as origens da teoria da denotacao de bertrand russell

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As origens da teoria da denotação de Bertrand Russell (1903) 1 Cleber de Souza Corrêa Aluno de Mestrado do PPG-Filosofia UFRGS Bolsista do CNPq Orientador: Paulo Francisco Estrella Faria Resumo Neste texto, eu apresento as razões de Bertrand Russell para conceber a teoria da denotação exposta em The Principles of Mathematics. Eu argumento que a teoria da denotação é uma solução para uma incompatibilidade entre duas doutrinas e dois pressupostos filosóficos de Russell. Em síntese, Russell, à época dos Principles, propunha duas teorias que não são coadunavam com os pressupostos de que o conhecimento de proposições gerais (“Todo o número natural tem um número sucessor”, por exemplo) é possível e de que a capacidade da mente humana é finita. As duas doutrinas incompatíveis com esses pressupostos são, de um lado, uma metafísica realista da proposição e, de outro, uma teoria da atitude proposicional como relação direta entre a mente e a proposição. Se uma proposição contêm as entidades indicadas pelas palavras empregadas na sentença declarativa que expressa essa proposição e se o conhecimento proposicional é direto, isto é, não-mediado por representações mentais, então, ou entender proposições gerais é impossível, ou a capacidade da mente humana é infinita. Russell evidentemente não nega que o conhecimento de proposições gerais é possível; tampouco afirma que a mente humana é infinitamente capaz. Portanto, só lhe resta ou rejeitar que atitudes proposicionais são relações diretas entre a mente e a proposição, ou rejeitar a teoria realista acerca da proposição. Russell opta pelo último caminho: a teoria da denotação nada mais é do que a exceção à regra de uma proposição contém as entidades indicadas pela sentença declarativa que a expressa. Em 1905, Bertrand Russell publicou On Denoting 2 , o mais famoso paper de filosofia analítica da primeira metade do século XX, segundo Saul Kripke 3 . Em On Denoting, Russell apresenta o que certamente é a sua contribuição mais relevante para a filosofia da linguagem, a teoria das descrições, que Frank Ramsey e George Edward Moore classificaram como um “paradigma da filosofia”. Mas On Denoting tem um duplo aspecto, um negativo e um positivo. Isso significa que esse famoso artigo não é só o lugar da apresentação de uma 1 Este texto é uma versão modificada de uma comunicação apresentada na III Semana Acadêmica do PPG em Filosofia da PUCRS, em junho de 2009. 2 Mind 14 (56):479-493. 3 Kripke, 2005, p. 1005.

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ótimo artigo sobre filosofia da linguagem

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  • As origens da teoria da denotao de Bertrand Russell (1903)1

    Cleber de Souza CorraAluno de Mestrado do PPG-Filosofia UFRGS

    Bolsista do CNPqOrientador: Paulo Francisco Estrella Faria

    ResumoNeste texto, eu apresento as razes de Bertrand Russell para conceber a teoria da denotao exposta

    em The Principles of Mathematics. Eu argumento que a teoria da denotao uma soluo para uma

    incompatibilidade entre duas doutrinas e dois pressupostos filosficos de Russell. Em sntese,

    Russell, poca dos Principles, propunha duas teorias que no so coadunavam com os

    pressupostos de que o conhecimento de proposies gerais (Todo o nmero natural tem um nmero

    sucessor, por exemplo) possvel e de que a capacidade da mente humana finita. As duas

    doutrinas incompatveis com esses pressupostos so, de um lado, uma metafsica realista da

    proposio e, de outro, uma teoria da atitude proposicional como relao direta entre a mente e a

    proposio. Se uma proposio contm as entidades indicadas pelas palavras empregadas na

    sentena declarativa que expressa essa proposio e se o conhecimento proposicional direto, isto ,

    no-mediado por representaes mentais, ento, ou entender proposies gerais impossvel, ou a

    capacidade da mente humana infinita. Russell evidentemente no nega que o conhecimento de

    proposies gerais possvel; tampouco afirma que a mente humana infinitamente capaz.

    Portanto, s lhe resta ou rejeitar que atitudes proposicionais so relaes diretas entre a mente e a

    proposio, ou rejeitar a teoria realista acerca da proposio. Russell opta pelo ltimo caminho: a

    teoria da denotao nada mais do que a exceo regra de uma proposio contm as entidades

    indicadas pela sentena declarativa que a expressa.

