aspecto organizacional do texto - o parágrafo
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Aspecto Organizacional Do Texto - o ParágrafoTRANSCRIPT
Aspecto organizacional do texto: o Parágrafo
Espero que você já esteja consciente de que a compreensão de um texto não se faz pela compreensão
de cada palavra isoladamente e nem pela soma de seus significados. O texto por outro lado não traz tudo o que
o seu autor gostaria de comunicar. Ao ler, o leitor precisa acrescentar uma série de conhecimentos que possui,
de forma que seja possível estabelecer uma ligação entre os elementos gráficos e lingüísticos presentes no texto
e o seu conhecimento de mundo. O processo de decodificação do que está escrito e a recriação do cenário na
mente a partir das relações entre o que está escrito e o que o leitor conhece anteriormente é chamado de
inferência. É capacidade de fazer inferências do leitor que permite ao escritor não colocar no texto todas as
informações necessárias à sua compreensão.1
É por isso que as gírias, por exemplo, causam problemas num texto escrito. Não se trata de ser uma
linguagem deteriorada ou de menos prestígio. Em maior ou menor grau, todos usamos gírias quando estamos
entre pessoas íntimas ou próximas. A gíria tem um conteúdo semântico muito próprio, conhecido por um grupo
restrito de pessoas. Quando é colocada no texto, só será compreendida por pessoas que se utilizam dela ou tem
possibilidade de conhecê-la. Essa restrição de leitores não é aceita pela a escrita com objetivos públicos como a
redação do vestibular, um relatório, um artigo ou qualquer outro gênero de texto para fins acadêmico. Mas é
perfeitamente cabível em romances para marcar a identidade de um personagem, por exemplo.
Você já deve ter ouvido falar que sempre que vamos escrever devemos ter em mente o nosso leitor.
Isso é uma verdade, mas não do jeito que às vezes é concebido pela escola. Ter em vista o seu leitor ou para
quem se escreve não faz o menor sentido quando se escreve para uma avaliação do vestibular ou para
avaliação de um professor. No primeiro caso não conhecemos quem serão aqueles que farão a correção; no
segundo, a redação não é feita para ser publicada e, portanto, não tem leitores, mas apenas um leitor. É escrita
para uma avaliação e pronto!
Ter em mente o leitor significa levar em consideração o conhecimento de mundo que o leitor em
potencial pode ter para não colocar no texto coisas que ele não será capaz de inferir. Isto é, só posso fazer
menção àquilo que seja do conhecimento prévio, armazenado na memória do leitor real ou imaginário. Não quer
dizer que não posso falar de coisas novas, mas isso precisa ser feito com o cuidado necessário a permitir que o
leitor faça as suas inferências. Toda vez que você lê um texto e não é capaz de fazer um comentário sobre ele é
porque não o compreendeu. Certamente, as informações visuais não foram suficientes para você recriar o
mundo em sua mente. É o caso, por exemplo, da bula de remédio qualquer. O texto traz inúmeras informações
que não fazem parte do seu conhecimento lingüístico e extralingüístico que dificultam a compreensão do que
está escrito. Ao ler, realiza apenas uma decodificação dos símbolos gráficos, sem que essas informações visuais
lhe permitam um conhecimento.
Por isso, considera-se que um texto bem estruturado pode proporcionar uma melhor leitura e por
conseqüência uma melhor compreensão. Estruturar o texto também tem papel importante para quem vai
escrever. Não só no aspecto formal, mas na condução do discurso e na transcrição das informações.
1 Lúcia Fulgêncio/Yara Liberato. Como Facilitar a Leitura. Contexto.
Depois dos períodos, o parágrafo é um dos aspectos mais importantes para se estruturar um texto. Ele
pode servir de um recurso para que o leitor reconstrua o texto mentalmente. O parágrafo não é só um recurso
formal e estético, mas se bem utilizado pode ser uma unidade psicologicamente real.
O parágrafo não serve apenas como mero recurso estético, marcado aleatoriamente, mas, se regido por
princípios relacionados à estrutura semântica, formal e discursiva do texto, ajudará o leitor a concluir que cada
mudança de parágrafo corresponderá a mudanças nas características do texto. A divisão do texto em parágrafos
deve funcionar como uma pista sinalizadora da estruturação do texto. Uma paragrafação bem feita facilita a
compreensão e a mal feita, inversamente, que contrarie as previsões do leitor, pode comprometer a legibilidade e
dificultar a tarefa da leitura.
