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n. 25

* Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Lygia Pape,Desenho, 1957

Este estudo busca aprofundar o entendimento dos processos interativos no

campo da arte tecnológica. Para isso, vai buscar nos estudos de Mark Johnson

e George Lakoff os elementos necessários para a produção de uma perspectiva

capaz de oferecer um maior aprofundamento sobre os processos que envolvem

a produção de significados e a experiência estética.

This study seeks to deepen the understanding of the interactive processes in

the field of technological art. For it will fetch in the studies of George Lakoff

and Mark Johnson the elements needed to produce a perspective able to offer a

deeper understanding of the processes involved in the production of meanings

and aesthetic experience.

palavras-chave: arte; interação; linguagem;

tecnologia; evolução.

keywords: art; interaction; language;

technology; evolution.

Fernando Fogliano*

Arte e interação: linguagem e produção de significado

Art and interaction: language and production of meaning

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FERNANDO FOGLIANO

Arte e interação: linguagem e produção de significado

IntroduçãoNão passa despercebido que experienciamos um fenômeno sem

precedentes na história da cultura. A diluição dos limites entre as várias

atividades no campo das artes são evidentes e tem constituído um desa-

fio para estudiosos e críticos. A hibridação entre antes bem delimitadas

formas de manifestação artística caracteriza a arte contemporânea e

essas transgressões interfronteiras coloca questões conceituais comple-

xas, que fazem alguns críticos acreditarem que a arte hoje esteja para

além da determinação histórica, da definição conceitual e do julgamen-

to crítico1. Flores2, consciente deste desafio, parece à busca de novas

perspectivas para enfrentá-lo ao se perguntar se a fotografia e a pintura

são, de fato, dois meios diferentes.

A cultura contemporânea seria mais bem compreendida se fosse

considerada para além apenas da diversidade de seus produtos dentre

os quais devemos incluir aqueles oriundos da arte. Avanços recentes

nas neurociências apontam a experiência estética como aspecto central

no efeito cognitivo gerado pelos produtos provenientes da esfera artísti-

ca da cultura, e que esta se origina nos estímulos sensoriais que a con-

cretude desses produtos pode produzir. O estético na arte "relaciona-se

com o que é percebido como belo e recompensador", é a conclusão a

que chegaram Ishizu e Zeki quando discorrem sobre a inadequação da

ideia de "significância da forma" proposta pelo historiador de arte Clive

Bell3. Segundo Bell, a beleza visual advinha de alguma qualidade co-

mum e peculiar aos objetos estéticos. O que Ishizu e Zeki perceberam

é que a experiência estética é um fenômeno cognitivo de natureza sub-

jetiva, independente de propriedades particulares dos objetos e abarca

aqueles constituídos dentro e fora dos padrões de beleza formal. Sabe-

-se a partir desses estudos que existe uma forma objetiva para entender

e medir a experiência consciente e estética através da observação do

estado de excitação dos neurônios situados numa estrutura cortical do

cérebro denominada córtex médio órbito frontal (mOFC)4.

A partir de um viés diferente, porém convergente, a filósofa Ju-

liane Rebentisch argumenta que é vantajoso considerar a arte contem-

porânea a partir de dois aspectos principais: o borramento de limites e

a experiência. Para a autora, estas são noções mais adequadas para a

tarefa de compreender a arte contemporânea e considerar sua produ-

ção do que "pós-história" ou "cultura do espetáculo". Tais categorias

são importantes, pois apontam para mudanças fundamentais na teo-

1. REBENTISCH, Juliane. Autonomy and progress in contemporary art. In: ALBERRO, Alexander (ed.). What is contemporary art today –International Symposium. Universidad Pública de Navarra, 2011, p. 219.

2. Cf. FLORES, Laura Gonzales. Pintura e fotografia: dois meios diferentes? São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

3. BELL, Clive. Art. London: Chatto and Windus, 1914.

4. Cf. ISHIZU, Tomohiro & ZEKI, Semir. Toward a brain-based theory of beauty” PLoS ONE 6(7): e21852. doi:10.1371/journal.pone.0021852. Disponível em: ‹http://neuroaesthetics.net/2011/08/21/toward-a-brain-based-theory-of-beauty-ishizu-zeki-2011/›. Acesso em: 4 nov. 2012.

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5. REBENTISCH, Juliane. Op. cit., p. 220.

6. Cf. Idem, p. 221.

ria e prática artística, mudanças estas igualmente fundamentais para a

compreensão da arte contemporânea. Contudo, para Rebentisch estas

não são as melhores categorias para descrever esta mudança.

Borramento de limites (boundary-crossing) como um título muito geral para

um desenvolvimento artístico que pôs em questão a unidade da arte e das

artes (de fato, nas últimas três ou quatro décadas ‘borramento de limites’

foi uma das palavras-chave mais populares no discurso internacional sobre

a arte contemporânea); “experiência” como uma categoria central de uma

teoria estética – em parte motivada por este desenvolvimento artístico –,

que já não tenta conceituar o verdadeiro conteúdo dos trabalhos de arte no

contexto de um sistema filosófico (para as últimas três ou quatro décadas a

noção de “experiência” de fato foi o ponto focal do debate em estética filo-

sófica, pelo menos na Alemanha)5.

