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Ano 9 . nº 25 . Julho / Agosto / Setembro / 2014 Boletim Trimestral do Escritório Professor René Dotti Áreas de Atuação: Direito Administrativo, Ambiental, Civil, Constitucional, Criminal, Desportivo, Eleitoral, Família e Sucessões. Com a palavra, o Papa Alexandre Knopfholz Quitação dada em escritura pública gera presunção relativa Patrícia Nymberg A inoponibilidade do direito real de habitação a terceiros coproprietários do imóvel Vanessa Scheremeta STF: a propositura de ação coletiva por associação depende de assembleia Francisco Zardo Perda do direito à partilha por abandono familiar Fernanda Pederneiras “É fundamental que o causídico cumpra fielmente o mandato recebido ao orientar a transação para que a antiga máxima ´mais vale um mau acordo que uma boa demanda´ possa, realmente, atender ao interesse do cliente”. (Prof. René Ariel Dotti) René Ariel Dotti . Rogéria Dotti . Julio Brotto Patrícia Nymberg . Alexandre Knopfholz Fernanda Pederneiras . Francisco Zardo . Vanessa Scheremeta José Roberto Trautwein . Fernando Welter . Gustavo Scandelari Rafael de Melo . Vanessa Cani . Cícero Luvizotto Luis Otávio Sales . Guilherme Alonso . Thais Guimarães Laís Bergstein . André Meerholz . Diana Geara Emilly Crepaldi . Bruno Correia . Ana Cristina Viana Maria Vitoria Kaled . Rafael Berzotti . Lorena Fadel

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Ano 9 . nº 25 . Julho / Agosto / Setembro / 2014

Boletim Trimestral do Escritório Professor René DottiÁreas de Atuação: Direito Administrativo, Ambiental, Civil, Constitucional, Criminal, Desportivo, Eleitoral, Família e Sucessões.

Com a palavra, o Papa

Alexandre Knopfholz

Quitação dada em escritura pública gera

presunção relativa

Patrícia Nymberg

A inoponibilidade do direito real de habitação a terceiros

coproprietários do imóvel

Vanessa Scheremeta

STF: a propositura de ação coletiva por associação depende de assembleia

Francisco Zardo

Perda do direito à partilha por

abandono familiar

Fernanda Pederneiras

“É fundamental que o causídico cumpra fielmente o mandato recebido ao orientar a transação para que a antiga

máxima ´mais vale um mau acordo que uma boa demanda´ possa, realmente, atender ao

interesse do cliente”.(Prof. René Ariel Dotti)

René Ariel Dotti . Rogéria Dotti . Julio BrottoPatrícia Nymberg . Alexandre Knopfholz

Fernanda Pederneiras . Francisco Zardo . Vanessa Scheremeta José Roberto Trautwein . Fernando Welter . Gustavo Scandelari

Rafael de Melo . Vanessa Cani . Cícero LuvizottoLuis Otávio Sales . Guilherme Alonso . Thais Guimarães

Laís Bergstein . André Meerholz . Diana GearaEmilly Crepaldi . Bruno Correia . Ana Cristina VianaMaria Vitoria Kaled . Rafael Berzotti . Lorena Fadel

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EDITORIAL

A boa demanda e o mau acordo (René Ariel Dotti) ................................................................................................................................................... 03

SEÇÃO INFORMATIVA

Maratona anticorrupção .......................................................................................................................................................................................... 04Escola Superior de Advocacia ................................................................................................................................................................................ 04Palestra sobre mobilidade urbana ........................................................................................................................................................................ 05

LEGISLAÇÃO

Mudanças relevantes ................................................................................................................................................................................................ 05

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

Perda do direito à partilha por abandono familiar (Fernanda Pederneiras) ........................................................................................................ 06A inoponibilidade do direito real de habitação a terceiros coproprietários do imóvel (Vanessa Scheremeta) ..................................... 06Curatela compartilhada (Thais Guimarães) ................................................................................................................................................................. 07Foro privilegiado nas demandas de família: um direito também estendido às uniões homoafetivas (Diana Geara) ..................... 07

DIREITO CIVIL

Quitação dada em escritura pública gera presunção relativa (Patrícia Nymberg) .......................................................................................... 08O contrato de seguro e o devido processo legal (José Roberto Trautwein) .......................................................................................................... 08A autotutela ainda nos dias atuais (Fernando Welter) .............................................................................................................................................. 09A obrigatoriedade do registro da penhora (Vanessa Cani) .................................................................................................................................. 09Resolução nº 632/2014 da ANATEL – vitória do consumidor (Cícero Luvizotto) ............................................................................................. 10Obsolescência programada (II) (Laís Bergstein) ........................................................................................................................................................ 10Pesquisas científicas na rede: breve reflexão jurídica (Rafael Berzotti) ............................................................................................................. 11A responsabilidade dos provedores de serviço de internet nos casos de criação de perfil falso (Lorena Fadel) ............................... 11

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

O novo Código de Processo Civil e o mérito dos recursos (Rogéria Dotti) ...................................................................................................... 12Forma de pagamento nos processos de busca e apreensão (Emilly Crepaldi) ............................................................................................... 12

DIREITO CRIMINAL

Com a palavra, o Papa (Alexandre Knopfholz) ............................................................................................................................................................... 13Lei nº 12.971/2014: homicídio no trânsito passa a ser visto como acidente e não crime doloso (Gustavo Scandelari) ...................... 13Reflexos da famigerada ‘Lei da Palmada’ (Rafael de Melo) ..................................................................................................................................... 14Crime de discriminação de pessoa soropositiva (Luis Otávio Sales) ................................................................................................................... 14A constitucionalidade da Lei Geral da Copa e seus crimes especiais (Guilherme Alonso) ............................................................................ 14O novo tratamento penal dos crimes de contrabando e descaminho (Bruno Correia) .............................................................................. 15

DIREITO ADMINISTRATIVO

Ilegalidade não é improbidade: a confirmação do entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça (Julio Brotto) ....................... 15STF: a propositura de ação coletiva por associação depende de assembleia (Francisco Zardo) .............................................................. 16A prescrição na ação civil pública por lavra irregular de minérios (André Meerholz) .................................................................................... 16O papel do compliance perante a Lei Anticorrupção (Raphael Adada) ............................................................................................................ 16A inelegibilidade que decorre da improbidade administrativa como causa de suspensão dos direitos políticos (Ana Cristina Viana) ............................................................................................................................................................................................ 17Inovações no regime diferenciado de contratações públicas (RDC): um modelo que deu certo? (Maria Vitoria Kaled) ................... 17

ESPAÇO LIVRE DOS ESTAGIÁRIOS

A desjudicialização da execução civil (Rafael de Lima Hubert) ................................................................................................................................ 18Aspectos processuais do crime de sonegação fiscal (Antonella Cequinel Thá) .................................................................................................. 18A relativização da violência presumida nos crimes sexuais contra menor de 14 anos (Vinícius Cim) ................................................... 19Direito real de habitação na união estável (Camila Grubert) ................................................................................................................................ 19Os tipos de prisão no Brasil (Hevelin Cristiane Agostinelli Quintão) ................................................................................................................................ 19

ÍNDICE

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O velho aforismo segundo o qual “mais vale um mau acordo que uma boa demanda” não perdeu atualidade. Quando o advogado recebe a visita do cliente com informações e documentos, inicia o processo do diagnóstico. Durante a primeira entrevista, não é preciso e nem prudente emitir uma opi-nião, salvo nos casos urgentes que existem tanto na esfera criminal como ci-vil. Em tais situações, uma vez aceito o mandato, o advogado não tem muito tempo para pensar sobre o que deve fazer.

Se houver possibilidade legal de uma solução preventiva e amigável para a questão, tanto melhor. Os inconvenientes das demandas são notó-rios e os advogados têm clara noção a respeito. Mas, falhando a tentativa de conciliação extrajudicial, existem outras oportunidades para a composição dos interesses após o ingresso da ação. O sistema legislativo brasileiro, tanto civil como criminal, abre inúmeras possibilidades de acordo. Nos juizados especiais, por exemplo, atuam conciliadores que reúnem as partes antes da audiência formal com o magistrado. Nos juizados comuns, é o Juiz quem toma a iniciativa de consultar os litigantes sobre a eventualidade de transa-ção, quando a lei permite. Como é óbvio, o seu papel em tais momentos é re-levantíssimo ao ponderar que as partes devem fazer concessões recíprocas desde que não afetem direitos personalíssimos, a exemplo da honra. Quan-do, porém, a iniciativa parte do Juiz, com a ponderação de que as partes devem fazer concessões recíprocas, a chance de acordo é bem maior.

Um dos deveres impostos ao Advogado pelo nosso Código de Ética Pro-fissional é o de “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (artigo 2º, inciso VI).