    Em 1905, Bertrand Russell publicou On Denoting2, o mais famoso paper de

    filosofia analtica da primeira metade do sculo XX, segundo Saul Kripke3. Em On Denoting,

    Russell apresenta o que certamente a sua contribuio mais relevante para a filosofia da

    linguagem, a teoria das descries, que Frank Ramsey e George Edward Moore classificaram

    como um paradigma da filosofia. Mas On Denoting tem um duplo aspecto, um negativo e

    um positivo. Isso significa que esse famoso artigo no s o lugar da apresentao de uma

    1 Este texto uma verso modificada de uma comunicao apresentada na III Semana Acadmica do PPG em Filosofia da PUCRS, em junho de 2009.

    2 Mind 14 (56):479-493.3 Kripke, 2005, p. 1005.

  • teoria, mas tambm o lugar da refutao de uma outra. A teoria das descries apresentada

    sob um pano de fundo de rejeio filosfica. Ela a soluo para um problema prvio, que

    uma teoria prvia apresentava. Mas que teoria prvia essa? Certamente a obscuridade da

    passagem de On Denoting conhecida como o argumento da Elegia de Gray no facilita a

    exegese filosfica, pois justamente a que Russell executa a sua refutao. H dvidas entre

    comentadores se o argumento dirigido contra a distino de Frege entre sentido e referncia

    de expresses da linguagem, ou contra a teoria da denotao que ele mesmo, Russell,

    apresenta em The Principles of Mathematics4, ou contra ambos. O fato de Russell pensar que

    a sua teoria da denotao similar doutrina fregeana no ajuda muito a vida dos

    comentadores. De qualquer forma, no estou interessado em tomar posio quanto a isso,

    mas, isto sim, em investigar o que pode ser o objeto de refutao em On Denoting, a teoria da

    denotao dos Principles.

    A minha inteno aqui puramente histrica: assim como Russell teve razes para

    ter concebido a teoria das descries, ele tambm teve razes para ter concebido a teoria da

    denotao. E so exatamente as razes de Russell propor esta ltima que eu vou apresentar no

    que segue. A teoria da denotao de Russell tambm a soluo para um problema prvio.

    Desde o momento em que rompe com o idealismo (pouco antes da virada do sculo XIX para

    o sculo XX), Russell passa a sustentar duas doutrinas filosficas que lhe deixam com uma

    sria questo epistemolgica a responder: como possvel entender sentenas gerais (Todos

    os homens so mortais, por exemplo)? Em especial, como possvel entender sentenas

    gerais da matemtica (Todo o nmero natural tem um numero sucessor)?

    Neste texto, eu argumento que duas teses que Russell propunha poca dos

    Principles so incompatveis com as suposies intuitivas de que o conhecimento de

    proposies gerais , de fato, possvel e de que a capacidade da mente humana finita. As

    duas teses so as seguintes: uma metafsica realista da proposio e uma concepo de atitude

    proposicional como relao direta entre a mente e a proposio. Essas duas teses, tomadas em

    conjunto, so incompatveis com aquelas duas suposies. Isso significa que Russell deve ou

    rejeitar ou remendar pelo menos uma de suas teses. Este ltimo caminho o que Russell

    escolhe: a teoria da denotao uma modificao ad hoc na doutrina realista acerca da

    proposio.

    Este trabalho est dividido em duas sees. Na primeira delas, apresento as duas

    teses de Russell. Na segunda, mostro como a incompatibilidade gerada e apresento a

    soluo que Russell concebe para salvar sua filosofia da inconsistncia, a saber, a teoria da

    4 De agora em diante, Principles.

  • denotao5.

    1. Proposio e atitudes proposicionais

    Aps o seu rompimento com o idealismo, em 18986, e at a concepo da teoria

    do juzo como relao mltipla, em 1910, Russell pensava que verdade e falsidade nada

    tinham a ver com estados mentais e seus contedos. Para o Russell de ento, verdade e

    falsidade no eram propriedades relativas a juzos ou crenas. Mas de que, ento, se podia

    falar corretamente que verdadeiro ou falso? Proposies. Proposies, para Russell,

    constituem uma classe de entidades sobre as quais recaem, em ltima instncia, as

    propriedades da verdade ou da falsidade. Russell desenvolve a sua teoria acerca da natureza

    da proposio como consequncia da negao de certas teorias da verdade. Ele nega tanto que

    a verdade seja a propriedade do contedo de um juzo em virtude da relao de

    correspondncia desse contedo com um estado extra-mental quanto que seja a propriedade

    de um contedo de um juzo em virtude da relao de coerncia com um conjunto de

    contedos de outros juzos.