Existe um modelo padronizado, um modelo ideal de parágrafo. Na prática, entretanto, cada autor acaba
criando a sua forma própria de estruturar os parágrafos em função da natureza do assunto, do gênero de
composição, do objetivo do texto e da capacidade argumentativa do autor.
Para fins didáticos e de domínio da habilidade de escrever, pode-se dizer que cada parágrafo deve ser
construído em torno de um único tópico. Chama-se de tópico um ponto, isto é, aquilo sobre o que se fala. Uma
idéia-núcleo em torno da qual se desenvolvem argumentos ao se acrescentam idéias secundárias.
Costuma-se dividir o parágrafo em três partes: tópico frasal, desenvolvimento e conclusão. Não é uma
forma rígida que deva ser seguida à risca por todos os escritores em todos os gêneros textuais, mas serve para
organizar o pensamento e ajuda as pessoas a adquirir um dos recursos da escrita mais utilizados que é a divisão
do texto em parágrafos.
Organizar o parágrafo com base nesse princípio evita que você faça parágrafos demais ou de menos,
porque será obrigado a pensar no processo de construção do texto. Por outro lado, ao sinalizar cada parágrafo
com um tópico poderá compensar a dificuldade pela construção de uma oração mais complexa ou mais longa.
Serve também para manter a unidade do texto em torno de um único assunto, evitando que você fuja do tema
que é a causa de muitas reprovações no vestibular e um dos maiores problemas nos textos universitários.
Para cada parte do texto fazemos um parágrafo, sempre observando as três partes constituintes: tópico
frasal, desenvolvimento e conclusão. As sentenças de um parágrafo têm que ser suficientes para apresentar a
idéia-núcleo, argumentar e concluir o pensamento em torno de um único ponto sem introduzir outro ou deixar de
concluí-lo. Usamos o negrito para marcar o tópico frasal, o itálico para desenvolvimento e o sublinhado para
conclusão.
Vamos ao texto:
“Na Bíblia, não consta, uma vez se quer, o termo purgatório. Na verdade, esse suposto local de
preparação da alma para o reino de Deus, foi uma invenção do papa Gregório I, quando a igreja enfrentava
sérias dificuldades financeiras. Com intuito de arrecadar fundos para a entidade, foi colocada em cada igreja uma
caixa com a seguinte frase: ‘Ao soar de cada moeda dentro desta caixa, uma alma sairá do purgatório. A idéia
rendeu bons frutos para a igreja romana que posteriormente, virou lei e foi aprovado no Concílio de Florença, em
1439, e confirmado no Concílio de Trento, em 1563.”2
Temos aí um exemplo bem claro de um parágrafo nos moldes que estou apresentando. Lembrando: em
negrito está o tópico frasal. Em itálico o desenvolvimento e o sublinhado a conclusão.
Uma maneira prática de definir o tópico de um parágrafo é construir uma sentença afirmativa no inicio
do parágrafo. Existem evidentemente outras formas, mas para iniciantes, é mais prático definir o tópico do
parágrafo na primeira sentença. Isso certamente facilita a comunicação, pois, faz o leitor ter clareza sobre o que
o texto se reportará.
O tópico frasal precisa ser claro para situar o leitor sobre o quê você irá falar e também sobre que
aspecto será a sua abordagem. O conteúdo do tópico pode ser descrito de diferentes maneiras: alusão histórica,
definição de um tema, dados estatísticos, citação etc. O importante é que fique claro o quê e sob que aspecto
você abordará o assunto. Ou seja, no tópico deve estar claro o assunto e o seu ponto de vista.
O tópico frasal para cumprir o seu papel precisa conter a idéia-núcleo do parágrafo que pode ser uma
opinião, um juízo, um julgamento sobre um tema qualquer, uma declaração, uma premissa. A estrutura nem
sempre será uma oração seguida de ponto. Pode vir em forma de uma sentença subordinada, mas precisa
deixar claro qual é a idéia-núcleo e se apresentar de forma atraente para servir de estímulo a continuação da
leitura.
