofridos pelos cmbios da democracia brasileira atual............................................................................................................... 202

    6.1. As vises do Estado como regulador social e na definio macroeconmica. Premissas e temporalidade ....................................................................................... 203 6.2. Premissas de Anlise na relao entre os limites democrticos e o desenho de Estado ....................................................................................................................... 208 6.3. A verso latino-americana e os modelos de Estado: neoliberal e desenvolvimentista ................................................................................................... 212 6.4. Caracterizando a conjuntura macro econmica e de desenho democrtico em que vivemos hoje no subcontinente ................................................................................ 215 Parte II A anlise da poltica econmica quando da passagem de governo de Fernando Henrique para Lula e os constrangimentos estruturais 217 6.5. A transio da democracia representativa consolidada no Estado Neoliberal .. 218 6.6. Fatores e agentes de constrangimento do exerccio do poder poltico .............. 221 6.7. A permanncia do constrangimento e da impossibilidade estratgica .............. 231 6.8. Um debate conclusivo a respeito dos limites da disputa democrtica dentro de um constrangimento estrutural que impede uma opo estratgica ............................... 236 Parte III Dois exemplos que fundamentam e evidenciam a concluso lgica 237

  • 6.9. A estabilidade econmica e poltica e os custos de gerao de emprego direto.................................................................................................................................. 238 6.10. Os hbitos de consumo cultural dos brasileiros e o volume de investimentos do Estado nesta rubrica, atravs do oramento do Ministrio da Cultura ..................... 241

    7. Estudo Estratgico em sentido pleno a aplicabilidade da teoria da interdependncia no crescimento da Organizao Poltica............................................................................ 244

    7.1 O que estratgia?.............................................................................................. 245 7.2 A guerra como extenso da poltica. A poltica como expresso de guerra total246 7.3. O conceito estratgico e a Grande Estratgia .................................................... 250 7.4. A inteligncia, o planejamento e o conflito interno........................................... 255 7.5. Na Amrica Latina a luta popular ganha forma anti-imperialista ..................... 260 7.6 A luta de classes no longo prazo ........................................................................ 262 7.7. A interdependncia das trs esferas aplicada. O modus operandi da FAU....... 264 7.8. A violncia como linguagem e o Jogo Real da Poltica .................................... 274 Parte II A proposta de anlise estratgica aplicada no Jogo Real atravs de uma organizao poltica com intenes de cmbio 278 7.9. Categorias fundamentais para a anlise e incidncia a partir da organizao poltica proposta ....................................................................................................... 279 7.10. Retomando o conceito estratgico aplicado no conflito social permanente (os prazos) ...................................................................................................................... 282 7.11 Os nveis de incidncia adotados nesta Parte II................................................ 283 7.12 Os recortes geogrficos os espaos e territrios de incidncia...................... 285 7.13 Os conceitos bsicos de tempos e movimentos. Um mapa conceitual............ 286 7.14 A idia de processo e a acumulao de foras necessria para a radicalizao democrtica............................................................................................................... 288

    8. Concluses da Tese .................................................................................................. 291 8.1. A exposio da parte intrnseca atravs dos captulos....................................... 291 8.2. Respondendo as duas questes centrais............................................................. 292 8.3. A aplicao e ampliao do conceito estratgico centrado no acionar da poltica.................................................................................................................................. 293

    9. Referncia Bibliogrfica........................................................................................... 295 9.1. Bibliografia........................................................................................................ 295 9.2. Documentos eletrnicos consultados................................................................. 304 9.3. Hemerografia ..................................................................................................... 317

  • LISTA DE FIGURAS E TABELA

    Pgina 21 Figura 1: Grfico de representao da Interdependncia das esferas Poltica; Econmica e Ideolgico-cultural. Pgina 22 Figura 2: Grfico de projeo das esferas onde o conjunto das prticas se manifesta. Pgina 22 Figura 3: Grfico de representao do entramado de prticas das distintas esferas atuando em uma sociedade concreta Pgina 23 Figura 4: Grfico de representao onde o campo das prticas sociais em nvel de conjuntura aplicada para uma conformao social concreta. Pgina 31 Figura 5: Tabela demonstrativa de nvel de confiana nas categorias e instituies

  • RESUMO

    A tese formaliza a Teoria da Interdependncia Estrutural das 3 Esferas (poltica;

    ideolgica; econmica) aplicando seu modelo de anlise no estudo do papel da

    Organizao Poltica Finalista e na projeo de um processo poltico e social

    denominado de Radicalizao Democrtica. A exposio desta Teoria de Mdio

    Alcance divide-se em partes intrnseca e extrnseca, iniciando com a articulao das

    categorias e seguindo com a argumentao lgica. A dimenso ontolgica do trabalho

    se posiciona a partir dos pressupostos ideolgico-doutrinrios anarquistas. A dimenso

    terico-epistemolgica se localiza na aproximao do estruturalismo com a centralidade

    da cincia poltica, em especfico da democracia de tipo social. A dimenso

    metodolgica localiza o trabalho dentro dos estudos de anlise estratgica. O trabalho

    formula uma teoria que instrumente o conceito de construo de Poder Popular. Este

    criador de uma nova institucionalidade, onde as distintas representaes e cortes de

    interesse e identidade estejam representados em uma base societria distributivista, com

    plenitude de direitos e garantias individuais e coletivas das liberdades de reunio,

    expresso, manifestao e organizao.

  • ABSTRACT

    The thesis formalizes the Theory of Structural Interdependence of the 3 spheres

    (political, ideological, economic) applying its model of analysis in the study of the role

    of the Organization and the final political projection of a social and political process

    known as Radicalizing the Democracy. The exposure of a Middle Range Theory

    (empirical theory construction) divides itself into intrinsic and extrinsic parts. The first

    part provides the essential theoretical statements, and the second one provides the

    definition of terms and all logical arguments. The ontological dimension of the thesis

    stands from the doctrinal-ideological anarchists assumptions. The theoretical-

    epistemological dimension is located in the approach of structuralism with the centrality

    of political science, in particularly in the social dimension of democracy. The

    methodological dimension is located in the strategic studies and subsequent analysis.

    The thesis produces a theory whose instrumentalizes the concept of building Peoples

    Power. This power creates a new political design, where the different sectors, identities,

    class fractions and segments is represented in a social equality based society with full

    rights and guarantees of individual and collective freedoms of assembly, expression,

    expression and organization.

  • 10

    APRESENTAO DO TRABALHO DE TESE

    O fator expansivo da democracia participativa do demos frente a democracia

    oligrquica das elites tem uma manifestao colateral na exploso cvico-cultural que

    historicamente vm acompanhando a suas escassas manifestaes Isto prova que, a

    extraordinria capacidade criativa inserida nas energias que so liberadas quando o

    povo seu prprio destino sem interferncias nem representaes profissionais.

    (Rafael Cid, 2008, p.36)

    Este trabalho tem uma ancestralidade que vai muito alm do perodo de

    doutorado, da ps-graduao em cincia poltica na UFRGS e at mesmo a relao com

    o ensino formal. Nesta Apresentao, exporemos o foco do trabalho inicial, as reas que

    podem ser desenvolvidas, as vinculaes acadmicas e os possveis desdobramentos.

    Entende-se que essas informaes iro facilitar a compreenso do leitor do texto, do

    contexto e da intencionalidade encontrada.

    Inicio a tese expondo a trajetria pessoal acadmica e poltica que resultaram neste

    trabalho; exponho as reas e eixos de estudo; explico o porqu dos ttulos dos captulos,

    da bibliografia escolhida e a conjuno de mtodos adotados. Partindo desta

    intencionalidade, a tese voltada para o estudo de uma teoria de mdio alcance, na

    verdade a formulao desta, e que como todo trabalho de flego no um ato de brilho

    individual, mas o processamento de um debate coletivo. O posicionamento como Teoria

    de Mdio Alcance, no se d pelo fato de testarmos ao longo do trabalho as hipteses

    levantadas, mas por provarmos no discurso articulado os dois teoremas enunciados.

    Teorema 1: A aplicao da estratgia possibilita o conflito social atravs da

    luta popular. Sem organizao poltica finalista no h possibilidade de estratgia

  • 11

    permanente, portanto no h planejamento estratgico e nem conceito estratgico. O

    inverso tambm verdadeiro.

    Teorema 2: A luta popular constri Radicalizao Democrtica e acumula

    Poder Popular. A democracia se torna substantiva medida que serve como valor

    organizacional na acumulao e coordenao de foras pelas maiorias (Poder Popular) e

    o avano nas conquistas de direitos, redistribuies, soberania, garantias e liberdades

    so obtidas atravs do conflito social organizado.

