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Londrina 2008 A A A V V V A A A L L L I I I A A A Ç Ç Ç Ã Ã Ã O O O : : : P P P E E E R R R S S S P P P E E E C C C T T T I I I V V V A A A E E M MA A N N C C I I P P A A D D O O R R A A O O U U C C O O N N S S E E R R V V A A D D O O R R A A ? ?

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Londrina 2008

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EEEMMMAAANNNCCCIIIPPPAAADDDOOORRRAAA OOOUUU CCCOOONNNSSSEEERRRVVVAAADDDOOORRRAAA???

Governo do Estado do Paraná

Secretaria de Estado da Educação do Paraná

Universidade Estadual de Londrina

Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE

Yara Célia Fajardo de Andrade Autora e Organizadora (Área: Pedagogia) Claudia Aparecida de Brito Ilustradora Marleide Rodrigues S. Perrude

Orientadora

AAAuuutttooorrriiiaaa eee OOOrrriiieeennntttaaaçççãããooo

OOOrrrgggaaannniiizzzaaaçççãããooo

APRESENTAÇÃO................................................................................................3 INTRODUÇÃO......................................................................................................4 TEXTO 1 - O TRABALHO E A EDUCAÇÃO COMO CARACTERÍSTICAS

HUMANAS.........................................................................................5 TEXTO 2 - UMA REVOLUÇÃO NA VIDA DO HOMEM .......................................8 TEXTO 3 - A IDEOLOGIA DA CLASSE DOMINANTE: O LIBERALISMO..........14 TEXTO 4 - OS CONTEXTOS PEDAGÓGICOS LIBERAIS E A AVALIAÇÃO

EDUCACIONAL.................................................................................16 TEXTO 5 - EM BUSCA DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA EMANCIPADORA 20 TEXTO 6 - O CONSELHO DE CLASSE: ESPAÇO DEMOCRÁTICO DE

AVALIAÇÃO ......................................................................................25 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................28 REFERÊNCIAS ....................................................................................................29

SSSuuummmááárrriiiooo

3

O presente trabalho é o resultado de uma importante

etapa do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – proposta

de formação continuada inovadora, da qual participei como professora-

pedagoga da Rede Pública do Estado do Paraná. Este retorno aos

estudos acadêmicos me proporcionou o aperfeiçoamento dos

fundamentos teórico-práticos necessários à organização do trabalho

pedagógico.

Nesse sentido, ao retomar as questões de avaliação

escolar, este trabalho se propõe a desencadear um processo de

reflexão, de estudo sobre concepções de avaliação, destacando os

interesses que fundamentaram as práticas autoritárias de avaliação

que ainda permeiam o ambiente escolar, desvelando as contradições e

equívocos teóricos dessa prática. Dessa forma, defende a necessidade

do exercício de uma avaliação compatível com uma educação

democrática, uma avaliação em benefício da educação, pois a sua

finalidade deve estar voltada à melhoria da realidade educacional.

Yara Célia Fajardo de Andrade

AAAppprrreeessseeennntttaaaçççãããooo

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IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

No Brasil, a seletividade é ilustrada pelas taxas de repetência dos estudantes que são bastante elevadas (em torno de 13%)1, assim como pela proporção de adolescentes que abandonam a escola antes mesmo de concluir a educação básica. A publicação dos resultados da Avaliação da Educação Básica (Saeb) dos alunos de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), apontam graves problemas de eficiência do sistema educacional brasileiro. Pode-se também observar pelos levantamentos feitos pelas escolas, no seu Projeto Político Pedagógico, um alto índice de reprovação ou aprovação por Conselho de Classe, o que evidencia que muitos alunos não conseguiram aprender e ter sucesso na escola2. No cotidiano escolar, estes resultados não costumam ser analisados criticamente pelos professores. Um dos maiores obstáculos é a tradição avaliativa já existente que considera natural a lógica classificatória e seletiva e os índices de reprovações e evasão escolar. Discutir avaliação também mexe com emoções, causa tensões, pois envolve uma série de questionamentos, crenças, valores e concepções individuais e coletivas que marcam a trajetória dos professores. Alguns, ao fazerem esta análise crítica, percebem que a avaliação não é um problema que está fora deles, pois ao mesmo tempo em que avaliam também são avaliados, que os resultados também refletem sua prática, procurando assim avançar numa nova concepção e prática de avaliação da aprendizagem. Diante da realidade apresentada, acreditamos que além de proporcionar a garantia de acesso ao sistema educacional, faz-se necessário também

1 Fonte: MEC/INEP, Censo Escolar 2006. 2A análise de Projetos Políticos Pedagógicos das escolas fazia parte das atividades de assessoramento pedagógico que realizei como integrante da equipe pedagógica do Núcleo Regional de Educação de Londrina – PR.

viabilizar a permanência das crianças, jovens e adultos na escola e criar condições de aprendizagem para que possam exercer a cidadania. Com este objetivo, este trabalho constitui um conjunto de discussões que envolvem a avaliação no espaço escolar com o intuito de oferecer subsídios teóricos e metodológicos para sua reflexão. Ou seja, refletir sobre as práticas da avaliação, sobre os interesses que dão sustentação a estas práticas, sobre a sua real função no processo ensino-aprendizagem e de que forma seria possível a construção de um processo avaliativo que contribua para a democratização do saber. Neste sentido, procuramos explicitar a prática da avaliação sob duas perspectivas: como uma ação conservadora (regulatória, autoritária) e como uma ação emancipatória (democrática). A ação conservadora ou autoritária significa compreendermos a educação, de acordo com Althusser; Bourdieu e Passeron “como mecanismo de conservação e reprodução da sociedade.” (apud LUCKESI, 2006, p. 28). Nesta perspectiva, através de práticas seletivas que contribuem para a manutenção das desigualdades e utilizadas para esta conservação e reprodução, a avaliação, segundo Dalben (1992) seria um instrumento disciplinador e autoritário, tanto no que diz respeito ao processo cognitivo, na relação ensino-aprendizagem, como também das condutas sociais. A ação emancipatória ou democrática significa propormos uma mudança na concepção da avaliação educacional entendendo-a como uma prática pedagógica comprometida com a aprendizagem e como um fator de combate à seletividade, discriminação, exclusão e desqualificação do ensino evidenciado na escola. Para isto, segundo Luckesi (2006, p. 28) “[...] temos de, opostamente, colocar a avaliação escolar a serviço de uma pedagogia que entenda e esteja preocupada com a educação como mecanismo de transformação social”. É necessário também termos clareza do porque se avalia e da relação entre avaliação e ensino/aprendizagem, pois “Avalia-se porque é preciso ensinar e não

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porque se ensinou” (BARCELLOS apud PARANÁ, 1993, p. 45). A discussão em torno de uma nova forma de se avaliar na escola abrange questões teóricas e históricas da prática educativa. Questões que refletem aspectos da sociedade em que se organiza a escola. Entre estes aspectos, e de acordo com Severino (1992), destacamos as relações de produção, as relações sociais e as simbolizações subjetivas, relações que se apresentam particularmente alienadoras. Sendo assim, consideramos necessário enfocar nos textos a seguir, alguns destes aspectos que têm influenciado as práticas pedagógicas, e em especial a avaliação educacional, pois o fenômeno educativo não pode ser entendido de forma fragmentada, mas sim enquanto prática social e atividade humana histórica, construída no conjunto das relações sociais. Propomos o estudo das concepções pedagógicas a fim de que o professor compreenda que a sua prática educacional e em especial, a avaliação da aprendizagem, exercida consciente ou inconscientemente, tem a ver com pressupostos teóricos implícitos. Isto se faz necessário, pois se percebe que em termos gerais, a concepção dos professores em suas práticas de avaliação da aprendizagem evidencia uma prática baseada no senso comum, e de acordo com Luckesi (2006, p. 28) [...] “como se ela não estivesse a serviço de um modelo teórico de sociedade e de educação, como se ela fosse uma atividade neutra”. Consideramos fundamental dedicar um espaço neste trabalho ao estudo do Conselho de Classe a fim de que este seja um verdadeiro espaço coletivo de reflexão e de avaliação na busca de garantir a aprendizagem do aluno e a qualidade do ensino. A nossa intenção ao reunir estes textos neste trabalho é caracterizá-lo como um material didático sobre a avaliação da aprendizagem a ser discutido coletivamente na escola. O trabalho, certamente

não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas sim ampliar o debate em torno da avaliação da aprendizagem, com a possibilidade de ser gerador de novas atitudes e práticas capazes de contribuir para a aprendizagem dos alunos.

OO TTRRAABBAALLHHOO EE AA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO CCOOMMOO CCAARRAACCTTEERRÍÍSSTTIICCAASS HHUUMMAANNAASS

Pode-se afirmar que o trabalho foi, é e continuará sendo o princípio educativo do sistema de ensino em seu conjunto. Determinou o seu surgimento sobre a base da escola primária, o seu desenvolvimento e diversificação e tende a determinar, no contexto das tecnologias avançadas, a sua unificação. (SAVIANI, 1996, p. 165).

Sendo a história da humanidade marcada pela relação estabelecida entre a forma como o homem produz sua existência (trabalho) e os conhecimentos que são produzidos neste processo e repassados às gerações (educação), o presente capítulo centrará suas análises nestes elementos do processo de humanização. Para que este processo seja efetivado é necessário que o homem sinta necessidades, planeje e avalie as suas ações, num processo contínuo de ação-reflexão-ação.

