as relaÇÕes interÉtnicas no bairro do bom retiro
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
Luana Lasincki Marum
As relaes intertnicas no bairro do Bom Retiro em So Paulo por meio do estudo da paisagem.
So Paulo
2010
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LUANA LASINCKI MARUM
AS RELAES INTERTNICAS NO BAIRRO DO BOM RETIRO EM SO PAULO POR MEIO DO ESTUDO DA PAISAGEM
Trabalho de Graduao Individual
apresentado no Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para a
obteno do diploma de graduao.
Orientadora: Profa. Dra. Amlia Luisa Damiani
SO PAULO 2010
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LUANA LASINCKI MARUM
AS RELAES INTERTNICAS NO BAIRRO DO BOM RETIRO EM SO PAULO POR MEIO DO ESTUDO DA PAISAGEM
Monografia apresentada como requisito parcial obteno do diploma de bacharel graduado em Geografia, da Universidade de So Paulo.
Orientadora: Profa. Dra. Amlia Luisa Damiani
COMISSO EXAMINADORA
Profa. Dra. Amlia Luisa Damiani
Universidade de So Paulo
Profa. Dra. La Francesconi
Universidade de So Paulo
Profa. Dra. Odette Carvalho de Lima Seabra Universidade de So Paulo
So Paulo
2010
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AGRADECIMENTOS
Muitas foram as pessoas que participaram dessa fase to importante da minha vida.
Gostaria de agradecer aos meus colegas e amigos de graduao pelos auxlios
metodolgicos, pelos conselhos, pelas broncas, pelos incentivos, pelas discusses que sempre
me enriqueceram. Obrigada Karine, Vinicius, Elaine, Marcos, Ronei, Dil, Leandro, Dani e Lu
por todos esses anos de amizade, grande Z, obrigada por alimentar meus sonhos, por me
apoiar tantas vezes e por contribuir muito com essa pesquisa, Will obrigada pela amizade e
pacincia, Rita, obrigada pelos toques de formatao, Marcos, por me prometer um jantar no
terrao Itlia quando chegasse esse grande dia, foi um super incentivo!
Aos amigos funcionrios e estagirios da biblioteca, agradeo as renovaes apesar
dos atrasos.
Gostaria de agradecer aos moradores e trabalhadores do Bom Retiro que me
receberam super bem e contriburam demais para a realizao desse trabalho.
Professora Amlia Luisa Damiani, j a admirava pela sua obra e me tornei ainda mais
admiradora ao conhecer a pessoa fantstica que . Obrigada pela ateno, pela compreenso e
pacincia, pelo carinho e por dividir parte do seu conhecimento comigo.
Por fim, agradeo minha famlia, Pai e Me, os agradecimentos nunca sero
suficientes, pois vocs so os maiores responsveis por todas as minhas conquistas. Obrigada
por sempre me incentivarem a estudar, pelos sacrifcios em prol disso, pelos valores
ensinados, pelas broncas, pelos nos, pelo apoio, compreenso, carinho e amor de vocs.
Espero poder retribuir tudo o que fizeram por mim.
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Bom Retiro, B Ritiro dos italianos, o pequeno shtetl dos judeus, bairro dos letreiros em coreano, do foot-ball dos ingleses, dos sinos da igreja armnia, da identidade
sul-americana dos bolivianos, da Acrpole dos gregos, dos nordestinos, dos comerciantes e dos sacoleiros, do
caf e da ferrovia que tornaram So Paulo uma metrpole o Bom Retiro um mapa-mndi encravado na cidade
de So Paulo1.
1 Projeto IPHAN- Multiculturalismo em Situao Urbana: Inventrio das Referncias Culturais do
Bairro do Bom Retiro. 9a Superintendncia Regional do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional em So Paulo. Departamento de Patrimnio Histrico da Secretaria da Cultura da Prefeitura do Municpio de So Paulo, 2005, p. 01 apud SILVESTRE, 2007
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RESUMO
A cidade de So Paulo tem uma riqueza cultural muito grande devido aos mltiplos
pertencimentos regionais. O bairro do Bom Retiro um lugar onde muitos grupos de
imigrantes se fixaram e transformaram esse espao de acordo com o momento histrico, com
caractersticas culturais de suas terras natal, com a miscigenao de povos e culturas .
H trs grupos principais de imigrantes no Bom Retiro: europeus de famlias judias,
coreanos e bolivianos. Ainda h algumas famlias gregas, italianas, libanesas, mas em menor
quantidade.
O objetivo do trabalho foi analisar como esses grupos colocam suas marcas no espao
na medida em que se utilizam deste e o transformam, e como se d o relacionamento entre
culturas to distintas. A observao da paisagem foi primordial para essa pesquisa.
O Bom Retiro teve como primeiros moradores, assim que se tornou bairro, os italianos
que mantinham as fbricas da regio em funcionamento. A Estao da Luz era a porta de
entrada dos imigrantes em So Paulo e o Bom Retiro, um bairro prximo da Estao e da rea
industrial que se formava no final do sculo XIX. J nas primeiras dcadas do sculo XX, os
judeus fugidos do nazismo encontraram no bairro um local acolhedor e formaram uma colnia
unida que recebia, acolhia e encaminhava os recm-chegados. Esse grupo permaneceu no
bairro por muitas dcadas e deixou na paisagem smbolos da sua cultura atravs das
sinagogas, dos centros de lazer judaicos, dos restaurantes e das lojas com uma aparncia
peculiar, sem muita beleza, mas com bons preos. O enriquecimento das famlias judias
provocou um xodo do bairro para outros mais nobres, como Higienpolis e outro povo se
aproveitou disso para comprar as lojas dos judeus. Nas dcadas de 1960/ 1970 muitos
coreanos assumiram o comrcio de roupas da regio comercial do Bom Retiro. Dinamizaram
o comrcio, restauraram as lojas, as fachadas, os produtos, modernizaram a regio que se
valorizou muito no mercado imobilirio, conseqentemente, muitas lojas de produtos
Formatado: Justificado,Recuo: Primeira linha: 1,25cm, Espaamento entre linhas: Duplo
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coreanos, restaurantes, cabeleireiros e outros tipos de servios direcionados a esse grupo se
multiplicaram pelo bairro. O contraste na paisagem gritante, um bairro brasileiro com lojas
cuja fachada est toda em coreano ao lado de sinagogas. Nas ltimas dcadas do sculo XX,
surgiram outro grupo de imigrantes no bairro, os bolivianos, que buscavam trabalho nas
confeces e estabeleceram uma relao um pouco diferente no bairro, poucos so os
vestgios de sua cultura encontrados no espao, a ilegalidade faz com que estes indivduos se
tornem seres transitrios no espao, mas fazem parte da dinmica do bairro e no passam
despercebidos, pois seus traos fsicos marcantes, sua fala de idioma castelhano os tornam
parte de um lugar, de um cotidiano.
Formatado: Justificado,Recuo: Primeira linha: 1,25 cm
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SUMRIO
1 Apresentao: ......................................................................................................9 2 Introduo: .........................................................................................................10 3 Instrumentos da Pesquisa Emprica...................................................................13 4 Imigrantes em So Paulo: ..................................................................................15 5 A formao do bairro do Bom Retiro: .................................................................16
5.1 O papel das redes.......................................................................................17 5.2 A paisagem como objeto de anlise ...........................................................19
6 As relaes interculturais em um espao compartilhado: ..................................21 7 O papel da religio na apropriao do espao:..................................................33 8 As formas e os usos do espao: ........................................................................36
8.1 As Ruas do Bom Retiro...............................................................................39 8.2 A Territorializao atravs dos fixos ...........................................................45 8.3 Instituies e Entidades integrando o espao e a sociedade......................48
9 ltima onda imigratria: o boliviano como mo-de-obra barata: ........................56 10 Perspectivas das famlias imigrantes e dos seus descendentes: ...................63 11 Mapeamento da territorializao dos imigrantes no bairro: ............................66 12 Consideraes Finais: ....................................................................................69
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1 APRESENTAO:
Este trabalho foi pensado a partir de outra pesquisa feita para a disciplina de Geografia
Urbana I, ministrada pela professora Ana Fani A. Carlos, na qual foi estudada a Rua Jos
Paulino como uma centralidade comercial. A partir deste trabalho, desenvolvi, com o auxlio
de Jos Antnio Gomes, o trabalho O Bom Retiro: A formao de uma centralidade,
apresentado no XII Encontro de Gegrafos da Amrica Latina, realizado em Abril de 2009 em
Montevidu no Uruguai.
O trabalho apresentado na ocasio j era o incio da minha pesquisa na regio do Bom
Retiro e a participao do Jos Antnio Gomes foi de auxlio na realizao das visitas de
campo, nas entrevistas, fotos e em discusses que fizemos acerca do tema.
A pesquisa a seguir vai alm de tratar o bairro como uma centralidade, busca analisar a
sua formao atravs da influncia do imigrante e como este interfere nos processos de
transformao do Bom Retiro, tanto no espao construdo como nas relaes sociais e
polticas.
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2 INTRODUO:
O tema da pesquisa foi estruturado a partir de outros temas que me eram interessantes.
A Geografia Urbana sempre me cativou, pois engloba fatores estruturais, polticos e sociais
que so as bases de qualquer territrio. Entretanto, o arranjo desses fatores forma grupos
totalmente distintos e isso que torna a geografia urbana fascinante, buscar esses contrastes,
as semelhanas e diferenas que fazem com que cada organizao social tenha suas
peculiaridades.
A escolha do bairro do Bom Retiro, localizado na regio central de So Paulo, ocorreu
por ser um espao de muitos contrastes, tanto fsicos como sociais e culturais: e esse o
principal foco da pesquisa, como se d a reproduo do espao urbano em um bairro formado,
principalmente, por grupos de imigrantes? Como esses grupos territorializam o espao
deixando seus traos culturais? E que tipos de relaes podemos encontrar?
O imigrante teve um papel fundamental na formao do espao brasileiro,
portugueses, espanhis, holandeses, africanos, italianos, alemes, libaneses, japoneses...
Encontramos diversas comunidades de descendentes de todos os continentes por todo o
Brasil, isso faz do nosso pas um territrio multicultural, onde diversos grupos tnicos se
relacionam e constroem espaos definidos.
No pas encontramos algumas comunidades bem tradicionais que cultuam seus
costumes e esse multiculturalismo faz com que essas comunidades se relacionem; algo
retratado no apenas nas relaes sociais, mas tambm no espao construdo.
O homem em sociedade se relaciona com a natureza atravs dos instrumentos criados pelo seu estgio cultural produzindo um modo de vida e um espao (CARLOS,1992, p.11.).
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O espao geogrfico produto das relaes entre a sociedade e o meio num dado
momento histrico; segundo Ana Fani Carlos, um processo de produo e reproduo,
fundamentado na acumulao tcnico-cultural e na relao dialtica entre o velho (espao
enquanto meio de produo) e o novo (processo de produo atual em si).
