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apitulo Seculo XVII· a pedagogia realisla ·seculo do metodo" e 'm 0 seculo do "saber 0", que fez a alian~a a ciencia e sua a~ao pratica. A New mof Mathematics 1), livro pioneiro . gles Jonas Moore, joso de trigonometria dos fundadores oyal Mathematical I,destinava-se aos os daquela escola de a~ao. Os historiadores costumam determinar oseculo XV como 0 inicio da Idade Mo- dema, que se estende ate 1789, data da Revolu<;:oo Francesa, quando entoo co· me<;:aa Idade Contemporanea. Na primeira parte deste capitulo ve- remos as grandes altera<;:6es que ocor- reram na Europa, devido a Revolu<;:oo Comercial, sinalizando a ascensoo da burguesia, cuios anseios i6 se esbo<;:a- yam nas teorias politica e economica do liberalismo. Inaugurava-se entoo um novo paradigma para 0 pensamento e a<;:ooda modemidade: noo por acaso, 0 seculo XVII eo "seculo do metodo", que, ao fecundar a ciencia e a filosofia, reper- cutiu nas teorias pedag6gicas. Na segunda parte, veremos a defasa- gem entre os acontecimentos da Europa e'os do Brasil colonia, que permanecia numa fase pre-capitalista. Na educa<;:oo, predominou a educa<;:oo jesuitica, com enfase no ensino secund6rio para a for- ma<;:oo da elite, alem do f1orescimento das miss6es, no interior.

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apituloSeculo XVII·

a pedagogia realisla

·seculo do metodo" e'm 0 seculo do "saber

0", que fez a alian~aa ciencia e sua

a~ao pratica. A Newm of Mathematics1), livro pioneiro

. gles Jonas Moore,joso de trigonometriados fundadores

oyal MathematicalI, destinava-se aos

os daquela escola dea~ao.

Os historiadores costumam determinaro seculo XV como 0 inicio da Idade Mo-dema, que se estende ate 1789, data daRevolu<;:oo Francesa, quando entoo co·me<;:aa Idade Contemporanea.

Na primeira parte deste capitulo ve-remos as grandes altera<;:6es que ocor-reram na Europa, devido a Revolu<;:ooComercial, sinalizando a ascensoo daburguesia, cuios anseios i6 se esbo<;:a-yam nas teorias politica e economicado liberalismo. Inaugurava-se entoo umnovo paradigma para 0 pensamento ea<;:ooda modemidade: noo por acaso, 0

seculo XVII eo "seculo do metodo", que,ao fecundar a ciencia e a filosofia, reper-cutiu nas teorias pedag6gicas.

Na segunda parte, veremos a defasa-gem entre os acontecimentos da Europae'os do Brasil colonia, que permanecianuma fase pre-capitalista. Na educa<;:oo,predominou a educa<;:oo jesuitica, comenfase no ensino secund6rio para a for-ma<;:oo da elite, alem do f1orescimentodas miss6es, no interior.

PAR 'E I

No seculo XVII, ainda perslsuam ascontradi~oes decorrentes do processo dedesmantelamento da ordem feudal e daascensao da burguesia, com 0 consequentedesenvolvimento do capitalismo. Intensifi-cando-se 0 comercio, a coloniza~ao assu-mia caracteristicas empresariais, enquantoa Europa era inundada pelas riquezas ex-traidas da America.

o crescimento das manufaturas alterouas formas de trabalho. Os artesaos de pro-du~ao domestica perderam seus instrumen-tos de trabalho para os capitalistas e, reuni-dos nos galpoes onde nasceram as futurasfabricas, passaram a receber salario.

A nova ordem consolidou-se com 0 mer-cantilismo, sistema que supoe 0 controleda economia pelo Estado e que resultouda alian~a entre reis e burgueses. Estes fi-nanciavam a monarquia absoluta que ne-cessitava de exercito e marinha, enquantoem troca os reis ofereciam vantagens comoincentivos e concessao de monop61ios, favo-recendo a acumula~ao de capital.

Politicamente, 0 seculo XVII caracteriza-se pelo absolutismo real, e entre os te6ricosque defendiam esse tipo de poder irrestrito,o mais conhecido e 0 fil6sofo ingles Tho-mas Hobbes (1588-1679). Nao se tratava,no entanto, de buscar os fundamentos doabsolutismo a partir do "direito divino dosreis", mas sim de acordo com 0 contrato, 0

pacto social. Este e urn sinal dos tempos emque as explica~oes religiosas come~am a sersubstituidas pela valoriza~ao da autonomiada razao.

