bibliotecas digitais e direito de autor - até onde podemos ir bad9

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Bibliotecas digitais e Direito de Autor: at onde podemos ir?Antnio M. S SantosCentro de Estudos Fiscais Diviso de Documentao Direco Geral dos Impostos Rua da Alfndega, 5 1 1100-016 - Lisboa Tel: 218854314 E-mail: [email protected]

Adalberto BarretoCmara Municipal de Lisboa. Departamento de Bibliotecas e Arquivos. Bedeteca. Rua Cidade do Lobito, Palcio do Contador Mor 1800-088, Lisboa Tel: 218536676 E-mail: [email protected]

RESUMO

At aos anos 60 do sc. passado as bibliotecas conviveram pacificamente com o Direito de Autor. O despertar de necessidades de informao por parte dos utilizadores, a que se pode juntar o aumento da produo cientfica e literria, aliadas s novas tecnologias, trouxeram o choque inevitvel com o Direito de Autor. Inicialmente com a proliferao de fotocpias, e actualmente com enfoque nos suportes digitais, este conflito atingiu outras dimenses. A criao de elibraries o mais recente desafio a este equilbrio instvel. Com esta comunicao pretendemos, sobretudo, apresentar os princpios essenciais que devem presidir constituio de uma biblioteca digital, nesta conjuntura, e que propostas esto a surgir no terreno como tentativa de resoluo do conflito. Projectos como Google Print, o Gallica ou a Biblioteca Digital Mundial so alguns exemplos a considerar.PALAVRAS-CHAVE: Direito de autor, Bibliotecas

digitais

INTRODUO

Se o homem um ser social, ele deve ser, sobretudo hoje em dia, um ser informado. A informao e a sua posse determinam uma srie de reaces e decises que podero afectar toda uma sociedade, um pas ou at uma civilizao. Por esta razo ela cada vez mais valiosa e procurada por todos. A evoluo e desenvolvimento da humanidade ao longo dos sculos advieram do uso feito pelas informaes que possua. Estabelece-se, assim, uma conexo e interaco entre o autor dessa informao e o seu utilizador. Ao falarmos de uma relao ou transaco devemos levantar a questo monetria e financeira. De facto, existe algum que disponibiliza algo a outrem que, em princpio, ir retirar algum benefcio, monetrio, ou no. Assim, passar a exigir o autor da informao ou produto transaccionado, algo em troca como pagamento ou compensao pelo seu trabalho. Desta realidade nasceu o Direito de Autor, segundo o qual aqueles que produziam algo de inovador, que fosse utilizado por terceiros, teriam direito ao pagamento pelo seu trabalho. Estamos aqui a falar no apenas de trabalhos escritos de carcter cientfico ou tcnico mas tambm de trabalhos artsticos. As questes relacionadas com o Direito de Autor comearam a surgir com maior insistncia aps a

descoberta dos caracteres mveis, por Guttenberg, se bem que na Antiguidade Clssica possamos encontrar referncias ligadas a este assunto. Na Grcia antiga, no ano de 330 a. C., criada uma lei dedicada ao acto de cpia de obras e proteco da sua integridade e originalidade. Tambm em Roma se encontram referncias, nomeadamente na obra de Ccero, aos bens incorpreos, distinguindo-os dos bens materiais e jurdicos [1]. No entanto, apesar destas aluses, foi a imprensa que antecipou o surgimento das questes autorais no mbito jurdico. De facto, at a, as cpias que eram realizadas teriam de ser manuscritas. Por este motivo os detentores dos documentos controlavam, completamente, o acesso de terceiros s suas obras. As dificuldades existentes na obteno de cpias faziam com que de qualquer documento pudessem existir uma a duas cpias, o que no levantava questes de Direito de Autor. O aparecimento da imprensa despoletou uma outra situao totalmente diferente, perante a qual seria necessrio proceder de outra forma e tomar uma outra atitude. A possibilidade de execuo de vrias cpias do mesmo documento e a sua consequente divulgao por vrios leitores, em diferentes partes do mundo, permitiu que o conhecimento se pudesse propagar. Mais pessoas passavam a ter acesso a mais informao. Este facto estar na base do desenvolvimento social, econmico, cultural e cientfico da humanidade. As bibliotecas, neste particular, tiveram um papel determinante como veculo de todo esse conhecimento. Perante o aumento da existncia de um cada vez maior nmero de exemplares de uma publicao, os respectivos autores sentiam-se lesados no seu patrimnio. Tambm a nvel poltico os governos se sentiam por vezes ameaados por uma to grande divulgao de novas ideias e ideais, que poderiam tornar-se uma ameaa sobrevivncia do status quo. Inicialmente surgiram acordos mais ou menos tcitos, nos quais os governos concederiam privilgios ou um monoplio na impresso de livros, queles que no divulgassem textos considerados perigosos ou subversivos. Em Inglaterra, por exemplo, constituiu-se a Stationers Company, que era uma associao de editores, licenciados pelo Rei, onde eram inscritos os ttulos de obras editadas. Uma vez a inscrita por uma editora mais nenhuma outra poderia editar o mesmo ttulo.

