as origens da teoria da denotacao de bertrand russell
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As origens da teoria da denotao de Bertrand Russell (1903)1
Cleber de Souza CorraAluno de Mestrado do PPG-Filosofia UFRGS
Bolsista do CNPqOrientador: Paulo Francisco Estrella Faria
ResumoNeste texto, eu apresento as razes de Bertrand Russell para conceber a teoria da denotao exposta
em The Principles of Mathematics. Eu argumento que a teoria da denotao uma soluo para uma
incompatibilidade entre duas doutrinas e dois pressupostos filosficos de Russell. Em sntese,
Russell, poca dos Principles, propunha duas teorias que no so coadunavam com os
pressupostos de que o conhecimento de proposies gerais (Todo o nmero natural tem um nmero
sucessor, por exemplo) possvel e de que a capacidade da mente humana finita. As duas
doutrinas incompatveis com esses pressupostos so, de um lado, uma metafsica realista da
proposio e, de outro, uma teoria da atitude proposicional como relao direta entre a mente e a
proposio. Se uma proposio contm as entidades indicadas pelas palavras empregadas na
sentena declarativa que expressa essa proposio e se o conhecimento proposicional direto, isto ,
no-mediado por representaes mentais, ento, ou entender proposies gerais impossvel, ou a
capacidade da mente humana infinita. Russell evidentemente no nega que o conhecimento de
proposies gerais possvel; tampouco afirma que a mente humana infinitamente capaz.
Portanto, s lhe resta ou rejeitar que atitudes proposicionais so relaes diretas entre a mente e a
proposio, ou rejeitar a teoria realista acerca da proposio. Russell opta pelo ltimo caminho: a
teoria da denotao nada mais do que a exceo regra de uma proposio contm as entidades
indicadas pela sentena declarativa que a expressa.
Em 1905, Bertrand Russell publicou On Denoting2, o mais famoso paper de
filosofia analtica da primeira metade do sculo XX, segundo Saul Kripke3. Em On Denoting,
Russell apresenta o que certamente a sua contribuio mais relevante para a filosofia da
linguagem, a teoria das descries, que Frank Ramsey e George Edward Moore classificaram
como um paradigma da filosofia. Mas On Denoting tem um duplo aspecto, um negativo e
um positivo. Isso significa que esse famoso artigo no s o lugar da apresentao de uma
1 Este texto uma verso modificada de uma comunicao apresentada na III Semana Acadmica do PPG em Filosofia da PUCRS, em junho de 2009.
2 Mind 14 (56):479-493.3 Kripke, 2005, p. 1005.
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teoria, mas tambm o lugar da refutao de uma outra. A teoria das descries apresentada
sob um pano de fundo de rejeio filosfica. Ela a soluo para um problema prvio, que
uma teoria prvia apresentava. Mas que teoria prvia essa? Certamente a obscuridade da
passagem de On Denoting conhecida como o argumento da Elegia de Gray no facilita a
exegese filosfica, pois justamente a que Russell executa a sua refutao. H dvidas entre
comentadores se o argumento dirigido contra a distino de Frege entre sentido e referncia
de expresses da linguagem, ou contra a teoria da denotao que ele mesmo, Russell,
apresenta em The Principles of Mathematics4, ou contra ambos. O fato de Russell pensar que
a sua teoria da denotao similar doutrina fregeana no ajuda muito a vida dos
comentadores. De qualquer forma, no estou interessado em tomar posio quanto a isso,
mas, isto sim, em investigar o que pode ser o objeto de refutao em On Denoting, a teoria da
denotao dos Principles.
A minha inteno aqui puramente histrica: assim como Russell teve razes para
ter concebido a teoria das descries, ele tambm teve razes para ter concebido a teoria da
denotao. E so exatamente as razes de Russell propor esta ltima que eu vou apresentar no
que segue. A teoria da denotao de Russell tambm a soluo para um problema prvio.
Desde o momento em que rompe com o idealismo (pouco antes da virada do sculo XIX para
o sculo XX), Russell passa a sustentar duas doutrinas filosficas que lhe deixam com uma
sria questo epistemolgica a responder: como possvel entender sentenas gerais (Todos
os homens so mortais, por exemplo)? Em especial, como possvel entender sentenas
gerais da matemtica (Todo o nmero natural tem um numero sucessor)?