    Chegar formalizao destes dois teoremas, tendo como eixo de anlise ao papel

    da organizao poltica finalista no eleitoral e de ideologia-doutrina anarquista foi um

    largo caminho. Entende-se que o estudo de partido poltico finalista com democracia

    interna uma lacuna na cincia poltica, mesmo considerando os estudos dos chamados

    partidos revolucionrios. Em geral, se naturaliza, tanto na interna do campo como na

    sociedade, o modelo de partido de representao, ou o intermedirio entre setores da

    sociedade e o desenho formal do exerccio do poder. Um partido, ou organizao

    poltica, que atue tendo a democracia social (participativa, substantiva, deliberativa,

    com multiplicidade de formas de representao e delegao, democracia radical) como

    valor indispensvel uma via de estudo da cincia poltica que vai ao encontro da

    Teoria Democrtica que est por ser construda. A participao poltica especfica por

    fora das concorrncias da democracia representativa no exclusividade dos chamados

    movimentos sociais e o desenvolvimento deste estudo uma lacuna na cincia

    poltica, por mais aberta e ampla que seja seu espectro. Parte da intencionalidade do

    esforo aqui apresentado de somar no avano do estudo desta modalidade de partido

    poltico, onde se professa uma ideologia, tem-se uma base doutrinria e aposta-se na

    arena no-institucional para construir outra institucionalidade como forma de exerccio

    de poder contra-hegemnico ainda sob o regime de democracia formal.

    Como se nota, esta tese tem um passado terico e uma vinculao ontolgica.

    Mas, precisamente no se trata de uma obra anarquista, mas um trabalho terico-

    epistemolgico cuja dimenso ontolgica anarquista. Opto por apresentar esta

    dimenso de forma direta por opo metodolgica. Isto porque colaborar com o avano

    desta escola de pensamento no mbito acadmico tambm uma inteno do trabalho. O

  • 12

    mesmo foi iniciado em 1970, atravs dos trabalhos de Raul Cariboni1, historiador

    uruguaio e responsvel pela formao poltica da Federacin Anarquista Uruguaya

    (FAU). Esta Organizao Poltica, adepta de ideologia anarquista adotou em sua

    formao interna a alguns pressupostos terico-epistemolgicos do estruturalismo que,

    somados s formas histricas de fazer poltica e mobilizao libertria, resultaram em

    um modus operandi e uma construo terica pioneira na Amrica Latina, materializada

    nos dois documentos apresentados e debatidos aqui: Huerta Grande (1970) e El Copey

    (1972).

    Nestes estudos, que pode ser considerado material de teoria emprica ou de mdio

    alcance, se apresenta uma teoria poltica de transformao social, baseada na anlise

    estruturalista, nas idias-guia do anarquismo politicamente organizado e tomando como

    sujeito protagonista as maiorias mobilizadas. Tambm se encontra a fundamentao

    ideolgica-doutrinria e terico-epistemolgica para o uso sistemtico da fora

    simultaneamente da prtica de democracia como um valor fundamental tanto na interna

    da organizao, nos ambientes poltico-sociais e sociais, assim como na montagem de

    um espao pblico do movimento popular onde as distintas posies fossem toleradas

    em uma idia de ruta comn. O conceito de interdependncia estrutural, de que a

    poltica a sntese decisria discursiva e de que a ideologia transversal a todas as

    esferas se condensa nesse perodo.

    Como esta tese centrada no objeto da cincia poltica o exerccio do poder

    organizado no nos ateremos na histria poltica da FAU, e nem na dimenso da

    filosofia poltica do anarquismo. De agora em diante, d-se o histrico da trama

    intelectual da tese. Os canais por onde esta passou se do, a partir de 1973, em duas

    vias. Uma, dentro do Uruguai, nos grupos de estudos organizados pelos militantes da

    FAU encarcerados no sistema poltico-prisional uruguaio, em especial no Penal de

    Libertad. Neste lugar se estrutura o pensamento do anarquismo politicamente

    organizado, conhecido no Cone Sul como especifismo2, e se aprofundam os estudos em

    1 preciso compreender que ao citarmos Cariboni, nos referimos na verdade ao conjunto da equipe de formao e anlise poltica que trabalhava sob coordenao deste e diretamente vinculada ao Secretariado da FAU em clandestinidade como na submerso (respectivamente 1967-1971 e 1971-1973). Ver FAU e FAU Secretariado General. 2 Trata-se da denominao adotada no Cone Sul para o formato de organizao poltica anarquista recriada a partir dos anos 1950 no Uruguai, como uma soma das experincias prvias, flexibilizando

  • 13

    cima da obra de autores como Foucault, Althusser e Poulantzas. O conceito de classe

    no centralizado na categoria explorao econmica se concretiza nesses estudos.

    Outra etapa de construo da ancestralidade desse trabalho se d tambm com

    militantes da FAU, presos polticos no sistema prisional argentino, em especial na

    Penitenciria de Mxima Segurana de La Plata, Provncia de Buenos Aires. Nesta

    priso, o autodidata argentino Mauricio Malamud3 ministrava, na cadeia, cursos de

    formao aproximando o pensamento estruturalista e o campo nacional-popular. O

    desenvolvimento das categorias de discurso, estrutura de pensamento, importncia da

    linguagem, a questo da identidade se condensa e ganha forma nesse perodo.

    A relao direta com alguns operadores polticos que passaram por estas etapas de

    formao se d a partir de dezembro de 1994. J a minha contribuio neste processo

    especfico de formulao iniciou-se em abril de 1998, no bairro do Cerro de Montevidu

    e aps na cidade de Colnia do Sacramento. O que hoje se formaliza como tese de

    doutoramento, tem sua estrutura em cima de uma srie de estudos e material de

    formao no-acadmica que tive a oportunidade de ajudar a formular, antes mesmo de

    adentrar na ps-graduao em cincia poltica. Este esforo se d em grande parte, e no

    em sua totalidade, em funo de compromisso militante com a Federao Anarquista

    Gacha (FAG), organizao poltica aliada estratgica da FAU.

    Neste esforo de formulao, o tema da tese - a Organizao Poltica e seu papel -

    de longa data objeto de estudo e experimentao. J a Interdependncia Estrutural

    fruto de uma pesquisa retomada em 2003, cujo texto base em formato no acadmico

    foi concludo somente em novembro de 2007, nas cidades lindeiras de Santana do

    Livramento e Rivera, na Fronteira Oeste do Rio Grande4. Eis o porqu da data remota

    teoricamente as modalidades de interveno e sendo uma soma de experincias iniciadas em 1868 com a Aliana Internacional. Para uma definio de especifismo, ver FAO (2007). 3 O nico registro eletrnico que encontrei a respeito de Malamud est em: LA PGINA DE TOMAS ABRAHAM. Acerca del profesor N.E. Perdomo, documento eletrnico encontrado em: http://74.125.45.132/search?q=cache:Urh9bqnIFJ0J:www.tomasabraham.com.ar/filosofia/perdomo.htm+mauricio+malamud&hl=es&ct=clnk&cd=1&gl=ar; arquivo consultado em 10 de setembro de 2008. O relato que aporto aqui oral, com pessoal que trabalhou e estudou diretamente com esse pensador autodidata. 4 Esta tese, conforme corresponde autoral; mas de inspirao coletiva. O processo cumulativo cientfico que temos no campo acadmico se d de forma parecida no universo da esquerda no-parlamentar. A diferena est nos ritos e formalidades, que so distintos. Aguardei o documento que tem papel

  • 14

    da concluso da tese, considerando que iniciei o doutorado em maro de 2004. O

    material original (ver FAU/FAG 2007) serve como inspirao, fonte direta e matriz

    terico-epistemolgica. E, conforme j havia exposto, na seara acadmica por

    excelncia, o elo da histria com a disciplina de estudo se encontra no acionar libertrio

    e na aproximao com os chamados estruturalistas, ainda na acirrada conjuntura latino-

    americana da segunda metade dos anos 1960.

    Como guia de leitura, exponho que a tese se divide em:

    - o incio de uma proposta epistemolgica (Captulos 1 e 2);

    - um problema terico a ser resolvido atravs da elaborao de uma teoria de

    mdio alcance, (Captulos 3 , 4 e 5);

    - a reafirmao dos objetivos da pesquisa, na forma de pensamento estratgico e

    treinamento para sua aplicao, justo quando o processo reencontra a concluso

    (Captulos 6, 7 e 8 e a representao geomtrica no Anexo).

    A partir deste trabalho se abrem algumas vias de estudo, tais como: de novo

    desenho institucional; do experimentalismo poltico-jurdico; de estudo das teorias e

    formas de mobilizao popular; de ao coletiva fomentada por minorias polticas; de

    definio do sentido de democracia como exerccio de direitos, liberdades, distribuies

    e garantias; do processo de acumulao de foras atravs da radicalizao democrtica;

    do estudo dos conflitos de baixa intensidade e participao massiva; da dimenso

    ideolgica anarquista.