2. Liberalismo econ6mico e politico

A medida que a burguesia se fortalecia.tomava forma a teoria do liberalismo, tantodo ponto de vista politico, pelo questiona-mento da legitimidade do poder real, comono seu aspecto economico, perceptivel nascriticas ao excessivo controle estatal daeconomia. Tanto e que, no final do seculoXVII, a Revolu~ao Gloriosa (1688) liqui-dou 0 absolutismo e instaurou a monarquiaconstitucional na Inglaterra.

o principal interprete das ideias politi-cas liberais foi 0 fi16sofoingles John Locke(1632-1704). Por ser uma teoria que expri-me os anseios da burguesia, 0 liberalismoopunha-se ao absolutismo dos reis, fazendorestri~oes a interferencia do Estado na vidados cidadaos, em defesa da iniciativa priva-da. As criticas ao mercantilismo seriam in-tensificadas no seculo seguinte com as teo-rias economicas de Adam Smith e DavidRicardo.

o pensamento de Locke parte da ques-tao da legitimidade do podel': 0 que tornalegitimo 0 poder do Estado? Desenvolveen!ao a hip6tese do ser humano em "es-tado de natureza", em que todos seriamlivres, iguais e independentes. Os riscosdas paixoes e da parcialidade seriam mui-to gran des porque, se "cada urn e juiz emcausa pr6pria", torna-se impossivel a vidacomum. Para superar essas dificuldades, aspessoas consentem em instituir 0 corpo po-litico pOl' meio de urn contrato, urn pactooriginario que funda 0 Estado.

Para Locke, os direitos naturais naodesaparecem em consequencia desse con-sentimento, mas subsistem para limitar 0

poder do soberano. Em Ultima instancia,

illfica-se ate a direito a insurrei<sao,casosoberano nao atenda ao interesse publico.

Jal a importancia do legislativo, poder queontrola as abusos do executivo.

m dos aspectos progressistas do pensa-ento liberal reside na origem democraticaparlamentar do poder politico, determi-do pelo voto e nao mais pelas condi<soes

e nascimento, como na nobreza feudal.Embora a teoria liberal se apresentasseIDa democratica, e inevitavel encontrar

ua raiz a elitismo que a distingue comotxpressao dos interesses da burguesia. Na-da em sociedade, somente aqueles que

. ill propriedades, no sentido restrito derruna, podem participar de fato da poli-

::'ca, par serem as que teriam reais condi--ues de exercer a cidadania. Essa mesma:Je pectiva elitista define a reflexao sabre

educa<sao.o pensamento liberal de Locke, divulga-no final do seculo XVII, exerceu grandeLH~nciano seculo seguinte, par ocasiaoRevolu<saoFrancesa e das lutas de eman-a<saocolonial nas Americas.

Desde a Renascimento, muitos opunhamcriteria da fe e da revela<saoa capacida-da razao humana de discernir, distinguir

comparar. A tendencia antropocentrica,eja, de resgatar a dimensao humana

b todos as aspectos, favorecia a men tali-de critica, que contrapunha ao dogmatis-o a possibilidade da duvida e rejeitava a:incipio da autoridade ao questionar tan-

- imerpreta<soes religiosas como a filosofia~--=totelica.Essa atitude polemica com a

di<saoprovocou a laiciza<saodo saber e~ulou a luta contra as preconceitos e a·olerancia.

Durante a seculo XVII, urn dos camposque Essesnovas ventos fecundaram foi a dafilosofia. Podemos dizer que na Idade Mo-derna come<s0uuma nova forma de pensarque partiu do problema do conhecimento. Fi16so-fos como Descartes, Bacon, Locke, Hume,Espinosa discutiram a teoria do conheci-mento segundo questoes de metodoJ, isto e,colocando em discussao as procedimentosda razao na investiga<saoda verdade, an-tes de se permitir teorizar sabre qualquertema.

Outro campo do saber em que houveUlTIarevolu<saometodo16gica foi 0 da cien-cia. Como vimos nos capitulos anteriores,tanto na Antiguidade como na Idade Me-dia predominava a concep<sao de cienciapuramente contemplativa, vinculada a fi-losofia e desligada das aplica<soesdo saber,par isso ciencia e tecnica achavam-se sepa-radas. A grande novidade da nova cienciafoi a valoriza<saoda tecnica, ao privilegiara metodo experimental, merito que coubea Galileu Galilei (1564-1642). Em oposi<saoao discurso formal da fisica aristotelico-to-mista, Galileu valorizou a experiencia e 0

testemunho dos sentidos. Seu metodo re-sultou do feliz encontro da experimenta<saocom a matematica, da ciencia com a tec-mca. Tais procedimentos nao provocaramsimples evolu<saona ciencia, mas uma ver-dadeira ruptura com a tradi<sao,decorrenteda nova linguagem cientifica, de urn novoparadigma.

