as maravilhas no mundo invisível: os micróbios e a vida no planeta

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As maravilhas no mundo invisível: Os micróbios e a vida no planeta Maria Isabel Madeira Liberto Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG) - UFRJ [email protected] Maulori Curié Cabral Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG) - UFRJ [email protected] Advi Catarina Barbachan Moraes Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ [email protected] Juliana Martins Ferro Instituto de Nutrição Josué de Castro - UFRJ [email protected] Isidório Mebinda Zuco Quitoco Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes - UFRJ [email protected] Resumo Micróbios são organismos essenciais para os demais seres vivos. Registros fósseis mostram que os micróbios foram os primeiros organismos vivos que habitaram a Terra há, pelo menos, 3,6 bilhões de anos. Desde então, dominam os fenômenos relacionados à vida e à morte dos demais organismos, vegetais ou animais, que surgiram no Planeta. Os benefícios dos micróbios ou suas enzimas para a humanidade podem ser percebidos nas seguintes situações: a) na fabricação de pão; b) na fabricação de queijo; c) na digestão dos ruminantes; d) na fabricação de vinhos; e) na produção de antibióticos; f) na fabricação do linho, da cerveja e do chocolate; g) nos processos de biorremediação e tratamento de efluentes; h) no suprimento intestinal de vitaminas do complexo B. Participam ainda para o sabor típico das carnes salgadas e da bioluminescência no ambiente marinho. Micróbios engenheirados produzem hormônios (insulina, eritropoietina e somatotrofina) e enzimas, utilizadas em biologia molecular. Palavras-Chaves: A vida na Terra; Biorremediação; Ciclos biogeoquímicos na Natureza. Wonders in the invisible world: microbes and life on the planet Abstract Microbes are essential organisms for all other living beings. Fossil records show that the microbes were the first living organisms that inhabited the Earth for at least 3.6 billion years. Since then, dominate the phenomena related to life and death of other organisms, plants or animals, which appeared on the planet.The benefits of microbes or their enzymes to humanity can be seen in the following situations: a) in making bread, b) in the manufacture of cheese, c) in the digestion of ruminants d) in wine production; e) antibiotics producion; f) in the manufacture of linen, beer and chocolate, g) in bioremediation processes and effluent treatment; h) in the intestinal supply of B vitamins They also contribute to the distinctive taste of salted meat and bioluminescence in the marine environment. Microbes engineered 1

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Page 1: As maravilhas no mundo invisível: Os micróbios e a vida no planeta

As maravilhas no mundo invisível: Os micróbios e a vida no planeta

Maria Isabel Madeira Liberto Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG) - UFRJ [email protected]

Maulori Curié Cabral Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG) - UFRJ [email protected]

Advi Catarina Barbachan Moraes Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ [email protected]

Juliana Martins Ferro Instituto de Nutrição Josué de Castro - UFRJ [email protected]

Isidório Mebinda Zuco Quitoco Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes - UFRJ [email protected]

Resumo

Micróbios são organismos essenciais para os demais seres vivos.

Registros fósseis mostram que os micróbios foram os primeiros

organismos vivos que habitaram a Terra há, pelo menos, 3,6 bilhões

de anos. Desde então, dominam os fenômenos relacionados à vida e à

morte dos demais organismos, vegetais ou animais, que surgiram no

Planeta. Os benefícios dos micróbios ou suas enzimas para a

humanidade podem ser percebidos nas seguintes situações: a) na

fabricação de pão; b) na fabricação de queijo; c) na digestão dos

ruminantes; d) na fabricação de vinhos; e) na produção de

antibióticos; f) na fabricação do linho, da cerveja e do chocolate; g)

nos processos de biorremediação e tratamento de efluentes; h) no

suprimento intestinal de vitaminas do complexo B. Participam ainda

para o sabor típico das carnes salgadas e da bioluminescência no

ambiente marinho. Micróbios engenheirados produzem hormônios

(insulina, eritropoietina e somatotrofina) e enzimas, utilizadas em

biologia molecular.

