as relaÇÕes de trabalho no cotidiano...

12
1 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO COTIDIANO FABRIL: REFRAÇÕES DA EXPLORAÇÃO E DA ALIENAÇÃO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO Naraiana Nora 1 William Silvano Camargo 2 RESUMO: O presente artigo apresenta os resultados finais de pesquisa desenvolvida junto a trabalhadores de uma indústria do município de Cascavel-PR, cujo modelo de produção se associa ao fordismo/taylorismo. Trata-se de um estudo exploratório, de tipo qualitativo, para o qual elegemos como método para referenciar nossa análise o materialismo histórico-dialético. Para a realização da pesquisa usou-se dos recursos metodológicos da observação sensível e da entrevista, a fim de vislumbrar as compreensões dos trabalhadores a respeito dos elementos que o capital impõe durante o seu cotidiano de trabalho. Elegemos determinadas categorias analíticas que perpassam as relações de trabalho, como a alienação e a mais-valia, além de identificar outras questões conceituais que atravessam a esfera laboral, como o trabalho repetitivo, mecânico, individualizado e/ou coletivo. Verificou-se uma consciência parcial acerca dos elementos que compõem a exploração e a alienação no cotidiano de trabalho, ao passo que os modelos rígidos e fragmentados de produção mostraram-se importantes mecanismos de obscurecimento das contradições das relações de trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho; Capitalismo; Alienação. INTRODUÇÃO O trabalho é constituidor das relações sociais entre os homens, o que significa dizer que o trabalho é categoria fundante do homem como ser social. No modo de produção capitalista, o trabalho adquire particularidades que se relacionam ao modo como os homens produzem e reproduzem suas condições materiais e espirituais de existência, mediadas pela contradição inerente ao sistema capitalista assentado na exploração de uma classe sobre a outra. As relações de trabalho em um ambiente fabril, cujo modelo de produção se assemelha ao fordismo/taylorismo, encerram contradições ainda mais explícitas do antagonismo das relações sociais no capitalismo contemporâneo. Buscando desvelar estas contradições, desde as compreensões dos próprios trabalhadores desde espaço laboral, é que desenhamos a 1 Docente do Curso de Serviço Social da Unioeste, Campus Toledo-PR. 2 Mestrando em Serviço Social pelo PPGSS/Unioeste. Email: [email protected]

Upload: lamnhan

Post on 30-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO COTIDIANO FABRIL: REFRAÇÕES DA

EXPLORAÇÃO E DA ALIENAÇÃO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Naraiana Nora1

William Silvano Camargo2

RESUMO: O presente artigo apresenta os resultados finais de pesquisa desenvolvida junto a

trabalhadores de uma indústria do município de Cascavel-PR, cujo modelo de produção se associa ao

fordismo/taylorismo. Trata-se de um estudo exploratório, de tipo qualitativo, para o qual elegemos

como método para referenciar nossa análise o materialismo histórico-dialético. Para a realização da

pesquisa usou-se dos recursos metodológicos da observação sensível e da entrevista, a fim de

vislumbrar as compreensões dos trabalhadores a respeito dos elementos que o capital impõe durante o

seu cotidiano de trabalho. Elegemos determinadas categorias analíticas que perpassam as relações de

trabalho, como a alienação e a mais-valia, além de identificar outras questões conceituais que

atravessam a esfera laboral, como o trabalho repetitivo, mecânico, individualizado e/ou coletivo.

Verificou-se uma consciência parcial acerca dos elementos que compõem a exploração e a alienação

no cotidiano de trabalho, ao passo que os modelos rígidos e fragmentados de produção mostraram-se

importantes mecanismos de obscurecimento das contradições das relações de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho; Capitalismo; Alienação.

INTRODUÇÃO

O trabalho é constituidor das relações sociais entre os homens, o que significa dizer

que o trabalho é categoria fundante do homem como ser social. No modo de produção

capitalista, o trabalho adquire particularidades que se relacionam ao modo como os homens

produzem e reproduzem suas condições materiais e espirituais de existência, mediadas pela

contradição inerente ao sistema capitalista assentado na exploração de uma classe sobre a

outra.