Mas é fundamental que o causídico cumpra fielmente o mandato recebi-do ao orientar a transação para que a antiga máxima “mais vale um mau acor-do que uma boa demanda” possa, realmente, atender ao interesse do cliente.

RENÉ ARIEL DOTTI

A BOA DEMANDA E O MAU ACORDO

EDITORIAL

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SEÇÃO INFORMATIVA

No mês de maio, os Advogados RENÉ DOTTI, ROGÉRIA DOTTI, JULIO BROT-TO e FRANCISCO ZARDO proferiram cursos in company sobre a nova Lei Anti-corrupção, em vigor desde janeiro deste ano. No dia 05 de maio, o curso foi mi-nistrado para os gestores do GRPCOM, grupo proprietário da RPC TV e de outros veículos de comunicação. No dia 15 de maio foi a vez do SINDESP/PR – Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Paraná e do SEAC/PR – Sindicato das Em-presas de Asseio e Conservação do Paraná, a convite do Escritório Gomes Coelho & Bordin – Sociedade de Advogados. No dia 16 de maio, o curso ocorreu na redação do jornal Gazeta do Povo e contou com a presença dos jornalistas dos cadernos Vida Pública e Justiça & Direito.

Nos cursos, foram abordadas as inovações da lei, seus aspectos polêmicos e os meios de prevenir a prática dos atos vedados pela nova legislação.

Maratona Anticorrupção

Escola Superior de Advocacia

Nos dias 09 e 10 de junho, os Advogados JULIO BROTTO e FRANCISCO ZARDO proferiram palestra no curso Lei An-ticorrupção: Oportunidades e Desafios. Enfoque Legal, Empresarial e da Administração Pública, organizado pela Escola Superior de Advocacia da OAB/PR, sob a coordenação de PAULO AFONSO DA MOTTA RIBEIRO.

O Professor RENÉ DOTTI foi convidado pela Ordem dos Advogados do Bra-sil, Seção de São Paulo (OAB/SP), para proferir a conferência “A liberdade do Ha-beas Corpus e a resistência do Poder Judiciário” no congresso sobre Direito Penal e Direito Processual Penal, realizado em São Paulo, no dia 14/06/2014. No evento, o Professor RENÉ DOTTI recebeu a Láurea de Homenagem por sua dedicação em defesa dos ideais maiores da Advocacia e dos Direitos Humanos.

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LEGISLAÇÃO

* O presente espaço foi criado por sugestão do Advogado João Carlos de AlmeidaMudanças relevantes

Em 10/06/2014, o arqui-teto e urbanista JAIME LER-NER proferiu palestra sobre mobilidade urbana na OAB Paraná, abrindo ao Ciclo de Palestras do Projeto “Direitos Humanos: Diálogos com a Sociedade”.

O projeto é uma iniciati-va conjunta da OAB Paraná, com o CENTRO DE ESTU-DOS PROFESSOR DOTTI, a Federação Israelita do Para-ná e a B’nai B’rith.

Palestra sobre mobilidade urbana

» Lei nº 12.971/2014, de 09/05/2014 (Publicada no DOU de 12/05/2014)

Deu nova redação e disciplina ao crime de homicídio praticado na direção de veículo automotor.Artigo GUSTAVO SCANDELARI – página 13

» Lei nº 12.980/2014, de 28/05/2014 (Publicada no DOU de 29/05/2014)

Estendeu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei n˚ 12.462/2011) para a contratação de obras e serviços de enge-nharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.Artigo MARIA VITORIA KALED – página 17

» Lei 12.984/2014, de 02/06/2014 (Publicada no DOU de 03/06/2014)

Criminaliza a conduta de discriminação de portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS).Artigo LUIS OTÁVIO SALES – página 14

» Lei nº 13.008/2014, de 26/06/2014 (Publicada no DOU de 27/06/2014)

Alterou o Código Penal em relação aos crimes de contrabando e descaminho. Artigo BRUNO CORREIA – página 15

» Lei nº 13.010/2014, de 26/06/2014 (Publicada no DOU de 27/06/2014)

Chamada de Lei da Palmada, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente.Artigo RAFAEL DE MELO – página 14

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MANOEL KNOPFHOLZ, presidente da Federação Israelita do Paraná; JAIME LERNER, palestrante; ESTER PROVELLER, presidente da Loja Chaim Weizman da B’nai B’rith do Paraná; MÁRCIA HELENA BADER MALUF HEISLER, secretária-geral da OAB Paraná; e o Professor RENÉ DOTTI.

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Perda do direito à partilha por abandono familiar

A inoponibilidade do direito real de habitação a terceiros coproprietários do imóvel

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, em recente julgado de rela-toria do Desembargador ELÁDIO TORRET ROCHA, afastou da partilha um homem que abandonou a esposa e os sete filhos e atribuiu à mulher a propriedade exclu-siva do imóvel que servia como residên-cia da família. O Relator salientou que a posse exercida unilateralmente por um dos cônjuges, desde que não por mera tolerância do outro enquanto pendente a partilha, pode dar ensejo à usucapião do bem, como forma de defesa daquele que arcou com todas as despesas de conser-vação e de manutenção do patrimônio.

Nesses casos, a medida tem caráter

ressarcitório àquele que permaneceu no imóvel sem qualquer auxílio financeiro do ex-cônjuge. O direito de propriedade do bem, existente em razão do regime de bens do casamento (meação), é afas-tado como forma de compensar o côn-juge que sofreu o abandono material e emocional e, sozinho, arcou com todas as despesas do bem e da família.

Embora não aplicável ao caso em razão de vigência temporal, a Lei nº 12.424/2011 foi citada no acórdão. A inovação legislativa acrescentou o art. 1.240-A do Código Civil que prevê que o ex-cônjuge (ou ex-companheiro) que permanecer no exercício da posse dire-

ta, com exclusividade e sem oposição, por 2 anos ininterruptos, de imóvel pertencente ao casal (de até 250m²) e que lhe sirva como moradia, adquirirá a propriedade integral e plena do mesmo, desde que não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano.

Para ROLF MADALENO “A usucapião tem incidência no abandono malicioso, interrompendo a comunhão de vida e a assistência financeira e moral do núcleo familiar. Neste caso a usucapião ressarce o abandono moral e material e sobretudo, não dá solução de continuidade à mora-dia, que ao fim e ao cabo representa um mínimo existencial”.

FERNANDA PEDERNEIRAS

VANESSA SCHEREMETA

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

Os arts. 1611, § 2º do Código Civil de 1916 e 1831 do atual Código Civil garantem ao cônjuge sobrevivente o di-reito real de habitação, que consiste no direito de continuar residindo no único imóvel da família, independentemente do regime de bens adotado pelo casal, após a morte do consorte. A razão do instituto é a solidariedade que deve imperar no núcleo familiar. Entende-se que os filhos devem garantir ao seu ge-nitor o direito à moradia antes de gozar da herança, na medida em que estes, pela ordem natural da vida, sobrevive-rão aos pais e poderão no futuro dela usufruir de forma plena.

Todavia, tal direito não pode ser exercido frente a terceiros alheios ao núcleo familiar, especialmente quando a copropriedade do imóvel é anterior ao

óbito do cônjuge. O SUPERIOR TRIBU-NAL DE JUSTIÇA analisou tal situação ao julgar o Recurso Especial nº 1.184.492-SE. No referido caso, o casal residia em um imóvel doado pelos pais do marido a ele e a seus irmãos. Com a sua morte, a viú-va continuou lá residindo e os cunhados reivindicaram o bem na qualidade de co-proprietários.

Como bem destacado no voto da Ministra NANCY AN-DRIGHI, a matriz sociológica que permite a imposição do direito real de habitação fren-te aos filhos do casal, qual seja, “mitigação dos poderes inerentes à propriedade do pa-trimônio herdado, para asse-gurar a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o

direito à moradia do cônjuge supérstite” não se aplica aos parentes do cônjuge falecido na situação em questão. En-tendimento contrário, segundo aquela Corte, permitiria que tal direito fosse imposto sobre imóvel de terceiros, o que não se coaduna com a correta in-terpretação da lei.

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Curatela compartilhada

Foro privilegiado nas demandas de família:um direito também estendido às uniões homoafetivas

Em atenção ao disposto no art. 100, I do Código de Processo Civil, a mulher tem foro privilegiado para a propositura de ação de divórcio (e demais pedidos decorrentes da dissolução conjugal). Na prática, isso significa que mesmo que o ex-marido more em outra cidade/esta-do, será competente o foro do domicílio da mulher para julgar a ação. A regra em questão, implementada pela Lei de Di-vórcio, é baseada na situação histórica (social e jurídica) de hipossuficiência da mulher em relação ao homem, e objeti-va facilitar o acesso à justiça.

Com a evolução do direito de famí-

lia e o reconhecimento da união estável como entidade familiar, a regra de foro privilegiado da mulher foi estendida aos companheiros.