    O conjunto destes estudos derivados deste trabalho se orienta por uma dimenso

    normativa que visa o exerccio das liberdades polticas, religiosas, culturais, identitrias,

    individuais, tnicas sobre uma estrutura societria sem classes, de organizao poltico-

    jurdica-administrativa federalista e economicamente distributivista. A sentena acima

    resume a normatividade encontrada na tese. Afirmo esta normatividade porque vou ao

    encontro da afirmao de Cid (2008, p. 37)

    fundacional para a Interdependncia das 3 Esferas porque, da mesma forma que seria impossvel desenvolver estudo em cima da teoria habbermasiana (por ex.) sem a obra de Jungen Habermas, seria impraticvel desenvolver uma teoria de mdio alcance sem os fundamentos da matriz a qual esta se filia.

  • 15

    Do contrrio, se o povo termina suplantado pelas elites e reduzido a um

    espelhismo epistemolgico, o sistema poltico se converte em roleta russa reversvel.

    Esta serve igual para passar legalmente de uma situao de ditadura a outra de

    democracia pactuada (como a transio espanhola do Pacto de Moncloa), assim como

    o caminho inverso, da democracia dos espelhismos elitistas ao totalitarismo.

  • 16

    1. BASES DA TEORIA DA INTERDEPENDNCIA ESTRUTURAL DAS ESFERAS: UMA ANLISE LIBERTRIA DO PAPEL DA ORGANIZAO POLTICA PARA O PROCESSO DE RADICALIZAO DEMOCRTICA

    Neste captulo, inicio explicitando o mtodo utilizado para a modelagem terica, a

    formulao da questo central, dos problemas de pesquisa, dos objetivos

    complementares e o dilogo empregado para a aproximao de distintas reas de

    saberes que se complementam5.

    1.1. O Mtodo Utilizado

    Utiliza-se aqui um formato de base estruturalista por compreender ser o mesmo o

    mais adequado para uma tese terica. A postura em relao ao uso da metodologia que

    adoto e de qualquer metodologia - comparte com Dencker & Vi (2001, p. 29) o

    seguinte ponto de vista:

    O uso da metodologia deve ser fruto de uma reflexo sobre a atividade cientfica.

    Na realidade, todas as abordagens podem ser usadas desde que o mtodo escolhido

    possa ajudar na resoluo dos problemas de pesquisa. O objetivo dessa reflexo

    chamar a ateno para a importncia de no transformarmos o mtodo em uma

    camisa-de-fora, que aprisiona o pesquisador em um projeto de pesquisa cientfica.

    [...] Encontrar o equilbrio entre as tendncias e desenvolver um mtodo prprio,

    adequado ao seu objeto de estudo, so os desafios que se colocam para o pesquisador.

    5 Para fins didticos, explicito que todos os grifos ao longo do texto desta tese so meus.

  • 17

    Entendo ser necessrio expor uma forma de montagem de teoria, de modo que

    possa explicitar a parte intrnseca da mesma. Aplica-se aqui uma modelagem que est

    construda a partir do trabalho de Gibbs apud Thompson (1976), Baquero (2004

    polgrafo), Baquero & Pr (2004 polgrafo) e Dencker & Vi (2001). Tomamos como

    base um modelo de construo de teorias, no como uma receita pronta, um recipiente

    pr-fabricado para ser preenchido, mas como um formato aceitvel e

    epistemologicamente coerente. Gibbs apud Thompson (1976, p.1) aponta trs formas

    aceitadas pelo campo acadmico para a construo de teorias.

    Uma o modelo de Teoria Formal, que incorpora equaes como linguagem pura,

    aplicando as sentenas na forma de equaes matemticas. Outra tem o modelo de

    Teoria Normativa Pura; esta puramente discursiva, sem preocupao com a incidncia

    na sociedade, no mundo da vida. Sua montagem se d em cima da racionalidade

    discursiva, sendo que a preocupao por torn-la efetiva no cabe aos formuladores da

    teoria, mas sim aos que a vo utilizar.

    Outro formato, que o incorporado aqui, trata da Teoria de Mdio Alcance, ou

    Teoria Emprica. Esta teoria tem base normativa e tangibilidade. A produo desta

    teoria um discurso coerente com instrumentos de medio e incidncia que permitem

    seu teste, adaptao, validao, falsificao e conseqente adequao. Outra

    caracterstica desta modelagem a construo do conhecimento, no como

    representao, mas como saber estratgico.

    O formato de exposio adotado aqui o dos dois autores citados acima, que

    apresenta uma conveno estruturalista de construo, apresentao e exposio das

    teorias. Este formato de construo tem a intencionalidade de aumentar a clareza de

    seus componentes e a eficincia e a organizao e apresentao do sistema de idias

    chamado de Teoria. Esta forma de construir se baseia em trs princpios:

    - Interpelao lgica entre os componentes declarados.

    - A diferenciao entre definies e assertivas empricas

    - Nem todas as assertivas empricas so de mesmo tipo

  • 18

    Estes trs princpios permitem que a apresentao da Teoria se d em duas partes.

    Primeiro, na parte intrnseca, equivalente a metfora de ser o esqueleto da teoria. Para

    tanto, no esqueleto, se utiliza uma articulao lgica e coerente da construo

    substantiva (intrnseca). A outra parte da apresentao a parte extrnseca. Esta, pelo

    formato construdo, d a definio dos termos empregados no segmento intrnseco e

    qualquer outro aspecto, termo, conceito parcial, fragmento que sejam necessrios para

    comunicar e justificar a teoria para o leitor.

    Incorporo este formato de montagem para tornar explcita a parte intrnseca da

    Teoria da Interdependncia das Esferas aplicada na anlise no papel da Organizao

    Poltica no processo de Radicalizao Democrtica. A parte extrnseca , portanto, o

    restante deste primeiro captulo e os seguintes, incluindo o conclusivo, o captulo 8,

    quando voltamos a expor a parte intrnseca da Teoria.

    Segundo Gibbs (apud Thompson 1976, p. 2), a parte substantiva da modelagem de

    uma Teoria de Mdio Alcance consiste em trs termos. So eles:

    - construtos: termos que no so nem completamente definveis nem aplicveis

    empiricamente

    - conceitos: termos que so completamente definveis, mas no so

    empiricamente aplicveis

    - referenciais: termos que designam empiricamente frmulas aplicveis ou

    operacionalizveis

    J as assertivas da parte intrnseca servem para relacionar os termos substantivos e

    dar um ordenamento lgico na linguagem de sentenas. Estas so compostas de cinco

    tipos (Baquero 2004, polgrafo, p.10):

    - (1) axiomas: formulaes que relacionam construtos;

    - (2) postulados: formulaes que relacionam os construtos como conceitos;

  • 19

    - (3) proposies: formulaes que relacionam conceitos;

    - (4) transformacionais: formulaes que relacionam conceitos com referenciais;

    - (5) teoremas: formulaes formalmente derivadas que relacionam referenciais.

    Antes de seguir na exposio da parte intrnseca, preciso observar uma ressalva

    quanto apologia deste formato. Segundo Baquero (2004, polgrafo, p. 11):

    Obviamente que esta forma de construir teorias no se constitui exclusivamente num

    livro texto. De fato, a natureza do processo de construo de teorias no pode estar

    baseada num tipo de livro de cozinha. O que o formato da construo de teorias acima

    discutido permite melhorar a clareza e a apresentao e organizao de uma teoria.

    dentro desse esprito que o formato utilizado neste estudo.

    Para a boa exposio das assertivas e formulaes desta teoria, necessrio expor

    os pressupostos da mesma. O modelo de processo para a incidncia da organizao

    poltica proposto nesta tese se adqua ao contexto latino-americano ps-transio e a

    partir do receiturio neoliberal. A democracia de procedimentos que se aplica nesse

    cenrio tem, necessariamente, de isolar e fragmentar o sentido de unidade de classe(s) e

    desorganizar o tecido social formador de identidades coletivas. A disputa poltica

    consolidada nestas democracias no passa pelo avano dos direitos individuais e

    coletivos para o bem comum e tampouco se empodera a populao de modo a participar

    de forma direta das decises fundamentais para o pas.

    Portanto, de forma estrutural (podendo se aventar a hiptese do desenho de no

    participao ser deliberado), d-se o esvaziamento da poltica e a substituio do

    conflito poltico e social pela massificao de premissas ocultas (de corte ideolgico-

    doutrinrio) referenciadas no suposto domnio da tcnica originria da economia.

    Ou seja, baseada no hiper-estruturalismo neoliberal. A inverso desse quadro passa

    necessariamente pela construo de um modelo terico-organizativo, que veja o espao-

    sntese da poltica, que no substitua a instncia poltica-especfica pelo sujeito social

    organizado (o agente social na forma de movimentos populares) e que tome a ideologia

  • 20

    como componente interdependncia estrutural da sociedade. Para isso preciso que,

    deliberadamente, no se oculte a dimenso ontolgica das premissas terico-polticas.