Aqui os autores apenas receberiam uma determinada quantia, paga pelos editores, como forma de incentivo criao de mais obras que eles pudessem editar posteriormente. Esta situao evoluiu, posteriormente, para o Statute of Anne, em 1710, que foi o primeiro documento referente aos Direitos de Autor. Neste documento eram estabelecidos e previstos uma srie de direitos aos autores, nomeadamente, de ordem financeira. Para alm desta norma eram tambm considerados como documentos pblicos, e passveis de serem impressos por qualquer um, aqueles que tivessem sido escritos aps um determinado perodo de tempo. Era o incio do conceito de domnio pblico. Os direitos atribudos aos autores tinham um perodo de vigncia que ia at aos 14 anos. Caso o autor fosse vivo no fim deste perodo, outros 14 anos poderiam ser negociados [2]. Os autores que quisessem ter acesso a estes direitos teriam de, obrigatoriamente, entregar 9 cpias da sua obra em bibliotecas previamente designadas. Estamos perante o incio do Depsito Legal. Por fim, estabeleceu-se uma forma de salvaguardar aqueles utilizadores que no tivessem possibilidades financeiras de aceder s publicaes. Da conjuntura que levou produo deste documento muito mudou. Por condicionantes endgenas, e tambm exgenas, a relao entre autores, bibliotecas, editores e utilizadores foi evoluindo. O princpio inicial do Stationers Company era proteger os editores da concorrncia na produo e venda de livros. Daqui passou-se para a defesa do princpio do acesso pblico, e livre, de todos cultura e ao ensino, atravs dos livros existentes e disponveis nas bibliotecas. O que sucedeu ento? A humanidade evoluiu tcnica, cientifica e artisticamente, a produo de informao impulsionou e respondeu a esse desenvolvimento e as bibliotecas foram, em ltima instncia, o local onde todos poderiam encontrar essa informao e onde os autores poderiam ver as suas criaes e estudos acessveis a quem os queira procurar e estudar. A evoluo e desenvolvimento tecnolgicos fizeram aumentar o grau de circulao da informao. Os suportes pelos quais a informao divulgada so cada vez mais diversos e a velocidade a que ela pode chegar ao utilizador cada vez mais pequena. Deste modo os autores vem as suas obras cada vez mais divulgadas e disponveis a um nmero cada vez maior de utilizadores.OS INTERVENIENTES

Em todo este complexo meandro de relaes podemos distinguir e enumerar alguns dos seus intervenientes principais. Aqueles que mais determinam o evoluir dos acontecimentos e que entre si esgrimem argumentos que deixam e tornam este assunto difcil de decidir. Antes de mais as bibliotecas. Locais de divulgao de saber, as bibliotecas so, neste enquadramento, o interveniente que se encontra entre dois plos opostos: os autores e os utilizadores. So o local onde os autores, atravs das suas obras podem alcanar um nmero maior de leitores e de pblico, generalista ou

