stca interdicao sao_lucas_10_de_junho_de_2010
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Autos n° 064.10.008808-6 Ação: Outros/Infância e Juventude Requerente: Juizo da Infância e Juventude da Comarca de São José /SC
"Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos
seus direitos fundamentais."
(art. 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente)
Vistos etc.
Trata-se de procedimento administrativo instaurado por este
Juízo da Infância e da Juventude, para apuração de irregularidades em entidade
governamental, em razão das diversas ilegalidades encontradas no centro de
cumprimento de medida socioeducativa CER – São Lucas, situado nesta
comarca de São José, descritas na Portaria que iniciou este processo, com o
objetivo de apurar possíveis ilegalidades na referida entidade de aplicação de
medida de internação, consoante os fatos nestes autos noticiados os quais
encontram-se instruídos pelos documentos encartados.
Inicialmente, ressalto que o procedimento que aqui se
instaura, não é somente por um dever legal, mas, sobretudo por um dever ético
e moral, pois, como já referido na portaria inaugural do presente procedimento,
desde que aqui aportei nesta Vara da Infância e da Juventude desta comarca
de São José, diversas foram as denúncias recebidas, efetuadas pelos próprios
adolescentes internos no CER São Lucas, dentre as quais, aquelas que
instruem os presentes autos, dando conta de que estão sendo vítima de maus-
tratos, tortura, negligência e violação de seus direitos fundamentais, por parte
da referida entidade de aplicação de medida sócio educativa de internação.
Assim, na qualidade de Juíza correicional/fiscalizadora da
entidade CER – São Lucas (reafirmada após consulta pela Circular n. 65, de
20/10/2009), em atendimento ao art. 95, do ECA que determina que "As
entidades governamentais e não-governamentais referidas no art. 90
serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos
Conselhos Tutelares." , e, ainda, em consonância com o disposto no art. 191,
do mesmo Estatuto em que dispõe que "O procedimento de apuração de
irregularidades em entidade governamental e não governamental terá
início mediante portaria da autoridade judiciária ou representação do
Ministério Público ou Conselho Tutelar, onde conste, necessariamente,
resumo dos fatos.
Ainda, em atendimento ao art. 125, do mencionado Estatuto
que determina que "É dever do Estado zelar pela integridade física e mental
dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e
segurança."
Fundamenta o presente, também, o conteúdo das
conclusões a que chegou a Equipe Responsável pela elaboração do Relatório
Final do Levantamento da Atual Situação do CER São Lucas, no sentido de que
esta padece de condições sub-humanas de habitação e alojamentos insalubres
e completamente inadequados, o que, em virtude da grave situação assinalada
no referido Relatório foi realizada Inspeção Judicial in loco pela Egrégia
Corregedoria Geral da Justiça e por este Juizado da Infância e da Juventude,
que na qualidade de Órgãos Correicionais da mencionada entidade de
atendimento (art. 95 do ECA), local em que se procedeu minuciosa vistoria das
instalações oferecidas pela dita Instituição, constatando-se através dela a
ocorrência de irregularidades graves no tocante especialmente ao
acondicionamento dos internos que abriga, tais como insalubridade das
dependências e péssimo estado de conservação das mesmas.
As situações acima retratadas configuram em tese
irregularidades tipificadas no artigo 94, incisos I, II, III, IV, VII, VIII, IX, X, XI, XII,
do Estatuto da Criança e do Adolescente, sujeitando a entidade Governamental
em epígrafe às sanções do art. 97 do aludido Diploma Legislativo, que variam
desde a advertência até fechamento da unidade, inclusive.
Cumpre-se, também com o presente procedimento a
Resolução n. 77, de 26/05/2009, do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que
dispõe sobre a inspeção nos estabelecimentos e entidades de atendimento ao
adolescente e sobre a implantação do cadastro nacional de adolescentes em
conflito com a lei, que em seu art. 1º, determina "aos juízes das varas da
infância e da juventude com competência para a matéria referente a
adolescentes em conflito com a lei que realizem pessoalmente inspeção
mensal nas entidades de atendimento sob sua responsabilidade e adotem
as providências necessárias para o seu adequado funcionamento."
Iniciado o procedimento pela Portaria de fls. 01/03, ouvida a
Representante do Ministério Público, esta ofertou manifestação (fls.129/161),
postulando pela decretação liminar de afastamento de VENICIO MACHADO
PEREIRA NETO novo dirigente (gerente) do CER São Lucas, com a
conseqüente comunicação à autoridade hierarquicamente superior a este
servidor, marcando-lhe o prazo de 03 dias para a substituição, nos termos do
art. 192, § 2º do ECA.
Pugnou, também, pela citação do mesmo para, no prazo de
dez dias, oferecer resposta escrita, podendo juntar documentos e indicar as
provas a produzir. E após, se for necessário, a designação de audiência de
instrução, com a devida intimação das partes.
Requer, ao final, o afastamento definitivo do dirigente da
entidade, a interdição total do estabelecimento pela reiteração da barbárie que
nele se repete e, a determinação judicial para que a administração apresente
imediato cronograma para a implementação efetiva e real do que restou
recomendado no Relatório Final o Levantamento do Centro Educacional São
Lucas, com a remoção das irregularidades descritas nos autos e, após a vistoria
deste Juízo, seja levantada a interdição.
Postulou, ainda para que o òrgão Gestor Estadual informe a
este Juízo acerca do andamento da utilização dos recursos disponibilizados
para o Estado de Santa Catarina, pelo SINASE, para construção de Centros de
Atendimentos Socioeducativos.
Relatados. FUNDAMENTO E DECIDO:
Inicialmente, registro a grande parceria que encontrei no
Ministério Público, aqui nesta comarca de São José, na esperança (aquela
originada do verbo esperantar e não do verbo esperar!) da concretização da
mudança do paradigma da situação irregular para o da proteção integral.
Parceria essa iniciada com a Promotora Leda Maria Hermann e atualmente com
Promotora Márcia Aguiar Arend e com a antiga Gerente Margarete Sandrini,
rumando, todas, para o mesmo caminho: uma aplicação e execução de
medidas socioeducativas tal como preconizadas no ECA e no SINASE.
Para uma melhor compreensão do desenrolar dos fatos que
vem ocorrendo no CER – São Lucas, imprescindível um escorço histórico de
sua existência, para que, como bem ressaltou a representante do Ministério
Público, se possa conhecer e compreender a extensão da barbárie que os autos
revelam. Assim, somando ao corpo desta decisão, pela excelência com que a
história fora relatada na manifestação ministerial, transcrevo-a, desta fazendo
parte integrante, conforme segue:
"A história do CER São Lucas.
O CER São Lucas tinha 30 (trinta) anos de tradição
menorista1quando a atual legislação infanto-juvenil2substituiu o extinto Código
de Menores. Conhecido no Estado inteiro como o "cadeião" dos "menores
delinqüentes de mais alta periculosidade " de Santa Catarina, o CER São Lucas
foi uma das muitas unidades de contenção brasileiras que permaneceu quase
duas décadas excluída da regência estatutária pautada na doutrina da proteção
integral, e atrelada à extinta doutrina da situação irregular.
O estigma reproduzido pela imprensa, o repúdio social e o
esquecimento estatal sinalizavam o desprezo pela clientela adolescente. O
prédio não recebia manutenção. A disciplina interna era ditada aleatoriamente
pelos monitores e pautada só na contenção e no isolamento. A gerência, cargo
de 3confiança, portanto de índole meramente política eleitoral, era ocupada por
indivíduos dos partidos da situação e o corpo técnico e funcional absolutamente
deficitário para a constante superlotação.
A "alta periculosidade" da clientela era alardeada pela mídia,
que tinha, e ainda tem, na referenciada instituição governamental uma
inesgotável fonte de notícias, sensacionalismos e especulações. Afinal,
rebeliões; fugas; apreensões de armas, drogas, celulares e espetos eram não
constituem problemas para a reflexão das crises da nossa precária república,
mas engordam o cardápio de absurdos com os quais os sistemas de notícias
replicam as vendas e seus lucros. É que a violência tem mesmo forte potencial
sedutor: é um excelente artigo em termos de recepção no mercado consumidor
da informação.
Os arquivos institucionais registram óbitos (aparentemente)
suicidas por enforcamento, numa média de 02 (dois) ao ano, o último ocorrido
em janeiro de 2007.
A sociedade civil, incitada pela mídia, criticava governo e
gestão pelas fugas de elementos tão perigosos, exigindo medidas de contenção
mais rigorosas, muros mais altos, paredes mais grossas, trancas mais
reforçadas.
Os adolescentes infratores de todo o Estado tinham pavor
do São Lucas, relatando, corriqueiramente, que a comida era ruim, os
alojamentos eram úmidos, sujos e frios, banheiros entupidos, catres sem
colchão e monitores agressivos.
No ano de 2007 o senhor Ronaldo Benedet, então
Secretário Estadual de Segurança Pública e Defesa do Cidadão de Santa
Catarina, e assim o gestor máximo do sistema socioeducativo de alta
complexidade no Estado, ante os episódios de violência interna no Centro
Educacional São Lucas, reconheceu o esgotamento constitucional, legal e
operacional, do modelo de serviço prestado aos internos. Exercendo a
prerrogativa autorizada pelo artigo 227, caput da Constituição Federal e
ratificada pelo artigo 4º, caput do Estatuto da Criança e do Adolescente,
entendeu, ao reconhecer a própria deficiência do serviço prestado pelo governo,
que era imperiosa a nomeação de pessoa apta, com perfil, formação
pedagógica e experiência em educação, para assumir a gerência. Admitiu, ao
que pareceu, que era inadiável a transformação do CER São Lucas numa
entidade comprometida com a aplicação das medidas sócioeducativas
preconizadas na Lei Federal e decorrentes dos princípios constitucionais.
Ao ato de nomeação de Margarete Sandrini, educadora
indicada pelo Centro Cultural Escrava Anastácia, seguiu-se a contratação, por
concurso público, de monitores e técnicos, ação que, à primeira vista,
regularizou o quadro funcional da casa.
Entretanto, tudo não passou de um aparente compromisso
de transformação, os vícios sistêmicos da estrutura não foram estirpados, e bem
cedo se descobriu que o concurso público para a contratação de monitores, foi
para ACTs, o que resultou na clara resistência da maioria da monitoria quanto
às mudanças que pareciam estar por ocorrer.
Apesar da resistência interna e da repercussão
sensacionalista promovida pela mídia, a nova gerente e os profissionais
técnicos somaram forças para enfrentar o desafio de transformar aquela
unidade, até então envolta na opacidade das próprias transgressões, para
acolhimento da doutrina da proteção integral no cotidiano da "casa".
Podemos mesmo dizer que, contabilizadas quatro décadas
de tradição menorista e quase duas de atraso em relação à ordem jurídica,
constitucional e legislativa, o CE São Lucas deu início, na metade de 2007, deu
início à concretização da sua identidade como unidade socioeducativa,
comprometida com a observância da Constituição de 1988 e do Estatuto
(vigente desde 1990), já sob a égide orientativa do SINASE, instituído em 2006
em nível federal.
Era mais que hora de mudar. Difícil era saber por onde
começar. Recuperação mínima das instalações, limpeza interna e externa,
reequipamento da cozinha, reativação da escola e improvisação de oficinas
foram os passos objetivos iniciais. A humanização daí decorrente
paulatinamente acalmou a tensão de crise, aplacou a conduta hostil dos
adolescentes.
Transcorridos dois anos, o prédio foi reformado ( pinturas,
limpeza de fossas, banheiros e espaços externos). Desratizações e
dedetizações para eliminação de pragas. A cozinha foi reequipada. As
condições de habitabilidade dos alojamentos foram regularizadas quanto ao
fornecimento de colchões, cobertas e lençóis.
A escolarização foi retomada e frequentada por todos. As
oficinas de profissionalização, ativadas de improviso no ano de 2007, foram
regularizadas e operacionalizadas em 2008.
Seguindo recomendação do Ministério Público, os gestores
autorizaram e viabilizaram posse e uso de eletroeletrônicos (às expensas das
famílias) nos quartos e racionalizaram o longo período de isolamento noturno,
remanejando a disciplina interna e fixando horários coerentes para o
recolhimento aos quartos (22h) e para a ordem de silêncio (23h).
Com adesão e acompanhamento das equipes técnicas,
foram implementadas atividades externas3 Alojamentos coletivos foram
paulatinamente organizados e passaram a acomodar os adolescentes cujo
comportamento e fase da execução da medida permitisse convivência pacífica.4
A frequência de fugas e a entrada de drogas e de celulares
foi significativamente reduzida entre novembro de 2007 e abril de 2009.
Cessaram os eventos críticos (rebeliões), complexos (queimas de colchões) e
apreensão de armas.
As equipes técnicas, constituídas por expressivo número de
profissionais recém-admitidos por concurso público naquele ano de 2007,
atuavam em ritmo de parceria e de entendimento com a gerente, também
recém-empossada.
Foram trabalhados e elaborados o Projeto Político
Pedagógico, um novo regimento interno e normas disciplinares alinhadas com
as diretrizes do SINASE, incrementado e fortalecido o atendimento técnico
multidisciplinar, elaborados e remetidos às respectivas comarcas relatórios
periódicos para fins de revisão e eventual substituição da medida privativa de
liberdadE.5
Conhecendo seus direitos os adolescentes passaram a
interagir com o Ministério Público e a indagar sobre o andamento processual da
execução das suas medidas socioeducativas.
A ação positiva deu bons frutos, mas não arrefeceu a
resistência cultural, fomentada no meio externo pela imprensa e no ambiente
institucional pelos monitores.
E as dificuldades de estabelecer o novo foram erodindo as
transformações positivas tão recentemente iniciadas. Assim, novos projetos,
como visitas intimas e capacitação continuada da equipe acabaram obstados
pelo clima conflitual que foi sendo ressuscitado.
As dificuldades que sobrevieram são frutos não só da
ignorância quanto às garantias constitucionais, normas legais estatutárias e
orientações do SINASE. O novo estava encontrando a resistência sócio-cultural
do velho e prevalente paradigma, especialmente focado no adolescente em
conflito com a lei como delinqüente que merece punição.
Os múltiplos e constantes enfrentamentos com a monitoria e
sua exploração midiática, somados aos efeitos doentios pela a
institucionalização, progressivamente desgastaram os técnicos, servidores e
gerente, multiplicando desavenças e esvaziando o implemento efetivo do PPP,
Regimento Interno e ordem disciplinar regulamentada.
As atividades externas foram exploradas pela imprensa
sensacionalista como ilegais e a pressão sobre os técnicos resultaram, por fim,
em enfrentamentos sérios equipes versus gerente, culminando na suspensão
da ação pedagógica legal, legítima e recomendada expressamente no SINASE.
As oficinas artísticas, emergencialmente conduzidas por
monitores com talentos específicos, geraram protestos sindicais e acabaram
interrompidas.
A lotação de instrutores para profissionalização pela
Secretaria de Estado da Educação, dever legal atribuído por natureza àquela e
concedida no ano letivo de 2008, não se repetiu em 2009, o que implicou sua
desativação desde o ano passado até agora.
A desavença entre técnicos e a gerente provocou isolamento
de parte a parte. Com isso as equipes multidisciplinares foram se isolando. O
vínculo da clientela centralizou-se na pessoa da gestora e o espírito de corpo
desintegrou-se.
Os profissionais técnicos começaram a se afastar por meio
de licenças ou de transferências internas; o quadro técnico esvaziou e os
profissionais que permaneceram na unidade, sobrecarregados e isolados,
perderam o entusiasmo do começo.