o renascimento cientifico pode ser com-preendido como expressao da ordem bur-guesa. Os inventos e as descobertas saoinseparaveis da nova ciencia, ja que, parao crescimento da industria, a burguesia ne-cessitava de uma ciencia que investigasseas for<sasda natureza: queria domina-las,usando-as em seu beneficio. A ciencia dei-

xa de ser urn saber contemplativo para que,afinal, indissoluvelmente ligada a tecnica,servisse a nova classe. Como resultado des-sa interdependencia entre ciencia e tecnica,a a<;ao humana sobre a natureza foi am-pliada: chama-se ideal baconiano a concep<;aodo fil6sofo Francis Bacon (1561-1626), paraquem 0 "conhecimento e poder", poder decontrole cientifico sobre a natureza.

No seculo XVII ocorreu uma revolu<;aoespiritual que foi chamada de crise da consciiJnciaeuropeia. Ao opor a ciencia contemplativa urnsaber ativo, 0 individuo nao mais se conten-tava em apenas "saber por saber", como urnsimples espectador da harmonia do mundo,mas desejava "saber para transformar".

A teoria geocentrica do mundo finitocontrapos-se a teoria heliocentrica de espa-<;0infinito, alterando a concep<;ao humanado U niverso. Habituados que estamos coma visao do mundo dada pela astronomia co-pernicana2, talvez nao possamos avaliar comtoda a grandeza 0 impacto dessas transfar-ma<;oes sobre os individuos, que par seculosse acostumaram ao sistema ptolomaico.

As transforma<;oes na ciencia geraramdescompassos em outros setores, e a ordemeconomica tambem se ressentiu. Embaraprevalecessem 0 mercantilismo e 0 absolu-tismo, delineavam-se os anseios liberais napolitica, na economia e na etica. Tqmbemem muitos segmentos sociais acentuou-se 0estreitamento dos la<;os familiares, configu-rando-se 0 processo de farma<;ao da familianuclear, tipica da sociedade burguesa.

Nas questoes de fe, 0 ideal de toleranciase contrapunha as lutas religiosas, continu-ando ativas as for<;as que polarizavam, deurn lado, a religiao e a moral cristas e, deoutro, as tendencias a laiciza<;ao.

Eram sinais da gesta<;ao de outros tem-pos, em que 0 novo lutava para se imporao velho.

No seculo XVII, os esfor<;os para insti-tucionalizar a escola, iniciados no seculoanterior, aperfei<;oaram-se com a legisla-<;ao que contemplou t6picos referentes aobrigatoriedade, aos program as, niveis emetodos.

A Companhia de Jesus continuava atu-ante e entraria no seculo seguinte com maisde seiscentos colegios espalhados pelo mun-do. Apesar de organizados e competentes,os jesuitas representavam 0 ensino tradi-cional mais conservador. Como vimos nocapitulo anterior, eles tomavam por base aEscolastica medieval e a ciencia aristotelica,desprezando 0 ensino de ciencias e filosofiamodernas, alem de enfatizarem 0 ensino dolatim e da ret6rica.

Outras congrega<;oes religiosas desen-volveram urn trabalho mais adequado aoespirito moderno, como os oratorianos,da Congrega<;ao do Orat6rio, fundada em1614. Opositores constantes do sistema je-suitico, seriam seus substitutos quando aCompanhia de Jesus foi dissolvida, no se-culo XVIII. Acolheram as novas ciencias e

~A teoria geocentrica surgiu na Antiguidade (seculo IV a.C.), com Eudoxo e Arist6teles. No seculo II da eracrista, foi retomada pelo matematico e ge6metra Claudio Ptolomeu, e sua obra, A/magesta, influenciou 0 pensa-mento cientifico, ate que, no seculo XVI, 0 monge Nicolau Copernico defendeu a hip6tese do heliocentrismo.]\!Iesmo assim, a antiga explica<,:aoptolomaica continuava aceita, tanto que no seculo XVII, quando retomou 0

heliocentrismo, Galileu foijulgado pela Inquisi<,:ao e, ap6s ter abjurado, permaneceu em prisao domiciliar.

filosofia cartesian a (do fi16sofoDescartes);_. avam 0 frances e outras linguas mo-mas, alem do latim; estudavam hist6riao-eografia com 0 uso de map as; encora--am a curiosidade cientifica e utilizavam

istema clisciplinar brando.Os jansenistas constituiram outro gru-religioso que tambem se opas ferrenha-nte aos jesuitas. Reuniam-se na abaclia

- Port-Royal, perto de Paris, e a partir de_- 6, sob a clire<;aode Saint-Cyran, os cha-

dos "solitarios de Port-Royal" organiza-:un as famosas "pequenas escolas", que em. ·e tempo desempenharam importantepel na forma<;ao de lideres para a IgrejaEstado.