    Em The Nature of Truth, o primeiro texto da fase ps-idealista em que Russell

    trata especificamente da questo da verdade, as teorias da verdade como coerncia e como

    correspondncia so as nicas opes refutadas. Russell classifica as teorias da verdade de

    acordo com o lugar atribudo verdade: para a teoria da correspondncia, a verdade est na

    relao do contedo subjetivo de um juzo ou crena com um estados de coisas objetivo; para

    a teoria da verdade como correspondncia, a verdade propriedade do contedo da crena ou

    do juzo, possuda em virtude da relao desse contedo com o contedo de um conjunto de

    crenas mais amplo; e para a teoria da verdade de Russell, a verdade est no objeto da crena.

    Enquanto as teorias da correspondncia e da coerncia reduzem a verdade de um juzo a uma

    outra propriedade (seja a relao do contedo da crena com um estado de coisas, no caso da

    teoria da verdade como correspondncia, seja a compatibilidade da contedo da crena com o

    contedo de outras crenas), Russell considera a verdade e a falsidade uma propriedade

    irredutvel. O que verdade, e o que falsidade, diz Russell, ns devemos simplesmente

    5 No ignoro que Russell tenha herdado de Moore certas ideias filosficas, em especial as duas teses de que falo. Em todo o caso, me importa menos apresentar a origem dessas duas teses do que encaix-las dentro de um conjunto inconsistente de doutrinas que redunda na teoria da denotao, que particular da filosofia de Russell. Portanto, a importante contribuio de Moore para o estabelecimento dessas duas teses no ser objeto de discusso neste texto.

    6 Russell, 1959, p. 54.

  • apreender, pois ambas [as noes] parecem ser incapazes de serem analisadas (Russell,

    1904c, p. 524). Proposies so verdadeiras ou falsas primitivamente, e uma crena ou uma

    sentena declarativa so ditas verdadeiras, ou falsas, somente num sentido derivado: se a

    crena ou juzo tem por objeto uma proposio verdadeira, ou falsa, ou se a sentena

    declarativa expressa uma proposio verdadeira, ou falsa.

    Como dissemos acima, Russell atribui a propriedade da verdade ao objeto da

    crena. Mas qual a natureza do objeto da crena? O objeto da crena um estado de coisas,

    o tipo de entidade expressa por sentenas declarativas. E so essas entidades que, no recorte

    da filosofia de Russell relevante para este texto, so chamadas de proposies. Russell

    concebe as proposies de maneira francamente realista: proposies so entidades

    independentes do pensamento e, portanto, da linguagem. Proposies subsistem em mbito

    objetivo, isto , no so resultado subjetivo de elaborao mental. Russell concebe a realidade

    como um reino habitado por entidades simples (aquelas que referimos por meio de nomes

    prprios ou de algumas expresses denotativas) e entidades complexas, estas ltimas

    constitudas das entidades simples. Uma subclasse dessas entidades complexas so as

    proposies7. Em outras palavras, Russell concebe a realidade como constituda, alm de

    objetos simples, de objetos possuindo propriedades e estando em relaes uns com os outros.

    Em outras palavras, Russell admite a subsistncia da predicao e de relaes

    independentemente do pensamento.

    Para dar um exemplo: Russell admite a subsistncia desta folha de papel e da

    relao espacial ordenada de esta folha estar sobre esta mesa. Para Russell, a proposio

    expressa pela sentena declarativa estas folhas esto sobre esta mesa uma entidade

    complexa subsistente, uma entidade que esta a, mesmo que no faamos dela objeto de

    alguma atitude proposicional ou que a expressemos por meio de uma sentena declarativa. E

    a essas entidades complexas subsistentes, ou proposies, que Russell atribui verdade.