Mais recentemente, em razão do julgamento pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL da ADI nº 4277, a qual garan-tiu igualdade de direitos entre as uniões estáveis heterossexuais e homoafetivas, os tribunais nacionais têm novamente enfrentado demandas relativas ao pri-vilégio de foro, com a peculiaridade de que os demandantes são pessoas do mesmo sexo.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRI-

TO FEDERAL, ao julgar o Agravo de Ins-trumento nº 20130020194678, aplicou de forma ponderada o direito em deba-te, consignando que: “(...) deve ser garan-tido aos envolvidos em relacionamentos familiares de pessoas do mesmo sexo, o foro privilegiado conferido à parte mais vulnerável financeira ou juridicamente nessas relações, quando, examinando cada caso concreto, de fato, verificar-se que a pretensão da parte menos favore-cida ficará manifestamente prejudicada caso tenha que litigar em local diferente da sua residência”.

THAIS GUIMARÃES

DIANA GEARA

Em abril de 2014, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, nos autos de Agravo de Instrumento nº 2002799-94.2014.8.26.0000, proferiu decisão possibilitando a curatela compartilhada entre pais de um filho portador de au-tismo infantil.

Inicialmente, os pais requereram a interdição do menor, o que foi deferido pelo Juízo. Posteriormente, requereram

o compartilhamento dos deveres e obri-gações referentes ao seu cuidado, seme-lhante ao que atualmente é fixado atra-vés da guarda compartilhada, o que foi indeferido, motivo pelo qual recorreram ao Tribunal.

No referido caso não existia qualquer conflito entre os pais do interditado, que sempre atuaram conjuntamente nos cui-dados com o filho.

A Relatora, Desembargadora MARY GRÜN, fun-damentou a pro-cedência do re-curso salientando que o instituto da curatela é regido pelo princípio do melhor interesse do curatelado. Salientou, ainda,

que a prestação de contas deve ocorrer da mesma forma, conjuntamente.

Ademais, a Relatora mencionou dou-trina de MARIA BERENICE DIAS, acerca da curatela compartilhada inclusive en-tre avós ou outros parentes: “Embora a lei confira legitimidade ao pai ou a mãe para o exercício da curatela (CC 1.775 § 1º), necessário reconhecer a possibilidade de ambos os genitores exercerem de for-ma compartilhada tal tarefa. Não só pais, mas também avós ou parentes outros que sejam casados ou vivam em união estável hétero ou homoafetiva, podem ser nome-ados em conjunto”.

Em que pese inexista legalmente o instituto da curatela compartilhada, também não há vedação legal, confor-me ampla construção jurisprudencial e doutrinária. Inclusive, tramita perante o Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.692/2011, que regulamenta a matéria.

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Quitação dada em escritura pública gera presunção relativa

Em recente decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, proferida no Re-curso Especial nº 1.438.432/GO, relatado pela Ministra NANCY ANDRIGHI, restou decidido que a quitação dada em es-critura pública gera presunção relativa do pagamento, admitindo prova em contrário que evidencie a invalidade do instrumento eivado de vício que o tor-ne falso.

No caso, discutiu-se a anulação de um negócio jurídico de compra e venda de imóveis, em cuja escritura pública foi declarada a plena e geral quitação aos compradores, por ter sido integralmente pago o preço.

A decisão não contraria o disposto no art. 215 do Código Civil (“A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena”), pois, segundo a Ministra, o que ocorre com a presunção legal do re-ferido dispositivo é a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura à luz do que dispõe o art. 334, IV do CPC (“Não dependem de prova os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade”).

Além disso, segundo dispõem os arts. 214 e 216 da Lei nº 6.015/1976 (Lei de Registros Públicos), “as nulidades de pleno direito do registro, uma vez prova-

das, invalidam-o, independentemente de ação direta” e “o registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do jul-gado em ação de anulação ou de declara-ção de nulidade de ato jurídico, ou de jul-gado sobre fraude à execução”.

Por isso, segundo a decisão, a quita-ção dada em escritura pública não é uma “verdade indisputável”, na medida em que admite a prova de que o pagamen-to não foi efetivamente realizado. Assim, entende-se que a quitação dada em es-critura pública presume o pagamento, até que se prove o contrário.

PATRÍCIA NYMBERG

O contrato de seguro e o devido processo legal

JOSÉ ROBERTO TRAUTWEIN

A Segunda Seção do SUPERIOR TRI-BUNAL DE JUSTIÇA, por ocasião do jul-gamento do Recurso Especial Repetitivo nº 962.230-RS, decidiu que (a) “descabe ação do terceiro prejudicado ajuizada di-reta e exclusivamente em face da segura-dora do apontado causador do dano”; (b) “de fato, no seguro de responsabilidade ci-vil facultativo, a qual, de regra, não poderá ser reconhecida em demanda na qual este não interveio, sob pena de vulneração do devido processo legal e da ampla defesa”.

O Relator do recurso, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, ponderou ter julga-do anteriormente o Recurso Especial nº 925.103-SP, no qual reconheceu ser “pos-

sível a condenação direta e solidária da Seguradora denunciada pelo segurado, ou a ele litisconsorciada, para ressarcir os da-nos experimentados por terceiros e causa-dos pelo denunciante (segurado). Porém, é bem de ver que, mesmo nesses casos, não há propriamente uma relação jurídica de direito material entre o terceiro (a vítima) e a seguradora, sendo que a solidariedade nasce somente por força de relação de di-reito processual (vítima e seguradora) e de uma obrigação aquiliana reconhecida ju-dicialmente (entre o segurado e a vítima), sem a qual não haveria responsabilidade da seguradora de indenizar os danos sofri-dos por terceiros”.

Além disso, asseverou que “... a meu juízo, como não é possível aferir valida-mente a condição de ‘causador do dano’ sem a participação na lide desse presumi-do autor (o segurado), descabe, de regra, o ajuizamento de ação da ‘alegada víti-ma’, direta e exclusivamente em face da Seguradora”.

Ou seja, trata-se da observância aos princípios do contraditório e do devido processo legal, sem, contudo, deixar de assegurar o interesse da vítima do si-nistro, que poderá cobrar o seu crédito, desde que ajuíze demanda em face de ambos: causador do dano e seguradora.

DIREITO CIVIL

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A evolução do estado moderno pra-ticamente afastou da nossa realidade a figura da autotutela. Trata-se de meio ru-dimentar de solução de conflitos, em que uma das partes busca a satisfação de um direito ou pretensão por suas próprias for-ças e razões, isto é, desprezando o mono-pólio estatal no que concerne à solução das controvérsias e distribuição da justiça.

Da autotutela ainda existem resquí-cios na nossa lei civil, como, por exem-plo, o desforço imediato daquele que vê sua propriedade invadida ou o direito de retenção conferido ao locatário de imóvel, em relação às benfeitorias por ele realizadas. Mas, fora das excepcio-

nalíssimas hipóteses elencadas na lei, o exercício da autotutela é vedado, sendo, inclusive, considerado crime (art. 345 do Código Penal).

Embora seja algo absolutamente inconciliável com o nosso atual está-gio cultural e jurídico, não raramente se observa, no campo civil, a satisfação de pretensões por meios inadequados. Bancos que, sem autorização, debitam valores na conta do cliente para obter o pagamento de empréstimos inadimpli-dos, sem perseguir a cobrança do supos-to crédito na via judicial; locadores que simplesmente trocam as fechaduras do imóvel objeto de locação, sem ajuizar a

competente ação de despejo contra o locatário inadimplente; o poder público que apreende mercadorias como meio para obter o pagamento de tributos.

Em todos esses casos, vislumbram-se espécies de autotutela. Aquele que en-tende possuir um direito busca maiores facilidades para exercê-lo, à margem do Judiciário, fato que, todavia, não é tolera-do pela ordem jurídica. Ainda que dissi-muladas na complexidade dos negócios, essas condutas devem ser fortemente coibidas, como forma de preservação da própria essência do estado de direito e da função jurisdicional, a quem incumbe a pacificação social com justiça.

A obrigatoriedade do registro da penhora

A autotutela ainda nos dias atuais

VANESSA CANI

A penhora de bens imóveis realiza-se por auto ou termo de penhora, consti-tuindo obrigação do credor/exequente, sem prejuízo da intimação do devedor/executado para providenciar a devida averbação no registro imobiliário, me-diante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.

Ao averbar a penhora, o credor leva ao conhecimento de terceiros a existên-cia da ação judicial promovida contra o proprietário do imóvel, garantindo a efetividade da execução e evitando que pessoas de boa-fé, que desconhecem o litígio existente entre credor e devedor, sejam prejudicadas. A averbação, por-

tanto, serve para salvaguardar tanto os interesses do credor quanto de terceiros.