especializado e, em simultneo, onde todos aqueles que por uma razo ou outra no podem aceder informao. Entraves de qualquer tipo colocados ao desempenho desta funo e misso, poro em causa a finalidade e necessidade de uma instituio como as bibliotecas. A utilizao e incremento de novos meios tecnolgicos por parte das bibliotecas diversificou a forma de desempenhar a sua misso e permitiu tambm que mais utilizadores as procurem. As bibliotecas neste contexto apresentam-se com uma caracterstica importante e distinta, que a de terem por obrigao trabalhar a pensar em todos os utilizadores que dela necessitem, disponibilizando a informao necessria de maneira acessvel e prtica. A par das bibliotecas temos os autores. Indissociados das bibliotecas, os autores so os fornecedores de informao, em diversos suportes, que sustentam uma biblioteca. Resultado de um trabalho tcnico e intelectual ao autor reconhecida a paternidade da obra e o poder de permitir e definir a forma de uso e apresentao dessa mesma obra. Desde os direitos patrimoniais at aos morais, o autor uma pea chave e incontornvel de todo este processo. A aplicao e o exerccio destes seus direitos pode, em diversos casos, pr em causa a funo e misso das bibliotecas perante os seus utilizadores. Defendendo a liberdade de acesso informao e vivendo num perodo em que a informao fundamental para o futuro das sociedades, as bibliotecas apresentam-se como os melhores locais de divulgao e acesso a essa mesma informao. A forma como os autores podero exercer os direitos sobre as suas obras, restringindo a acesso s mesmas, causa um choque de opinies difcil de ultrapassar. unnime que sem as suas obras e o seu estudo no h informao a divulgar, mas tambm reconhecido que sem divulgao eles no obtero o reconhecimento que procuram nem daro a conhecer os seus pontos de vista, pois torna-se limitado e obstrudo o acesso a essa mesma informao. No meio deste equilbrio instvel e quase insolvel, esto os utilizadores. Aqueles que necessitam e requerem informao esto dependentes das bibliotecas para a obter, e dos autores para autorizarem a sua divulgao. Com pouco, ou nenhum poder reivindicativo, os utilizadores limitam-se a observar e a esperar a soluo para os seus pedidos. Por fim temos, em menor dimenso, os editores. Sendo aqueles que promovem ou patrocinam a edio dos estudos e trabalhos dos autores, so parte interessada em todo o processo. Por razes econmicas, pretendem que as obras tenham o maior nmero possvel de vendas e, em simultneo, uma ampla divulgao. Deste choque de interesses ressaltam dois pormenores que podero no ser to insignificantes quanto isso. Um primeiro que ao falarmos de autores e de utilizadores podemos, em muitos casos estar a falar de uma e mesma pessoa. O autor que no seu estudo tcnico e de investigao tem necessidade de recorrer a uma biblioteca, assume a o papel de utilizador que se defronta com a aplicao do direito de autor, ao no ter acesso gratuito informao que pretende e necessita.

So os autores como produtores e consumidores de informao que tambm tiram benefcios imediatos [3] do livre acesso. Por outro lado podemos afirmar que o factor econmico e monetrio que levanta esta discusso, e que condiciona o relacionamento entre estes diversos intervenientes. O cumprimento dos seus direitos de autor e o desejo dos mesmos se verem compensados pelo seu esforo intelectual na criao da sua obra, vai colidir com a funo educativa e cultural das bibliotecas. Estamos aqui perante um confronto de vrios conceitos. Diversos pases tm tentado resolver a situao outorgando um perodo de tempo no qual o autor tem poder sobre o uso da sua obra. Por outro lado como equacionar e justificar o no acesso livre informao quando ela existe e est disponvel? esta a grande questo que se coloca.A NOVA REALIDADE

Os tempos mais recentes trouxeram a emergncia de novos suportes e novas formas de divulgao e de acesso informao. O desenvolvimento tecnolgico potenciou a amplitude dessa divulgao e permitiu que qualquer um, na posse das ferramentas, dos conhecimentos e dos conceitos adequados, possa aceder informao onde quer que esteja. Estes princpios foram tambm aplicados e desenvolvidos nas bibliotecas. Desta forma a sua misso como veculo de informao saiu beneficiada. Surgiram os catlogos colectivos e em linha e, em ltima instncia, as bibliotecas digitais. A realidade mudou totalmente em muito pouco tempo e as bibliotecas, no s acompanharam essa nova realidade, como a aplicaram sua misso de resposta aos pedidos e desejos dos seus utilizadores. Para alm da mudana e evoluo verificadas nesta conjuntura tambm outros princpios sofreram alteraes. A existncia e a criao de bibliotecas digitais pressupe princpios distintos dos que se verificam para as bibliotecas tradicionais. As relaes com os seus utilizadores sero diferentes, como tambm ter de ser a forma de abordar o Direito de Autor. criao da biblioteca digital esto subjacentes critrios e metodologias diferentes e singulares. O emprego do suporte informtico numa biblioteca digital abarca campos to diversos como sejam os do armazenamento da informao, forma de pesquisa e disponibilizao num formato legvel e acessvel. O incio deve ser feito com a verificao de todos os procedimentos e pressupostos para a alterao do suporte informtico no qual vai assentar a nova biblioteca a que dever estar associado o conhecimento de todo o fundo documental que constituir a nova biblioteca. Deste item advir outro de enorme importncia e que a seleco a fazer dos documentos que sero digitalizados. Quais os critrios e os princpios a definir e a seguir [4]? A resposta a esta pergunta fundamental e dela depender o resultado final de todo o projecto. Devemos prever a cobertura de todas as ideias? De todos os idiomas? Estas perguntas devem, no entanto,