As relações de trabalho em um ambiente fabril, cujo modelo de produção se assemelha

ao fordismo/taylorismo, encerram contradições ainda mais explícitas do antagonismo das

relações sociais no capitalismo contemporâneo. Buscando desvelar estas contradições, desde

as compreensões dos próprios trabalhadores desde espaço laboral, é que desenhamos a

1 Docente do Curso de Serviço Social da Unioeste, Campus Toledo-PR.

2 Mestrando em Serviço Social pelo PPGSS/Unioeste. Email: [email protected]

2

presente pesquisa3, a qual perpassa um estudo exploratório e qualitativo. Para tanto, elegemos

para a análise dos dados o referencial materialista histórico-dialético, entendendo sua

imprescindibilidade especialmente no que se refere ao objeto de pesquisa, no caso, as

contradições do trabalho na sociedade burguesa.

Os dados coletados correspondem a uma pesquisa realizada junto aos trabalhadores de

uma empresa do ramo papeleiro da cidade de Cascavel, estado do Paraná, sendo que o modelo

de produção neste espaço se associa ao fordismo/taylorismo. Compreendendo que as

refrações do mundo do trabalho têm reflexos diretos na vida material e espiritual dos sujeitos,

buscamos entender como algumas categorias se objetivam na rotina de trabalho desses

indivíduos e em que medida estes trabalhadores percebem (ou não) as estratégias capitalistas

de exploração que perpassam a esfera de produção.

Desse modo, considerando a brevidade do presente artigo, apresentamos os contornos

da pesquisa e os principais resultados, os quais revelam o modo como os trabalhadores

partícipes da pesquisa compreendem suas condições de trabalho cerceadas por um modelo

rígido de produção.

OBJETIVO

Desvelar, desde a compreensão dos próprios trabalhadores, as contradições do mundo

do trabalho impostas pelo processo fordista/taylorista de produção.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Trata-se de uma pesquisa qualitativa e exploratória, com recurso à pesquisa bibliográfica

para a apropriação dos fundamentos que orientam o marco teórico, e com recurso à entrevista,

observação e à aplicação de questionário semiestruturado como procedimentos metodológicos da

pesquisa empírica no acesso às fontes primárias de informação.

Nesse sentido, para compreender os elementos contraditórios que atravessam as relações de

trabalho a partir da percepção dos próprios trabalhadores, elaboramos perguntas que se relacionam a

determinadas categorias marxianas, a fim de vislumbrarmos como estas se objetivam no cotidiano

3 A pesquisa a que se refere o presente artigo integra o Trabalho de Conclusão de Curso, defendido em

novembro de 2013, para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

3

de trabalho dos sujeitos e, ademais, em que medida estes trabalhadores têm consciência dos

artifícios capitalistas de exploração que atravessam a esfera da produção.

Para tanto, as entrevistas realizadas abarcaram perguntas que congregam elementos

utilizados pelo capital na relação de exploração sobre o trabalhador, tais como: alienação,

estranhamento, mais-valia, concentração e cooperação. Desse modo, as fontes primárias se

referem à pesquisa empírica realizada junto a trabalhadores de uma empresa do ramo

papeleiro situada no município de Cascavel-PR, cujo modelo de produção se associa ao

fordismo/taylorismo.

O total de trabalhadores da empresa, universo da investigação, corresponde a 24 (vinte

e quatro) pessoas, sendo: 2 (dois) supervisores, 15 (quinze) operadores de máquinas e 7 (sete)

auxiliares de produção. Considerando que o objetivo da pesquisa se relaciona às implicações

do modelo de produção nas relações de trabalho, participaram da pesquisa 5 (cinco)

trabalhadores que desempenham a função de auxiliar de produção, o que equivale a 21 % do

quantitativo funcional e a 71% dos trabalhadores da produção propriamente dita.

Finalmente, no envolto aos procedimentos metodológicos, salientamos que o projeto de

pesquisa cumpriu os requisitos legais para sua execução no que se refere aos aspectos éticos para

realização de pesquisa com seres humanos, os quais incluíram a sua aprovação por Comitê de Ética

de Instituição de Ensino Superior; autorização prévia dos participantes da pesquisa, mediante

assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); e o devido sigilo na divulgação

de informações coletadas, a fim de que sejam resguardadas as identidades dos entrevistados.