As formas, os fixos, retratam uma sociedade. a forma de se apropriar do espao
atravs das suas marcas culturais. Assim, escolheu-se um bairro tradicional de So Paulo para
demonstrar como o imigrante se apropria e transforma o espao, no apenas estruturalmente,
mas atravs das relaes sociais.
Para refletir sobre as transformaes scio-espaciais no Bom Retiro no podemos
tomar o bairro apenas como uma unidade territorial fixa, cercada por limites polticos e
administrativos; o bairro, antes de tudo, o local das relaes sociais, com uma histria
particular. Segundo CARLOS (1996):
significa pensar a histria particular de cada lugar se desenvolvendo, ou melhor, se realizando em funo de uma cultura/tradio/lngua/hbitos que lhe so prprios, construdos ao longo da histria ( p.20)
O Bom Retiro configura-se como bairro a partir de 1880. Atualmente, junto com o
bairro Ponte Pequena forma um distrito da subprefeitura da S, com seu nome e, devido
falta de informaes sobre os limites entre esses bairros, considerar-se- a rea do distrito para
o estudo.
A escolha do bairro, especificamente, foi feita por sua histria singular. O Bom Retiro,
assim como outros bairros da regio central do municpio de So Paulo, teve, desde a sua
origem, a influncia de imigrantes na formao do territrio, o que o diferencia dos demais
que essa influncia no se restringiu sua formao no incio e no decorrer do sculo XX,
mas o espao est em constante transformao e a influncia de culturas estrangeiras se
mantm at os dias de hoje.
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Cada cultura, cada sociedade, busca implantar suas marcas no espao, a maneira com
que ocorre a apropriao do espao e a formao do territrio. Na rea estudada, esse
fenmeno ocorreu no final do sculo XIX com os italianos; nas dcadas de 1940 e 1950 com
os judeus e, a partir da dcada de 1980, passou a ocorrer com a insero de uma nova cultura,
a dos coreanos; entretanto, num contexto adverso aos anteriores.
O objetivo do estudo mostrar essas formas de territorializao num mesmo espao,
mas em tempos diferentes. Como o imigrante e seus descendentes se apropriam do espao,
impem seus costumes e suas culturas e, principalmente, como essas comunidades se
distribuem e se relacionam.
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3 INSTRUMENTOS DA PESQUISA EMPRICA
A partir de questionamentos bsicos se buscou respostas que levassem a entender a
formao da rea de estudo.
A observao da paisagem foi o mtodo primordial, pois atravs desta outras questes
foram levantadas. Foi utilizado o estudo da paisagem numa perspectiva fisiolgica, buscando
entender os processos e as relaes entre os elementos dessa paisagem.
O segundo passo foi aplicar a pesquisa qualitativa visando entender os tipos de
relacionamento, o modo de vida, o cotidiano dos habitantes daquela regio.
Segundo Chizzotti (2006):
A pesquisa qualitativa recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo as cincias humanas e sociais, assumindo tradies ou multiparadigmas de anlise, derivadas do positivismo, da fenomenologia, da hermenutica, do marxismo, da teoria crtica e do construtivismo e adotando multimtodos de investigao para o estudo do fenmeno. (p.221).
Para a aplicao da pesquisa qualitativa fez-se uso de trs instrumentos de coleta de
dados:
Pesquisa bibliogrfica: o levantamento bibliogrfico de obras que discutem a
geografia urbana, a imigrao em So Paulo e o processo de formao e
transformao espacial da regio central de So Paulo e do bairro do Bom Retiro;
Pesquisa documental: fontes como jornais, revistas, vdeos, imagens e documentos
referentes ao processo de formao do bairro e da histria da imigrao na cidade de
So Paulo, com o objetivo de caracterizar nosso objeto de estudo;
E o Trabalho de campo na rea de estudo: fundamental, que contou com a
observao da paisagem, a realizao de entrevistas com moradores e trabalhadores
Formatado: Recuo: Primeiralinha: 1,25 cm, Espaamentoentre linhas: Duplo
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do bairro, visitas a organizaes religiosas, a festas, a centros de convivncia, escolas
e centros de estudos que pudessem fornecer informaes enriquecedoras ao trabalho,
assim como a albergues e entidades de acolhimento de imigrantes.
Buscou-se assim fazer a triangulao dos dados, procurando analisar o bairro nos
pontos de vista histrico e atual, visando as transformaes no espao, nos fluxos, nas
relaes sociais caracterizadas principalmente pela presena de grupos de imigrantes distintos.
Alguns dados foram mapeados visando proporcionar ao leitor a visualizao do bairro
por outra linguagem e de objetos especficos que retratam a regionalizao dessas
comunidades de imigrantes. Os mapas auxiliam no entendimento do uso do solo do Bom
Retiro.
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4 IMIGRANTES EM SO PAULO:
A imigrao no que veio a se tornar o Brasil, teve incio no sculo XV com a chegada dos
portugueses. Desde ento, muitos estrangeiros se aventuraram a explorar as terras
desconhecidas do Brasil. Franceses, holandeses, espanhis, muitos se fixaram em alguma
parte do imenso territrio que Portugal havia colonizado. O pau-brasil foi o primeiro
incentivo imigratrio; depois, a cana-de-acar, a corrida pelo ouro e a cafeicultura.
Entretanto, as primeiras ondas imigratrias oficiais ocorreram apenas no sculo XIX com o
fim da escravido e a necessidade de mo-de-obra para suprir a demanda da atividade
cafeeira.
No decorrer do sculo XX, muitos foram os estrangeiros que migraram para o Brasil. As
Guerras foram as maiores impulsionadoras do aumento do fluxo de europeus, asiticos,
africanos e latinos para o pas. Em So Paulo encontramos regies territorializadas por esses
grupos, como os bairros da Bela Vista e Bixiga, onde predominam os italianos e seus
descendentes; o bairro da Liberdade com orientais, principalmente japoneses, e outros bairros
da regio central da cidade que ainda carregam forte influncia de srios, libaneses, turcos,
gregos e outros grupos que entraram no pas no decorrer do sculo XX. Dentre esses grupos,
alguns sero destacados devido sua influncia no bairro do Bom Retiro e na regio central
da cidade de So Paulo.
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5 A FORMAO DO BAIRRO DO BOM RETIRO:
Localizado na regio central da cidade, em direo regio norte, at 1875 era uma
enorme chcara de propriedade de um judeu alsaciano chamado Manfred Meyer, dono da
primeira olaria da cidade, que loteou suas terras em uma poca de grande especulao
fundiria e imobiliria2. A venda de parte de sua propriedade ao governo, na qual se
localizava a sede da chcara, possibilitou a instalao da primeira Hospedaria de Imigrantes
da cidade em 1881, o que contribuiu muito para a formao social do bairro. Localizado na
regio central do municpio de So Paulo, teve sua histria pautada principalmente nos fluxos
migratrios. A proximidade com as estaes ferrovirias da Luz e Julio Prestes facilitou a
instalao de muitos imigrantes que chegavam ao Brasil, vindos principalmente da Europa,
que desembarcavam em Santos e chegavam a So Paulo atravs do transporte ferrovirio.
Os primeiros a se instalarem no bairro foram os portugueses e italianos, algumas
dcadas depois os judeus foram fixando residncia, construindo uma rea comercial e
industrial no bairro. Em meados do sculo XX, foram os coreanos que encontraram no Bom
Retiro o local do trabalho, da residncia e de conforto da comunidade.
Surgiu como bairro operrio, abrigava aqueles que vieram para trabalhar na indstria,
uma populao de baixa renda que se instalava em cortios, moradia que ainda vista em
grande quantidade no bairro. Todavia, muitos moradores se tornaram proprietrios de
pequenos comrcios, fornecedores de alguns tipos de servios, o que diversificou as
atividades econmicas locais.
2 Santos (2000) retrata que Meyer loteou suas terras aps seus vizinhos alemes lotearem com
sucesso a Chcara Carvalho que viria a se tornar o bairro Campos Elseos. A valorizao fundiria da regio se deu com a formao das primeiras indstrias na vrzea do Tiet e Tamanduate, a transferncia da aristocracia rural para a cidade e a ascenso de uma burguesia que, com a falncia do Banco Mau, em 1875, viu no mercado imobilirio e fundirio um eixo de investimento.
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A partir da, relaes culturais, econmicas e sociais foram formando e transformando
o bairro que, de residencial e industrial, com o passar do tempo, se tornou tambm uma
centralidade comercial.
A histria do bairro do Bom Retiro mostra a importncia dos fluxos dentro de uma
cidade. Desde os fluxos migratrios at a formao de redes que definem a dinmica do
espao.
5.1 O papel das redes
O bairro do Bom Retiro teve a sua primeira metamorfose no final do sculo XIX com a
transformao da paisagem rural em funo da implantao de fragmentos de redes materiais
e sociais que deram um carter urbano regio.
As redes se formam num dado momento da histria em que um conjunto de fatores exigido pela dinmica social, local e global combinados numa dada localidade, e que terminam por gerar uma ao mobilizadora em direo mudana espacial. (Santos, 2000, p.16)
As transformaes no bairro no ocorreram isoladamente, foi parte de um processo muito
mais amplo. A revoluo industrial chegava ao Brasil a passos lentos, mas So Paulo possua
capital para investir na indstria e assim o fez, provocando mutaes nos fluxos, nos fixos
(uma vez que foram alteradas as caractersticas estruturais da cidade para a implantao da
indstria) e na formao de redes.
O transporte ferrovirio, impulsionado pela atividade cafeeira, foi um dos principais
fatores de formao e crescimento de cidades do interior de So Paulo e de bairros na rea
central da capital paulista. Formou a primeira rede importante do estado que, alm de
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transportar produtos para a exportao, passou a atender a circulao de pessoas, dentre essas
os imigrantes que chegavam ao pas pelo porto de Santos.
A primeira ferrovia construda em So Paulo foi a So Paulo Railway, inaugurada em
1867, ligava Santos a Jundia e tinha 159 quilmetros de extenso. Em 1901 foi inaugurada a
maior estao da linha, a Estao da Luz, que foi um smbolo da poca industrial, da chegada
dos imigrantes cidade e, inclusive, da formao do bairro do Bom Retiro, alm de outros da
regio central. Em 1947, ao trmino da concesso da empresa inglesa, a rodovia foi
nacionalizada e passou a se chamar Estrada de Ferro Santos a Jundia. Com a construo de
estaes por pontos da cidade de So Paulo, a ferrovia ajudou a estruturar alguns bairros
como Lapa, Barra Funda e Brs e incentivou a formao de indstrias nessas localidades.