    A garantia da multiplicidade de organizao e representao de interesses,

    sujeitos, identidades, setores de classe se d atravs da ao coletiva coordenada de um

    ou mais agentes polticos imbudos deste objetivo finalista. Ao manifestar esse objetivo

    atravs de fora social, esta a manifestao do processo de Radicalizao

    Democrtica. Este processo leva e se d atravs do acmulo de foras dentro da

    construo poltico-social chamado de Poder Popular.

    Expondo a Dimenso Intrnseca

    Axioma I: A no existncia de organizaes polticas de objetivo finalista

    significa o abandono da estratgia e, por tanto, a vitria pontual da hegemonia

    dominante;

    Axioma II: A confuso entre ideologia, doutrina e teoria leva a incapacidade

    preditiva-analtica, portanto paralisia das polticas proativas, indefinio estratgica

    e, por tanto, incorporao e admisso das premissas ocultas hegemnicas no contexto

    dominante;

    Axioma III : A fragmentao do tecido social baixa o estoque de capital social e

    dificulta a forja de identidades coletivas, por tanto, prejudica a organizao dos sujeitos

    sociais e impede o empoderamento das maiorias;

    Axioma IV: A crescente midiatizao das relaes sociais aumenta e refora o

    comportamento individualista na vida privada e indiferente na vida coletiva;

    Axioma V: Quanto maior a noo de que a estabilidade democrtica se d na

    forma de procedimento e no em termos substantivos (como polticas econmicas

    distributivas e um desenho de economia poltica independente e soberana), aumenta a

    indiferena ao exerccio de direitos, o que leva a uma maior apatia e ceticismo;

  • 21

    Axioma VI: A idia de equilbrio desigual entre classes e jogo de soma zero

    leva paralisia do processo reivindicativo e naturaliza a injustia social sob

    procedimento da concorrncia entre partidos;

    Axioma VII: A mudana no comportamento poltico se d atravs de uma

    escalada de mobilizao coletiva, incluindo a miditica e cultural, reorganizando o

    tecido social e valorando a democracia como a pluralidade dentro do processo de luta

    popular.

    Postulado 1: O horizonte de idias-guia sistematizadas o primeiro delimitador da

    profundidade e do tipo de acionar poltico;

    Postulado 2: Na atual etapa do capitalismo o horizonte de idias midiatizado e as

    atividades cotidianas se vem atravessadas pelas Tecnologias de Informao e

    Comunicao (TICs);

    Postulado 3: O acmulo de foras dos sujeitos sociais passa pela construo

    identitria e isto tambm se d atravs dos agentes sociais motivados pelas organizaes

    polticas incidindo sobre e a partir destes setores;

    Postulado 4: A incidncia nos sujeitos sociais organizados deve atender aos

    distintos nveis de interveno, em escala e complexidade, dentro das maiorias. Para

    atend-los necessria a existncia de uma ou mais organizaes polticas que adotem

    este formato organizacional e atue no processo de Radicalizao Democrtica;

    Postulado 5: A estratgia permanente para a Radicalizao Democrtica passa

    pelo protagonismo popular, obrigando o Estado a ser responsivo e compatvel com a

    ampliao de direitos e liberdades coletivas e individuais, atendendo a multiplicidade de

    sujeitos, demandas, identidades e questes generalizveis.

    Proposio 1: A anlise e a percepo da realidade organizvel atravs do

    desenho da interdependncia estrutural das esferas poltica, econmica e ideolgica;

  • 22

    Proposio 2: No h determinao de uma esfera sobre a outra;

    Proposio 3: A esfera ideolgica estruturante de todas as demais;

    Proposio 4: A esfera poltica (jurdico-militar) concentra a sntese das formas de

    conflitos e decises.

    Transformacional 1: A ao coletiva por parte das maiorias s tem seu

    protagonismo assegurado se for desenvolvida no marco no-institucional, para que isso

    ocorra necessrio o finalismo determinado na forma de organizao de minoria

    poltica;

    Transformacional 2: O exerccio da poltica no formato de ao coletiva no-

    institucional obriga o Estado a ser responsivo, tornando-o mais pblico e, por

    conseqncia, mais democrtico;

    Transformacional 3: A democracia se torna substantiva medida que um conjunto

    de foras sociais organizadas a incorporam como um valor essencial para a justia

    social.

    Teorema 1: A aplicao da estratgia possibilita o conflito social atravs da

    luta popular. Sem organizao poltica finalista no h possibilidade de estratgia

    permanente, portanto no h planejamento estratgico e nem conceito estratgico. O

    inverso tambm verdadeiro.

    Teorema 2: A luta popular constri Radicalizao Democrtica e acumula

    Poder Popular. A democracia se torna substantiva medida que serve como valor

    organizacional na acumulao e coordenao de foras pelas maiorias (Poder Popular) e

    o avano nas conquistas de direitos, redistribuies, soberania, garantias e liberdades

    so obtidas atravs do conflito social organizado.

  • 23

    O conjunto da parte extrnseca ser demonstrado nos captulos a seguir. Retorno

    modelagem terica nas concluses do trabalho.

    1.2. A Questo Central, o Problema de Pesquisa e os objetivos

    secundrios:

    Esta tese de doutoramento em cincia poltica afirma seu principal objetivo, dentre

    os vrios a ser localizados dentro do texto. vontade atravs deste trabalho de dar uma

    forma terica ao debate, formulao e concluso da questo central, apresentada em

    dois tpicos:

    1) Formular uma teoria que instrumente o conceito de construo do Poder Popular,

    criador de uma nova institucionalidade, onde as distintas representaes e cortes de

    interesse e identidade estejam representados em uma base societria distributivista, com

    plenitude de direitos e garantias individuais e coletivas das liberdades de reunio,

    expresso, manifestao e organizao.

    2) Formular uma idia de processo de Radicalizao Democrtica, onde se aplica a

    acumulao de foras para a construo desta forma de Poder, tendo por base a anlise

    estratgica aplicada nas categorias centrais apontadas para este objetivo. Tanto o

    acmulo de foras para a criao de um poder emanado das maiorias como o processo

    que radicaliza e torna substantiva a democracia tem, neste trabalho, como eixo de

    anlise, o papel da Organizao Poltica. Este modelo de instituio poltica tem sua

    atividade-fim na construo do Poder Popular e como atividade-meio para isso o

    processo de Radicalizao Democrtica.

    A Questo Central se depara com dois problemas de pesquisa a ser solucionados.

    O problema atual para qualquer organizao e movimento com intenes de ruptura

    desenvolve-se sobre um procedimento j clssico da poltica, aplicado para a sociedade

    de classes contempornea. Parto de duas premissas polticas e estratgicas, que tomo

    como vlidas e hoje so operacionalmente absolutas. Assim, para retornar questo

    central e atingir o problema de pesquisa, preciso tomar estas premissas como dado de

    realidade e exigncia para qualquer operador poltico. Estas so as necessidades de, no

    caso do conflito estudado na tese:

  • 24

    1 - Dividir para reinar (dominncia)

    2 - Concentrar foras para o conflito (a-dominncia)

    Assim, o problema de pesquisa para atender aos objetivos da questo central

    buscar a resposta para duas perguntas:

    - A excessiva fragmentao dos sujeitos sociais, somada a incapacidade de

    aglutinar dos agentes, pode impedir tanto a dominao organizada como a organizao

    da resistncia contra a dominao?6

    - Quais as formas de ao coletiva e formatos de organizar coletivamente para

    acumular foras rumo a um processo de ruptura?7

    Este antagonismo atravessa o eixo do trabalho por onde veremos o confronto das

    intencionalidades e bases conceituais. Concluo a exposio de objetivos e

    problematizaes afirmando que, como tese de doutorado em cincia poltica, existe

    outras duas metas, estas dentro do mbito institucional e acadmico:

    - Avanar no estudo da configurao atual da sociedade de classes,

    especificamente na idia de classes oprimidas, na nova pobreza, na luta por ampliao

    de direitos coletivos e suas formas de organizao contemporneas na Amrica Latina.

    Assim, a concluso deste trabalho formaliza uma Teoria de Mdio Alcance, mas com

    base totalizante, que sirva como instrumental terico para a anlise e incidncia finalista

    em nosso Continente8.

    - Contribuir para o avano da pesquisa e anlise incidente e com identidade latino-

    americana e de aproximao da Universidade Pblica para com as demandas das

    6 Assumo como vlida tanto a existncia de classes como a fragmentao das maiorias que compem a sociedade dividida em classes. Esta ausncia de unidade, tanto no aspecto identitrio como nas formas estruturantes de vida coletiva, buscarei afirmar e comprovar ao longo do trabalho. 7 Ruptura com a ordem constituda pode implicar em vrios processos distintos. O termo e a profundidade necessrias veremos com afinco no Captulo 5. 8 E por extenso generalizvel, no Brasil e na Amrica Latina, sabendo das limitaes tericas e de realidade distintas.

