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ARTIGO Avaliação da Qualidade dos Serviços de Saúde: Notas Bibliográficas Eduardo J. F. B. dos Reis * Fausto P. dos Santos * Francisco Eduardo de Campos * * Francisco de Assis Acúrcio * Marcelo T. T. Leite * Maria Léa C. Leite * Mariangela L. Cherchiglia * Max A. dos Santos * No momento em que se discute a reorganização dos serviços de saúde no Brasil, a avaliação da qualidade destes serviços ganha importância. Nesta revisão, buscamos os antecedentes históricos da avaliação dos serviços de saúde e apresentamos as propostas contemporâneas de sistematização da avaliação de qualidade. Através da análise dos trabalhos revisados, identificamos duas grandes linhas metodológicas de acordo com seu objeto de estudo: Estudos Corporativos Racionalizadores e Estudos Antropossociais. A maioria destes se referenciam nos trabalhos desenvolvidos por Avedis Donabedian, autor que, nos últimos vinte anos, vem desenvolvendo estudos de avaliação dos serviços de saúde. * Pesquisadores do Nescon, Es- pecialistas em Medicina Social ** Professor Adjunto da Facul- dade de Medicina da UFMG *** Esta revisão constitui parte do trabalho desenvolvido na pes- quisa "Produtividade e Resoluti- vidade dos Serviços de Saúde Frente a Política de Recursos Humanos" do Programa de Estu- do e Pesquisa de Política de Saú- de (PEPPS) Ministério da Saú- de-convênio UFMG/Nescon/ MS de junho /87, e da tese de doutoramento de Francisco Eduardo de Campos, "Resoluti- vidade: Uma Aproximação à Avaliação Qualitativa". Ensp/ Fiocruz, maio de 1988. INTRODUÇÃO Neste momento, em que se discute a reorgani- zação dos serviços de saúde do Brasil (AIS, VIII Con- ferência Nacional de Saúde, CNRS, SUDS), o tema da qualidade dos serviços, em seus termos mais am- plos, ganha relevância. O objetivo deste trabalho é apresentar uma revi- são bibliográfica, no sentido de subsidiar as discussões em andamento referentes à qualidade dos serviços de saúde no Brasil ***, até então pouco estudada na literatura nacional. Apesar desta discussão estar pre- sente desde a antigüidade, desenvolveu-se com mais vigor neste século e em especial, nas últimas décadas, nos países capitalistas centrais. ANTECEDENTES HISTÓRICOS A análise da literatura sobre a avaliação de servi- ços de saúde demonstra que sempre existiram meca- nismos de avaliação da qualidade da prática médica e dos serviços de saúde, caracterizados pela formação

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A R T I G O

Avaliação da Qualidade dos Serviços de Saúde:Notas Bibliográficas

Eduardo J. F. B. dos Reis *Fausto P. dos Santos *

Francisco Eduardo de Campos * *Francisco de Assis Acúrcio *

Marcelo T. T. Leite *Maria Léa C. Leite *

Mariangela L. Cherchiglia *Max A. dos Santos *

No momento em que se discute a reorganização dosserviços de saúde no Brasil, a avaliação da qualidadedestes serviços ganha importância. Nesta revisão,buscamos os antecedentes históricos da avaliação dosserviços de saúde e apresentamos as propostascontemporâneas de sistematização da avaliação dequalidade. Através da análise dos trabalhos revisados,identificamos duas grandes linhas metodológicas deacordo com seu objeto de estudo: EstudosCorporativos Racionalizadores e EstudosAntropossociais. A maioria destes se referenciam nostrabalhos desenvolvidos por Avedis Donabedian, autorque, nos últimos vinte anos, vem desenvolvendoestudos de avaliação dos serviços de saúde.