A "deslimitação" do conceito tradicional de obra artística através

de várias formas de borramento de fronteiras e a mudança metodo-

lógica em direção à categoria de experiência desafiaram as narrativas

modernistas e com elas os juízos críticos sobre a arte, a filosofia e da

história da arte. As produções realizadas a partir da década de 1960 dis-

solveram os limites entre os gêneros artísticos estabelecidos pelo pro-

jeto modernista apoiado num desenvolvimento histórico homogêneo e

contíguo. Considerar a arte contemporânea a partir deste novo ponto

de vista implica na crítica à ideia modernista de uma determinação

objetiva do trabalho de arte, abrindo esta questão para leituras poten-

cialmente conflitantes6. Essas escolhas são motivadas pelas complexas

características da produção artística contemporânea, impenetrável às

abordagens críticas clássicas, o que obriga ao abandono do discurso

normativo e histórico para considerar a arte a partir da experiência

consciente como categoria central para a teoria estética.

Agora, da forma como vejo, isto não significa nem o fim da história tampou-

co o fim da determinação conceitual da arte ou de seu julgamento crítico

como tal trata-se apenas do fim de uma problemática noção objetivista de

história, arte e crítica. Ambos, o fenômeno do borramento entre limites na

arte e a mudança conceitual em direção à experiência estética, respondem

ao problema do objetivismo modernista. Portanto, acredito que quando a

arte contemporânea dissolve convicções básicas da alta teoria modernista da

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FERNANDO FOGLIANO

Arte e interação: linguagem e produção de significado

arte, isto deveria ser compreendido como um movimento de esclarecimento

estético, de progresso, se você assim preferir7.

Ricardo Fabbrini (2012), ao refletir sobre o ocaso das vanguar-

das artísticas, vislumbra na diversidade da produção contemporânea

um movimento de oposição ao viés universalista e uniformizador das

vanguardas modernistas:

É preciso não tomar, em primeiro lugar, a arte do presente por uma pura

heterogeneidade (de códigos, linguagens ou meios), por uma diferença ale-

atória cuja efetividade seria impossível aferir. Ao contrário, é preciso aguçar

nossa sensibilidade para as diferenças e reforçar nossa capacidade de supor-

tar a pletora das particularidades, para configurar uma paisagem, em grande

medida, ainda desconhecida. Dessa produção descentralizada, pulverizada,

de ativação das diferenças uma forma de reação ao viés universalista e uni-

formizador das vanguardas artísticas destaquemos três linguagens: a pin-

tura, a arte tecnológica e os coletivos, enquanto sintomas do imaginário

artístico pós-vanguardista8.

O autor reflete sobre a arte contemporânea a partir de um cená-

rio capaz de permiti-lo traçar um caminho para distinguir na "produção

descentralizada, pulverizada, de ativação das diferenças", uma alterna-

tiva conceitual para a arte. Para ele parece ser possível, além de neces-

sário, encontrar coerências na complexa produção contemporânea que

possam fundamentar uma reflexão sobre a transição do moderno para

o contemporâneo. Ao destacar a pintura, a arte tecnológica e os cole-

tivos o autor evidencia algumas estruturas, indícios de ordem e fluxos

coerentes.

Em consonância com os estudiosos da arte contemporânea,

este estudo também busca encontrar novos fundamentos para a arte

contemporânea em especial para a produção que Fabbrini denomina

de Arte Tecnológica. Esta, caracterizada pela construção de agregados

tecnológicos sensíveis, coloca desafios que demandam pela reflexão

sistemática sobre os processos interativos bem como as tecnologias e

seus potenciais expressivos, sua essência e finalidades. Objetiva-se aqui

encontrar alternativas para reconhecer e dar continuidade à reflexão

sobre a produção contemporânea da arte, encontrar novos cenários na

busca pelos sentidos dessa múltipla e diversificada atividade.

7. Idem, p. 211.

8. FABBRINI, Ricardo. O fim das vanguardas. In: Cadernos de Pós-graduação da UNICAMP, v. 8. 2006, p. 21. Disponível em: ‹http://www.iar.unicamp.br /dap/ vanguarda/ artigos_pdf/ ricardo_fabrini.pdf›. Acesso em: 10 ago. 2013.

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9. REBENTISCH, Juliane. Op. cit., p. 222.

10. Cf. DISSANAYAKE, Ellen. The arts after darwin:does art

have an origin and adaptive function? In: Zijlmans, K.. &

VAN DAMME, W. World art studies: exploring concepts

and approaches. Amsterdam: Valiz, 2008. Disponível em:

‹http://www.ellendissanayake.com/publications/

pdf/ EllenDissanayake_ArtsAfterDarwinWAS08.pdf›.

Acesso em: 10 ago. 2013.

Arte e evoluçãoOutro aspecto que merece atenção na produção contemporânea

da arte, principalmente no âmbito das artes tecnológicas, é o fato de

que muito de suas narrativas organizarem-se na forma de instalações.

Nas suas muitas formas, as instalações talvez constituam a mais rele-

vante forma de arte contemporânea desde 1960, não somente porque

concerne a sensibilidade contextual do espaço interior e exterior na

qual é exibida, mas também para as estruturas sociais que influenciam

a recepção da arte em geral.9

Ellen Dissanayake contribui para o avanço no entendimento

da arte contemporânea a partir de uma perspectiva dada pela teoria

da evolução de Darwin, chamando a atenção para um fato sistemati-

camente esquecido: de que os seres humanos evoluíram ao longo de

milênios a partir de formas mais simples. Para a autora a recuperação

das ideias de Darwin no século XXI pode expandir o escopo das huma-

nidades ao incluir no horizonte dos eventos a humanidade, a vida, a

mente, e obras de pessoas em todas as sociedades e períodos históricos,

incluindo a pré-história10. Essa ampliação implica em compreender a

história evolutiva da espécie humana e sua psicologia em particular.

Nesse contexto, interessa-nos considerar que o desenvolvimento das ar-

tes é parte integrante de nossa história evolutiva podendo ser conside-

rado como parte de estratégias adaptativas ao meio ambiente. A adoção

dessa perspectiva implica que nossos traços evolutivos emergiram para

permitir a sobrevivência individual e da espécie desde nossa existência

em ambientes ancestrais.