Ante a ausência do registro, nos termos da Súmula 375 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a boa-fé do terceiro se presume e merece ser prestigiada: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

Ou seja, na hipótese de venda do bem que garantiria o cumprimento da obrigação do devedor, o negócio jurí-dico celebrado com terceiro deverá ser tido como válido e eficaz, impondo ao credor o ônus de provar que o adquiren-te tinha ciência da constrição que pesava sobre o imóvel.

FERNANDO WELTER

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Resolução nº 632/2014 da ANATEL – vitória do consumidor

Um dos piores tormentos do con-sumidor moderno é a dependência dos “call centers” para a realização de tarefas cotidianas, como o cancelamento de uma assinatura de jornal, desbloqueio de cartão de crédito ou relatar proble-mas técnicos com a televisão a cabo.

É senso comum que qualquer uma dessas tarefas exige, além de tempo, muita paciência para enfrentar os infin-dáveis questionários e o costumeiro des-preparo dos atendentes.

Ocorre, todavia, que esse problema será minorado com o início da vigên-cia, a partir de 08 de julho de 2014, da

resolução nº 632/2014 da ANATEL, co-nhecida como Regulamento Geral de Direitos do Consumidor dos Serviços de Telecomunicações.

Segundo o texto, o consumidor po-derá cancelar os serviços de telefonia (fixa e móvel), TV por assinatura e inter-net diretamente “no primeiro nível do sis-tema de autoatendimento”, com “a opção de acesso ao atendente, de reclamação e de rescisão do contrato” (art. 27).

Além da possibilidade de rescisão contratual imediata, a resolução ressalta que as solicitações deverão ser processa-das “automaticamente e terão efeitos após

2 (dois) dias úteis do pleito” (art. 15).

Tais medidas visam garantir tranqui-lidade e celeridade aos consumidores que por vezes se veem obrigados a per-manecer com o serviço contratado por não conseguirem concluir as solicitações feitas pelo antigo modal.

Como se vê, trata-se de mais um avanço em defesa dos interesses do con-sumidor que, a partir de agora, ganha novas ferramentas para fazer valer seu direito de maneira mais rápida e sem os conhecidos entraves gerados pelas pres-tadoras de serviços.

CÍCERO LUVIZOTTO

Obsolescência programada (II)

A legislação consumerista determina que os produtores mantenham a oferta de componentes e peças de reposição no mercado enquanto não cessar a fa-bricação ou a importação do produto. E, quando isto ocorrer, a oferta dessas peças deve perdurar por um período ra-zoável de tempo, prazo que deverá ser compatível com o seu tempo de vida útil normal (art. 32, parágrafo único, CDC).

Logo, na hipótese de serem lançadas novas versões ou edições de produtos, os fornecedores deverão oferecer meios para que aqueles já adquiridos pelos consumidores permaneçam funcionan-do adequadamente até que precisem ser descartados em função de seu desgaste natural. As técnicas empregadas para burlar esta regra caracterizam a prática da obsolescência programada, que artifi-cialmente antecipa a perda de utilidade ou funcionalidade de um produto.

Em abril deste ano (2014), a Apple Inc. foi condenada por Decisão da 1ª TURMA RECURSAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

RIO GRANDE DO SUL ao pagamento de indenização por danos materiais a uma consumidora diante do reconhecimen-to de que “o aparelho de telefonia celular da autora, modelo iPhone 3G, tornou-se imprestável para uso em razão do lança-mento de nova versão do iOS pela reque-rida” (Processo nº 71004479119, Relator LUCAS MALTEZ KACHNY, j. 22/04/2014).

O valor da indenização correspon-deu ao preço de um novo iPhone, uma

vez que o adquirido pela consumidora tornou-se incompatível com diversos aplicativos (antes regularmente utili-zados) após sucessivas atualizações do seu sistema operacional (iOS), ou seja, tornou-se obsoleto prematuramente.

Com isso, reconheceu-se judicialmen-te que, a despeito do direito da compa-nhia de tecnologia lançar novas versões de seus aparelhos, ela não pode deixar os seus consumidores desamparados.

LAÍS BERGSTEIN

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Não é de hoje que ocorre, nas redes sociais, a criação de perfis falsos com sen-tido pejorativo, visando difamar, dene-grir ou ofender alguém. Para esses casos, entende-se pela necessidade de conde-nar àquele que deu vida ao perfil em in-denização por danos morais, tendo em vista o caráter lesivo da conduta (TJMG – Apelação Cível nº 1.0569.12.002571-7/001, DJ: 11/06/14).

Discutia-se, contudo, a responsa-bilidade dos provedores de serviço de internet nesses casos, particularmente quanto ao seu dever ou não de também indenizar o lesado.

Sobre o tema, decidiu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no mês de maio

de 2014 (STJ/4ª Turma - AgRg no REsp 1402104 - Ministro RAUL ARAÚJO), que, aos provedores de internet, não se apli-ca a responsabilidade objetiva (aquela que independe da existência de culpa), ou seja, a criação de perfis falsos e a pu-blicação de mensagens ofensivas pelos usuários não constituem risco inerente à atividade que desenvolve. Assim sen-do, não se pode exigir dos provedores que realizem uma fiscalização prévia do conteúdo que será disponibilizado pelos usuários.

Por outro lado, entende a Corte que se trata de responsabilidade subjetiva (que depende da existência de culpa) e se inicia a partir do momento em que

o provedor deixa de atuar (retirando a página do ar, por exemplo) de imediato, quando informado da existência de con-teúdo ilícito.

Além disso, a responsabilidade sub-jetiva do provedor consubstancia-se caso não tome providências técnicas ao seu alcance que possibilitem a identifi-cação do usuário responsável pelo ato ilícito.

Desta forma, em decorrência de sua omissão, resta caracterizada a responsa-bilidade do provedor, devendo respon-der solidariamente com o autor direto, causador do dano.

Em 2012, certa rede social, dirigida por acadêmicos das Universidades de Cornell e da Califórnia, resolveu realizar experiência com 689.003 de seus usuá-rios: publicou intencionalmente, duran-te uma semana no feed, ora só notícias boas e ora apenas ruins. Conclusão: hou-ve contágio emocional no mundo virtual.

Além desse resultado, a pesquisa le-vantou questões morais. Afinal, os usu-ários não foram avisados de que parti-cipavam da pesquisa (mesmo porque, se o fossem, o resultado provavelmente seria diferente). Pois bem. Qual é o limi-te da utilização pelas grandes empresas de tecnologia das informações que de-têm? Até que ponto podem elas mani-

pular os usuários?

O recente Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) toca o tema. O art. 7º prevê a proibição do fornecimento a terceiros de dados de usuários (inc.VII), cujas hipóteses de coleta são bastante restritas (inc.VIII), salvo consentimento expresso e informado.

Quem, no entanto, fiscaliza o cumpri-mento dessas normas? A regulação da ANATEL sobre as “teles” não alcança, em princípio, os produtores de conteúdo.

Por outro lado, pesquisas com seres humanos são regulamentadas pelo Con-selho Nacional de Saúde. O marco legal vigente é a sua Resolução 466/2012,

cujo paradigma é o consentimento in-formado, ou seja, a pessoa deve saber que está participando de uma pesquisa.

O problema das resoluções, contu-do, é o de se saber qual sua extensão. Órgãos regulamentadores têm poderes bem específicos. Os regulamentos que expedem não têm a mesma generalida-de e abstração das leis. À primeira vista, não há como aplicar regra emanada do Conselho Nacional de Saúde ao merca-do da internet.

Ao menos uma coisa é certa: o Mar-co Civil da Internet não é o fim, mas, sim, apenas o começo da regulamentação da internet no país.

A responsabilidade dos provedores de serviço de internet nos casos de criação de perfil falso

Pesquisas científicas na rede: breve reflexão jurídica

LORENA FADEL

RAFAEL BERZOTTI

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Está em trâmite, no Senado Federal, o projeto de lei que cria o novo Código de Processo Civil. Caso venha a ser apro-vado, o texto trará o grande benefício de prestigiar o Direito material, pugnando pela análise do mérito dos recursos.

Atualmente, o que se vê é uma triste realidade. Assoberbados com o grande volume de trabalho, os tribunais torna-ram-se extremamente rígidos no exame de admissibilidade dos recursos, crian-do obstáculos não previstos em lei. Não são raras as decisões que deixam de co-nhecer o recurso porque o “carimbo de protocolo encontra-se borrado” ou ainda porque na guia de preparo faltou incluir o número dos autos originários.

Criticando esse rigor excessivo (de-nominado de Jurisprudência Defensiva),

a doutrina vem defendendo a correção dos vícios sanáveis e o abandono do for-malismo despropositado. Afinal, o que importa para os jurisdicionados é a apre-ciação do mérito dos recursos.