RESULTADOS

Inicialmente importa destacar algumas características que se relacionam aos modelos

de produção em que se inscreve a pesquisa empírica, para posteriormente explanarmos os

resultados objetivos coletados junto aos sujeitos da pesquisa.

A organização do processo de trabalho, especialmente no âmbito industrial, ocorre a partir

de determinados modelos de produção. Os modelos de produção são formas de organização da

produção capitalista e foram constituídos a fim de responder a necessidade de acumulação e

produção do sistema econômico em determinados períodos históricos. São exemplos desses

modelos, o taylorismo e o fordismo, ambos no último quartel do século XIX, que marcaram o

4

tempo da transição da energia a vapor para a energia a combustão. Mais recente, temos o modelo de

produção toyotista, originado nos últimos decênios do século XX, baseado no incremento de novas

tecnologias como meio para enfrentar a crise do capital da década de 19704.

Aos finais do século XIX, o denominado modelo de produção taylorista entra em

ascensão, preconizando a disciplina do trabalhador adjunto ao tempo, sendo que a produção e

os gestos dos trabalhadores são minuciosamente calculados a fim de que se obtenha maior

rendimento na produção.

A organização taylorista do trabalho tenta reduzir a participação mental do operador,

apresentando-lhe rotinas calculadas e tarefas idealmente idênticas, exigindo respostas

calculadas, também, idênticas. Ao contrário, os resultados das análises mostram que mesmo

em um quadro temporal rígido, é requerido dos trabalhadores um funcionamento intensivo

para antecipar-se às perturbações do processo e aos incidentes e garantir a qualidade dos

objetos produzidos. (ASSUNÇÃO, 2006, p. 182).

O modelo fordista de produção tem como pormenores os artifícios da cronometragem

de tempo do modelo de produção taylorista e uma incrementação nas execuções do trabalho

na fábrica. Esse modelo tem seu apogeu no início do século XX, com a produção em massa de

automóveis5.

A disciplina no fordismo é precípua, o próprio modelo de produção incumbe no

trabalhador uma postura rígida, mediata exclusivamente pela maquinaria e pela funcionalidade

fragmentada e repetitiva frente à produção, em outras palavras, cada trabalhador fica responsável

por uma pequena parcela da produção, exemplo disso é um trabalhador que apenas parafusa, o

outro trabalhador apenas martela, um outro trabalhador apenas encaixota o produto e assim

sucessivamente6. Desse modo, a máquina no fordismo desempenhará uma função de inspetor, de

4 A crise econômica do capital dos anos 70 culminou em um revisionismo do modelo de produção

fordista/taylorista, fazendo surgir outro modelo com mais recursos técnicos/tecnológicos e dinamismo na

produção, o toyotismo. Em contraposição aos primeiros, onde o trabalhador é um executor de funções bem

delimitadas, no toyotismo o trabalhador se torna multifuncional, polivalente, ou seja, executa inúmeras

funções e é um operador nos sistemas eletrônicos e informatizados da linha de produção. 5 A produção em massa, ou também chamada produção em estoque, era a forma de produzir um número

exorbitante de produtos, colocando-os no estoque a espera do consumo. Segundo o modelo de produção

fordista, isso facilitaria o escoamento da produção, pois a indústria não ficaria pressionada para fabricar no

tênue prazo da entrega. (NETTO; BRAZ, 2001). 6 O fordismo implementa a esteira mecânica, ocorrendo uma grande transformação no trabalho fabril, pois não

é mais o trabalhador que vai até o produto mas é o produto que vai até o trabalhador por meio da esteira.

(HARVEY, 2009).

5

controle sobre a força de trabalho, a própria organização industrial do modelo fordista propiciaria

essa amalgama imposição de trabalho pujante.

Considerando, pois, que a relação entre tempo e trabalho é um pressuposto primordial

para o capital, pois produz valor, os modelos de produção taylorista e fordista almejam a

redução do tempo para que se produza mais, ao mesmo tempo em que propiciam a anulação

da capacidade criativa e criadora do trabalho, portanto, criam um aspecto reducionista do

pensamento.