Palavras-Chaves: A vida na Terra; Biorremediação; Ciclos

biogeoquímicos na Natureza.

Wonders in the invisible world: microbes and life on the planet

Abstract

Microbes are essential organisms for all other living beings. Fossil

records show that the microbes were the first living organisms that

inhabited the Earth for at least 3.6 billion years. Since then, dominate

the phenomena related to life and death of other organisms, plants or

animals, which appeared on the planet.The benefits of microbes or

their enzymes to humanity can be seen in the following situations: a)

in making bread, b) in the manufacture of cheese, c) in the digestion of

ruminants d) in wine production; e) antibiotics producion; f) in the

manufacture of linen, beer and chocolate, g) in bioremediation

processes and effluent treatment; h) in the intestinal supply of B

vitamins They also contribute to the distinctive taste of salted meat

and bioluminescence in the marine environment. Microbes engineered

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produce hormones (insulin, erythropoietin and somatotropin) and

enzymes used in molecular biology.

Keywords: Life on the Earth; Bioremediation; Biogeochemical cycles

on the Nature

Neste ensaio é apresentada uma reflexão acerca do papel que os

micróbios exercem no cotidiano dos seres vivos na Natureza e, em

particular, da humanidade. As considerações a seguir apresentadas

representam a forma como os autores compreendem os fenômenos

da natureza, relacionados com os micróbios. Foi graças aos célebres

trabalhos desenvolvidos por Louis Pasteur, na França e Robert Koch,

na Alemanha, que a humanidade passou a compreender os micróbios

e os fenômenos da Microbiologia de maneira racional. As repercussões

desses trabalhos são notáveis nos campos da Medicina (cirurgias

assépticas), da Agricultura (simbiose nas leguminosas) e na

Alimentação (pasteurização). Com base nessas premissas, orientamos

a apresentação das idéias para conduzir o leitor deste ensaio ao

maravilhoso mundo dos micróbios.

Estima-se, com base em achados fósseis que registram a evolução

dos seres vivos, que os micróbios foram os primeiros organismos

vivos que habitaram a Terra, provavelmente há 3,6 bilhões de anos

atrás e persistem até agora, dominando plenamente os fenômenos

relacionados à vida e à morte dos demais organismos, vegetais ou

animais, que surgiram no Planeta. Em qualquer museu de ciências, no

setor de arqueologia, é possível perceber que muitas das espécies,

das quais só restam os registros fósseis, habitaram o planeta por um

certo período de tempo. A figura 1 apresenta uma visão da seqüência

evolutiva dos seres vivos e nela estão representadas artisticamente as

eras, períodos e épocas da história geológica do nosso planeta e é

evidenciado o tempo de permanência dos micróbios, que habitaram

quase que sozinhos o planeta Terra por aproximadamente 3 bilhões de

anos até o aparecimento dos seres multicelulares no período

Cambriano.

Figura 1- Representação Cronológica da Existência dos Seres Vivos no Planeta Fonte: http://www.esecodivelas.rcts.pt/BioGeo/ficha_foss.htm (modificado)

Essencialmente, a sobrevivência de qualquer espécie é regulada pela

disponibilidade de água, alimentos e condições ambientais. Destacam-

se, nesta última categoria, as variações climáticas, acompanhadas ou

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não de catástrofes naturais, resultantes das acomodações geológicas

da crosta terrestre. Em suma, habitamos um planeta de superfície

dinâmica e, por isso, estamos à mercê das forças da Natureza e

submetidos a um permanente processo de seleção natural.

No que tange à organização estrutural, os micróbios podem ser

classificados como eucarióticos (célula com núcleo definido) ou

procarióticos (sem núcleo definido, portanto, com os componentes

nucleares dispersos no protoplasma). Como exemplos de procariontes

temos as bactérias e as arqueias. O tamanho destes seres é, em

média, de um Micrômetro (1 µM).