Adotando essa filosofia, o projeto do novo Código de Processo Civil prevê, por exemplo, que a incapacidade processual da parte ou irregularidade na represen-tação (ausência de procuração) poderá ser corrigida em qualquer fase processu-al (art. 76), inclusive nas instâncias espe-ciais (art. 76, § 2º). Tal regra afastará, por-tanto, a Súmula 115 do STJ que veda essa correção perante os tribunais superiores. Por sua vez, o art. 218, § 4º do projeto re-conhece ser tempestivo o recurso apre-sentado antes do termo inicial do prazo, afastando o entendimento contrário que

até agora prevalecia. E o art. 1.020 prevê a intimação da parte para suprir even-tual insuficiência no preparo do recurso (§ 2º) ou ainda para corrigir equívoco no preenchimento da guia (§ 7º). Já o art. 1.037, § 4º dispensa a ratificação para o conhecimento de recurso interposto an-tes da publicação de acórdão de embar-gos de declaração rejeitados. Por fim, o art. 1.042, § 3º estabelece que o STJ e o STF poderão desconsiderar ou determi-nar a correção de vício formal que não reputem grave.

São, sem dúvida, inovações bem--vindas e que prestigiam o julgamento do mérito dos recursos. Afinal, o verda-deiro propósito da jurisdição é a análise da existência do Direito material.

O novo Código de Processo Civil e o mérito dos recursos

Forma de pagamento nos processos de busca e apreensão

Em anterior artigo (Boletim nº 19), já se discorreu sobre a sistemática dos Re-cursos Repetitivos prevista nos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil, segundo os quais, a fim de uniformizar as decisões sobre temas “repetitivos”, os Tribunais selecionam recursos represen-tativos da controvérsia para serem julga-dos pelas Cortes Superiores, ficando os demais suspensos até este pronuncia-mento definitivo.

Pois bem. Em 25/04/2014, ao analisar o Recurso Especial nº 1.418.593/MS, o Mi-nistro LUIS FELIPE SALOMÃO determinou não só a suspensão dos recursos que ver-sassem sobre o mesmo tema, como tam-

bém de todas as ações, em trâmite pelo país, pendentes de solução definitiva.

E o que se discute neste Recurso de tão larga repercussão? “A necessidade de, na busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, ser paga a integralidade do débito para caracterizar-se a purga-ção da mora pelo pagamento, não sendo suficiente o pagamento, tão somente, das parcelas vencidas”.

A questão já foi decidida pela Se-gunda Seção do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em Acórdão publicado aos 27/05/2014, ainda não transitado em julgado, no qual se definiu que, “Nos contratos firmados na vigência da Lei n.

10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendi-da esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária”.

Em outras palavras, a fim de purgar a mora e obter a restituição do bem livre de ônus, o devedor fiduciário deverá pagar a integralidade do débito remanescente, não se admitindo a esse fim o pagamento somente das parcelas vencidas.

ROGÉRIA DOTTI

EMILLY CREPALDI

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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A Lei nº 12.971/2014, publicada em 12/05/2014, deu nova redação e discipli-na ao crime de homicídio praticado na direção de veículo automotor. De acor-do com seu art. 2º, ela “entra em vigor no 1º (primeiro) dia do 6º (sexto) mês após a sua publicação”. Mas isso não impede a sua aplicação desde logo, pois seus efei-tos podem retroagir mesmo que em es-tado de vacância, desde que sejam mais favoráveis ao réu.

O novo diploma altera os arts. 173, 174, 175, 191, 202, 203, 292, 302, 303, 306 e 308 da Lei no 9.503, de 23 de se-tembro de 1997 (Código de Trânsito Bra-sileiro – CTB), para dispor sobre sanções administrativas e crimes de trânsito. A lei passa a tratar a embriaguez e o excesso de velocidade ao volante como circuns-tâncias que não servem, por si sós, para

classificar o crime como doloso. Agora, a regra passa a ser a seguinte:

todo acidente de trânsito com resultado morte será um crime culposo, a não ser na situação de racha em que haja indí-cios de que o autor do fato desejou o resultado (nova redação do art. 308, §2º, CTB). É o que se dessume do art. 302, ca-put, cumulado com o §2º, CTB.

Ainda que embriagado, praticando racha (que pressupõe o excesso de velo-cidade, embora o racha seja muito mais grave) ou mediante demonstração de perícia em manobra arriscada, o condu-tor responderá com a pena de reclusão (e não detenção, como no caput), de 2 a 4 anos. Isto é, uma pena mais benéfica ao réu do que a do art. 121 do CP.

Ademais, a pena mais alta que a nova lei prevê ao homicídio no trânsi-

to é de 5 a 10 anos. E essa pena é para o crime não intencional, ou seja, “se da prática do crime previsto no caput resul-tar morte, e as circunstâncias demons-trarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo” (§2º do art. 308). Novamente, a pena é mui-to inferior à máxima de 20 anos que o Código Penal reserva ao crime de homi-cídio doloso simples (art. 121).

Lei nº 12.971/2014: homicídio no trânsito passa a ser visto como acidente e não crime doloso

Com a palavra, o Papa

No mês de junho circulou, entre os operadores do Direito Penal, uma memo-rável troca de correspondências entre a autoridade maior da Igreja Católica – Papa FRANCISCO – e EUGENIO RAÚL ZAFFARO-NI – jurista argentino que se notabiliza não apenas pelo conhecimento jurídico, mas, igualmente, pela sensibilidade hu-mana. O intercâmbio de correspondên-cias deu-se em razão do XIX Congresso Internacional da Associação Internacional de Direito Penal e do III Congresso Inter-nacional da Associação Latinoamericana de Direito Penal e Criminologia.

O sensível Sumo Pontífice, com lu-cidez, humanidade e conhecimento de causa, demonstrou preocupação com a atual política criminal, consistente em criminalizar condutas, agravar penas e,

consequentemente, aumentar a popula-ção carcerária. Em notável trecho de sua Carta, assevera: “A experiência demonstra que o aumento e endurecimento das pe-nas com frequência não resolve os proble-mas sociais, nem logra diminuir os índices de delinquência. E, ademais, pode gerar graves problemas para a sociedade, tais como cárceres superlotados ou detentos presos sem condenação”.

Em outro momento, Papa FRANCIS-CO cobra dos meios de comunicação uma postura ética e responsável: “Aos meios de comunicação, em seu legítimo exercício de liberdade de imprensa (...) de-pende informar corretamente, e não criar um pânico social quando dão notícias de fatos criminosos. Estão em jogo a vida e a dignidade das pessoas, que não podem

converter-se em casos publicitários (...) condenando os presumidos culpados ao descrédito social antes de serem julgados e forçando as vítimas, com fins sensaciona-listas, a reviver publicamente a dor sofrida”.

ZAFFARONI, em resposta, emociona-do com a sensibilidade do Papa, reforça que a atual conjuntura do Direito Penal “só parece interessar como objeto de ma-nipulação midiática, com agravamento de penas, invenção de novos tipos penais frente a cada problema social e, no fundo, consolidando a idolatria do poder punitivo”.

Essas mensagens, que transcendem orientações religiosas ou políticas, mos-tram a humanidade e sabedoria de seus interlocutores e deveriam ser lidas por to-dos aqueles que militam na área criminal.

ALEXANDRE KNOPFHOLZ

GUSTAVO SCANDELARI

DIREITO CRIMINAL

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Em 2 de junho passado, entrou em vi-gor a Lei nº 12.984/2014, que criminaliza a conduta de discriminação de portado-res do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes da síndrome de imuno-deficiência adquirida (AIDS), com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. Deverá responder por este crime aquele que, por exemplo, impedir a ins-crição de criança em creche ou escola, ne-gar trabalho ou demitir de emprego. Em razão da condição de pessoa portadora ou doente, nos termos da lei, o crime de discriminação se dá, ainda, mediante as seguintes condutas: “IV - segregar no am-biente de trabalho ou escolar; V - divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a digni-dade; VI - recusar ou retardar atendimento de saúde”. É clara a intenção legislativa de combate à discriminação no ambiente

corporativo. Note-se que a simples divul-gação da condição de portador do HIV ou de doente, para lhe ofender a digni-dade, configura, em tese, o crime.

A lei, além de representar uma con-quista contra o preconceito em relação à enfermidade cujos meios de transmissão do vírus não impedem o convívio social e podem ser evitados com a adoção de cui-dados básicos (v.g. abstenção de contato sanguíneo), atende aos preceitos consti-tucionais da dignidade da pessoa huma-na (CF, art. 1º, III) e da isonomia (CF, art. 5º, caput). O delito é de ação penal pública, ou seja, é processado por iniciativa do Mi-nistério Público, quando houver indício de discriminação. Ao acusado cabe a apli-cação do benefício da suspensão condicio-nal do processo, previsto no art. 89, da Lei nº 9.099/1995, para suspender o curso da ação penal sob determinadas condições.