A contemporaneidade é marcada pela prevalência de modelos de trabalho assentados

numa maior exploração do trabalhador, mediada, sobretudo, pelo recurso à tecnologia e ao

uso da maquinaria na intensificação da jornada de trabalho. Desse modo, concomitante ao

modelo mais atual, o toyotismo, vigoram o taylorismo e o fordismo, como expressões de

diferentes formas de intensificação do lucro por meio da exploração sobre o trabalhador, de

molde que, como destaca Lessa (2007), qualquer transformação que ocorre nos modelos de

produção são transformações que prejudicam ainda mais o trabalho vivo.

O universo em que realizamos a pesquisa abrange a classe trabalhadora inserida no

âmbito industrial, especificamente no espaço de trabalho fordista de repetição taylorista, em

uma empresa do ramo de embalagens papeleiro situada no município de Cascavel-PR. O

produto produzido pelos trabalhadores é único: caixas de papelão. Para sua produção, todas as

ações realizadas pelos trabalhadores são mecanizadas, isto é, mediadas pelo uso da

maquinaria.

Destaca-se que as perguntas foram elaboradas a fim de responderem ou aproximarem

o pesquisador do universo objetivo e subjetivo do pesquisado de modo que de forma indireta

estivessem relacionadas a determinadas categorias analíticas que perpassam as relações de

trabalho, como a alienação e a mais-valia em suas formas relativa e absoluta (relação com a

máquina e com o excedente do tempo de trabalho). Também objetivou-se identificar outras

questões conceituais que atravessam a esfera laboral, como o trabalho repetitivo, mecânico,

individualizado e/ou coletivo. A opção teórico-metodológica por tais categorias deu-se por

entendermos que a análise dessas categorias possibilitaria compreender as percepções acerca

do trabalho desde os sujeitos inseridos naquele espaço fordista/taylorista de produção.

6

A indústria, universo de nossa pesquisa, possui o espaço de 150m x 45m, no total conta

com nove máquinas, sendo impressoras industriais, recicladora, coladeira, corte e vinco, sendo

que esta última é a que mais fornece as características do trabalho repetitivo e fordista. Sobre os

sujeitos da pesquisa, denota-se como perfil: são trabalhadores que pertencem a categoria dos

sindicatos de embalagens; todos homens; possuem uma renda mensal de aproximadamente R$

800,00; residem no município sede da indústria; possuem idade média de 28 anos.

No intuito de verificar o modo como é percebida pelos trabalhadores a mais-valia

relativa, perguntamos se consideram importante o uso da maquinaria.

[...] É bom né, a gente só produz bastante porque a máquina ajuda a gente, é grande

parceira a máquina, ela deixa o trabalho mais sossegado, não precisa fazer muito esforço, a

gente fica bem de boa. (Trab. A)

É importante sim, eu consigo produzir mais com ela, sem ela o trabalho iria ficar muito

demorado e ficaria muito difícil pra mim, porque teria que fazer muito esforço. (Trab. E).

É certo que o uso da maquinaria possibilitou menor dispêndio da força de trabalho e a

consequente redução da jornada de trabalho, à medida que possibilitou associar a mais-valia

absoluta à mais-valia relativa. Contudo, ao contrário do que está no nível aparente e

perceptível do trabalhador, isso não alterou a relação de exploração da força de trabalho, mas

permite justamente sua intensificação.

A forma falseada que o capital incute ao trabalhador de um cotidiano de trabalho

facilitado pela maquinaria é uma maneira de ocultar sua essência e contradição, haja vista que

propicia uma ideia errônea em relação ao esforço laborativo, facilitando com que esse

trabalhador aceite um salário menor pelo fato de sua “menor” função físico-motora na

produção, ao mesmo tempo em que os gestos repetitivos impulsionam uma alienação

intermitente durante toda a jornada de trabalho, não permitindo ao trabalhador uma reflexão

sobre sua função diante da máquina.

Já em outra fala, o trabalhador identifica o papel limitador da maquinaria no processo

criativo do trabalho, bem como, na funcionalidade repetitiva e fragmentada imposta pelo

modelo de produção:

A máquina produz bastante, mas não é pra ajudar a gente não, a gente fica fazendo a mesma

coisa o tempo todo, passa o dia inteiro pegando a chapa de papelão, do início do dia até o

final da tarde pegamos a chapa da mesma forma, isso se repete todo dia. (Trab. B).