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O agir com base na reflexão é inerente à condição humana. Refletir é também avaliar e avaliar é também planejar, estabelecer objetivos. A avaliação constitui um processo intencional e que se aplica a qualquer prática, seja ela social, educacional, política ou outra. Hoffmann (2000, p. 16) considera que “a avaliação é essencial à educação. Inerente e indissociável enquanto concebida como problematização, questionamento, reflexão sobre a ação”. Na sua relação com o mundo, o homem age sobre a natureza, criando pela ação consciente do trabalho as condições materiais de sua existência. Cria um mundo humano, o mundo da cultura. Pensa sobre sua ação, reflete e age novamente. Todo este processo de ação-reflexão-ação é realizado para produção de elementos necessários à vida biológica dos seres humanos. “Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua vida cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva.” (FRIGOTTO, 2006, p. 247). Para Dalben (1992, p.130) “é um processo em que conhecimentos são produzidos continuamente, determinados pelo tipo de interação que se estabelece diante das condições objetivas e subjetivas de produção.” O trabalho é uma ação intencional cuja finalidade é antecipada mentalmente pelo homem, tanto para garantir sua subsistência material, como para produzir bens materiais. Este processo é chamado por Saviani, (2005, p. 12) de “trabalho material”. No entanto, segundo o mesmo autor, ao produzir bens materiais o homem também produz conhecimentos, idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades que são outra categoria de produção humana denominada “trabalho não material” ou conhecimento, produção do saber. A educação situa-se nesta categoria de trabalho não-material e é um fenômeno

próprio dos seres humanos, intrínseco à condição da espécie para que cada novo membro do grupo seja inserido no fluxo de sua cultura e possa além de reproduzi-la, recuperá-la. Este processo de inserção de novos membros no contexto sociocultural, de início foi-se dando de maneira informal, num processo de imitação dos adultos pelos indivíduos jovens, nos mais diferentes contextos grupais da existência humana. As necessidades de produção da vida material ampliam-se a outros homens, contribuindo para a criação de relações sociais e organizações técnicas que determinam e caracterizam os modos de produção. “Escravismo, feudalismo, e capitalismo são formas sociais onde são tecidas as relações que dominam o processo de trabalho [...] O processo é compreendido, portanto, pela forma como os homens produzem os meios materiais, a riqueza”. (OLIVEIRA, 2003, p. 6). Verifica-se que o trabalho inicialmente se desenvolveu nesta concepção de modo de produção, nas sociedades primitivas, como uma forma de subsistência através da caça, pesca e uma forma rudimentar de

agricultura. Depois nas sociedades gregas e romanas, passou por um período escravagista, por um trabalho servil

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durante o feudalismo, na Idade Média e a partir da Revolução Industrial assume sua condição de trabalho assalariado. Na antiguidade, tanto grega como romana, na medida em que o homem se fixa na terra, que então era considerada o principal meio de produção, surge a propriedade privada. A propriedade privada da terra divide os homens em classes: a classe dos proprietários e a classe dos não proprietários. A partir daí a história da humanidade é marcada pela forma de organização social com segmento dominante e segmento dominado. Segundo Saviani (1996), surge uma classe que não precisa trabalhar para viver, ou seja, ociosa, pois vive do trabalho alheio. Surge também um tipo específico de educação para a classe ociosa, a classe dominante ou dos proprietários, onde o conhecimento significativo era transmitido e assimilado como um bem pertencente a este segmento dominante. Por outro lado, os não proprietários que trabalham a terra têm a tarefa de manter a si próprios e aos senhores e a educação da maioria era o próprio trabalho. Se nos primórdios da humanidade a educação coincidia inteiramente com o processo de trabalho, a partir da divisão de classes e o surgimento de uma classe dominante e uma dominada, surge uma educação diferenciada e o saber torna-se privilégio. Desse modo, e ao longo da História,

quanto mais complexos se tornaram os agrupamentos sociais, mais desenvolveram práticas formais de educação, até assumir um caráter principal e dominante de educação. Na Idade Média, grande parte da população medieval era analfabeta e não tinha acesso aos livros, continuando a se educar pelo trabalho. A Idade Média ofereceu os jovens da nobreza uma educação militar e cortesã, educação à qual, desde cedo, a Igreja procurou também imprimir uma orientação religiosa e doutrinal. Assim como na Antiguidade, o meio dominante de produção era a terra e a agricultura persiste como forma econômica. Entretanto, o trabalho escravo é substituído pelo trabalho servil. As cidades continuavam subordinadas ao campo, mas a produção de instrumentos e artesanatos pelos burgueses ou habitantes das cidades, possibilitaram o crescimento de uma atividade mercantil nas cidades que deu origem ao capital, e este ao ser investido na produção, deu origem à indústria. Assim, houve o deslocamento do processo produtivo do campo para a cidade, da agricultura para a indústria, constituindo-se em um novo modo de produção que é o capitalista, ou modo de produção moderno. De acordo com Saviani (1996), o trabalhador ao perder o vínculo com a terra, é despojado de todos os seus meios de existência. Como proprietário apenas da força de trabalho, vende esta força de

trabalho mediante contrato celebrado com o capitalista. Quando a sociedade capitalista generaliza a escola veremos que esta generalização aparece de forma contraditória e dualista com objetivos diferentes: para a elite uma escola de formação geral e intelectual, enquanto que para os trabalhadores são limitadas à escolaridade básica, com rudimentos do ler e escrever ou são encaminhados a determinadas habilitações profissionais, pois se

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considera que a educação é funcional ao sistema capitalista, enquanto qualificadora de mão-de-obra (força de trabalho). AAttiivviiddaaddeess Atividade I – Estudo de outras fontes. Texto complementar: SAVIANI, D. Sobre a natureza e especificidade da educação. In: ______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 9.ed. Campinas: Autores Associados, 2005. (Coleção Educação Contemporânea). p. 11.

Atividade II – De acordo com os textos diferencie “trabalho material” de “trabalho não material”. A partir desta análise explicite a função da escola ressaltando sua especificidade no interior da prática social global. Atividade III - Vimos no texto, que a escola, no seu início, surgiu para atender a classe dos proprietários, onde o conhecimento significativo era transmitido e assimilado como um bem pertencente a este segmento dominante, excluindo a classe trabalhadora que era educada durante e para o processo de trabalho. Faça uma comparação (semelhanças e diferenças) entre a concepção de educação que vigorava no início do surgimento da escola, em relação à atualidade.

UUMMAA RREEVVOOLLUUÇÇÃÃOO NNAA VVIIDDAA DDOO HHOOMMEEMM A CONSOLIDAÇÃO DO CAPITALISMO E OS MODOS DE PRODUÇÃO Tendo em vista que a forma como se organiza o trabalho na sociedade tem determinado o conteúdo e a forma da educação, propomos a seguir algumas reflexões que contribuem para explicar as mudanças ocorridas nessa organização, que resultam em mudanças na sociedade, procurando compreender os problemas enfrentados pela educação, e

em especial, a avaliação da aprendizagem, dentro deste contexto. As contradições entre as classes continuam presentes nesta fase do capitalismo marcando a questão educacional e o papel da escola. Os meios de produção assim como o saber que na sociedade moderna é força produtiva, continuam a ser exclusivos da classe dominante, dos capitalistas. Daí que segundo Saviani (1996, p. 161) “a escola entra nesse processo contraditório: ela é reivindicada pelas massas trabalhadoras, mas as camadas dominantes relutam em expandi-la”. Mas com o avanço da sociedade e o desenvolvimento e modernização dos processos de produção houve a necessidade de melhorar a educação dos trabalhadores para que estes pudessem se tornar mais aptos para viver nesta sociedade e se inserir no processo produtivo. Ainda conforme Saviani (1996), como efeito da Revolução Industrial houve a generalização da escola básica nos principais países a fim de que esta promovesse um patamar mínimo de qualificação geral para que os indivíduos, familiarizados com o universo da cultura letrada que é o mesmo da indústria moderna, pudessem se integrar ao processo produtivo em condições de operar as máquinas. O emprego simultâneo de numerosos assalariados no mesmo processo de trabalho, sob o comando de um mesmo proprietário, é o ponto de partida da produção capitalista. A manufatura passa a ser a forma característica do processo de produção capitalista até o advento da Revolução Industrial no séc. XVIII. Com a Revolução Industrial, todos os setores da vida são atingidos e transformados, o trabalho cotidiano, a cultura, a mentalidade. O trabalho humano passa a ser substituído pela máquina, mas segundo Marx (1967), este emprego não visava aliviar o labor cotidiano, mas sim diminuir o preço das mercadorias e produzir mais valia, ou seja, reduzir a parte do dia de trabalho da qual o operário pode dispor para si, a fim de prolongar a outra

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que ele dá gratuitamente ao capitalista. Ainda segundo este autor, o emprego das máquinas em lugar de baratear o produto, ele o encarece na medida de seu próprio valor, ou seja, transmite seu valor ao produto que ele contribui para criar. O modo de produção capitalista e sua lógica valorativa tornam o trabalho desprovido de suas características de humanidade, perdendo grande parte de sua capacidade de criação, através da sua parcelização, desqualificação, e fragmentação entre o planejamento e a execução. O PROCESSO PRODUTIVO INFLUENCIANDO A ESCOLA No capitalismo a produtividade torna-se o elemento central do processo. Neste contexto, o taylorismo surge em fins do século XIX e início do século XX criando uma nova forma de administrar o processo produtivo e tirando do trabalhador uma conduta que serviria aos interesses capitalistas. Taylorismo é o modelo de administração científica desenvolvida por Frederick Taylor com o objetivo de diminuir a autonomia dos trabalhadores no que diz respeito aos saberes que os trabalhadores dominavam para poder produzir, e à capacidade que tinham de definir como o trabalho devia ser executado. A maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado é imposta pela gerência através do controle e fixação de cada fase do processo. Assim, o trabalhador só domina aquela parcela que ele opera no processo de produção coletiva. O conhecimento total do processo é privativo dos grupos dirigentes. Assim é que a distinção entre concepção e execução, torna as relações menos humanas e desqualifica o trabalhador, já que executam apenas um trabalho manual e fragmentado. Cabe aos empregados não discutir as ordens, nem as instruções, apenas a execução incontestável das tarefas e estes têm como forma de satisfação no trabalho, apenas, o incentivo salarial.