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Em vigor desde o último dia 26 de junho, a chamada Lei da Palmada (Lei n° 13.010/2014), que alterou o Estatu-to da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), não trouxe ao ordenamento jurídico inovações penais.

Sob o ponto de vista criminal, as pu-nições aplicáveis a agressores de crian-ças ou adolescentes que estejam sob sua tutela serão aquelas já previstas na legislação penal.

Com efeito, pelo que se extrai da leitura dos seus dispositivos, a finalidade da nova lei é aplicar medidas de cunho administra-tivo pedagógico a qualquer pessoa que, encarregada de cuidar, educar ou proteger criança ou adolescente, atue com excesso nas formas de disciplina ou correção.

Em linhas gerais, o Estatuto da Crian-ça e do Adolescente passa a vedar de forma expressa a utilização de castigo que implique sofrimento físico, lesão,

tratamento cruel ou degradante, humi-lhação, grave ameaça ou ridicularização como medidas disciplinares na educa-ção de crianças ou adolescentes.

Prevê, ainda, o novo texto legal, que a aplicação de eventuais sanções admi-nistrativas ao autor de excessos educa-cionais será de atribuição do Conselho Tutelar. Entretanto, tal incumbência não impede que qualquer pessoa envolvida se socorra da intervenção do Poder Ju-diciário para garantir o reconhecimento de direitos ou deveres.

Destaca-se, por fim, ao contrário do que muito se dizia nos debates prelimi-nares sobre a nova lei, que ela não exime os pais da responsabilidade de exercer seu dever de educação dos filhos, bem como não autoriza a criança ou adoles-cente a se insubordinar perante seus pais, mas, conforme demonstrado, visa apenas coibir os excessos.

Em maio deste ano, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL julgou improce-dente a Ação Direta de Inconstitucio-nalidade nº 4.976, por meio da qual a Procuradoria Geral da República questionou uma série de dispositivos da Lei nº 12.663/2012, a Lei Geral da Copa. Na referida ação, o Ministério Público Federal indicou violações à Constituição Federal nos artigos que responsabilizam a União por prejuízos causados por terceiros e por fenôme-nos da natureza aos Eventos da FIFA; que estabeleceram prêmios e auxílios mensais aos jogadores campeões em 1958, 1962 e 1970; que concederam isenções fiscais e de custas judiciais à FIFA em território nacional.

Basicamente, 10 dos 11 ministros entenderam que a Lei foi promulgada conforme os ditames constitucionais e a competência do Congresso. O úni-co a divergir foi o Ministro JOAQUIM BARBOSA, que entendeu pela incons-titucionalidade do dispositivo que estabelece a isenção fiscal e de emo-lumentos. De acordo com o então Presidente do STF, haveria violação ao princípio da isonomia com a conces-são dos benefícios.

Além dos pontos polêmicos con-firmados pela Suprema Corte, a Lei Geral da Copa promete outras con-trovérsias com os igualmente ques-tionáveis crimes nela estabelecidos. Conforme dispõe o art. 36 do diplo-ma, configurarão delitos específicos até 31/12/2014 as condutas de uti-lização indevida de símbolos oficiais da FIFA, marketing de emboscada por associação e marketing de emboscada por intrusão. Todos os ilícitos penais preveem pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa e só se procedem mediante representação da entidade máxima do futebol.

A constitucionali-dade da Lei Geral da Copa e seus crimes especiais

GUILHERME ALONSO

Reflexos da famigerada ‘Lei da Palmada’RAFAEL DE MELO

LUIS OTÁVIO SALES

Crime de discriminação de pessoa soropositiva

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Está em vigor a Lei nº 13.008/2014 (publicada no DOU de 27/06/2014), que alterou o Código Penal em relação aos crimes de contrabando e descaminho. Os tipos agora têm redação e capitula-ção específicas: o descaminho segue no caput do art. 334 e consiste em “Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercado-ria”, permanecendo a pena de 1 a 4 anos de reclusão. O contrabando está no art. 334-A: “Importar ou exportar mercadoria proibida”, e sua pena – que, antes, era a mesma cominada ao descaminho (1 a 4 anos) – passou a ser de 2 a 5 anos de re-clusão. As sanções serão dobradas se os

delitos forem praticados em transporte aéreo, marítimo ou fluvial (antes, apenas o transporte aéreo era previsto).

A alteração finalmente diferencia crimes que, embora de natureza e gra-vidade distintas, vinham há décadas re-cebendo o mesmo tratamento jurídico no Brasil. O objetivo do legislador foi o de considerar mais grave a conduta do contrabando, que, por sua nocividade (atenta, principalmente, contra a saúde pública), exige maior grau de reprovabili-dade em relação ao descaminho, que, na realidade, é um crime tributário.

A nova redação coloca em dúvida a necessidade de se alterar, também, o

art. 318 do CP: o crime de facilitação ao contrabando ou descaminho continua a prever a mesma pena (3 a 8 anos de re-clusão) ao agente público que concorre para a prática de qualquer dos tipos.

O novo tratamento penal dos crimes de contrabando e descaminho

BRUNO CORREIA

Ilegalidade não é improbidade: a confirmação do entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça

JULIO BROTTO

Em recentíssimo julgamento no Recur-so Especial nº 1.434.296/PR, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reafirmou a neces-sária e importante distinção que deve ser feita entre ilegalidade e improbidade, quan-do do julgamento de Ex-Prefeito de impor-tante Município do Estado do Paraná.

No caso, servidores de confiança (cargo em comissão), nomeados para atuar junto ao gabinete do Prefeito, fo-ram lotados em outras funções, diversas daquelas para as quais originalmente contratados. Em consequência, o Minis-tério Público do Estado promoveu Ação Civil por Ato de Improbidade Administra-tiva, a qual foi julgada procedente em primeiro grau, tendo sido tal decisão confirmada pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no cumprimento de sua função de ze-lar pela correta aplicação da Lei Federal, bem como de uniformizar a jurispru-dência em território nacional, reformou a sentença condenatória, sustentando que a irregularidade cometida, isto é, a lotação de servidores comissionados em funções destinadas aos funcionários concursados, por si só, não evidencia o dolo do Administrador Público (o Ex-Pre-feito), notadamente quando o Município beneficiou-se dos serviços prestados. Por isso, afastou a alegação de que teria havido prejuízo ao erário público.

Esse julgamento solidifica o entendi-mento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUS-TIÇA no sentido de ser imprescindível a distinção entre ilegalidade e improbida-

de na seara das Ações Civis por Ato de Improbidade Administrativa. É que nem sempre uma ilegalidade configura a prá-tica de um ato de improbidade.

A ilegalidade se verifica com a viola-ção ou com a inobservância de determi-nada normal legal. Já a improbidade diz respeito ao agir ilegal, impregnado com o dolo, ou seja, a vontade deliberada e consciente do agente público (ou do particular que com ele se relaciona) de violar a norma, quase sempre com vista à obtenção de benefícios escusos para si ou para outrem. A primeira deve ser cor-rigida, quando possível. A segunda, se-veramente repreendida, com a condena-ção dos partícipes no ato ímprobo com todos os rigores da Lei. O que se deve evitar é a confusão de uma pela outra.

DIREITO ADMINISTRATIVO

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STF: a propositura de ação coletiva por associação depende de assembleia

O papel do com-pliance perante a Lei Anticorrupção

A prescrição na ação civil pública por lavra irregular de minérios

FRANCISCO ZARDO

RAPHAEL ADADA

ANDRÉ MEERHOLZ

No último dia 14 de maio, o SUPRE-MO TRIBUNAL FEDERAL decidiu, no Re-curso Extraordinário nº 573.232-1, que é necessária autorização expressa da assembleia para a propositura da ação ordinária de caráter coletivo por asso-ciação em defesa de seus filiados.

No caso concreto, o TRIBUNAL RE-GIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO havia decidido que as associações estariam legitimadas a ajuizar ações visando à defesa dos direitos de seus filiados in-dependentemente de autorização indi-vidual ou da assembleia. O STF reconhe-ceu a repercussão geral da questão sob o aspecto jurídico, pois o julgamento definiria o alcance da expressão “quan-do expressamente autorizadas”, constan-te no art. 5º, XXI, da Constituição Federal, segundo o qual “as entidades associati-vas, quando expressamente autorizadas,

têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”. A dúvida era: basta previsão genérica no estatuto ou é necessária autorização es-pecífica em assembleia?

No julgamento do Recurso Extraordiná-rio prevaleceu, por maioria, o entendimen-to de que a autorização estatutária con-ferida à associação não é suficiente para legitimar a sua atuação em juízo na defesa de seus filiados, sendo indispensável que a declaração expressa exigida seja manifes-tada por assembleia geral da entidade.

Nos termos do art. 2-A, parágrafo úni-co, da Lei nº 9.494/1997, para que este re-quisito seja preenchido, “a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembleia da entidade as-sociativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços”.