Ao considerar a abordagem evolucionista, Dissanayake elenca

um vasto rol de contribuições desse campo do conhecimento construin-

do, a partir deles, uma lista sintética que aqui será apresentada de for-

ma simplificada em favor da concisão desta reflexão e com a perspectiva

de que o texto original poderá ser lido em sua integralidade a partir das

referências no final do trabalho. São os seguintes os argumentos a favor

da hipótese adaptativa da arte:

1.Aperfeiçoa mecanismos cognitivos: as artes contribuem para

a resolução de problemas e tomada de melhores escolhas adap-

tativas.

2.Articula interações sociais: as artes são usadas para manipu-

lar, enganar, doutrinar ou controlar outras pessoas.

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FERNANDO FOGLIANO

Arte e interação: linguagem e produção de significado

3.Permite a demonstração de potencialidade reprodutiva: as

artes promovem oportunidade de acasalamento através de exibição

de qualidades desejáveis (por exemplo, a beleza física, a inteligência,

a criatividade, o prestígio) que denotam adaptabilidade.

4.Reforça vínculos sociais: as artes reforçam a cooperação

e contribuem para o desenvolvimento social, sua coesão e

continuidade.

Mais adiante poderemos perceber que todas essas características

da arte também podem ser atribuídas à linguagem ou às linguagens.

Brown e Dissanayake consideram, partindo de um ponto de vista

evolucionista, que ao olharmos os contextos para a produção das ar-

tes nas sociedades pré-modernas (tradicional, aborígenes) ao redor do

mundo e ao longo do tempo, descobrimos que elas são notavelmente

praticadas em cerimônias rituais. Estas, segundo os autores, consti-

tuem coleções de arte, concebidas como comportamentos transforma-

dos em arte11. Apesar da grande variabilidade cultural, as diferentes

cerimônias rituais, como manifestações comportamentais de sistemas

cognitivos de crenças sobre a maneira como o mundo funciona, têm

algumas características em comum. Elas são realizadas em tempos de

incerteza percebida, quando indivíduos e grupos desejam influenciar os

resultados das circunstâncias que eles percebem como vital para seu

sustento e sobrevivência12. Vê-se aqui a arte assumindo o importan-

te papel de materializar o conhecimento em estruturas narrativas, de

forma a permitir que modelos de realidade do grupo social possam ser

compartilhados entre os indivíduos, garantindo a possibilidade de uma

ação coerente no ambiente, um aspecto relevante na busca por alter-

nativas vantajosas para a ação organizada do grupo no meio ambiente.

Essas manifestações artísticas são tipicamente multimodais, com-

binando canto, instrumentos de percussão, dança, linguagem literária,

espetáculo dramático e decoração dos corpos, arredores, e apetrechos.

Dissolve-se a distinção entre criadores e espectadores; mesmo quando

o público observa "especialistas" em suas performances, eles colaboram

batendo palmas, movendo-se, gritando, cantando, e assim por diante.

Como John Chernoff, um estudioso do Oeste Africano, observou: “a estética

mais fundamental na África é que, sem participação, não existe significado.

As artes em contextos cerimoniais oferecem uma infinidade de funções so-

11. Cf. BROWN, Steven & DISSANAYAKE, Ellen. The arts are more than aesthetics: Neuroaesthetics as narrow aesthetics. In: SKOV, Martin & VARTANIAN, Oshin (eds.). Neuroaesthetics. Amityville, NY: Baywood, 2009, p. 43-57.

12. Cf. Idem, p. 45.

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13. Idem, p. 46.

14. ISHIZU, Tomohiro & ZEKI, Semir. Op. cit., p. 7.

ciais críticas para culturas de pequeno e grande porte, incluindo funções

historiográficas relacionadas a uma sociedade de ancestralidade e identidade;

funções discursivas relacionadas com a justificativa e viabilidade de empre-

endimentos planejados; funções relacionadas com a marcação de tempo (por

exemplo, calendários rituais [colheitas], rituais do ciclo de vida [casamentos,

funerais, nascimentos]); comunicação com divindades; alívio da ansiedade e

estresse; coordenação social, para citar apenas alguns. O principal objetivo

das atividades das artes é promover a cooperação em apoio coletivo de em-

preendimentos, como a caça, forragem, resistência aos inimigos, construção

de infraestrutura, e semelhantes. As artes também são os principais meios de

manutenção da harmonia social e amenizar os conflitos dentro de grupos13.