  • 25

    maiorias. Especificamente no campo da cincia poltica, participando do esforo da

    construo de um pensamento poltico de teoria democrtica latino-americana. Sendo

    esta vista como um grande arcabouo terico-epistemolgico onde as matrizes de

    pensamento que operam e incidem no meio acadmico a partir desta tica coexistam e

    contribuam nos conceitos substantivos de democracia, como o de participativa,

    deliberativa, substantiva, radical, popular, dentre outros.

    1.3. A anlise estratgica e o Jogo Real da Poltica

    Explicito a aspirao da construo epistemolgica dentro das cincias humanas,

    especificamente na cincia poltica, para demonstrar para leitores e crticos qual a

    intencionalidade poltica e terica da tese. Este trabalho visa tambm aproximao de

    duas reas aparentemente distintas, ou ao menos afastadas, dentro da cincia poltica.

    Mais precisamente, trata-se do debate a respeito da ausncia de objetivos finalistas

    (estratgicos) como forma de derrota e/ou enfraquecimento do movimento popular e das

    organizaes polticas inseridas nestes setores de classe organizada. Partimos da

    premissa que uma acumulao de foras s possvel quando existem os recipientes

    para este acmulo, ou seja, instituies polticas e sociais que operem nessa lgica e

    com objetivos finalistas de largo prazo9. Entendo que neste campo perfeitamente

    aplicvel um desenvolvimento dos estudos estratgicos, iniciados ainda no final da

    graduao (em comunicao social, habilitao jornalismo, UFRJ, 2001), a partir de

    uma leitura crtica - e oposta - de Golbery do Couto e Silva e Carl von Clausewitz10.

    Cheguei neste objetivo e vontade atravs das pesquisas e trabalhos de monografia

    e dissertao de mestrado, onde justamente abordei a anlise estratgica a partir do

    estudo de dois rgos federais de segurana e inteligncia11. Entendi haver alcanado

    um limite do estudo estratgico do ente estatal, onde no h possibilidade do trabalho

    implicar nem em proposio, e tampouco em reflexo terica aprofundada por dentro

    destas instituies. Por isso resolvi-me por mudar o tema do estudo e apontar um novo

    pblico alvo, visando outro foco para o trabalho de anlise estratgica.

    9 Abordamos este tema especfico no Captulo 4. 10 Veremos com preciso esta anlise no Captulo 7. 11 Trata-se das duas agncias federais da atualidade. O primeiro trabalho foi a respeito do modus operandi da Agncia Brasileira de Inteligncia (ABIN) e a dissertao de mestrado foi sobre as disputas internas do Departamento de Polcia Federal, tambm conhecido como Polcia Federal (atravs da sigla oficiosa, PF). Ambos os trabalhos constam na Bibliografia.

  • 26

    Uma leitura da bibliografia e tambm atravs da observao da trajetria

    individual de autores mostra que a mudana de pblico alvo, de objeto de estudo, de

    destino da pesquisa e da explicitao da posio de partida, so fenmenos recorrentes

    dentro do universo das cincias sociais em geral e da cincia poltica em particular. O

    que h de contra-hegemnico o posicionamento e no a funo. Porque a construo

    desta teoria prev uma postura, um ponto de partida e de mirada do cientista social.

    Entendo que estas posies sempre existem, a diferena que opto por explicit-la12. O

    fao no por preciosismo ou para marcar uma distino para com o campo, mas por

    identificar esta necessidade de rigor para abordar o tema.

    O que fao teoria que parte da reflexo e da posio no diletante. Portanto,

    quem faz este tipo de trabalho se coloca como analista estratgico13; formulador e

    participante, criando hipteses e operacionalizando-as no real. Desde o princpio

    operando e analisando para um dos lados (vrios) do(s) conflito(s) de classes e projetos

    de ptria, povo, terra e sociedade.

    De um ponto de vista estritamente acadmico, reconheo que o termo analista

    estratgico tem a correlao com analista simblico, afinando-me com a definio de

    livro de Brunner e Sunkel (1993, p.11-14).

    Segundo estes pesquisadores chilenos, trs marcas caracterizam o analista

    simblico. So elas:

    - identificam, solucionam ou arbitram problemas mediante a manipulao de

    smbolos, para este trabalho empregam instrumentos analticos aguados pela

    experincia (grifo meu);

    - habitualmente seus rendimentos no esto ligados s horas que emprega no

    trabalho, mas sim nos resultados de seus produtos de anlise, com nfase na qualidade,

    originalidade, oportunidade e inteligncia dos mesmos;

    - no campo profissional, suas carreiras no so lineares ou necessariamente

    hierarquizadas, mas sim dependente de suas redes de relaes, capacidade de trabalho,

    formas de interao e trabalho em equipe.

    12 Adentro neste debate na primeira parte do Captulo 2 13 Ver Silva (Golbery do Couto e) apud Lima Rocha (2003, captulo 1).

  • 27

    Este perfil se contextualiza com a alocao de verbas para demandas que passam

    pelos saberes das cincias humanas e sociais, e da cincia poltica em especfico, mas

    no necessariamente passam por mais recursos para as universidades pblicas. A

    demanda crescente de pessoal especializado e polifuncional14 com capacidade para

    solucionar problemas reais e concretos, em geral, no menor espao de tempo possvel.

    Temas como desenvolvimento organizacional, planejamento estratgico, desenho de

    sistemas, formao e reorientao de recursos humanos, marketing e publicidade, sub-

    contratao de funes pblicas, avaliao de conhecimentos e reas correlatas; esto

    dentre as reas para as quais se pode prestar algum tipo de consultoria e/ou projetos de

    assessoria de mdio e longo prazo.

    Tambm exerce o analista simblico, ou o estratgico, o necessrio domnio das

    teorias dominantes e com maior peso gravitacional em cada um dos campos onde este

    atua. Reconheo esta funo e busco na tese uma exposio tanto deste domnio, como

    da capacidade de utilizar parcelas de teorias adjacentes. Estas entram como

    complemento de reas de estudo que a Teoria da Interdependncia Estrutural das

    Esferas, aplicada na anlise do papel da Organizao Poltica no processo de construo

    do processo de Radicalizao Democrtica (ou seja, esta tese), deve dialogar e

    problematizar.

    Voltando caracterizao do analista simblico, reconheo esta correlao com a

    do analista estratgico, admito toda esta funcionalidade e a partir dela me posiciono em

    condies e funes dentro das sociedades de classes existentes na Amrica Latina.

    Conforme j disse antes, a frieza da anlise tambm implica o posicionamento prvio, o

    que ir definir se uma predio est antecipadamente correta ou no. a forma de

    racionalizao usada por Golbery do Couto e Silva (1981a, 1981b) para o planejamento

    estratgico, atravs de uma mxima. Eis a assertiva:

    O objetivo subordina o mtodo, conforme as condicionalidades.

    14 muito interessante observar como o mesmo conceito de polifuncionalidade era aplicado por organizaes polticas com intenes de ruptura, conforme abordamos nos Captulos 4 e 7. Na definio de quadros mdios que empregada na tese, o conceito de indivduo polifuncional empregado.

  • 28

    O que vemos hoje como norma hegemnica e muitas vezes no dita, a premissa

    oculta, de um nico e pretenso objetivo que se universaliza pela prpria prepotncia do

    chamado pensamento nico15. Digo que esta premissa no total e menos ainda

    absoluta. Inicio usando o exemplo do analista simblico como muito prximo do

    analista estratgico porque entendo ser este o ofcio e a funo de tornar tangvel a

    imensa massa de conhecimento cientfico e acadmico de modo a poder incidir na

    realidade. Portanto, cabe ao analista ir alm da premissa oculta e das regras aparentes e

    formais.

    Para operar na poltica, o formulador de anlise e incidncias deve reconhecer a

    amplitude do leque de variaes possibilidade de cada conjuntura, de cada momento. E,

    tambm tem de reconhecer a estratgia tal como natureza desta rea de estudo. Ou

    seja, como a cincia do conflito; uma disputa de interesses irreconciliveis; a interao

    competitiva por agentes contrrios; com o fator risco permanente; sendo que qualquer

    anlise realista deve tomar as condicionalidades como dadas de antemo.

    Neste sentido, quando o cientista poltico16 ou profissional de reas afins trabalha

    apenas dentro das condies hegemnicas, como num simulacro de desenvolvimento de

    um saber de tipo nico ou para quem este prestar consultoria, ser nesta situao

    onde o chamado analista simblico pode ser considerado tambm como um prestador de

    servios. Ou seja, um profissional especializado embora muito verstil, com alto grau de

    informao estratgica (dotado de fontes de inside information17) e com capacidade de

    trabalho em equipe.