O estudo das redes nos leva a entender a dinmica de um lugar. Segundo Milton Santos,
podemos examin-las por dois enfoques: o gentico e o atual. Pelo gentico diagnosticamos
as transformaes do meio datadas e decorrentes de momentos diversos, seria uma
reconstituio da histria do lugar. Pelo enfoque atual temos estudos estatsticos e anlises das
relaes entre os objetos da rede com a sociedade. Os dois enfoques se complementam e so
fundamentais para uma anlise geral de certo lugar.
No Bom Retiro podemos analisar algumas redes que se formaram e fizeram parte da
histria do bairro.
As redes administrativas, exemplificadas no bairro atravs de bases militares e outras
instituies militares e civis; as redes de comunicao, representadas primeiramente pelas
estaes de trem, o principal meio de transporte do incio do sculo XX; alguns anos depois,
pelas linhas de bonde de grande circulao no bairro e, atualmente, a grande quantidade e
disponibilidade de jornais e revistas de lngua coreana que retratam uma nova poca de
fluxos. Tambm pode ser exemplificada as redes sociais que, pode se dizer, possuem um dos
maiores, seno o maior impacto nas transformaes do espao.
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As redes sociais so formadas pelo contingente humano instalado num certo espao. No
Bom Retiro podemos destacar as comunidades de imigrantes que se instalaram e
territorializaram o bairro.
5.2 A paisagem como objeto de anlise
A paisagem uma das categorias bsicas do espao. E ela ser o principal foco desse
estudo, pois a partir da anlise da paisagem sero associados outros fatores como as redes, os
fluxos, as relaes sociais. Sendo as transformaes na paisagem norteadoras pelas aes
sofridas no espao e o ponto de partida para se buscar o entendimento dessa reproduo do
espao urbano do Bom Retiro.
Segundo Milton Santos (1988), a percepo ainda no conhecimento, depende de sua
interpretao e esta ser tanto mais vlida quanto mais limitarmos o risco de tomar por
verdadeiro aquilo que s aparncia. (p. 62).
Para pensar o bairro do Bom Retiro como uma centralidade deve-se analisar o processo
histrico em que ele participa. Nesse contexto, a observao da paisagem fundamental na
busca de uma reflexo sobre o modo de produo do espao a partir das relaes sociais.
Segundo CARLOS (1994):
A paisagem aparece como forma de manifestao do espao geogrfico superando a idia de elemento esttico, a paisagem antes de tudo um elemento de leitura do mundo. As formas e fenmenos so antes de tudo produtos das relaes sociais na produo e reproduo do espao. (p. 48)
Analisar as mutaes da paisagem tambm verificar um processo pelo qual se identifica
como esse segmento do espao se metamorfoseia atravs da produo, instalao e evoluo
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de fragmentos de redes materiais e sociais de um espao total. Entretanto, essa transformao
do espao no passiva, sendo este tambm um agente do modo de produo que o produziu
(LEFEBVRE, 1991). A insero dos imigrantes no Bom Retiro foi fundamental para a sua
formao e para os processos de transformao que se seguem. A influncia de vrias culturas
originou uma dinmica local prpria, formando centros de convivncia particulares.
Temos assim uma paisagem singular, onde se confrontam resqucios da presena italiana,
notadas na arquitetura das edificaes residncias, na forma de cortios, principalmente nas
ruas prximas linha ferroviria onde ainda encontram-se muitas fbricas de estrutura antiga,
em alguns pequenos comrcios como mercearias e lanchonetes nas reas mais residenciais,
afastadas da centralidade txtil que se formou no bairro. Da cultura judaica, a arquitetura das
edificaes tambm retratam um momento especfico da histria do bairro, no qual elas eram
construdas para abrigar a famlia, a confeco e a loja, poca em que o comrcio de vesturio
surgia no Bom Retiro. As sinagogas, pouco modificadas, tambm retratam a permanncia
dessa cultura no espao.
Com a cultura oriental dos coreanos, que passaram a residir e trabalhar no bairro a partir
da dcada de 1980, a paisagem se transformou com a insero de comrcios coreanos,
escolas, igrejas com as fachadas bem definidas pela lngua nativa desses imigrantes, alm do
fluxo de pessoas com traos fsicos caractersticos, que demonstram a apropriao do espao
por esse grupo. Nos primeiros anos do sculo XX, a chegada de muitos bolivianos e latinos
em geral passou tambm a transformar a paisagem e os fluxos dessa regio, entretanto, pouco
se observa, da presena desses, na paisagem fsica do bairro, apenas pelo fluxo de pessoas que
tambm apresentam traos fsicos bem definidos e caractersticos e por alguns comrcios,
principalmente de alimentos, que apresentam cardpios de comidas tpicas da Bolvia como as
famosas salteas.
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6 AS RELAES INTERCULTURAIS EM UM ESPAO COMPARTILHADO:
Nos anos de 1880, cresce a entrada de imigrantes pelo porto de Santos. Com o fim do
trfico negreiro, aumenta a demanda por mo-de-obra, tanto para a cafeicultura, como para a
ascendente indstria em So Paulo; a presena de imigrantes trabalhadores passa a ser
fundamental para o desenvolvimento da economia local.
Segundo DERTONIO (1970),
De 1870 a 1874 entraram no Estado de So Paulo 1.275 imigrantes, predominando os
portugueses;
De 1875 a 1879 entraram 14.416 imigrantes, a maioria, italianos;
De 1887 a 1902 entraram cerca de 800.000 italianos, 80.000 portugueses, 90.000
espanhis, 18.000 austracos e 25.000 de outras nacionalidades, sendo o ano de 1891 o
pico de imigrao italiana, com a entrada de 132.326 imigrantes.
Em suma, de 1827 a 1936 calcula-se que cerca de 3.000.000 de pessoas entre brasileiros
de outros estados e estrangeiros entraram em So Paulo, sendo 32,5% desse total de italianos.
(p.21)
O Bom Retiro participa desse momento histrico de fluxos de pessoas e de
transformaes das atividades econmicas grande parte por sua posio geogrfica. O bairro
est na rea central da cidade entre as duas principais linhas de transporte da poca, as
estaes de ferro So Paulo (1875), que a partir de 1951 teve seu nome alterado para Julio
Prestes e a Estao da Luz (1867), e est localizado muito prximo centralidade industrial
que se formava no incio do sculo XX.
Brs, Mooca, Barra Funda, Luz, Bom Retiro, dentre outros bairros considerados na
poca, perifricos, se caracterizaro por serem essencialmente operrios.
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A instalao desses operrios nesses bairros fez com que eles se desenvolvessem
estruturalmente. O bonde foi um smbolo desse desenvolvimento urbano.
Inaugurao da linha de bondes Bom Retiro, em 12 de maio de 1900. Fonte: Galeria de fotos do site da Prefeitura de So Paulo
Alguns grupos se destacam por terem se estabelecido e territorializado a regio central da
cidade. No Bom Retiro se destacam as famlias de:
Italianos:
Foram muitos os imigrantes italianos que se destinaram ao pas, o principal destino
desses era o Estado de So Paulo, os que no se destinavam ao interior do Estado para
trabalhar na agricultura, principalmente cafeicultura, se instalavam na regio central da cidade
de So Paulo, principalmente nos bairros operrios que era onde existia trabalho, alimentos e
moradia.
Os italianos foram os primeiros imigrantes a entrarem no pas atravs de um acordo entre
naes. Distriburam-se em certos espaos a eles concedidos, nos quais se organizavam em
colnias, muitas sobrevivem at hoje com seus costumes e tradies. A transformao de
grandes casares em cortios que abrigavam vrias famlias de operrios foi uma das
caractersticas dos bairros que surgiam em volta s fbricas. Alm de moradia, muitos quartos
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acumulavam outras funes e se tornavam pequenos estabelecimentos comerciais, como
sapateiros, chaveiros, costureiros etc.
Os bairros da Bela Vista e da Mooca foram os que tiveram maior influncia da cultura
italiana, tanto que ela resiste por mais de um sculo atravs das festas tpicas, dos restaurantes
de massas, das igrejas catlicas etc. No Bom Retiro e na Barra Funda tambm houve esse
contato, entretanto foi se dissolvendo com o passar do tempo, ainda possvel verificar a
presena desse grupo, principalmente na arquitetura das casas que participa da paisagem dos
bairros.
A presena italiana no Bom Retiro se deu mais prxima vrzea do Tiet, regio menos
valorizada do bairro devido s cheias do rio e por ser oposta Estrada de Ferro, local mais
valorizado. Essas famlias foram se reduzindo ao longo da primeira metade do sculo passado,
a populao operria foi partindo junto com as fbricas que migraram para outras regies,
como para o Grande ABC. Atualmente, a colnia possui uma rua no bairro em sua
homenagem, a Rua dos Italianos, mas tem pouca representatividade em populao residente e
na rea comercial, tendo apenas 5% das lojas do comercio local. Um restaurante tradicional
o Bom Ra, localizado na Rua dos Italianos, serve comida brasileira entre os tantos
restaurantes coreanos que encontramos no bairro, criado por descendentes italianos, hoje
conta com scios grego, baiano e um afro-descendente, o que demonstra claramente a
multiculturalidade do bairro.
Judeus:
A imigrao de judeus para o Brasil se iniciou ainda na poca colonial. As expulses
de judeus da Espanha e a converso forada para cristos-novos em Portugal fizeram com que
muitos judeus se deslocassem para as colnias. A Abertura dos Portos e o Tratado de Paz e
Amizade (1810) entre Portugal e Inglaterra criaram boas condies para a permanncia e para
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a chegada de novos imigrantes judeus, j que esse tratado permitia o estabelecimento de no-
catlicos no Brasil.
A primeira comunidade judaica organizada a se estabelecer no pas foi a Associao
Israelita Shel Guemilut Hassadim no Rio de Janeiro na primeira metade do sculo XIX. A
primeira sinagoga do Brasil foi inaugurada em 1639 na cidade de Recife em Pernambuco
(Sinagoga KAHAL ZUR ISRAEL).
Encontramos no Brasil, judeus de origens diferentes, os que vieram da Europa
Oriental, principalmente da Polnia e da Rssia, so chamados asquenazis,de idioma idiche.
Os que vieram de pases como Egito, Sria e Lbano so os sefaradis tambm habitavam os
pases de Espanha e Portugal. Esses dois grupos se organizavam em comunidades separadas,
construindo sinagogas, clubes e escolas distintas.
Segundo POVOA (2007) Os judeus que imigraram para o Brasil so de correntes e
etnias diferentes (...) h comunidades muito diferentes entre si, tanto pela lngua e pela cultura
como pelo passado histrico diverso, que se organizavam em grupos com identidades prprias
e criaram sinagogas, clubes, grupos de acolhimento". (p.81)
Em So Paulo, no incio do sculo XX, eles passaram a se estabelecer nos bairros do
Bom Retiro (asquenazim), Brs e Mooca (sefaradim). De acordo com o arquivo histrico
judaico brasileiro, em 1930 havia cerca de 15 mil judeus em So Paulo.