Segundo Cattani (2002), Taylor Inseriu a supervisão funcional, estabelecendo que todas as fases de um trabalho devam ser acompanhadas de modo a verificar se as operações estão sendo desenvolvidas em conformidades com as instruções programadas, desenvolveu estudos sobre os tempos e movimentos utilizados na produção, introduziu o controle com o objetivo de que o trabalho seja executado de acordo com uma seqüência e um tempo pré-programados, introduziu o estímulo ao desempenho individual (salários e prêmios por produção) e criou uma estrutura hierarquizada na qual atuam especialistas de controle (engenheiros, contramestres, cronometristas). O Fordismo é um modelo de produção em massa e em série que revolucionou a indústria automobilística na primeira metade do século XX. Henry Ford utilizou à risca os princípios de padronização e simplificação de Frederick Taylor e desenvolveu outras técnicas avançadas para a época. Como modo de organização de produção, foi hegemônico, formou a base de um longo período de expansão entre o final da II Guerra Mundial (1945) e a década de 1970. Uma das principais características do Fordismo foi o aperfeiçoamento da linha de montagem. Os veículos eram montados em esteiras rolantes que movimentavam-se enquanto o operário ficava praticamente parado, fixo no seu posto de trabalho, realizando uma pequena etapa da produção, como se fosse uma extensão ou componente da máquina. Desta forma não era necessária quase nenhuma qualificação dos trabalhadores. O trabalhador tem sua criatividade limitada dentro desta organização rígida, que apresenta uma cisão entre planejamento e execução. O trabalho torna-se repetitivo, parcelado e monótono e se traduz em fragmentos da potencialidade do trabalhador, que passa a ser desqualificado, perdendo sua autonomia no processo de trabalho, e seu saber-fazer é apropriado pela gerência. A grande diferença entre taylorismo e fordismo reside no fato de o primeiro preocupar-se fundamentalmente com o

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aumento da produtividade. Através da gerência científica, investia na produção em massa. Já o segundo atribui igual importância tanto à produção em massa, quanto ao consumo em massa, o que teria de ser garantido através do aumento da renda dos trabalhadores, a fim de incorporá-los ao mercado como consumidores, e incluí-los na sociedade adaptados à necessidade de reprodução do capital. O sucesso do paradigma “taylorista/fordista" foi gradativamente ultrapassando os muros da fábrica e penetrando outros espaços e setores do social. Um dos setores, sem dúvida é a escola.

Pode-se dizer que o advento da indústria moderna e o seu modo de produção foram responsáveis pelo surgimento dos cursos profissionais, organizados no âmbito das empresas ou do sistema de ensino, determinados diretamente pelas necessidades do processo produtivo e destinadas às massas trabalhadoras. Diferentemente, as escolas destinadas à elite, continuam privilegiando a formação intelectual. Para entender melhor como o paradigma taylorista/fordista manifesta-se na escola, Acácia Kuenzer3, aponta várias 3Acácia Kuenzer, Pedagogia do trabalho na acumulação flexível: os processos de “exclusão includente” e “inclusão excludente” como uma nova forma de dualidade estrutural.

modalidades de fragmentação do trabalho pedagógico, escolar e não-escolar: a dualidade estrutural, a partir da qual se definem tipos diferentes de escola, segundo a origem de classe e o papel a elas destinado na divisão social e técnica do trabalho; a fragmentação curricular, que divide o conhecimento em áreas e disciplinas, trabalhadas de forma isolada, que passam a ser tratadas como se fossem autônomas entre si e desvinculadas da prática social concreta, a partir da pretensa divisão da consciência sobre a ação, supondo-se a teoria separada da prática. A expressão desta fragmentação é a grade curricular, que distribui as diferentes disciplinas com suas cargas horárias por séries e turmas de

forma aleatória, supondo que a unidade rompida se recupere como conseqüência “natural” das práticas curriculares, ficando por conta do aluno a reconstituição das relações que se estabelecem entre os diversos conteúdos disciplinares. Ainda segundo a autora, as estratégias taylorizadas de formação de professores, que promovem capacitação parcelarizada, por temas e disciplinas, agrupando os profissionais

por especialidade, de modo a nunca discutir o trabalho pedagógico em sua totalidade, a partir do espaço de sua realização: a escola; o plano de cargos e salários, que prevê a contratação dos profissionais da educação por tarefas, ou jornadas de trabalho, e até mesmo por aulas ministradas, de modo que eles se dividem entre diversos espaços, sem desenvolver sentido de pertinência à escola. Quando se representam, os professores evidenciam identidade com a área ou disciplina de sua formação, e não de professores da escola; a autora destaca ainda a fragmentação do trabalho dos pedagogos, nas distintas especialidades, que foram criadas pelo Parecer 252/69 do

Boletim Técnico do Senac, v. 31, n. 1, jan./abr. 2005.

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Conselho Federal de Educação, praticamente superadas pelas tentativas de unificação nas agências de formação e nas escolas. Esta fragmentação foi reeditada pela Lei 9394/ 96, no art. 64. (KUENZER, 2005) O TOYOTISMO E AS PROPOSTAS DE REUNIFICAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO Embora ainda presentes, o taylorismo e o fordismo e a produção em massa entram em crise e começam gradativamente a serem substituídos pela produção enxuta, ou modelo de produção baseado no Sistema Toyota de Produção, o Toyotismo. O Toyotismo se intensifica na década de 70/80 como modelo de organização do trabalho e da produção alternativo ao taylorismo/fordismo, como conseqüência do processo de globalização, do avanço tecnológico, com a robótica, a microeletrônica e as novas máquinas de automação flexível, inserindo-se nas relações de trabalho e de produção do capital, e em razões de pressões competitivas em nível global. Mas, segundo Alves (2007) não há uma ruptura com a lógica do taylorismo/fordismo. Depois da grande crise instalada a partir da década de 1970, houve necessidade de um novo modo de organização do trabalho adequado à crise estrutural de superprodução e aos seus mercados restritos. Deu-se o nome de reestruturação produtiva ao conjunto de procedimentos que modificou a forma de produção industrial e de neoliberalismo4 à política econômica adotada pelos governos. A acumulação flexível ou toyotismo é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. As trocas de idéias, o trabalho coletivo, agora são aceitos e até estimulados. Mas, prevalece o individualismo que tem a competição como

4 Neoliberalismo: Conjunto de idéias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia. De acordo com esta doutrina, deve haver total liberdade de comércio (livre mercado), pois este princípio garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país.

valor central em muitos aspectos da vida. A produção em série é substituída pela flexibilização da produção que se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Isso significa que as indústrias passam a produzir para nichos, ou segmentos de mercado, e não para a massa padrão de consumidores, o que resulta em uma elevada especialização. Estas mudanças ocorridas no mundo do trabalho trouxeram conseqüências contrárias aos interesses dos trabalhadores, como a diminuição de postos de trabalho na indústria, a expansão de trabalho assalariado no setor de serviço, elevação do trabalho parcial, subcontratado, terceirizado, enfim, um enorme desemprego estrutural5. Isto porque o toyotismo além de necessitar da flexibilização do aparato produtivo, da flexibilidade dos trabalhadores, necessita de direitos flexíveis, de modo a dispor da força de trabalho em função direta das necessidades do mercado consumidor. Firma-se a cultura do empreendedorismo, forjada num processo de mudanças de normas, hábitos e atitudes culturais. Segundo Alves (2007) “a preocupação fundamental do toyotismo é com o controle do elemento subjetivo no processo de produção capitalista”. Ou seja, romper a resistência operária e conseguir o consentimento, a disposição subjetiva dos operários em cooperar com a produção. Ainda para este autor, o toyotismo tende a exigir novas qualificações do trabalho que articulam habilidades cognitivas e habilidades comportamentais. E é neste sentido que podemos compreender a constituição de um complexo ideológico que irá determinar as políticas de formação profissional, com seus conceitos significativos de empregabilidade e competência. Com as exigências dessas qualificações, as políticas educacionais introduzem na

5O desemprego causado pelas novas tecnologias, como a robótica e a informática, recebe o nome de desemprego estrutural. Ele não é resultado de uma crise econômica, e sim das novas formas de organização do trabalho e da produção.

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educação os conceitos de habilidades e competências. Segundo Kuenzer (2005) quanto mais mediados por ciência e tecnologia sejam os processos sociais e produtivos vão exigir do trabalhador a capacidade de articular conhecimentos teóricos, de modo que o domínio da teoria oriente as ações. Ou seja, a politecnia, expressão da unidade entre teoria e prática, trabalho intelectual e instrumental. Para isto a ampliação da escolaridade dos trabalhadores seria uma forma de superar a separação entre trabalho prático e intelectual. A flexibilização curricular também objetiva formar trabalhadores com comportamentos flexíveis, que se adaptem com rapidez e eficiência a situações novas e saibam criar respostas para situações imprevisíveis, com capacidade de desempenhar múltiplas tarefas a partir de uma formação básica e multidisciplinar. Mas, ainda segundo esta autora, percebeu-se que a extensão da escolaridade não necessariamente acompanhada de

formação qualificada, antes atende às estratégias da acumulação flexível, do que à democratização da educação e que a análise de alguns percursos curriculares flexibilizados, tem mostrado antes a banalização da formação teórica através de propostas pedagógicas genéricas e superficiais. Mas de acordo com Kuenzer (2005), apesar do discurso toyotista da recomposição da unidade rompida pela divisão do trabalho no capitalismo, percebe-se no exercício das atividades laborais e de formação dos trabalhadores flexíveis, que o trabalho da maioria está cada vez mais desqualificado, intensificado e precarizado. A recomposição do trabalho

não passa de ampliação de tarefas do trabalhador, sem que isto signifique uma nova qualidade na formação, de modo a possibilitar o domínio intelectual da técnica. Ainda segundo a autora, acentua-se na acumulação flexível, a cisão entre o trabalho intelectual, que compete a um número cada vez menor de trabalhadores – estes sim com formação flexível resultante de prolongada e contínua formação de qualidade – e o trabalho instrumental, cada vez mais esvaziado de conteúdo. Ao se contemplar qualificações parciais, fragmentadas, de caráter eminentemente prático e certificatória que não vêm acompanhadas da apropriação de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos, através da ampliação da escolaridade com qualidade, só reforçam a dualidade estrutural. A avaliação da aprendizagem quando

imerso nesta indústria educacional se restringe à verificação do desenvolvimento do aluno e tem a função de controle de qualidade de toda a produção realizada pela linha de montagem escolar. Tem um caráter mecânico, seletivo e definitivo ou de final de linha e a ênfase é no produto. Recusa como sucata os produtos defeituosos (reprovação) e promove os considerados satisfatórios (aprovação). Luckesi (2006) afirma que a prática educacional brasileira opera na quase totalidade das vezes com verificação e não com avaliação da aprendizagem. Segundo o autor, os professores na aferição do aproveitamento escolar, realizam basicamente três procedimentos