    15 No Captulo 5 nos dedicamos de forma lateral a abordar a crtica ao pensamento nico e a premissa oculta. Expomos trs clssicos do neoinstitucionalismo e vemos como a premissa destes autores no est nada oculta. O ocultamento destas sob um suposto jogo de tabuleiro de soma zero polirquica fruto da hegemonia do pensamento neoliberal e neoinstitucional clssico do ps-guerra sobre a deformao do campo da cincia poltica. J no Captulo 6 fazemos um debate e polemizamos com as concepes de Estado e democracia constrangidos pelo peso gravitacional das teorias econmicas, particularmente o neoliberalismo, operando como plo de fora por sobre a poltica e a ideologia declaradas. O problema da premissa oculta permanente nestas abordagens. 16 Registro tambm a existncia e o uso do termo politlogo, empregado em lngua castelhana e francesa para designar o cientista poltico. 17 Para um conceito apropriado de inside information, ver PALAST, Greg. A melhor democracia que o dinheiro pode comprar. So Paulo, Francis, 2004. O termo ganha uma boa definio no Captulo 6: Pat Robertson, General Pinochet, Pepsi-Cola e Anticristo: Reportagens especiais investigativas. Uma viso complementar e crtica pode ser encontrada na cobertura de Greg Palast da reunio do Banco Mundial e do Fundo Monetrio Internacional, no seguinte endereo eletrnico: http://www.gregpalast.com/imf-and-world-bank-meet-in-washington-greg-palast-reports-for-bbc-televisions-newsnight/ (documento consultado em 02 abril de 2007). Uma viso da atuao do tipo de prtica de inside information no capitalismo informacional e financeiro pode ser encontrado no depoimento de Greg Palast para o

  • 29

    Este analista, o simblico, difere um pouco dos analistas de informao das

    agncias de inteligncia e organizaes militares. O analista simblico teria um papel

    intermedirio entre um analista de informaes, um formador de recursos humanos

    (treinamento, formao e reconverso) e de um estrategista clssico. Estas trs

    caractersticas citadas acima, portanto, avaliamos como sendo parte do perfil do

    trabalho do analista simblico.

    No Brasil a funo no novidade e temos vrios cases18 de sucesso.

    Consideramos importante explicitar a funo do analista simblico porque o

    entendemos como uma possibilidade no excludente da tipificao de um

    profissional altamente qualificado, e que pode vir a trabalhar para distintos mercados,

    tanto de lgica empresarial como de lgica poltica especfica. Entendo que esta

    polifuncionalidade aproxima a figura do analista simblico ao papel de um dos analistas

    por mim mais utilizado em distintas atividades profissionais e de ofcio (tais como

    textos, artigos, dissertao de mestrado, cursos e livro publicado).

    Este outro analista utilizado ao longo da tese o general riograndino19 Golbery do

    Couto e Silva20. Ele, consagrado estrategista das Foras Armadas (FFAA) brasileiras,

    utilizado no porque concorde com o destino e atividade-fim de suas anlises e

    incidncias, mas por outra virtude. Entendo que este gacho, militar de carreira, aplicou

    e operacionalizou em um sistema lgico e materializvel, conceitos a princpio

    estanques e abstratos.

    Golbery do Couto e Silva (1981a, 1981b) tinha a capacidade de execuo, alm da

    predio, fator esse que considero essencial. Muito de seus conceitos j foram

    superados, mas ainda no panorama do pensamento estratgico continuam vlidos e

    jornalista Alex Jones, a respeito dos documentos secretos do Banco Mundial sobre a Argentina. O mesmo se encontra em: http://www.gregpalast.com/world-bank-secret-documents-consumes-argentinaalex-jones-interviews-reporter-greg-palast/ (arquivo consultado em 02 de abril de 2007). 18 Os colegas de comunicao com habilitao em publicidade me perdoem a ironia, mas a linguagem carrega o conceito e o tipo de trabalho empregado. Para uma boa definio de case ver: FALCO, Eduardo; GRANDI, Rodolfo; MARINS, Alexandre (orgs.). Voto marketing, o resto poltica. Estratgias Eleitorais Competitivas. So Paulo, Loyola, 1992. 19 Em geral costuma-se confundir o termo. Riograndino o cidado natural da cidade do Rio Grande, litoral sul do Rio Grande do Sul, porto mais meridional do Brasil. Golbery natural deste municpio que fora a primeira capital lusa da ento Capitania de So Pedro. 20 Ver Captulo 7.

  • 30

    funcionando nas organizaes que o executam. Vou alm. Se e caso o general fosse

    mais lido ao invs de comentado, princpios bsicos da poltica e da estratgia no

    seriam to ignorados. Afirmo que a simples noo de Programa Mximo e Programa

    Mnimo, ou Objetivo Estratgico e Meta Ttica para a Etapa esto quase perdidos no

    uso corrente.

    Um exemplo do abandono conceitual da idia de processo est na constatao de

    que o conceito de meta (target) hoje quase inexiste em seu sentido estratgico. Em Silva

    (1981a, p.266) encontramos uma citao de Golbery para um texto de Arthur Lewis

    (Princpios de Planejamento Econmico), diferenciando a meta da atividade planejadora

    e do balano inicial da equao de possibilidades, recursos disponveis, prazos

    planificveis e a estimativa de interao dos agentes contrrios. A meta , de fato,

    aquilo que nos propomos de realizar como resultado da ao que pensamos realmente

    empreender. Mais frente, a definio de condicionalidades se d ao definir as

    estimativas. muito importante estim-la (a meta) sem quaisquer iluses quanto ao

    que de fato possvel fazer. Dou este exemplo para demonstrar a possibilidade de que

    o corpo conceitual de uma tese como esta tem de expor um processo poltico alm das

    noes generalizantes e no substantivas dos conceitos empregados.

    O mesmo se d na crtica de Silva (1981 a, p. 89) ao pensamento elaborado de

    forma simplista ou reducionista. Segundo Golbery, e tomando como aporte um

    conceito de Mannheim, o pensamento planificado, que est na base de toda a doutrina,

    implica no abandono definitivo do conceito simplista da causalidade linear e no

    reconhecimento da interao concomitante como o complexo e indissolvel que d

    organicidade de fato s estruturas dinmicas em perptua evoluo. Entendo que a

    opo por negar qualquer matriz de pensamento de causalidade linear essencial para a

    capacidade de predio. Em funo do abandono das ambies estratgicas de agentes

    sociais e tambm pela reduo analtica dentro dos parmetros polirquicos, vivemos na

    cincia poltica hegemnica hoje uma perda de capacidades e habilidades.

    Esta perda atinge a termos equivalentes a ser alfabetizado em anlise. O que dir

    de noes bsicas complementares como: acumulao de foras; caracterizao de

    etapa; mera descrio do cenrio complexo; identificao de agentes centrais e

    secundrios com seus respectivos interesses estratgicos e tticos; coeres aplicveis;

  • 31

    manobra de envergadura, dentre outras. Entendo que Golbery fez de sua erudio

    terreno frtil para a incidncia sobre a sociedade. No discuto aqui o carter normativo

    desta, mas reconheo o seu mrito como analista estratgico e considero suas obras

    como fundamentais tanto para o pensamento poltico brasileiro (com nfase na

    modernizao conservadora e no desenvolvimento da sociedade de controle) como para

    esta tese. Estamos e estou em posies opostas de origem, assim como tambm estou

    perante boa parte dos advisors ou consultants (consultores) operando no Planalto

    Central. Mas, considero que ambos nos oferecem boas tipificaes de analistas

    estratgicos compatveis como aquilo que podem ser considerados analistas simblicos.

    Afirmada a diferena, esta tese de doutorado em cincia poltica tambm tem

    como objetivo apresentar parmetros mnimos que possam iniciar um dilogo entre o

    conhecimento acadmico e sua incidncia na sociedade realmente existente, nutrida esta

    incidncia de intencionalidade, propsito estratgico, frieza analtica e o rigor

    necessrio para operar no Jogo Real da Poltica (incluindo normas legais e reais, formais

    e informais). Neste aspecto me refiro diretamente busca por uma cincia poltica

    produzida e vinculada Amrica Latina. Uma disciplina aberta pautada em estudos das

    relaes, instituies e seus valores que processam e administram poder, como parte

    consistente das cincias humanas e sociais, incidente dentro de sua complexidade e

    dotada, por tanto, da contundncia da anlise estratgica21.

    O conceito de Jogo Real da Poltica aqui por mim definido como um conjunto

    de regras e instituies formais e informais, legais e ilegalizadas, com discursos

    explcitos e implcitos e margens de manobra que ultrapassam o constrangimento. Este

    conceito tem sua semelhana com a definio de Clausewitz (p. 127) quando este afirma

    que a guerra assemelha-se mais ainda poltica[...] a poltica a matriz na qual a

    guerra se desenvolve. Por conseqncia este conceito de Jogo Real e a definio de

    guerra como tendo origem na poltica e por tanto como a guerra sendo uma varivel

    da poltica e desta da guerra necessita uma teoria que no confunda o sentimento

    empregado de crena em objetivos finalistas e na estratgia que assegura a esta

    finalidade com o conhecimento cientfico do jogo em si.