Inspirados por Jansenio, consideravamnatureza humana intrinsecamente ma eomaram os temas agostinianos da gra<;a

do pecado. Desejosos de promover a re-rrna moral e espiritual na Igreja Cat61i-julgavam que a finalidade da educa<;ao

~:aimpedir 0 desenvolvimento da naturezarruptiveL Por isso, 0 numero de alunos

cada classe deveria ser pequeno, parae a vigilancia fosse constante e segura..-\preciavam a filosofia de Descartes e·everam manuais de 16gica (conhecida

r 16gica de Port-Royal). A racionalida-_ Yalorizada como exigencia de rigor eclareza de ideias, seria capaz de auxiliarcombate as paixoes. E bem verdade que,

eles, tambem a razao nada era sem a_-em a gra<;adivina. Dentre seus seguido-.::.destacou-se 0 fi16sofoBlaise Pascal.Inspirados pdo metodo carte siano, os-enistas s6 passavam para 0 desconheci-

- por meio do ja conhecido e nada ensina-:!IJl que nao pudesse ser compreendido pela

nte em forma<;ao da crian<sa. Usavamill freqiiencia ilustra<;oese mapas. Aplica-

o metodo fonetico na aprenclizagem daa, ensinando as crian<;as a conhecer assomente pela sua pronuncia real e nao

ill os nomes pelos quais sao designadas.

No curriculo, 0 ensino do frances prece-dia 0 do larim. Criticavam 0 verbalismo, amemoriza<;ao e a erudi<;ao esteril, em fran-ca oposi<saoaos metodos dos jesuitas.

2. Educa~ao publica

Vimos que, no Renascimento, por ins-pira<;ao da Reforma, as escolas da Ale-manha buscavam a universaliza<;ao doensino elementar como forma de propa-gar a fe ~eligiosa. No seculo XVII, aindapersistia aquela tendencia, em oposi<;aoao ensinb dos jesuitas, tradicionalmentecentrado no nivel secundario e, portanto,mais elitista.

Embora a Guerra dos Trinta Anos(1618-1648) dificultasse a realiza<;ao dosprojetos de educa<;ao publica, na Europa osalemaes foram os que conseguiram melho-res resultados. Em 1619,0 Ducado de Wei-mar regulamentou a obrigatoriedade esco-lar para todas as crian<;as de 6 a 12 anos.Em 1642, 0 duque de Gotha estabeleceuleis para a educa<;ao primaria obrigat6ria,definindo os graus, as horas de trabalho, osexames regulares e a inspe<sao.A seguir, emoutras 10calidades houve manifesta<;oes se-melhantes, inclusive quanta a forma<;ao demestres.

Na Fran<;a, destacou-se 0 traba1ho doabade Charles Demia (1636-1689), quepub1icou urn livro defendendo a educa<;aopopular. Sob sua influencia e dire<;ao foramfundadas diversas escolas gratuitas paracrian<;as pobres e urn seminario para a for-ma<;ao de mestres.

Na opiniao do pedagogo frances Com-payre (1843-1913), essas esco1as visavama instru<;ao religiosa, discip1inar e detrabalhos manuais, de tal modo que "vi-nham a ser agencias de informa<;ao ou1ugares de mercado em que as pessoasabonadas pudessem ir buscar servidoresdomesticos ou empregados comerciais

ou industriais"3. De fato, a implanta<;aodas escolas ocorreu justamente na cidadefrancesa de Lyon, importante centro fabrile mercantil - necessitada, pois, de mao-de-obra com certa instru<;ao - e palco defreqiientes revoltas operarias, 0 que exigiamaior a<;aodisciplinar, segundo muitos.

Ainda na Fran<;a, outra tentativa imp or-tante de instru<;ao elementar gratuita paraos pobres foi levada a efeito por Sao JoaoBatista de La Salle, que em 1684 fundouo Instituto dos Irmaos das Escolas Cristas.Sua obra espalhou-se nos seculos seguin-tes pelo mundo, ampliando a area de a<;aopedagogica para 0 eosino secundario e su-perior e tambem para a forma<;ao de pro-fessores. La Salle privilegiava 0 frances emdetrimento do latim e preferia li<;oesprati-cas para os alunos, agrupados em classes epor niveis de dificuldade.