Vejam esse exemplo:
“O parágrafo é uma unidade de composição constituída por um ou mais de um período, em que se
desenvolve alguma idéia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas
pelo sentido e logicamente decorrentes dela”3
A importância do tópico frasal não está na forma, mas na sua função que assume na estrutura e
organização do parágrafo. Por isso, às vezes, o autor do texto recorre a construções mais complexas para tornar
claro a idéia-núcleo e tornar explícito qual é o seu ponto de vista.
“A texto argumentativo pressupõe uma concepção da linguagem enquanto uma relação dialógica, uma
vez que quem argumenta o faz com vista a convencer um interlocutor. Isto significa poder movimentar-se dentro
do texto segundo diferentes perspectivas, ter em mente uma representação do interlocutor e relacionar-se com
ela, antecipando possíveis objeções, esclarecendo pontos de vista, defendendo argumentos, apresentando
idéias contrárias, refutando-as. Desta forma, a argumentação se realiza num espaço entre o estabelecimento de
um sujeito e a representação de um interlocutor”4.
2 Folha Universal. 18/02/2002
3 Othon M. Garcia. Comunicação em Prosa Moderna.
4 J. A . Durigan, M. B. Abaurre, Y Frateschi Vieira (org) In: A magia da mudança – Vestibular Unicamp: Língua e Literatura.
Temos também aqueles parágrafos com um tópico extremamente curto.
Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o
mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho
que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo instintivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele
arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras-
quais? Talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no fundo do poço.5
Um texto pode ser composto de vários parágrafos ou apenas de um como esse de Clarice Lispector.
Mas mesmo que seja composto de um único parágrafo, permanece o princípio da divisão em três partes: tópico
frasal (em negrito), desenvolvimento (em itálico) e conclusão (sublinhado).
Verdade é também que o parágrafo não obedece sempre essa estrutura. Às vezes, pode ser composto
de apenas uma linha. Mas esse recurso é utilizado em textos maiores e de outros gêneros. Os textos
acadêmicos e em redação de vestibular o mais aconselhável é seguir o princípio que estamos estudando. O
parágrafo, por sua vez, não pode ser reduzido ao aspecto visual ou meramente estético. O conteúdo é que deve
determinar onde começa e onde termina. Cada aspecto novo deve ser desenvolvido em parágrafos separados.
Continuemos agora com o desenvolvimento:
Para realizar o desenvolvimento do parágrafo você precisa ter claro o tópico frasal. As novas sentenças
devem girar em torno da idéia-núcleo, apresentada no tópico e trazer novas informações que esclareçam o que
você apresentou na introdução do parágrafo. O tamanho do desenvolvimento vai depender da sua capacidade
de argumentação e do gênero do texto. Normalmente, procura-se deixar o desenvolvimento entre três e cinco
linhas. O cuidado com o desenvolvimento dever ser o de não se afastar do tópico frasal, garantindo que cada
sentença traga uma nova informação que ajude o leitor a compreender o que você está defendendo. As novas
sentenças devem estar intimamente ligadas ao sentido da sentença do tópico e, por conseguinte, decorrente
dela.
O desenvolvimento é pensado sempre em função do tópico frasal. Ou vice e versa: o tópico frasal é
criado em função do desenvolvimento. Isso é muito particular de cada um. Às vezes, temos as idéias
secundárias e então criamos o tópico frasal, em outros momentos, temos o tópico e acrescentamos as idé ias
secundárias. O importante é ter claro que as partes do parágrafo são interligadas e dependentes uma das outras,
cuidando sempre em dar destaque para o que na nossa visão é o mais importante.
Teoricamente, existem várias maneiras de se desenvolver um parágrafo, mas não é uma coisa tão
simples assim. É preciso esforço para ir se apropriando dos modelos porque, na verdade, a maneira de
desenvolver diz respeito à maneira como você pensa e estrutura os seus argumentos. E isso implica toda a
estrutura do texto e não somente o desenvolvimento do parágrafo.
Concluindo . . .