A chegada dos judeus, a partir da dcada de 1920, desenvolveu outra atividade que
diferenciou o Bom Retiro dos demais bairros operrios, foi o crescimento da atividade
comercial. Os judeus e os gregos que tambm se instalaram na regio, mas em menor nmero,
transformaram o Bom Retiro na Meca das roupas baratas, como ficou conhecido.
Pvoa (2007) dividiu essa migrao judaica em sete levas migratrias:
O primeiro grupo que chegou ao Brasil data do perodo colonial de 1624, esse fluxo
continuou ao longo dos sculos posteriores.
Formatado: esquerda,Recuo: esquerda: 0 cm,Primeira linha: 0,76 cm,Espaamento entre linhas: Duplo
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No Bom Retiro, a chegada de poloneses judeus se deu antes da I Guerra Mundial. No
entanto, ressalta-se o perodo entre 1930 e 1947 quando chegaram cerca de 30.000 judeus ao
Brasil, poloneses, rabes, israelitas, russos, gregos e armnios. Hitler e a perseguio ao povo
judeu foram os maiores responsveis por essa grande evaso de seguidores do judasmo.
Ao se instalarem no Bom Retiro, foram formando uma comunidade e colocaram suas
marcas no territrio. Instalaram-se primeiramente na parte alta do bairro, nas ruas mais
prximas ferrovia (rea mais valorizada na poca). Fundaram no bairro as duas primeiras
sinagogas da cidade em 1912 e em 1916, mesmo ano em que tambm foi fundada a primeira
escola judaica brasileira, Renascena.
Com os judeus, comeou a se desenvolver uma atividade comercial na regio associada
confeco e importao de artigos finos, concentrando-se no ramo de malharia. De incio, um
comrcio ambulante, exercido pelas ruas do centro da cidade e do prprio bairro, inclusive
nas portas das casas de operrios italianos, esses mascates eram chamados de russos de
prestao. Os primeiros imigrantes judeus vieram de regies do antigo imprio czarista que
se encontrava em franca decadncia, por isso o apelido de russos.
O segundo grupo de judeus a se instalar no Bom Retiro era proveniente da Polnia. A
maioria desses imigrantes vinha de pequenas cidades do centro e do leste da Europa.
A instalao no Bom Retiro no foi apenas pela proximidade com a estao ferroviria, a
localizao na vrzea do Tiet acarretava em terrenos baratos, conseqentes da baixa renda
dos trabalhadores do local, operrios, assim como a proximidade do centro da cidade
possibilitava um mercado consumidor em expanso atraente para os mascates.
Aps um tempo, esses mascates abriram seus prprios estabelecimentos, principalmente,
no setor de confeco, lojas de tecidos e arruamentos. A estrutura familiar era fundamental
para o comerciante judeu, que na maioria das vezes, construa a loja na frente ou embaixo de
sua residncia, onde toda a famlia trabalhava.
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Loja localizada na Rua So Caetano, Bom Retiro, So Paulo (1946). Foto: Arquivo Histrico Judaico Brasileiro
Com o passar dos anos, foram chegando ao bairro, judeus de vrios pases, que
construam suas sinagogas e fortaleciam ainda mais a territorializao desse grupo. A
comunidade judaica recriou seu modo de vida e construiu uma estrutura aos moldes da sua
terra natal.
Um povo muito unido que v na famlia e na religio os fundamentos da vida, e buscam
preservar ao mximo sua cultura e seus costumes, sendo nos encontros na sinagoga ou em
clubes fechados para a comunidade ou mesmo nas prprias tarefas do cotidiano.
Essa unio tnico-religiosa pode ser demonstrada na criao de uma associao pelos
judeus j estabelecidos, que recebia e encaminhava os recm-chegados. Dava assistncia
econmica, social, ajudava as famlias a se estabelecerem na cidade com emprego, escola para
as crianas, moradia etc.
Nas dcadas de 1930 e 1940 era possvel verificar uma miscelnea de culturas no Bom
Retiro. Segundo o Censo de 1934, o bairro era composto por portugueses, italianos,
espanhis, alemes, austracos, hngaros, russos, japoneses, srios e outras nacionalidades.
Entretanto, geograficamente, os judeus, principalmente os ortodoxos, se concentraram na
parte alta do bairro, formando um enclave tnico. Segundo relatos, a convivncia era pacfica
apesar das diferenas culturais.
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As relaes entre italianos e judeus, os dois principais grupos tnicos do bairro, sempre
foi muito boa, apesar das diferenas culturais e religiosas. As dificuldades causadas pelas
cheias do Tiet foi um dos fatores que uniu esses grupos. A comida foi outro, as padarias,
pizzarias e cantinas conquistaram os povos do leste europeu.
A relao comercial tambm era muito boa, pois os judeus eram tidos como bons
pagadores. Havia trocas comerciais, os italianos adquiriam mercadorias dos judeus mascates e
esses consumiam principalmente bebidas e alimentos das vendas italianas.
Provavelmente, a maneira pacfica com que se relacionavam esses dois povos era
decorrente da dupla dependncia que havia, no concorriam em suas produes e isso fazia
com que trocassem as mercadorias.
A presena dos judeus passou a declinar a partir do final da dcada de 1960, as novas
geraes foram criadas e educadas para terem ofcios, profisses que no a de comerciante,
algo mais rentvel, o que fez com que muitas famlias vendessem suas lojas e migrassem para
outros bairros melhor estruturados e de classe alta, como Higienpolis. De acordo com
Alexander S. Evaso, em 1968, 30% da populao judaica da cidade de So Paulo morava no
Bom Retiro; em 1980 apenas 13%. Entretanto muitas famlias ainda possuem imveis na
regio e locam aos novos habitantes do bairro; estima-se que atualmente 40% dos pontos
comerciais sejam de propriedade de judeus.
Gregos:
Na dcada de 1950 muitos gregos se instalaram no bairro. A guerra civil na Grcia entre
1946 e 1949 provocou um deslocamento grande de gregos para o Brasil, de acordo com
reportagem de Sandra Soares, nos anos de 1960 havia cerca de 15000 gregos no Estado de
So Paulo e mais de 100 famlias no Bom Retiro. A participao dessa comunidade na
formao do bairro no foi to intensa, muitas famlias retornaram ao pas de origem e hoje
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menos de vinte famlias ainda permanecem no local. Entretanto, um dos mais tradicionais
restaurantes gregos de So Paulo est localizado na Rua da Graa, no Bom Retiro, Acrpoles
que foi fundado em 1959 e ainda hoje administrado por um imigrante grego.
Coreanos:
Oficialmente, a imigrao coreana no Brasil teve incio em fevereiro de 1963, antes
disso, apenas algumas famlias chegaram ao Brasil para trabalhar como colonos agrcolas. A
Guerra da Coria na dcada de 1950 foi a grande impulsionadora dessa onda migratria,
sendo a maioria dos imigrantes habitantes da Coria do Sul.
A maioria dos que se instalou no pas na dcada de 1960 se deslocou para as reas
urbanas, sendo So Paulo o principal destino.
Os primeiros que migraram para So Paulo nos anos de 1960 se instalaram na Vila
Coreana no bairro da Liberdade. Os aluguis eram baratos e a cultura oriental j marcante
pelos japoneses facilitava a adaptao desse povo ao ocidente. Nas dcadas de 1980 e 1990, o
Brs e o Bom Retiro foram os lugares escolhidos para se instalarem comercialmente e aos
poucos foram fixando residncia tambm nesses bairros.
Chegaram aos poucos, trabalhando como operrios, costureiras, nas pequenas fbricas
judaicas, entretanto, muitos pertenciam classe mdia e tinha algum capital para comear a
vida em So Paulo. O comprometimento em economizar e as alianas familiares em prol
disso, possibilitou a ascenso econmica e social desses coreanos, que passaram a adquirir os
pontos comerciais dos judeus.
Economicamente, a expanso coreana no Bom Retiro foi de grande valia para os judeus
que buscavam sair do bairro. O interesse deles por adquirir pontos comerciais se uniu aos
interesses dos judeus que buscavam vender os seus.
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De acordo com dados da Embaixada Coreana de 1966, das famlias coreanas que
chegaram e se fixaram em So Paulo, 75% trabalhavam no setor da indstria domstica
(confeco e malharia).
A indstria txtil absorveu grande parte desses coreanos, apesar da pouca ou nenhuma
experincia no ramo, a matria-prima era conseguida com boas facilidades e havia a
possibilidade de empregar toda a famlia. Com isso, j na dcada de 1970 era possvel
encontrar no Bom Retiro as primeiras lojas coreanas. Muitos destes proprietrios haviam
comeado como costureiros em lojas de judeus e com o tempo se tornaram donos dos
estabelecimentos.
A instalao dos coreanos no Bom Retiro proporcionou uma valorizao do bairro que se
encontrava em ligeira decadncia. A abertura de lojas modernas com produtos de boa
qualidade a preos baixos aumentou a dinmica local e valorizou a rea comercial do bairro.
Segundo Truzzi (2001) Dois mecanismos aparecem como fundamentais compreenso
da rpida mobilidade econmico-social experimentada pelos coreanos em So Paulo: o
engajamento da famlia no trabalho e a capacidade de articular redes internas colnia para
facilitar a insero na nova ptria.
Os coreanos transformaram a dinmica do comrcio local com a implantao do giro
rpido do estoque, o ritmo de trabalho intenso em suas confeces, a introduo de um
marketing inovador, principalmente na organizao e design de suas lojas. Tudo isso
provocou a renovao do comrcio tradicional do bairro. A boa qualidade dos produtos e o
preo baixo so reflexos de rduo trabalho que envolve toda a famlia. O emprego de
funcionrios registrados nas lojas e confeces coreanas o mnimo possvel para cortar
gastos desnecessrios com salrios e tributos.
As lojas coreanas transformaram o bairro, valorizaram muito a rea comercial, pois alm
de possurem mercadorias de qualidade a bons preos, construram estabelecimentos refinados
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que no perdem em nada para lojas de shoppings e de ruas de comrcio de alto padro como a
Oscar Freire no Jardins, bairro nobre de So Paulo.
Atualmente so maioria no bairro, tanto em residncias como no comrcio, algo que
provocou e ainda provoca choque de culturas, hbitos e costumes com os antigos moradores.
