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Segunda, 15 de agosto de 2011, 11h45
ARTIGO TÉCNICO
Perspectiva da Utilização dos Co-produtos do Biodiesel na Produção de Bovinos de Corte
Perspectiva da Utilização dos Co-produtos do Biodiesel na Produção de Bovinos de Corte
André Soares de Oliveira1, Márcia Rodrigues Carvalho Oliveira2, Jocely Gomes de Souza3, Juliana
Aparecida Gabriel4, Karine Claudia Alessi4, Márcia Cristina de Souza4, Thiago Ivan Schwambach4
1/ Professor Adjunto I do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Federal de Mato Grosso, CampusSinop/MT. Pesquisador do INCT/CNPq Ciência Animal. e-mail:andresoli@ufmt.br2/ Professora Adjunta I do Instituto de Ciências da Saúde, UFMT, Campus Sinop.3/ Mestranda em Ciência Animal/UFMT.4/ Graduandos em Zootecnia, UFMT, Campus Sinop.
1. Introdução
A viabilização econômica e ambiental do uso do biodiesel em substituição gradual ao diesel de
petróleo depende, dentre outros fatores, do aproveitamento ótimo dos co-produtos gerados na cadeia
produtiva. Os principais co-produtos são obtidos após a extração do óleo de sementes de oleaginosas
(tortas e farelos) e após o processo de conversão de triglicerídeos em biodiesel por meio de
transesterificação (glicerina bruta), os quais, em conjunto, representam mais de 50% da massa inicial de
sementes utilizada na cadeia agroindustrial. Assim, faz-se necessário desenvolver formas de utilização destes
produtos a fim de agregar renda à cadeia produtiva do biodiesel e mimetizar seu passivo ambiental (Oliveira
et al., 2010c).
A utilização na alimentação animal apresenta-se como uma das opções para o aproveitamento
econômico e em larga escala desses co-produtos, notadamente para animais ruminantes. Propõe-se
apresentar um breve panorama da produção de biodiesel no Brasil, e resultados de pesquisas recentes
sobre uso de produtos da extração de óleo de oleaginosas não convencionais e de glicerina bruta na
alimentação de bovinos de corte. Dar-se-á ênfase aos produtos da extração de oleo de mamona e pinhão-
manso, os quais apresentam entraves tecnológicos para sua adoção na alimentação animal decorrente da
presença de toxinas. Serão abordados também as perspectivas de uso e recomendações de pesquisas.
2. Panorama atual da produção de Biodiesel
O biodiesel é um combustível composto por alquil-ésteres de ácidos graxos de cadeia longa,
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derivados de óleos vegetais ou de gorduras animais, denominado B100 (ANP, 2011). A transesterificação
dos triglicerídeos atualmente é o principal processo de obtenção. Basicamente, os triglicerídeos na presença
de álcool de cadeia curta (metanol ou etanol) e de catalizadores (normalmente básicos) são convertidos
com alta eficiência (>95 %) em ésteres de ácidos graxos (biodiesel; 90%) e glicerina (glicerol e outros
compostos; 10%).
O governo federal criou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel no ano de 2004,
que estabeleceu inicialmente como obrigatória, a mistura de 2% de biodiesel no diesel de petróleo a partir
de julho 2008 e 4% a partir de julho de 2009. Em 26 de outubro de 2009, o Conselho Nacional de Política
Energética aumentou para 5% a mistura de biodiesel ao diesel, a partir de 1º de janeiro de 2010. A contínua
elevação da participação do biodiesel demonstra, de certo modo, o sucesso do programa e da experiência
acumulada pelo Brasil na produção e no uso em larga escala de biocombustíveis.
A Agência Nacional de Petróleo (ANP) realiza, desde 2005, leilões de biodiesel. Nos leilões,
refinarias compram o biodiesel para misturá-lo ao diesel derivado do petróleo. O objetivo inicial dos leilões
foi gerar mercado e, desse modo, estimular a produção de biodiesel em quantidade suficiente para que
refinarias e distribuidores pudessem compor a mistura determinada por lei. Os leilões continuam ocorrendo
e até o mês de maio de 2011, um total de 22 leilões foram realizados.