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sucessivos: medida do aproveitamento escolar, transformação da medida em notas e conceitos e utilização dos resultados identificados. Para este autor, quando os professores utilizam os resultados da avaliação fazendo apenas o seu registro no Diário de Classe ou oferecendo uma oportunidade de melhorar a nota ou conceito, caso o aluno tenha obtido uma nota inferior, permitindo que faça uma nova aferição, está praticando verificação e não avaliação. Neste caso, estão preocupados com a melhoria da nota. O foco da ação, portanto não é no sentido da aprendizagem necessária, mas sim da nota. A aferição é utilizada apenas para classificar os alunos em aprovados e reprovados. A dinâmica do ato de verificar encerra-se com a obtenção do dado, não implicando ações novas ou intervenções para a melhoria da qualidade e do nível de aprendizagem dos alunos. Mas quando os professores constatam as dificuldades e desvios de aprendizagem dos alunos, por meio dos resultados das aferições e decidem trabalhar com eles para que de fato aprendam aquilo que deveriam aprender e construam efetivamente os resultados necessários de aprendizagem, estão praticando avaliação, pois polariza sua ação tendo em vista a aprendizagem efetiva do aluno. Neste caso, o professor é comprometido e se interessa pela aprendizagem de todos os alunos. Para estes, “o momento da aferição do aproveitamento escolar não é o ponto definitivo de chegada, mas um momento de parar para observar se a caminhada está ocorrendo com a qualidade que deveria ter”. (LUCKESI, 2006, p. 94) Também para Hoffmann (2000) a concepção de avaliação que marca a trajetória de alunos e educadores é a que define a avaliação como julgamento de valor de resultados alcançados. Nesta concepção há uma dicotomia entre educação e avaliação. “Os educadores percebem a ação de educar e a ação de avaliar como dois momentos distintos e não relacionados” (HOFFMANN, 2000, p. 15).

AAttiivviiddaaddeess Atividade I – Estudo de outras fontes Texto complementar: LIMA, Luciano Castro. Controle de qualidade e avaliação pedagógica: avaliação, metodologia e prática pedagógica. Revista de Educação. AEC, Brasília: v. 24, n. 94. p. 67-86, jan./mar., 1995. Disponível em: http://www4.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/lista.asp?cod=32546& Neste texto, o autor acrescenta vários elementos à discussão que travamos sobre a influência do taylorismo/fordismo na educação, e em especial à avaliação, que dentro deste modelo é compreendida como “controle de qualidade de toda a produção realizada pela linha de montagem escolar”. A visão do autor corresponde à realidade escolar? Comente algumas situações do cotidiano que exemplificam de forma concreta as relações que o autor estabelece entre a educação e os modos de produção. Atividade II - A hegemonia do paradigma taylorista-fordista pode ser percebida à medida que passou a manifestar-se numa espécie de homogeneização, no nível do organograma e das denominações dos cargos e funções da fábrica que influenciaram a hierarquização no âmbito escolar. Comente estas influências, apresentando as características que se assemelham ao modelo organizacional da fábrica. Atividade III- Assista aos filmes: “Tempos Modernos” (Direção: Charles Chaplin. P&B. EUA, 1936, 87 min. Gênero: clássico, comédia) e “Sociedade Fast Food” (Fast Food Nation. Dir. Richard Linklater. EUA, 2006, 114 min. Gênero: drama) Temáticas abordadas: Revolução Industrial, Fordismo, divisão e exploração do trabalho, sociedade e consumo. A partir dos textos e vídeos sugeridos, faça uma análise crítica estabelecendo a relação entre os modelos de produção (taylorista/fordista e toyotista) e as práticas educacionais, comentando que tipo de homem, sociedade e avaliação correspondem a cada modelo, bem como a quais propósitos têm servido.

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AA IIDDEEOOLLOOGGIIAA DDAA CCLLAASSSSEE DDOOMMIINNAANNTTEE:: OO LLIIBBEERRAALLIISSMMOO O século XVII é marcado por uma série de Revoluções Burguesas que criam condições para o desenvolvimento acelerado do capitalismo. Atingem os Estados Unidos e vários países da Europa culminando na França com violência maior e repercutindo em outros países europeus. O perfil ideológico desses movimentos é definido pela Revolução Francesa, dado seu caráter liberal e democrático. O liberalismo, segundo Cunha (1980, p. 27) é uma ideologia, ou seja, um sistema de crenças e convicções que tem por base um conjunto de princípios ou verdades aceitas sem discussão, que formam o corpo de sua doutrina ou o corpo de idéias nas quais ele se fundamenta. Os valores máximos da doutrina liberal são: o individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia. O individualismo considera que o indivíduo possui aptidões e talentos próprios e é de acordo com eles que atingem uma posição social vantajosa ou não, bem como o grau de riqueza ou pobreza que possuem. Logo, o único responsável pelo sucesso ou fracasso social de cada um é o próprio indivíduo já que a autoridade permite a todos o desenvolvimento de suas potencialidades, não limitando nem tolhendo os indivíduos. Cunha, (1980) argumenta que segundo este princípio, a doutrina liberal não só aceita a sociedade de classes, como fornece argumentos que legitimam e sancionam essa sociedade. A liberdade é um princípio da doutrina liberal que lhe empresta o próprio nome. Considera que um indivíduo seja tão livre quanto outro para atingir uma posição vantajosa, em virtude de seus talentos e aptidões. Da liberdade individual decorrem

todas as outras: liberdade econômica, intelectual, religiosa e política. A propriedade é entendida como um direito natural do indivíduo. O liberalismo sustenta que o trabalho e o talento são os instrumentos legítimos de ascensão social e de aquisição de riquezas. A igualdade, outro princípio da doutrina liberal, segundo Cunha (1980) significa igualdade perante a lei, igualdade de direitos entre os homens, igualdade civil. Mas este princípio, também segundo este autor, não significa igualdade de condições materiais ou igualdade social, pois assim como os homens não são tidos como iguais em talentos e capacidades, também não podem ser iguais em riquezas. Por sua vez, como os homens não são individualmente iguais, é impossível querer que sejam socialmente iguais. Desta forma, o princípio da igualdade não elimina as desigualdades sociais entre os homens, principalmente as desigualdades de riqueza. De acordo com Cunha (1980, p. 33) “a doutrina liberal reconhece as desigualdades sociais e o direito que os indivíduos mais talentosos têm de ser materialmente recompensados.” Um dos temas mais fascinantes colocados pela Revolução Francesa (1789) e pelo liberalismo foi a questão da educação popular. Cunha sintetiza uma posição que é mais ou menos comum entre vários teóricos liberais:

O principal ideal liberal de educação é o de que a escola não deve estar a serviço de nenhuma classe, de nenhum privilégio de herança ou dinheiro, de nenhum credo religioso ou político. A instrução não deve estar reservada às elites ou classes superiores, nem ser instrumento aristocrático para servir a quem possui tempo e dinheiro. A educação deve estar a serviço do indivíduo, do “homem total”, liberado e pleno. (CUNHA,1980, p. 34).

O filósofo John Locke (1632-1704) foi um dos expoentes do liberalismo. Entretanto, Locke não era favorável à universalização do ensino apesar de reconhecer que os indivíduos são iguais, sejam ricos ou pobres. A ordem social, para este

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pensador, já se encontra estabelecida, dividindo ricos e pobres quanto à instrução que devem receber para que esta ordem se mantenha.

Deste modo, embora houvesse entre os teóricos liberais alguns que defendessem a educação como um direito a ser garantido pelo Estado a todos, sem distinção alguma, havia também outros que defendiam uma posição elitista ou classista em relação à educação popular. Segundo Cunha, (1980. p. 44) estes representantes da alta burguesia foram coerentes ao separar os tipos de escolas até mesmo os tipos de instrução adequados “a cada classe” e fiéis aos princípios da liberdade-igualdade. Todos têm liberdade para se educar, mas não têm igualdade, as mesmas condições, porque a realidade sócio-econômica das diversas classes dentro da sociedade burguesa não lhes permite uma mesma instrução. Agregou-se a essa ideologia liberal a crença no caráter redentor e equalizador da educação, que, se fosse difundido universalmente, eliminaria os conflitos de classe, promoveria o progresso econômico e social e asseguraria a condição de cidadania a todas as pessoas. (XAVIER, 2005 apud SEVERINO, 2006, p. 300)

Essa concepção para Cunha (1980), desempenha uma importante função ideológica quando os setores da sociedade que passam a vislumbrar na escola o instrumento de superação das condições materiais consideradas injustas, livrando

de crítica a ordem econômica que produz e reproduz essas condições. Ainda mais, faz crer que o sucesso ou o fracasso escolar são produtos únicos das razões de ordem intelectiva, dissimulando os mecanismos de discriminação da ordem econômica que também é reproduzido na própria escola. Nesse sentido, as análises avaliativas segundo Dalben (1992), não levam em conta as diferenças sociais e culturais, tendo em vista um ensino padronizado. Apegam-se à pessoa do indivíduo, considerando a educação um bem particular ou

uma conquista pessoal. Dessa forma, o próprio aluno é o grande responsável pela sua educação. Quando o aluno não consegue enquadra-se no esquema exigido pela escola, é rotulado como incapaz ou preguiçoso “que não estuda” ou “sem base”. AAttiivviiddaaddeess Atividade I – De acordo com o texto a ideologia liberal prega que o talento e a capacidade individual são requisitos para a ascensão social e que todos são iguais em seus direitos. Este “discurso democrático” tem promovido de fato a igualdade social? Como você tem percebido elementos deste discurso no âmbito escolar? (Matrículas, Regimento Escolar, Avaliação, Conselho de Classe, Relacionamento professor-aluno, Atendimento à comunidade, e outras) Atividade II - Saviani (2003) questiona: “....se a democracia supõe condições de igualdade entre os diferentes agentes sociais, como a prática pedagógica pode ser democrática já no ponto de partida? Com efeito, se, como procurei esclarecer, a educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de

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chegada, agir como se as condições de igualdade estivessem instauradas desde o início não significa, então, assumir uma atitude de fato pseudo-democrática?” Procure responder este questionamento tendo em vista as práticas evidenciadas no âmbito escolar.