5 Clarice Lispector. Um sopro de Vida. 1999
A conclusão do parágrafo é a sentença final que fecha a abordagem daquele tópico e sugere a abertura
de um novo parágrafo. A conclusão conclui o tópico frasal e não o texto. É descabida a colocação de afinal,
concluindo ou coisa parecida. A conclusão é semântica, isto é, de sentido, fecha aquele aspecto abordado para
abrir um outro, em outro parágrafo. Nem todos os parágrafos apresentam uma conclusão explícita com a
inclusão de uma sentença específica para esse fim, contudo, precisa de uma conclusão para tornar possível a
abertura de um novo parágrafo.
É importante também ressaltar que do segundo parágrafo em diante os tópicos frasais precisam servir
de mecanismo de transição e coesão além de apresentar a idéia núcleo do texto. Para realizar essa função
recorremos aos chamados conectivos semânticos apresentados na aula anterior no tópico da Coesão discursiva,
além de outros mecanismos de coesão como os pronomes demonstrativos.
Alguns autores dizem que é possível ter modelos para a colocação do tópico frasal e outros modelos
para o desenvolvimento. Eu prefiro considerar que existam formas guias para a construção de todo o parágrafo
sempre em função da maneira de como se pensa e não para uma ou outra parte.
Vou apresentar alguns modelos de elaboração de parágrafos apenas como ilustração. São apenas
modelos e não moldes a serem seguidos à risca. Ocupe-se mais em perceber a relação entre as partes do
parágrafo, a maneira como foram construídos e a disposição dos períodos dentro de cada um deles. Você só se
apropriará de uma forma à medida que for desenvolvendo seus próprios textos.
1- Argumento de Autoridade.
Aristóteles dizia que a maior parte das grandes polêmicas são resolvidas na aurea mediocritas – na
mediocridade dourada. A natureza é tão complexa e variada que praticamente quase tudo o que é possível nela
acontece. Aqueles que querem respostas nítidas, definitivas e globais para os problemas da vida, devem
procurá-las em outros domínios que não a natureza. Duvido mesmo que a uma busca honesta revele as
respostas, seja lá onde for. Podemos resolver com segurança pequenas questões (sei, por exemplo, por que o
mundo nunca verá uma formiga com 1,5 m de comprimento). Saímo-nos razoavelmente bem em questões de
porte médio . . . Mas as questões realmente importantes sucumbem diante da riqueza da natureza . . . Hei de
celebrar a múltipla variedade da natureza e deixar a quimera da certeza para os políticos e os pregadores.6
Nessa forma de construção de parágrafo o autor se utiliza do pensamento de alguma pessoa que detêm
prestígio social, intelectual, religioso ou político para criar um cenário favorável as idéias que pretende
apresentar. Desenvolver um parágrafo nesse modelo exige dois cuidados básicos: a certeza de que a opinião
citada é realmente da pessoa referida e a verificação de que serve para o fim para o qual se propõe.
Normalmente, a citação do argumento da autoridade fica no tópico frasal, mas por vir na conclusão como no
caso abaixo.
Ler jornal é hábito, como o café ou o banho. Daquelas coisas que a gente faz todo o dia, tudo sempre
igual. Mas é hábito da novidade. Nele tem de estar aquilo que faz cada dia diferente do outro, mesmo sendo uma
6 S.J. Gould. Darwin e os Grandes enigmas da vida. 1ª ed. São Paulo, Martins Fontes Editora, 1987
das coisas de sempre. Todos os jornais, se fossem realmente críticos, deveriam conter no alto da primeira
página a frase lapidar de Raul Pompéia: “Bem considerada, a atualidade é a mesma em todas as datas”7
2- Enumeração Afirmativa
No decurso do tempo, a humanidade teve de agüentar, das mãos da ciência, duas grandes ofensas a
seu ingênuo amor-próprio. A primeira foi quando percebeu que a Terra não era o centro do universo, mas
apenas um pontinho num sistema de magnitude dificilmente compreensível. . . A segunda, quando a pesquisa
biológica roubou-lhe o privilégio de ter sido criada especialmente, e relegou o homem a descrente do mundo
animal.8
Esse modelo consiste em apresentar um tópico frasal uma afirmação que aponte duas ou mais termos,
às vezes com expressões indicadoras de tempo e lugar ou com seqüência de numerais em especial os cardinais.