ser reformuladas. O verbo mais correcto a empregar ser: Podemos cobrir todas as ideias e todos os idiomas? Ao iniciarmos a seleco dos documentos deparamonos com uma questo incontornvel que imposta pelos direitos de autor. Como agir e actuar perante as obras que no esto no domnio pblico? Se nas bibliotecas tradicionais, e perante documentos em suporte papel, esto previstas excepes e adaptaes que permitem a divulgao e o seu acesso por parte dos utilizadores, como o caso do fair use e da first sale doutrine, para as bibliotecas digitais tais princpios no se podem aplicar. Neste contexto particular, a ttulo de exemplo, no possvel prever o emprstimo domicilirio. Se um dos objectivos de todo o projecto for a transposio e disponibilizao do fundo documental da biblioteca em suporte digital, este aspecto poder condicionar e determinar a sua execuo. O conjunto de obras que no estejam abrangidas pelo Direito de Autor, e portanto em domnio pblico, poder ser diminuto e no justificar a sua digitalizao. Isto com base no pressuposto anterior.CONCEITO E FINALIDADE

Biblioteca digital a biblioteca constituda por documentos primrios, que so digitalizados, sobretudo, em linha atravs da Internet, permitindo o seu acesso distncia. Este conceito inclui tambm a ideia de organizao composta por servios e recursos cuja finalidade seleccionar, organizar e distribuir a informao, conservando a integridade dos documentos digitalizados [5]. Contudo, a biblioteca digital tambm pode comportar uma srie de documentos que existem apenas em formato digital (born digital), bem como os documentos hbridos (de ambos os tipos). Uma biblioteca digital permite o acesso remoto atravs de um computador com ligao Internet e, ao mesmo tempo, a sua utilizao simultnea por um nmero infinito de utilizadores, onde estes podem encontrar em suporte digital os produtos e servios tpicos da biblioteca fsica. Atravs da biblioteca digital tambm possvel utilizar de forma integrada diferentes suportes designadamente texto, som e imagem. As Bibliotecas Digitais eliminam as barreiras fsicas e a distncia, factores que desde sempre limitaram o mbito das bibliotecas fsicas, potenciando biblioteca sem muros the library without walls. Tecnicamente so quase inmeras (e clssicas) as vantagens das bibliotecas digitais: ao contrrio das bibliotecas fsicas as bibliotecas digitais no tm grandes custos de armazenamento. Os custos de preservao dos documentos tambm so menores (embora a questo da preservao dos formatos digitais possa constituir um obstculo). No existem fronteiras fsicas. Esto abertas 24h por dia. O acesso mltiplo e os documentos tm o dom da ubiquidade. Apresentam uma estrutura de acesso imediata entre o catlogo e o contedo do documento. As bibliotecas digitais apresentam menores custos de investimento e manuteno do que as bibliotecas fsicas.

Contudo, no h bela sem seno e o grande problema, o grande desafio das bibliotecas digitais reside precisamente numa srie de questes relacionadas com o Direito de Autor, designadamente: como manter as excepes ao Direito de Autor (utilizaes livres = fair use) de modo a permitir que as bibliotecas participem na livre circulao de conhecimentos no universo digital? Como evitar que os novos direitos e tcnicas de propriedade a ele associadas venham a reduzir a capacidade de acedermos ao conhecimento? Como manter no seio dos bens comuns os documentos do domnio pblico que vo ser digitalizados?CONSTRUO