A manutenção do prédio, reposição de sanitários,
mobiliários, equipamentos e instalações elétricas e sanitárias não prosseguiram
regularmente depois da primeira reforma, como necessário; já ao final do ano
de 2009 era observável falta de conservação dos gramados, banheiros e
fossas, déficit na reposição de lâmpadas em ambientes de uso comum,
corredores e até nos quartos; sem pintura periódica para conservação, as
paredes voltaram a apresentar aspecto desagradável e sujo. Os ambientes de
uso comum e até os quartos retornaram paulatinamente à deplorável condição
anterior.
Maldosa e sensacionalista, a mídia eletrônica
(principalmente) fazia destacar qualquer festejo ou lazer oferecido aos internos,
apontado s pelos meios de comunicação como "mordomias" espúrias
"descaracterizadoras da finalidade retributiva " (sic), facilitação "assistencialista"
, privilegiando "marginais" sem merecimento.
A rotulação anacrônica de "menores delinquentes de alta
periculosidade", ditava que o São Lucas era um lugar de segregação e castigo,
cujas "funções prioritárias seriam: proteger cidadãos de bem e garantir a
segurança pública externa". O discurso invertido era sempre explorado nas
manchetes; qualquer tentativa de contradiscurso era ignorada ou subvalorizada.
O maior foco interno de resistência foi e continua sendo o
corpo de monitores, cujo papel socioeducativo tem sido historicamente
subsumido pelo aculturamento herdado do modelo menorista, implicando, por
consequência, na continuidade do desmando e da crueldade, licenciosidade
implícita gerada pela rejeição macrossocial à clientela visada.
Mal capacitados, fortemente comprometidos com as
expectativas invertidas de proteção da sociedade e do patrimônio, e não do
adolescente estigmatizado por sua conduta transgressora e desviante, os
servidores da monitoria, vítimas de singular e tradicional alienação somada à
ignorância da Constituição, da lei e da sua real função, prosseguiram fazendo o
que sempre fizeram: disciplinamento indiscriminado; castigos físicos; práticas
cruéis compatíveis com tortura e tratamento cruel e desumano.
A reiterada certeza no silêncio dos adolescentes obtida pela
inflição do medo de represálias e torturas, tudo reforçado por uma, igualmente
doentia rotulação, estigmas e pelo histórico desvalor para com os internos -
fomentada pela imprensa sensacionalista e pela agressiva persecução policial
aos adolescentes- impôs a estes o exercício do sofrimento silente.
Reiteradamente esclarecidos sobre seus direitos e garantias,
foram os que melhor resistiram à crise interna, os que mais aprenderam com o
processo institucional, tanto que alguns começaram a noticiar agressões e
humilhações, ameaças e contínuas punições cruéis. Mesmo pressionados,
retaliados e perseguidos, houve os que não se calaram.
É de supor que o silêncio imposto pelo medo de vendetas
seja, ainda, prevalente e majoritário; mas foi por sua voz que se revelaram as
práticas desumanas de parte de monitores, autorizando medidas judiciais e,
assim, estimulando novas falas e outras medidas.
Não temos dúvida de que o silêncio nutre o arbítrio. E
quando o que está encoberto é descoberto pode-se estabelecer o
revigoramento ético e solidário entre as pessoas e as instituições.
Cumpre agora detalhar as situações e fatos que chegaram
ao conhecimento desta Promotoria de Justiça, bem como os resultados obtidos
e as providências adotadas.
1. Dia 05 de abril de 2009: Agressão com "porretes" e
exposição a vexame (Tortura)
2. 07 de abril de 2009 : Agressões física pelos monitores
GERALDO TORRES DO NASCIMENTO e EVONIR DAL PIZZOL
O adolescente G.M., interno na unidade socioeducativa CER
São Lucas, referiu ao MM. Juiz Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto,
titular da Vara da Infância da Capital (SC), agressão física pelos monitores
GERALDO TORRES DO NASCIMENTO e EVONIR DAL PIZZOL. Em atenção à
notícia, a Promotora de Justiça VANESSA WENDHAUSEN CAVALLAZZI
GOMES, então em exercício na Promotoria da Capital (SC), com atribuição
funcional compatível, realizou visita de fiscalização àquela casa no dia
09.04.2009, constatando lesões visíveis nos adolescentes G.M. e T.M.V.,
encaminhados para exame de corpo delito.
Tal a gravidade dos fatos que a própria promotora de justiça
registrou ocorrência junto à 2ª Delegacia de Polícia de São José, originando
assim o Inquérito Policial n° 183/09 (atualmente ação penal nº 064.09.011022-
0, em trâmite na 2ª Vara Criminal de São José). Os laudos comprobatórios da
materialidade das lesões, prova inserta na ação penal, mais o relato de várias
testemunhas embasaram o ajuizamento também de Ação Civil Pública junto à
Vara Especializada, resultando deferimento de tutela antecipada para fins
de afastamento funcional dos dois monitores e determinação judicial.
As vítimas relataram na fase policial, com relevante
coerência e riqueza de detalhes, os sofrimentos que lhes foram impostos, de
forma deliberada e cruel, pelos indiciados. Do Termo de Declaração subscrito
pelo adolescente T.M.V. vale destacar:
(...) no CER/São Lucas foi agredido fisicamente pelos
monitores GERALDO e EVONIR, no dia 05/04/2009, pelas 14:00 horas; (...)
chegaram os referidos monitores dizendo que havia sumido uma colher, sendo
que o declarante afirma que foi uma desculpa para que houvesse a agressão
(...) "eles mandaram a gente cagar a colher"; que "eles mandaram a gente se
ajoelhar em frente ao vaso sanitário do quarto e colocar as nossas mãos lá
dentro e procurar a colher, sendo que alguns dos vasos sanitários estavam com
fezes dentro" (...) que, só puderam lavar as mãos à noite; que, em todo
momento, os dois monitores agrediam o declarante e seus colegas com porrete;
(...) os dois monitores mandaram que o declarante e os outros adolescentes
ficassem totalmente nus, dentro da jega (quarto), os dois monitores ficaram no
corredor, (...) iam chamando um adolescente por vez; que, cada um tinha que
se ajoelhar no chão do corredor e era agredido fisicamente pelos dois monitores
com um porrete (...) (fl. 16 do IP original - grifei).
Do termo firmado pelo adolescente G.M. se colhe relato
coerente com a descrição fática da outra vítima; como destaque:
... no dia 05/04/2009, pelas 14:00 horas, os monitores
GERALDO e EVONIR chagaram na Triagem acusando o declarante e os outros
adolescentes ali presentes de terem afanado uma colher (...); que, "daí eles
começaram a dar uma geral e bater em todo mundo"; que os dois monitores
portavam um pedaço de pau na mão; que EVONIR gritava: "vocês não querem
me dizer onde está a colher, não digam, mas eu vou quebrar vocês de pau"; (...)
foram abrindo as portas dos quartos e passaram a agredir os adolescentes,
primeiro agrediram o declarante e o T.M.V.; que "os dois bateram na gente,
cada um batia um pouco depois eles trocavam"; que, o porrete em questão era
um pedaço de cabo de pá; (...); que, o EVONIR mandou que o declarante
desentupisse o vaso sanitário do quarto, com a caneca que o declarante
utilizava para tomar café; que o declarante desentupiu o vaso sanitário entupido
com fezes utilizando a própria caneca (...) depois o declarante lavou a caneca
com água e detergente (sem esponja) e o EVONIR obrigou o declarante a tomar
café naquela mesma caneca; (...) enquanto o declarante desentupia o vaso, os
monitores lhe agrediram fisicamente com porrete, tapas na nuca; que "na hora
em que eu estava tirando fezes com a caneca eles batiam na minha mão, e a
caneca cheia de fezes virava em cima do meu corpo, me sujando; (...) eles
colocaram o declarante dentro de uma cela, e iam na porta, de vez em quando,
abriam a "guela", que é uma entrada na porta na altura dos olhos, e zombavam
falando ao declarante: "e aí, cagadinho, ta bom aí, com cheiro de cocô!" (...) o
declarante estava sujo e só pode se lavar depois da janta, sendo que jantou
ainda sujo (...)" (fls. 19-20 – grifei).
Sinalizando publicamente a falta de preparo e animosidade
em desfavor dos internos, o monitor GERALDO TORRES DO NASCIMENTO
falou sobre os fatos à imprensa, tendo afirmado, segundo o texto jornalístico, o
seguinte: "(...) não nega que em certas ocasiões tem de usar a força,
principalmente quando os internos não querem ir para os quartos. 'Eles
nos respondem e nos enfrentam', justificou".
Providência: Ajuizamento de Ação Civil Pública visando
aplicação de medida disciplinar administrativa, constituição de obrigação
de fazer e tutela antecipada em face do ESTADO DE SANTA CATARINA; de
RONALDO BENEDET, Secretário da Segurança Pública e Defesa do
Cidadão do Estado; de GERALDO DO NASCIMENTO TORRES e de EVONIR
DAL PIZZOL, os dois últimos monitores do CER São Lucas, por prática de
tortura contra dois adolescentes, com deferimento de tutela antecipada para
o imediato afastamento dos monitores das suas funções e determinação ao
segundo para instauração de processo administrativo no prazo de 05 (cinco) e
conclusão do mesmo nos 90 (noventa) dias subsequentes.
RESULTADO: Descumprido o prazo para a conclusão do
processo, com prazo esgotado.
3. Dia 17 de junho de 2009: Notícia de exibição de
ofendículos e agressão com gás de pimenta
A pedido dos adolescentes lotados no alojamento ("nível",
no jargão da instituição) 03, a Promotora da Infância da Comarca, Dra. LEDA
HERMANN, compareceu àquela instituição, reunindo-se com o grupo de
adolescentes, em total privacidade (sem monitores, guarda ou gerente) a partir
das 18h, na sala da monitoria.
Esclarecidos os adolescentes sobre seus direitos, garantido-
se o anonimato individual, passaram os mesmos a narrar informalmente os fatos
adiante detalhados:
Os adolescentes A.C. e W.E.F.S. noticiaram ofensa à sua
integridade física pelo monitor GILSON, consistente no uso de spray de
pimenta, substância que causa irritação nos olhos, comumente utilizada pela
polícia nas abordagens que exijam contenção, ou por particulares como meio de
autodefesa. A ofensa ocorrera na noite do domingo anterior, ou seja em 14 de
junho de 2009.
Já recolhidos ao quarto que compartilham naquelas
dependências, iniciaram discussão entre si, elevando inadvertidamente o tom
de voz. Em virtude disso, o monitor GILSON, de serviço naquela data, adentrou
bruscamente ao cômodo e borrifou spray de pimenta nos olhos dos dois,
causando-lhes forte irritação e desconforto.
Os adolescentes vitimados afirmaram que não estava
ocorrendo agressão física recíproca ou contra o monitor, tratando-se de
discussão banal. Reconheceram que estavam, de fato, falando alto demais,
reclamando, todavia contra a atitude do monitor, reputada desnecessária e
abusiva não apenas pelos dois como pelo restante do grupo, que confirmou o
relato e asseverou que os efeitos do gás de pimenta foram sentidos também por
eles, dado à quantidade excessiva da substância que ficou no ar.
O grupo afirmou unanimemente que os monitores
GILSON, APOLO, MILTON e DÁRIO exibiam com frequência diária, visando
intimidar e ameaçar os adolescentes, frascos de spray de pimenta,
sacando parcialmente as embalagens dos bolsos, e que os monitores
GILSON e DÁRIO igualmente ostentavam máquinas de eletro choque,
exibidas de forma semelhante, também com propósitos intimidatórios.
Quanto a APOLO, lotado em outro alojamento, comparecia
àquele espaço regularmente e a pedido dos colegas, brandindo um cacetete e
proferindo ameaças verbais, quase sempre à hora de recolhimento para dormir.
Os adolescentes noticiaram também que o castigo indiscriminado denominado
"medida coletiva de quarto" lhes fora imposto pelos monitores por quase 03
(três) semanas consecutivas, asseverando que estavam sem banho de sol até o
dia da reunião.
No mesmo dia, encerrada a reunião com os internos, foram
perquiridos informalmente os monitores CARLOS, APOLO e MILTON, que
admitiram parcialmente a conduta. Advertidos sobre a ilegalidade da "medida
coletiva de quarto", inconstitucional, ilegal e proibida inclusive em âmbito
institucional, aduziram desconhecimento da norma regimental, confessando
aplicação recente desse abuso, posto ter sido encontrado, na sala da monitoria,
um torrão de maconha cuja propriedade não havia sido assumida por nenhum
dos internos.6
4. Dia 20.11.2009: Ameaça com arma de fogo por monitor
contra adolescente dentro da unidade
A cultura da truculência e a imposição arbitrária do poder,
por parte dos monitores, calam a voz dos adolescentes agredidos pela força do
medo. Assim é que, embora a narrativa contida no item supra, houvesse gerado
representação ministerial fundamentada nos artigos 94, 95, 96, 97 e seguintes
do Estatuto da Criança e do Adolescente, endereçado ao Juízo especializado
da comarca de São José, o protocolo efetivo da peça não chegou a ocorrer na
época (junho de 2009), por falta de elementos de prova, já que os adolescentes
não ousaram reafirmar as notícias em Juízo.
Ademais, sobressaltados com a visita do Ministério Público,
os ofensores cessaram as condutas e deram sumiço aos instrumentos de
ameaça, conforme narrado posteriormente pelos próprios adolescentes,
inviabilizando medida de busca e apreensão. Mas o recrudescimento da
violência ativa, a certeza do desvalor social imputado às vítimas resultaram em
recidiva de conduta por parte de JAISSON APOLO MARTINS ESPINDOLA.
Em 11.12.2009 compareceu ao gabinete da 4ª. Promotoria
de São José, da Infância e Juventude, a então gerente da unidade CER São
Lucas, Margarete Sandrini, relatando que no dia 20 de novembro daquele ano,
fora procurada pelo monitor JAISSON APOLO MARTINS ESPINDOLA (um dos
nominados autores das ofensas perpetradas ao grupo do alojamento ou "nível"
03), que reclamou dos adolescentes M.J.M.C. e J.N.S., internos alocados no
"nível 05" por "conversarem" (sic) com os adolescentes alocados no "seu nível",
ou seja, naquele onde estava lotado em serviço (nível 02), no corredor onde
ficam as salas de aula, monitorado por câmera de segurança.
Ao conferir o conteúdo da fita filmada na mesma manhã pela
câmera de segurança, a gestora visualizou no vídeo a imagem de APOLO,
passando pelo meio de três adolescentes e, em seguida, sacando subitamente
da cintura arma de fogo, que aponta para o adolescente J.N.S. em inequívoca
conduta ameaçadora. Em sequência o monitor guarda na cintura a arma, sai de
cena e em seguida retorna, apontando o dedo em riste para os adolescentes
(cópia em DVD anexa).
5. Dia 02.03.2010: Inspeção ministerial no "nível" 05
Visita de inspeção ministerial ao CER São Lucas em
02.03.2009, especialmente ao alojamento ("nível") 05 – ou "nível de proteção" –
que abriga adolescentes ameaçados de vendeta ou de morte por outros
internos, sendo constatadas várias irregularidades GRAVES, com pelo menos
duas (02) internações de adolescentes em quadro psicótico, um deles, RMKA,
com incapacidade mental reconhecida por sentença da MM. Juíza Andréia
Régis Vaz, reiterada por outro julgado datado de 30.11.2009, cuja retirada do
sistema partiu de ato judicial lavrado pelo Juíza da Infância e Juventude da
Comarca de São José (SC), que ora também subscreve este pedido, para
encaminhamento inicial ao Instituto Psiquiátrico - IPQ, em face do quadro de
surto iminente.