Neste texto, eu argumento que duas teses que Russell propunha poca dos
Principles so incompatveis com as suposies intuitivas de que o conhecimento de
proposies gerais , de fato, possvel e de que a capacidade da mente humana finita. As
duas teses so as seguintes: uma metafsica realista da proposio e uma concepo de atitude
proposicional como relao direta entre a mente e a proposio. Essas duas teses, tomadas em
conjunto, so incompatveis com aquelas duas suposies. Isso significa que Russell deve ou
rejeitar ou remendar pelo menos uma de suas teses. Este ltimo caminho o que Russell
escolhe: a teoria da denotao uma modificao ad hoc na doutrina realista acerca da
proposio.
Este trabalho est dividido em duas sees. Na primeira delas, apresento as duas
teses de Russell. Na segunda, mostro como a incompatibilidade gerada e apresento a
soluo que Russell concebe para salvar sua filosofia da inconsistncia, a saber, a teoria da
4 De agora em diante, Principles.
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denotao5.
1. Proposio e atitudes proposicionais
Aps o seu rompimento com o idealismo, em 18986, e at a concepo da teoria
do juzo como relao mltipla, em 1910, Russell pensava que verdade e falsidade nada
tinham a ver com estados mentais e seus contedos. Para o Russell de ento, verdade e
falsidade no eram propriedades relativas a juzos ou crenas. Mas de que, ento, se podia
falar corretamente que verdadeiro ou falso? Proposies. Proposies, para Russell,
constituem uma classe de entidades sobre as quais recaem, em ltima instncia, as
propriedades da verdade ou da falsidade. Russell desenvolve a sua teoria acerca da natureza
da proposio como consequncia da negao de certas teorias da verdade. Ele nega tanto que
a verdade seja a propriedade do contedo de um juzo em virtude da relao de
correspondncia desse contedo com um estado extra-mental quanto que seja a propriedade
de um contedo de um juzo em virtude da relao de coerncia com um conjunto de
contedos de outros juzos.
Em The Nature of Truth, o primeiro texto da fase ps-idealista em que Russell
trata especificamente da questo da verdade, as teorias da verdade como coerncia e como
correspondncia so as nicas opes refutadas. Russell classifica as teorias da verdade de
acordo com o lugar atribudo verdade: para a teoria da correspondncia, a verdade est na
relao do contedo subjetivo de um juzo ou crena com um estados de coisas objetivo; para
a teoria da verdade como correspondncia, a verdade propriedade do contedo da crena ou
do juzo, possuda em virtude da relao desse contedo com o contedo de um conjunto de
crenas mais amplo; e para a teoria da verdade de Russell, a verdade est no objeto da crena.
Enquanto as teorias da correspondncia e da coerncia reduzem a verdade de um juzo a uma
outra propriedade (seja a relao do contedo da crena com um estado de coisas, no caso da
teoria da verdade como correspondncia, seja a compatibilidade da contedo da crena com o
contedo de outras crenas), Russell considera a verdade e a falsidade uma propriedade
irredutvel. O que verdade, e o que falsidade, diz Russell, ns devemos simplesmente
5 No ignoro que Russell tenha herdado de Moore certas ideias filosficas, em especial as duas teses de que falo. Em todo o caso, me importa menos apresentar a origem dessas duas teses do que encaix-las dentro de um conjunto inconsistente de doutrinas que redunda na teoria da denotao, que particular da filosofia de Russell. Portanto, a importante contribuio de Moore para o estabelecimento dessas duas teses no ser objeto de discusso neste texto.
6 Russell, 1959, p. 54.
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apreender, pois ambas [as noes] parecem ser incapazes de serem analisadas (Russell,
1904c, p. 524). Proposies so verdadeiras ou falsas primitivamente, e uma crena ou uma
sentena declarativa so ditas verdadeiras, ou falsas, somente num sentido derivado: se a
crena ou juzo tem por objeto uma proposio verdadeira, ou falsa, ou se a sentena
declarativa expressa uma proposio verdadeira, ou falsa.
Como dissemos acima, Russell atribui a propriedade da verdade ao objeto da
crena. Mas qual a natureza do objeto da crena? O objeto da crena um estado de coisas,
o tipo de entidade expressa por sentenas declarativas. E so essas entidades que, no recorte
da filosofia de Russell relevante para este texto, so chamadas de proposies. Russell
concebe as proposies de maneira francamente realista: proposies so entidades
independentes do pensamento e, portanto, da linguagem. Proposies subsistem em mbito
objetivo, isto , no so resultado subjetivo de elaborao mental. Russell concebe a realidade
como um reino habitado por entidades simples (aquelas que referimos por meio de nomes
prprios ou de algumas expresses denotativas) e entidades complexas, estas ltimas
constitudas das entidades simples. Uma subclasse dessas entidades complexas so as
proposies7. Em outras palavras, Russell concebe a realidade como constituda, alm de
objetos simples, de objetos possuindo propriedades e estando em relaes uns com os outros.