Library tm um estatuto de Direito de Autor incerto [5].LIMITES E CONTRADIES

Quando se fala em bibliotecas digitais referimo-nos tanto converso de documentos primrios analgicos para documentos digitais (digitalizao), como tambm aos documentos que a biblioteca adquire, que j nasceram digitais e aos documentos hbridos que podem ser de ambos os tipos. Em termos de cpia h uma semelhana bvia entre a cpia digital e a cpia analgica. A diferena que a cpia digital imediatamente difundida para o universo (pode ser acedida em simultneo e numa fraco de segundo por toda a populao do planeta) ao passo que o mesmo no sucede com a cpia analgica. Assim, compreensvel que os detentores de direitos sobre a obra protegida, queiram manter a obra... protegida, travando a cpia digital atravs de medidas de proteco tcnica (technical protection measures TPM). O problema para as bibliotecas, habituadas a uma srie de excepes que lhes permitiam copiar parcialmente (ou mesmo totalmente se for para fins puramente de preservao), emprestar e comunicar ao pblico as obras tradicionais em formato analgico, no podem agora fazer o mesmo em relao aos materiais digitais ou a digitalizar. No existe um elenco de excepes para a utilizao livre (fair use) de contedos da Internet pelas bibliotecas, como existe para os livros e jornais, que podem ser emprestados (first sale doctrine), parcialmente ou totalmente copiados (fair use). As restries utilizao dos materiais digitais vo, assim, mais alm do que as limitaes normais do Direito de Autor (que comportam as excepes referidas), o que constitui uma grande barreira para a construo e dinamizao das bibliotecas digitais. Isto leva a que muitas bibliotecas embora desejando digitalizar a sua coleco, muitas vezes no o faam porque tm receio de estar a incorrer em alguma espcie de ilicitude. O receio de digitalizar algo proibido, ou de simplesmente no poder disponibilizar o contedo digital a ningum. Isto porque no existem praticamente excepes de utilizao livre para a digitalizao (reproduo) de obras protegidas. Ou porque, muitas vezes, no conseguimos sequer determinar se aquela obra est ou no no domnio pblico, pois nem sempre simples sab-lo. Muitas vezes necessrio determinar quem so os vrios titulares de direitos numa obra, se esto vivos, se j morreram, quem so os sucessores, se morreram h mais de 70 anos, se as obras esto fixas ou foram executadas h mais de 50 anos, etc. Na verdade 60% dos materiais existentes em bibliotecas como a British

A situao actual da propriedade intelectual no ambiente digital paradoxalmente m para todos: autores, editores, bibliotecas e utilizadores/consumidores. Os titulares de direitos acreditam que a Internet demasiado vulnervel, pois uma vez disponvel o contedo, a cpia e difuso ilcita da mesma extremamente fcil. As bibliotecas esto insatisfeitas porque no sabem como podem satisfazer as necessidades dos seus utilizadores e preservar a herana cultural sem violar a lei. Os utilizadores (incluindo as bibliotecas) esto apreensivos porque podem copiar involuntariamente contedos protegidos e o seu acesso pode ser altamente controlado e vigiado. A infra-estrutura da informao oferece em simultneo uma oportunidade e uma ameaa. A oportunidade de um extraordinrio acesso a uma quantidade infinita de informao e a ameaa da informao ser reproduzida ou utilizada de forma ilcita e do seu acesso ser facilmente controlado e vigiado. A Internet e a WEB emergiram de comunidades que acreditavam religiosamente na partilha de informao e no na sua restrio. Este conceito, esta filosofia da net levou percepo de que tudo o que l existe livre e pode ser redistribudo da mesma forma. Contudo a Propriedade Intelectual e o Direito de Autor (que j por c andavam antes da Internet) vieram estragar a festa do livre acesso. Na verdade o Direito de Autor forneceu aos autores e editores o retorno econmico e a proteco legal para os artefactos fsicos publicados. O fair use (utilizao livre) por seu turno, permitiu s bibliotecas e aos utilizadores a faculdade de fazer cpias parciais das obras protegidas (livros, jornais, etc.). A doutrina first sale facultou o emprstimo dos documentos fsicos que a biblioteca adquiriu. Quando a biblioteca adquire uma cpia, um exemplar de uma obra protegida, esta doutrina first sale confere biblioteca o direito de distribuir a cpia, sem autorizao do titular do Direito de Autor (em Portugal o emprstimo ou comodato de materiais fsicos est consagrado no Decreto-Lei 332/97 de 27 de Novembro). Assim, no mundo impresso, as bibliotecas podem emprestar obras protegidas aos clientes, podem reproduzir parcialmente essas obras (se a reproduo estiver enquadrada no mbito da utilizao livre). Estas noes, que constituem a essncia ou o core business das bibliotecas, desgraadamente no se aplicam no universo digital [6]. Os defensores e os detentores do copyright temem que as bibliotecas num universo digital acabem por reduzir as compras de obras protegidas, uma vez que podem facilmente fazer cpias e distribu-las elecronicamente. No limite bastaria uma biblioteca comprar um exemplar da obra protegida em formato digital e poderia de imediato distribu-la pelas restantes bibliotecas e leitores que assim no necessitariam mais de comprar.A CORRIDA DIGITALIZAO