* Pesquisadores do Nescon, Es-pecialistas em Medicina Social

** Professor Adjunto da Facul-dade de Medicina da UFMG

*** Esta revisão constitui partedo trabalho desenvolvido na pes-quisa "Produtividade e Resoluti-vidade dos Serviços de SaúdeFrente a Política de RecursosHumanos" do Programa de Estu-do e Pesquisa de Política de Saú-de (PEPPS) Ministério da Saú-de-convênio UFMG/Nescon/MS de junho /87, e da tesede doutoramento de FranciscoEduardo de Campos, "Resoluti-vidade: Uma Aproximação àAvaliação Qualitativa". Ensp/Fiocruz, maio de 1988.

INTRODUÇÃO

Neste momento, em que se discute a reorgani-zação dos serviços de saúde do Brasil (AIS, VIII Con-ferência Nacional de Saúde, CNRS, SUDS), o temada qualidade dos serviços, em seus termos mais am-plos, ganha relevância.

O objetivo deste trabalho é apresentar uma revi-são bibliográfica, no sentido de subsidiar as discussõesem andamento referentes à qualidade dos serviços desaúde no Brasil ***, até então pouco estudada naliteratura nacional. Apesar desta discussão estar pre-sente desde a antigüidade, desenvolveu-se com maisvigor neste século e em especial, nas últimas décadas,nos países capitalistas centrais.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A análise da literatura sobre a avaliação de servi-ços de saúde demonstra que sempre existiram meca-nismos de avaliação da qualidade da prática médicae dos serviços de saúde, caracterizados pela formação

tanto da opinião pública quanto dos conselhos corpora-tivos. Estes mecanismos são tão antigos quanto essesserviços (16).

O estudo realizado pela OPS acerca de "Evalua-ción de la Eficacia y la Seguridad de las TecnologíasMédicas", relata que "o uso da estatística e da avalia-ção científica dos cuidados médicos se desenvolveulentamente, pois, em geral, não era considerado aspec-to essencial da Medicina" (23).

Talvez a primeira sistematização contemporânea*de um mecanismo de avaliação do ensino — e, porconseqüência, da prática médica — tenha sido o conhe-cido relatório Flexner (13), publicado em 1910, sobo patrocínio da Fundação Carneggie. Neste relatório,Flexner atenta para a necessidade de controle do exer-cício profissional, ao avaliar a educação médica e de-nunciar, de maneira muito enfática, as precárias condi-ções da prática profissional.

Na trilha aberta pelo relatório Flexner e respon-dendo, fundamentalmente, às mesmas determinações,surge outro trabalho clássico sobre avaliação dos servi-ços de saúde. Trata-se do trabalho de Codman "AStudy in Hospital Efficiency: the first five years" (25).Publicado em 1916, este trabalho apresenta propostade metodologia de avaliação rotineira do estado desaúde dos pacientes, para estabelecer os resultadosfinais das intervenções médicas intra-hospitalares. Re-latava, caso a caso, a que se poderia atribuir o sucessoou o insucesso do tratamento, qual momento em quese poderia ter uma avaliação definitiva do caso e,por fim, o que poderia ocorrer até mesmo um anodepois de terem sido realizadas as intervenções. Soba influência do trabalho de Codman, o Colégio Ameri-cano de Cirurgiões assumiu a responsabilidade pelaavaliação da qualidade das práticas cirúrgicas e doshospitais. Realizou, então, um famoso estudo, no qualregistra que, entre os aproximadamente 800 hospitaisexaminados com mais de 100 leitos, menos de 135tinham algum grau razoável de qualidade. Como conse-qüência deste trabalho e dos estudos desenvolvidospor Codman, cria-se, em 1928, o Hospital Standarti-zation Program, que é o embrião da Joint Comissionof Accreditation of Hospitals (JCAH) (25).

Com os crescentes custos da atenção médica, emespecial nos países centrais, e o aumento da comple-xidade da atenção (uso indiscriminado de tecnologiae procedimentos médicos cada vez mais sofisticados),acontece um impulso objetivo para a expansão de tra-balhos e pesquisas de avaliação da qualidade e doscustos da atenção médica.