6. Dias 08.09.2009 e 31.03.2010 - Facilitação de fugas –
dois episódios constatados
Episódio 01: Em visita de inspeção ministerial realizada em
08 de maio de 2009, a partir de 20h30min, constatou-se a evasão de 10 (dez)
adolescentes recolhidos na quela casa, ocupantes do "nível" 02, de maior
contenção na unidade.
Estavam em serviço os monitores RAFAEL PEREIRA
MARÇAL e DOUGLAS JOSÉ SOUZA, que disseram ter havido tentativa de fuga
por um dos internos naquela manhã, pelo que os adolescentes vinham sendo
mantidos sob contenção rigorosa, trancados nos quartos individuais.
Na tarde do mesmo dia os dois monitores resolveram
realizar trabalho emergencial de escoamento de um vaso sanitário com a ajuda
de 03 (três) internos. Enquanto os dois monitores e dois dos adolescentes
retiravam o conteúdo do vaso, depositando-o em baldes, o terceiro adolescente
carreava os baldes cheios para despejo no lado externo, passando
repetidamente em frente à sala da monitoria (destrancada por defeito da
fechadura, danificada há meses, segundo os monitores) e transitando pelo
corredor dos quartos.
Ocorre que as chaves dos cubículos encontravam-se
guardadas numa gaveta (também destrancada) de um móvel, na sala da
monitoria, sendo provável que os internos já tivessem observado o fácil acesso
às mesmas.
Aproveitando-se do trânsito livre de supervisão pela sala de
monitoria e corredor dos quartos, o terceiro adolescente subtraiu o molho de
chaves e abriu os quartos de um dos lados do corredor. Os adolescentes
saíram e, de posse das chaves, abriram os demais cubículos, evadindo-se dez
deles. Apenas dois dos adolescentes daquele alojamento recusaram-se a aderir
à fuga.
Segundo os monitores, ao tentar deter os internos foram por
eles rendidos com estoques extraídos das alças dos baldes. Os fatos se deram
por volta de 18h.
Até a chegada da Representante do Ministério Público, 03
(três) dos adolescentes evadidos já haviam sido recapturados pela autoridade
policial.
Salienta-se que a operação de limpeza e escoamento de
dejetos foi imprudente, faltosa e reprovável, por vários e graves motivos:
a) Recrutar adolescentes internos para auxiliar em tarefa
insalubre, o qual nem os monitores deveriam ser submetidos, o que revela falha
nos níveis de gestão de 2º e 1º escalão, responsáveis pela manutenção
continuada das instalações e pela provisão respectiva dos necessários recursos
humanos;
b) Atribuir a um dos adolescentes, num dia que já registrara
uma tentativa de evasão pela manhã, o carreamento dos dejetos para fora, com
passagens sucessivas, nas idas e vindas, pela sala da monitoria (destrancada),
onde guardavam o molho das chaves, numa gaveta (também destrancada),
sem qualquer supervisão porque fora do campo de visão dos monitores;
c) Guardar o molho de chaves dos alojamedntos em
dependência e gaveta destrancadas, quando deveriam ter sido mantidas sob
posse pessoal de um dos monitores, conduta da monitoria a ser muito bem
investigada em sua motivação e subjetividade, para afastar possível facilitação
dolosa.
Dentre as providências elencadas no Termo de Inspeção, a
mais relevante era a instauração de sindicância para apuração da conduta
funcional faltosa dos monitores, que, no mínimo culposamente, facilitaram a
fuga maciça daquele dia, pois deixaram sem supervisão toda a população e
permitiram livre e repetitivo trânsito de um deles por todo o corredor dos
quartos, com evidente risco de ingresso do menino à destrancada sala da
monitoria, por consequência, ao molho de chaves.
A facilitação daquele dia foi especialmente grave pela
tentativa de fuga anterior; pelo trânsito de um dos meninos em percurso
facilitador de subtração das chaves e pela falta de supervisão visual do corredor
dos adolescentes em isolamento celular, medida que sempre gera tensão em
ambientes de contenção. Mas a facilidade do acesso e subtração das chaves
era contínua, já que o molho ficava numa gaveta sem chave, dentro de sala
sem fechadura bem debaixo dos olhos dos meninos que, por óbvio, só
esperavam a ocasião adequada para subtraí-las e escapar.
Episódio 02: Em 30 de março de 2010, a partir das 16h, os
alojamentos passaram a ser percorridos por Vossa Excelência, acompanhada
pela Advogada Daniela Felix Teixeira (Vice Presidente da Organização
Advogados Sem Fronteiras - ASF-Brasil) e pela Promotora de Justiça Leda
Hermann.
A delicada tarefa do grupo, também composto pelo Diretor
do Departamento de Justiça e Cidadania (DJUC), Sr. Itamar Bressan Benini,
órgão esse ligado diretamente à Secretaria Estadual de Segurança Pública e
Defesa do Cidadão de Santa Catarina (SSPSC) e, ainda, por profissionais
técnicas, era cientificar a clientela sobre iminentes mudanças na gestão direta
da casa30.
O grupo finalizava as visitas quando foi noticiada a fuga de
10 adolescentes do alojamento II, sendo verbalmente instaurada pela
Magistrada, de ofício e de imediato, procedimento judicial a ser depois
formalizado, para investigação de possível facilitação por funcionários, uma vez
que não houve arrombamento, escalada ou rendição dos monitores em serviço.
A Polícia Militar apresentou à portaria, dez minutos depois, o
primeiro adolescente reapreendido, perquirido lá mesmo, enquanto os outros
dois, reapreendidos após, também pela PM nas cercanias, foram recolhidos na
unidade e apresentados em juízo no dia subsequente.
As providências tomadas na ocasião foram: instauração de
ofício para apuração dos fatos e eventual facilitação de fuga por parte dos
monitores, com a oitiva de um adolescente na mesma data e na própria unidade
e dos demais em audiência judicial realizada no dia seguinte, no fórum de São
José, a partir das 14h.
7. Dia 31.03.2010: Espancamento dos adolescentes
reapreendidos – lesões constatadas
Quando de sua reapreensão pela PMSC, ocorrida em
31.03.2010 para a visita já referida, dois desses adolescentes, A. e F.,
apresentavam visíveis lesões corporais compatíveis com espancamento. Houve
a determinação para a apresentação em juízo no dia seguinte, 1º de abril,
incluídos os outros dois, que não apresentavam marcas visíveis.
Na audiência foram ouvidos todos os adolescentes. A
perseguição policial, narrada por F., causou impacto. Narrou que a PM disparou
a arma em sua direção e, depois de rendê-lo, agrediu a socos provocando as
lesões evidenciadas.
A narrativa de A. foi coerente com a de F., ambos estando
visivelmente lesionados. O adolescente de constituição mais frágil e com 14
anos de idade, apresentava grandes hematomas e arranhões por todo o rosto,
em metade do tórax e nas costas.
A narrativa de três dos adolescentes ouvidos refere
facilitação para a evasão.
Providências encaminhadas: realização de exame de corpo-
delito, no mesmo processo indicado em item anterior, naquela mesma data.
Ainda aguarda-se laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP/IML).
8. Dias 05 e 11.04.2010: Espancamentos do adolescente
C.A.R., por dois monitores e policial militar
Em 13 de abril de 2010 havia sido agendado atendimento, a
pedido, do adolescente C.A.R., 17 anos, interno da CER São Lucas, cuja
medida socioeducativa de internação, aplicada na comarca de Brusque (SC) e
deprecada para cumprimento na comarca de São José7, em virtude da
localização da unidade de internação.
O inopinado empossamento do monitor VENÍCIO PEREIRA
MACHADO NETO ao cargo de Gerente do CER São Lucas, por nomeação do
atual Secretário de Estado da Segurança Pública, Delegado ANDRÉ RICARDO
DA SILVEIRA, sem prévia conversação com a clientela da casa, já submetida à
tensão da mudança de gestão em curso, tornou necessária a presença da
Representante do Ministério Público na unidade socioeducativa.
Naquela casa, já no princípio da noite, a Promotora de
Justiça entrevistou o menino em total privacidade, obtendo antes referência
técnica da Sra. Assistente Social que o vinha acompanhando desde seu
ingresso. C., embora visivelmente amedrontado, fez o relato seguinte:
- sob internação desde outubro de 2009, obteve licença para
saída temporária, com parecer técnico favorável, por ocasião dos feriados de
Páscoa. Retornou, como determinado, no domingo, dia 04 de abril deste ano,
ao entardecer. Admitiu que, faltando à disciplina da casa, introduziu um pacote
contendo pequena quantidade de maconha e dois celulares, que deu um jeito
de jogar no telhado antes da revista.
De volta ao alojamento, foi conduzido uma vez mais à
portaria da instituição, sendo arrastado pelo pescoço, e aos supetões, escadaria
acima, por monitor de nome TIAGO, que trabalha lotado no "nível 05".
Já na entrada da instituição, o Soldado PM Antonio José de
Oliveira, de serviço naquele dia, com o concurso do tal monitor TIAGO, obrigou
que ficasse nu e ambos lhe aplicaram uma surra como castigo pela falta
cometida. Depois, foi levado à Central de Polícia de São José para registro de
ocorrência em seu desfavor.
O policial civil de plantão constatou as lesões e expediu guia
de exame de corpo delito, que remeteu ao CER São Lucas. Na segunda feira,
dia 05, a assistente social tomou ciência dos fatos, registrando a negativa do
adolescente em registrar BO pela agressão.
Dia 07, quarta, foi submetido a exame de corpo-delito no
IML. O laudo, embora requerido, ainda não foi recebido. Por apresentar histórico
positivo, foi exarada recomendação técnica para substituição da internação por
medida menos gravosa, a semiliberdade, e este foi o vezo para efetiva proteção
de sua integridade física. Tanto mais que, no domingo anterior, 11 de abril, teve
os dentes da frente quebrados por um soco desferido pelo monitor
ALEXANDRE PAULI, sendo de altíssimo risco sua permanência na entidade.
Na mesma noite, em audiência realizada por Vossa
Excelência, e diante da emergência da situação, foram ouvidos o adolescente e
a profissional técnica, restando então substituída a medida. Para evitar maiores
riscos, o adolescente dormiu na Central de Polícia aquela noite, sendo
conduzido na pela Sra. Comissária da Infância e Juventude de São José à casa
de semi-liberdade de Itajaí, em face da proximidade com o local de residência
da mãe, atualmente morando na cidade de Camboriú. A Sra. Comissária relatou
em peça escrita não ter conseguido recuperar os pertences, embora
reclamados; consta que os monitores responsáveis afirmaram não existir nada
na casa que fosse de sua propriedade, sequer peças de roupa.
DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL
Conforme se verifica do relato fático apresentado,
retrocessos de toda ordem ameaçam a segurança e integridade física da
clientela, por desídia e desinformação do Estado gestor, exigindo providências
severas por outras esferas de poder e agências de proteção.
Abuso, desídia, barbárie e dor constituem a história do CER
São Lucas. O processo de transição foi interrompido. Tudo conduz ao retorno
da violência patrocinada pelos agentes da instituição de modo direto e
indiretamente pela administração superior.
A gestão socioeducativa de alta complexidade catarinense,
vintenariamente atrasada, equivocada e mal conduzida; para começar, por ter
sido vinculada à Secretaria de Estado sem perfil nem vocação, segue a mesma
trilha. E a ação socioeducativa, agregada ao sistema prisional, apenas
encarcera a clientela juvenil para o sistema prisional dos maiores de idade.
Tanto é assim que a capacitação do quadro funcional é feita
pela Academia de Polícia ACADEPOL, da Polícia Civil de Santa Catarina, o que
desvirtua conteúdos e, principalmente quanto aos monitores, formação,
tornando-os agentes de repressão e não de socialização.
O distanciamento entre a direção da instituição e os
adolescentes chancelam a violência e a ausência de projetos pedagógicos. Os
Técnicos, funcionários administrativos e monitores, manifestam medo dos
adolescentes, o que contribui para o reiterado uso de algemas, marca-passo e
constância de isolamento celular;
Necessário lembrar que o SINASE preceitua, com clareza,
que a segurança deve ser conduzida no entorno, e é dever da polícia militar;
mas que no interior das unidades a prioridade é a interface socializadora e
educativa. Ao revés, no CER São Lucas os internos são seguem sendo
submetidos ao isolamento constante nos cubículos, sob chave, para prevenir
fugas, obsessão popular, midiática e funcional, colidindo e desvirtuando da
política de segurança.
É que os monitores se colocam como titulares da tarefa
disciplinadora; a punição padrão é a tal "medida de quarto", a definição de faltas
é casual e a punição não obedece norma regimental, nem o direito à defesa ou
à prévia definição normativa, tudo em prol da prevalência do arbítrio e da
desumanidade na disciplina. Assim, no espaço cercado pelos muros, fora do
olhar da vizinhança, porretes, cacetetes, sprays de pimenta, máquinas de
choque, espancamentos, vexames, fome, frio, sujeira, algemas, falta de sol,
nudez coletiva, segregação, formas diferentes de fazer o que já fizeram os
inquisidores, os feitores de escravos, os torturadores da ditadura militar,
privação de dignidade, tratamento desumano e cruel.
Na reunião realizada dia 30 de março deste ano, o diretor
Itamar Bressan Benini comunicou a decisão de instalar uma gestão colegiada,
formada por quatro profissionais técnicas (psicóloga, psicopedagoga, duas
assistentes sociais) e que realizariam estudo e diagnóstico para futura
indicação.
Os boatos de corredor referiam dois nomes especialmente
rejeitados pelos internos: os monitores VENÍCIO MACHADO PEREIRA NETO
e/ou Sandro, ambos mencionados como violentos e abusadores pela população
adolescente.
O Diretor do DJUC, Itamar Bressan Benini, garantiu tanto a
Vossa Excelência quanto à Promotora da Infância de São José, Dra. Leda
Hermann,que os boatos eram falsos, sendo que no dia seguinte, ficou
assegurado ao Poder Judiciário e ao Ministério Público desta comarca que a
gerência não seria ocupada pelos cogitados monitores.
E mesmo assim, o novo Secretário de Estado da Segurança
Pública e Defesa do Cidadão, Delegado André Ricardo da Silveira Neto,
nomeou para a gerência da unidade justamente o temido monitor VENICIO
MACHADO PEREIRA NETO, que acabou empossado em 13 de abril de 2010.
Não resta dúvida a respeito do menoscabo à clientela da
instituição tanto quanto ao Judiciário e ao Ministério Público e os próprios co-
gestores, Secretário Executivo de Justiça e Cidadania, Sr. Justiniano Pedroso,
Diretor do DJUC, Itamar Bressan Benini, sem falar da equipe de transição,
técnicos e servidores da casa.
O contumaz desrespeito aos adolescentes prevaleceu com a
simples nomeação deste novo gerente.
A situação caótica ensejou a visita e a inspeção ocorrida no
dia 22 de abril, realizada pelo Poder Judiciário, por intermédio dos Juízes
Corregedor Geral de Justiça e deste Juízo da Infância de São José. E qual foi a
constatação: o gerente não estava presente; os adolescentes estavam
trancafiados nos cubículos e alguns dos internos apresentavam lesões
corporais visíveis a olho nú. Em suma, a violação reiterada dos direitos
humanos, que ainda não havia sido de todo afastada do CER São Lucas,
recrudesceu.
O saldo positivo que deve ser urgentemente honrado foi a
confiança amealhada junto à clientela. Toda a caminhada jurídica de reação e
visibilidade dos maus tratos e do arbítrio dos monitores foi trilhada a partir de
iniciativas inéditas de adolescentes em noticiar abusos, permitindo assim a
atuação do Ministério Público e do Judiciário.