OOSS CCOONNTTEEXXTTOOSS PPEEDDAAGGÓÓGGIICCOOSS LLIIBBEERRAAIISS EE AA PPRRÁÁTTIICCAA DDAA AAVVAALLIIAAÇÇÃÃOO Propomos neste texto abordar as pedagogias que têm se manifestado concretamente nas práticas escolares de muitos professores, ainda que estes não se dêem conta dessa influência. Esta abordagem se faz necessária, pois os fenômenos educativos se transformam em função da especificidade de cada momento histórico, segundo as formas em que se manifestam as relações sócio-econômicas de produção. Assim, esse enfoque exige pensar o fenômeno da avaliação da aprendizagem como processo de natureza histórico-cultural, ou seja, contextualizado na dinâmica das relações sociais dadas, mostrando sua necessidade histórica. É ainda a contextualização histórica que possibilita a visão de totalidade do fenômeno, permitindo perceber os elementos estruturais do mesmo e compreendê-lo enquanto processo. Luckesi (2006) afirma que as pedagogias que se definiram após a Revolução Francesa estiveram e ainda estão a serviço de um modelo social dominante, identificando este modelo como liberal conservador. São escolas que refletiram a vida da sociedade liberal capitalista, reforçando e aprimorando os mecanismos de manutenção do “status quo”, tendendo à integração ou adaptação dos seus membros. Neste sentido, cabe à educação a função de conformação da sociedade, e o papel de reforçar os laços sociais, evitando sua desagregação. O mesmo ocorre com a avaliação educacional em geral, e em particular a da

aprendizagem, que contextualizadas dentro dessas pedagogias, torna-se um instrumento disciplinador, de controle e enquadramento dos indivíduos nos parâmetros previamente estabelecidos de equilíbrio social. Estas primeiras manifestações de prática pedagógica escolar no Brasil e que compõem a pedagogia liberal foram denominadas de Tradicional ou Conservadora, Escola Nova, e Tecnicista. Saviani (2003) denominou estas tendências pedagógicas de teorias não–críticas, considerando que não leva em conta a contextualização crítica da educação dentro da sociedade. Ainda segundo este autor, os períodos nos quais cada uma das tendências marca a educação são aproximados e não se constituem em fases homogêneas e fixas, mas antes, são períodos nos quais suas características prevaleceram ou ainda prevalecem. A Escola Tradicional, como é chamada, teve um longo período de predomínio da Igreja Católica no qual a evolução do sistema educacional foi pouco significativa, sendo que a finalidade da escola era dar continuidade à finalidade evangelizadora e pastoral da Igreja, como também servir de reforço para a reprodução da ideologia dominante. Mas, a Igreja foi perdendo sua hegemonia em decorrência da lenta expansão do capitalismo, de novos valores e referências ideológicas, entre elas, o liberalismo. A nova ideologia entrou em conflito com a ideologia conservadora do catolicismo. Valoriza-se na Escola Tradicional o enciclopedismo, a cultura universal, a acumulação de conhecimentos, os quais são repassados como verdades absolutas e separados da experiência do aluno e das realidades sociais. Neste modelo o professor é autoritário e inibidor da participação do aluno, caracterizando-se como o controlador do processo, ou seja, aquele que deve ter domínio dos conhecimentos. Age assim, no intuito de manter os valores tradicionais da sociedade, na maioria das vezes sem ter consciência disso, utilizando-se de

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instrumentos de controle, com o objetivo de disciplinar os alunos e manter a obediência sem questionamentos. O ensino apresenta um caráter verbalista e características lineares, pois os conteúdos são dados numa progressão lógica, estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as características próprias de cada idade. A aprendizagem é receptiva e mecânica, valorizando a memorização que se dá freqüentemente pela coação. Oferta-se o mesmo caminho para todos, o que vem privilegiar as camadas mais favorecidas. O aluno é visto como um adulto, e é educado para atingir sua realização pessoal pelo próprio esforço. Neste aspecto podemos perceber a adoção dos princípios do individualismo e da igualdade da ideologia liberal. A avaliação na escola Tradicional privilegia os aspectos cognitivos e quantitativos, com ênfase na memorização de termos, datas, nomes, pessoas, símbolos, lugares,

seqüências, regras, normas, classificação, esquemas, resumos e vocabulários. O aluno deve reproduzir na íntegra, o que foi ensinado. A única pessoa a avaliar, indiscutivelmente, é o professor, o qual se utiliza de verificações de curto prazo (interrogatórios orais, exercícios de casa) e de prazo mais longo (provas escritas e trabalhos de casa). Há uso de reforço negativo (punições, notas baixas, apelo aos pais), para se alcançar resultados positivos. O que avaliar está claramente

definido, os conhecimentos consagrados, os valores perpetuados por determinado tipo de sociedade. Como avaliar parece ser a questão mais clara para todo professor, principalmente para o conservador, que supervaloriza o instrumento formal único. Quando avaliar é o momento em que a “autoridade” do professor atinge o apogeu, ele é todo poderoso, decide sobre a vida escolar do aluno. A avaliação classificatória (e como ato final para aprovar/reprovar) é característica marcante da escola Tradicional, é o porquê se avalia. O desenvolvimento da industrialização no Brasil provocou a implantação e a consolidação de uma pedagogia considerada necessária para desenvolver o homem produtivo: a Pedagogia da Escola Nova. Neste sentido, o modelo de educação tradicional foi considerado alienado e substituído por um conhecimento científico e expresso mediante valores liberais. Esta escola deveria ser pública, laica, obrigatória e

gratuita. Mas a Escola Nova no Brasil, não logrou a mudança da educação brasileira para um patamar de qualidade extensivo a todos os cidadãos, como desejavam os signatários do Manifesto da Educação Nova (1932), mas seus pressupostos foram incorporados por

escolas experimentais ou por escolas bem

equipadas destinadas à elite.

Para Saviani as mudanças na maneira de entender a educação foram:

[...] o eixo da questão pedagógica passou do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o

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não diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender. (2003. p. 9).

Ainda para este autor houve como conseqüência o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão dos conhecimentos, acabando por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares e em contrapartida aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites. Na Escola Nova ou Renovada o aluno é o centro do processo de ensino, participa das experiências de aprendizagem de maneira ativa, aprendendo pela descoberta. O papel do professor é o de criar condições para que os alunos aprendam, deve ser um facilitador da aprendizagem que auxilia o desenvolvimento livre e espontâneo do aluno. Dá-se mais valor aos processos de aquisição do saber do que ao saber propriamente dito. O ambiente é um meio estimulador, que permite ao aluno educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução com o objeto do conhecimento. Desta forma privilegia-se o aprender fazendo, no qual a motivação encontra-se na estimulação do problema e nas disposições internas para aprender. Neste modelo, a escola passa a valorizar a descoberta individual, bem como a construção subjetiva do conhecimento. A avaliação na Escola Nova valoriza a capacidade de tirar conclusões de uma experiência. Apoiada na psicologia, sociologia e antropologia, valoriza os aspectos afetivos (atitudes), os aspectos bio-psico-sociais, preocupação com: participação, interesse, socialização e conduta (assiduidade, responsabilidade, pontualidade, higiene), ênfase às diferenças individuais e da auto-avaliação dos alunos pressupondo a busca de metas pessoais. O processo avaliativo é processual, ocorrendo num ambiente favorável à vivência democrática, no

entanto, permanece a palavra final do professor. A tendência tecnicista surgiu, no Brasil, após 1964, tendo como objetivo adequar a educação às exigências da sociedade industrialmente e tecnologicamente desenvolvida. Durante este período a educação foi direcionada para a adaptação do indivíduo ao trabalho. (Aranha, 1996). Neste sentido, e aliada à concepção taylorista de trabalho marcou profundamente a educação brasileira, atrelando-a definitivamente ao mercado de trabalho, implementando uma vocação dedicada à formação profissional, visando à preparação de mão de obra técnica. A reforma expressa na Lei 5692/71 relativa aos ensinos de 1º e 2º graus, deram nova direção aos respectivos níveis de ensino. A Escola Tecnicista articula-se com o sistema produtivo para o aperfeiçoamento do sistema capitalista. Provê a formação do aluno para o mercado de trabalho, para “aprender a fazer”, de acordo com as exigências da sociedade industrial e tecnológica. A escola valoriza a aprendizagem enquanto modificação de desempenho. O aluno é submetido a um processo de controle de comportamento, a fim de ser levado a atingir objetivos previamente estabelecidos. O ensino é um processo de condicionamento/reforço da resposta que se quer obter. Acontece através da operacionalização dos objetivos e mecanização do processo e é organizado em função de pré-requisitos. A ênfase está na organização racional dos meios, na instrução programada, nos livros didáticos, nas técnicas de micro-ensino, nos recursos audiovisuais, na tecnologia educacional, no planejamento em moldes sistêmicos. O essencial não é o conteúdo da realidade, mas as técnicas (formas) de descoberta e aplicação, com as quais se pretende alcançar a eficiência, a eficácia, a qualidade, a racionalidade, a produtividade. O professor emprega o sistema instrucional previsto fazendo uma ligação entre a verdade científica e o aluno. A avaliação na Escola Tecnicista está diretamente ligada aos objetivos estabelecidos e ocorre no final do processo com a finalidade de verificar se os alunos

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adquiriram os comportamentos desejados. A ênfase está na produtividade do aluno, em seus comportamentos observáveis e mensuráveis. Valoriza-se a memorização de conteúdos técnicos, estanques, separados, divididos (não mais enciclopédicos). Pouca ou nenhuma preocupação com a formação e o espírito crítico. A prática avaliativa é diluída, eclética e pouco fundamentada, com exagerado apego aos livros didáticos, uso de testes objetivos, realização de exercícios programados. Privilegia-se a forma e a apresentação dos trabalhos produzidos. O sistema de instrução leva a desencadear processos de avaliação na entrada (pré-teste) e saída (pós-teste) do sistema, de forma que a primeira tem a finalidade de estabelecer pré-requisitos e a última verificar se o aluno alcançou ou não os objetivos propostos. Segundo Luckesi (2006) a prática de provas e exames escolares que conhecemos tem sua origem nas concepções trazidas pelos jesuítas no século XVI e XVII. Esta prática foi se consolidando ao longo do tempo, sendo herdeira desta época e do momento histórico de consolidação da sociedade burguesa marcada pela exclusão e marginalização de grande parte de seus membros. De acordo com Vasconcellos (2005) a função docente historicamente tem sido associada ao controle, à fiscalização, ao disciplinamento, à medida, à verificação. Assim, muitos professores após transmitir os conteúdos, logo verificam o quanto os alunos assimilaram, indicando claramente através de notas, conceitos ou menções, aqueles que merecem ou não prosseguir nos estudos, seja por “não terem condições” ou por “não saberem aproveitar as iguais oportunidades dadas a todos”. A avaliação seleciona e exclui.