Trazer para esta discussão a abordagem evolucionista da arte tem

o objetivo de pôr em questão a abrangência do conceito de arte que

Brown e Dissanayake desejam expandir para além das noções eurocên-

tricas do século XVIII. Ao considerarmos a questão da experiência esté-

tica a partir da pesquisa de Ishizu e Zeki, que parece em harmonia com

essas ideias, abre-se caminho para incluir no campo da experiência es-

tética a produção artística constituída para além dos requisitos formais

de beleza. Pode-se considerar arte toda manifestação capaz de con-

duzir a produção de uma experiência estética. Esta, conforme vimos,

correlaciona-se a ativações neurocorticais nos processos cognitivos de

valoração, desejo, beleza a julgamentos positivos como recompensa e

prazer em correlação com a ativação de outras áreas corticais (núcleo

caudado) que, em outros estudos científicos, foram correlacionados à

resposta cortical ao amor romântico14. Tais constatações indicam que

deve haver especializações no cérebro para a elaboração da experiência

da beleza e da feiura, entendida aqui como uma experiência emocional

negativa, aversiva. Constatou-se que experiências negativas são trata-

das diferenciadamente de forma mais confinada na amígdala e córtex

somato-motor, enquanto que a beleza recruta um número muito maior

de córtices cerebrais. Esses estudos revelaram também que existe uma

correlação entre a intensidade observada na ativação cortical e a decla-

rada pelos indivíduos estudados, o que torna possível medir objetiva-

mente a experiência do belo. Outra consequência da pesquisa de Ishizu

e Zeki é a constatação de que a experiência do belo é absolutamente

individual e subjetiva. A ativação do mOFC ocorre em qualquer indi-

víduo independentemente de etnia, cultura ou raça. Contudo, é muito

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FERNANDO FOGLIANO

Arte e interação: linguagem e produção de significado

importante considerar que a cultura é a arena de atuação do indivíduo

no seu meio ambiente e constitui um filtro poderoso na construção

da experiência estética e de sua consciência. Em outras palavras, a

resposta emocional do indivíduo depende de sua ontogênese. Novas

experiências serão sempre cotejadas com anteriores, memorizadas, no

estabelecimento do cenário no qual serão avaliadas. Esse fato parece

estar na mente dos autores quando mencionam indivíduos que acham

rock and roll mais “recompensador” do que a obra de Richard Wagner15.

Outro aspecto que se busca considerar é que a arte contemporâ-

nea resgata, pela via das instalações artísticas, funções e valores ances-

trais esquecidos no século XVIII, tendo em perspectiva um modelo de

observador hoje não mais adequado, face ao rápido desenvolvimentos

tecnológicos, especialmente aqueles que disponibilizaram novas pos-

sibilidades para experiências visuais como os sistemas de produção de

imagens gerados por computador16. Já na década de 1990, tais sistemas

anunciavam a implantação de espaços visuais fabricados radicalmente

diferentes das capacidades miméticas do filme, fotografia e da televi-

são17. Avanços tecnológicos, como os oriundos da Fotografia Computa-

cional, trouxeram novas e mais intensas possibilidades interativas para

a fotografia abrindo espaço para uma verdadeira reconfiguração no

modo como se pode interagir com narrativas "fotográficas". A fotografia

em suas emergentes formas interativas proporciona novas maneiras de

construção da narrativa, e consequentemente de produção de experiên-

cias visuais que incluem agora a ação decisiva do corpo e das "proprie-

dades" constitutivas do espaço em torno do interagente.

Além dos avanços tecnológicos, os científicos, especificamen-

te das neurociências, mudaram o conceito do próprio corpo humano,

abrindo caminho para que a noção de interagente pudesse expandir a

do observador. Para Gibbs18, a separação que se estabelece na filosofia

tradicional entre corpo e mente impõe sérios limites aos estudos acadê-

micos da vida mental. Platão via o corpo como uma fonte de distração

na vida intelectual que necessitava ser erradicada na prática da filoso-

fia. Essa mesma perspectiva pode ser encontrada nos escritos cristãos,

quando Santo Agostinho, no século V, referia-se ao corpo como origem

do pecado e da fraqueza espiritual. "A separação entre mente e corpo e

a organização hierárquica tendo a mente sobre o corpo assombra a his-

tória da filosofia ocidental desde Platão, Aristóteles e Santo Agostinho

até Descartes e Kant"19. Antônio Damásio vai referir-se ao dualismo

15. Idem, p. 9.

16. Cf. CRARY, Jonathan. Techniques of the observer: on vision and modernity in the nineteenth century. Cambridge: MIT Press, 1990.

17. Idem, p. 1.

18. Cf. GIBBS, Raymond W. Embodiment and cognitive science. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 1-13.

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19. Idem, p. 3.

20. Cf. DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das

Letras, 1996.

21. KAPTELININ, Victor & Nardi, Bonnie A. Acting with

technology: activity theory and interaction design.

Cambridge: MIT Press, 2006.

22. Idem, p. 8.

23. Idem, p. 31.

24. Idem, p. 37.

25. FELDMANN, Jerome A. From molecule to metaphor: a neural theory of language.

Cambridge: MIT Press, 2006, p. 3.

cartesiano e à necessidade de superá-lo diante das evidências cientí-

ficas que demonstraram em que lugar, no cérebro, se realiza o pensa-

mento emocional e sua importante influência sobre a razão20.

A importância dos processos interativos também é considerada

quando Kaptelinin e Nardi21, na busca por construírem um campo te-

órico integrador para os estudos sobre a relação homem-máquina e a

questão da interatividade, discutem a unidade entre a consciência e a

atividade. Para os autores, a Teoria da Atividade pode ser assim definida:

Teoria da atividade busca compreender a unidade da consciência e da ativi-

dade. É uma teoria social da consciência humana, interpretando a consci-

ência como o produto da interação do indivíduo com pessoas e objetos no

contexto da atividade prática cotidiana. Consciência se constitui como a

promulgação da nossa capacidade de atenção, intenção, memória, aprendi-

zagem, raciocínio, linguagem, reflexão e imaginação. É através do exercício

destas capacidades em atividades diárias que nos desenvolvemos, na verdade

esta é a base da nossa existência22.

A interatividade constitui o cerne da Teoria da Atividade que,

pode ser sintetizada pela "interação intencional do sujeito no mundo,

um processo no qual transformações mútuas entre os polos sujeito-

-objeto são produzidas"23. Apoiados nos conceitos oriundos da escola

russa de psicologia, notadamente nas ideias de Vygostky, os autores vão

definir o conceito de mente humana com sendo:

Intrinsecamente relacionada a todo conceito de interação entre seres huma-

nos e o mundo, um órgão de tipo especial, emergindo e desenvolvendo-se

para fazer a interação com o mundo bem sucedida24.