O relacionamento entre coreanos e judeus sempre foi basicamente comercial. Segundo os
judeus, os coreanos so bons pagadores, o que faz com que sejam bons clientes. Eles pagam
muito bem pelos imveis, e com a modernizao da rea comercial, valorizaram muito o
bairro. A troca de interesses facilitou a aceitao dos coreanos pelos judeus, j que muitos
estavam querendo sair do bairro e buscavam compradores, entretanto, os que ficaram tiveram
algumas dificuldades com a competio dos coreanos, que investiram bastante no comrcio de
roupas. Muitos judeus que permaneceram no comrcio do Bom Retiro mudaram de produto
para fugir da competio coreana, h vrias lojas de bijuterias, bolsas, armarinhos, tecidos de
propriedade de descendentes judeus (20%).
No h um convvio ntimo a ponto de desenvolver qualquer relao de vizinhana.
Alguns judeus declararam que os coreanos so muito fechados em sua comunidade, no se
relacionam com outras culturas e tambm no se abrem para que outros conheam a deles.
Algo bem semelhante com a cultura judaica.
J os coreanos no gostam da relao de dependncia com os judeus, que ainda possuem
a fonte de matria-prima a que eles necessitam (grande parte dos judeus que permaneceram
no ramo txtil se especializou em tecidos e fios e muitos estabelecimentos ainda so de
propriedade dos judeus) fortalecendo um relacionamento entre proprietrio e locatrio.
Entre os coreanos, h uma relao muito forte, principalmente atravs da religio. Os
centros no so apenas religiosos, so palcos de sociabilidade que abrigam ncleos
econmicos de ajuda em prol de algum objetivo da comunidade, chamados kye. No Bom
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Retiro, os kyes foram muito usados para a formao de lojas e confeces, grandes
financiadores da ascenso coreana em So Paulo.
O investimento dos coreanos na parte social intenso, h vrias associaes coreanas de
carter religioso, cultural e esportivo, o que faz com que a comunidade esteja sempre unida e
mantenha os laos culturais. As principais organizaes so: Associao Brasileira dos
Coreanos, a Cmara de Comrcio e Indstria Brasil-Coria, a Associao Brasileira dos
Desportistas Coreanos alm das vrias igrejas protestantes, uma catlica e um templo budista.
foto: Luana Marum/2009
Jornais Coreanos comercializados no Bom Retiro
Bolivianos:
Os Bolivianos comearam a entrar no Brasil em maior nmero em meados do sculo
XX. Os primeiros eram estudantes que buscavam terminar seus estudos no pas e se instalar
como trabalhadores liberais, a maioria de classe mdia e bom nvel de instruo.
A maior onda imigratria de bolivianos se iniciou na dcada de 1980. Um perfil bem
diferente de bolivianos que fugiam da pobreza e entravam no Brasil de maneira clandestina.
Formatado: Fonte: (Padro)Times New Roman, 10 pt
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Muitos se estabeleceram em Corumb, no Mato Grosso do Sul, fronteira com a
Bolvia, e em cidades de Rondnia. Os que tiveram mais oportunidades, e contatos, se
dirigiram para So Paulo.
No Bom Retiro eles tero um papel econmico importante, pois so responsveis por
parte das confeces de roupas comercializadas na regio, devido baixa remunerao que os
comerciantes pagam aos bolivianos. Eles vendem sua mo-de-obra a um preo bem inferior
ao do mercado em geral.
Com um relacionamento bastante difcil entre esses e os coreanos, tm sua mo-de-obra
explorada por no terem direitos legais, j que grande parte entra no pas de forma
clandestina.
A dificuldade que tem um boliviano com um coreano. O convvio no 100% bom, no. O convvio com o coreano cheio de problemas e dificuldades. Isso tambm no representa que todo coreano ruim, tm alguns bons como em todo lugar (...) mas dentro da confeco, o coreano sabe aproveitar de explorar a mo-de-obra do boliviano. O boliviano precisa trabalhar. ( Jorge Gutierrez, radialista, Boliviano e morador do Bom Retiro, vdeo Bom Retiro das Naes, 2006)
Esse grupo ser estudado mais adiante em captulo destinado a ele.
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7 O PAPEL DA RELIGIO NA APROPRIAO DO ESPAO:
A Religio tem um papel fundamental na vida dos habitantes do Bom Retiro. Tanto os
judeus como os coreanos tm na religio um alicerce que faz parte do cotidiano da grande
maioria. Os centros religiosos sempre foram os principais locais de acolhimento e para
pessoas que deixaram seus pases e, muitas vezes, suas famlias, passa a ser um refgio, o
local onde pode reviver seus costumes e se sentir mais prximo da terra natal.
Os primeiros judeus a se instalarem no bairro vieram da Rssia (ex-URSS) e da Polnia
no incio do sculo XX. J em 1912 fundaram a primeira sinagoga de So Paulo, no Bom
Retiro, a Sinagoga Kahalat Israel (anexo), na Rua da Graa e em 1916 a Sinagoga Knesset
Israel na Rua Newton Prado, ambas com ritos ashkenazi. De acordo com a regio de que
vinham esses migrantes, possuam ritos prprios e assim acabavam por construir suas prprias
sinagogas. O rito ashkenazi era relacionado aos migrantes da Europa Oriental e Central, o
sefaradi, aos da Pennsula Ibrica, frica do Norte e sia.
O papel da sinagoga vai alm da religio, um centro de convivncia e fraternidade. J
fora abrigo de recm-chegados, abrigo de doentes, palco de encontros e arranjos de
casamento... Enfim, o principal local de encontro entre os judeus, o elo entre a cidade natal
e o cotidiano, onde as tradies se mantm e se reproduzem.
Encontramos no Bom Retiro as sinagogas: Kehilat Hadass Iereim, Rabi Itzchak
Elchanan, Talmud Tora Lubavitch, Machzikei Hadat, Adat Ishurum, Ahavat Reim, Kehilat
Israel.
A maioria das religies tem como princpio a caridade e a solidariedade, o judasmo no
diferente. Muitas foram as entidades assistencialistas criadas no Bom Retiro, atualmente a
UNIBES Unio Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social a centralizao de sete entidades
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sociais israelitas. A primeira, fundada em 1915 foi a Sociedade Beneficente das Damas
Israelitas, no ano seguinte inaugurada a EZRA que auxiliava os imigrantes judeus que
vinham da Europa, em 1924 se fundou com a Sociedade Pr-Imigrante, tornando-se a
Sociedade Beneficente Israelita EZRA.
Em 1929, surgiu a Sociedade Beneficente Linath Hatzedek para auxiliar a comunidade
nas questes mdicas e de sade. Na dcada de 1930, duas entidades ligadas criana
incorporaram a rede assistencial israelita, a Gota de Leite da B'nai B'rith e o Lar da Criana
das Damas Israelitas. Essas duas entidades junto com a Sociedade das Damas Israelitas se
fundiram em 1940 na OFIDAS (Organizao Feminina Israelita de Assistncia Social). Em
1969, criou-se o Servio Social Unificado da comunidade judaica. A Unibes foi fundada em
1976 a partir da fuso de Ezra, Policlnica e Ofidas e hoje a principal entidade assistencial
da comunidade judaica em So Paulo. (www.unibes.org.br)
O mesmo acontece com a comunidade coreana. A maioria protestante encontra o mesmo
acolhimento nas vrias igrejas evanglicas, que so tambm centros de estudos e de atividades
em geral, local onde a comunidade se relaciona, faz cursos e mantm suas tradies.
importante o papel da religio para a adaptao desses imigrantes no novo pas.
(...) as instituies mais notveis, que desempenham papis de maior relevncia so as igrejas (sobretudo as protestantes), pontos de condensao de toda uma rede intracomunitria de sociabilidade e solidariedade. De modo geral, as famlias coreanas no deixam de freqentar alguma igreja, protestante ou catlica. (Truzzi, 2001, p.151)
As igrejas no oferecem apenas servios religiosos, o local de agregao para os recm-
chegados, a porta-de-entrada dos recm-chegados. Ali se trocam idias, trabalhos,
servios, notcias do pas de origem, se formam relaes de amizade, namoros e at
matrimnios. Cursos da lngua local tambm so ensinados nas igrejas, assim como cursos
profissionalizantes para auxili-lo no ingresso ao mercado de trabalho. Os coreanos tambm
se organizam para prestarem ajuda financeira aos recm-chegados, ou aos mais necessitados
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da comunidade, so os chamados Kye, que so uma forma de reunir dinheiro para uma causa
especfica.
A Igreja Missionria Coreana, construda na antiga fbrica de caf Tiradentes, tem cerca
de 3 mil freqentadores que vm de toda a cidade. Segundo Mario Henrique, freqentador e
funcionrio da igreja, 90% so coreanos e descendentes de coreanos e 10% possuem outras
nacionalidades. H uma diviso nos cultos, os coreanos se renem em um grupo chamado
IMOSP e os cultos acontecem na lngua coreana, por isso so separados dos demais, os
SEMOSP ou Ministrio do Portugus tem os cultos em portugus para o restante dos
freqentadores.
A religio no bairro o principal smbolo de segregao entre as diferentes etnias.. O
matrimnio era algo que desestabilizava o bom relacionamento entre esses grupos. O
casamento entre eles no era bem visto por ambas as partes, o receio de que a mistura de
culturas enfraquecesse as tradies fazia com que a famlia fosse rgida na permisso do
casamento. At mesmo dentro da religio judaica havia o preconceito entre os judeus de
pases distintos, freqentadores de sinagogas diferentes. Com o passar do tempo, as
resistncias ao casamento inter-tnico diminuram, as novas geraes passaram a ser mais
tolerantes, mas ainda hoje o casamento com um goy (no-judeu) no admirado pela famlia,
assim como entre um coreano e um brasileiro.
Em 2009 foram catalogadas 20 sinagogas, 19 Igrejas Protestantes e 15 Igrejas Catlicas
no bairro. O que mostra a importncia da religio na apropriao do espao e formao do
territrio.
Formatado: Fonte: (Padro)Times New Roman, Itlico
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8 AS FORMAS E OS USOS DO ESPAO:
Aps o loteamento e arruamento da Chcara Bom Retiro e algumas outras ao seu redor
no final do sculo XIX, a rea central da cidade de So Paulo comeou a se modificar tanto
estruturalmente, como social e economicamente.
Como explicitou Santos (2000):
Definia uma primeira zona urbana em oposio a uma rural, graas implantao e o desenvolvimento das infra-estruturas do consumo coletivo, da diversificao das edificaes (com estrutura e estilo), dos modos de se habitar e conviver, assim como tambm, passava a classificar bairros de elites e de operrios... como o Bom Retiro(p.55).
A vrzea do Tiet limitava o bairro ao norte, ao sul e oeste a ferrovia o separava dos
Campos Elseos e leste, o Parque da Luz, antigo Horto Botnico o limita do bairro da Luz.
Em meados de 1880, a instalao crescente de indstrias na cidade de So Paulo e a
decadncia das fazendas de caf fizeram com que muitos imigrantes, principalmente italianos,
se instalassem na cidade para suprir a demanda por mo-de-obra.