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de biodiesel (13% da participação), com produção
anual de 2,4 bilhões de litros (no ano de 2010) e capacidade instalada de 5,8 bilhões de litros (ANP,
2011). A União Européia (59,4% da produção) e os EUA (6,3%) lideraram a produção mundial no ano de
2010 (FAPRI, 2010).
Segundo dados publicados no Boletim Mensal do Biodiesel da ANP, em maio de 2011, haviam 67
plantas produtoras de biodiesel autorizadas no Brasil, 18 solicitações de autorizações de construções de
novas plantas e 11 solicitações de ampliações das plantas já existentes. Os Estados do Rio Grande do Sul
(25,3%), Mato Grosso (23,7%), Goiás (18,3%) e São Paulo (13,7%) lideraram, em sequência, a produção
nacional no ano de 2010, respondendo por 81,1% do biodiesel produzido.
Desde o início do programa, o óleo de soja constitui na matéria prima majoritária para produção de
biodiesel. Em abril de 2011 respondeu por 83,8% do biodiesel, seguido pela gordura bovina (13,7%), óleo
de algodão (0,7%) e demais fontes (1,8%). O amplo domínio tecnológico dos processos de produção,
industrialização e utilização dos produtos da soja, frutos de décadas de investimentos em ciência e
tecnologia e da capacidade empreendendora do setor, associado ao elevado valor nutricional intríseco dos
produtos da soja, explicam, pelo menos em parte, o domínio absoluto desta oleaginosa no Brasil (Tabela 1).
Tabela 1 – Evolução da produção de oleaginosas (grãos) no Brasil, safras 2009/2010 e 2010/2011
Safra
2009/2010
(mil ton)
Safra
2010/2011
(mil ton)
Evolução
(%)
Participação
(%) Safra
2010/2011
Soja 68.688,2 74.990,3 9,2 92,87
Caroço de
algodão3.037,2 5.250,3 72,9
6,50
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Amendoim 226,0 223,8 -1,0 0,28
Mamona 100,6 137,2 36,4 0,17
Girassol 80,6 76,0 -5,7 0,09
Canola 42,2 69,7 65,2 0,09
Total 72.174,8 80.747,3 11,9 100,00
Elaboração: Próprio Autor
Fonte: Conab (9º levantamento de safra - junho de 2011)
Todavia, há o interesse em desenvolver fontes alternativas de óleo vegetal para produção de
biodiesel a fim de reduzir a dependência pela soja, que além de apresentar elevados rendimentos de óleo
por unidade de superfíce cultivada, gerem co-produtos com potencial de uso na alimentação animal. Entre
as fontes potencialmente alternativas, destacam-se o amendoim, mamona, girassol, canola, pinhão-manso,
crambe, nabo-forrageiro, dendê e macaúba (Tabela 2). O desenvolvimento dessas fontes, por sua vez,
depende principalmente de investimentos em ciência e tecnologia.
Tabela 2 – Comparativo de rendimentos de grãos, óleo vegetal e farelo por unidade de superfície de
oleaginosas selecionadas
% de
óleo1
%
de PB
no
farelo1
Produtividade (kg/ha/ano)
grãos óleo farelo
Soja 18 45 3.000 540 2.160
Caroço de
algodão18
28 -
443.800 680 2.736
Girassol -
Safra44 32 1.500 660 840
Mamona –
BA47 35 650 306 325
Mamona –
SP47 35 1.950 917 975
Pinhão-
manso35 25
500
-5000*
175-
1.750
325-
3.250
Amendoim
- Safra35 48 3.000 1.050 1.950
Canola 38 36 1.500 570 930
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Dendê 22 14 10.000 2.200 7.800
Nabo
Forrageiro30 35 500 150 350
Elaboração: Próprio Autor
1 base da matéria natural
Fontes: Conab (9º levantamento de safra - junho de 2011); Ministério da Agricultura; Valadares
Filho et al. (2006); Acthen et al. (2008)*; Oliveira et al. (2010c).