Apesar de todas as barreiras e limitaes impostas pelo Direito de Autor s bibliotecas digitais temos assistido

ultimamente (e paradoxalmente) a uma espcie de gloriosa corrida digitalizao. Na verdade o acesso cultura do passado atravs da digitalizao no parece ser apenas uma questo de acesso histria, aos arquivos e cultura dos pases, mas tambm uma questo geo poltica ou geo estratgica. O programa Gallica da Bibliothque Nationale de France (BNF) prope a digitalizao de mais de 90.000 mil volumes impressos em modo de imagem, 1.200 volumes impressos em modo de texto, 80.000 imagens fixas e dezenas de horas de gravaes sonoras. Na dcada de noventa, aproveitando a construo de um novo edifcio, foi executado um projecto ambicioso de digitalizao. O seu contedo temtico era o mais diverso e pretendia abarcar todas as reas do saber. O objectivo era poder disponibilizar, na sua sala de leitura, obras de referncia que iriam substituir o documento original, de difcil acesso. Desta seleco chegou-se concluso que, mesmo tratando-se de obras do sculo XIX, 20% ainda se encontravam protegidas pelo Direito de Autor [7]. Em 1997, quando a Internet estava em plena implantao, foram contactados os editores de forma a determinar que meios de difuso estariam dispostos a aceitar para a divulgao das obras por si editadas. Foram efectuados contratos com editoras que permitiram a disponibilizao, em terminais na sala de leitura, de 4.000 obras protegidas. A autorizao tinha um prazo de 10 anos e por ela a BNF pagou cerca de 60.000 euros. Quanto possibilidade das obras estarem acessveis na Internet atravs do site, os editores no concederam nenhuma autorizao, alegando que sendo o acesso livre e gratuito, esse facto iria prejudicar o mercado e as vendas. Actualmente o site Gallica disponibiliza na sua totalidade obras no domnio pblico. A par deste projecto esto ainda em curso outros, dos quais destacamos: o projecto Google Print, que anunciou pretender efectuar a digitalizao de 15 milhes de ttulos, de forma a coloc-las na Internet. O programa Google Print anunciou, com grandes aparato meditico, em Dezembro de 2004, que iria digitalizar centenas de milhares de obras de cinco bibliotecas norte americanas. Este anncio fez correr rios de tinta, especialmente em Frana, onde o presidente da BNF aproveitou a ocasio para ampliar o Gallica de forma a fazer do programa uma empreitada para a Europa. Em 2005 uma srie de autores e editores processaram o Google pela digitalizao indevida de obras protegidas por copyright. Argumentaram, tambm, que o servio que o Google estava a prestar teria por efeito suscitar uma queda nas compras de materiais impressos por parte dos consumidores, tal como sucedeu com o Napster no ano 2000, que provocou uma crise sem precedentes na indstria musical que at hoje no foi superada. Depois destes incidentes de percurso o Google passou a ter mais ateno ao cuidadoso respeito pelos direitos de autor, estabeleceu parcerias estratgicas com diversas bibliotecas nacionais e outras com um patrimnio relevante mantendo como objectivo do projecto ajudar as pessoas a encontrarem livros