O autor afirma que há um pressuposto (normalmente implícito) no modelo autoritário de educação e avaliação, de que a escola pode não ensinar, ou seja, o professor “dar” aula e o aluno não aprender, seria normal... Faz parte das estratégias deste modelo, a culpabilização da vítima (“os alunos não aprendem por problemas de família, sociais, neurológicos”, etc.). O autor ainda destaca que a lógica classificatória gira em torno de aprovar-reprovar, não tocando na questão fundamental que é a aprendizagem efetiva. A intencionalidade seletiva está enraizada nos sujeitos, mas também nas estruturas. É necessário, portanto, uma reforma na intencionalidade.

AAttiivviiddaaddeess Atividade I – Estudo de outras fontes Texto complementar: LUCKESI, C. C. Avaliação educacional escolar: para além do autoritarismo. In:______. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 18.ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 27-47. Atividade II – Identifique elementos de cada tendência pedagógica explicitadas no texto, presentes em seu contexto escolar e aponte aquela que tem predominado nas práticas escolares.

REPROVADO !

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Atividade III – Você concorda com a afirmação de Luckesi de que a avaliação escolar tem estado a serviço de uma ideologia dominante, a qual produziu três pedagogias diferentes (Tradicional, Escolanovista e Tecnicista), mas que têm um mesmo objetivo: conservar a sociedade na sua configuração? Justifique sua resposta. Atividade IV – O grupo será dividido em grupos menores. Cada grupo deverá trazer antecipadamente instrumentos de avaliação (provas, testes variados). Deverão trocar os instrumentos com outro grupo que deverá analisá-los quanto aos seguintes aspectos: clareza na formulação das questões, diversificação do tipo das questões (completar, múltipla escolha, associar, dissertativas, etc.); se são reflexivos (levam a pensar, estabelecem relações); se têm boa visualização gráfica, cuidado estético; correção gramatical, identificação, cabeçalho, valor da prova e das questões, distribuição do espaço, entre outros requisitos para um bom instrumento de avaliação.

EEMM BBUUSSCCAA DDEE UUMMAA PPRRÁÁTTIICCAA PPEEDDAAGGÓÓGGIICCAA EEMMAANNCCIIPPAADDOORRAA

Uma pedagogia revolucionária centra-se, pois, na igualdade essencial entre os homens. Entende, porém, a igualdade em termos reais e não apenas formais. Busca converter-se, articulando-se com as forças emergentes da sociedade, em instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária. Para isso, a pedagogia revolucionária, longe de secundarizar os conhecimentos descuidando de sua transmissão, considera a difusão de conteúdos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em particular. (SAVIANI, 2003, p. 65)

Em oposição à pedagogia liberal, nasce uma pedagogia progressista, para a qual a escola é condicionada pelos aspectos sociais, históricos, políticos, econômicos e culturais, mas ao mesmo tempo, possibilita

um espaço que aponta à transformação social. Para Saviani, (2005) a educação é determinada pela sociedade, mas essa determinação é relativa e tem uma ação recíproca, o que significa que a educação também interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para a sua própria transformação. A pedagogia progressista se preocupa com as diferentes formas de democratização do saber e é progressista na medida em que se firma na possibilidade de superação das condições reais de vida das camadas oprimidas, a partir da transformação social. Em coerência com esta perspectiva, entende-se que para demonstrar o possível compromisso da avaliação da aprendizagem com uma prática pedagógica transformadora, faz-se necessário admiti-la enquanto processo determinado e determinante de uma pedagogia progressista. Segundo Libâneo (1992), esta pedagogia tem se manifestado em três tendências: a libertadora (mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire), a libertária (que se inspira em propostas autogestionárias e/ou antiautoritárias) e a crítico-social dos conteúdos (ou pedagogia Histórico-crítica, proposta por Dermeval Saviani). Pedagogicamente, a primeira e a segunda versão valorizam mais o processo de ensino do que o conteúdo, o modo de apropriação do conhecimento mais do que a aquisição propriamente dita, enquanto que a terceira valoriza a aquisição dos conteúdos culturais, assimilados criticamente e reelaborados, como instrumento de elevação cultural do povo. Daí que, de acordo com Saviani (2003), e com a pedagogia Histórico-crítica, não se deve ministrar às camadas populares o conteúdo diluído, e aligeirado até o nada. Ao contrário, deve-se priorizar o conteúdo, sem reducionismos qualitativos, com a preocupação de instrumentalizar a classe dominada culturalmente, de modo a poder dominar aquilo que os dominantes dominam: o saber científico historicamente acumulado.

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Para este autor a educação “é uma atividade mediadora no seio da prática social”. Entender a escola como mediação significa compreender o conhecimento como ponte para efetivação de um processo de transformação social. O papel político da escola está vinculado ao seu papel pedagógico. “Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares”. (SAVIANI, 2003, p. 31) Isto posto, percebe-se que a pedagogia histórico-crítica está empenhada na recuperação da função essencial da escola e, portanto, em métodos de ensino e de avaliação eficazes. Neste aspecto, o trabalho docente apresenta-se como um duplo processo: continuidade da experiência trazida pelo aluno e ruptura dessa experiência, elevando o aluno a uma visão elaborada do conhecimento. Em conseqüência, a relação pedagógica tem na prática social o seu ponto de partida e de chegada. Os métodos de ensino pressupõem a vinculação entre sociedade e educação, e consideram professor e aluno como agentes sociais diferenciados, no ponto de partida da atividade de ensino, e identificados no ponto de chegada desta mesma atividade. Assim, os métodos de ensino, são

propostos por Saviani, (2003) na forma de passos como se segue: O primeiro passo seria a prática social que é comum a professores e

alunos. Entretanto,

professores de um lado e alunos de outro,

encontram-se em níveis diferentes de compreensão da

prática social. Enquanto o professor tem a respeito desta prática uma síntese precária, os alunos possuem uma visão sincrética da mesma. Saviani explica:

A compreensão do professor é sintética porque implica uma certa articulação dos conhecimentos e das experiências que detém relativamente à prática social. Tal síntese, porém, é precária uma vez que, por mais articulados que sejam os conhecimentos e as experiências, a inserção de sua própria prática pedagógica como uma dimensão da prática social envolve uma antecipação do que lhe será possível fazer com alunos cujos níveis de compreensão ele não pode conhecer no ponto de partida, senão de forma precária. Por seu lado, a compreensão dos alunos é sincrética uma vez que, por mais conhecimentos e experiências que detenham, sua própria condição de alunos implica uma impossibilidade, no ponto de partida de articulação da experiência pedagógica na prática social de que participam. (SAVIANI, 2003, p. 70).

O segundo passo seria a problematização, Isto é, a identificação dos principais problemas postos pela prática social e a consciência de que conhecimentos é preciso dominar para resolver os problemas detectados. O terceiro passo, o autor denomina de instrumentalização. Consiste na apropriação dos instrumentos teóricos e

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práticos necessários ao equacionamento dos problemas identificados na prática social. Os instrumentos seriam as ferramentas culturais necessárias às camadas populares para que se libertem das condições de exploração em que vivem. O quarto passo, considerado por Saviani o ponto culminante do processo educativo, é a catarse. Trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social. O quinto passo e ponto de chegada é a própria prática social. Consiste na redução da precariedade da síntese inicial do professor e na elevação dos alunos no nível sintético de compreensão da realidade. É neste sentido que Saviani (2003, p. 72) declara:

A educação é uma atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível; uma desigualdade no ponto de partida e uma igualdade no ponto de chegada. (2003, p. 72).

A AVALIAÇÃO NUMA PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA E EMANCIPADORA Conforme foi enunciado, a perspectiva Histórico-crítica privilegia a apropriação-produção do saber como condição indispensável a uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade. Avaliar dentro desta pedagogia implica em ter clareza dos determinantes sociais da educação, da compreensão do grau em que as contradições da sociedade marcam a educação e, conseqüentemente, como é preciso se posicionar diante dessas contradições e perceber claramente qual é a direção que cabe imprimir à questão educacional para que o aluno aproprie-se criticamente de conhecimentos e habilidades necessárias à sua realização como sujeito crítico dentro desta sociedade que se caracteriza pelo modo capitalista de produção. Para tanto o que se coloca como fundamental para redirecionar a prática da avaliação é assumir um posicionamento pedagógico claro e explícito. Mas não

basta entender que é necessária uma nova pedagogia e mudanças nas práticas de avaliação, é fundamental que este entendimento resulte em novas formas de conduta que expressem o resgate da avaliação em sua essência constitutiva.

Nesta perspectiva, a avaliação somente tem função apropriada quando está intimamente vinculada a um projeto social, nunca centrada apenas em sua função absolutamente técnica. A avaliação é um meio e não um fim em si mesmo. É um processo contínuo, diagnóstico, dialético e deve ser tratada como parte integrante das relações de ensino-aprendizagem. A avaliação tem, enquanto técnica, a função de prover informações úteis e necessárias sobre o desenvolvimento da prática pedagógica para a intervenção/reformulação desta prática e dos processos de aprendizagem. O processo avaliativo é parte integrante da práxis pedagógica e deve estar voltado para atender as necessidades dos alunos. O professor encara a avaliação como diagnóstico do desempenho do aluno (função diagnóstica). Intervém para ajudá-lo a ultrapassar suas necessidades, para ganhar autonomia, para ajudá-lo no seu esforço de distinguir a verdade do erro. Assim, o erro serve para direcionar a

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prática pedagógica, assumindo papel diagnóstico e permitindo aos envolvidos no processo, a percepção do conhecimento construído. Por outro lado, o acerto desencadeia no aluno ações que sinalizam possibilidades de superação dos saberes apropriados para novos conhecimentos. Neste sentido, Luckesi (2005, p. 84) afirma:

Para que a avaliação funcione para os alunos como um meio de autocompreensão, importa que tenha também, o caráter de uma avaliação participativa.