7

Compreendendo a alienação como parte constitutiva do trabalho no capitalismo, sabemos

que o exercício da criatividade é um componente negado ao trabalhador na produção

fordista/taylorista, entretanto, na entrevista acima, verifica-se que ele entende que seu potencial

intelectual perpassa pelo trabalho e ao mesmo tempo está sendo obstaculizado por este.

A fim de compreender a percepção de alienação dos trabalhadores em relação ao produto

por eles produzidos, questionamos se conseguem visualizar o suor do próprio trabalho no produto

final. Sobre este viés, o trabalhador (C) circunscreve a sua relação de trabalho com o produto,

afirmando que consegue reconhecer, por vezes, o seu trabalho no produto final:

De vez em quando sim. Quando trabalho bem eu vejo meu suor nesse trabalho, mas quando

tô meio desanimado com o trabalho e trabalho pouco, não vejo suor nenhum do meu

trabalho. (Trab. C ).

Observando essa afirmação, constata-se que há um obscurecimento do reconhecimento

do produto do trabalho pela autoculpabilização do trabalhador em relação as suas condições

subjetivas de trabalho, isto é, só há reconhecimento do produto quando o trabalho realizado

for desempenhado com “ânimo”. Cabe ressaltar que, mesmo trabalhando “desanimado” –

como o próprio trabalhador define seu estado subjetivo – as relações de exploração do capital

continuam se reproduzindo, como também a mais-valia e a acumulação. Ademais, desde a

perspectiva materialista que nos pautamos, salientamos que a subjetividade se relaciona

diretamente com a reprodução das condições materiais de vida dos sujeitos.

Na entrevista que segue vislumbra-se claramente a alienação, não só em relação ao

produto que não é reconhecido como resultado da ação do homem e dos meios de produção,

mas ao próprio trabalho em si, uma vez que não há compreensão de que a máquina é apenas a

mediadora, um meio que integra o processo de trabalho, ao contrário, ela é confundida com o

próprio trabalhador.

Não tem como ver suor do meu trabalho, trabalho quase nada com a máquina é a máquina

que faz tudo, eu na verdade nem me canso durante o dia inteiro. (Trab. D).

Denota-se que a alienação que o trabalhador acarreta na sua rotina de trabalho,

mediada por intensa exploração, é nítida nesta perspectiva, pois o trabalho está totalmente

direcionado à máquina, o trabalhador se considerado completamente alheio à produção,

compreendendo esta como sendo realizada unicamente pela máquina.

8

Visando investigar a percepção dos trabalhadores com relação ao trabalho não pago

(mais-valia), perguntamos se ele se reconhece como proprietário da produção. O trabalhador

(A) ao ser entrevistado demonstra uma compreensão sobre as mercadorias produzidas. O

trabalhador entende que é dono de cada produto que está no estoque e que seu salário integra

o valor da mercadoria.

Assim, né, cada caixa dessas aí eu sou dono, e meu salário tá junto de cada preço das caixa

aí, porque ganho os meus troco com os preços das caixas [...]. (Trab. A).

Todavia, o que esse trabalhador não constatou é que o valor recebido não corresponde ao do

tempo de trabalho despendido na produção, portanto, em cada produto que ele vislumbra uma parte

do pagamento de seu salário está embutido também o lucro do proprietário.

Outro elemento que aparece na descrição de um trabalhador é a relação da produção

com a manutenção de sua empregabilidade. No tocante a isso, o trabalhador (E) descreve seu

entendimento:

Claro, se eu estou aqui é porque o dono gosta do trabalho da gente, se não gostasse

mandava nós embora, eles vê o suor de trabalho aí. (Trab. E).

Embora haja o reconhecimento do trabalho, este não se dá em relação ao produto em si, mas

com relação as condições de reprodução do capital, em outras palavras, a cada produção o

trabalhador se mantém na indústria porque atende os interesses de acumulação do capitalista.

A compreensão do excedente de trabalho não pago, ou ainda, a noção de apropriação

da força de trabalho pelo empregador fica evidente na fala a seguir:

Sou dono nada não, isso aí tudo é do patrão, ele que tem parte em tudo aí. Quem bom seria

piá, se meu salário fosse tivesse em cada caixa eu estaria rico (Trab. C).