É mister supor que os micróbios que primeiro chegaram à Terra

apresentavam processos metabólicos independentes de oxigênio, ou

sejam, eram anaeróbicos e adotavam a litotrofia, como caráter

nutricional, característica esta que lhes permitia utilizar a matéria

inorgânica (carbono, sob a forma de CO2 ou carbonatos, além de

outros elementos minerais) como fonte nutricional e energética, no

ambiente aquático.

À medida que esses micróbios proliferavam, aumentava a quantidade

de matéria orgânica no planeta. Posteriormente, com o aparecimento

e proliferação dos seres procarióticos fotossintetizantes, conhecidos

como cianobactérias, teve início uma grande mudança na atmosfera

do nosso planeta, ou seja, começou a aparecer e aumentar o teor de

oxigênio no ar. Esse gás, por ser extremamente tóxico para os seres

anaeróbicos, passou a atuar como verdadeiro poluente para os outros

micróbios que existiam na época.

A comprovação da existência dos micróbios primitivos no nosso

planeta está nas rochas denominadas estromatólitos (Figura 2).

Estromatólitos compactados deram origem ao mármore. Observando

uma pedra de mármore é fácil acompanhar as linhas de contorno das

várias camadas do biofilme bacteriano cuja calcificação teve início há

3,6 bilhões de anos. Por outro lado os mais antigos registros fósseis de

organismos macroscópicos datam de apenas 600 milhões de anos.

Diante desses números, fica fácil deduzir que durante, pelo menos,

três bilhões de anos os únicos habitantes da Terra foram os micróbios.

Maré alta Maré baixa

Figura 2 - Imagens de estromatólitos encontrados na Austrália, antes confundidos com

pedras. Fonte: http://www.discoverwest.com.au/western_australia/hamlin_pool_stromatolites.html

Na história evolutiva da vida, os micróbios mantiveram um convívio

harmonioso com os diferentes seres vivos que surgiram,

seqüencialmente, na biosfera do planeta, conforme pode ser

observado na figura 1. Nós humanos não somos exceção à regra, pois,

as superfícies externa e interna do nosso corpo são cobertas de

micróbios (Figura 3), As diversas populações microbianas que co-

habitam o nosso corpo constituem a chamada microbiota. A nossa

microbiota vive em simbiose com as células da superfície da epiderme

e das diversas mucosas que revestem o nosso corpo. No intestino

realizam funções importantes na reciclagem dos nutrientes. Nosso

contato com os micróbios começa ao nascermos e só termina quando

morremos. A ação dos micróbios promove a reciclagem dos elementos

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químicos que constituem o corpo, liberando os átomos para a

Natureza.

Figura 3 – Demonstração da presença da microbiota no sulco gengival. Notar a diferença de tamanho entre as células da mucosa (em rosa) e as bactérias (em roxo)

• Contribuições dos micróbios para o bem estar da humanidade

Os micróbios, graças a seus produtos (Figura 4), vêm sendo utilizados

como “escravos” pela humanidade, desde os seus primórdios, muitas

vezes como forma de garantir a sobrevivência da espécie no Planeta.

Como exemplos da participação microbiana no nosso cotidiano, temos

as situações descritas a seguir:

ü Alimentos, tais como queijos, iogurtes, chocolates e vinagre são

obtidos por processos industriais que envolvem, diretamente, a

participação de micróbios;

ü O álcool utilizado como combustível ou encontrado nas bebidas

destiladas (cachaça, uísque, vodca) e não destiladas, como vinhos

e cervejas, é produzido a partir da fermentação microbiana de

açúcares extraídos de cereais, frutas ou cana-de-açúcar;

ü Os antibióticos, que conhecemos como medicamentos (penicilina,

estreptomicina, anfotericina B e muitos outros) utilizados para

combater infecções, são produzidos pelas células microbianas

cultivadas nos laboratórios farmacêuticos;

ü Produtos de natureza protéica, como as enzimas que são

adicionadas ao sabão em pó para melhorar a remoção de sujeira,

ou hormônios, como a insulina, são resultantes da biotecnologia

industrial aplicada aos micróbios;

ü Vitaminas, como aquelas do complexo B, são produzidas pela

massa microbiana que constitui a microbiota do intestino humano.