Em outras palavras, Russell admite a subsistncia da predicao e de relaes
independentemente do pensamento.
Para dar um exemplo: Russell admite a subsistncia desta folha de papel e da
relao espacial ordenada de esta folha estar sobre esta mesa. Para Russell, a proposio
expressa pela sentena declarativa estas folhas esto sobre esta mesa uma entidade
complexa subsistente, uma entidade que esta a, mesmo que no faamos dela objeto de
alguma atitude proposicional ou que a expressemos por meio de uma sentena declarativa. E
a essas entidades complexas subsistentes, ou proposies, que Russell atribui verdade.
Mas, e a falsidade? Russell tambm atribui falsidade a proposies ou concede,
por exemplo, que a falsidade redutvel relao (ou falta de relao) entre o contedo
subjetivo de uma crena e um estado de coisas no mundo? Russell tambm considera a
falsidade como uma propriedade irredutvel de proposies. Isso significa que Russell
concebe a realidade como constituda tambm de proposies falsas, como as expressas pelas
seguintes sentenas declarativas: Estas folhas esto embaixo desta mesa, O Sol orbita em
torno da Terra, Luiz Incio Lula da Silva presidente dos Estados Unidos. As razes de
Russell para admitir a subsistncia de proposies falsas resumem-se, basicamente, ao
7 A outra subclasse das entidades complexas, tal como classificado em Russell, 1903, 136, so os conjuntos.
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seguinte problema: se admitimos que proposies verdadeiras subsistem objetivamente e que
proposies falsas possuem somente realidade subjetiva, condicionais cujo antecedente falso
(condicionais verdadeiros, portanto) teriam uma dupla natureza, por assim dizer8.
O importante para o presente trabalho, contudo, menos o fato de proposies
falsas serem entidades objetivas subsistentes por si mesmas do que a constituio das
proposies9. E a que a tese ganha relevncia para o problema epistemolgico posterior. As
proposies so as relaes elas mesmas entre os objetos (no caso das proposies
relacionais) ou so objetos com suas propriedades (no caso de proposies no-relacionais).
Dado que a proposio uma entidade complexa, entidades mais simples a constituem. A
proposio expressa pela sentena declarativa estas folhas esto sobre esta mesa contm
estas folhas e esta mesa. Ou, para dizer de modo mais categrico, essa proposio no outra
coisa que estas folhas e esta mesa em uma certa relao espacial. Uma proposio, pois,
constituda dos objetos indicados pelas palavras empregadas na sentena declarativa que
expressa a proposio. Russell expe essa tese numa carta a Frege:
Acredito que, apesar de toda a neve que o recobre, o Mont Blanc ele mesmo parte do que de fato afirmado na frase "O Mont Blanc tem mais de quatro mil metros de altura". Ns no afirmamos o pensamento, pois isso um assunto privado psicolgico; ns afirmamos o objeto do pensamento, e ele , penso eu, um certo complexo [...] do qual o Mont Blanc ele mesmo um componente (Gabriel et al. 1980, p. 169)
Ao mesmo tempo em que insula na sua filosofia o campo daquilo que
verdadeiro ou falso a salvo da interveno subjetiva ao postular que proposies so entidades
subsistentes em mbito objetivo, Russell implicitamente prope uma teoria das atitudes
proposicionais segundo a qual o vnculo cognitivo entre a mente e a proposio direto.
Russell concebia atitudes proposicionais como uma relao entre somente os dois termos, a
mente e a proposio. No entanto, mais do que tematizar positivamente a sua teoria, o que
Russell antes faz recusar que o vnculo cognitivo se d por meio de representaes mentais.
A rigor, a recusa de representaes mentais em relaes cognitivas s seria plenamente
8 Tais casos como enunciados hipotticos verdadeiros cuja hiptese falsa parecem provar que proposies falsas devem ter algum tipo de subsistncia extra-mental (Russell, 1904a, p. 219). Alm disso, a proposio p implica q pode ser verdadeira embora p seja falsa. Mas, nesse caso, uma vez que p meramente mental, toda a proposio [i.e. p implica q] seria meramente mental, coisa que ns supusemos que proposies verdadeiras no so. E, assim, por toda a parte, a tentativa de conceber diferenas, com relao subsistncia, entre proposies verdadeiras e falsas, leva a inmeros conflitos com o que parecem ser fatos bvios (Russell, 1904c, p. 510-1). Todos os trechos citados neste texto so tradues minhas do ingls.