Os gestos repetitivos na linha de produção incidem em uma rotinização diária, pode-se

dizer que o trabalhador não executa as duas funções de realização do trabalho, que é a

realização corpórea e intelectual, acaba realizando apenas a execução corpórea, pois a

rotinização automatiza o intelecto, ou em outros termos, a rotinização do trabalho embrutece o

intelecto humano. Assim, no intuito de investigar sobre os impactos do trabalho repetitivo

para o trabalhador, indagamos sobre a possibilidade de concentração durante toda a jornada

de trabalho.

9

Não dá não, é sempre a mesma coisa, fico pensando em outras coisas, pra ficar mais de boa,

assim a hora passa mais rápido e não fico só pensando no trabalho. (Trab. B).

Os esforços repetitivos tornam o convívio do trabalhador com o trabalho algo

desinteressante, ou seja, não há uma instigação no dia a dia, para que haja um aprimoramento

e na criatividade de trabalhar. Portanto, esse desinteresse se reflete na resposta do trabalhador

(B), que esboça uma reflexão sobre como é de extrema dificuldade se concentrar

integralmente no trabalho. Sobretudo, a resposta do trabalhador remete a jornada de trabalho,

sendo que o trabalho repetitivo torna o dia mais cansativo e moroso.

O estranhamento no trabalho perpassa esse contexto de modo que o trabalhador sequer

relata a relação do seu trabalho com a produção, o seu relato é sobre o tempo em que ele

permanece na jornada de trabalho, dessa maneira, a produção passa pelo trabalhador de forma

estranhada.

Visando inquerir acerca do modo como se constituem as relações de trabalho, com

enfoque no trabalho individual e/ou coletivo, perguntamos aos trabalhadores se a relação

deles era de cooperação. Para o trabalhador (A) faz a colocação sobre a não necessidade de

cooperação.

Nada não, aqui cada um faz por si, eu mesmo faço o meu trabalho de boa sozinho, não

preciso dos outros não. Eu faço o meu trabalho e os outros fazem o deles e nem tem como

ajudar, as máquinas deles ficam longe assim se perdemos aqui na máquina (A).

O trabalhador entrevistado relata que não há colaboração dele com outros

trabalhadores e que não depende dos outros trabalhadores para executar seu trabalho, não

vislumbrando necessidade de haver cooperação de todos na indústria. Por um lado, importa

lembrar que este formato segmentado de trabalho é característico do modelo fordista de

produção, por outro, esse individualismo está concatenado na estratégia capitalista de

fragmentar a classe trabalhadora, a fim de impedir a união dos trabalhadores em prol de

reivindicações, como também a distância que há entre os trabalhadores dentro do espaço

fabril, sendo ela um impedimento a cooperação no trabalho e no diálogo entre os

trabalhadores sobre o cotidiano da indústria e suas condições de labuta.

10

Em contrapartida, outras respostas dos entrevistados expressam a necessidade de

cooperação entre os trabalhadores, porém essa cooperação está voltada para princípios do

humanismo cristão, não para atitudes que reflitam uma consciência coletiva do trabalho.

Eu sempre gosto de ajudar o próximo, porque Deus quer que a gente ajude o próximo, aqui

quando um precisa de mim eu estou sempre perto pra ajudar (B).

Outrossim, embora a cooperação no trabalho sobre a ótica dos proprietários dos meios

de produção sejam um mecanismo para a extensão dos lucros, a cooperação no trabalho sobre

a ótica dos trabalhadores pode representar uma união de classe, contribuindo para uma maior

reflexão sobre as refrações da exploração que assola os operários e, também, para reivindicar

melhores condições de trabalho. Sendo assim, a cooperação é uma ferramenta de suma

importância, pois além de propiciar unidade entre os trabalhadores, proporcionaria também

um conhecimento maior sobre como se produz e as dificuldades que cada um passa no

decorrer da jornada de trabalho, em suma, tornaria a identidade dos trabalhadores mais

homogênea, com maior tenacidade para a luta por direitos.

CONCLUSÕES

As relações de trabalho no espaço fabril, sob a égide de modelos rígidos e

fragmentados de produção, mostraram-se importantes mecanismos de obscurecimento das

contradições que afetam os trabalhadores.