Homens do governo estadual, portanto servidores da
sociedade ocupantes de cargos públicos, omitiram-se, enquanto gestores;
diante da crueldade e preferiram a imprensa que ao explorar o medo urbano da
violência que atormenta a sociedade, pode lhes garantir o prestígio pela
maquiagem da eficiência carcerária obtida às custas da violação de direitos e do
extermínio das civilidades.
Agora, segundo consta dos autos, os adolescentes voltaram
às mãos arbitrárias de um servidor de quem aprenderam a temer quando de
suas passagens pelo sistema. Um inimigo, pois o Gerente do estabelecimento
é, para eles, o cara que bate, que "dá medida" (tranca nos cubículos), que os
trancafia 24h por dia nos cubículos, que não conhece seus direitos legais, nem
o SINASE, nem a Constituição.
Tanto que, em termos de segurança, fala-se em "construir
uma guarita nos fundos"; que vai aos jornais mostrar o sucateamento da casa,
mas esquece de dizer que a verba pública é manejada somente nas instâncias
superiores de gestão, nem um centavo chega à gestão de ponta, e que permite
a exposição da imagem, inclusive o rosto, dos meninos em jornais
sensacionalistas da região, em irreverente prática de crime e de atos de
improbidade na medida em que não cumprem princípios e leis. E o Secretário
de Estado? Ordenando "fuga zero"! A que preço? E o Secretário Executivo?
Silente omissão. E o Diretor do Departamento de Justiça e Cidadania?
Desautorizado e submisso.
O CER São Lucas pode mesmo ser compreendido como o
ícone de um sistema estadual e que ao ser investigado, como acabou sendo
possível a partir da iniciativa deste ínclito juízo, permitiu reconhecer-se toda a
sorte de barbáries chancelada pelo próprio sistema estatal, seja por inépcia, por
ignorância, por preconceito ou por submissão à mídia demonizadora, que
estigmatiza a clientela juvenil, autoridades exercentes de cargos públicos e com
mandatos eleitorais decidiram dar ao encarceramento de jovens, na sofisticação
da invisibilidade planejada, um verdadeiro regime de exceção, pois atrás dos
muros, tinham certeza do desaparecimento da Constituição. Tinham e têm
certeza da desintegração da lei. Os muros facultam a desumanidade entre
humanos."
Derradeiramente, ressalto que, desde que aqui cheguei, a
situação do CER – São Lucas somente piorou. Cheguei aqui em São José num
momento em que a ex-gerente Margareti Sandrini, Pedagoga, idealista e
lutadora, ainda que solitária, carregava consigo forças para lutar contra tudo e
contra todos na esperança de ver implementadas as regras estabelecidas pelo
ECA e pelo SINASE para o cumprimento das medidas socioeducativas. Parte
deste intento encontra-se consubstanciado nos pedidos de providências por ela
postulado junto ao DEJUC, encartados às fls. 186/231.
A cada dia que passava, novos boicotes iam surgindo para
que seu ideal não se tornasse realidade.... era a mídia a proferir que aquele
local não era um "educandário" e que aos "bandidos" somente cabia a punição.
Aliás, não se viu nenhuma indignação da imprensa quanto aos maus-tratos
perpetrados aos adolescentes no interior do CER – São Lucas, nem mesmo
quando um dos Monitores que fora afastado de suas funções, se dirige a um
dos jornais de grande circulação estadual e, publicamente confessa a prática de
agressões e torturas.
Estranhamente, a esta barbárie a nossa imprensa não se
insurgiu. Imprensa esta de quem gostaríamos de contar como grande parceira
na mobilização da opinião pública, em especial no sentido da indispensável
participação dos diversos segmentos da sociedade para a luta por uma
efetivação da elevação das crianças e adolescentes como sujeitos de direito,
mas não, essa imprensa apenas cuida da demonização do adolescente
enquanto sujeito. É indispensável que a imprensa faça uma discussão
aprofundada e contínua com a população em geral, por meio dos diversos
segmentos organizados, o que favorecerá a construção de uma sociedade
mais tolerante e inclusiva, tendo em vista que sobre esses adolescentes recai
parte da hostilidade e do clamor por maior repressão, o que tem gerado
campanhas de incitação de desrespeito a princípios e direitos constitucionais
atribuídos a esse público. (SINASE p. 31).
A equipe técnica e a equipe de Monitores, salvo exceções
que encontramos, na sua grande maioria, acostumados, formados, formatados
e adeptos da cultura da extinta situação irregular, não concordava com a forma
respeitosa com que a referida Gerente dispensava aos adolescentes. Os
boicotes eram dos mais variados.... facilitação de fugas, torturas das mais
diversas espécies, que geralmente ocorriam na calada da noite, quando esta já
não mais se fazia presente. Barbáries essas que só puderam ser investigadas
quando alguns adolescentes resolveram revelar. Sabe-se que ocorreram num
número bem maior do que as que estão sendo investigadas, mas, alguns dos
adolescentes que foram agredidos, por medo à represálias, quedaram-se
silentes.
Também não poderia deixar de registrar todo o descaso da
Secretaria de Segurança Pública, órgão estadual a quem o CER São Lucas
encontra-se vinculado, seja através da omissão no sentido de tomar as devidas
providências que lhe competia, ainda mais quando ela própria produz os
relatórios de fls. 20/67, não só isso, pois a antiga gerente, consoante se vê dos
ofícios encartados a estes autos, por diversas vezes solicitava que fossem
tomadas providências, seja de ordem material, seja de ordem de recursos
humanos. Nada foi feito. O descaso foi total fazendo que o CER São Lucas
passasse de um centro de cumprimento de medida socioeducativa de
internação a um promotor e produtor tão somente de bárbarie.
Um órgão gestor que reclama da interferência do Ministério
Público, conforme colhe-se do seguinte relato: "Outra questão apontada pela
equipe técnica do Cer. é a interferência da promotora de São José, Sra.
Leda, a qual dá suporte à maioria das ações da gerente. O Sr. Itamar afirma
que a gerente recorre a esta Promotora em variadas circunstâncias para
obter o seu apoio e justificar suas ações, quando deveria buscar suporto
no próprio DJUC, pois a execução de medida socioeducativa é
competência do Estado. Assim, o Sr. Itamar explicou que é preciso definir
as competências de cada órgão, pois está ocorrendo um empoderamento
do Ministério Público em questões que não são de sua responsabilidade."
(f.49), mas que nada fez!
Por muito tempo se esperou que o órgão estadual gestor da
unidade tomasse as providências cabíveis, contudo a omissão prevaleceu, por
esta razão, não restou a este Juízo outra opção, senão tomar as providências
que adiante seguirão, não só na qualidade de órgão fiscalizador da unidade,
mas, sobretudo na qualidade de garante dos direitos conferidos aos
adolescentes, que, segundo nossa carta cidadã, SÃO DE PRIORIDADE
ABSOLUTA!
1.0 - Dos Fundamentos legais para o cumprimento e
execução das medidas socioeducativas
A Constituição Federal, em seu art. 227, estabelece que "É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão." (grifo meu)
Da norma acima, extrai-se que a Constituição Federal
preconiza que, as questões relativas à criança e ao adolescente terão absoluta
prioridade sobre as demais. Instituiu, ainda, uma co-responsabilidade entre a
família, a sociedade e o Estado para assegurar e garantir os direitos
fundamentais às crianças e adolescentes.
A Lei nº 8.069/90, ao instituir o Estatuto da Criança e do
Adolescente, introduziu consigo um novo paradigma, ao estabelecer como
fundamento a Doutrina da Proteção Integral, contrapondo-se ao velho
paradigma da situação irregular que sustentava o Código de Menores – Lei
nº6.697/79. O ECA, no plano legal, tem como uma dos principais fundamentos,
a opção da inclusão social do adolescente em conflito com a Lei, tratando-o,
agora como sujeito de direito e, não, como um mero objeto de intervenção
preconizado pelo extinto Código de Menores.
O Estatuto da Criança e do Adolescente expressa direitos da
população infanto-juvenil brasileira, pois afirma o valor intrínseco da criança e
do adolescente como ser humano, a necessidade de especial respeito à sua
condição de pessoa em desenvolvimento, o valor prospectivo da infância e
adolescência como portadoras de continuidade do seu povo e o reconhecimento
da sua situação de vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes
merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do
Estado; devendo este atuar mediante políticas públicas e sociais na promoção e
defesa de seus direitos. (SINASE – Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, p. 15).
Em respeito a esse novo paradigma instituído pelo ECA, foi
que surgiu o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, um
verdadeiro norte no que concerne à forma de como devem ser executadas as
medidas socioeducativas em todo o território Nacional. Esse valioso instrumento
surgiu orientado a nível nacional pela Constituição Federal e pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente e, a nível internacional em atendimento às normativas
das quais o Brasil é signatário, quais sejam, Convenção da ONU sobre os
Direitos da Criança, Sistema Global e Sistema Interamericano dos Direitos
Humanos: Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça
Juvenil – Regras de Beijing – Regras Mínimas das Nações Unidas para a
proteção dos Jovens Privados de Liberdade.
Ainda acerca da importância do SINASE como instrumento
para a execução da medida socioeducativa, importante transcrever parte do
Discurso proferido no evento de inauguração do Centro Sócio-educativo de
Cariacica (ES), em 12 de maio de 2009, pelo secretário-adjunto da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR),
Rogério Sottil, trazido pelo Ministério Público em sua manifestação:
(...) O ano de 2006 tornou-se um marco histórico para os
direitos humanos e para a proteção dos direitos dos adolescentes na sociedade
brasileira. Naquele ano, o Governo Federal instituiu o SINASE – Sistema
Nacional de Atendimento Sócio-Educativo. Construção de muitas mãos e
mentes comprometidas, o SINASE significou uma importante transformação no
modo de tratar os direitos dos adolescentes brasileiros que pelos motivos mais
variados se encontram em situação de conflito com a lei. Refletindo o modelo
humanista do Estatuto da Criança e do Adolescente, e inspirado ainda pelos
compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil, o SINASE propõe,
antes de tudo, um novo modo de olhar nossos jovens. Um olhar que tem nos
direitos humanos o centro de sua intervenção. Ao contrário de "menores", eles
passam a ser devidamente reconhecidos como sujeitos de direito, isto é: como
atores que recriam a realidade e que têm o devido direito de serem ouvidos e de
exigir de todos – Estado e sociedade – respeito, dignidade e participação social
em caráter prioritário. As ações do programa "Medida Certa" incluem, entre
outras iniciativas, a construção, reforma e equipagem das unidades de
internação – substituindo o antigo modelo prisional por um novo arquitetônico
alinhado com o propósito pedagógico da medida sócio-educativa, que jamais
deve ser confundida com uma pena . Prevêem, ainda, a expansão do número
de ações em meio aberto nos municípios a partir de 50 mil habitantes, bem
como apoio às defensorias e redes de defesa legal dos adolescentes, entre
outras iniciativas. Desde 2006, quando o SINASE foi aprovado, 54 unidades de
atendimento sócio-educativas já foram adaptadas aos novos padrões do
sistema, adaptações estas que foram garantidas com recursos do governo
federal da ordem de R$ 70 milhões de reais. Entre estas, 29 são unidades
novas, construídas inteiramente a partir do modelo SINASE.
Com a implantação da Agenda Social, o objetivo é que mais
23 unidades sejam construídas e outras 20 sejam adaptadas até 2010,
implicando um aporte extra de mais 199 milhões de reais do Governo Federal –
um orçamento jamais investido por nosso país nesta área. No total, de 2006 a
2010, 97 edificações próprias para os fins almejados pelo sistema sócio-
educativo, com dignidade e respeito aos jovens, terão sido edificadas. Um
marco para afirmação dos direitos humanos dos adolescentes brasileiros. Nos
últimos três anos, temos realizado frutíferas parcerias com o Espírito Santo, o
que já implicou, ao longo deste período, o repasse de recursos da ordem de R$
6 milhões para o Estado. Temos hoje, aqui no Espírito Santo, 8 municípios com
financiamento para a execução das ações em meio aberto. (...) Em primeiro
lugar, é preciso levar à sociedade a mensagem de que a opção pela medida de
privação de liberdade deve constituir-se uma excepcionalidade, e não a regra
para o tratamento das situações nas quais jovens entram em conflito com a lei.
Devemos trabalhar, ainda, para que dentro de instalações físicas adequadas,
como esta que inauguramos agora, o processo de sócio-educação efetivamente
se concretize, e para que o princípio da brevidade seja o fundamento do
processo garantidor dos direitos dos adolescentes. Devemos ter sempre a
consciência de que o encarceramento, por si só, traduz apenas o caráter
retributivo, ou vingativo, da pena. Este não é o objetivo de uma medida
sócioeducativa. Medida sócio-educativa, repito, não é e jamais deverá ser
considerada uma pena. A liberdade não se aprende pelo encarceramento.
Assim, a privação desta liberdade, quando imprescindível, deve constituir-se em
pequeno recorte na trajetória do adolescente. Um tempo breve" . "
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, em
seu art. 3º, preconiza que "A criança e o adolescente gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade." No art. 5º, assegura que "Nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais."
No seu art. 15, garante que "A criança e o adolescente têm direito à
liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo
de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituição e nas leis."
O SINASE, ao tratar da incolumidade, integridade física e
segurança, refere que "A figura central na garantia do direito à segurança e
à integridade física e mental do adolescente privado de liberdade é o
Poder Público, que tem a responsabilidade de adotar todas as medidas
para que de fato tais garantias sejam respeitadas. Esse dever do Poder
Público decorre, também, da própria responsabilidade objetiva do Estado,
isto é, o dever de reparar qualquer dano causado ao adolescente sob sua
custódia.
Incolumidade, integridade física e segurança abrangem
aspectos variados e alguns exemplos podem ser extraídos dos artigos 94
e 124 do ECA, que impõem às entidades garantir aos adolescentes o
direito a instalações físicas em condições adequadas de acessibilidade
(Lei nº 10.098, de 19/12/2000), habitabilidade, higiene, salubridade e
segurança, vestuário e alimentação suficientes e adequadas à faixa etária
dos adolescentes e cuidados médicos, odontológicos, farmacêuticos e
saúde mental." (p. 28).
Traçadas as linhas legais gerais, aqui o recorte que nos
interesssa é no que concerne aos princípios e marcos legais estabelecidos em
nosso ordenamento jurídico para o atendimento socioeducativo, em especial a
forma estabelecida para o cumprimento e execução das medidas
socioeducativas de internação, que nesta comarca são executadas pelo CER –
São Lucas.
Assim, passo a destacar, separadamente as ferramentas
legais para o cumprimento e execução das medidas socioeducativas, e os
respectivos fatos nestes autos apurados:
1.1- Da responsabilidade pela fiscalização pela
Autoridade Judiciária do centro de cumprimento de medidas
socioeducativas;
Os fatos antes descritos, os que seguirão adiante nesta
decisão e os demais narrados à exordial, não só na esfera penal, devem,
também, obrigatoriamente ser apurados na via administrativa própria e perante
esta unidade jurisdicional, pois, consoante o art. 148 e seu inciso V, do ECA, "A
Justiça da Infância e da Juventude é competente para: (...) V- conhecer de
ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento,
aplicando as medidas cabíveis;"
Já, o art. 191 e seu parágrafo único, da Lei 8.069/90 dispõe
que:
"O procedimento de apuração de irregularidades em
entidade governamental e não governamental terá início mediante portaria
da autoridade judiciária ou representação do Ministério Público ou
Conselho Tutelar, onde conste, necessariamente, resumo dos fatos.