importantes, especialmente os livros que no tm outra forma de os encontrar, nomeadamente por estarem esgotados, atravs de um sistema de pesquisa no catlogo virtual simples e acessvel [8]. A corrida digitalizao do patrimnio tambm uma competio cultural que pode apenas ser vencida pelos pases mais ricos e pelas empresas com maior poder financeiro. Por um lado s os pases mais desenvolvidos podem disponibilizar recursos para este tipo de projectos (veja-se a ttulo de exemplo o caso do Iraque que apesar de possuir os primeiros textos escritos da humanidade, no pode sem auxlio externo financiar a digitalizao do seu patrimnio). Em termos culturais este fenmeno pode criar um fluxo cultural e do conhecimento num s sentido. No sentido imposto pelos pases desenvolvidos. A sua viso muito especfica da cultura e da cincia ser a nica viso. A contrabalanar esta tendncia a UNESCO pretende lanar a Biblioteca Digital Mundial, outro projecto que destacamos e que pretende aumentar os contedos digitais lingusticos e culturais do mundo inteiro, com especial incidncia para os pases no ocidentais [9]. Curioso o facto deste projecto estar associado a um novo enquadramento jurdico do Direito de Autor, a concesso de Licenas Creative Commons, uma nova filosofia que pretende combinar a justa difuso da cultura e da informao com a no menos justa remunerao dos autores pelo seu trabalho e que confere aos autores a possibilidade de escolherem (a la carte) uma tipologia especfica de direitos exclusivos, numa escala que comea no Livre Acesso tout court e que vai degrau a degrau at proteco mxima que a conferida pelo Direito de Autor. Questo diversa o estatuto jurdico pouco claro das obras digitalizadas. Na verdade esta questo pode criar uma nova barreira entre o cidado e o acesso ao conhecimento, que resulta de uma nova apropriao do domnio pblico, vedando o seu acesso a quem no satisfizer as exigncias do novo proprietrio. Um exemplo elucidativo o Cdigo de Leicester de Leonardo da Vinci. Foi comprado por Bill Gates e encontra-se num cofre de um banco. A sua nica verso digital tem o copyright ou direito exclusivo da digitalizao atribudo a uma empresa denominada Corbais. Assim, se no tomarmos as devidas precaues a digitalizao pode (perversamente) tornarse numa nova apropriao ou privatizao do patrimnio que j tinha cado no domnio pblico.PAY-PER-DOCUMENT OU PAPER DOCUMENT : QUE FUTURO?

pouco provvel que o pay-per-document (ou pay-per -use) seja a norma para as transmisses digitais no futuro. Pelo menos da maneira que os autores e editores desejariam. Tirando os produtos de marketing bem anunciados o pay-per-document pode no ser a melhor soluo, para remunerar os titulares de direitos e aqueles que investiram para produzir e divulgar a obra

[4]. A venda tradicional de cpias autorizadas (livros, CDs, DVDs, etc.) a particulares e a bibliotecas continua a trazer s editoras e aos autores uma quantia substancial de lucros. Estes lucros (inteiramente legtimos) podem explicar porque razo no existam muitas entidades interessadas em investir no desenvolvimento e implementao do e-book, pois no novidade para ningum que o pblico est pouco interessado em pagar produtos que se encontram na internet, sabendo que h sempre uma forma (lcita ou ilcita) de o obter livremente. Outra questo, ligada gesto de materiais digitais nas bibliotecas em sede de copyright a das assinaturas de revistas e bases de dados com full text, que a maioria das bibliotecas no tem meios para contratar ou negociar as respectivas licenas, a menos que pertenam a (ou constituam com parceiros) alguma espcie de consrcio. Assim, muitas vezes estas bibliotecas tm de se limitar a adquirir verses impressas para ocupar as estantes. a opo pelo tradicional paper document em detrimento do inovador electronic document, que para alm de ser mais acessvel em termos financeiros, tm ainda a vantagem de poder circular livremente (ao contrrio do edocument) e os exemplares adquiridos no correm o risco de ser retirados da coleco se a biblioteca no efectuar a assinatura nos anos seguintes (como acontece com as assinaturas de revistas e bases de dados de texto integral). Contudo, tambm os preos das assinaturas de verses impressas tm aumentado constantemente ao contrrio dos oramentos das bibliotecas que tm decado nos ltimos anos. As bases de dados com acesso ao full text EBSCO, Proquest e Lexis Nexis tm, no entanto, mantido uma grande popularidade nas bibliotecas norte americanas [10]. Na linha da frente da defesa do acesso livre, as bibliotecas devem intervir no sentido de propr alternativas ao mercado, alternativas que permitam que os autores e editores no deixem de receber a justa compensao pelo seu esforo e investimento. Como o nus da prova deve caber queles que pretendem mudar a lei, as bibliotecas devem pois saber demonstrar aos autores e editores que o acesso livre aos contedos pode ser, em certos casos, benfico (incluindo em termos financeiros a mdio prazo) para os autores e editores [4].CONCLUSES