O desenvolvimento é realizado através da explicação do que foi mencionado do tópico ou da enumeração
detalhada de cada um deles. Uma outra maneira de estruturar o parágrafo por este modelo é utilizando dois
pontos, como podemos ver abaixo:
Os princípios fundamentais para aprender a escrever com desenvoltura são: o princípio da consciência
lingüística: cada um tem a sua própria maneira de falar e não existe nenhuma melhora que a outra; o princípio da
vontade: ninguém pode aprender algo que não se dispõe; o princípio da reescritura: o texto não nasce pronto,
precisa ser refeito quantas vezes for preciso. Esses princípios, se seguidos à risca, podem fazer de qualquer
alfabetizado um excelente produtor de texto.
O processo da enumeração pode ser ampliado para o desenvolvimento de todo o texto. Nesse caso
para cada enumeração fazemos um parágrafo como podemos ver neste texto de Fernando Pessoa.9
O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades
ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, ele um morto para eles.
A primeira é a simpatia(...) Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.
A atitude catita, a irônica, a deslocada – todas elas privam o intérprete da primeira condição para poder
interpretar.
A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não pode criá-la. Por intuição
se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.
A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo(...):
relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isso se a simpatia
não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que
naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.
7 Jorge Caldeira. Revista Bravo! Abril de 1999.
8 FREUD, Sigmund. O Mal Estar na Civilização.
9 Nota Preliminar à Mensagem, em Obra Poética. Rio de Janeiro, Ed. Nova Aguilar, 1986.
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que
permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no
fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura,
pois a cultura é uma síntese e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser compreendidos
se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça.
3- Definição
Para os não familiarizados com o termo, fuleiro é um adjetivo muito utilizado pelos nordestinos, que
define algo ordinário, reles. Essa é, sem dúvida, a melhor classificação para o atual estágio do capitalismo em
nosso país. Já se falou em capitalismo financeiro, capitalismo predatório, selvagem etc. Mas eis que a definição
que lhe cabe melhor é esta: capitalismo fuleiro.10
Usa-se a definição de algo para poder fazer uma comparação ou esclarecimento. É um recurso muito
expressivo, mas exige bastante prática para empregá-lo.
4- Explicitação da declaração inicial.
O processo de captura indígena cresceu durante o período áureo da borracha. Todas as leis em vigor
até este período satisfaziam aos interesses econômicos e a necessidade da captura da mão-de-obra. Mesmo
aquelas que protegiam os índios da exploração patronal na realidade tornaram-se letra morta diante da ausência
do Estado para fazê-las serem cumpridas, facilitando a exploração do trabalhador por parte dos grandes
proprietários e dos agentes contratadores. Somente a partir da década de 70 do século XIX que as medidas
legais aprovadas pelo governo boliviano vieram a dificultar o recrutamento dos indígenas do Beni.
É o tipo mais comum de estruturação de parágrafo. No tópico frasal se afirma ou nega alguma coisa e
depois se faz o desdobramento através de idéias secundárias que sejam capazes de confirmar a opinião
expressa no tópico frasal.
5 – Resposta à interrogação
O que significa recursos do caixa 2? É o dinheiro não contabiliza utilizado para pagar despesas de
campanha. É um recurso muito utilizado pelos partidos e políticos brasileiros. Pega-se o dinheiro, paga-se as
contas, mas não o inclui na prestação de contas para não ter que justificar a sua origem. É uma prática ilegal não
só para o PT, mas para todos os partidos.
O princípio desse modelo é responder a pergunta que vem expressa no tópico frasal. É um meio fácil e
prático, mas de pouco versatilidade. Não da para utilizá-lo por diversas vezes num mesmo texto.
10 Lula Miranda. Revista Caros amigos, outubro de 2000
Acho que esses exemplos são suficientes para mostrar a você que a construção do parágrafo é muito
particular e parte do princípio da organização do pensamento. Todavia, existe uma facilidade maior quando
partimos do princípio aqui apresentado. O que você precisa ter claro é que cada parágrafo deve ter apenas uma
idéia-núcleo apresentada no tópico frasal, esclarecida no desenvolvimento e finalizada na conclusão.
Posso iniciar com uma citação, mas também posso finalizar. Posso iniciar com uma pergunta, mas
também posso finalizar. O que não pode é dentro de um mesmo parágrafo abordar idéias diferentes. Se você
tem uma nova idéia ou um novo aspecto sobre o tema tratado crie um novo parágrafo. Ao dominar esse recurso
da escrita, a maior parte de seus problemas para escrever estarão resolvidos.