Parágrafo único. Havendo motivo grave, poderá a
autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar liminarmente o
afastamento provisório do dirigente da entidade, mediante decisão
fundamentada."
Ainda que não fosse a norma legal acima positivada acerca
do dever de fiscalização por parte deste Juízo da Infância e da Juventude,
incumbe ao Magistrado, no exercício do controle difuso da legalidade e da
moralidade dos atos administrativos referentes à Administração Pública, zelar
não só pelo bom nome da instituição, mas, precipuamente, no caso em tela pela
segurança e integridade dos adolescentes internos, pois, a mão do Estado que
tem o dever de assegurar-lhes a integridade, não pode ser a mão que bate,
que barbariza, que tortura e que os submete à condições desumanas.
Há que se ressaltar que, no cumprimento de uma medida
socioeducativa como a executada no CER – Centro Educacional São Lucas, o
que pode acontecer de mais grave ao adolescente é a restrição de sua
liberdade, ou em outras palavras sua internação que em muito se assemelha à
prisão e, - quase que desnecessário anotar-, por muito óbvio que, nada mais
além disso.
1.2-) Das normas e diretrizes para o atendimento
socioeducativo e das irregularidades encontradas na aplicação e execução
das medidas socioeducativas realizadas pelo CER – São Lucas:
Entidades como o CER – Centro Educacional São Lucas,
segundo o art. 94, do ECA, tem obrigações, como pode se ver:
Art. 94. As entidades que desenvolvem programas de
internação têm as seguintes obrigações, entre outras:
I - observar os direitos e garantias de que são titulares
os adolescentes;
II - não restringir nenhum direito que não tenha sido
objeto de restrição na decisão de internação;
III - oferecer atendimento personalizado, em pequenas
unidades e grupos reduzidos;
IV - preservar a identidade e oferecer ambiente de
respeito e dignidade ao adolescente;
V - diligenciar no sentido do restabelecimento e da
preservação dos vínculos familiares;
VI - comunicar à autoridade judiciária, periodicamente,
os casos em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos
vínculos familiares;
VII - oferecer instalações físicas em condições
adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os
objetos necessários à higiene pessoal;
VIII - oferecer vestuário e alimentação suficientes e
adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos;
IX - oferecer cuidados médicos, psicológicos,
odontológicos e farmacêuticos;
X - propiciar escolarização e profissionalização;
XI - propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer;
XII - propiciar assistência religiosa àqueles que
desejarem, de acordo com suas crenças;
XIII - proceder a estudo social e pessoal de cada caso;
XIV - reavaliar periodicamente cada caso, com intervalo
máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à autoridade
competente;
XV - informar, periodicamente, o adolescente internado
sobre sua situação processual;
XVI - comunicar às autoridades competentes todos os
casos de adolescentes portadores de moléstias infecto-contagiosas;
XVII - fornecer comprovante de depósito dos pertences
dos adolescentes;
XVIII - manter programas destinados ao apoio e
acompanhamento de egressos;
XIX - providenciar os documentos necessários ao
exercício da cidadania àqueles que não os tiverem;
XX - manter arquivo de anotações onde constem data e
circunstâncias do atendimento, nome do adolescente, seus pais ou
responsável, parentes, endereços, sexo, idade, acompanhamento da sua
formação, relação de seus pertences e demais dados que possibilitem sua
identificação e a individualização do atendimento.
Já, o art. 124, do ECA, estabelecendo um sistema de
garantias e direitos, assegura que "São direitos do adolescente privado de
liberdade, entre outros, os seguintes:
I- entrevistar-se pessoalmente com o representante
do Ministério Público;
II- peticionar diretamente a qualquer autoridade;
III- avistar-se reservadamente com seu defensor;
IV- ser informado de sua situação processual,
sempre que solicitada;
V- ser tratado com respeito e dignidade;
VI- permanecer internado na mesma localidade ou
naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII- receber visitas, ao menos, semanalmente;
VIII- corresponder-se com seus familiares e amigos;
IX- ter acesso aos objetos necessários à higiene e
asseio pessoal
X- habitar alojamento em condições adequadas de
higiene e salubridade;
XI- receber escolarização e profissionalização;
XII- realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;
XIII- ter acesso aos meios de comunicação social;
XIV- receber assistência religiosa, segundo a sua
crença, e desde que assim o deseje;
XV- manter a posse de seus objetos pessoais e dispor
de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles
porventura depositados em poder da entidade;
XVI- receber, quando de sua desinternação, os
documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade."
O SINASE, por sua vez estabelece que "Os programas de
execução de atendimento socioeducativo deverão ser articulados com os
demais serviços e programas que visem atender os direitos dos
adolescentes (saúde, defesa jurídica, trabalho, profissionalização,
escolarização etc). Dessa forma, as políticas sociais básicas, as políticas
de caráter universal, os serviços de assistência social e de proteção
devem estar articulados aos programas de execução das medidas
socioeducativas, visando assegurar aos adolescentes a proteção integral."
Dos autos, no que concerne à realidade encontrada no CER
São Lucas, seja pelo Departamento de Justiça e Cidadania, por este Juízo da
Vara da Infância e da Juventude em conjunto com a Corregedoria-Geral de
Justiça do Estado de Santa Catarina, ou, ainda, pela 28ª subseção local da
OAB/SC, constatou-se uma série de infringências e desrespeito aos
adolescentes lá internos, conforme seguem os trechos abaixo destacados:
Do Relatório Final do Levantamento da Atual Situação
do Centro Educacional Regional de São José (período de maio a
julho/2009) e as respectivas irregularidades na aplicação e execução das
medidas socioeducativas de internação, segundo regras preconizadas
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo SINASE.
Inicialmente ressalto que este Juízo somente obteve acesso
ao relatório acima mencionado, quando após participação de reunião realizada
na sede do DJUC – Departamento de Justiça e Cidadania, teve notícia acerca
da realização da intervenção, o que ensejou a requisição de cópia, consoante e-
mail encaminhado à f. 22.
De maio a julho de 2009, a Secretaria Executiva da Justiça e
Cidadania, através do DJUC – Departamento de Justiça e Cidadania, cria uma
comissão de intervenção, responsável pela elaboração do Plano de Intervenção
Institucional, que deveria ser o plano norteador das atividades que, da data
acima referida em diante, guiaria as ações positivas para melhora no
atendimento socioeducativo. Ele fora estabelecido, segundo relatório, "Em
razão dos últimos acontecimentos ocorridos no Centro Educacional de
São José, tais como: Relatório do Ministério Público, vistoria do Corpo de
Bombeiros, relatório do CEDCA, mobilização dos funcionários e últimas
notícias divulgadas na mídia, o Diretor do Departamento de Justiça e
Cidadania determinou que fosse criada uma comissão composta por
profissionais da assessoria técnica do departamento, com intuito de
acompanhar a rotina de trabalhos do centro e elaborar relatório apontando
possíveis problemas existentes e levantando possibilidades de melhoria
nos diversos setores da instituição." (fl. 23v.).
Após realizados os trabalhos, fora elaborado relatório
contendo diversas irregularidades, abaixo transcritas.
"A comissão questionou se há divisão entre os
adolescentes com internamento provisório dos adolescentes com medida
socioeducativa de internação. A gerente respondeu que já existiu, mas que
atualmente estão todos misturados pelos níveis, não existindo separação.
Também relatou que foi extinto o nível chamado triagem, local onde os
adolescentes ficavam somente nos quartos durante o cumprimento da
medida. (...) Verificou-se que o nível II possui as mesmas características
daquele chamado anteriormente de triagem, demonstrando certa
contradição na fala da gerente." (fl. 24).
"Um dos pontos de maior destaque foi a inexistência do
sigilo das informações que os profissionais registram no prontuário do
adolescente. De acordo com a equipe técnica, todos tem acesso a tal
documento, em virtude do mesmo não estar em local adequado e seguro."
(f. 24, v.).
"Houve participação de alguns técnicos na construção
do Regimento Interno, mas no que se refere às medidas disciplinares,
tanto equipe técnica como gerência encontraram muita resistência por
parte da monitoria, o que ocasionou um recuo nas discussões sobre o
tema temporariamente, deixando este tópico em aberto." (f. 24, verso).
"O grupo ouvido apresentou consenso no que diz
respeito à precariedade da construção e infra-estrutura do CER São Lucas,
como também afirmou ser frágil e deficitária a segurança interna e
externa." (f. 25).
"(...) entretanto ressaltaram qualidades da atual
gerência, como o fato de atualmente a instituição estar mais limpa e
organizada, e que a gerente é "muito esforçada e comprometida".
Comentaram, ainda, que a mesma até pode estar bem intencionada, mas
que pode não estar conseguindo um resultado por questões maiores.
Houve um comentário afirmando que "a realidade do CER está mudando e
a estrutura não está acompanhando esta mudança." (f. 25).
"Os monitores apresentaram descrédito, no primeiro
momento em relação à proposta de trabalho que foi apresentada,
demonstrando falta de credibilidade em ações que possam ser
desenvolvidas com o intuito de melhorar as relações de trabalho dentro do
Centro. (...) Outra fala que revelou consenso no grupo, foi que a monitoria
não existe para a Segurança Pública, pois acreditam que a Segurança
Pública considera somente os agentes prisionais como categoria, visto
que não tem acesso ao curso oferecido pela Secretaria Nacional de
Segurança Pública – SENASP; já solicitaram junto ao setor de capacitação
e até o presente momento não obtiveram nenhuma resposta. (f. 25, v.).
"Em relação aos encaminhamentos médicos e controle
de medicamentos dos adolescentes, responderam que isto é de
responsabilidade do setor de enfermagem e que é feito conforme
necessidade. Entretanto, não existe nenhum cuidado em relação às
doenças infecto-contagiosas. Também relataram a falta de materiais de
segurança e proteção, como luvas descartáveis." (f. 26).
"No que diz respeito às medidas de segurança
preventiva, respondera, que não existem regras pré-definidas de
segurança preventiva e nem padronização de procedimentos, bem como, o
espaço físico apresenta-se vulnerável, com telhas quebradas, furos nos
muros, falta de extintores de incêndio." (f. 26).
"Estes profissionais foram unânimes em afirmar que os
adolescentes apresentam 100% de freqüência escolar. Acreditam que esta
dedicação está diretamente relacionada à oportunidade de troca de níveis,
condicionada também ao bom desempenho escolar e a possibilidade de
estar num espaço diferente do seu nível.
Uma professora elogiou a parceria estabelecida com os
pedagogos e assistentes sociais do CER, afirmando que estes estão
sempre em contato com as professoras e que estas, muitas vezes,
identificam as necessidades de atendimento para estes setores e são
prontamente ouvidas em sua solicitação."
"(...) As professoras ministram as aulas sozinhas com os
adolescentes. A monitoria permanece na parte de fora, interferindo
somente quando solicitada. Com a gerência relatam ter um bom
relacionamento e apoio na execução de seu trabalho."
(...) "As professoras sentem-se satisfeitas com os
resultados de seu trabalho quanto à alfabetização e evolução dos
adolescentes no contexto escolar." (f. 27).
"No tocante ao comportamento dos adolescentes em
sala de aula afirmaram que nunca foram desrespeitadas pelos
adolescentes, e que eles estabelecem relação de respeito e identificação
com elas. Sentem-se seguras em seu local de trabalho." (f.27, v.).
"A comissão de intervenção iniciou seus trabalhos com
o nivel II, que conta atualmente com catorze adolescentes internos e de
acordo com a orientação da monitoria do nível, dividiu-se o grupo de
adolescentes para a entrevista, em dois momentos distintos. (...) Este nível
apresenta características de triagem (alojamento onde os adolescentes
ficam a maior parte do tempo trancados nos quartos), devido à dinâmica
estabelecida com os adolescentes.
"(...) Os adolescentes afirmaram que estão cumprindo a
medida neste nível porque retornaram de fuga, ou por "castigo".
Acreditam ser este o critério para permanecerem fechados nos quartos a
maior parte do tempo. Saem apenas para freqüentar as aulas e fazer
higiene pessoal, inclusive as refeições são feitas nos quartos. Afirmaram
ainda que não tem direito a banho de sol. Relatam que, no retorno da fuga,
ficam quinze dias sem receber visita dos familiares, também como forma
de punição."
"(...) Sentem-se "abandonados" no nível, dizem que as
vezes solicitam falar com a gerência e que esta também não os atende.
Percebemos que este nível, apesar de ter mudado de
nomenclatura, continua funcionando como triagem, onde os adolescentes
permanecem em um sistema de contenção, ou por faltas disciplinares que
cometeram nos níveis em que estavam, ou por retorno de fuga, podendo
ainda ser aplicada como período inicial na instituição, onde permanecem
em "observação"." (f. 27 v.).
"Com relação à monitoria, os adolescentes comentaram
que existem monitores "tranqüilos", mas que a maioria é rude na forma de
tratamento. Alegam que não é freqüente, mas já viram adolescentes serem
agredidos por monitores. Os adolescentes deste nível reclamaram que não
tem direito a banho de sol, e aproveitaram a visita da comissão para
solicitar ajuda nesse sentido. (fls. 27v. e 28).
Um adolescente comentou que seu advogado foi visitá-
lo e que foi impedido de entrar, e a maioria afirmou não ter conhecimento a
respeito de seu processo." (f.28).
"Quanto às medidas disciplinares, os adolescentes,
cumprem medida de quarto onde permanecem fechados por alguns dias."
(f.28).
"Com relação à estrutura física foram constatadas
muitas situações emergentes. O centro apresenta problemas com o
tratamento de esgoto, em alguns níveis a fossa séptica estava
transbordando apresentando mau cheiro, assim como muitos banheiros
do CER apresentavam entupimentos. (...) A iluminação das salas de aula,
inclusive a sala de aula do nível II, é insatisfatória para a escolarização. As
instalações elétricas estão em péssimo estado, com fiações
desencapadas, e alguns equipamentos dos adolescentes (TV e DVD) sem
o plug, sendo acoplados todos no mesmo "T". Em alguns quartos, além
desta sobrecarga foram verificados vazamentos de água por baixo da
porta de ferro, sendo um fator de risco para a ocorrência de curto circuito
e descarga elétrica, tanto para os adolescentes como para os monitores.
(...) No nível agrícola, o mato está muito alto, comprometendo a segurança,
visto que a maioria dos adolescentes da instituição se evadem através
deste local. (...) Na cozinha(...) também foram identificadas instalações
elétricas irregulares. (f.29).
"Em relação à distribuição dos adolescentes no Centro,
constatou-se que não existe separação física entre CIP e CER, sendo que
os adolescentes estavam cumprindo internação provisória junto com os
adolescentes em medida de internação. Observou-se também que vários
adolescentes dividem quartos, sem estrutura para tanto, não por questão
de superlotação e sim porque existem quartos desativados que
apresentam problemas das mais variadas ordens." (f. 29).
"Os adolescentes do Nível II passam a maior parte do
tempo fechados nos quartos, sendo que alguns adolescentes permanecem
neste nível por trinta dias ou mais, com os horários de banho de sol
desrespeitado e em condições insalubres. Os adolescentes estão
desanimados, insatisfeitos e sem motivação, sentindo-se "abandonados"
e sem assistência." (f. 29).
"Durante o período de execução do trabalho não foi
presenciada nenhuma agressão aos adolescentes, entretanto os mesmos
deixaram transparecer que esta prática existe na instituição." (f. 29v.).
"Também foi possível observar incoerências na
aplicação das medidas disciplinares. Embora exista um documento
regulador das medidas disciplinares, este não é claro e nem utilizado na
prática. Na maioria das vezes, os monitores aplicam as medidas e
registram no relatório do nível.