Esse óbice, que impede o trabalhador de ter consciência de sua espoliação, tem um

poderoso aliado: a máquina. O uso da maquinaria, ou o termo usado por Marx o “trabalho

morto”, é um dos elementos que facilitam a alienação do trabalho no sistema capitalista. A

velocidade na produção, exigindo movimentos rápidos e repetitivos dos trabalhadores em

curto espaço de tempo, a parcialidade da produção, a negação do processo de ideação, são

alguns dos mecanismos que levam ao embrutecimento do trabalho, afastando o trabalhador de

sua capacidade criativa e reflexiva. O trabalhador torna-se reificado, não se reconhecendo

como trabalhador.

Desde este prisma, desvelar o modo como os trabalhadores compreendem suas

condições de trabalho, cerceadas por um modelo embrutecedor de produção, mostrou-se

11

revelador ao proporcionar ao pesquisador deparar-se com as categorias que perpassam o

mundo do trabalho de modo concreto e objetivo, ao mesmo tempo que foi instigante, ao

permitir apreender o universo contraditório das relações de trabalho.

Elementos como fetichização, estranhamento, abstração e alienação no trabalho, fazem

parte do bojo de subjugação capitalista, esses elementos são essenciais ao sistema capitalista

para intensificar e manter a exploração no trabalho, conduzindo os trabalhadores à uma

profunda dominação por parte do capital.

O trabalho tem impactos severos na reprodução da vida social dos sujeitos. No Brasil,

dado sua peculiaridade histórica de nação colonizada e dependente, que conviveu e convive

com as mais desumanas formas de exploração do homem pelo homem, os trabalhadores

vivenciam no seu cotidiano a voracidade que o sistema impetra sob o jugo da reestruturação

capitalista, precarizando ainda mais as condições de trabalho, motivo que justifica de modo

contundente nossa defesa pela ampliação e efetivação dos direitos humanos e sociais.

Terreno este, que é singular para o Serviço social, profissão que intervém

cotidianamente nas mais variadas mazelas da questão social7, as quais se apresentam

singularizadas nos sujeitos que acessam as políticas, programas e serviços em que atuam os

trabalhadores sociais. Desse modo, é imprescindível aprofundar o conhecimento sobre os

efeitos nocivos do trabalho na vida dos usuários que acessam as políticas sociais na sociedade

capitalista burguesa.

O trabalho sobre o modo de produção capitalista tornou-se uma algoz para o

trabalhador, perpassando pela introdução da maquinaria na Revolução Industrial até o

trabalho contemporâneo, por demasiado precarizado e multifacetado. Ao que tange os

modelos de produção é explícito sua função sobre a classe trabalhadora, a regulação do

tempo, do esforço físico, da atividade intelectual, dentre outras, bem como os impactos sobre

a consolidação do trabalho estranhado e alienante.

Por fim, no que se refere aos trabalhadores partícipes da pesquisa, denotou-se uma

consciência parcial acerca dos elementos que compõem a alienação, a abstração, o

7 [...] Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista

madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais

amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantem-se privada, monopolizada por uma parte

da sociedade. (IAMAMOTO, 1999, p.27).

12

estranhamento e o trabalho assalariado. Constatou-se a falta de informações que esses

trabalhadores têm sobre a alienação capitalista, essa desinformação é ocasionada justamente

pela cultura hegemônica do capital que impetra o individualismo, a competitividade e o

tecnicismo na sociedade contemporânea.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.

ASSUNÇÃO, Ada Ávila. Ciclos curtos e repetitivos de trabalho: o caso de uma fábrica de metais.

ANTUNES, Ricardo (org). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.

CARMO, Paulo Sérgio, A Ideologia do Trabalho. São Paulo Editora Moderna, 1992.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 2009.

IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação

profissional. 2ed. São Paulo: Cortez, 1999.

LESSA, Sérgio. Trabalho e Proletariado no Capitalismo Contemporâneo. São Paulo: Cortez,

2007.

MARX, Karl, O Capital. Vol. II .São Paulo, Abril Cultural( Os Economistas), 1988.

MOTA, Ana Elizabete. Cultura da Crise e Seguridade Social. São Paulo: Cortez, 2008.

NETTO, José. BRAZ, Marcelo. Economia Política. São Paulo: Cortez, 2001.

SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. São Paulo. Cortez, 2005.