    Mas, e a falsidade? Russell tambm atribui falsidade a proposies ou concede,

    por exemplo, que a falsidade redutvel relao (ou falta de relao) entre o contedo

    subjetivo de uma crena e um estado de coisas no mundo? Russell tambm considera a

    falsidade como uma propriedade irredutvel de proposies. Isso significa que Russell

    concebe a realidade como constituda tambm de proposies falsas, como as expressas pelas

    seguintes sentenas declarativas: Estas folhas esto embaixo desta mesa, O Sol orbita em

    torno da Terra, Luiz Incio Lula da Silva presidente dos Estados Unidos. As razes de

    Russell para admitir a subsistncia de proposies falsas resumem-se, basicamente, ao

    7 A outra subclasse das entidades complexas, tal como classificado em Russell, 1903, 136, so os conjuntos.

  • seguinte problema: se admitimos que proposies verdadeiras subsistem objetivamente e que

    proposies falsas possuem somente realidade subjetiva, condicionais cujo antecedente falso

    (condicionais verdadeiros, portanto) teriam uma dupla natureza, por assim dizer8.

    O importante para o presente trabalho, contudo, menos o fato de proposies

    falsas serem entidades objetivas subsistentes por si mesmas do que a constituio das

    proposies9. E a que a tese ganha relevncia para o problema epistemolgico posterior. As

    proposies so as relaes elas mesmas entre os objetos (no caso das proposies

    relacionais) ou so objetos com suas propriedades (no caso de proposies no-relacionais).

    Dado que a proposio uma entidade complexa, entidades mais simples a constituem. A

    proposio expressa pela sentena declarativa estas folhas esto sobre esta mesa contm

    estas folhas e esta mesa. Ou, para dizer de modo mais categrico, essa proposio no outra

    coisa que estas folhas e esta mesa em uma certa relao espacial. Uma proposio, pois,

    constituda dos objetos indicados pelas palavras empregadas na sentena declarativa que

    expressa a proposio. Russell expe essa tese numa carta a Frege:

    Acredito que, apesar de toda a neve que o recobre, o Mont Blanc ele mesmo parte do que de fato afirmado na frase "O Mont Blanc tem mais de quatro mil metros de altura". Ns no afirmamos o pensamento, pois isso um assunto privado psicolgico; ns afirmamos o objeto do pensamento, e ele , penso eu, um certo complexo [...] do qual o Mont Blanc ele mesmo um componente (Gabriel et al. 1980, p. 169)

    Ao mesmo tempo em que insula na sua filosofia o campo daquilo que

    verdadeiro ou falso a salvo da interveno subjetiva ao postular que proposies so entidades

    subsistentes em mbito objetivo, Russell implicitamente prope uma teoria das atitudes

    proposicionais segundo a qual o vnculo cognitivo entre a mente e a proposio direto.

    Russell concebia atitudes proposicionais como uma relao entre somente os dois termos, a

    mente e a proposio. No entanto, mais do que tematizar positivamente a sua teoria, o que

    Russell antes faz recusar que o vnculo cognitivo se d por meio de representaes mentais.

    A rigor, a recusa de representaes mentais em relaes cognitivas s seria plenamente

    8 Tais casos como enunciados hipotticos verdadeiros cuja hiptese falsa parecem provar que proposies falsas devem ter algum tipo de subsistncia extra-mental (Russell, 1904a, p. 219). Alm disso, a proposio p implica q pode ser verdadeira embora p seja falsa. Mas, nesse caso, uma vez que p meramente mental, toda a proposio [i.e. p implica q] seria meramente mental, coisa que ns supusemos que proposies verdadeiras no so. E, assim, por toda a parte, a tentativa de conceber diferenas, com relao subsistncia, entre proposies verdadeiras e falsas, leva a inmeros conflitos com o que parecem ser fatos bvios (Russell, 1904c, p. 510-1). Todos os trechos citados neste texto so tradues minhas do ingls.

    9 A subsistncia de proposies falsas uma das razes que leva Russell a conceber a teoria do juzo como relao mltipla a partir de 1910.