(...) Quanto às faltas disciplinares aplicadas aos
adolescentes, o Regimento Interno afirma que Não haverá falta nem
sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.
Estas regras e normas, que deveriam regular a aplicação das medidas
disciplinares, não estão claras e bem definidas, tanto os monitores como
os adolescentes não tem conhecimento. A monitoria alega que as regras
são variáveis conforme a situação e, principalmente, o adolescente
envolvido. Com relação a este aspecto ainda, o regime coloca que São
vedadas sanções que impliquem em tratamento cruel, desumano e
degradante. Constatou-se adolescentes no nível II permanecendo a maior
parte do dia trancados, inclusive com as refeições feitas dentro dos
quartos. Os adolescentes deste nível afirmam não ter horário de banho de
sol respeitado e poucos atendimentos técnicos, o que sugere tratamento
desumano." (f. 30 v.).
"(...) Quanto à sanção por falta disciplinar, a duração de
sessenta dias, ou mesmo trinta dias de quarto, constitui-se punição
exagerada e nada pedagógica." (f. 30 v.).
"Constatou-se que alguns direitos não estão sendo
respeitados, tais como:
- A realização de atividades culturais, de lazer, e o
acesso a cursos profissionalizantes;
- -controle sobre os pertences dos adolescentes,
principalmente sobre objetos perfuro-cortantes,
ameaçando a segurança dos internos e dos
profissionais que os assistem;
- orientação sistemática sobre a situação processual e
acompanhamento do processo pelo advogado da
instituição;
- poucos atendimentos técnicos (psicologia e serviço
social);
- atendimento odontológico precário por falta de
materiais e apenas um profissional da área na
Instituição o qual, atualmente, está afastado para
tratamento de saúde.
A situação do adolescente em conflito com a lei não
restringe a aplicação do princípio constitucional de prioridade absoluta, de
modo que compete ao Estado, à sociedade e à família dedicar a máxima
atenção e cuidado a esse público, assim, todos os direitos garantidos pelo
ECA, ou seja, o direito à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à
dignidade, à convivência familiar e comunitária." (fls. 31 e 31 v.).
"3.9.8- Uso da força física:
Em relação a este quesito, somente 10% dos cinqüenta e
três monitores responderam que existem situações de maus tratos, sendo
que 35% responderam que utilizam a força física somente quando
necessário. Entretanto dos onze integrantes da equipe técnica 38%
responderam que existem situações de maus tratos e 30% que
desconhecem. 100% da equipe técnica respondeu que existem
adolescentes ameaçados em sua integridade física ou psicológica de
forma geral." (f.33).
"O CER São Lucas apresenta uma estrutura física
arcaica e deficiente, sofrendo ao longo do tempo algumas reformas e
modificações para ampliação do número de vagas. (...) A construção
permanece como foi idealizada na década de 70, quando era constituído
de duas unidades ( São Lucas e São Mhateus), os quais tinham como
objetivo abrigar crianças e adolescentes considerados em "situação
irregular". O sistema de esgoto permanece por longos períodos entupidos,
causando mau cheiro nos níveis e nos patios. As instalações elétricas
estão deterioradas, com fiações aparentes e iluminações inadequadas.
Existe uma sobrecarga de energia, devido à utilização de aparelhos de
som, tv, ventiladores, entre outros, utilizados nos quartos pelos
adolescentes internos. (...) Os equipamentos do Centro, tais como:
veículos, computadores e impressoras são antigos e insuficientes,
encontrando-se em estado precário." (f. 33 v.).
"O nivel II é intitulado por todo corpo funcional e
adolescente, como o nível do "castigo", onde os adolescentes
permanecem nos quartos praticamente 24hs, tendo como única atividade a
escolarização." (f. 33v.)
"Alguns adolescentes fizeram alusão ao abuso de poder
e maus tratos que recebem por parte de alguns monitores. Geralmente,
estas agressões são veladas e o segredo se instala, pois temem sofrerem
retaliações. O uso da violência, tanto física como psicológica denuncia a
ausência de política de inclusão social dos adolescentes em cumprimento
de medidas socioeducativas de privação de liberdade. Foram várias as
reclamações da falta de sigilo com relação aos registros referentes à
evolução da medida socioeducativa dos internos." (f. 34v.).
"Refletindo acerca da dinâmica institucional observada
no Centro Educacional de São José neste período, utilizando como
norteadores do nosso trabalho o Estatuto e o SINASE, a comissão de
intervenção concluiu que este Centro, através de seu corpo funcional,
necessita rever muitas de suas práticas pedagógicas, bem como receber
investimento de várias ordens." (f. 34v.)
DA ATA DA REUNIÃO COM EQUIPE TÉCNICA DO
CENTRO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ (SÃO LUCAS) realizada dia
24/03/2010, colhe-se:
"Após desabafo, o Sr. Itamar explicou que o DEJUC tem
a intenção de efetivar uma ação de reestruturação do Cer. São Lucas de
acordo com as normativas do Sinase e atender às recomendações do
relatório elaborado pela assessoria técnica após supervisão no Cer.,
dentre elas: a saída da atual gerente, atendimento psicológico para os
monitores, curso de relacionamento interpessoal para todos os
funcionários, a criação de coordenações técnica,
administrativa/operacional e de monitoria, além de implantação e
implementação do Sipia/Sinase." (f. 48v.).
"Quanto às faltas administrativas, o Sr. Itamar falou que
serão instauradas sindicâncias e os problemas estruturais da unidade
serão resolvidos pelo diretor em conjunto com o Sr. Muller com o intuito
de promover algumas melhorias possíveis no prédio do atual Cer. São
Lucas." (f. 49).
DO RELATÓRIO TÉCNICO DO CENTRO EDUCACIONAL
REGIONAL SÃO LUCAS/ SÃO JOSÉ elaborado pela equipe de transição
nomeada pelo DJUC – Departamento de Justiça e Cidadania referente ao
período de 05 a 13 de abril de 2010-06-09, colhe-se:
"O setor de enfermaria possui remédios em prateleiras
sem chave, contendo somente relaxante muscular e antiinflamatório. São
responsáveis por este setor dois profissionais técnicos de enfermagem
efetivos. O serviço odontológico encontra-se inexistente. Não obtivemos
informações precisas acerca do profissional e o consultório odontológico
foi fechado pela vigilância sanitária." (f. 54).
"Os professores apresentam dificuldades de reprodução
do material para os adolescentes. O material didático é escasso limitando-
se apenas a utilização do quadro negro e giz." (f.54).
"A iluminação da quadra é insuficiente. As redes estão
rasgadas. Existe somente uma bola de futebol de salão, uma de voleibol e
três de basquete. Não existe rede para jogar voleibol. A pintura da quadra
está apagada. Os vestiários encontram-se um sem condições de uso e o
outro serve como depósito para guardar os materiais de educação física."
(f54).
"Identificaram-se várias salas onde funcionava as
atividades pedagógicas e profissionalizantes abandonadas e ou sendo
utilizadas como nível sem condições para tal." (f.55)
"Encontramos três alas inutilizadas, duas por falta de
condições físicas denominadas ultimamente como "agrícola" e "nível I" e
uma inacabada, necessitando somente de acabamento para utilização."
(f.55).
"Nível III: (...) Todos cumpriam medida coletiva de doze
dias de quarto, por tentativa de evasão coletiva, determinada pelos
agentes de plantão do dia." (f. 56).
"Nivel III: (...) Nesse período do cumprimento da medida
de quarto os adolescentes não estavam freqüentando as aulas, como
também não estavam recebendo visitas de seus familiares, por
determinação dos agentes de segurança socioeducativos de plantão, no
dia em que foi dada a medida." (f. 56).
"Nivel VI: Nesse nível não existia quarto individual,
somente um coletivo com capacidade para oito adolescentes sendo que
no momento da visita atendia seis adolescentes, pois um dos beliches
estava quebrado." (f.56).
"Nível II: (...) O nível apresentava corredores e quartos
sujos, com pintura deteriorada, paredes internas riscadas com buracos,
banheiros e ralos do chuveiro entupidos. O mau cheiro predominava o
ambiente. Nos corredores estavam espalhados os pertences dos
adolescentes que haviam se evadido." (f.57).
"Nível IV: (...) Apresentava problemas quanto à
iluminação interna, dois quartos, um dos corredores estavam inutilizados
com buracos e vasos sanitários entupidos e com vazamentos.
Encontramos um quarto onde havia três colchões, onde havia sido
permitido, pelo plantão anterior, que dois adolescentes permanecessem
juntos sem justificativa. Os adolescentes reclamavam que não tem direito
ao pátio. A rouparia dos adolescentes que se evadiram estavam no
corredor. (...) Existiam somente dois chuveiros. Ao questionar-se o porquê
de não estar ligado na tomada, informou-se que os chuveiros não
possuem resistência, assim como nos outros níveis." (f. 57).
"Nivel V: O espaço que deveria ser considerado de
convivência protetiva, que no linguajar institucional é chamado de
"seguro", atendia quinze adolescentes divididos em três corredores de
cinco quartos.
"Nivel V:Observou-se quatro adolescentes tomando
banho de sol no campo, sem manutenção, agrupados em pares utilizando
algemas e marca passo. " (f. 58)
"Nivel V:Os adolescentes desse nível não estavam
recebendo atendimento pela equipe técnica aproximadamente dois meses.
Os agentes de plantão alegaram falta de segurança para o deslocamento
dos adolescentes até as salas técnicas." (f.58).
"Nivel V:Os adolescentes fazem as refeições no nível,
com a utilização de colheres de plástico." (f.58).
"Nivel V:Apresentava três adolescentes que
permanecem período integral nos quartos." (f.58).
"Nivel V: A escolarização é realizada no nível sendo que
naquela semana os adolescentes não estavam tendo aula, os agentes de
plantão não conseguiram explicar o porquê." (f.58).
"Nivel V: No segundo dia após as evasões dos
adolescentes, solicitou-se os pertences dos adolescentes evadidos e os
agentes de segurança socioeducativo de plantão daqueles níveis,
disseram não saber o destino que se deu aos pertences." (f.58).
"Identificou-se um Centro Educacional com estruturas
precárias e apresentando condições desumanas habitacionais e
problemas de gestão. Com profissionais demonstrando baixa auto estima
e dificuldade de definição e execução de seus papéis." (f.58)
"Em contradição ao art. 123 da Lei federal 8069/90, os
adolescentes eram divididos nos níveis sem critérios definidos, salvo
critérios definidos pela gerência." (f.59)
"Encontrou-se agentes de segurança socioeducativa em
grande maioria resistente à mudança, com atitudes carcerárias e
violadoras de direitos." (f. 59).
"Percebeu-se ainda dificuldade de relacionamento, de
entendimento da legislação, discordância de posturas entre os agentes,
falta de comprometimento com o trabalho, apresentando fragilidades em
lidar com algumas situações problemas, vivenciadas com os internos,
sendo que o destaque era a preocupação com a segurança, deles, não dos
adolescentes.""(f.59).
"O centro possui carência dos mais diversos materiais.
De ordem de expediente, de limpeza, de enfermagem e de patrimônio." (f.
59).
"Refletindo acerca da prática adotada no centro,
identificamos que a escolarização é muito precária e pouco atraente aos
olhos dos adolescentes, que pelas próprias características da idade,
exigem maior investimento de recurso, audiovisual e de professores com
capacidade para atenderem a demanda, além de moldar o conteúdo de
acordo com a faixa etária, realidade e interesse, extraído do aluno
observando o que ele tem de conhecimento, ouvindo-o e levando-o a
novas descobertas, fortalecendo e aumentando suas possibilidades de
escolhas. (f.60)
"Portanto, percebeu-se que o Centro Educacional São
Lucas, hoje, caracteriza-se simplesmente como centro de contenção, e
que diverge em aspectos físicos e pedagógicos do relatório de
intervenção, realizado." (f. 60)
DO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO REALIZADA em
22/04/201, PELA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA,
COORDENADORIA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E VARA DA INFÊNCIA
E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SÃO JOSÉ colhe-se:
"Em visita ao estabelecimento, verificou-se que as alas
são distribuídas em 06 níveis, separados com corredores com sete (07)
celas, onde os adolescentes são recolhidos em dupla, 14 por corredor,
com efetivo todos masculino de 65 adolescentes, sendo que estes
permanecem absolutamente reclusos e ociosos, com permissão de saída
para um banho por dia e banho de sol de alguns minutos, a refeição é
fornecida na própria cela." (f. 71).
"Nos níveis três (03) a cinco (05) encontram-se os
adolescentes que estão em regime fechado, sem permissão de sair de
suas celas, por medida administrativa, ou seja, não determinação judicial
que justifique a reclusão. Há neste nível adolescentes que estão há um
ano nesse sistema e o contato é restrito ao companheiro de quarto e
eventualmente com os demais do mesmo corredor." (f.71)
"Havia, no nível 05, seis (06) adolescentes que estavam
na ala de isolamento denominada "seguro", sendo quatro provenientes da
comarca da Capital, 01 de Blumenau e 01 de Criciúma, em cela de 02
metros quadrados, totalmente isolados. Um adolescente relatou ao MM
Juiz Coordenador que sofrera agressões físicas praticadas por monitores
da instituição, mostrando as marcas na face e nas costas, conforme
fotografia em anexo." (f.71)
"São mais de sessenta adolescentes, entre 14 e 20 anos,
completamente reclusos, ociosos, pois não existe curso profissionalizante
e outras atividades pedagógicas." (f.71). "Indagado, o administrador
substituto (o nomeado não se encontrava no local) informou que os
menores recebem aulas regulamentares dentro do Centro. Apesar disso,
constatou-se que a sala destinada as aulas não apresentava sinais de
estar em funcionamento, pois as cadeiras estavam recuadas e não havia
cartaz ou outro sinal indicativo que estivesse em funcionamento." (f.72)
"De acordo com o relato dos adolescentes e a conclusão
da equipe técnica de intervenção (doc. em anexo), constatou-se que os
menores estão expostos a todo tipo de agressão moral, psicológica e até
mesmo física. Segundo relataram os adolescentes, são maltratados e
desrespeitados pelos monitores e alguns deles praticam agressões
físicas."(f.72)
"Foi informado que os adolescentes são atendidos por
médico de acordo com a necessidade. Não há atendimento odontológico.
Foi encontrado na cela do "seguro" no nível V, um adolescente que se
identificou como J.ªS, que estava com o braço quebrado. Este informou
que sofreu agressão física no PLIAT, e estava naquele nível há mais de 30
dias, sem tratamento médico, pois tem crises de convulsão, é viciado em
crack e está em abstinência." (f.72)
"O estabelecimento não possui setor jurídico, tampouco
advogado." (f.73)
"A administração confecciona apenas o relatório da
situação do adolescente. Os adolescentes reclamaram que não são
informados a respeito dos seus processos e da medida a cumprir.
Verificou-se que não há controle efetivo da medida. O pedido mais
solicitado pelos adolescentes consiste em serem informados por quanto
tempo deverão permanecer internados"(f.73)
"Verificou-se que o espaço físico externo está exposto a
total abandono (o campo de futebol está desativado, assim como a horta),
e a falta de segurança impede a utilização pelos adolescentes para a
prática de esportes, oficinas de trabalho, cultivo em horta e outros ofícios
de conotação socioeducativa, como prevê a medida de internação. (f.73).