As academias do seculo XVI, como vimos,nao eram escolas institucionalizadas, mas vi-savam a atender aos interesses da nobrezana forma<;ao cavalheiresca de seus filhos. NosecuJo XVII, a procura delas foi intensifica-da justamente porque representavam a tran-si<;aodos padroes conservadores no eosino- que nao mais atendiam aos seus interesses- para uma forma<;ao mais realista.

Devido ao progresso da ciencia e antea decadencia das universidades (exceto' asda Alemanha), surgiram as academias cien-tificas, as quais os cientistas se associavampara a troca de experiencias e publica<;oes.Tornaram-se importantes a Academia deCiencias (da qual participaram Descartes,Pascal e Newton), a Real Sociedade deLondres e a Academia de Bedim.

1. Filosofia moderna: racionalismo e em-plrlsmo

Vimos no Contexto histIJrico que 0 seculoXVII caracterizou-se pelo cuidado com 0 me-todo na filosofia, na ciencia e na educa<;ao.

Ao retomarmos a discussao filosofica da-queles que se ocuparam com 0 problemado conhecimento, encontramos duas ten-dencias opostas: a do racionalisrno, cujo prin-cipal representante foi 0 filosofo Descartes,e ados empiristas, de filosofos como Bacon eLocke, entre outros. Essas orienta<;oes iraomarcar as maneiras de pensar na pedago-gia, inclusive ate os dias de hoje.

Descartes (1596-1650), considerado 0

Pai da Filosofia Moderna, iniciou urn tipode reflexao contraposto a tradi<;ao escolasti-ca. Ao analisar 0 processo pelo qual a razaoatinge a verdade, usou 0 recurso da duvidametOdica. Come<;ou duvidando de tudo: dosenso comum, dos argumentos de auto-ridade, do testemunho dos sentidos, dasinforma<;oes da consciencia, das verdadesdeduzidas pelo raciocinio, da realidade domundo exterior e do proprio corpo. So in-terrompe a cadeia de duvidas diante do seuproprio ser que duvida. Se duvido, penso:"Penso, logo existo" (Cogito, ergo sum).

A partir da capacidade ordenadorado conhecimento pelo sujeito que co-nhece, Descartes introduz uma grandemodifica<;ao no pensamento moderno:"0 pensamento, metodicamente conduzi-do, encontra primeiramente em si os crite-rios que permitirao estabelecer algo comoverdadeiro". Ou seja, trata-se da "cren<;a naautonomia do pensamento, a ideia de que arazao, bem dirigida, basta para encontrar a

3 Apud Anibal Ponce, Educafiio e luta de classes. 7. ed. Sao Paulo, Cortez/ Autores Associados, 1986, p. 124 e125.

en:Iade, sem que precisemos confiar na tra-> - 0 livresca e na autoridade dos dogmas.e pirito humano tern em si os meios de

<;ara verdade, se souber cultivar sua in-cpendencia e conduzir-se com metodo"4._-\certeza e possivel porque 0 espirito hu-

:::::an0ja possui ideias gerais claras e distintas,e nao derivam do particular, mas san ina-porque inerentes a capacidade de pen-

r e, portanto, nao estao sujeitas ao erro.primeira ideia inata e 0 cogito, pelo qual

descobrimos como seres pensantes; de-. , san inatas tambem as ideias de infini-e e da perfei<;ao (por isso podemos ter a

Cia de Deus), e as ideias de extensao e dei\Mento, constitutivas do mundo fisico.Enquanto 0 racionalismo de Descar-

- prioriza a razao, na consciencia, comonto de partida de todo conhecimento,con e Locke desenvolvem a concep<;aopirista.o fil6sofo Ingles Francis Bacon valori-a indu<;ao e insiste na necessidade da

rrperiencia, criticando 0 carater esteril- 16gica aristotelica, predominantemente::edutivista5.

:'\a mesma linha, Locke - a quemja noserimos ao tratar do liberalismo - afir-

que nada esta no espirito que nao te-<:ha passado primeiro pelos sentidos. Alias,

palavra empirismo vem do grego empeiria,_ e significa "experiencia". Portanto, ao

ntrario do racionalismo, 0 empirismo~atiza 0 papel da experiencia sensivel no_rocesso do conhecimento. 0 que nao sig-::.:fica depreciar 0 trabalho da razao, mas_:ii\-ilegiar a experiencia, subordinando a

o trabalho posterior da razao.Locke critica a teoria das ideias inatas decartes, afirmando que a alma e como

uma tabula rasa (tabu a sem inscri<;6es), porisso 0 conhecimento s6 come<;a ap6s a ex-peri en cia sensivel.