por um lado temos instituies cuja misso disponibilizar informao, do outro lado esto aqueles que a produzem e que, do seu ponto de vista pretendem receber algum tipo de contrapartida por essa disponibilizao, quando a mesma feita de forma gratuita. Estamos nesta altura perante um paradigma com uma soluo difcil de equilibrar e resolver. No deixa de ser paradoxal, e talvez bizarro que, quando a evoluo tecnolgica, cientfica e cultural da humanidade permite produzir cada vez mais informao, de vrios tipos que pode ser disponibilizada de inmeras formas, os que a procuram, experimentam cada mais dificuldades e limitaes ao seu acesso. Est instalada uma luta de interesses protagonizada pelos vrios protagonistas onde as presses so muito fortes. As propostas apresentadas tem sido pouco pacficas e nada consensuais. O que se verifica a criao de legislao que tenta encontrar um equilbrio defendendo os interesses dos autores e, em simultneo os pontos de vista de utilizadores e servios de documentao, caso das licenas Creative Communs e das Directivas Europeias. Questo antiga como o comodato foi, mais ou menos, pacificamente resolvida, mas o que se relaciona com as fotocpias ainda motivo e grandes discusses. Curioso que ainda sem estar esta matria convenientemente decidida j exista outro campo de discusso e batalha, com o surgimento da Internet e da sua aplicao s bibliotecas. Todas as questes levantadas pelo surgimento das bibliotecas digitais no tm ainda respostas.

NOTAS

1. PABLO VIDES, F. Derecho de autor y nuevas tecnologas: un especial enfoque referido a las bibliotecas digitales. [Em linha]. (2003). [Consult. a 28 Dez. 2006]. Disponvel em WWW: . 2. GAME, V. Derecho de Autor y bibliotecas: historia de una larga amistad. [Em linha]. (2005). [Consult. 21 Dez. 2006]. Disponvel em WWW: . 3. RODRIGUES, E., [et al] RepositoriUM: criao e desenvolvimento do Repositrio Institucional da Universidade do Minho. 8 Congresso Nacional de Bibliotecrios, Arquivistas e Documentalistas [Em linha]. (2004) [Consult. 2 Jan. 2007]. Disponvel em WWW: . 4. SAMUELSON, P. Copyright and digital libraries. Communications of the ACM. 38:44 (1995). 5. WHOSE RIGHTS NEEDS MOST PROTECTION. Information World Review [Em linha]. (2006) [Consult. 28 Dez. 2006]. Disponvel em WWW: .

Constata-se, inegavelmente, que s Direitos de Autor e as bibliotecas, qualquer que seja o suporte no qual detenham a documentao, tm uma relao bastante antiga. Essa relao foi-se tornando cada vez mais difcil de gerir e articular de acordo com a evoluo tecnolgica dos suportes informativos. medida em que a quantidade de produo de informao foi aumentando e as necessidades de aceder a essa mesma informao, por parte dos utilizadores, acompanhou esse processo estabeleceu-se uma relao cada vez mais precria e conflituosa. Os interesses e as funes de cada uma das partes tiveram tendncia a extremar-se. Se

6. McCRAY, A.T.; GALLAGHER, M.E. Principles for digital library development. Communications of the ACM [Em linha]. 44:5 (2001). [Consult. 28 Dez. 2006]. Disponvel em WWW: . 7. LE CROSNIER, H. Bibliotecas digitales. (2006) [Em linha]. Disponvel em WWW: . 8. GOOGLE LIBRARY PROJECT: AN ENHANCED CARD CATALOG OF THE WORLDS BOOKS. [Em linha]. [Consult. 3 de Jan. 2007]. Disponvel em WWW: . 9. CUNHA, M. Biblioteca Digital Mundial. [Blogue] A informao. [Em linha]. (2006) [Consult. 2 Jan. 2007]. Disponvel em WWW: . 10. RUBIN, R. Foundations of library and information sciences. New York: Neal-Schuman, 2004