" Da mesma forma, as dependências internas são
insalubres, devido ao péssimo estado de conservação em termos de
edificação, saneamento básico, distribuição de espaço. O banheiro
coletivo apresenta-se em péssimo estado de conservação, além da falta de
higiene: havia papel higiênico usado espalhado pelo chão; o vaso
sanitário estava sujo, apresentando total falta de higiene." (f.74)
"No interior das celas constatamos a existência de duas
garrafas pet com água, uma aparentava estar com urina, conforme
fotografia anexo." (f.74)
"Nos corredores das celas foram verificados
vazamentos de água por baixo da porta de ferro." (f.74)
"O sistema de atendimento verificado é sem dúvida
muito mais duro que o aplicado em penitenciárias de adultos." (f.74)
"Outro agravante é que em razão da natureza
estressante da atividade e a ausência de formação e de capacitação
profissional, na maioria das vezes, os monitores agem com violência, seja
física ou moral, já que o espaço físico apresenta-se vulnerável a evasões e
entradas de pessoas estranhas para resgate de adolescentes, conforme
relatado pelos monitores." (f. 74)
"A soma desses fatores impossibilita a perspectiva de
ressocialização ou cura dos internos, o internamento do modelo atual
produzirá efeito contrário, ou seja, os adolescentes retornarão à sociedade
totalmente desprovidos de princípios de cidadania, somando-se àqueles
que vivem na marginalidade e, como resposta, cometendo delitos de
proporções mais sérias e agressivas." (f.74).
"Por fim, observamos que as condições de atendimento
neste Centro Educacional ferem todos os princípios da Lei dos Direitos
Humanos e do preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente,
conforme retratam as fotografias em anexo." (f.74)
DO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO REALIZADA em
28/04/2010, PELA 28ª SUBSEÇÃO DA OAB/SC DA COMARCA DE SÃO
JOSÉ colhe-se:
"A precariedade e insalubridade de todo o complexo
estavam desnudas para quem quisesse contemplar. São péssimas as
condições: elétricas, sanitárias, ventilação, iluminação natural,
físicas/construção, bem como todo espaço aberto (terreno)." (f.165).
"Acrescenta-se que o espaço físico está quase
cinqüenta por cento subutilizado, comprimindo todos os internos, que
frisa-se, não estão separados por qualquer forma de seleção (idade,
periculosidade, porte físico, etc), o que afronta o art. 123 do Estatuto da
Criança e do Adolescente." (f. 165)
" Não há atividades profissionalizantes, artesanais,
culturais, esportivas, etc... Nesse diapasão, pergunta-se então: como
ressocializar estes internos?? Discorrendo... Há sala de informática,
entretanto não presenciamos seu uiso. Levando-se em consideração a
aparência da sala, dificilmente pode-se acreditar na utilização diária da
mesma. Há sala de aula, contudo não vimos nenhum aluno! Há espaço
para exploração agrícola, de criação de pequenos animais e até açude,
porém o que se viu foi muita sujeira, lixo e alto mato...Enfim o
encarceramento visto, não é somente físico, há o ENCARCEIRAMENTO
PSÍQUICO..." (f. 166).
" As aberrações constatadas no Centro de Internação
Provisória São Lucas – in loco – além de afrontar a dignidade humana
daqueles adolescentes lá internados pelo Estado, tornou-se ao mesmo
tempo – bis in idem – uma penúria aos seus familiares e amigos, quiçá a
comunidade em geral. Antecipamo-nos a dizer, que diante de amplos
gravames daquele Centro, torna-se cristalina a iminente inadequação, em
todos os sentidos! A precariedade e o ultraje imposto aos direitos
humanos daqueles que deveriam cumprir medidas sócio-educativas, nos
convidam a no mínimo, um gesto de soidariedade, quer seja em busca de
sensibilizar os governos federal e estadual, em possível consórcio com a
municipalidade, para plantarmos soluções aos desafios urgentes dos
quais reflitam transformações de ações e políticas públicas já assegurada
em Lei e na plena vihgência do Direiro; ou mesmo, em parcerias junto ao
Ministério Público e demais órgãos competentes para o exercício da
matéria...." (f. 167).
"Em apertada síntese, constatou-se que o CIP São Lucas
sofre de graves e antigos problemas, tanto de ordem material, como
pessoal, representada não apenas pelas péssimas condições físicas em
que se encontra o prédio, como também, a falta de condições de higiene e
segurança a todos que ali se encontram, internos ou a trabalho, além da
própria vizinhança e o absurdo caos administrativo existente, fruto da
crise gerencial, que vai desde a ausência de secretaria razoavelmente
equipada e municiada de informações em seus arquivos, os desvios de
função dos servidores e a falta de capacitação do pessoal.
Vale destacar, inclusuive, que o ceário retratado reúne
motivos suficientes até mesmo para justificar a sua desativação para o
bem do serviço público, haja vista que não deveria continuar funcionando
nas precárias condições em que se encontra." (f.163)
A situação fática acima recortada da realidade do CER São
Lucas, situado nesta comarca de São José, demontram de forma cristalina o
desrespeito flagrante aos direitos e garantias conferidas aos adolescentes nos
artigos 3º, 5º, 94, seus incisos e parágrafos, 99, 100, 113, 123, 124, seus
incisos e parágrafos, 125, do Estatuto da Criança e Adolescente, bem como das
preconizações do SINASE, estipuladas para o cumprimento e execução das
medidas socioeducativas de internação., não restando outro caminho, senão
sua interdição total, podendo a mesma ser levantada, quando atendidas em sua
integralidade aos disposto no ECA e no SINASE.
3-) Da ausência no CER São Lucas do Quadro de
Pessoal exigido pelo SINASE para entidade de atendimento
socioeducativo de internação.
Segundo o SINASE (p.45), para atendimento de medida
socioeducativa de internação, de até quarenta adolescentes, a equipe mínima
deve ser composta por:
- 01 Diretor
- 01 coordenador técnico (inexistente no CER São Lucas)
- 02 assistentes sociais
- 02 psicólogos (No CER São Lucas há apenas 01)
- 01 pedagogo
- 01 advogado para a defesa técnica (inexistente
atualmente no CER São Lucas, porque indevidamente
deslocado para outro órgão do Governo Estadual)
- Demais profissionais necessários para o
desenvolvimento de saúde, escolarização, esporte,
cultura, lazer, profissionalização e administração (quase
todos inexistentes no CER São Lucas)
- Socioeducadores ( no CER São Lucas não existem
socioeducadores com formação própria para o atendimento socioeducativo,
mas, sim, agentes de Segurança Socioeducativa (os Monitores), indevidamente
capacitados pela Acadepol – Academia de Polícia e, mesmo assim em número
insuficiente para o devido atendimento socioeducativo, pois, segundo o SINASE
(p.45), as atribuições dos socioeducadores deverão considerar o
profissional que desenvolva tanto tarefas relativas à preservação da
integridade física e psicológica dos adolescentes e dos funcionários
quanto às atividades pedagógicas. Este enfoque indica a necessidade da
presença de profissionais para o desenvolvimento de atividades
pedagógicas e profissionalizantes específicas.
A relação numérica de socioeducadores deverá
considerar a dinâmica institucional e os diferentes eventos internos, entre
eles férias, licenças e afastamento dos socioeducadores,
encaminhamentos de adolescentes para atendimentos técnicos dentro e
fora dos programas socioeducativos, visitas de familiares, audiências
encaminhamentos para atendimento de saúde dentro e fora dos
programas, atividades externas dos adolescentes.(p.45). Dando seqüência
ao texto acima, o SINASE prescreve a relação numérica acerca de qual
necessidade de socioeducador/adolescente.
4-) Da funções atribuídas ao Gestor do centro de
cumprimento das medidas socioeducativas e do perfil do novo gestor
nomeado
No que se refere à Gestão dos Programas, no SINASE, o
conceito adotado é o da gestão participativa, que demanda autonomia
competente e participação consciente e implicada de todos atores que
integram a execução do atendimento socioeducativo. Está diretamente
associada ao compartilhamento de responsabilidades, mediante
compromisso coletivo com os resultados.
Independentemente do formato da estrutura
organizacional de cada Estado e Município, é fundamental a configuração
de uma organização que contemple a existência de um dirigente geral ou
responsável legal pela instituição, uma equipe diretiva e um corpo de
diretores e/ou coordenadores dos programas de atendimento
socioeducativo.
(...) O impacto social de seus serviços será maior ou
menor conforme a capacidade de planejar com eficiência, de definir sua
missão com clareza, de formatar seus serviços atendendo adequadamente
a necessidade de seus destinatários (os adolescentes)." (SINASE, p. 40).
Ainda, segundo o SINASE, os Diretores de Unidades e/ou
programas de atendimento socioeducativo são os líderes das entidades e/ou
programas de atendimento socioeducativo e membros integrantes ao
Grupo Gestor; atores e articuladores da gestão democrática, participativa
e humanizadora do projeto pedagógico e do processo de reorientação e
transformação da instituição. Buscam apoio nos documentos orientadores
e normativos do sistema nacional/distrital e municipal, de forma a
concretizar as metas gerenciais.(p.41).
Não se pode esquecer, que o fim de uma entidade de
atendimento socioeducativo é a efetivação e concretização, dos direitos e
deveres preconizados pela Constituição Federal, pelo ECA e pelo SINASE à
clientela adolescente. Aliás, segundo o SINASE, na gestão participativa o
objetivo superior a ser alcançado é a comunidade sócioeducativa. Esta é
composta pelos profissionais e adolescentes das Unidades e/ou
programas de atendimento socioeducativo, opera, com transversalidade,
todas as operações de deliberação, planejamento, execução,
monitoramento, avaliação e redirecionamento das ações, que devem ser
compartilhadas, rotativas, solidárias, tendo como principal destinatário o
coletivo em questão, contemplando as peculiaridades e singularidades
dos participantes." (p. 41)
Registro aqui todo o descaso da Secretaria de Segurança
Pública, através da Diretoria de Justiça e Cidadania com este Juízo da Infância
e da Juventude e Ministério Público da comarca de São José, que,
flagrantemente deixaram de cumprir palavra firmada no que se refere à
mudança de gestão ocorrida, conforme colhe-se da ata da reunião realizada em
29/03/2010:
"O objetivo da reunião foi discutir a situação de crise no
Cer São lucas com a saída da atual gerente, Sra. Margarete Sandrini e a
proposta de uma equipe de transição assumir temporariamente a Gerência
da unidade enquanto não se obtiver o nome de uma pessoa, em definitivo,
para gerenciar o Cer São Lucas." (f. 50).
" Será conversado com todos os adolescentes e
funcionários do Cer e será proposta uma capacitação (reciclagem) sobre
novo entendimento que precisa ter sobre o trabalho no Cer São Lucas."
(...) Enquanto não se define a nova Gerência do Cer São Lucas, a
assessora técnica do DJUC precisará entrar na unidade para explicar essa
situação de transição e identificar possíveis colaboradores para assumir
as coordenadorias." (f. 50).
"Com a chegada da Juíza e Promotora da Comarca de
São José, o Sr. Itamar fez uma apresentação da assessoria técnica e um
breve resumo sobre as dificuldades em relação ao Cer São Lucas
(descontentamento, fugas, maus-tratos, conflitos). Afirmou que as
questões administrativas estarão sendo resolvidas por meio de
sindicância e as demais questões técnicas serão resolvidas com base nas
recomendações feitas no relatório de supervisão, trabalho este realizado
pela assessoria técnica do DEJUC dentro do CER São Lucas. Uma das
recomendações trata da substituição da atual gerente do CER. Já foi
conversado com a Sra. Margarete e ela concordou em deixar a Gerência do
CER São Lucas e em contrapartida assumirá a Gerência de Proteção ao
Adolescente do DEJUC. O relatório de supervisão, também, propôs uma
nova organização de gestão, mais participativa e não centralizada, onde
além do gerente contará com três coordenadorias
(técnica/administrativa/operacional e de monitoria). O curso de
capacitação e reciclagem dos funcionários também foi abordado, pois é
necessário um trabalho para melhorar o clima e o relacionamento
interpessoal dentro da unidade. O Sr. Itamar explanou sobre as possíveis
pessoas a assumirem o cargo de Gerência do CER. Explicou que há
grande rejeição quanto à Sra. Augusta por parte dos monitores e da
equipe técnica do CER. O Sr. Venício, também cogitado, não tem apoio da
direção do Departamento, e do Secretário de Justiça e Cidadania, pois
assim como o Sr. Sandro do Pliat, são conhecidos como "torturadores". A
Promotora lembra que existem filmagens de tortura contra adolescentes e
o Sr. Itamar afirmou que foram instauradas sindicâncias, mas que não
resultaram em nada." (...) relata que serão feitas algumas melhorias no
prédio do CER São Lucas com o intuito de humanizar o atendimento aos
adolescentes. (...) Também requerer apoio e atendimento para a equipe
técnica do CER São Lucas, pois estão ficando doentes. Foi designado à
equipe de transição que esta vai construir o perfil da pessoa que deve
assumir a Gerência do CER São Lucas. A decisão vai ser política, mas o
Sr. Itamar vai impor alguns critérios para evitar que uma pessoa
totalmente desconhecida do assunto seja promovida à Gerência. (...) Foi
acordado que no dia 30 de março de 2010, às 14 horas, ocorrerá um
encontro no CER São Lucas para anunciar aos funcionários e
adolescentes a transição. Estarão presentes o Sr. Itamar, a equipe de
transição e a promotora e juíza da comarca de São José. Para tanto, neste
mesmo dia, na parte da manhã, a Sra. Margarete irá comunicar sobre a
visita do Sr. Itamar, equipe de transição, promotora e juíza da comarca de
São José e que esta visita tratará de um assunto de interesse deles." (f.
50v.).
"O Sr. Itamar disse que também não concorda, neste
momento com o fato de a Sra. Augusta assumir a Gerência e nem com os
boatos que surgiram de que havia a possibilidade de o Sr. Sandro (gerente
do PLIAT) ou o Sr. Venício (gerente do CIP de Chapecó) concorrerem à
Gerência. Relatou que não será saudável que o atual clima de regalias aos
adolescentes proporcionadas pela atual Gerente e Sra. Augusta passe
para uma metodologia mais repressiva e "Mão-de-ferro" praticada pelos
Sr(s) Sandro e Venício." (f. 49).
Consoante constata-se das atas das reuniões acima
realizadas, para tratar de uma transição de forma responsável e técnica da
Gerência do CER São Lucas, de surpresa fomos todos tomados com a
nomeação do Senhor Venício. Digo todos, pois, aqui há que se ressalvar toda
boa vontade demonstrada pelo Senhor Itamar Bonelli e a equipe por ele
nomeada para que fosse responsavelmente realizado um diagnóstico para a
substituição da antiga Gerente.
Contudo, em completo e flagrante desrespeito à Equipe
Técnica do DJUC nomeada para transição, de cima, verticalmente, sem
qualquer comprometimento com o trabalho realizado pela Equipe Técnica do
DJUC, e, com a contrariedade do Diretor do DJUC, Senhor Itamar Bonelli, é
imposta a nomeação deste novo gerente, que, segundo palavras dos próprios
integrantes do DJUC O Sr. Venício, também cogitado, não tem apoio da
direção do Departamento, e do Secretário de Justiça e Cidadania, pois
assim como o Sr. Sandro do Pliat, são conhecidos como "torturadores". (f.
50). Tal contrariedade fora expressa mais de uma vez, conforme se vê: "O Sr.
Itamar disse que também não concorda, neste momento com o fato de a
Sra. Augusta assumir a Gerência e nem com os boatos que surgiram de
que havia a possibilidade de o Sr. Sandro (gerente do PLIAT) ou o Sr.
Venício (gerente do CIP de Chapecó) concorrerem à Gerência. Relatou que
não será saudável que o atual clima de regalias aos adolescentes
proporcionadas pela atual Gerente e Sra. Augusta passe para uma
metodologia mais repressiva e "Mão-de-ferro" praticada pelos Sr(s)
Sandro e Venício." (f. 49).