2. 0 reolismo no pedogogio

Qual a influencia das ideias racionalistase empiristas na pedagogia? Ora, ainda hoje,mesmo quando 0 professor nao teoriza arespeito do processo do conhecimento, tra-balha com pressupostos filos6ficos em quepode predominar uma ou outra tendencia .

No seculo XVII, essas ideias, associadasao rena,scimento cientifico, influenciaramos pedagogos, cad a vez mais interessadospelo metodo e pelo realismo em educa<;ao.A enfase maior estava na busca de metodosdiferentes, a fim de tornar a educa<;ao maisagradavel e ao mesmo tempo eficaz na vidapratica.

Ser realista (do latim res, "coisa") significaprivilegiar a experiencia, as coisas do mun-do e dar aten<;ao aos problemas da epoca.Por isso, cada vez mais os auto res usavam 0

vernaculo: nas escolas, apesar de persistir 0

ideal enciclopedico do periodo anterior, alingua materna se sobrepunha ao latim e aeduca<;ao fisica era tambem valorizada.

A pedagogia realista contrariava a edu-ca<;ao antiga, excessivamente formal e re-t6rica. Ao contrario, preferia 0 rigor dasciencias da natureza, buscando superar atendencia literaria e estetica pr6pria do hu-manismo renascentista.

Por considerar que a educa<;ao devia es-tar voltada para a compreensao das coisase nao das palavras, a pedagogia modernaexigia outro tipo de didatica. No trabalhode instaura<;ao dessa escola se empenharameducadores leigos e religiosos.

Tanklin Leopoldo e Silva, Descartes: a metafisica da modernidade. Sao Paulo, Moderna, 1993, ColeC;ao Logos,- 3 e 19.

- bre indufdo e dedufdo, consul tar nota 7 do capitulo anterior.

3. Locke: a forma<;Cio do gentil-homem

Embora vivendo no seculo XVII, 0 in-gH'~sJohn Locke exerceu influencia muitogrande nos seculos seguintes por causa dasconcep<;oes sobre 0 liberalismo e a teoriaempirista do conhecimento. Merece desta-que tambem a sua teoria pedagogica, ex-pressa em Pensamentas sabre educayaa. Na pra-tica, Locke exerceu a fun<;aode preceptordo filho do conde de Shaftesbury.

Ao criticar 0 racionalismo de Descartes,Locke desenvolveuma concep<;aoda menteinfantil e da educa<;ao,enfatizando 0 papel domestre ao proporcionar experienciasfecundaspara auxiliar no uso correto da razao.

Na linha dos principais criticos da velhatradi<;aomedieval, Locke lamenta a enfaseno latim e 0 descaso com a lingua vernaculae 0 calculo. Sua pedagogia realista recusa aretorica e os excessos da logica, ressaltandoo estudo de historia, geografia, geometriae ciencias naturais. Valoriza a educa<;aofi-sica e, como medico e de saude fragil, dainumeros conselhos para 0 fortalecimentodo corpo, 0 aumento da resistencia e do au-todominio. Para ele, 0 jogo constitui exce-lente auxiliar da educa<;ao, como exerciciofisico, desafio e possibilidade de supera<;aodos proprios limites.

Born representante dos interesses bur-gueses, valoriza 0 estudo de contabilidadee escritura<;ao comercial, numa, prepara-<;aomais ampla para a vida pratica. Re-comenda a aprendizagem de algum oficio,como jardinagem ou carpintaria, sem queisso significasse valorizar 0 trabalho ma-nual como tal, mas como necessidade dedesenvolver uma atividade qualquer, se-gundo a perspectiva da escola ativa. Comoveremos, apenas no seculo XIX, por influ-encia socialista, 0 trabalho assumira umafun<;aode maior destaque na educa<;ao.