A Constituição Federal define que os recursos minerais são bens da União, de modo que sua a exploração por particu-lares se condiciona a prévia concessão de lavra, nas condições definidas pela legis-lação setorial (art. 21, IX e art. 177). A ex-ploração fora destas condições caracteri-zaria, em tese, a usurpação de recursos da União, o que causaria prejuízo ao erário.

O Poder Judiciário tem recebido um número crescente de ações civis públi-cas em que se discute a usurpação ir-regular de recursos minerais. Contudo, a contemporaneidade destas ações faz com que não tenham sido suficiente-mente enfrentadas questões práticas da atividade mineradora, indispensá-veis para quantificação do dano. Ou seja, define-se o que é a usurpação, mas ainda não se sabe exatamente os critérios para quantificá-la, seja quanto à avaliação do produto lavrado irregu-larmente, seja quanto ao período de tempo em que é possível exigir o res-

sarcimento. Embora não haja posição pacífica,

é relevante destacar o reconhecimen-to da prescrição quinquenal em ações desta natureza em recentes julgados, em especial na apreciação de pedi-dos liminares de indisponibilidade: “Verificada a prescrição da maior par-te do período reclamado (2001-2010), há que a ação foi proposta em 2014, e a prescrição é do quinquênio anterior ao ajuizamento da ação, resta hígida a cobrança de somente cerca de 10% do período reclamado, o que afeta conside-ravelmente o alegado fumus boni iuris do agravante. Assim, deve ser reduzido o âmbito de indisponibilidade de bens levado a efeito pela decisão liminar, de modo a garantir somente a pequena parte do período reclamado e não pres-crito” (TRF4, Agravo de Instrumento nº 5006476-29.2014.404.0000, Relatora Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER. DJ. 22/05/2014).

Com o advento da Lei nº 12.846/2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção, o compliance conquistou mais espaço no universo jurídico brasileiro. O termo, já conhecido entre os empresários, é em-pregado para denominar o conjunto de medidas adotadas por instituições para garantir o cumprimento de normas in-ternas e externas.

A verdade é que o setor privado terá de se ajustar aos ditames desta Lei. Para tanto, contam com a criação de códigos de condutas, medidas protetivas, planos de treinamento, canais de denúncia, audi-torias, termos e pactos de compromisso. Essas novas ferramentas de compliance evitam que as empresas sofram as pena-lidades previstas na Lei Anticorrupção, a qual dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administra-ção pública, nacional ou estrangeira.

A norma, contudo, não expressa os mecanismos que as empresas devem uti-lizar para se proteger. As multas variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa, o que despertou a atenção do empresariado. Assim, surgiu a necessi-dade de criar um aparato capaz de coibir condutas indevidas dos funcionários.

Embora empresas multinacionais já façam uso do compliance, no Brasil o método deve ganhar destaque nos pró-ximos anos com a entrada em vigor da Lei Anticorrupção.

Diante disso, certamente o complian-ce é capaz de prevenir inconvenientes e garantir uma relação sadia entre em-presários e a administração pública. A elaboração de um bom plano é capaz de ampliar a segurança e garantir e tranqui-lidade do empresariado frente às exigên-cias da nova Lei. É certo que a prevenção continua sendo o melhor remédio. No entanto, devido à vasta área de atuação da atividade empresarial, não há como estabelecer um exato modelo a ser se-guido. Assim, o ideal é analisar cada caso isoladamente e então propor medidas de compliance adequadas.

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A inelegibilidade que decorre da improbidade administrati-va como causa de suspensão dos direitos políticos

Inovações no regime diferenciado de contratações públicas (RDC): um modelo que deu certo?

ANA CRISTINA VIANA

MARIA VITORIA KALED

Enquanto a elegibilidade é o direito de ser votado, a inelegibilidade repre-senta o seu oposto. A Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Fi-cha Limpa, em seu artigo 1º, I, alínea l, es-tabelece a inelegibilidade aos “que forem condenados à suspensão dos direitos polí-ticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito”.

Assim, para que incida a inelegibilida-de decorrente de suspensão dos direitos políticos, faz-se necessário o acúmulo de alguns requisitos. Dentre as diversas dú-vidas acerca da aplicabilidade do men-cionado artigo, uma delas corresponde à concomitância ou não dos requisitos de lesão ao erário e enriquecimento ilícito.

Recentemente, o SUPREMO TRIBU-NAL FEDERAL, em julgado de relatoria

da Ministra ROSA WEBER, afirmou que a mencionada causa de inelegibilidade pressupõe condenação do candidato à suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa que im-porte cumulativamente lesão ao patri-mônio público e enriquecimento ilícito. Conforme a relatora: “Na espécie, o TRE/SP presumiu a ocorrência de dano ao erá-rio e não mencionou sequer a ocorrência de enriquecimento ilícito do agravado ou de terceiros, circunstância que impede o reconhecimento da alegada inelegibilida-de” (ARE 744386/SP).

Assim, o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL acerca do tema res-salta a necessária cumulação dos requi-sitos lesão ao patrimônio público e en-riquecimento ilícito para que possa ser aplicada a inelegibilidade decorrente de improbidade administrativa como causa de suspensão dos direitos políticos.

As contratações públicas no Brasil iniciaram o mês de junho com novos contornos. No último dia 29/05/2014, entrou em vigor a Lei n˚ 12.980/2014, que estendeu o Regime Diferencia-do de Contratações Públicas (Lei n˚ 12.462/2011) à contratação de obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socio-educativo.

É a terceira vez, desde a sua criação pela MP n˚ 527/2011, que o novo mode-lo é ampliado visando otimizar os me-canismos de contratação no Brasil. Com efeito, o RDC, que aparentemente foi criado como mera alternativa aos critica-

dos procedimentos da Lei n˚ 8.666/1993 – lei que regulamenta as licitações públi-cas no âmbito federal –, hoje já parece ser a regra geral.

Se de um lado as licitações públicas merecem atenção especial, seja pela sua tarefa de consolidar políticas públicas de relevante interesse social, seja pelo in-vestimento público envolvido, de outro é certo que, na prática, a implementação do RDC não é fácil nem para os adminis-tradores, nem para os particulares.

Tantas mudanças acabam por criar paradigmas, até o momento sem solu-ção, como por exemplo: i) viabilidade do orçamento sigiloso (art. 6˚, §3˚); ii) princípio da eficiência e a contratação

integrada (art. 8˚, V); iii) inaplicabilidade da Lei n˚ 8.666/93 (art. 1˚, § 2˚), e, recen-temente, iv) conciliação entre a lei do RDC e a lei das Parcerias Público Privadas (Lei n˚ 11.079/2004), cuja aplicação ganhou destaque nas questões ligadas às peni-tenciárias do país.

O fato é que, apesar das pressões no Congresso para fazer com que todas as licitações e contratos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios adotem exclusivamente o RDC, enquanto as la-cunas deste modelo não são preenchi-das, felizmente prevalecem vigentes as regras da velha e antiga Lei n˚ 8.666/93.

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ESPAÇO LIVRE DOS ESTAGIÁRIOS

A desjudicialização da execução civil

Aspectos processuais do crime de sonegação fiscal

ANTONELLA CEQUINEL THÁAcadêmica do 3º ano da Faculdade de Direito de Curitiba

O crime de sonegação fiscal, de acor-do com a Súmula Vinculante nº 24 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, não ocor-re antes do lançamento definitivo do crédito, com esgotamento da via admi-nistrativa. Logo, devido ao efeito vincu-lante, todo juiz deve respeitá-la, e, caso isso não ocorra, cabe reclamação direta para o STF. Relembrando que muitas das provas necessárias para a definição de existência de materialidade do crime dependem do processo administrativo, sendo necessário o empréstimo de mui-tas delas de uma esfera para a outra.

Ademais, a Lei nº 10.684/2003, a qual

estabeleceu o PPI – Programa de Parcela-mento Incentivado, determinou, em seu art. 9º, que o parcelamento do débito suspende a pretensão punitiva do Esta-do. E, de acordo com o § 2º, “Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacio-nada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.

A Lei nº 8.137/1990, em seu art. 1º, cominou pena de 2 a 5 anos ao agente que praticar o crime. Se a pena estabe-lecida no caso concreto não ultrapassar 4 anos, o regime será o aberto (pena em

casa de albergado, que é um estabeleci-mento de segurança mínima); entretan-to, se ultrapassar, o regime inicial pode ser o semiaberto (cumprimento da pena deve em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar). Se a pena não for superior a 4 anos, ela pode ser subs-tituída por restritivas de direitos e, se for estipulada no seu mínimo (2 anos), ainda poderá caber suspensão condicional da pena. Ainda, se, devido à dosimetria, a pena ultrapassar 8 anos, o regime inicial pode ser o fechado (estabelecimento de segurança máxima ou média).