Na Inglaterra, neste século, o atendimento gratui-to do National Health Service (NHS) leva a uma cres-cente demanda por serviços de saúde, o que inclui

* Para revisão das práticas deavaliação em saúde, em períodosmais remotos, ver: 1) Rodes,Philip. An outline history ofMedicine. Butterworths, 1985.Kent, England. 2) Focauk, Mi-chael. Microfísica do Poder. Riode Janeiro, 1979, Graal.

consultas médicas, exames subsidiários e medicação.Dada a limitação de recursos utilizados para o custeiodo NHS, buscou-se otimizar sua aplicação, surgindopreocupações com estudos da eficácia e eficiência dosprocedimentos diagnósticos e terapêuticos (17).

Nos EUA, a partir de 1960, com a implantaçãode programas sociais federais de atenção à saúde (Me-dicare e Medicaid), o reembolso dos custos exigiuuma avaliação do cuidado médico, tanto ao nível hospi-talar como para credenciamento de unidades ambula-toriais (PSRO-Organização, Estandartização e RevisãoProfissional) (12, 14). Para essa avaliação, utilizou-sede conhecimento acumulado nos comitês de peritagense experts (Peer Review) (7).

Segundo Perez Arias (24), "o incremento desen-freado dos custos ultrapassou o previsível e desejável,ainda que em países ricos. O gasto anárquico beneficiaalguns setores e prejudica outros, sem que isto signifi-que maior eficácia. O aumento global dos custos ea incorporação de grande quantidade de tecnologiapara o diagnóstico e tratamento de enfermidades nãotêm dado, como resultado, a redução da morbimorta-lidade. A qualidade da atenção médica sofre uma evi-dente deterioração devido, entre outras causas, à dilui-ção da responsabilidade que é transpassada e atomizadapor numerosos atores intervenientes". Estas são razõessuficientes para se buscar o controle dos custos e daqualidade a atenção médica, principalmente tendo co-mo pano de fundo a crise econômica mundial.

A tendência ao aumento dos custos do setor saúdeé, na verdade, universal. Vários autores trabalharameste problema, bem como analisaram suas causas, liga-das ao fato de que o cuidado médico, além de difícilpadronização, não possui valor de troca, mas tão-so-mente valor de uso para aquele que o consome. Alia-sea este fato que, ao contrário do que ocorre na evoluçãoda manufatura para a indústria, a incorporação tecnoló-gica não substitui o trabalho vivo consumido no cuida-do, nem tecnologias mais antigas. A este propósitodevem ser consultados os trabalhos de Donnangelo(10), Arouca (3) e Nogueira (22).

Nas últimas duas décadas, os estudos sobre aqualidade dos serviços de saúde têm-se baseado emuma ou mais categorias propostas por Donabedian (8).Utilizando as experiências de avaliação desenvolvidaspor Flexner (13) e Codman (25) e tendo como referen-cial a teoria dos sistemas, este autor sistematizou aavaliação qualitativa de atenção médica em três aspec-tos: estrutura, processo e resultado.

Existem várias propostas de agregação dos estu-dos de avaliação dos serviços de saúde, Por exemplo:Sonis e Paganini(27)propõem que os métodos de ava-liação podem se dar através de avaliações administra-

tivas, sem estudo especial, ou através de investigaçõesavaliativas. Nas duas abordagens, as possibilidadesde estudo são ainda aquelas apontadas anteriormente,ou seja: estrutura, processo e resultado. Enquanto osestudos de estrutura se desenvolvem, fundamentalmen-te, nos níveis institucionais e dos sistemas de atençãoà saúde, os estudos de processo e resultado podemter como referência o indivíduo, grupos de usuáriosou toda a população.

BASES TEÓRICAS DOS ESTUDOS ATUAIS

O autor que mais se aproxima de uma propostade avaliação da qualidade dos serviços de saúde éAvedis Donabedian (8), que vem publicando uma sériede importantes trabalhos para a literatura médica nosúltimos 20 anos. Dificilmente são encontrados artigosna literatura que não se baseiem ou citem, com desta-que, o trabalho desse autor. A avaliação qualitativado cuidado médico poderia se dar em três de seuscomponentes: estrutura, processo e resultado. Podemexistir combinações entre esses três componentes, co-mo se verá oportunamente. Como seria de se esperar,entretanto, as metodologias propostas estão muito vin-culadas à modalidade de organização da prática médicanorte-americana, estando sempre presente a perspec-tiva de melhoria qualitativa dos padrões, visando aum "autogoverno" das profissões.