Figura 4 – Produtos do metabolismo bacteriano

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Os micróbios também exercem suas ações promovendo a dissociação

dos átomos e moléculas da matéria morta existente nas florestas e

cemitérios, que contribui para a reciclagem da matéria orgânica do

Planeta. Na agricultura são usados tanto como fixadores de nitrogênio

como insumos para controlar pragas de insetos. Estes bioinseticidas

são constituídos, basicamente, de corpos bacterianos sob a forma de

esporos.

Como agentes despoluentes, os micróbios transformam os produtos

que estão dissolvidos na água de esgoto, tais como os dejetos

humanos, produtos industriais ou resíduos das empresas de

mineração e das refinarias de petróleo, em substâncias atóxicas para

o meio ambiente. Este tipo de atividade constitui a base dos

processos denominados biorremediação.

Todas essas situações são possíveis, graças à grande versatilidade

metabólica dos micróbios e, por isto, eles participam dos vários

fenômenos que regem o estado de vida e morte dos demais seres

vivos.

• Participação dos micróbios como agentes de transformação,

nos ciclos biogeoquímicos do Planeta:

Figura 5 - Esquema artístico do ciclo geoquímico do carbono na Natureza

A participação dos micróbios nos ciclos biogeoquímicos (Figura 5) pode

ser considerada a contribuição mais abrangente exercida pelos

micróbios para a manutenção da vida do Planeta. Vale salientar que os

micróbios representam 50% de toda a biomassa existente na biosfera.

Em função da versatilidade metabólica que possuem, os micróbios

agem como produtores de matéria orgânica. Como decompositores,

são responsáveis pela reciclagem dos átomos de carbono, nitrogênio,

hidrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre no Planeta.

A situação descrita a seguir serve para demonstrar como os micróbios

possibilitam a transição de elementos químicos da matéria orgânica

para a inorgânica e vice-versa: Imagine-se plantando uma semente de

feijão (planta leguminosa). Você escolheu um solo adubado, ou seja,

rico em elementos orgânicos e inorgânicos. Esse solo está repleto de

micróbios. Esse fato pode ser comprovado pelo fenômeno percebido

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quando se rega o solo e dele exala o “cheiro de chuva”. Esse cheiro

provém dos produtos voláteis, elaborados pelos micróbios, durante a

transformação da matéria orgânica. Ao mesmo tempo em que a água

encharca o solo, também expulsa os produtos gasosos nele dispersos.

As moléculas desses gases, ao se misturarem com o ar que você

respira, sensibilizam seu sentido de olfato e você passa a sentir o odor

característico. Com o passar do tempo, a semente germina e as folhas

fazem fotossíntese capturando CO2 do ar. A raiz, extraindo elementos

minerais e água, cresce no solo úmido. Alguns dos micróbios do solo

são incorporados à raiz da leguminosa, onde se desenvolvem,

internamente, formando nódulos. Esses nódulos representam uma

profícua associação planta-micróbio. O tipo de micróbio em questão

consegue capturar o nitrogênio do ar, sob a forma de N2, e

transformá-lo em amoníaco (NH3) que depois é convertido para

amônia (NH4+). Nesta condição tetravalente, os átomos de nitrogênio

podem ser aproveitados pela planta para a síntese de aminoácidos,

ácidos nucléicos e vitaminas (Figura 6).

Figura 6 - Esquema artístico do ciclo do nitrogênio na Natureza

Enquanto isso, os micróbios livres do solo vão degradando os resíduos

de matéria orgânica e, assim, disponibilizam os átomos de fósforo,

magnésio, enxofre e outros elementos químicos. Dessa forma, a planta

poderá continuar crescendo até produzir as vagens que, depois de

secas serão colhidas. As cascas das vagens, as folhas e os ramos da

planta agora servem como adubo ao serem misturados com o solo

pelo processo conhecido como compostagem, utilizado pela

humanidade desde os primórdios da agricultura. Parte dos grãos será

reservada para o plantio de nova safra e o restante será utilizado para

a alimentação. Durante o processo de cozimento, os cotilédones dos

grãos amolecem e, quando ingeridos, as moléculas de amido,

componentes do cereal começam a ser digeridas pelas amilases

presentes na saliva (ptialina).