Não fosse o empenho da palavra, ainda fomos todos juntos
(Sr. Itamar Bonelli, Equipe de transição, Promotora Leda e eu) ao CER São
Lucas, para dar a notícia da equipe de transição e afirmar aos adolescentes que
pudessem ficar tranqüilos que nem o Sr. Sandro, nem o Sr. Venício, seriam
nomeados como novos Diretores (f. 63/66). Palavra descumprida, parceria
desrespeitada, pois, ainda sou do tempo em que uma palavra afinçada, é uma
palavra que será cumprida, ainda mais em situações como tais em que o
descumprimento coloca em jogo a uma credibilidade de um considerável
números de pessoas e suas respectivas funções.
Aliás, O Senhor Venício inaugura sua gestão com um
flagrante desrepeito aos direitos daqueles a quem devia proteger, quando,
permite a divulgação de imagens dos adolescentes, infringindo a proibição legal
de tal conduta, prevista no art. 247 e seu §1º, do ECA, quando trata das
infrações administrativas, que assim dispõe: "Divulgar, total ou parcialmente,
sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou
documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a
criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena – multa de
três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência. §1º Incorre na mesma pena, quem exibe, total ou
parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato
infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos
que lhe são atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou
indiretamente." . Tal irregularidade pode ser constatada no Jornal Notícias do
Dia, datado de 16 de abril de 2010, também encartado nos autos.
Em diversos outros periódicos da imprensa apresenta-se
como "um disciplinador" (DC de 14/04/2010, p. 32), e promete reforçar a
segurança interna e externa da instituição o que consubstancia, sem nenhuma
sombra de dúvida, um descompasso àquilo que se espera de um Gestor
Socioeducador, conforme preconizado pelo SINASE e acima descrito. Aliás,
num completo desconhecimento dos rumos norteadores do ECA e do SINASE,
o que é imprescindível para exercer a função que ocupa, trata o sistema
socioeducativo apenas como uma questão de segurança pública, quando, na
verdade esta deve existir somente extramuros.
Promete, também enquanto Gestor da Instituição CER – São
Lucas, "fuga zero", o que vem conseguindo, barbarizando a estada dos
adolescentes na instituição, quando desumanamente os mantém trancafiados
quase que em tempo integral, conforme pode-se colher dos relatos das
inspeções que foram realizadas, como também da fala do próprio Senhor
Venício, que na imprensa justifica tal trancafiamento por conta da precariedade
no número do Monitores na instituição.
É importante frisar que o atual gerente está tão
desinformado, desinteressado e negligente, que relatou à 28ª subseção local da
OAB/SC, que "desconhecem a última visita do Judiciário ou do Ministério
Público ao Centro de Internação." (f.166), quando, na verdade, conforme
constata-se dos presentes autos, a última visita, realizada por esta unidade
jurisdicional juntamente com a egrégia Corregedoria-Geral de Justiça, havia
ocorrido há apenas uma semana. Por óbvio que o Gerente não sabia informar,
pois não se encontrava no seu local de trabalho neste momento. Aliás, ressalte-
se que o atual Gerente assume a Instituição num momento de grande crise e,
logo no início, por diversas vezes que este Juízo tentou com ele entrar em
contato, nos era passada a informação de que o mesmo lá não se encontrava, o
que facilmente pode ser constatado em razão de que as correspondências
enviadas a este Juízo eram subscritas por outro funcionário, que não o Gerente.
Não só a inspeção acima, mas ainda há inclusive nos relatos
da própria DJUC, todo o acompanhamento que vinha sendo realizado quer por
este Juízo da Vara da Infância, quer pelo Ministério Público local.
Assim, diante dos fatos acima mencionados, não há outro
caminho a tomar, senão o afastamento liminar do atual gestor, secundando
requerimento ministerial, conforme autoriza o parágrafo único, do art. 191, do
ECA, que assim dispõe: "Havendo motivo grave, poderá a autoridade
judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar liminarmente o
afastamento provisório do dirigente da entidade, mediante decisão
fundamentada."
4-) Dos crimes de tortura imputados aos Monitores e
Policial Militar necessidade de seu afastamento e apuração pelo órgão
competente
Às fls. 80 a 126 destes autos, conta uma série de acusações
da perpetração do crime de tortura e agressões físicas, por parte dos Monitores
Thiago e Alexandre Pauli (fls. 92 e 93), contra o adolescente C. A.. R., que à
época era interno do CER - São Lucas, o que torna imperioso o afastamento
dos mesmos, enquanto o órgão estadual responsável instaure os respectivos
processos administrativos para apuração de tais crimes cometidos no exercício
de suas funções. Esses fatos e os demais narrados à exordial, não só na esfera
penal, devem obrigatoriamente ser apurados na via administrativa e, também
perante esta unidade jurisdicional, conforme o disposto no art. 191 e seu
parágrafo único, da Lei 8.069/90:
"O procedimento de apuração de irregularidades em
entidade governamental e não governamental terá início mediante portaria
da autoridade judiciária ou representação do Ministério Público ou
Conselho Tutelar, onde conste, necessariamente, resumo dos fatos.
Parágrafo único. Havendo motivo grave, poderá a
autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar liminarmente o
afastamento provisório do dirigente da entidade, mediante decisão
fundamentada."
Ressalte-se que, quase que despiciendo registrar que, quem
pode o mais, pode o menos, o que, em outras palavras significa dizer que, se
por a norma antes citada este Juízo pode afastar os dirigentes da instituição,
com maior razão, também pode afastar seus subordinados.
Cabe, ainda a requisição ao Órgão Estadual Gestor do CER
São Lucas, para que, no prazo máximo de 90 (noventa) dias instaure o
competente processo administrativo para apuração destes fatos, contados da
efetiva intimação, cuja comprovação nos autos, deverá ser feita no prazo
máximo de 03(três) dias após o término do prazo de 90 dias acima referido, sob
pena de cominação de multa diária de R$3.000,00 (três mil reais), em caso de
descumprimento.
De outro lado, deve ser oficiado ao Comando da Polícia
Militar, para que no mesmo prazo acima seja instaurado o competente I.P.M.,
para apuração do delito imputado ao Policial Militar Soldado Antonio José de
Oliveira, no exercício de suas funções, devendo, igualmente o mesmo ser
afastado do CER São Lucas.
Derradeiramente, registro que, fatos como estes, em que um
representante do Estado, valendo-se da já não mais indignação da sociedade
com o desrespeito aos direitos humanos é que tem feito surgir uma nova forma
de exclusão, segundo Mirian Guindani, a exclusão moral. Mencionada estudiosa
fala que " A não-indignação frente às violações dos direitos humanos e
sociais dos apenados brasileiros, pode ser, também, um indicador de um
processo de exclusão moral. Observa-se que essa exclusão ocorre
quando pessoas, que normalmente obedecem às leis e as respeitam,
aceitam ações bárbaras contra indivíduos ou grupos. Nesse processo,
certos grupos são colocados fora da comunidade moral e, como
conseqüência, as relações com eles não mais envolvem princípios
dejustiça. As racionalizações justificam os maus-tratos, humilhações,
torturas, sem que haja qualquer autocrítica e o reconhecimento de que isto
viola regras consensuais de justiça. Ao contrário, muitas vezes, esses
procedimentos tornam-se desejos sutilmente disfarçados. Um dos
sintomas da referida exclusão moral é a negação da responsabilidade
pessoal: deslocando-se a responsabilidade para outros (decisões
coletivas em que ninguém é responsável ), negando-se as conseqüências
desumanas do comportamento – "não houve massacre" -, culpando-se as
vítimas ou, ainda, desumanizando as vítimas: "são subumanos, não têm
sensibilidade, têm mais é que apanhar..." (in FILHOS & VÍTIMAS DO TEMPO
DA VIOLÊNCIA: a família, a criança e o adolescente. Curitiba:Juruá, 2009, 2ª
ed., p. 161).
5-) Da suposta facilicitação das fugas:
Ainda, de ofício, por este Juízo, na qualidade de Juíza
Correicional do CER – Centro Educacional São Lucas, fica determinado que, no
mesmo prazo estabelecido no item "4", se ainda não o foi, seja instaurado
processo administrativo para apuração de possível facilicitação de fugas de
internos por parte dos Monitores, vez que, segundo relatos uníssonos dos
internos recapturados, houve facilicitação de suas fugas e, não há qualquer
registro de resistência ou violência no que se refere a sua perpetração pelos
adolescentes nos últimos dias.
Essas fugas, consoante colhe-se de diversos recortes
jornalísticos encartados nos autos, fora amplamente veiculada na imprensa e
noticiada nestes autos pela Representante do Ministério Público.
Assim, fixa-se ao Senhor Secretário de Estado, os mesmos
prazos para instauração e comprovação nos autos, bem como, a mesma multa
pecuniária do parágrafo anterior, no caso de descumprimento, fixados no item
"4".
Por derradeiro, não poderia deixar de registrar que o ator
principal justificador da existência de um Centro Socioeducativo é o processo
inclusivo e ressocializador do Adolescente enquanto sujeito de direitos, e não, a
segurança pública como tem se visto,pois, figura uma total inversão da ordem
legal.
DIANTE DO EXPOSTO, ao mais que dos autos consta,
em atendimento aos requerimentos da Representante do Ministério
Público, da 28ª Subseção local da OAB/SC, de ofício e, sobretudo em
respeito àqueles, cujos direitos a Constituição Federal atribui prioridade
absoluta, em caráter liminar DECIDO:
1-) diante do flagrante desrespeito às normas estabelecidas
nos artigos 3º, 5º, 94, seus incisos e parágrafos, 99, 100, 113, 123, 124, seus
incisos e parágrafos, 125, do Estatuto da Criança e Adolescente, bem como das
preconizações do SINASE, estipuladas para o cumprimento e execução das
medidas socioeducativas de internação, não resta outro caminho, senão, com
fundamento no art. 97, I, "d", do Estatuto da Criança e do Adolescente,
DECRETAR, LIMINARMENTE, A INTERDIÇÃO TOTAL DO CER SÃO LUCAS,
situado nesta comarca de São José/SC, cuja interdição perdurará, até sua
completa adequação estrutural e de recursos humanos em atendimento às
disposições legais para seu funcionamento, estabelecidas no ECA e no
SINASE, fixando-se, desde já, a multa diária de r$3.000,00 (três mil reais), em
caso de descumprimento.
Saliento que para recambiamento dos adolescentes
atualmente internos no CER São Lucas, fica estipulado o prazo máximo de
15(quinze) dias, contudo, observo que os mesmos deverão ser acolhidos em
instituição adequada, que lhes preserve a dignidade humana e que não lhes
submeta, novamente a tratamento insalubre, cruel e desumano.
2-) com fundamento no parágrafo único, do art. 191, do
ECA, afastar o Senhor Venício Machado Pereira Neto, Gerente nomeado ao
CER São Lucas, com a imediata comunicação à autoridade hierarquicamente
superior a este servidor, marcando-lhe o prazo de 03 dias para a substituição,
nos termos do art. 192, § 2º do ECA., fixando-se, desde já, a multa diária de
R$3.000,00 (três mil reais), em caso de descumprimento.
Requista-se, ainda à autoridade hierarquimente superior,
que no prazo máximo de 90 (noventa) dias instaure o competente processo
administrativo para apuração do fato a ele imputado, narrado nesta decisão, em
especial a infração administrativa descrita no art. 247 e seu §1º, do ECA,
contados da efetiva intimação, cuja comprovação nos autos, deverá ser feita no
prazo máximo de 03(três) dias após o término do prazo de 90 dias acima
referido, sob pena de cominação de multa diária de R$3.000,00 (três mil reais),
em caso de descumprimento.
Requisita-se, ainda, caso positivo, a remessa de cópias das
sindicâncias e ou processos administrativos que porventura tenham sido
instaurados em detrimento do funcionário Venício Machado Pereira Neto, no
exercício de suas funções, ainda que já estiverem arquivados, no prazo de 10
(dez) dias.
3-) Com fundamento no parágrafo único, do art. 191, do
ECA, por conta da imputação da prática de tortura e agressões contra os
adolescentes, AFASTAR os Monitores Thiago (que se encontrava trabalhando
na noite do dia 04/04/2010 e Alexandre de Pauli, com a imediata comunicação
à autoridade hierarquicamente superior a estes servidores, requisitando-se a
instauração de procedimento administrativo para apuração dos fatos, no prazo
máximo de 90 (noventa) dias, contados da efetiva intimação, cuja comprovação
nos autos, deverá ser feita no prazo máximo de 03(três) dias após o término do
prazo de 90 dias acima referido, sob pena de cominação de multa diária de
R$3.000,00 (três mil reais), em caso de descumprimento.
4-) CITAÇÃO E INTIMAÇÃO para cumprimento da
decisão acima das seguintes pessoas, ressaltando-se que o presente
processo será guiado pelo procedimento previsto nos artigos 191 a 193,
do ECA:
a-) o Estado de Santa Catarina na pessoa do Senhor Leonel
Pavan – Excelentíssimo Senhor Governador do Estado Estado de Santa
Catarina;
b-) a Secretaria de Segurança Pública na pessoa do Senhor
André Ricardo da Silveira Neto - Secretário Estadual de Segurança Pública e
Defesa do Cidadão;
c-) a Secretaria Executiva de Justiça e Cidadania na pessoa
do Senhor Justiniano Pedroso – Secretário Executivo de Justiça e Cidadania;
d-) a Diretoria de Justiça e Ciadania na pessoa do Senhor
Itamar Bonelli - Diretor da DJUC - Diretoria De Justiça E Cidadania.
e-) Senhor Venício Pereira Machado Neto – Gerente
nomeado à Direção do CER São Lucas de São José
f-) Senhor Tiago de Tal, que no dia 04/04/2010 estava lotado
no Nível V do CER São Lucas – Monitor;
g-) Senhor Alexandre de Pauli – Monitor lotado no CER São
Lucas
5-) Deferir o requerimento ministerial para determinar que
as pessoas nominadas nas letras "a" a "d", do item "4" acima, informem a este
Juízo acerca do andamento da utilização dos recursos disponibilizados para o
Estado de Santa Catarina, pelo SINASE, para construção de Centros de
Atendimentos Socioeducativos.
6-) Em razão de que constam dos presentes autos
informações sigilosas de alguns adolescentes, o presente procedimento correrá
em SEGREDO DE JUSTIÇA, podendo ser facultado somente a cópia da
presente decisão, vez que ela preserva o sigilo em relação aos mesmos.
7-) Remetam-se cópia do presente procedimento, em sua
íntegra ao Conselho nacional de Justiça, nas pessoas de seu Presidente e
Corregedor Nacional de Justiça e à Subsecretaria de Promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente, vinculada à Secretaria Especial de Direitos
Humanos.
Remetam-se cópia da presente decisão à egrégia
Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina e Coordenadoria da
Infância e da Juventude, a fim de instruir os autos CGJ-0181/2010, à Ordem dos
Advogados do Brasil, seção de Santa Catarina, à 28ª Subseção OAB/SC – São
José, à procuradoria Geral da Justiça do Ministério Público de Santa Catarina.
8-) Certifique a Sra. Escrivã quais dos processos de
execução de medida dos adolescentes internados, conforme relação de fls.
249/250, encontram-se em tramitação nesta comarca. Após, em relação
aqueles não remetidos a esta comarca, encaminhe-se, via e-mail, cópia da
presente decisão ao Magistrado da comarca onde está tramitando o processo,
para tomada de conhecimento e providências cabíveis.
09-) Intimem-se.
São José (SC),10 de junho de 2010.
Ana Cristina Borba Alves
Juíza de Direito.
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