    21 Por compreendermos que este conceito, o de anlise estratgica, central para o decorrer do trabalho, dedicamos a esta rea de estudo a integralidade do Captulo 7.

  • 32

    Temos por diante a dificuldade prpria da definio da natureza daquilo que

    estamos chamando de poltica, especificamente de Jogo Real, dado que a realidade

    no algo absoluto, mas sim o conjunto de existncias constitudas, sendo ou no

    perceptveis. Clausewitz (p. 108) nos aponta esta dificuldade e assinala uma sada: Para

    reconhecer com clareza a dificuldade que representa a elaborao de uma teoria da

    guerra, para poder deduzir de tal dificuldade o carter que a teoria deve ter, tem de se

    considerar mais de perto as dificuldades essenciais inerentes natureza da atividade

    blica.

    O Jogo Real da Poltica, pela ausncia de pr-definio de regras absolutas,

    necessita de uma teoria que da complexidade e das interaes entre agentes opostos e

    aliados, extraia a organicidade dinmica que s existe em um cenrio real. Para tanto, a

    capacitao terica do operador poltico se parece com a de um homem ou mulher em

    posio de comando em um cenrio de guerra. Vou ao encontro e concordo com a

    crtica de Golbery ao pensamento simplista e de causalidade linear. Nenhum

    formulismo permite a deciso acurada e nenhum treinamento indireto possibilitar uma

    carga de habilidades acima da ambientao. Clausewitz (p. 114) nos d um exemplo

    desta capacitao terica, pondo-se em acordo com aqueles que vem a importncia do

    conhecimento como algo tangvel e de aplicao estratgica e no o confundem com

    algo que, embora importante, no cientfico. Ou seja, Clausewitz faz a crtica da

    formulao do conhecimento como representao.

    A teoria existe para que as pessoas no precisem estar permanentemente pondo

    as coisas em ordem e traando caminhos, mas para que se encontrem as coisas

    ordenadas e esclarecidas. Ela destinada a educar o esprito do futuro chefe de

    guerra, digamos, antes, a orientar a sua auto-educao e no a acompanh-lo no

    campo de batalha, assim como um pedagogo prudente orienta e facilita o

    desenvolvimento espiritual do jovem sem que, no entanto, o traga amarrado a si

    durante toda a sua vida

    Aquilo que no cientfico pertence ao universo dos sistemas de crenas, que no

    entender deste trabalho, inerente condio humana e interdependente com os saberes

    cientficos. Os sistemas de crenas tomam como matria prima o elemento ideolgico,

    que no caso da natureza da guerra (anloga a poltica) assim caracterizado por

  • 33

    Clausewitz (p. 109), como o fruto da experincia acumulada em um meio hostil e

    adverso, com o risco real: [...] o combate engendra um elemento de perigo em que

    todas as atividades da guerra tm de se manter e evoluir, como um pssaro no ar ou um

    peixe na gua [...] a coragem no um esforo de inteligncia, um sentimento assim

    como o temor.

    1.4. A matriz estruturalista, os primeiros passos na definio do que

    cincia e o enfoque realista

    Conforme vimos na Apresentao, esta aproximao da anlise estratgica com

    um posicionamento analtico a favor da Radicalizao Democrtica e fundamentado na

    identidade e na importncia do componente ideolgico, tem uma similitude com o corpo

    conceitual do estruturalismo que chegara Amrica Latina a partir da segunda metade

    da dcada de 1960 do sculo XX. Veremos neste tpico a relevncia desta matriz de

    pensamento cientfico para a construo desta tese.

    Desta aproximao com o estruturalismo decorrem posies e postulados

    filosficos e epistemolgicos. O primeiro deles diz respeito justamente concepo do

    surgimento, de como aparece uma cincia humana. Vou ao encontro de Foucault

    quando este afirma que: No oferece dvidas que cada uma das cincias humanas se

    tenha feito por ocasio de um problema, de um obstculo de ordem terica ou prtica22

    (Foucault in Coelho, 1968, p.46). Portanto, vemos o surgir de uma cincia, de uma

    disciplina, se uma subdisciplina, subcampo ou novo campo de saberes como um

    problema a ser resolvido e um desafio a ser transposto. No caso desta tese, o desafio a

    soluo terica para uma possibilidade de realizao do Poder Popular como uma nova

    forma de institucionalidade constituda.

    Sabemos que o carter de novidade deste tipo de abordagem, ou mesmo de

    redescoberta, sofrer as mais variadas crticas. Nada que no passe pelo debate

    acadmico de bom nvel, e tambm pelas idiossincrasias do campo. Vemos o fenmeno

    novo, ou ressuscitado, como algo positivo em todas as circunstncias. 22 Trata-se da coletnea portuguesa organizada por Eduardo Prado Coelho em Lisboa, agosto de 1967. Na Introduo, de sua autoria, Coelho trs o interessante subttulo: Introduo a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade e estruturalismos. Este livro trs o recorte necessrio para a compreenso dos paradigmas que esta gerao de pensadores franceses se prope e todo o rigor necessrio para romper com as regras de disciplinas pr-estabelecidas de forma administrativas.

  • 34

    Nas razes daquilo que estudamos, sendo a prpria rea de saberes e disciplinas

    cumulativas conhecidas como cincias humanas, surgem como algo distinto e um

    fenmeno inaugural. Ainda segundo Foucault (idem ao anterior, p.46): o fato de pela

    primeira vez desde que existem seres humanos e que vivem em sociedade, o homem

    isolado ou em grupo, se ter tornado objeto de cincia isso no pode ser considerado

    nem tratado como um fenmeno de opinio: um acontecimento da ordem do saber.

    Esta abordagem de acontecimento da ordem do saber implica em reconhecer os

    quesitos necessrios para um estudo de rigor (vamos expor logo em seguida) e ao

    mesmo tempo refutar premissas de antemo. A forma escolhida de faz-lo a

    declarao inicial do marco de intenes, da vontade de incidncia e da necessidade de

    buscar uma episteme prpria para o tema. No ser com premissas ocultas de

    maximizao de ganhos e diminuio de perdas e nem tampouco com

    exemplificaes oriundas da econometria que iremos debater e propor um

    encadeamento conceitual para acumulao de poder e democracia substantiva.

    Nenhuma idia pr-concebida de jogo de soma zero pode ser distributivista e

    participativa.

    O debate aqui traado visa o empoderamento dos operadores reais da poltica,

    conceituados por ns como agentes sociais. A tese visa aproximar nossa viso a partir

    das realidades vividas pelas classes mais pobres da sociedade - cuja definio geral,

    segundo nossa caracterizao de classes oprimidas e cujos setores de classe com

    possibilidade de serem organizados conceituamos como sujeitos sociais. Eis a assertiva:

    Agentes (operando no nvel de incidncia poltico, poltico-social ou social)

    organizam e incidem sobre Sujeitos. Na ausncia destes agentes concretos e sem um

    sujeito realmente existente, no h nada que se organize.

    Ou seja, necessrio ter uma formao social concreta, historicamente constituda,

    dotada de identidade e sentido coletivo (mesmo que latente) para que possa ser

    organizada no sentido da acumulao de parcelas de poder prprio. Eis o porqu da tese

    necessariamente atravessar o debate da cultura poltica e da composio do tecido social

    organizado, e para tal, passa pelo conceito de capital social.

  • 35

    Repetimos que, nossa busca pela formulao de um entramado terico que seja

    operacional a partir da posio estratgica das classes oprimidas. Assim, contribumos

    para aproximar a academia com o real, ajudando na diminuio do hiato no centro de

    saber para com a sociedade; indo de encontro do crculo virtuoso e auto referenciado

    pelos prprios pares dentro do campo universitrio. Esta tese e o esforo do qual ela

    parte visa tornar acessveis conceitos operacionais, municiadores de capacidades para o

    processo de deciso daqueles que operam a poltica de dentro das classes oprimidas.

    Para aplicar esta proposta, a de um estudo estratgico embasado em uma nova

    teoria de mdio alcance, necessrio um terreno. Entendemos que no se faz poltica

    nem tampouco se analisa a poltica fora do mundo real e concreto. Para isto, so

    necessrios quatro elementos que compem o terreno: sociedades concretas; um recorte

    de espao geogrfico; linha de tempo (para inferncia) e experincias formuladoras de

    idias-guia.