ESPAÇO LIVRE DOS ESTAGIÁRIOS

O grande volume de demandas ju-diciais aliadas ao baixo número de pro-fissionais e recursos financeiros destina-dos ao Judiciário faz com que a média de duração de um processo no Brasil seja de quinze anos. Dessa conclusão se pode deduzir que demora sete anos e meio para ter um direito reconhecido e outros sete anos e meio para ter este direito satisfeito. O longo tempo e os al-tos custos para se chegar ao fim do pro-cesso acabam sendo um empecilho à justiça, o que contraria preceitos consti-tucionais, tal qual a razoável duração do processo, garantida no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

Uma solução que vem sendo defen-

dida por juristas brasileiros é a desjudi-cialização da execução civil. Utilizam-se do direito comparado de países como: França, Itália, Suíça e Portugal, onde os atos executórios já não são praticados diretamente pelo Judiciário, o que os le-vou a alcançar uma redução significativa no tempo médio de duração dos proces-sos. Portugal, com o Decreto-lei da Refor-ma nº 38/2003, deu início a esta desjudi-cialização, criando a figura do Solicitador de execução, o qual realiza os principais atos processuais, como a citação, a pe-nhora e a alienação.

Como o processo de execução não se destina à discussão de fatos (apesar de ser possível nesta fase processual,

pois já há o reconhecimento do direi-to, bastando apenas a sua satisfação), o mesmo acaba sendo constituído muito mais por meros atos administrativos e técnico-periciais do que atos que real-mente ensejam uma apreciação do ma-gistrado. Assim, a transferência destes atos a pessoas devidamente qualificadas eximiria o magistrado destas atividades, havendo um espaço maior para análise dos casos que realmente exigem atua-ção jurisdicional. Consequentemente, o tempo médio de duração do processo seria reduzido, assegurando a celeridade ao acesso à justiça.

RAFAEL DE LIMA HUBERTAcadêmico do 4º ano da Faculdade de Direito de Curitiba

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Direito real de habitação na união estável

Os tipos de prisão no Brasil

CAMILA GRUBERTAcadêmica do 5º ano da Faculdade de Direito de Curitiba

HEVELIN CRISTIANE AGOSTINELLI QUINTÃOAcadêmica do 4º ano da Faculdade de Direito de Curitiba

VINÍCIUS CIMAcadêmico do 4º ano da Pontifícia Universidade

Católica do Paraná

Em recente decisão, a Quarta Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de-cidiu que uma mulher tem direito real de habitação em ação de manutenção de posse, ajuizada antes mesmo do pe-dido expresso de reconhecimento de união estável.

O direito real de habitação, estabe-lecido no art. 1.831 do Código Civil, é assegurado ao cônjuge sobrevivente, casado sob qualquer regime de bens. O art.1.829, inciso I do CC, exclui o côn-juge casado pelo regime da comunhão universal e/ou da separação obrigatória de bens, da concorrência com os des-cendentes, com relação à titularidade dos bens deixados pelo falecimento do autor da herança, porém, não afasta o direito real de habitação.

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro determina que o cônjuge so-brevivente sempre estará envolvido na

sucessão, no mínimo com o direito real estabelecido no art. 1.831 do CC.

Apesar do Código Civil atribuir ex-pressamente o direito real de habitação somente ao cônjuge, o entendimen-to do STJ é de que tal direito também deve ser conferido aos companheiros, especialmente em razão da concepção constitucional de união estável como entidade familiar.

O Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Relator do Recurso Especial, afirmou que o entendimento do STJ assegura a máxi-ma efetividade do direito à moradia do cônjuge ou companheiro sobrevivente.

Ademais, afirmou que a posse da ex-companheira deveria ser mantida justamente em razão do direito real de habitação ser conferido principalmente para aquela pessoa que residia no imó-vel e realmente exercia poder de fato sobre a coisa.

Há, no sistema legal brasileiro, medi-das penais que, embora parecidas, pos-suem objetivos e requisitos diferentes. O Código Penal prevê, para todo tipo de delito, penas diferenciadas. A mais grave delas é a privativa de liberdade (detenção ou reclusão), que ocorre tão somente quando há condenação do acusado após o trâmite do processo pe-nal e seu trânsito em julgado, ou seja, a decisão judicial definitiva. Esta punição só pode ser alterada em casos muito es-pecíficos, por meio de Revisão Criminal.

No entanto, no decorrer do próprio processo, antes da condenação final, é possível aplicar algumas medidas processuais, denominadas “cautelares”, dentre as quais a própria prisão, que, neste caso, possui caráter provisório – por isto, chamada “prisão provisória” – e servem apenas para garantir a aplica-ção da lei penal, a instrução processual ou a ordem pública e a econômica.

A prisão provisória pode ser decre-tada de ofício pelo juiz ou a requeri-mento da parte acusatória (Ministério Público, querelante ou assistente de acusação), bem como a pedido de au-toridade policial, sempre devidamente justificada. Caso esta prisão seja aplica-da de forma abusiva, pode ser combati-da pela liberdade provisória ou pela ga-rantia constitucional do habeas corpus.

Salienta-se, ainda, o art. 319 do CPP, que relaciona medidas cautelares di-versas da prisão, tais como: compareci-mento periódico em juízo, proibição de contato com determinada pessoa ou acesso a certos locais, entre outras, que, inclusive, podem ser aplicadas cumula-tivamente. Estas medidas alternativas têm preferência de aplicação à prisão provisória, esta que é sempre ação su-pressora de um direito fundamental de maior peso, qual seja, a liberdade.

A relativização da vio-lência presumida nos crimes sexuais contra menor de 14 anos

Em recente julgamento da Apelação Criminal nº 70057585374, a 7ª Câmara Criminal do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL reafirmou o contro-verso entendimento do SUPERIOR TRI-BUNAL DE JUSTIÇA sobre a flexibilização da norma penal em relação ao consenso da vítima menor de 14 anos nos crimes sexuais. Embora no julgado em questão a Corte estadual tenha decidido que houve violência presumida, o acórdão aduz que, “em casos pontuais, justificáveis pela ausência de tipicidade material da norma penal em relação às circunstâncias de fato, seja possível a flexibilização do ri-gor legal relativamente ao consentimento da vítima menor de 14 anos”.

As decisões de ambos os tribunais tornam possível que a menor, inserida em determinado contexto, possa não ser considerada absolutamente vulnerável em relação à sua dignidade sexual. Não obstante a possível imoralidade implícita na conduta, a integridade daquela que pratica o ato não é necessariamente vio-lada. A título de exemplo, no precedente da Corte Superior de Justiça, as aparen-tes vítimas viviam em um ambiente de prostituição habitual, sendo que o agen-te denunciado não foi o primeiro e pro-vavelmente não seria o último a praticar o ato sexual com elas, tornando, assim, atípica sua conduta, haja vista o compor-tamento recorrente das mesmas.

Seria esse o caso também daquela menor que, consciente de seus atos e com a vontade de adquirir para si deter-minada vantagem, presta favores sexuais em troca de presentes, valores e outros mimos. Ora, a partir do momento em que o próprio corpo é deliberadamente utilizado como moeda de troca, a inocên-cia e desinformação em relação ao sexo, lamentavelmente, já não mais existem, diferentemente de quando efetivamente há um abuso, quando o agente aprovei-ta-se da vulnerabilidade da vítima para manipulá-la e induzi-la a praticar tal ato.

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Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2° Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. Artigo 3° Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4° Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. Artigo 5° Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Artigo 6° Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica. Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo 8° Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. Artigo 9° Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo 10° Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Artigo 11° 1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido. Artigo 12° Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei. Artigo 13° 1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país. Artigo 14° 1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países. 2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Artigo 15° 1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo 16° 1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. 2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos. 3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado. Artigo 17° 1. Toda a pessoa, individual ou colectivamente, tem direito à propriedade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade. Artigo 18° Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. Artigo 19° Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão. Artigo 20° 1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo 21° 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios, públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. Artigo 22° Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país. Artigo 23° 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social. 4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses. Artigo 24° Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas. Artigo 25° 1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bemestar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma protecção social. Artigo 26° 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escholher o género de educação a dar aos filhos. Artigo 27° 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam. 2. Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria. Artigo 28° Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração. Artigo 29° 1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2. No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. 3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Artigo 30° Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.

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Julho / Agosto / Setembro / 2014Ano 9 | Número 25

Tiragem: 1.500 exemplares Foto da capa: Guilherme Alonso

Impressão e acabamento: Maxi Gráfica

Boletim Trimestral do Escritório Professor René Dotti

Projeto gráfico e diagramação:IEME Comunicação | www.iemecomunicacao.com.br

Jornalista Responsável: Taís Mainardes DRT-PR 6380

Publicação periódica de caráter informativo com circulação dirigida e gratuita.

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