Em artigo publicado em 1978, Donabedian (9)diz que a avaliação dos serviços comporta sempre duasdimensões: 1) desempenho técnico, ou seja, a aplica-ção do conhecimento e da tecnologia médica de modoa maximizar os benefícios e minimizar os riscos, deacordo com as preferências de cada paciente; 2) orelacionamento pessoal com o paciente, de modo asatisfazer os preceitos éticos, as normas sociais e aslegítimas expectativas e necessidades dos pacientes.A partir da interação entre o cliente e o médico, existeum processo complexo, que vai desde componentescomportamentais até componentes técnicos muito es-pecíficos.

Segundo Donabedian, "o objetivo da avaliaçãoda qualidade é determinar o grau de sucesso das profis-sões relacionadas com a saúde, em se autogovernarem,de modo a impedir a exploração ou a incompetência,e o objetivo da monitorização da qualidade é exercervigilância contínua, de tal forma que desvios dos pa-drões possam ser precocemente detectados e corrigi-dos" (9).

O estudo da estrutura avalia, fundamentalmente,as características dos recursos que se empregam naatenção médica e considera os seguintes componentes:medidas que se referem à organização administrativa

da atenção médica; descrição das características dasinstalações, da equipe médica disponível, fundamen-talmente em relação à sua adequação com as normasvigentes; perfil dos profissionais empregados, seu tipo,preparação e experiência. Os estudos que se baseiamsomente na estrutura têm sido pouco considerados poreste autor (9).

A avaliação de processo descreve as atividadesdo serviço de atenção médica. Esse tipo de avaliaçãoestá orientado, principalmente, para a análise da com-petência médica no tratamento dos problemas de saú-de, isto é, o que é feito para o paciente com respeitoà sua doença ou complicação particular. A avaliaçãodo processo compara os procedimentos empregadoscom os estabelecimentos como normas pelos própriosprofissionais de saúde. Geralmente os critérios são es-tabelecidos pelo estudo da eficácia de práticas médicasrotineiras. Segundo Donabedian (9), a metodologiados estudos de processo pode ser dividida de duasmaneiras: observação direta da prática e os estudosbaseados nos registros médicos.

A avaliação do resultado descreve o estado desaúde do indivíduo ou da população como resultadoda interação ou não com os serviços de saúde. Como,em termos de saúde, os resultados se devem a muitosfatores, a sua medida e avaliação constituem o queexiste de mais próximo em temos de avaliação docuidado total (9). Considerando-se a natureza multifa-cetada do estado de saúde, existem muitas metodo-logias que utilizam medidas de resultado seguras eválidas. Entre elas, incluem-se medidas de capacidadefísica e estado funcional, inventários de saúde mental,medida do impacto das doenças sobre o comportamentodos indivíduos (Perfil de Impacto da Doença (SIP))e medida de percepção pessoal da saúde geral.

Brook (4) e colaboradores vêm trabalhando nodesenvolvimento de uma metodologia que estude arelação entre processo e resultado como indicador daqualidade do cuidado, no entendimento de que os ser-viços prestados ao paciente guardam alguma relaçãocom seu subseqüente estado de saúde. A forma dese alcançar este objetivo seria, segundo Donabedian(9), os estudos de trajetórias e traçadores ("tracers"),que se baseiam na seleção de uma (ou mais) doençaou condição, podendo-se então fazer o acompanha-mento do paciente desde a sua chegada ao serviçode saúde até o presumível cuidado final.