9 A subsistncia de proposies falsas uma das razes que leva Russell a conceber a teoria do juzo como relao mltipla a partir de 1910.
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articulada na filosofia de Russell mais tarde, em especial a partir da publicao de Knowledge
by Acquaintance and Knowledge by Description10. De qualquer forma, a teoria do
conhecimento por contato j estava prefigurada anteriormente, na forma da pressuposio da
atitude proposicional como relao de contato. Russell propunha implicitamente que a atitude
proposicional fundamental, o entendimento, s possvel se a mente apreende diretamente a
proposio11. Embora atitudes proposicionais variem, Russell preserva na sua filosofia o
vnculo de contato entre a mente e a proposio. Como explica Hylton:
Um sentido em que essa noo [contato (acquaintance)] importante para o pensamento de Russell est na sua concepo de proposio (). Russell considera proposies entidades abstratas no-lingusticas e no-mentais que existem indepedentemente de ns. Quando fazemos um juzo ou uma assero ns estamos, segundo essa concepo, direta e imediatamente relacionados com tal entidade. Proposies elas mesmas, segundo a explicao de Russell, so objetos de contato [acquaintance]: entender uma proposio envolve estar em contato com ela (Hylton, 2003, p. 209)
Embora Russell no caracterize positivamente a relao entre mente e proposio
em atitudes proposicionais, o fato de, por introspeco, no se poder encontrar representaes
mentais entre a mente e a proposio em uma atitude proposicional parece ser a prova para de
que no h representaes mentais intermedirias. De fato, Russell apela introspeco para
fazer valer a sua tese de que no h representaes mentais. Quando refletimos acerca do
objeto das prprias atitudes proposicionais, no percebemos, no ato de introspeco, a
representao mental ela mesma. A rigor, no percebemos outra coisa que a proposio ela
mesma. Por introspeco, no identificamos de um lado a proposio e, de outro, a
representao mental. por isso que Russell afirma que o principal argumento contra
contedos a dificuldade de descobri-los introspectivamente12. E mesmo que ignorssemos a
ausncia de evidncia da introspeco e postulssemos a existncia de representaes
mentais, isso tornaria verdadeira a tese de que atitudes proposicionais tem por objeto no a
entidade complexa l fora, mas um complexo de representaes mentais.
O meu juzo obviamente consiste em eu crer que h uma relao entre os objetos reais (...), no em haver de fato uma relao entre as minhas ideias desses dois objetos (Russell, 1992, pp. 139-40)
10 Proceedings of the Aristotelian Society 11:108--28.11 A distino entre crena e entendimento explicitada a partir de 1913, em Theory of Knowledge. Cf. Russell,
1992, pp. 107-812 Russell, 1914, p. 43 (nmero da pgina da reimpresso em Russell, 1992). Contedo aquilo que venho
chamando de representao mental.
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Mas, se esse fosse o caso, estaramos pensando em representaes mentais e no
em entidades objetivas. Como explica Hylton:
Vimos que ele [Russell] rejeita a concepo de que, ao fazer um juzo, ns estamos mais diretamente relacionados com ideias, entidades psicolgicas nas nossas prprias mentes. No somente subjetividade das ideias que Russell objeta. tambm () ao papel das ideias como intermedirios entre ns e as coisas sobre as coisas tentamos falar (Hylton, 2003, pp. 209-10)
Se no h representaes mentais, a relao direta. [A] peculiaridade da
relao cognitiva () est no seguinte: um termo da relao no nada alm da conscincia
[awareness] do outro termo. () O carter de estar relacionado [relatedness] parece constituir
a natureza mesma de um dos termos relacionados, a saber, do termo psquico (Russell,
1904c, p. 510). Em Russell, no h uma representao mental, qual caberia primitivamente a
propriedade da intencionalidade da atitude proposicional, isto , o seu carter de ser sobre
alguma coisa. O que intencional na explicao de Russell, se que esse pode falar nesses
termos, o estado mental ele mesmo
2. Proposies gerais e a teoria da denotao
Recapitulemos brevemente as teses de Russell sobre as atitudes proposicionais e
os objetos dessas atitudes: atitudes proposicionais so relaes diretas entre a mente e a
proposio, isto , relaes que no so mediadas por representaes mentais; e as
proposies contm as entidades e relaes designadas pelas palavras empregadas nas
sentenas que as expressam. Pois bem: a teoria da denotao que Russell apresenta em
Principles uma exceo tese de que as proposies contm as entidades sobre as quais elas
so13. Proposies tais como as que viemos examinando neste trabalho de fato contm as
entidades sobre as quais elas so. A proposio expressa pela sentena "estas folhas esto
sobre esta mesa" contm esta mesa, estas folhas e a relao ordenada de uma coisa estar sobre
outra. Mas, e proposies como a expressa pela sentena "todos os nmeros naturais tm um
nmero sucessor". Dadas as teses filosficas de Russell expostas neste texto, seria razovel
supor que a proposio expressa pela sentena anterior contm todos os nmeros. Nesse caso,
a proposio seria infinitamente complexa, uma vez que o conjunto dos nmeros naturais
contm infinitos nmeros. Mas tambm razovel supor que entendemos essa proposio.