  • articulada na filosofia de Russell mais tarde, em especial a partir da publicao de Knowledge

    by Acquaintance and Knowledge by Description10. De qualquer forma, a teoria do

    conhecimento por contato j estava prefigurada anteriormente, na forma da pressuposio da

    atitude proposicional como relao de contato. Russell propunha implicitamente que a atitude

    proposicional fundamental, o entendimento, s possvel se a mente apreende diretamente a

    proposio11. Embora atitudes proposicionais variem, Russell preserva na sua filosofia o

    vnculo de contato entre a mente e a proposio. Como explica Hylton:

    Um sentido em que essa noo [contato (acquaintance)] importante para o pensamento de Russell est na sua concepo de proposio (). Russell considera proposies entidades abstratas no-lingusticas e no-mentais que existem indepedentemente de ns. Quando fazemos um juzo ou uma assero ns estamos, segundo essa concepo, direta e imediatamente relacionados com tal entidade. Proposies elas mesmas, segundo a explicao de Russell, so objetos de contato [acquaintance]: entender uma proposio envolve estar em contato com ela (Hylton, 2003, p. 209)

    Embora Russell no caracterize positivamente a relao entre mente e proposio

    em atitudes proposicionais, o fato de, por introspeco, no se poder encontrar representaes

    mentais entre a mente e a proposio em uma atitude proposicional parece ser a prova para de

    que no h representaes mentais intermedirias. De fato, Russell apela introspeco para

    fazer valer a sua tese de que no h representaes mentais. Quando refletimos acerca do

    objeto das prprias atitudes proposicionais, no percebemos, no ato de introspeco, a

    representao mental ela mesma. A rigor, no percebemos outra coisa que a proposio ela

    mesma. Por introspeco, no identificamos de um lado a proposio e, de outro, a

    representao mental. por isso que Russell afirma que o principal argumento contra

    contedos a dificuldade de descobri-los introspectivamente12. E mesmo que ignorssemos a

    ausncia de evidncia da introspeco e postulssemos a existncia de representaes

    mentais, isso tornaria verdadeira a tese de que atitudes proposicionais tem por objeto no a

    entidade complexa l fora, mas um complexo de representaes mentais.

    O meu juzo obviamente consiste em eu crer que h uma relao entre os objetos reais (...), no em haver de fato uma relao entre as minhas ideias desses dois objetos (Russell, 1992, pp. 139-40)

    10 Proceedings of the Aristotelian Society 11:108--28.11 A distino entre crena e entendimento explicitada a partir de 1913, em Theory of Knowledge. Cf. Russell,

    1992, pp. 107-812 Russell, 1914, p. 43 (nmero da pgina da reimpresso em Russell, 1992). Contedo aquilo que venho

    chamando de representao mental.

  • Mas, se esse fosse o caso, estaramos pensando em representaes mentais e no

    em entidades objetivas. Como explica Hylton:

    Vimos que ele [Russell] rejeita a concepo de que, ao fazer um juzo, ns estamos mais diretamente relacionados com ideias, entidades psicolgicas nas nossas prprias mentes. No somente subjetividade das ideias que Russell objeta. tambm () ao papel das ideias como intermedirios entre ns e as coisas sobre as coisas tentamos falar (Hylton, 2003, pp. 209-10)

    Se no h representaes mentais, a relao direta. [A] peculiaridade da

    relao cognitiva () est no seguinte: um termo da relao no nada alm da conscincia

    [awareness] do outro termo. () O carter de estar relacionado [relatedness] parece constituir

    a natureza mesma de um dos termos relacionados, a saber, do termo psquico (Russell,

    1904c, p. 510). Em Russell, no h uma representao mental, qual caberia primitivamente a

    propriedade da intencionalidade da atitude proposicional, isto , o seu carter de ser sobre

    alguma coisa. O que intencional na explicao de Russell, se que esse pode falar nesses

    termos, o estado mental ele mesmo

    2. Proposies gerais e a teoria da denotao

    Recapitulemos brevemente as teses de Russell sobre as atitudes proposicionais e

    os objetos dessas atitudes: atitudes proposicionais so relaes diretas entre a mente e a

    proposio, isto , relaes que no so mediadas por representaes mentais; e as

    proposies contm as entidades e relaes designadas pelas palavras empregadas nas

    sentenas que as expressam. Pois bem: a teoria da denotao que Russell apresenta em

    Principles uma exceo tese de que as proposies contm as entidades sobre as quais elas

    so13. Proposies tais como as que viemos examinando neste trabalho de fato contm as

    entidades sobre as quais elas so. A proposio expressa pela sentena "estas folhas esto

    sobre esta mesa" contm esta mesa, estas folhas e a relao ordenada de uma coisa estar sobre

    outra. Mas, e proposies como a expressa pela sentena "todos os nmeros naturais tm um

    nmero sucessor". Dadas as teses filosficas de Russell expostas neste texto, seria razovel

    supor que a proposio expressa pela sentena anterior contm todos os nmeros. Nesse caso,

    a proposio seria infinitamente complexa, uma vez que o conjunto dos nmeros naturais

    contm infinitos nmeros. Mas tambm razovel supor que entendemos essa proposio.