Por sua vez, Paro (2001) também afirma que se educação é processo de apropriação da herança histórico-cultural pelo indivíduo, com o fim de construir a própria personalidade deste, é de extrema importância a autoconsciência dos seus progressos e dificuldades, ou seja, a auto-avaliação. A auto-avaliação, na verdade, é que sintetiza o estágio de desenvolvimento da autonomia pelo próprio indivíduo. O desempenho do aluno não pode ser resultado de apenas um dia de prova, mas de outros dias (muitos) em que construiu sua aprendizagem passo a passo, com retrocessos e avanços, característicos do ato de aprender. Nesse sentido, Paro (2001) propõe que a avaliação deve integrar-se o no próprio trabalho que se realiza, de modo a acompanhá-lo em todo o seu desenvolvimento. Quanto maiores forem os intervalos em que se dão as avaliações, maiores são as chances de que algum processo incorreto, ineficiente ou viciado tenha se prolongado no tempo sem que dele se tenha conhecimento para que se possam tomar medidas para saná-lo. Os instrumentos de avaliação devem ter significado para o aluno, que não exijam somente memorização ou conteúdo específico para uma prova, que sejam reflexivos, relacionais e compreensíveis. Estudiosos contemporâneos como Hoffmann, 2000, Luckesi, 2002, Vasconcellos, 2005, apontam a preocupação em superar as práticas avaliativas classificatórias. Demo, 1999, concorda que é necessário superar os

abusos da avaliação de teor repressivo, humilhante e punitivo. Estes e outros estudiosos argumentam em favor de processos avaliativos conectados com o compromisso com a aprendizagem para todos os alunos e a formação da cidadania. Para Hoffmann (2001), os estudos contemporâneos em relação à avaliação da aprendizagem apontam novos rumos teóricos, tendo como diferencial básico o papel interativo do avaliador no processo, influenciando e sofrendo influências do contexto avaliado. O que passa a conferir ao educador um comprometimento com o objeto da avaliação e com a sua própria aprendizagem do processo de avaliar. RECUPERAÇÃO: NOVAS OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM A recuperação, segundo Paro (2001), deve ser pensada como um princípio derivado da própria avaliação. Esta, num processo contínuo e permanente, embutido no próprio exercício de ensinar e aprender diagnosticaria os problemas e dificuldades que a recuperação, também num processo contínuo e permanente, cuidaria de solucionar pelo oferecimento de novos recursos e alternativas de ação que desafiem o aluno a avançar em termos do conhecimento. Para Vasconcellos (2005, p. 81) “todo ser humano é capaz de aprender”. No entanto, muitas vezes o conhecimento no indivíduo não se dá de uma vez, só ouvindo e “de primeira”. Há necessidade de novas iniciativas e de um tempo de espera. Com aproximações sucessivas e num processo de interação com o objeto, com outros sujeitos e com a realidade, o aluno pode captar aquilo que eventualmente não captou numa abordagem inicial do conteúdo. Desse modo, para o autor recuperar a aprendizagem não é “repetir a explicação”, é:

Conceber e organizar situações que favoreçam a efetiva construção do conhecimento; é procurar outras formas de abordagens do mesmo assunto/conceito junto ao aluno. É trabalhar a partir de onde o aluno está (e não de onde se gostaria que estivesse.) (VASCONCELLOS, 2005, p. 82).

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A recuperação, o acompanhamento da aprendizagem é um direito do aluno. No entanto, os professores não devem fazer a recuperação apenas para cumprir uma formalidade legal, mas como expressão do seu compromisso com a aprendizagem dos alunos. Muitas vezes, há uma simples recuperação da “nota” e não do fundamental que é a aprendizagem. Todavia, enquanto existir nota, a recuperação da aprendizagem deverá repercutir na recuperação da nota. Ao esclarecer dúvidas a respeito da Lei nº 9.394/96, o relator do Parecer nº 12/1997 do CNE/CEB, Ulysses de Oliveira Panisset, assim se pronunciou, sendo seu voto acompanhado pela Câmara de Educação Básica:

Em se tratando de alunos com “baixo rendimento”, só a reavaliação permitirá saber se terá acontecido a recuperação pretendida. E constatada essa recuperação, dela haverá de decorrer a revisão dos resultados anteriormente anotados nos registros escolares, como estímulo ao compromisso com o processo. (Parecer do CNE/CEB nº. 12/1997).

Segundo Vasconcellos (2005), a recuperação da aprendizagem deve acontecer fundamentalmente no espaço que lhe é própria, ou seja, na sala e durante a aula. Ao se organizarem períodos de aulas especiais para os alunos com dificuldade, corre-se o risco tanto por parte do aluno como do professor de se acomodarem com essa atividade: o aluno não prestando muita atenção às aulas por saber que terá outro momento para aprender e outra oportunidade para “tirar nota”, e o professor deixando de trabalhar as dificuldades de determinados alunos já prevendo seu encaminhamento para a recuperação. O autor cita os seguintes tipos de recuperação:

• Recuperação no Ato de Ensino: através de uma metodologia interativa em sala, de aulas participativas, o professor observa os alunos ao longo da aprendizagem e, em função das dificuldades identificadas,

desencadeia abordagens diversificadas do mesmo conteúdo.

• Recuperação no Processo: retomada dos assuntos; exercícios, atividades, tarefas; atendimento durante atividades em sala; roteiro de orientação de estudo extra-sala de aula, de acordo com as carências; trabalhos de grupo em sala.

• Atividades Específicas de Recuperação: aulas no contraturno; trabalho de monitoria; professores montando plantão de duvidas.

• Recuperação de aprendizagens Prévias não ocorridas: espaço de recuperação logo no início do período letivo, para trabalhar conceitos básicos.

Quando trata da avaliação e da recuperação na educação básica, a Lei nº. 9394/96 (Lei que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional), no artigo 24, inciso V, estabelece: V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;

c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;

d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;

e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;

Aí estão as recomendações da lei. Com muita clareza esta define que a avaliação deve ser um instrumento de acompanhamento da construção da aprendizagem, num processo contínuo e

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cumulativo, que venha a incorporar todos os resultados obtidos durante o período letivo, não podendo ser aceita como um simples instrumento classificatório. No entanto, no entender de Hoffmann (2001), com as exigências da LDB nº 9394/96, a maioria dos regimentos escolares é introduzida por textos que enunciam objetivos ou propósitos de uma avaliação contínua, mas estabelecem normas classificatórias e somativas, revelando a manutenção das práticas tradicionais. AAttiivviiddaaddeess Atividade I – Estudo de outras fontes Texto complementar: LUCKESI, C. C. Verificação ou Avaliação: o que pratica a escola? In:______. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 18.ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 85-101. Atividade II - Leia no Projeto Político Pedagógico e Regimento Escolar de sua escola, a parte que se refere à avaliação e responda:

a) Os encaminhamentos avaliativos estão de acordo com a concepção defendida pela escola nestes documentos? Quais indicações ou sugestões desses documentos já são colocadas em prática em sua escola?

b) Quais indicações ou sugestões desses documentos ainda não são colocadas em prática? Justifique.

OO CCOONNSSEELLHHOO DDEE CCLLAASSSSEE:: EESSPPAAÇÇOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCOO DDEE AAVVAALLIIAAÇÇÃÃOO O Conselho de Classe segundo Dalben (1992), é uma das instâncias formalmente instituídas na escola, responsável pelo processo coletivo de avaliação da aprendizagem do aluno. A instância se

constituiu na organização escolar brasileira, a partir da Lei 5692 de 1971, a partir do interesse e da necessidade sentida pelos professores, ocasionada pelas características de fragmentação e isolamento presentes na organização escolar, ocorrendo indiretamente a partir dos regimentos escolares que foram sendo elaborados pelas escolas, no período. Cumprindo uma função de cunho essencialmente avaliativa, parte do pressuposto de que o processo coletivo de avaliação é qualitativamente superior ao individual. Ou seja, num processo de avaliação em que existem diferentes óticas dos diversos professores, das várias áreas dos conteúdos, e através da soma dessas óticas, pode-se ter um maior conhecimento do aluno, para um melhor atendimento pedagógico, e, conseqüentemente, a tomada de decisões mais acertadas. As diferentes análises e avaliações dos diversos profissionais, podem permitir análises globais do aluno em relação aos trabalhos desenvolvidos, em relação ao trabalho docente como um todo, e ao desenvolvimento de novas metodologias para o atendimento do aluno. Entretanto, por questões relacionadas à organização da escola, definidas no contexto de implantação da Lei 5692/71 e pela concepção de ensino e avaliação que se desenvolveram neste contexto, constatou-se, a partir de pesquisas sobre essa instância (DALBEN, 1992), que o papel dos Conselhos de Classe era o de reforçar e de legitimar os resultados dos alunos, como um veredicto final, acabado, já fornecido pelos professores e registrados em seus diários. Os professores apresentavam os seus resultados, fechavam-se no seu ponto de vista, não discutiam entre si as diferenças de posicionamento e tudo transcorria numa relação individualizada e de isolamento profissional. A avaliação escolar apresentava-se presa a medidas de rendimento e a discussão centrava-se na figura do aluno, como portador de problemas que recaiam sobre a “falta de estudo”, “falta de disciplina”, “falta de interesse” diante das atividades escolares. Assim sendo, o objetivo fundamental da instância, não era atingido, perdendo assim

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a sua importância e riqueza no trato das questões pedagógicas. Conforme a prática usual das escolas, os Conselhos de Classe reúnem-se, depois de obtidos os resultados de cada bimestre, fornecidos pelos professores. Devem participam do Conselho de Classe os diversos professores de uma determinada turma, o pedagogo responsável pelo período, o diretor ou o diretor do período e ainda um representante da secretaria da escola. De acordo com Dalben (2004), apesar de o aluno ser o centro das avaliações no Conselho de Classe, apesar de ser, a todo instante, colocado como elemento central das discussões propostas pela instância, ele tem se apresentado como um elemento passivo, sem voz e sem participação nas reuniões. O aluno quase nunca sabe quais os critérios pelos quais está sendo submetido nesse processo avaliativo, muitas vezes não sabe o significado dos parâmetros utilizados, ficando numa situação de submissão e alienação total. Os professores não percebem que, sendo o aluno um ser pensante, um elemento ativo do processo de ensino, um ser histórico, capaz de incorporar e produzir conhecimentos, é também capaz de, num processo comunicativo, contribuir para o maior conhecimento dele mesmo, das questões referentes ao processo de ensino e, obviamente, referentes ao avanço de propostas. A participação dos alunos ou de um aluno representante da turma possibilitaria um Conselho mais democrático.