    O recorte propriamente dito onde se aplicam as hipteses e inferncias apontadas

    ao longo do texto. Isto , o continente chamado de Amrica Latina e especificamente

    nas experincias de superao do neoliberalismo e do Consenso de Washington. Este

    recorte tem como bases de incio das experincias arbitrrio por suposto, como todo

    corte a duas passagens do cenrio poltico latino-americano dos anos 1990. Uma o

    chamado Levante Zapatista ocorrido no estado de Chiapas, sul do Mxico, em 1 de

    janeiro de 1994 (Ornelas 2004). Outra experincia marcante a derrubada do presidente

    equatoriano Abdala Bucaram Ortiz em 5 de fevereiro de 1997, com apenas seis meses

    de mandato (Torre, 2005).

    A relevncia da experincia zapatista se d por uma srie de fatores (Parra 2002 e

    Ornellas 2004). Um deles a abordagem de controle do territrio, outro, que pode ser

    compreendido como causa deste a ancestralidade das populaes originais e sua

    relao com a terra nativa. Isto ocorre num momento em que o uso dos recursos naturais

    visto como commodity e no como patrimnio coletivo no renovvel. Interessante

    tambm ressaltar que o uso da fora abriu espao poltico, levando inclusive a um

    impasse na poltica tradicional e contribuindo de forma decisiva para dar cabo do

    regime Priista, levando a uma renovao conservadora na poltica profissional

  • 36

    mexicana. Por fim, dos elementos que cabe ressaltar, o reflexo da no-

    profissionalizao da maioria dos encarregados polticos, havendo um bom ndice de

    rotatividade e de aprendizado comum nas funes de coordenao.

    A experincia da rebelio popular que derrubou Abdala Bucaram, em fevereiro de

    1997 (com apenas 120 dias de mandato) ganha contornos de relevncia por inaugurar

    um processo que culmina em uma srie de puebladas (Pachano 2005 e Torre 2005)

    onde diversas modalidades de luta e participao tiveram presentes. Elementos

    ideolgicos, incluindo os de motivao republicana incidiram com peso, somada ao

    vazio constitucional e a presena constante da organizao social dos povos originais no

    formato de confederao indgena (Confederao Nacionalidades Indgenas de

    Equador) como vetor destas lutas. Assim, compreendo que a queda de Bucaram se

    equipara a uma modalidade inaugural. quando a fragmentao da multiplicidade de

    sujeitos sociais representados d lugar a uma unidade ttica (ao menos) gerando uma

    experincia vitoriosa. Tal feito histrico assegura um grau de confiana das maiorias

    equatorianas que se mobilizavam contra os efeitos da dolarizao da economia e dos

    efeitos do comportamento poltico das elites dirigentes associadas presidncia e ao

    prprio presidente Bucaram. A derrota do presidente Jamil Mahuad em janeiro de 2000

    e do coronel Lucio Gutirrez em abril de 2005, entendo que so a culminao do

    processo iniciado com a rebelio do vero de 1997.

    O fato de haver ressaltado estas duas experincias no para estudo de caso, mas

    justo o inverso, para aproveitar o que h de generalizvel e universalizante (para o

    Continente) destes dois episdios histricos, e que no momento que concluo a redao

    da tese (dezembro de 2008) mantm a sua vitalidade. Tomo estas experincias como

    inauguradoras de um discurso de ao direta popular, democracia direta, espao pblico

    horizontal e deciso coletiva mediante amplo debate.

    Estas prticas polticas vo de encontro e em repdio s medidas de governo,

    necessariamente decises fundamentais para os respectivos pases, e que no passaram

    por nenhuma forma de consulta. Entendemos que na Amrica Latina, suas sociedades

    concretas passaram e seguem sofrendo o acionar de duas idias aplicadas sobre dois

    discursos completamente antagnicos. O primeiro o conjunto dos efeitos da

    desconstruo do tecido social a partir das reformas do neoliberalismo. O segundo

  • 37

    conforma um conjunto arbitrrio (por ser de minha escolha) de prticas generalizantes

    que acumulam para o conceito de Poder Popular como forma de organizao dessa

    mesma sociedade fragmentada.

    Uma vez considerado o recorte de terreno (espao) e perodo histrico (tempo)

    desta tese, retorno matriz estruturalista que deu origem aos estudos que nutriram a

    origem deste trabalho. Vou ao encontro das razes da escola estruturalista. No passo

    nesse momento por George Canguilhem (1904-1995) de quem Michel Foucault

    (1926-1984) foi assistente mas por um livro que demarca o incio da afirmao da

    idia de que o inconsciente irredutvel e opera sobre qualquer formulao de

    pensamento. Estou me referindo obra cuja primeira edio original em francs

    datada de 1938 e tem a autoria de Gastn Bachelard (1884-1962). Para a tese, o material

    utilizado a edio hispano-mexicana de 1972.

    Alm da linguagem refinada, por vezes aproximando-se da poesia, Bachelard

    como filsofo e epistemlogo nos oferece um rico manancial de possibilidades de

    crtica e de conhecimento sobre a formao do pensamento cientfico. Para a abordagem

    desta tese, mais relevante do que a afirmao de que o tema ou a abordagem ou no

    cientfico, importa mais a aplicao de mtodo de rigor e preciso. O esforo do

    conhecimento demanda a existncia do esprito cientfico, que pelas palavras do

    prprio Bachelard implica em:

    Mostraremos o efeito da memria sobre a razo. Insistiremos sobre o fato de que

    no pode prevalecer de um esprito cientfico, enquanto no se est seguro de, a cada

    momento de sua vida mental, ter de reconstruir todo seu saber. Somente os eixos e

    bases racionais permitem tal reconstruo. O resto apenas baixa mnemotecnia. A

    pacincia da erudio no tem nenhuma relao com a pacincia cientfica.

    (Bachelard, 1972, p. 10).

    Fao acordo com esta postura e vou alm. Vejo que existe um duplo discurso. Na

    maior parte das vezes, uma corrente hegemnica de um determinado campo se afirma

    como cientfica, mas se nega a rever seus prprios paradigmas. A afirmao de

    cientificidade se d sobre uma posio de fora e controle dentro de um campo de saber

    ou subrea. A amplitude de viso na politologia implica por tanto a considerao de

  • 38

    todos os cenrios analticos e a explicitao da premissa. No existe esprito cientfico

    possvel de florescer quando uma idia de equilbrio timo prevalece na formulao

    terica por em cima das prticas polticas realmente existentes. A formulao de tipo-

    ideal, ou melhor, de tipos ideais, entendo como modelagem e no como base

    cientfica.

    Por isso vejo como positiva a atitude inversa. Assumir a tipificao de modelos

    como influncia direta da normatividade, portanto algo intencional. A normatividade

    que gera modelos serve como fora motivadora para a pesquisa, o estudo, a anlise e a

    incidncia. Equivale para a epistemologia como a esfera ideolgica para a poltica. A

    normatividade necessariamente uma construo de idia.

    As idias tm irredutibilidade e uma existncia material to concreta como

    qualquer matria de tipo fsico. Isto vale para a idia normativa e a capacidade de

    abstrao para a realizao cientfica. Na ausncia de abstrao, prevalece qualquer

    coisa, menos o esprito cientfico. Indo ao encontro de Bachelard: Em todas as

    questes, para todos os fenmenos, necessrio passar antes de tudo da imagem para a

    forma geomtrica e logo aps, da forma geomtrica para a forma abstrata, e recorrer o

    caminho psicolgico normal do pensamento cientfico. (Bachelard, 1972, p.10).

    Reconheo que difcil compreender esta base de pensamento e ainda mais difcil

    nos dias que vivemos, quando a hegemonia em nosso campo opera dentro de uma

    suposta racionalidade pr-concebida e absoluta. Bachelard tambm afirma que o

    pensamento abstrato no sinnimo de m conscincia cientfica como o pensamento

    trivial costuma colocar. Entendo que o conceito se d de forma abstrata em seu formato

    original. Por isso a abstrao ativa e dinamiza o esprito cientifico (Bachelard, p.8).

    no estado abstrato (posterior e mais avanado aos estados concreto e concreto-abstrato,

    classificao de estados de pensamento) que o esprito empreende informaes

    voluntariamente substradas da intuio do espao real, voluntariamente desligadas da

    experincia imediata (hegemnica e aparentemente onipresente) e at polemizando com

    a realidade bsica, sempre impura e sempre disforme (p.11).

    na falsa aparncia de concretude que o pensamento hegemnico do momento

    se arvora e atribui cientificidade. Vejo a normatividade como necessria e

  • 39

    fundamental para alimentar o esprito cientfico, mas ao mesmo tempo a

    normatividade no deveria nem substituir um fenmeno realmente existente, ou ainda

    pior, simplesmente negar que estes fenmenos existam. Na ausncia de pesquisa, as

    prticas polticas e sociais existentes na sociedade so vistas como empiria quando o

    que na verdade falta a abstrao e modelagem terica que possa formatar hipteses de

    pesquisa e teorias de mdio alcance que dem sustentao para estas me