A partir dessas considerações pode-se concluir que a consciên-

cia emerge das experiências interativas que levamos a cabo no meio

ambiente. A ideia de que o corpo e a mente são inextricáveis estão

não somente no âmago da filosofia contemporânea, como vimos acima,

mas também nas teorias da linguagem. Feldman, ao considerar a base

neural para a linguagem, busca na experiência subjetiva a ideia de que

a linguagem se origina na experiência concreta. Para o autor: "O pensa-

mento é estruturado na atividade neural" e a linguagem "é inextricável

ao pensamento e à experiência"25.

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FERNANDO FOGLIANO

Arte e interação: linguagem e produção de significado

Linguagem e TecnologiaNo pensamento de Gilbert Simondon, a realidade técnica possui

realidade humana e "para cumprir seu papel completamente, a cultura

deve incorporar os seres técnicos como uma forma de conhecimen-

to e de sentido dos valores"26. Simondon oferece um ponto de vista

vantajoso para compreender-se melhor o papel da tecnologia de forma

que se torne evidente seu caráter integrador entre indivíduos e meio

ambiente, em vez de constituir uma força escravizadora e redutora das

potencialidades humanas. Tal abordagem poderia oferecer também

uma alternativa no estabelecimento de um parentesco muito próximo

a outro importante elemento da Cultura a Linguagem. Isto nos permi-

tiria conceber um cenário conceitual convergente capaz de refletir a já

muito propalada convergência tecnológica. A possibilidade para esta

concepção advém do fato de que, em todo seu espectro cultural, as

linguagens, através de suas narrativas, expressam experiências subjeti-

vas, cuja finalidade é conectar enunciadores e receptores27. Vê-se aqui

uma importante convergência entre o conceito de arte e de linguagem.

Trata-se de um aspecto fundamental no estabelecimento de vínculos

sociais, aprendizado e compartilhamento de modelos de realidade. A

experiência pessoal ou subjetiva, fenomenológica ou, como os preferem

os filósofos, qualia, constitui o objetivo do design subjacente à ação

das narrativas. O elo que conecta as linguagens reside na experiência

consciente subjetiva do narrador traduzida, codificada e materialmente

concretizada por intermédio das tecnologias disponíveis, de forma a

produzir estímulos sensoriais com o fito de produzir uma experiência

subjetiva (estética no caso da produção no campo da arte) consciente

nos indivíduos (leitores, audiência, interatores, etc.) a ela expostos. A

possibilidade de perceber na experiência subjetiva um aspecto comum

nas narrativas de diferentes naturezas constitui talvez a melhor alterna-

tiva para estabelecer um juízo crítico para a produção contemporânea

no campo da arte.

Arte como fenômeno da linguagemNo decorrer do processo evolutivo a espécie humana sofreu mu-

tações que deram origem a uma pletora de comportamentos. Processos

culturais na espécie humana têm início em torno de 40.000 anos atrás

com o surgimento do que Merlin Donald denomina de "invenções visuo-

gráficas"28. O autor considera que se devem somar aspectos tecnológicos

26. SIMONDON, Gilbert. El modo de existencia de los objetos técnicos. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2007, p. 31.

27. FELDMAN, Jerome A. Op. cit., p. 330.

28. Cf. DONALD, Merlin. Origins of the modern mind: three stages in the evolution of culture and cognition. Cambridge: Harvard University Press, 1993.

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ARS

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n. 25

29. FOGLIANO, Fernando. O Atrator Poético: a Arte no

estudo do Design da Interação. In: Revista da Associação

Estudos em Design. PUC-Rio, n. 15.1, 2008. Disponível em:

‹http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br›

30. Ver FELDMAN, Jerome A. Op. cit.

31. LAKOFF, George & Johnson, Mark. Metaphors

we live by. Chicago: The University of Chicago Press,

1980 (e-book version).

32. Idem, p. 3.

aos biológicos quando se pretende entender os processos que envolvem a

evolução da espécie humana. Nossa espécie não desenvolveu apenas cé-

rebro maior, memória expandida, léxicos, capacidade para a fala; desen-

volvemos complexos sistemas para a representação da realidade. Imagens

e textos inscritos nos mais diversos suportes constituem o repositório

cultural, o conhecimento, da espécie humana. Tais registros construídos

e mantidos por gerações sucessivas como sistemas simbólicos dependem

fundamentalmente de representação externa ao cérebro, extrassomáti-

ca uma estratégia cultural para ampliar a memória somática ou interna,

armazenada em nossos cérebros e corpos. A depender do grau de desen-

volvimento tecnológico da sociedade humana, o suporte utilizado para

a memória externa variou das paredes rupestres no paleolítico aos mo-

dernos discos ópticos e às memórias de silício29. Tais desenvolvimentos

deram início a um processo evolutivo acelerado no qual a cultura desloca

a biologia do protagonismo no processo evolutivo. O surgimento da lin-

guagem subjacente a essa explosão cultural constitui a mola propulsora

para desenvolvimentos relacionados ao fazer artístico e científico, res-

ponsáveis por um processo de aceleração cultural sem precedentes na

história da humanidade, no qual emergiram novos comportamentos e

linguagens num processo cíclico de evolução e complexificação.

No contexto da Teoria Neural da Linguagem30, a experiência

subjetiva é a base a partir da qual palavras técnicas, abstratas, e con-

ceitos surgem. Neurônios e corpo são centrais nesse processo: pessoas,

e seus sistemas neurais, compreendem ideias abstratas porque esses

conceitos são mapeados e ativados em circuitos cerebrais envolvidos na

produção de significado dessa experiência.