Locke mostra-se severo quando se tra-ta de crian<;a em idade mais tenra, como proposito de submete-la a vontade dosadultos e de tornar-lhe 0 ~'espirito docil eobediente". Essa austeridade contrasta coma recomenda<;ao de uma educa<;ao ale-gre, em que 0 educador nada deve impor.Ao mesmo tempo que adverte serem os cas-tigos ineficazes, tece considera<;oesa respei-to de como punir as crian<;as.Sobre 0 tema,afirma 0 pedagogo frances contemporaneoGeorges Snyders: "Nao setrata, natural-mente, de tachar Locke de contradi<;ao e,menos ainda, de incoerencia. Tentamosmostrar: Locke encarna urn momenta detransi<;ao que conserva, em grande parte,os valores antigos, ao mesmo tempo quedescobre novos pontos de vista; e 0 que hade caracteristico e que uns sejustapoem aosoutros, sem que ja se sintam as oposi<;oesque, no correr da historia da pedagogia,nao tardarao em estalar"6.

Para Locke, os fins da educa<;aoconcen-tram-se no carater, muito mais importanteque a forma<;aoapenas intelectual, emboraesta nao devesse absolutamente ser descui-dada. Propoe 0 triplice desenvolvimentofisico, moral e intelectual, caracteristico dogentleman (0 gentil-homem). Por isso aconse-lha escolher com cuidado os preceptores,que dentro de casa cuidarao da educa<;aoda crian<;a, evitando-se a escola, onde elapoderia nao ser bem acompanhada ou vi-giada nos menores passos.

Percebe-se ai, nitidamente, 0 dualismoque persistira nos seculos subseqiientes, aose destinar a classe dominante uma forma-<;aodiferente da que e ministrada ao povoem geral e superior a ela. Ao contrario deComenio (como veremos), Locke nao de-fende a universaliza<;aoda educa<;ao. Paraele, a forma<;ao dos que irao governar e adaqueles que serao governados deviam ser

6 "A pedagogia em Fran~a nos secuJos XVII e XVIII", in M. Debesse e G. MiaJaret (orgs.), Tratado das cunciaspedagogicas. Sao Paulo, Nacional, 1974, v. 2: HistOna da pedagogia, p. 331.

eliferentes, configurando-se assim 0 caraterelitista da sua pedagogia.

A escola da Idade Moderna, em conso-nancia com seu tempo, propunha-se umatarefa: se ha metodo para conhecer correta-mente, devera haver para ensinar de formamais rapida e mais segura.

Esse foi 0 empenho de toda a vida deJoao Amos Comenio (1592-1670), nascidona Moravia7• 0 maiar educador e pedago-0"0 do seculo XVII, conhecido com justic;acomo 0 Pai da Didatica Moderna, produ-ziu uma obra fecunda e sistematica, cujoprincipal livro e Didatica magna. Sugestiva-!TIente,urn dos capitulos chama-se "Comose deve ensinar e aprender com seguranc;a,?ara que seja impossivel nao obter bons re-~tados", enquanto outro trata das "Basespara rapidez do ensino, com economia de-empo e de fadiga".

Comenio pretenelia tornar a aprendiza-zem eficaz e atraente mediante cuidadosar!!anizac;aode tarefas. Ele pr6prio se em-

;Jenhava na elaborac;ao de manuais - uma,idade para a epoca - e minuciosamen-detalhava 0 procedimento do mestre,

ewndo gradac;oes das dificuldades e com:irmo adequado a capacidade de assimila--0 dos alunos.o ponto de partida da aprendizagem epre 0 conhecido, indo do simples para

complexo, do concreto para 0 abstrato.,-erdadeiro estudo inicia nas pr6prias

.-a , no "livro da natureza", 0 que repre--~Laviva oposic;ao ao ensino ret6rico dos

lasticos. A experiencia sensivel, como-T de todo conhecimento, exige a educa-- dos sentidos. No livro 0 mundo ilustrado

. is pictus), Comenio elaborou urn texto

em que cada passo se relaciona com figu-ras.

Para Comenio, 0 ensino devia ser feitopelaac;aoe estar voltado para a ac;ao:"S6 fazen-do, aprendemos a fazer". Nem elisso,e im-portante nao ensinar 0 que tern valor apenaspara a escola, e sim 0 que serve para a vida.A utilidade de que trata Comenio faz da pes-soa urn ser moral, por issoas escolassaG"ofi-cinas da humanidade", verdadeira iniciac;aoa vida. Nao por acaso, a religiosidadedesem-penhava papel marcante na visao de mundodesseeducador e pastor protestante.