As investigações que se referenciam nas catego-rias de Donabedian, atualmente, têm proposto um mo-delo integrativo, em que se avaliam as relações entreestado de saúde, qualidade do cuidado e gastos derecursos. Brook (4) sugere que: "... um grande esforçode pesquisa (talvez o mais importante deles) seria a

tentativa de integrar: a) a eficácia do cuidado ondeas circunstâncias são mais favoráveis à produção debons resultados; b) a efetividade do cuidado no cursodiário dos eventos; c) as variações das característicaspopulacionais no uso do serviço e as variações intima-mente relacionadas à qualidade do cuidado, medidasem termos de resultados no paciente; d) e, finalmente,os níveis de qualidade de cuidado nos termos maisamplos possíveis".

Pela literatura podemos notar que os diferentesestudos de avaliação dos serviços de saúde hoje desen-volvidos referenciam-se em uma ou mais categoriasdonabedianas. Por isso os reunimos em dois grandesgrupos: a) Estudos Corporativos Racionalizadores; b)Estudos Antropossociais.

A) Estudos Corporativos Racionalizadores

Abrange a auditoria médica, análises de custo,avaliação de eficácia e segurança de tecnologia médica.

Auditoria Médica

A auditoria médica tem sua origem no próprioexercício da prática médica liberal. Mas é com o traba-lho de Flexner de 1910 e o de Codman em 1916 quese tem, talvez, a primeira tentativa de sistematizaçãode um mecanismo de avaliação dos serviços de saúde(13, 25, 21).

É sabido que a expansão da auditoria médica seproduziu basicamente com o crescimento dos segurosmédicos e da seguridade social, o que levava a umanecessidade de avaliar os serviços prestados e tambémracionalizar os custos. Alia-se a este fato o objetivosubjacente de corporações que procuravam obter res-guardo profissional. Como assinala Busso, em "Pers-pectivas de 1a Auditoria Médica" (5), a auditoria foiaceita pelos médicos porque significava levantar umbaluarte preventivo contra as ações sociais e judiciaispor "má prática".

Segundo Donabedian (7), a auditoria é necessáriaporque, para assegurar a qualidade do cuidado, nãoé suficiente confiar em mecanismos informais de auto--avaliação. Há, segundo ele, três formas de se fazeruma auditoria contínua e periódica das atividades pro-fissionais. São elas: a) interna ou externa; b) adminis-trativa ou profissional; c) por revisão de casos ouestatística. E Donabedian chega à conclusão que aabordagem mais eficiente e eficaz para a revisão daatividade profissional envolve uma combinação da aná-lise estatística e da revisão de casos. A análise estatís-tica possibilita uma rápida revisão geral da situação,

identificando áreas de possíveis debilidades que se-riam, então, analisadas detalhadamente pela revisãode casos.

Análise de Custos

Na segunda metade da década de 60, foi introdu-zida na literatura médica a discussão entre Análisede Custo-Benefício (CBA)/Análise de Custo-Efetivi-dade (CEA) (32). Mas é com a publicação em 1972de "Effectiveness and Efficiency: Randam Reflectionson Health Services" de Cochrane (6) que há um pro-fundo impacto no crescimento dos estudos de CBA/CEA voltados para a avaliação dos serviços de saúde.Entre os trabalhos podemos destacar os dois artigospublicados em 1974 por Klauman (19), com a metodo-logia e aplicações do CBA,e os publicados por Weins-tein (30), três anos após, com a discussão da metodo-logia e aplicações da CEA. A partir de então há umaumento acentuado de estudos de CBA/CEA na avalia-ção de serviços de saúde.

Análise de Custo-Benefício, Análise de Custo-E-fetividade e Análise de Custo-Utilidade (CUA) sãotécnicas analíticas formais para a comparação das con-seqüências positivas e negativas na utilização de recur-sos. Na realidade, nada mais são do que tentativasde se pesarem logicamente os prós e os contras deuma decisão (29).

Na CBA, as conseqüências positivas dos progra-mas avaliados (os benefícios), assim como os custos,são medidos em unidades monetárias. Isto permite,conceitualmente, uma avaliação do valor inerente aum programa, assim como uma comparação entre pro-gramas semelhantes.