Metáfora, linguagem e experiência concretaA metáfora, para Lakoff31, não é apenas um truque linguístico

ou figuração cultural. Tipicamente vista como uma característica da

linguagem somente, ela pode agora ser compreendida de forma mais

ampla como aspecto integrante do pensamento e da ação. Os sistemas

conceituais que são, em sua natureza, fundamentalmente metafóricos32.

O discurso sobre a metáfora e a cultura deu forma a uma mudança pa-

radigmática naquilo que concerne ao nosso entendimento sobre criativi-

dade e aquisição de conhecimento. Sinteticamente definida, a metáfora

envolve processos cognitivos de entendimento em um domínio da infor-

mação em termos de outro domínio. Importante nesse processo é o fato

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Arte e interação: linguagem e produção de significado

de que conceitos podem ser categorizados em níveis de abstração. Os

que se encontram num nível mais básico são aqueles derivados mais pro-

ximamente da experiência concreta. Um exemplo dessa organização de

conceitos pode ser obtido com as palavras cadeira e mobiliário. É possí-

vel obter uma imagem mental de uma cadeira, mas não de uma peça ge-

nérica de mobiliário. Segundo Feldman, "nosso conceito de cadeira está

relacionado com nossa habilidade de sentar que, por sua vez, está inti-

mamente ligada com nossos corpos. É fundamentalmente um conceito

encarnado"33. O nível conceitual mais básico é aquele que caracteriza

as imagens mentais, gestalt, esquemas motores de uma categoria. Ca-

tegorias superordenadas, ou superiores, como mobiliário possuem tais

aspectos do cenário corpóreo em comum, porém são mais abstratas34.

É dentro do processo de mapeamento interdomínios que o novo

significado é gerado. O processo de mapeamento é importante para a

compreensão de como as metáforas criam novos conceitos e significa-

dos. Lakoff e Johnson definem metáforas "convencionais" ou "primá-

rias" como aquelas que evoluíram dentro da linguagem literal, pelo uso

comum e pela familiaridade. Com essa análise, eles trouxeram a prova

cognitiva linguística de que muito de nossa conceituação e das represen-

tações linguísticas metafóricas do mundo advêm de nossas experiências

corpóreas, interativas com o ambiente35. Estas estão tão imbricadas na

nossa cultura a ponto de interpretarmos literalmente seu significado.

O pensamento criativo, conforme Lakoff e Johnson36, surge da

invenção de metáforas que eles denominaram como "inovadoras". Tais

metáforas permitem novas inferências sobre mapeamentos existentes.

O pensamento criativo pode ser considerado, portanto, segundo a ino-

vação da metáfora utilizada. Nesse sentido, podem-se considerar as

metáforas, constituindo um continuum em que num extremo situam-

-se as convencionais ou primárias e, no outro, as inovadoras. Segundo

esta perspectiva, o fazer artístico relaciona-se à produção de metáforas

inovadoras. Trabalhos artísticos podem então ser considerados a partir

do conceito da metáfora que se constitui por mapeamentos conceituais

em domínios diversos que se originam na experiência concreta do cor-

po. Sabemos hoje que o pensamento abstrato vem dessas experiências.

Essa expansão é a mola propulsora para a evolução da cultura e da

mente e implica o aumento da sensibilidade do olhar, de perceber, an-

tes imperceptíveis, sutilezas da realidade37, interpretá-las e analisá-las à

luz das produções de presença.

33. FELDMAN, Jerome A. Op. cit., p. 186.

34. Cf. Ibidem.

35. COX, Donna. Metaphoric mappings: the art of visualization. In: FISHWICK, Paul A. (ed.). Aesthetic computing. Cambridge: MIT Press, 2006, p. 90.

36. LAKOFF, George & JOHNSON, Mark. Philosophy in the flesh: The embodied mind and its challenge to western thought. New York: Basic Books, 1999, p. 66.

37. Cf. SOGABE, Milton & FOGLIANO, Fernando. Mídias e realidade. In: VENTURELLI, Suzete (org). Anais do 9o Encontro Internacional de arte e Tecnologia (#9.Art): sistemas complexos artificiais, naturais e mistos. Brasília: Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Programa de Pós-Graduação em Arte, 2010, p. 338-345.

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38. Cf. LAKOFF, George & JOHNSON, Mark. Op. cit.,

1980, p. 56.

39. Idem, p. 57.

40. LAKOFF, George & JOHNSON, Mark. Op. cit.,

1990, p. 58.

41. Idem, p. 58.

Para Lakoff e Johnson, a maior parte do nosso sistema concei-

tual é metaforicamente estruturada, o que implica que conceitos são

parcialmente compreendidos em termos de outros conceitos38. Essa

afirmação leva à consideração sobre os fundamentos do nosso sistema

conceitual. Para os autores, o fundamento dos conceitos origina-se na-

quilo que denominam "experiência física direta". Esta, contudo nunca

pode ser considerada sem que se leve em consideração que cada ex-

periência ocorre num vasto cenário de pressuposições culturais. Seria

mais correto dizer que toda experiência é cultural por completo, que

experimentamos o nosso mundo de tal maneira que nossa cultura já

está presente na própria experiência39.

Dois aspectos aqui nos interessam: a de que a cultura é o lugar

onde nossas experiências se constituem; e que experiências fundamen-

tam-se na experiência física direta. Em algumas situações algumas ex-

periências podem ser "mais físicas" e outras mais culturais. Existem

correlatos sistemáticos entre nossas emoções e nossas experiências

sensório-motoras; estas formam a base dos conceitos metafóricos que

Lakoff e Johnson denominam orientadores. Tais metáforas permitem-

-nos conceitualizar nossas emoções em termos bem definidos e também

relacioná-los a outros conceitos semanticamente próximos.

Como vimos, por exemplo, a metáfora O CAMPO VISUAL É UM "CON-

TAINER" apoia-se na correlação entre o que se vê e um espaço delimitado.