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A hidrólise, promovida por essas enzimas, libera as moléculas de

glicose que serão aproveitadas, pelas células do corpo, para obtenção

de energia. Nesse processo bioquímico, as moléculas de glicose

(C6H12O6) são transformadas em CO2, H2O e energia (Figura 7). A

água excedente será eliminada do corpo sob a forma de urina e suor e

o gás carbônico será exalado dos pulmões, durante a respiração. A

partir do ambiente atmosférico, esses dois tipos de moléculas podem

ser novamente aproveitados pelos seres fotossintetizantes, dando

início a um novo ciclo biogeoquímico.

O processo de fotossíntese envolve a participação de um ou mais dos

seguintes pigmentos: clorofilas, carotenóides, cianinas, ficoeritrina e

ficoxantina. Os dois últimos são encontrados em macroalgas

marinhas,o que lhes assegura maior eficiência fotossintetizante, em

razão da absorção de maior espectro da radiação solar.

Figura 7 - Conversão de energia em matéria e matéria em energia

Em suma, os seres vivos e a matéria inanimada são constituídos pelos

mesmos elementos químicos. Compreendendo dessa maneira, fica

fácil deduzir que o crescimento natural de todos os seres vivos é

decorrente do acúmulo de elementos químicos, a partir da nutrição.

Depois da morte, os átomos presentes nos diversos organismos são

devolvidos para a mãe Natureza, pela ação dos micróbios dos

ambientes aeróbicos e anaeróbicos.

A participação benéfica dos micróbios pode então ser percebida, de

maneira mais concreta, principalmente, em situações tais como:

a) a fabricação de pão – neste processo a adição de leveduras à massa

possibilita uma prévia fermentação, liberando gás carbônico que faz a

massa crescer e ficar fofa depois de assada (Figura 8).

Figura 8 – Pão francês

b) a fabricação de queijo – a partir da fermentação microbiana do

açúcar do leite com produção de ácido lático. Esta acidificação coagula

as proteínas do leite que depois de precipitadas são processadas.

Outra forma de produção, mais rápida, é utilizar enzimas de um tipo

de fungo, que irão desnaturar a caseína do leite, promovendo a

coagulação (Figura 9).

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Figura 9 – Queijo de Minas

c) a digestão dos ruminantes – nesses animais, a digestão é feita em

duas etapas: na primeira a matéria vegetal ingerida fica armazenada

no rúmen e, neste órgão, existe uma diversidade populacional de

micróbios, que degradam a celulose dos vegetais, liberando as

moléculas de glicose, que tornam o bolo alimentar adocicado. Esse

material é várias vezes regurgitado, mastigado e deglutido. Na

segunda etapa, esse material vai para o ambiente ácido do estômago

(abomaso), onde as enzimas proteolíticas continuam a digestão, que

possibilita a liberação dos nutrientes necessários ao desenvolvimento

do animal. Está assim garantido o churrasco do fim de semana (Figura

10).

Figura 10 - aparelho digestório de bovino

d) a fabricação de vinhos – a partir das uvas esmagadas, os micróbios

presentes na casca fermentam o açúcar da fruta com a produção de

álcool (Figura 11).