Brs, Bom Retiro e Barra Funda foram formados nessas circunstncias. O Bom Retiro,
por se localizar muito prximo Estao da ferrovia So Paulo Railway (1867) que ligava
Santos a Jundia, porta de entrada da maioria dos imigrantes, foi sede da primeira hospedaria
de imigrantes de So Paulo, que permaneceu no local por cinco anos.
O bairro tambm abrigava o terminal rodovirio da cidade, por onde tambm chegavam
migrantes nordestinos.
Alm do rio (Tiet), tanto a ferrovia quanto o jardim (Jardim da Luz) marcaram profundamente, nas dcadas seguintes, a fisionomia do bairro. A primeira representava o trabalho das indstrias instaladas ao longo de seus trilhos, dos imigrantes por ela trazidos, nas mercadorias por ela embarcadas -, e o segundo fornecia uma das raras alternativas de lazer com os piqueniques, os coretos e as fotos no jardim batidas com cmaras-caixes pilotadas por lambe-lambes. (TRUZZI, 2001)
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A cidade se estruturava para abrigar a industrializao e no Bom Retiro no seria
diferente, a antiga fazenda dava lugar a ruas, fbricas e muitas casas operrias que na poca
eram construdas na forma de cortios. Os bairros operrios eram essencialmente dormitrios
com o desenvolvimento de pequenas casas de comrcio e servios para suprir as necessidades
bsicas dessa populao. Aos poucos, as indstrias se inseriam no bairro prximo linha
ferroviria, e a paisagem demonstrava traos de uma comunidade que territorializava o centro
de So Paulo.
As igrejas catlicas, primeira religio a fazer parte do bairro, compuseram a paisagem do
bairro no incio do sculo e mantm suas edificaes at hoje. Dentre elas pode-se citar a
Parquia Nossa Senhora Auxiliadora: a segunda Igreja Salesiana de So Paulo, fundada em
1914, juntamente com o Instituto Dom Bosco, mas sua estrutura s fora construda em 1918
por meio de uma pequena capela. A Congregao Salesiana, entretanto, pretendia construir
junto Parquia um centro de ensino e, em 1923 iniciara a construo da nova matriz e do
Santurio que viria a ficar pronto em 1953.
A Parquia fora muito freqentada por italianos e descendentes desses. Com a migrao
deles para outros bairros e a chegada dos israelitas, a igreja perdeu muitos adeptos, e isso
continuou acontecendo com a chegada dos coreanos, predominantemente evanglicos. Em
uma capela lateral, os poloneses catlicos construram uma pequena igreja para a sua colnia,
onde h um altar dedicado Nossa Senhora de Czestochowa, Rainha da Polnia, Padroeira
oficial da nao polonesa. A missa realizada at hoje em polons todos os domingos s
11h00.
A religio judaica tambm implantou suas marcas no espao no apenas atravs das
sinagogas, a Escola Renascena surge em 1922, o primeiro colgio judaico em So Paulo
fundado por imigrantes judeus da Europa Oriental. Sua primeira instalao foi na esquina das
ruas Amazonas e Trs Rios, no Bom Retiro. Na mesma dcada ainda se mudou para outras
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duas casas na Rua Florncio de Abreu e Av. Tiradentes. Se instalando em uma sede prpria
na Rua Prates em 1937. A escola alm de centro educacional infantil tambm era um ponto de
encontro da comunidade judaica e oferecia aulas de portugus e cursos de insero no
mercado de trabalho a imigrantes recm-chegados. Em 1966, com a grande quantidade de
alunos, inaugurado um prdio para atender a demanda. Nesse perodo j se iniciara a sada
de muitas famlias judias do bairro que migraram para bairros de maior padro, a escola
acompanhou essa transformao e em 1968 abriu sua filial no bairro de Higienpolis. A sede
no Bom Retiro ainda encontra-se em funcionamento.
Outras edificaes datadas de mais de um sculo e que continuam fazendo parte da
paisagem do Bom Retiro so: a Estao da Luz, que alm da funo de estao ferroviria que
se mantm, tambm abriga uma rea cultural muito importante para a cidade como o Museu
da Lngua Portuguesa e a Pinacoteca do Estado. A Estao Julio Prestes fundada em 1872
para o transporte de caf chamava-se Estao So Paulo, fora desativada, restaurada,
modificada, mas sua estrutura continua e sua funo ferroviria tambm com uma linha que
liga a regio central de So Paulo ao municpio de Itapevi e desde 1990 abriga outro centro
cultural que a Sala So Paulo.
O prdio da antiga Escola Politcnica se tornou sede da FATEC (Faculdade de
Tecnologia de So Paulo) e da ETESP (escola tcnica de So Paulo).
A Faculdade de Odontologia na Rua Trs Rios hoje o prdio da Oficina Cultural
Oswald de Andrade.
Ainda conservam-se outras edificaes que fizeram, e ainda fazem parte da histria do
Bom Retiro, o Teatro Taib, o Instituto Dom Bosco, o Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo, o
Instituto Cultural Israelita Brasileiro, o CDC do Bom Retiro, o Museu e o quartel da Polcia
Militar, o Estdio Municipal de Beisebol Mie Nishi dentre outros.
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8.1 As Ruas do Bom Retiro
Para verificar algumas transformaes neste espao, foi feita uma comparao entre as
descries das ruas feitas por Hilrio Dertnio em 1970 e as consideraes atuais atravs de
visita a campo.
- Rua Aimors: No incio do sculo XX era residencial, em 1925 as ruas foram
asfaltadas devido ao trfego de carroas que j era um reflexo do fluxo da Jos Paulino que
comea a se tornar comercial. Na dcada de 1940 muitas prostitutas escolheram a rua como
ponto de trabalho o que causou protestos e desvalorizao do espao, muitas famlias se
mudaram e uma delegacia foi construda na rua para inibir a prostituio. Na dcada de 1950
as indstrias de confeco se fixaram nesse espao.
- Rua da Graa: Inicialmente habitada por portugueses, que fundaram, em 1900, a
Sociedade Dramtica e Musical Luso-Brasileira. At 1940, os israelitas passam a residir no
local onde erguem uma Sinagoga. Para DERTNIO (1970) a Rua da Graa um centro de
um verdadeiro Caleidoscpio social, cultural e racial. Uma cantina italiana, um restaurante
grego-israelita e o grande comrcio de roupas brancas, confeces e malharias(p.66).
Atualmente, a Rua da Graa totalmente comercial com muitas lojas de tecidos e aviamentos
e algumas malharias.
- Rua Trs Rios: Por volta de 1912 era habitada quase que exclusivamente por
italianos. Nessa poca fora erguida a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora e um convento de
freiras do colgio Santa Ins. Em 1893 a edificao da Escola Politcnica j existia no local,
que em 1905 se transformou na Escola de Farmcia e Odontologia. Atualmente ainda
encontramos muitas formas do incio do sculo XX nesta rua. O Colgio Santa Ins ainda
permanece no local com a sua fachada original e o prdio que abrigou a Escola Politcnica e a
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40
Escola de Farmcia e Odontologia hoje um centro cultural chamado Oficina Cultural
Oswald de Andrade.
foto: Luana Marum/2010
Colgio de Santa Ins (catlico) Rua Trs Rios
foto: Luana Marum/2010
Oficina Oswald de Andrade prdio da antiga Faculdade de Odontologia Rua Trs Rios
- Rua Correia de Melo: Nome dado em homenagem a um ilustre farmacutico, a Rua
Correia de Melo, em 1950 era uma rua calma formada por residncias. Na dcada de 1970
-
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surgiram as primeiras fbricas e lojas de artigos de vesturio. Hoje, h poucas edificaes
residenciais, vrios restaurantes, principalmente coreanos e algum comrcio como papelaria,
loja de roupas e tecidos.
- Rua Mamor: Em 1913 foram construdas as primeiras casas operrias que
permanecem no local at os anos de 1970. Em 2009 encontramos uma rua degradada, com
predomnio de fbricas e galpes e algumas casas bem deterioradas. Duas edificaes se
destacam na paisagem, a Igreja Missionria Oriental de So Paulo e o Hotel Prince Tower
que recebe um pblico mais elitizado que freqenta a Rua Jos Paulino e o Anhembi.
Podemos perceber um crescimento comercial tambm nessa rua, prximo Rua Newton
Prado com o desenvolvimento do comrcio especfico de mquinas de costura.
- Rua dos Italianos: Marcada pela presena dos primeiros imigrantes a se instalarem
no bairro, os italianos. No incio do sculo XX fora construda uma grande fbrica de cerveja
na rua, a fbrica Germnia, com a I Guerra Mundial, o nome foi alterado para cervejaria
Antarctica e permaneceu mais alguns anos no bairro. Hoje, a Rua dos Italianos tambm foi
ocupada pelo comrcio do vesturio, principalmente nos quarteires mais prximos da Rua
Jos Paulino. lojas de alto padro, com roupas sociais bem acabadas atraem um pblico
especfico e a torna caracterstica por esses produtos, destaque para as lojas de camisas de
proprietrios gregos. uma rua com uma paisagem interessante, pois encontramos moradias
na forma de cortios, tpicos das instalaes italianas do incio do sculo XX, a Parquia
Santo Eduardo que tambm remete cultura italiana, uma Igreja Evanglica Batista e uma
grande quantidade de bolivianos transitando por essa regio do bairro. O interessante no
constatar a presena do coreano nessa rea, exceto em algumas lojas, mas no h moradias,
comrcio local e nada que faa parte do cotidiano dos coreanos.
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Igreja Batista do Bom Retiro Parquia Santo Eduardo Rua dos Italianos fotos: Luana Marum/2010
foto: Luana Marum/2010
Cortios edificao com o mesmo uso de sua construo Rua dos Italianos
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foto: Luana Marum/2010
Prdio da Secretaria da Sade, antigo Desinfetrio do Estado Rua dos Italianos X Rua Tenente Pena
- Rua Jos Paulino: Inicialmente chamada Rua dos Imigrantes. Devido
obrigatoriedade de se passar por ela ao sair da Estao da Luz, tinha, j no incio do sculo,
um fluxo muito grande de pessoas, o que facilitou o crescimento do comrcio. Os primeiros
comerciantes foram os portugueses com suas vendas, pequenas mercearias, os turcos, srios
e libaneses foram os prximos a se instalarem com seus armarinhos, fazendas e roupas, eram
chamados turcos da prestao, os precursores das vendas prestao. Depois da dcada de
1940, os israelitas cresceram em nmero no bairro e tambm viram no comrcio a principal
atividade econmica. Por muitas dcadas essa comunidade dominou o comrcio local e na
dcada de 1970, a Rua Jos Paulino j era um plo comercial inclusive com algumas galerias
com lojas de vesturio, a maioria com as oficinas nos fundos das lojas.