A metáfora TEMPO É UM OBJETO EM MOVIMENTO é baseada numa

correlação entre um objeto em movimento em nossa direção e o tempo que

leva para ele se aproximar de nós40.

É possível então transportar essas ideias para o contexto das ins-

talações artísticas, observando agora que o espaço da obra constitui a

arena para a experiência física direta. Nesse contexto, elementos cul-

turais como imagens e textos podem constituir os elementos da ex-

periência física direta. Assim sendo, é possível imaginar uma rede de

estímulos sensórios no espaço físico. Estes, objetos culturais oriundos

de outras linguagens, produzem uma complexa rede que irá resultar

numa metáfora emergente ou conceito emergente41.A perspectiva dada acima pode nos ajudar a compreender melhor

as ideias de Dewey quando afirma que os objetos de arte constituem

muitas linguagens e que cada uma delas possuem seu meio, seu veí-

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culo, e que esse veículo é adequado a um dado tipo de comunicação42.

As instalações podem ser consideradas complexos agregados sensíveis

que constituem espaços físicos projetados para experiências sensoriais

capazes de produzir estados emocionais resultantes de uma experiência

estética que o interator pode vivenciar.

Linguagens e tecnologias estiveram no cerne da produção da Arte,

Ciência e Tecnologia ao longo da história da cultura. Nesse sentido, pode-

mos perceber o quanto o conceito de experiência consciente é importante

para as reflexões sobre a produção cultural contemporânea. Os conceitos

aqui discutidos podem oferecer o cenário convergente necessário para

que se possa considerar a produção artística e cultural contemporânea

em toda sua diversidade. Oferecem-nos uma alternativa para a compre-

ensão sobre como linguagem, pensamento, cultura e tecnologia constro-

em as vias da cultura e os novos caminhos para o acesso à realidade.

Brian Boyd43 traz interessantes contribuições quando situa a arte

no cenário evolutivo onde também estão em cena as ciências cogniti-

vas. Para o autor, o entendimento evolucionário da natureza humana

começou por reformular várias disciplinas do conhecimento como: psi-

cologia, antropologia, filosofia, economia, história, estudos políticos, lei

e religião. Nesse rol pode-se incluir a arte e a mente humana.

Uma abordagem biocultural para a literatura convida ao retorno da riqueza

de textos e a multifacetada natureza humana que eles evocam. Mas também

implica que não podemos simplesmente voltar para os textos literários sem

assimilar o que a ciência descobriu a respeito da natureza humana, mentes

e comportamento ao longo dos últimos cinquenta anos, e considerando que

essas descobertas podem oferecer uma abrangente teoria literária44.

A partir dessa perspectiva, a arte pode ser considerada um com-

portamento, um jogo estratégico projetado para engajar a atenção hu-

mana através de seu apelo à nossa preferência para padrões de informa-

ção inferencialmente ricos45. É importante sublinhar que atenção é um

dos aspectos da consciência e que, neste sentido, podemos considerar

que o jogo a que se refere Boyd é, em última instância, uma estratégia

para provocar experiências conscientes. Esse jogo se dá num contexto

complexo para permitir que mentes socialmente desenvolvidas, espe-

cialmente mentes humanas, possam acessar maiores redes de módulos

de conhecimento abstrato ou concreto (ferramentas). Acesso que ha-

42. Cf. DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 215.

43. BOYD, Brian. On the origin of stories: evolution, cognition and fiction. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2009.

44. Idem, p. 4.

45. Cf. Idem, p. 85.

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46. Cf. Idem, p. 48.

47. Idem, p. 100.

48. Cf. LAKOFF, George & JOHNSON, Mark. Op. cit.,

1980, p. 235.

bilita o enfrentamento a novos contextos, a avaliação da informação e

a produção de inferências e cenários para a tomada de decisão. Esse

processo se dá aparatado por sistemas emocionais, conforme descreve

Damásio em seu livro O erro de Descartes. Tais sistemas constituem a

consciência que também possui sua história evolutiva na qual a emer-

gência da linguagem protagoniza um papel decisivo. Nesse processo

evolutivo, o mais complexo não suplanta o mais simples, mas o integra

de novas maneiras criando novos contextos, ou níveis de complexidade,

que propiciam o desenvolvimento de novas funções46. Esta pode muito

bem servir como uma definição para os fenômenos de emergência e

aplica-se da mesma forma à definição de metáfora. Arte como mecanis-

mo para cooptar a atenção do grupo, oferece um interessante aspecto

no entendimento da Arte e como produtor de coesão social.

Para explicar a arte precisamos considerar a atenção. A arte morre sem ela,

como as pessoas desde Aristóteles notaram, ambos dentro e fora da explana-

ção evolutiva. A arte altera nossas mentes por que engaja e reengaja nossa

atenção desde os cantos de ninar até o cantarolar distraído. Contudo, a arte

nunca foi considerada como tendo evoluído para assumir o papel de ser um

estimulador da atenção nas vidas humanas47.

Lakoff e Johnson consideram que é possível expandir para outras

formas de engajamento com o ambiente, os conceitos que fundamen-

tam a linguagem48. Do ponto de vista da experiência estética, a metáfora

permite a compreensão de um tipo de experiência em termos de outra,

podendo envolver todas as dimensões da experiência incluindo aspectos

de nossas experiências sensórias como cor, forma, textura, sons, etc. A

cultura ocidental valorizou sobremaneira o valor da palavra e a arte nun-

ca foi considerada, seriamente, como um modo essencial de engajamen-

to com o mundo. Propõe-se, portanto trazer para o campo da linguagem

toda forma de engajamento artístico. Esta hipótese permite-nos conside-

rar a teoria da linguagem como um cenário integrador para estudos das

linguagens não somente das palavras, mas dos sons, dos movimentos e

todas as demais formas de expressão narrativa como a fotografia, o cine-

ma, a música, o teatro, o design em todas suas vertentes. Nas artes visu-

ais, as imagens e seus padrões, qualidades, cores e ritmos são portadores

de significado, constroem narrativas e constituem mecanismos para a

produção de uma experiência que produz e transforma a consciência.