Já a CEA mede as conseqüências positivas nãoem termos monetários, mas em uma outra unidadequalquer, tal como anos de vida poupados, dias demorbidade ou mortalidade evitadas etc. Permite, por-tanto, a comparação de custo por unidade de efetivi-dade entre programas com o mesmo objetivo, mas nãoentre programas com objetivos diferentes, porque aefetividade das medidas de resultado ("outcome mea-sures") difere. Isto porque, apesar de a medida finalser a mesma, os parâmetros utilizados em cada progra-ma não são comparáveis.

A CUA enfoca, com atenção no resultado, a qua-lidade da saúde obtida por um programa de saúdeou tratamento. Os resultados são geralmente expressoscomo custo por ganho em qualidade de anos de vidaajustados (QALY) (11).

Avaliação de Eficácia e Segurança de TecnologiaMédica

O desenvolvimento e o uso das tecnologias médi-cas durante as últimas décadas tem crescido rapida-mente. É inegável que inovações tecnológicas têm con-tribuído para a queda, em todo o mundo, das taxasde mortalidade e morbidade. Entretanto, "ainda queas novas tecnologias tenham produzido mudanças noestado de saúde de muitas populações, é importantereconhecer que muitas dessas mudanças têm um customuito elevado em relação aos benefícios produzidos.Muitas dessas tecnologias introduzidas pela medicinade benefício marginal e implicam riscos que necessitamser considerados nas decisões" (23).

É neste contexto que, em 1978, o Office of Tech-nology Assessment (OTA), a pedido do Congressodos EUA, revê a eficácia e segurança de 17 diferentescasos de tecnologia médica. O OTA conclui que muitasdessas tecnologias não têm adequada avaliação de efi-cácia e segurança antes de serem difundidas. Entreas partes estudadas, algumas podem estar sendo equi-vocadamente utilizadas, não se esperando mudançaapreciável em um curto espaço de tempo (23).

B — Estudos Antropossociais

Esta vertente, que tem os indivíduos e os grupa-mentos sociais como base de sua metodologia paraavaliação dos serviços de saúde, desenvolveu-se, prin-cipalmente, a partir da década de 70. Seus eixos princi-pais são o estudo de acessibilidade e da satisfaçãodos pacientes.

Acessibilidade

A acessibilidade, utilizada como um indicador daqualidade do serviço de saúde, tem seu marco a partirda década de 60-70, diante da contradição existente,nos EUA, entre a disposição governamental de expan-são dos serviços de saúde e a não-correspondente eqüi-dade destes. Segundo Aday (1), em 1982, a acessibi-lidade da população americana aos serviços de saúdecontinuava a ser determinada, em última instância,pela renda do indivíduo.

Existem duas vertentes principais na literaturaque se baseiam na acessibilidade como metodologiade avaliação do acesso com as características da popu-lação (renda familiar, cobertura previdenciária, atitu-des frente ao cuidado médico) ou com os sistemasde saúde (distribuição e organização dos serviços, rela-ções de poder etc). A segunda vertente relaciona a

avaliação do acesso aos indicadores de resultado dapassagem do indivíduo pelo sistema (padrão de utiliza-ção e satisfação). Segundo pesquisadores dessa últimavertente, essa metodologia permite "validações exter-nas" da importância do sistema e das característicasindividuais (2).

Segundo Donabedian (2), dois aspectos da acessi-bilidade podem ser distinguidos: o sócio-organizacio-nal e o geográfico. Nos aspectos sócio-organizacio-nais, incluem-se tanto os atributos referentes aos recur-sos quanto à organização, que podem facilitar ou difi-cultar os esforços do cliente em obter o cuidado. Nesseaspecto, podem-se incluir variáveis referentes ao pro-fissional de saúde tais como sexo e especialização etambém as preferências do paciente. A acessibilidadegeográfica, por outro lado, refere-se ao "isolamentoespacial", uma função do tempo e da distância físicaa ser percorrida pelo paciente para obter o cuidado.