Algumas pessoas apresentam dificuldades para compreender a divisão do parágrafo por confundi-lo
com a dissertação. Uma coisa é a forma estética do texto ou o gênero que você está escrevendo. Outra é a
composição do parágrafo. Certamente existe diferença entre o parágrafo de um texto científico para um texto
narrativo, mas cada um trará mais ou menos esse princípio: introdução que o tópico frasal, desenvolvimento e
conclusão.
Todos os parágrafos então são formados da mesma forma? Em tese sim! Mas cada parágrafo precisa
ser desenvolvido em função do tipo e gênero de texto que você está escrevendo, obedecendo o princípio de
organização estrutural de cada modelo. Se estou escrevendo uma dissertação preciso pensar nos parágrafos em
função de sua estrutura. Uma dissertação segundo o padrão tem três partes: introdução, desenvolvimento e
conclusão. Então, de acordo com esta estrutura vou criar um parágrafo com tópico frasal, desenvolvimento e
conclusão para ocupar a parte da introdução. Vou criar um, dois, três ou quatro parágrafos para ser o
desenvolvimento e um parágrafo para ser a conclusão.
Se você pensar em fazer um texto do tipo dissertativo-argumentativo, do ponto de vista formal, a
elaboração dos parágrafos poderá seguir os mesmos procedimentos. O cuidado especial nesse caso é que o
tipo de texto dissertativo-argumentativo precisa articular o aspecto argumentativo (defender uma tese, uma
opinião) e o aspecto dissertativo (utilizar explicações para justificar a tese). Há aí uma diferença importante. No
texto dissertativo você não precisa defender uma ideia (tese), mas apenas apresentá-la. Para o texto
dissertativo-argumentativo existe a necessidade da exposição da tese e sua defesa com o objetivo de convencer
o leitor de que a ideia (seu ponto de vista, tese) está correta.
De forma prática, nesse tipo textual (dissertativo-argumentativo) o desenvolvimento dos parágrafos
precisa levar em consideração dois princípios de estruturação: a apresentação da tese com as justificativas que
a sustentam, isto é, a tese acrescida do argumento; a apresentação de estratégias argumentativas que serão
responsáveis pelo convencimento do leitor. Para o tipo de texto solicitado pelo Enem (Exame Nacional do Ensino
Médio) se exige o acréscimo de uma proposta de intervenção social para o problema em discussão. Para se
apropriar dos critérios específicos do Enem você deve acompanhar as publicações da Diretoria de Avaliação da
Educação Básica (DAEB).
A mesma estratégia vale para outros gêneros textuais discursivos. De acordo com a estrutura do gênero
textual vou criando os parágrafos para ocupar suas partes de maneira que no final tenha um todo. Numa
monografia, por exemplo, posso fazer uma introdução com um, dois, três, quatro ou quantos parágrafos eu achar
necessário com o objetivo de ser a introdução. Depois outros tantos parágrafos são desenvolvidos de acordo
com cada capítulo para ser o desenvolvimento. E por fim outros tantos parágrafos para ser a conclusão. Mas em
cada parágrafo, o ideal é que se siga o princípio das três partes: tópico frasal, desenvolvimento e conclusão.
Digo o ideal porque em texto científicos alguns parágrafos precisam ser formados por apenas uma linha para
promover a ligação entre as partes. Isso não quer dizer que você deva simplesmente ignorar os princípios da
paragrafação. Se houver uma multiplicação de parágrafos, além de ficarem muito curtos, cansam a visão.
Parágrafos muito curtos também dão ao texto a aparência de superficialidade.
Em textos maiores, outros recursos são associados aos parágrafos e aos mecanismos de coesão para
possibilitar interdependência dos seus elementos constitutivos: os capítulos e subcapítulos, títulos e subtítulos.
Com esses recursos estabelecemos uma ordem na seqüência textual que permite o leitor fazer as suas
inferências.