    13 A definio daquilo sobre o que uma proposio pode ser encontrada em Russell, 1903, 48.

  • Ento, cabe a pergunta: qual a proposio com que nossa mente est relacionada

    quando dizemos que entendemos a proposio expressa pela sentena "todos os nmeros

    naturais tm um sucessor"? A resposta que a proposio, em vez de conter todos os

    nmeros, contm um conceito denotativo, que o sucedneo objetivo da representao mental

    que Russell havia rechaado. E isso vale para qualquer proposio expressa por sentenas que

    contenham qualquer uma das seguintes seis palavras (e suas declinaes de gnero e nmero):

    "todo", "cada", "qualquer", "um", "algum" e "o". exceo da ltima delas (que no estava

    includa nos rascunhos da teoria da denotao), todas as anteriores indicam proposies

    gerais.

    A teoria da denotao exposta em uma obra na qual Russell sustenta a tese de

    que toda a matemtica pode ser reduzida lgica. Em outras palavras: os conceitos da

    matemtica - como o de nmero, por exemplo - podem ser definidos a partir de conceitos da

    lgica; e os teoremas da matemtica podem ser deduzidos a partir de axiomas puramente

    lgicos segundo regras claras de derivao. Uma vez que Russell pressupunha, como Cantor,

    a atualidade do conjunto infinito dos nmeros naturais, e uma vez que ele propunha que toda a

    matemtica pode ser reduzida lgica, e dadas as duas teses expostas neste texto, uma

    explicao do entendimento das proposies gerais da matemtica era necessria. Como o

    conhecimento matemtico possvel ento, dado que o conjunto de seus objetos infinito? As

    motivaes para a teoria da denotao so resumidas nas seguintes passagens:

    No vejo como decidir se proposies de complexidade infinita so possveis ou no. Mas isso ao menos claro: todas as proposies que conhecemos (e, parece, todas as proposies que podemos conhecer) so de complexidade finita (Russell, 1903, 141.)

    Com relao a classes infinitas - a classe dos nmeros, digamos - deve ser observado que o conceito todos os nmeros, embora no seja complexo em si mesmo, ainda assim denota um objeto infinitamente complexo. Esse o mais ntimo segredo do nosso poder de lidar com o infinito (Ibidem, 72)

    Em sntese, ao mesmo tempo em que prope uma metafsica realista da

    proposio e uma teoria da atitude proposicional como relao direta, Russell admite que

    podemos conhecer proposies gerais, isto , que podemos apreender proposies que dizem

    respeito a qualquer coisa e lidar com classes infinitas. Essa constatao requer uma

    reformulao de uma de suas doutrinas, e Russell admite a possibilidade de que a proposio

    no contenha as entidades sobre os quais ela , mas sim algo diferente, o conceito denotativo,

    que embora seja um constituinte proposicional, no uma entidade sobre a qual a proposio

  • . A complexidade finita de uma proposio geral resulta da complexidade finita do conceito

    denotativo, e a generalidade da proposio resulta de um vnculo lgico entre o conceito

    denotativo e os termos que ele denota. Em sntese, a teoria da denotao uma teoria de

    motivao epistemolgica com implicaes para a metafsica russelliana: explica como se d

    a apreenso de certas proposies introduzindo modificaes na constituio dessas

    proposies, que so, como vimos, entidades independentes da mente humana. A teoria da

    denotao resultado de outras ideias de Russell, que, conjugadas e admitidas sem ressalvas,

    tornam o conhecimento de proposies gerais e o conhecimento matemtico, em especial

    impossvel.

  • Referncias

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    Traduzido por Hans Kaal.

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    Russell, B. (1992), Theory of knowledge: the 1913 manuscript, Routledge, Londres e Nova

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    As origens da teoria da denotao de Bertrand Russell (1903)11. Proposio e atitudes proposicionais 2. Proposies gerais e a teoria da denotaoReferncias