A partir da dcada de 1990 o comrcio se tornou predominantemente de coreanos e
hoje cerca de 70% dos estabelecimentos so desses estrangeiros. Essa rua foi a que teve a
maior transformao do bairro, por ser a principal via comercial teve sua paisagem muito
modificada, apesar do seu uso permanecer o mesmo, tambm onde se d o maior fluxo de
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pessoas, mercadorias e dinheiro do bairro. As lojas foram modernizadas, as mercadorias
diferenciadas, mas no alterando o ramo, que permanece sendo txtil. O fluxo de pessoas
aumentou muito, o que impulsiona cada vez mais o comrcio local que a cada ano se expande
mais para as ruas prximas Rua Jos Paulino.
A concorrncia agressiva dos coreanos com suas lojas de moda feminina fizeram com
que muitos judeus, que permaneceram no comrcio, mudassem de ramo. Isso acarretou em
uma maior diversificao de produtos na Rua Jos Paulino, ainda predominam-se as lojas de
vesturio feminino, que dividem espao com lojas de bijuterias, bolsas, lingeries, moda
masculina e infantil.
foto: Luana Marum/2009
Rua Jos Paulino
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foto: Luana Marum/2009
Entrada do bairro - Rua Jos Paulino
8.2 A Territorializao atravs dos fixos
O espao palco de transformaes estruturais, culturais, polticas e sociais. A cidade de
So Paulo possui marcas em seu territrio que carregam a histria dos seus habitantes, dos
acontecimentos, guerras, festas, crescimentos e declnios econmicos. O Homem ao se
apropriar do espao o modifica e marca a sua presena no mesmo.
A histria do bairro do Bom Retiro pode ser contada atravs dos seus fixos.
As antigas fbricas e os grandes galpes prximos da Av. Tiradentes e da linha do trem
nos retomam ao incio do sculo XX e a formao do bairro como industrial e moradia
operria. Os inmeros sobrados e construes com dois ou trs pavimentos nos leva aos anos
de 1940, 1950 quando os primeiros judeus passaram a montar pequenas confeces e
estabelecimentos comerciais em suas casas, sendo a confeco nos fundos, o estabelecimento
na frente, ao nvel da rua e o domiclio na parte superior.
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A arquitetura conserva grande parte da histria do bairro e dos habitantes que ali
residiram no decorrer de sua histria.
Em 1922 foi fundado o Gymnasio Renascena na esquina das Ruas Trs Rios e
Amazonas, que em 1926 se mudou para a Rua Florncio de Abreu e em 1928 muda-se para a
Av. Tiradentes. Um centro de convivncia dos judeus, muito utilizado e mantido at os dias
atuais.
As sinagogas, igrejas, os clubes e as escolas so elementos que fizeram parte da produo
desse espao e se mantm no decorrer dos anos apesar das transformaes da paisagem em
seu entorno.
O bairro, apesar de ter tido a rea comercial modernizada e os imveis valorizados
com a chegada dos coreanos, teve a sua rea residencial pouco modificada, encontramos ainda
inmeros sobrados e edifcios de poucos pavimentos de meados do sculo passado.
A igreja catlica N. Sra. Auxiliadora em frente praa Fernando Prestes que engloba
tambm o Centro Paula Souza e o Museu da Polcia Militar forma, com esses prdios, uma
paisagem do incio do sculo XX.
O crescimento do comrcio local muito significativo no bairro. A rea cujo eixo a
Rua Jos Paulino, onde se d o maior fluxo de capital do bairro. Uma centralidade comercial
de vesturio que cresce e se expande a cada ano, atraindo consumidores de todo o pas. Aps
o domnio dos coreanos desse comrcio houve o aumento do nmero de lojas, de
consumidores e de faturamento. A centralidade se expandiu para outras ruas e outras
centralidades foram surgindo no bairro, a maioria ligada ao ramo txtil como a Rua da Graa
onde existem vrias lojas de venda de mquinas de costura e a Rua Julio Conceio onde o
predomnio de armarinhos.
Para abastecer esse grande contingente de consumidores e at mesmo de lojistas, uma
rede de alimentao tambm se forma, restaurantes das mais diversas especialidades fazem do
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bairro tambm um plo gastronmico excntrico, so encontradas casas gregas, blgaras,
pizzarias, lanchonetes, muitos restaurantes judaicos e alguns Kosher Goody (comida judaica
feita por Ortodoxos) e muitos de comida coreana, para todos os gostos e estilos.
O comrcio a principal atividade econmica do bairro, entretanto, no atravs dela
que percebemos os grandes contrastes scio-culturais, exceto quando entramos nos
estabelecimentos e temos contato com os donos das lojas, em sua grande maioria, coreanos.
Os maiores contrastes so encontrados onde encontramos as residncias, as reas de lazer e de
servios, onde realmente existe a vida cotidiana do bairro, e no na rea comercial.
Algo que chama muito a ateno na paisagem e retrata o quanto fechada a cultura
coreana so muitos estabelecimentos de vrios ramos como sales de beleza, lavanderias,
peixarias a restaurantes cuja fachada, placa e toda a informao sobre o servio ou sobre os
produtos oferecidos se encontram em coreano, sem qualquer traduo, o que demonstra um
direcionamento para o pblico que desejam atender. Isso visto por alguns judeus como algo
repressivo, pois impede que eles e outros moradores do bairro externos cultura coreana,
freqentem esses estabelecimentos.
As escolas tambm fazem parte desta territorializao atravs dos fixos. Muitos judeus
que saram do bairro para fixar residncia em bairros nobres ainda encaminham seus filhos
para estudar nas escolas judaicas tradicionais do Bom Retiro. A escola Polilogos, localizada
no bairro, foi construda com recursos da comunidade e do governo coreano, oferece o ensino
fundamental nos dois idiomas para alunos coreanos e brasileiros.
A escola um centro de aprendizado e muito importante para esses grupos, pois
ensina e fortalece os laos culturais e religiosos de cada comunidade.
Da mesma forma encontramos muitos centros religiosos: Sinagogas, Igrejas Catlicas,
Igrejas Protestantes, alguns na mesma rua, mostrando o contraste de cultura e de tempos na
paisagem.
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Restaurantes so elementos que tambm caracterizam culturas distintas. O restaurante
grego mais famoso de So Paulo se localiza na Rua da Graa, Acrpoles se tornou um
smbolo do bairro, assim como seu proprietrio Thrassyvoulos Petrakis. Restaurantes
coreanos e judaicos tambm mostram suas culturas na paisagem.
Thrassyvoulos Petrakis, Restaurante Acrpoles Fonte: Veja SP 23/09/2009
8.3 Instituies e Entidades integrando o espao e a sociedade
A instalao de escolas e centros de estudos fez do bairro uma centralidade educacional e
cultural no incio do sculo XX. Em 1873, a Sociedade Propagadora de Instruo Popular
iniciou suas atividades de alfabetizao s classes menos favorecidas, em aulas noturnas,
gratuitas, que em 1882 se transformou no Liceu de Artes e Ofcios (Loureiro, 1981, p.62
Apud Santos, 2000, p.39). Em1884, o grupo escolar Prudente de Moraes se torna a primeira
escola primria da cidade, em 1893 criou-se a Escola Politcnica localizada na extremidade
da Rua Trs Rios, e em 1905 inaugurada a Faculdade de Odontologia na Rua Trs Rios
tambm.
A Escola e, posteriormente, faculdade de Odontologia teve um papel muito importante no
bairro, criada em 1899, se localizava no bairro de Santa Efignia. Em 1905 foi inaugurado o
edifcio criado para o uso da escola na Rua Trs Rios, no Bom Retiro. Em 25 de janeiro de
1934 foi criada, pelo Governo Estadual de Sales de Oliveira, a Universidade de So Paulo, da
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qual faria parte a escola que se transformara em Faculdade de Odontologia e Farmcia. A
assistncia gratuita ou a custos baixos fez da faculdade um centro muito procurado pelos que
no podiam pagar um tratamento particular tanto do bairro como de bairros vizinhos.
A colnia italiana foi a primeira a colocar suas marcas no Bom Retiro atravs da
arquitetura. As moradias na forma de cortios deram um aspecto singular ao local, pois esse
tipo de moradia era caracterstica das famlias de operrios italianos. Ao mesmo tempo foram
erguidos colgios e igrejas catlicas. A maioria dessas construes religiosas se mantm at
hoje, como:
Colgio Santa Ins
Instituto Salesiano Dom Bosco
Igreja Nossa Senhora Auxiliadora
Parquia Santo Eduardo
Mitra Arquidiocesano de So Paulo
Sociedade Pequeno Jesus
Igreja Presbiteriana da Paz de So Paulo
A religio judaica se destaca dentre as demais por integrar pessoas de diferentes
nacionalidades e concentrar um grande nmero de sinagogas no bairro do Bom Retiro. A
partir de 1915, com a intensa migrao de judeus para o Brasil, surgiram vrias entidades com
o intuito de auxiliar no processo de absoro, integrao e adaptao dessas pessoas.
Sociedade Beneficente das Damas Israelitas fundada em 1915 com o
objetivo de auxiliar os imigrantes recm-chegados da guerra e mais
necessitados;
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EZRA: Sociedade Israelita Amigos dos Pobres fundada em 1916
com o objetivo de auxiliar os judeus mais necessitados e recm-chegados
ao pas, se localizava na Rua Amazonas no Bom Retiro;
Cooperativa de Crdito criada em 1928 pela Ezra, fornecia
emprstimos aos imigrantes judeus recm-chegados;
Gota de Leite (da Bnai Brith) fundada em 1932, providenciava
cuidados aos recm-nascidos.
Linat Hatzedek fundada em 1929 buscava assistir enfermos. De 1930 a
1961 funcionou na Rua Ribeiro de Lima;
Lar da Criana Israelita fundado em 1939 para amparar as crianas
cujas mes precisavam trabalhar e crianas rfs;
OFIDAS: Organizao Feminina Israelita de Assistncia Social
fundada em 1940 abrangendo a Sociedade Beneficente das Damas
Israelitas, a Gota de Leite e o Lar da Criana Israelita;
UNIBES: Unio Brasileiro-Israelita do Bem Estar Social formada em
1976 com a unio das entidades Ofidas, Ezra e Linat Hatzedek, buscou
reunir as principais entidades de apoio comunidade judaica,
sistematizando os servios.
Sinagoga Kehilat Israel
O Crculo Esportivo Israelita Brasileiro Macabi - foi a fuso do Crculo
Israelita de So Paulo e do Clube Esportivo Israelita Brasileiro Macabi
fundados em 1927.
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Os coreanos que passaram a ocupar o bairro na dcada de 1980 tambm se organizaram
atravs de centros religiosos e instituies que alm de ajuda financeira, eram lugares de
acolhimento e de reflexo para os que esto longe de suas famlias e de seus costumes.