RESUMO
Os elementos visuais do texto não são capazes de traduzir o que o autor quer dizer. Para existir uma
decodificação dos elementos gráficos, o leitor precisa fazer as inferências. A estrutura do texto tem papel
fundamental para a realização da inferência por parte do leitor. A paragrafação é um bom método deixar o texto
com maior facilidade de leitura e compreensão. O parágrafo é uma unidade de composição textual que pode ser
dividido em três partes: tópico frasal, desenvolvimento e conclusão. É aconselhável que cada parágrafo seja
construindo em volta de apenas uma idéia-núcleo. Isso facilita a redação e dá melhor condição a leitura. O
tamanho do parágrafo é determinado pelo o autor. O importante é que ele mantenha o princípio da unidade.
Dominar bem a estruturação do parágrafo não é apenas uma questão de técnica da escrita. Diz respeito à
organização do pensamento e a hierarquização das ideias e dos fatos. Não pode ser reduzido a macetes ou
regras fixas, mas também não pode ser desenvolvido de qualquer maneira. Os limites precisam existir, mas sem
quebrar a naturalidade e a criatividade do redator. Estudar antes textos do gênero que deseja se produzir
considerados bons é de fundamental para apropriação dos aspectos estruturais e organização dos parágrafos.
MUDANDO DE ATITUDE
Habitue-se a ler um texto com os olhos de escritor. Veja como o autor estruturou os seus parágrafos, como
os dividiu. Veja se consegue identificar qual o recurso utilizado para desenvolver o parágrafo. Anote e veja se
consegue fazer um igual sobre um assunto qualquer.
O parágrafo é uma unidade psicológica. Ao pensar um texto escrito, tem-se que necessariamente pensar na
construção dos parágrafos. Quem consegue fazer um bom parágrafo percorreu metade do caminho para
domínio da habilidade de escrever.
Escrever é uma habilidade que se aprende como qualquer uma outra, depende de treino e é intransferível.
Você precisa estar disposto a fazer os exercícios e sempre que puder ocupe-se em escrever algo, nem que seja
só para dizer o que você já o fez várias vezes. O treino é fundamental para se chegar à perfeição.
Não se deixe vencer pelo desânimo de não conseguir da primeira vez. Cada um de nós tem o seu próprio
ritmo. Encontre o seu e vá em frente. Se não conseguir naquele momento, descanse e volte mais tarde, mas não
deixe de exercitar.
PRATICANDO
1) Os parágrafos abaixo tiveram as sentenças misturadas. Reorganize-os colocando no devido lugar o tópico
frasal, o desenvolvimento e a conclusão.
Parágrafo 1
Duas décadas depois, com o crescimento da demanda internacional de goma elástica, Manaus surgiu
como uma moderna cidade acompanhada de um avanço do surto migratório que aliada à forma predatória de
extração fizeram nascer novas áreas de produção mais próximas de Belém.
A ocupação do Oeste Amazônico tem ligação indissolúvel com o processo de extração da borracha
nativa.
No século XVIII, entre o Madeira e o Javari, o padre João Daniel afirmava que não existia qualquer
núcleo de povoamento, de brancos ou índios mansos e mesmo com o esforço de colonização até 1866 o que
havia na Amazônia era um grande vazio demográfico.
Parágrafo 2
A cor era o fator primordial de determinação de classe e posição social.
A sociedade guaporeana formou-se a partir de uma complexa gama de extratos sociais, de maioria
masculina, oriunda de diversas regiões do país.
Entre as classes sociais havia um verdadeiro abismo.
A relação senhor/escravo atingia toda a sociedade.
Essa separação externava-se na relação social negro/branco.
A distinção social assentava-se na posição do indivíduo perante o ordenamento jurídico: livre/escravo
Parágrafo 3
Acelera o carro, atropela-o e o mata com a aprovação dos que presenciaram a cena.
De repente foi assaltada por um adolescente, que a roubou, ameaçando cortar a garganta do garoto.
Dias depois, a mesma senhora reconhece o assaltante na rua. Verídica ou não, a história é
exemplar.
No Rio de Janeiro, uma senhora dirigia o automóvel com o filho ao lado.
Ilustra o que é a cultura da violência, a sua nova feição no Brasil.11
2) Nos parágrafos abaixo foram escritos apenas os tópicos frasais de cada um deles. Cabe a você fazer o
desenvolvimento e a conclusão. Não é uma redação, apenas um parágrafo nos moldes dos apresentados nesta
aula.
a) Um bom número de mulheres assume atualmente jornada dupla de trabalho...
b) Quem pode ser contra a pena de Morte? . . .
c) Ascensão de um operário ao posto de Presidente de República é uma grande ameaça às elites
brasileiras.