Atualmente, a maioria desses colegiados restringe-se a discussões relacionadas às possibilidades de continuidade de estudos dos alunos, baseada principalmente na análise quantitativa dos valores atingidos em relação à média determinada na legislação vigente, e nos aspectos comportamentais que “interferem” no processo de ensino e aprendizagem, dificultando-o. Normalmente, os registros não identificam as dificuldades de aprendizagem que os alunos possam estar apresentando em relação a esta ou àquela disciplina. Os encaminhamentos propostos, então, dizem respeito à modificação de atitudes comportamentais dos alunos frente ao processo de ensino e aprendizagem ou, ainda, solicitam providências dos responsáveis como auxílio para a superação das dificuldades de relacionamento destacadas. Raramente registram-se encaminhamentos pedagógicos alternativos e diversificados por parte dos docentes das diferentes disciplinas, ou pela equipe pedagógica, ou mesmo pela direção do estabelecimento, que busquem a superação das possíveis dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos. Hoffmann (2001) destaca que os momentos do Conselho de Classe só têm significado se forem constituídos com o propósito de aprofundar a análise epistemológica e didática do processo de aprendizagem dos alunos, de deliberar

ações conjuntas que contribuam para o aprimoramento das ações futuras do corpo docente, dos alunos e de toda a escola. Para esta autora, as práticas tradicionais privilegiam o caráter comprobatório de uma etapa escolar percorrida pelo aluno, reunindo e

apresentando resultados obtidos e tecendo considerações atitudinais que, na maioria das vezes,

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servem para explicar ou justificar o alcance desses resultados em determinado espaço de tempo. Nesse sentido, a avaliação volta-se para o passado, relatando e explicando o presente. Diferentemente, uma prática avaliativa direcionada ao futuro, não tem por objetivo reunir informações para justificar ou explicar uma etapa de aprendizagem, mas acompanhar com atenção e seriedade todas as etapas vividas pelo estudante para ajustar, no decorrer de todo o processo, estratégias pedagógicas. Do mesmo modo, em relação ao Conselho de Classe, a autora dirige sua critica ao significado desses momentos no sentido de se privilegiar uma ação voltada ao passado, ao caráter constatativo e de proferição de sentenças parciais ou finais, em detrimento ao seu caráter necessariamente interativo, reflexivo e deliberador quanto ao futuro da aprendizagem dos alunos. Dalben (1992) afirma que na tentativa de enxergar o aluno como um ser total, visto em suas diversas dimensões, como um ser que precisa ser conhecido e contextualizado, e também devido a insatisfação com o processo avaliativo da escola e a preocupação com a perspectiva de não prejudicar o aluno pelas injustiças que podem ocorrer nesse processo, tornou-se uma prática dos Conselhos Finais aprovar alunos que, mesmo não obtendo quantidade de pontos suficientes para passar de ano, apresentem uma história que justifique a sua aprovação. Desta forma, professores encontram respaldo nas decisões coletivas do Conselho de Classe e no processo de “Aprovação pelo Conselho”. Entretanto, conforme as análises de Enguita (apud DALBEN, 1992, p. 129) poder-se-ia questionar a prática da “Aprovação pelo Conselho”. Segundo o autor, a forma como a escola trabalha as questões de avaliação onde traços da personalidade são selecionados, premiando-se os alunos que se submetem com maior docilidade, pois acabam por desenvolver uma auto-estima diante da comunidade escolar, resulta em um processo onde a incorporação desses traços de personalidade apresenta-se

como preponderante em relação ao conteúdo veiculado na escola. Segundo essas análises, contrariamente ao que a prática do “Aprovado pelo Conselho” se propõe, ou seja, driblar o próprio processo avaliativo escolar, poder-se-ia estar de uma outra maneira enquadrando-se nesse processo, pela valorização de atitudes que também dizem respeito aos interesses hegemônicos do sistema. Nesse sentido, Dalben declara:

A lógica metodológica predominante nos meios educacionais é unidirecional e linear, impedindo, com isso, que novos elementos de análise surjam, num movimento dinâmico de totalidade. Poder-se-ia dizer que o pensamento, na busca de soluções para as questões postas pela prática pedagógica, também encontra-se condicionado pelos processos sociais históricos e os profissionais correm o risco de ficar diante de um círculo ideológico que orienta ações dentro de esferas já prescritas não permitindo que o processo criativo inovador encontre espaço. (1992, p. 129)

O grande desafio atual, para a concretização de processos democráticos de participação e de avaliação, está na desconstrução de práticas de uma cultura escolar tradicionalmente instalada. Da mesma forma que o Conselho de Classe pode se aproveitar de suas características constitutivas e ser capaz de direcionar um projeto democrático de atuação pedagógica, pode também ratificar relações autoritárias, discriminatórias e excludentes. Diversos mecanismos agem tentando impedir uma ação pedagógica mais eficiente. No entanto, se entendemos a avaliação como uma etapa fundamental no processo de conhecimento da realidade, a concebemos investigativa, diagnóstica e reflexiva, ferramenta indispensável na elaboração de estratégias e encaminhamentos de superação das dificuldades detectadas na implementação do projeto político pedagógico da escola e, portanto, no redirecionamento do processo educativo. É no Conselho de Classe que questões postas em relação à melhoria da qualidade

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de ensino e de aprendizagem, à elaboração e execução do projeto político pedagógico e as concepções de ensino e avaliação são confrontadas e integradas propiciando a reflexão e a reorganização do trabalho pedagógico. Para Dalben, não foi por acaso que, mesmo diante do clima autoritário da implementação da Lei 5692/71, uma instância com tais características foi incluída nos regimentos escolares. Não tem sido por acaso que durante todos estes anos, embora tendo todas as dificuldades objetivas para se efetivar como uma prática pedagógica permanente no cotidiano da escola, o Conselho de Classe permanece presente sendo considerado um espaço fundamental de reflexão, de compartilhamento de subjetividades, de tensões e de busca por posicionamentos. No entanto, e ainda segundo a autora, um novo Conselho de Classe só será possível de ser efetivado quando os sujeitos que o integram apoderarem-se, criticamente e conscientemente dele, colocando-o a serviço de seus propósitos e da transformação social, articulando-o com um projeto político-pedagógico comum e com o compromisso de que de fato, o aluno aprenda. AAttiivviiddaaddeess AAttiivviiddaaddee II -- Texto complementar: DALBEN, A. I. L. F. O destaque da instância avaliativa. In: ______. Trabalho escolar e conselho de classe. Campinas, SP: Papirus, 1992. p.111-141. (Coleção Magistério. Formação e Trabalho Pedagógico). Atividade II – A partir da concepção de avaliação adotada pela escola, identificar o papel/função do Conselho de Classe; o seu significado e as implicações para o aluno, a partir da caracterização de como vem se concretizando hoje na escola. Atividade III – Analise uma reunião de Conselho de Classe desenvolvida em sua escola.

a) Escreva por que e para que essa atividade foi desenvolvida;

bb)) Descreva essa atividade, quais foram as pessoas envolvidas e o nível de participação delas;

cc)) Faça uma apreciação dessa atividade;

dd)) Dê sugestões para melhorar essa atividade quando for realizada novamente.

CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS A condução histórica utilizada na elaboração deste trabalho procurou trazer elementos interessantes para as análises e a compreensão da realidade hoje vivida pela escola diante das questões postas pelas práticas da avaliação escolar. As análises procuraram revelar os elementos que têm permeado as práticas de avaliação, as condições objetivas e o ideário pedagógico construído historicamente, que fundamentam as referidas práticas, analisando-as segundo seus panos de fundo filosófico, ideológico e sociológico, objetivando eliminar-se assim, uma prática acrítica, supostamente neutra, sem as devidas análises de seus pressupostos básicos e sem a clareza dos fins a que elas servem.

As discussões propostas nos itens anteriores deste trabalho apontam para a necessidade de se desenvolver um amplo processo de reflexão das práticas avaliativas, um questionamento das concepções de ensino e avaliação predominantes e ainda dos sentidos e significados das avaliações, nesse contexto, pois os processos de avaliação refletem o posicionamento dos professores, suas concepções. Se as nossas metas são educação e transformação, temos que mudar nossa concepção de avaliação e romper com padrões estabelecidos pela própria história de uma sociedade elitista e desigual. Torna-se necessário ampliar o conceito de avaliação escolar porque a construção desse processo não envolve apenas pensar em novas formas de avaliação, em

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novos instrumentos de verificação da aprendizagem do aluno ou em alteração dos conteúdos escolares, das provas ou dos formatos dos exercícios. Envolve uma compreensão diferenciada do seu significado. A transformação da prática pedagógica liga-se estreitamente à alteração da concepção de avaliação. De uma concepção autoritária, seletiva, excludente, utilizada como um recurso de autoridade, que decide sobre os destinos do aluno, para uma concepção democrática e emancipadora, preocupada com a função essencial da escola que é a socialização do saber sistematizado, e com o estabelecimento da autonomia do aluno, assumindo o papel de auxiliar o seu crescimento, comprometendo-se com a sua aprendizagem. A avaliação, em qualquer atividade ou como parte integrante de um projeto pedagógico, deve ser dinâmica e fornecer as bases para as novas decisões, sempre que essas se fizerem necessárias, o que quase sempre acontece.

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