Figura 11 – Uvas e vinho

e) a produção de antibióticos – a partir da descoberta dos fungos

produtores da penicilina, foi possível cultivá-los em escala industrial e

obter as moléculas de antibióticos que, para torná-las mais eficientes,

são modificadas quimicamente (Figura 12)

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Figura 12 – Cápsulas com antibiótico

Além das situações descritas acima, os micróbios ou suas enzimas

estão envolvidos nos processos de fabricação do linho, da cerveja e do

chocolate. O sabor típico das carnes salgadas é fruto da ação de

micróbios que vivem nesse ambiente hiperssalínico. Grande parte da

bioluminescência observada no mar, de grande importância para a

cadeia alimentar nesse ambiente marinho, é resultante do

metabolismo bacteriano. Como fruto da tecnologia de recombinação

genética, produtos bacterianos de natureza protéica estão disponíveis

sob a forma de hormônios (insulina, eritropoietina e somatotrofina) e

enzimas, principalmente aquelas utilizadas nas técnicas de biologia

molecular.

Do ponto de vista ambiental, a contribuição dos micróbios é

reconhecida nos processos de biorremediação e tratamento de

efluentes.

No intestino dos animais, incluindo os seres humanos, os micróbios

são responsáveis pelo suprimento de grande parte das vitaminas do

complexo B.

A pressão, seletiva exercida ao longo do tempo, pela diversidade

metabólica das células microbianas sobre os demais seres vivos, tem

proporcionado a evolução das espécies na natureza, onde a condição

de sobrevivência está condicionada diretamente com a genética de

resistência e inversamente relacionada com o caráter de

susceptibilidade. Nos seres humanos a situação não é diferente,

portanto, embora as infecções microbianas tragam tanta preocupação,

o fenômeno de doença está associado ao caráter genético da

predisposição, por isso só tem doença quem pode, ou seja,

sobrevivem aqueles cujas células conseguem devorar os micróbios.

Este é um processo contínuo exercido pelo corpo dos organismos

multicelulares enquanto vivos. Uma doença se estabelece quando o

organismo não consegue sobrepor, com suas enzimas, o espectro

metabólico dos micróbios. E, na Natureza, só há duas opções: matar

ou morrer.

Referências bibliográficas

DELANAWAY, A.. 1955. Pasteur e os Micróbios.Coleção Saber.

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SIMON, H.J. 1965. Os Micróbios e os Homens. Enciclopédia

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TRATTNER, E.R. 1967. Arquitetos de idéias. 3ª edição. Ed. Globo.

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http://www.discoverwest.com.au/western_australia/hamlin_pool_stro

matolites.html acessado em 15/12/2009.

Sobre os autores

Maulori Curié Cabral, professor da UFRJ, é formado em Farmácia e

Bioquímica pela UFRJ, mestre e doutor em Virologia pela UFRJ. Estuda

as viroses transmitidas por mosquitos (Febre Amarela, Dengue e

encefalites), às viroses aviarias de impacto econômico (Gripe e

doença de Newcastle) e às viroses bacterianas responsáveis pelo

potencial patogênico destes organismos. Em paralelo, dedica-se à

formação continuada de professores de modo a alcançar a divulgação

das ciências microbianas nas escolas de ensino médio e fundamental.

Maria Isabel Madeira Liberto é graduada em Farmácia e Bioquímica

pela UFRJ, mestrado e doutorado em Ciências (Microbiologia) pela

UFRJ. Professora associada da UFRJ, avaliadora do Ministério da

Educacao INEP/SESu/SINAES, coordenadora de disciplina no ensino

presencial e no semi-presencial (CEDERJ/UFRJ). Professora associada

- IMPPG/UFRJ. Experiência em Microbiologia, com ênfase em Virologia,

com interesses voltados principalmente para os temas: interferoses,

vacinas e vacinoses, dengue, hepatite, influenza. Atuação em projeto

de extensão universitária, promovendo a popularização dos

conhecimentos em Microbiologia e Virologia.

Advi Catarina Barbachan Moraes é acadêmica de Enfermagem e

Obstetrícia da Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ.

Juliana Martins Ferro é acadêmica de Nutrição do Instituto de Nutrição

Josué de Castro da UFRJ.

Isidório Mebinda Zuco Quitoco é acadêmico de Ciências Biológicas,

modalidade Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Microbiologia

Prof. Paulo de Góes da UFRJ.

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