11 Jurandir Costa Freire. Veja 25 anos. São Paulo, Abril, s/d
d) Já houve tempo em que as tão indesejadas celulites eram o grande padrão de beleza feminina. (...)
e) É impressionante como as pessoas se deixam iludir pelas filosofias televisivas, chegando a ponto de
agredir um ator como se fosse o personagem.
f) Ainda que seja possível, não dá para aceitar com normalidade a hipótese de ter sido traído na noite
de núpcias por um amigo de infância.
3) Cada tópico, desenvolva um parágrafo. Busque não repetir o modelo adotado. Veja se você consegue fazer
pelo menos um parágrafo de cada sugestão apresentada neste texto (Argumento de autoridade, enumeração
afirmativa, definição, explicitação da declaração inicial, resposta à interrogação)
a) defendo o sexo só depois do casamento.
b) acusando a televisão de manipular a opinião pública em favor da classe média.
c) informando com pesar o crescimento do número de adolescentes grávidas.
d) questionando a política econômica do governo federal.
e) posicionando-se contra o controle da natalidade.
f) assumindo uma postura contrária a proibição do uso da cocaína.
g) concordando com a perseguição da Inquisição Católica aos judeus.
4) Crie três parágrafos diferentes para o tema abaixo.
Tema: Aborto
a) defendendo o aborto em quaisquer situações como uma opção da mulher
b) condenando a prática do abordo em função de uma visão religiosa.
c) deixando o leitor optar. Mostre duas visões sobre o aborto: uma a favor outra contra.
5) Transcrevemos abaixo a redação de Mary Clea Ziu Lem Gun, Barueri (SP), nota 1000 no Enem/2011. O seu
trabalho será desenvolver uma outra redação a partir da proposta inicial. Seria importante você tirar um tempinho
para ler o Guia do Participante do Enem/2012 publicado pelo Inep. (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira). Ele pode ser facilmente encontrado na internet.
Cidadania virtual
Assistimos hoje ao fenômeno da expansão das redes sociais no mundo virtual, um crescimento que
ganha atenção por sua alta velocidade de propagação, trazendo como consequência, diferentes impactos para o
nosso cotidiano. Assim, faz-se necessário um cuidado, uma cautelosa discussão a fim de encarar essa nova
realidade com uma postura crítica e cidadã para então desfrutarmos dos benefícios que a globalização dos
meios de comunicação pode nos oferecer.
A internet nos abre uma ampla porta de acesso aos mais variados fatos, verbetes, imagens, sons,
gráficos etc. Um universo de informações de forma veloz e prática permitindo que cada vez mais pessoas, de
diferentes partes do mundo, diversas idades e das mais variadas classes sociais, possam se conectar e fazer
parte da grande rede virtual que integra nossa sociedade globalizada. Dentro desse contexto as redes sociais
simbolizam de forma eficiente e sintética como é o conviver no século XXI, como se estabelecem as relações
sociais dentro da nossa sociedade pós-industrial , fortemente integrada ao mundo virtual.
Toda a comodidade que a rede virtual nos oferece é , no entanto, acompanhada pelo desafio de ponderar
aquilo que se publica na internet, ficando evidente a instabilidade que existe na tênue linha entre o público e o
privado. Afinal , a internet se constitui também como um ambiente social que à primeira vista pode trazer a falsa
ideia de assegurar o anonimato. A fragilidade dessa suposição se dá na medida em que causas originadas no
meio virtual podem sim trazer consequências para o mundo real. Crimes virtuais, processos jurídicos,
disseminação de ideias, organização de manifestações são apenas alguns exemplos da integração que se faz
entre o real e o virtual.
Para um bom uso da internet sem cair nas armadilhas que esse meio pode eventualmente nos
apresentar, é necessária a construção da criticidade, o bom senso entre os usuários da rede, uma verdadeira
educação capaz de estabelecer um equilíbrio entre os dois mundos, o real e o virtual. É papel de educar tanto
das famílias, dos professores como da sociedade como um todo, só assim estaremos exercendo de forma plena
nossa cidadania.