Igreja Missionria Oriental de So Paulo
Igreja Missionria Emaus Coreana do Brasil
Igreja Presbiteriana Fiel Coreana
Igreja Coreana Misso Evanglica de So Paulo
Igreja Assemblia de Deus do Bom Retiro
Igreja Catlica Coreana Kim Daegon
Igreja Batista Coreana
Igreja Batista do Bom Retiro
Igreja Presbiteriana Emanuel do Brasil
Igreja Presbiteriana Feliz
Igreja So Kin Degun
Igreja Universal do Reino de Deus
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A Religio no espao geogrfico
Sinagoga Comunidade Israelita - esquina Rua Lubavitch com a Rua da Graa foto: Luana Marum/2009
Sinagogas foto: Luana Marum/2010
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Igreja Catlica Nossa Senhora Auxiliadora Parquia de Santo Eduardo foto: Luana Marum/2010
Igrejas Protestantes da Comunidade Coreana Fotos: Luana Marum / 2010
Formatado: Fonte: TimesNew Roman, 10 pt
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A Cultura e a Educao no Bom Retiro
ICIB Instituto Cultural Israelita Brasileiro Rua Trs Rios Foto: Luana Marum/2009
Centro Cultural Oswald de Andrade antiga Faculdade de Farmcia Foto: Luana Marum/2010
FATEC Centro de Educao Tcnica Paula Souza Foto: Jos Antnio Gomes / 2009
Formatado: Fonte: (Padro)Times New Roman, 10 ptFormatado: Fonte: (Padro)Times New Roman, 10 pt
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Colgio Catlico Santa Ins Rua Trs Rios Foto: Jos Antnio Gomes / 2009
Escola Coreana Escola Judaica Fotos: Luana Marum/2009
Formatado: Fonte: (Padro)Times New Roman, 10 ptFormatado: Fonte: (Padro)Times New Roman, 10 pt
Formatado: Recuo: esquerda: 0 cm
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9 LTIMA ONDA IMIGRATRIA: O BOLIVIANO COMO MO-DE-OBRA BARATA:
A unidade espao-sociedade traz implcita uma desigualdade, produto da diviso social e tcnica do trabalho, que se materializa na diviso espacial do trabalho entre as parcelas do espao. Tal desigualdade produzida por relaes de dominao-subordinao que permeiam o processo de produo capitalista baseado na acumulao e centralizao do capital, do poder em poucas mos e na propriedade privada(CARLOS, 1992).
O fluxo de imigrantes bolivianos para So Paulo se iniciou na dcada de 1950, com a
vinda de estudantes, predominantemente de classe mdia, que aps a formao permaneciam
no pas como profissionais liberais. Possuam um nvel de escolaridade bem superior ao dos
bolivianos que viriam anos mais tarde.
A partir do final da dcada de 1980, a produo de vesturio na cidade de So Paulo
passou por uma intensa transformao, muitas confeces reduziram o nmero de
trabalhadores assalariados e passaram a contratar mo-de-obra terceirizada atradas pelo
melhor custo-benefcio. Proliferaram-se oficinas de costura nas zonas leste e norte que eram
subcontratadas para atender ao comrcio em ascenso do Brs e do Bom Retiro.
O mercado informal que passa a se formar requer mo-de-obra barata para conseguir
concorrer com as grandes fbricas, com um custo baixo. Os bolivianos que se deslocam para o
Brasil, em especial para So Paulo, na dcada de 1980 possuem pouca formao e
qualificao, saram da Bolvia devido s pssimas condies de vida, e geralmente, entram
no pas de maneira clandestina.
Segundo SILVA (1997), dois fatores foram primordiais para intensificar as emigraes
da Bolvia: a crise do setor mineiro, principal atividade do pas, provocou uma grande onda de
desemprego, as cidades que j tinham uma grande parcela da populao desempregada
ficaram ainda mais inchadas com a reforma agrria aplicada e a evaso da populao rural
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para estas. O desemprego, a falta de perspectivas com a instabilidade da economia provocou a
evaso em massa de bolivianos do pas. Segundo o Ministrio das Relaes Exteriores da
Bolvia, estima-se que 20% da populao resida no exterior.
A indstria txtil teve um crescimento significativo aps a crise econmica da era Collor
(1992-1994), e esse crescimento ocorreu, concomitantemente, com a chegada acentuada de
imigrantes bolivianos, o que favoreceu a insero desses no setor.
Os bairros do Brs e o Bom Retiro se tornaram os grandes centros do comrcio txtil e
impulsionadores do mercado informal de confeces.
Pode-se relacionar o crescimento do mercado informal com o aumento de imigrantes
bolivianos na cidade. Segundo SILVA (2009):
No so imigrantes que, uma vez estando aqui, por coincidncia, vo ser empregados nas confeces. Eles j vm da Bolvia com um destino certo de trabalho. Os prprios donos de oficinas de costura tratam de encaminhar as suas viagens, ou ento eles vm atrs de familiares que j se encontram aqui trabalhando com costura.
A imigrao boliviana pode ser considerada uma imigrao dirigida, segundo
DAMIANI, pois os aliciadores vo at a Bolvia trazer trabalhadores, se aproveitam das
pssimas condies em que vivem esses latinos e prometem uma vida melhor conquistada
atravs do trabalho. Assim, a maioria chega com um destino certo, o trabalho nas confeces.
Em entrevista com um ex-funcionrio de uma loja de coreanos este me retratou que a
confeco de roupas acontece em trs fases: os coreanos desenham os modelos, geralmente
copiados de modelos europeus e norte-americanos, passam para o corte do tecido que
acontece nas oficinas montadas nos fundos ou em cima das lojas e a fase do acabamento
acontece nas oficinas bolivianas que podem ser encontradas por toda a cidade, mas se
concentram no bairro do Pari e Santana, nas ruas Noroeste do bairro tambm encontramos
muitos bolivianos, prximo Rua dos Italianos, Rua Barra do Tibaji...
A situao dos bolivianos em So Paulo bem crtica, enfrentam longas jornadas de
trabalho, baixas remuneraes e nenhum direito trabalhista. Trabalham em condies de semi-
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escravido em lugares apertados, fechados, como se tivessem escondidos. Expem-se a
condies de vida precrias, moram em lugares apertados e dividem o mesmo espao do
dormitrio com as mquinas de costura, no tm jornada fixa de trabalho, ganham por pea
costurada cerca de R$0,40 o que os obrigam a realizar extensas jornadas para sobreviverem e
ajudarem os que ficaram na Bolvia.
A reportagem do Jornal Hoje da Rede Globo de 2005 retrata um pouco dessa explorao
a que esses bolivianos so submetidos.
Num dos endereos, a polcia encontrou uma confeco clandestina. Seis mquinas de costura e grande quantidade de tecido estavam espalhadas pela casa. Pelo menos dez adultos e trs crianas moravam no local em condies precrias: cama at no banheiro e gambiarras para garantir luz eltrica. Segundo a polcia, so todos bolivianos que trabalhavam para coreanos. A jornada diria era de mais de 15 horas e o salrio, menos de R$ 500. No fim da manh, um empresrio coreano foi preso acusado de manter as famlias em regime de trabalho anlogo escravido. (Reportagem Jornal Hoje 05/09/2005)
Trs anos depois, outra reportagem de maus tratos divulgada no site do jornal G1,
tambm da Rede Globo:
Uma adolescente boliviana mantida em condies anlogas a de escravos foi libertada pela Polcia Federal na quarta-feira (10) na Zona Norte de So Paulo. A libertao s foi divulgada nesta sexta-feira (12). Segundo os policiais federais, a menina de 14 anos era obrigada a realizar trabalhos de corte e costura com jornada exaustiva, e s tinha autorizao para tomar banho aos finais de semana. Os trabalhos eram impostos por um casal que abrigou a adolescente e sua me, que vieram ilegalmente para o Brasil h cerca de quatro meses. De acordo com as investigaes, a me teve de voltar para a Bolvia h cerca de dois meses, porque um outro filho estava em estado grave de sade e foi obrigada a deixar a filha trabalhando na casa do casal como garantia de que pagaria os valores "emprestados" pela dupla para que ambas viessem ao Brasil.O casal foi preso em flagrante e vai responder na Justia por maus-tratos, reduo a condio anloga de escravo e ocultar clandestino. A menina foi encaminhada para um centro de atendimento a crianas e adolescentes de So Paulo. (Reportagem de Daniel Haidar, 12/12/2008).
Muitas so as reportagens encontradas sobre explorao de trabalho dos bolivianos na
Grande So Paulo. Isso mostra o pouco empenho dos governantes em acabar com essa
opresso. sabido por todos a existncia desse tipo de ocorrncia no Bom Retiro e em outros
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bairros da zona norte principalmente, mas pouco feito para regularizar a situao dos
bolivianos e para punir os exploradores.
Infelizmente poucos so os bolivianos que no se submetem a essa explorao. Apesar
dos sacrifcios, para eles, So Paulo ainda uma terra de oportunidades, pois h trabalho. A
remunerao baixa os fora a trabalhar muito, entretanto a falta de trabalho na Bolvia no
lhes dava opo de sair da misria. Assim, a cada dia, a comunidade boliviana em So Paulo
se multiplica e podemos encontrar oficinas espalhadas por toda a cidade, principalmente nas
regies perifricas.
FEIRA DA KANTUTA
A feira da Kantuta acontece todos os domingos na Praa da Kantuta no bairro do Pari,
bem prximo ao Bom Retiro.
um local de encontro dos imigrantes bolivianos e de suas famlias. Podemos dizer
que um enclave cultural em uma praa de um bairro da zona norte da cidade. A praa
tomada por barracas de comrcio de produtos tpicos da Bolvia, alimentcios, roupas,
msicas, e muitas vendendo cartes telefnicos o que mostra a grande ligao que essa
comunidade tem com o pas de origem, alm das barracas de comidas e sucos que os
aproxima um pouco de sua terra natal. Ainda h um palanque onde um narrador/apresentador
comanda a mesa de som com msicas tpicas e msicas brasileiras cantadas em castelhano,
ele tambm faz anncios e brincadeiras que divertem a grande quantidade de pessoas que
freqenta esse evento.
Na feira, as relaes sociais acontecem de diversas maneiras, alm do comrcio de
produtos e momento de lazer, ocorre tambm aliciamento de pessoas para trabalhar em
oficinas clandestinas de costura, os recm-chegados que vieram atrs de parentes sem um
trabalho combinado anteriormente conseguem ocupao facilmente na Feira da Kantuta.
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Muitos aliciadores so bolivianos, que, de trabalhadores, se tornam exploradores de mo-de-
obra.
Barracas de produtos bolivianos na Feira da Kantuta
foto: Luana Marum/2010
foto: Luana Marum/2010
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Formatado: Espaamentoentre linhas: simples
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