13 A definio daquilo sobre o que uma proposio pode ser encontrada em Russell, 1903, 48.
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Ento, cabe a pergunta: qual a proposio com que nossa mente est relacionada
quando dizemos que entendemos a proposio expressa pela sentena "todos os nmeros
naturais tm um sucessor"? A resposta que a proposio, em vez de conter todos os
nmeros, contm um conceito denotativo, que o sucedneo objetivo da representao mental
que Russell havia rechaado. E isso vale para qualquer proposio expressa por sentenas que
contenham qualquer uma das seguintes seis palavras (e suas declinaes de gnero e nmero):
"todo", "cada", "qualquer", "um", "algum" e "o". exceo da ltima delas (que no estava
includa nos rascunhos da teoria da denotao), todas as anteriores indicam proposies
gerais.
A teoria da denotao exposta em uma obra na qual Russell sustenta a tese de
que toda a matemtica pode ser reduzida lgica. Em outras palavras: os conceitos da
matemtica - como o de nmero, por exemplo - podem ser definidos a partir de conceitos da
lgica; e os teoremas da matemtica podem ser deduzidos a partir de axiomas puramente
lgicos segundo regras claras de derivao. Uma vez que Russell pressupunha, como Cantor,
a atualidade do conjunto infinito dos nmeros naturais, e uma vez que ele propunha que toda a
matemtica pode ser reduzida lgica, e dadas as duas teses expostas neste texto, uma
explicao do entendimento das proposies gerais da matemtica era necessria. Como o
conhecimento matemtico possvel ento, dado que o conjunto de seus objetos infinito? As
motivaes para a teoria da denotao so resumidas nas seguintes passagens:
No vejo como decidir se proposies de complexidade infinita so possveis ou no. Mas isso ao menos claro: todas as proposies que conhecemos (e, parece, todas as proposies que podemos conhecer) so de complexidade finita (Russell, 1903, 141.)
Com relao a classes infinitas - a classe dos nmeros, digamos - deve ser observado que o conceito todos os nmeros, embora no seja complexo em si mesmo, ainda assim denota um objeto infinitamente complexo. Esse o mais ntimo segredo do nosso poder de lidar com o infinito (Ibidem, 72)
Em sntese, ao mesmo tempo em que prope uma metafsica realista da
proposio e uma teoria da atitude proposicional como relao direta, Russell admite que
podemos conhecer proposies gerais, isto , que podemos apreender proposies que dizem
respeito a qualquer coisa e lidar com classes infinitas. Essa constatao requer uma
reformulao de uma de suas doutrinas, e Russell admite a possibilidade de que a proposio
no contenha as entidades sobre os quais ela , mas sim algo diferente, o conceito denotativo,
que embora seja um constituinte proposicional, no uma entidade sobre a qual a proposio
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. A complexidade finita de uma proposio geral resulta da complexidade finita do conceito
denotativo, e a generalidade da proposio resulta de um vnculo lgico entre o conceito
denotativo e os termos que ele denota. Em sntese, a teoria da denotao uma teoria de
motivao epistemolgica com implicaes para a metafsica russelliana: explica como se d
a apreenso de certas proposies introduzindo modificaes na constituio dessas
proposies, que so, como vimos, entidades independentes da mente humana. A teoria da
denotao resultado de outras ideias de Russell, que, conjugadas e admitidas sem ressalvas,
tornam o conhecimento de proposies gerais e o conhecimento matemtico, em especial
impossvel.
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Referncias
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Traduzido por Hans Kaal.
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As origens da teoria da denotao de Bertrand Russell (1903)11. Proposio e atitudes proposicionais 2. Proposies gerais e a teoria da denotaoReferncias