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Arte e interação: linguagem e produção de significado

Comentários finaisÉ importante encontrar nexos entre os avanços tecnológicos,

a cultura, a ciência e a própria construção de realidade. O campo da

arte é aqui considerado como de produção de conhecimento. As Ar-

tes Tecnológicas estão se constituindo num espaço de experimentação

com novas tecnologias e linguagens e de reflexões importantes para

oferecer novas alternativas para paradigmas esgotados. A produção

nesse campo da arte resgata, como se viu, aspectos essenciais da arte,

esquecidos no âmbito da cultura eurocêntrica a partir do século XVIII.

Reengendra o papel da ciência, tecnologia e da arte contemporânea. O

presente estudo buscou encontrar nas teorias da linguagem o caminho

para a construção de um cenário conceitual necessário para permitir

uma nova forma de perceber a tessitura da cultura. Para estabelecer

um cenário sensível às estruturas emergentes da sociedade, sem o que

acabaríamos nos deparando com a fim da arte ou, como afirma Flores,

vermos artistas e críticos aferrados a convenções superadas49, como

no caso da Fotografia Contemporânea, que se refugia na proposta da

Visão Objetiva, "encarnando a paradoxal persistência das convenções

de vinte e tantos séculos de naturalidade e dualidade de observador e

mundo"50.

Considera-se aqui que o caminho contemporâneo para a produ-

ção na arte não é diferente do que se fez ao longo do tempo em relação

à busca de recursos materiais, seu conhecimento e domínio, procuran-

do a compreensão de suas possibilidades técnicas e expressivas, para

concretização das narrativas. O que se tem hoje é a complexidade dos

materiais disponíveis que incluem desde computadores, sistemas de

projeção e uma infinidade de linguagens tanto artísticas convencionais

quanto emergentes e computacionais. A arte contemporânea, princi-

palmente a Arte Tecnológica explora o caminho simondoniano de ver

no automatismo dos objetos técnicos a oportunidade para explorar as

possibilidades criativas dos sistemas abertos. Consequentemente tudo

ao redor do artista pode ser considerado matéria-prima, como já se con-

siderava, aliás, no âmbito da arte conceitual. Quer sejam dispositivos

completos ou seus fragmentos eletrônicos, mecânicos ou código com-

putacional, tudo pode literalmente ser apropriado para a materialização

do projeto artístico. Evidentemente, não ficaram fora do rol de mate-

riais aqueles classicamente utilizados pelos artistas como os pincéis e

tinta, mármore, metais diversos, etc.

49. Cf. FLORES, Laura Gonzales. Op. cit.

50. Idem, p. 85.

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51. CAMPOS, Jorge Lucio de & CHAGAS, Filipe. Os

conceitos de Gilbert Simondon como fundamentos para o

design. Disponível em: ‹http://pt.scribd.com/doc/55929022/

Campos-Jorge-Chagas-Filipe-Conceitos-de-Gilbert-

Simondon›. Acesso em: 24 jun. 2012.

Artigo recebido em 30 de novembro de 2014 e aprovado em 15 de dezembro de 2014.

Ao considerar a abertura dos objetos técnicos, Simondon os co-

loca no universo da emergência, da criatividade, da imprevisibilidade e

da inovação inesgotável, estas características da própria cultura. Como

sistemas abertos, objetos técnicos são inerentemente criativos, e em

sua relação com o homem e outros objetos técnicos vão dar azo à emer-

gência de novas redes de relações com outros objetos técnicos. Essa

característica aproxima-se do conceito simondoniano de individuação,

que "os aproximaria da noção de indivíduo presente na biologia, em

que cada indivíduo constitui um conjunto de dispositivos articulados

que formam um corpo em separado"51. O conceito de individuação de

Simondon pode ser comparado com a metáfora linguística em que no-

vos conceitos ou palavras são criados a partir da apropriação de palavras

já existentes. Em síntese, a visão dos processos de automação trazida

por Simondon permite-nos migrar do campo flusseriano da finitude das

possibilidades e da mera operacionalidade das máquinas para o campo

da evolução. Neste último, a criatividade é limitada por vínculos am-

bientais, deslocando o ponto de vista da reflexão sobre a Arte Tecnoló-

gica para o da linguagem e da adaptação darwiniana.

Fernando Fogliano ([email protected]) é pós-doutorando do Instituto de Artes da

UNESP. Fotógrafo, mestre e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, es-

pecialista em Engenharia da Computação pela Escola Politécnica (USP), professor da

Graduação e da Pós-Graduação Lato Sensu em Fotografia no Senac-SP, onde também

é pesquisador e coordenador do Grupo de Pesquisa da Imagem Contemporânea (GPIC).

Entre os temas de interesse de suas pesquisas estão: a fotografia como design; explo-

ração das implicações estéticas, cognitivas e tecnológicas da relação entre imagem

e interatividade em ambientes e mídias, tendo em vista o debate no campo do design

da informação; pesquisa das novas estratégias de mediação na produção artística no

contexto do design, da cultura, da informação. No campo da Arte e Tecnologia trabalha

com o grupo SCIArts. Recebeu o prêmio Sergio Motta 2005 de Arte e Tecnologia com o

trabalho Atrator Poético.

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