Garro e Cols (15), utilizando a antropologia comoreferencial metodológico, chegam à enfática conclusãode que a acessibilidade ao serviço de saúde é o fatorprimordial à sua utilização ou não, superando mesmobarreiras étnicas e culturais.

Satisfação

Ainda que a satisfação do paciente seja englobadafreqüentemente no processo ou resultado final do cui-dado, segundo Lebow (20) esta rotulação é uma simpli-ficação, porque a percepção individual do cuidado émais complexa do que a avaliação do processo ouresultado final. Vários fatores afetam a percepção dopaciente. Entre eles se destacam: as experiências ante-riores de cuidado médico recebido, em que condiçõeselas se deram e o seu estado atual de saúde. Essesfatores não são levados em consideração quando seutiliza o estudo de processo e resultado como metodo-logia de avaliação dos serviços de saúde.

A partir dos resultados preliminares de vários es-tudos realizados, utilizando a satisfação do pacientecomo medida da qualidade dos cuidados de saúde (20,28, 18, 26), pode-se inferir que os fatores mais impor-tantes, na percepção dos pacientes,foram: 1) interessepessoal do médico pelo paciente; 2) acessibilidade;3) "bons médicos"; 4) acompanhamento por pessoal"bem treinado"; 5) informação dos médicos; 6) pessoal"solícito"; 7) privacidade.

Donabedian (20) sugere que o estudo da satisfa-ção do paciente é o mais importante objetivo no estudodo cuidado médico, apesar de não poder ser um indica-dor direto ou indireto, mas apenas aproximado, daqualidade do cuidado à saúde. O mesmo autor inclui

a satisfação dos profissionais de saúde como uma im-portante dimensão na avaliação global da qualidadedo cuidado.

CONCLUSÃO

A partir deste estudo podemos concluir pela ne-cessidade de se aprofundar na sistematização do conhe-cimento nesta área, principalmente buscando pontosde contato ou reflexões que possam servir de subsídiosao desenvolvimento dos estudos voltados para a reali-dade brasileira. Nessa perspectiva destacamos os se-guintes pontos:

1) Nos países centrais, o desenvolvimento da ava-liação qualitativa deu-se, num primeiro momento, sobo impulso das corporações médicas na busca do contro-le das más práticas e do resguardo profissional. Aauditoria médica continua como mecanismo importantedeste controle. No Brasil, por outro lado,a forma dodesenvolvimento das entidades profissionais não incor-poraram essa prática.

2) A existência de seguro privado e/ou controleda sociedade sobre os gastos em saúde foram, nospaíses centrais, condições objetivas para o avanço daavaliação dos serviços de saúde como forma de raciona-lização dos gastos. No Brasil isto não se deu, emparte, devido ao pouco desenvolvimento do seguroprivado e também devido à "socialização" dos custos,com repasse de recursos públicos à iniciativa privada,sem o correspondente desenvolvimento de mecanismosde controle pela sociedade.

3) As avaliações de cunho tecnológico, nos paísescentrais, estão relacionadas à existência de um parqueindustrial desenvolvido e muito competitivo. No Bra-sil, o parque industrial nesta área é pouco desenvol-vido, o que torna o país um consumidor indiscriminadodestas tecnologias, sem a necessária avaliação.

4) Finalmente,nos países centrais o exercício dacidadania leva a que o paciente seja respeitado enquan-to "consumidor" do serviço de saúde. Este fato in-fluencia na qualidade de tais serviços. No Brasil, ainexistência de mecanismos sociais de controle do Es-tado e a desigualdade na distribuição da riqueza limi-tam o papel do paciente como "consumidor".

Quality assessment and evaluation becomes an issueof raising concern as the re-organization of healthservices in Brazil has been discussed. In this review,we search for the historical background of healthservices evaluation and present the contemporaryproposals for a systematic quality evaluation. The

analyses of the studies reviewed show two majormethodological trends in this area: theRationalizing-Corporative and theAntropological-Social Studies. Most of both types ofstudies derive from the work on health servicesevaluation developed during the last twenty years byAvedis Donabedian.

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