Em consonancia com 0 espirito do seute:npo, Comenio queria "ensinar tudo atodos". Atingir 0 ideal da pansofia (do gregopan, "tudo", e sophia, "sabedoria": sabedo-ria universal), no entanto, nao significavapara ele erudiC;aovazia (ver leitura comple-mentar). Pensava ser possivel urn inventariomet6dico dos conhecimentos universais, demodo que 0 aluno alcanc;asseurn saber gerale integrado, ainda que simplificado, desde 0

ensino elementar. Nos outros graus, 0 apro-fundamento possibilitaria a analise critica ea invenC;ao,pois a educaC;aoperrnitiria aoaluno pensar por si mesmo, nao como "sim-ples espectador, mas ator". S6 assim haveriaprogresso intelectual, moral e espiritual ca-paz de aproximar 0 individuo de Deus.

Para Comenio, 0 complemento de suapansofia e a aspirac;ao democratica do ensi-no, ao qual todos teriam acesso, homens oumulheres, ricos ou pobres, inteligentes ouineptos. Com estas poucas referencias, per-cebemos 0 carater inovador do pensamentode Comenio, de sabor muito atual.

Aberta a discussao sobre liberdade indi-vidual e 0 papel da educaC;aopara alcan-

c:liferentes, con£1gurando-se assim 0 caraterelitista da sua pedagogia.

A escola da Idade Moderna, em conso-nancia com seu tempo, propunha-se uma[arefa: se ha metodo para conhecer correta-mente, devera haver para ensinar de formamais rapida e mais segura.

Esse foi 0 empenho de toda a vida deJoao Amos Comenio (1592-1670), nascidona Moravia!. 0 maior educador e pedago-0-0 do seculo XVII, conhecido com justi<;:acomo 0 Pai da Didatica Moderna, produ-ziu uma obra fecunda e sistematica, cujoprincipal livro e Diddtica magna. Sugestiva-mente, urn dos capitulos chama-se "Como:e deve ensinar e aprender com seguran<;:a,para que seja impossivel nao obter bons re-sultados", enquanto outro trata das "Bases

ara rapidez do ensino, com economia de-empo e de fadiga".

Comenio pretendia tornar a aprendiza-gem e£1caz e atraente mediante cuidadosa

aniza<;:ao de tarefas. Ele proprio se em-Jenhava na elabora<;:ao de manuais - uma

-idade para a epoca - e minuciosamen-detalhava 0 procedimento do mestre,

ndo grada<;:oes das di£1culdades e com:::roo adequado a capacidade de assimila--0 dos alunos.o ponto de partida da aprendizagem e

anpre 0 conhecido, indo do simples paracomplexo, do concreto para 0 abstrato.\'erdadeiro estudo inicia nas proprias

:sa , no "livro da natureza", 0 que repre-ra viva oposi<;:ao ao ensino retorico doslasticos. A experiencia sensivel, como

.- e de todo conhecimento, exige a educa-- dos sentidos. No livro 0 mundo ilustrado

is pictus), Comenio elaborou urn texto

em que cada passo se relaciona com £1gu-ras.

Para Comenio, 0 ensino devia ser feito pelaa<;:aoe estar voltado para a a<;:ao:"So fazen-do, aprendemos a fazer". Alem c:lisso, e im-portante nao ensinar 0 que tern valor apenaspara a escola, e sim 0 que serve para a vida.A utilidade de que trata Comenio faz da pes-soa l.ill1ser moral, por isso as escolas saD "0£1-cinas da humanidade", verdadeira inicia<;:aoa vida. Nao por acaso, a religiosidade des em-penhava papel marcante na visao de mundodesse educador e pastor protestante.

Em consonancia com 0 espirito do seutel;1po, Comenio queria "ensinar tudo atodos". Atingir 0 ideal da pansofia (do gregopan, "tudo", e sophia, "sabedOl-ia": sabedo-ria universal), no entanto, nao signi£1cavapara ele eruc:li<;:aovazia (ver leitura comple-mentar). Pensava ser possivel urn inventariomet6c:lico dos conhecimentos universais, demodo que 0 aluno alcan<;:asse urn saber gerale integrado, ainda que simplificado, desde 0ensino elementar. Nos outros graus, 0 apro-fundamento possibilitaria a analise critica ea inven<;:ao, pois a educa<;:ao permitiria aoaluno pensar por si mesmo, nao como "sim-ples espectador, mas ator". S6 assim haveriaprogresso intelectual, moral e espiritual ca-paz de aproximar 0 individuo de Deus.

Para Comenio, 0 complemento de suapanso£1a e a aspira<;:ao democratica do ensi-no, ao qual todos teriam acesso, homens oumulheres, ricos ou pobres, inteligentes ouineptos. Com estas poucas referencias, per-cebemos 0 carater inovador do pensamentode Comenio, de sabor muito atual.

Aberta a discussao sobre liberdade indi-vidual e 0 papel da educa<;:ao para alcan-