3. Co-produtos da extração de óleo sementes na alimentação de bovinos de corte
Os farelos e tortas de oleaginosas representam a principal fonte de proteína utilizada em
rações para animais de interesse zootécnico no Mundo. Segundo levantamentos da Sociedade Americana
de Soja (Soy Stats, 2010), o farelo de soja representou 69% do consumo mundial de farelos protéicos no
ano de 2008, seguido pelo farelo canola (12%), algodão (7%) e girassol (4%). O farelo de canola é
importante principalmente na Europa e Canadá.
No Brasil, o farelo de soja também representa o principal alimento protéico usado em rações
comerciais para animais. Segundo o Sindicato das Indústrias de Rações (Sindirações, 2010), o farelo de
soja representou 45,9% das fontes protéicas em rações comerciais para bovinos de corte, seguido pelo
farelo de algodão (29,1%), farelo de glúten de milho (¨14,6%) e uréia (10,4%).
A disponibilidade, preços competitivos e valor nutricional são os principais fatores que influenciam a
demanda por alimentos protéicos em rações para animais. Espera-se que com o crescimento da oferta de
outras oleaginosas destinadas à produção de biodiesel, reduza a dependência do farelo de soja em rações
para animais, o que contribuirá para reduzir a competição com a alimentação humana e aumentar as opções
para os produtores.
O valor nutritivo dos co-produtos da extração de óleo dos grãos de oleaginosas depende
basicamente do método de extração, do grau de decorticação da semente, do processamento do produto
da espécie de oleaginosa, cujos detalhamentos estão descritos em Oliveira et al. (2010c).
3.1 Mamona
As sementes de mamona apresentam altos teores de extrato etéreo, entre 39,6 a 48,4%, com base
na MS. Em média, o farelo/torta corresponde por 55% do peso da semente, permitindo um rendimento
aproximado de 1,2 toneladas de farelo/torta para cada tonelada de óleo extraído. Ambos apresentam-se
como alimentos concentrados protéicos, correspondendo entre 70 a 80% do teor de proteína bruta (PB)
do farelo de soja, com degradabilidade ruminal efetiva da PB intermediária entre o farelo de soja e o farelo
de algodão (Tabela 3). Destaca-se ainda o alto teor de cutina (devido à presença de cascas e envoltórios
de natureza rígida da semente), o que explica a menor degradação ruminal da MS em relação ao farelo de
soja e farelo de algodão (Oliveira et al., 2010a).
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Tabela 3 – Composição química do farelo e torta de mamona
Itens
Mamona
FareloTorta
(expeller)
Matéria seca (MS, %) 88,09 89,00
Extrato etéreo (% da MS) 3,14 7,98
Proteína bruta (PB, % da MS) 37,32 33,70
Nitrogênio não protéico (% do NT) 22,27 29,61
Nitrogênio insolúvel em detergente neutro (% do
NT)17,60 12,49
Nitrogênio insolúvel em detergente ácido (% do
NT)4,85 6,77
FDNcp (% da MS) 46,50 48,30
Cutina (% da MS) 25,26 27,39
Lignina (% da MS) 4,52 4,29
Cinzas (% da MS) 9,82 6,92
Cálcio (% da MS) 0,78 0,72
Fósforo (% da MS) 0,68 0,84
Degradabilidade ruminal efetiva da proteína bruta
(% da PB)58,901 -
Degradabilidade ruminal efetiva da MS (% da MS) 38,241 -
Digestibilidade intestinal da proteína não
degradada no rúmen (%)65,30 -
Fonte: Oliveira et al (2010)a.
1/considerando taxa de passagem (kp) de 0,05 h-1.
Apesar do potencial de utilização na alimentação de ruminantes como substituto de fontes tradicionais
de proteína (farelo de soja e farelo de algodão), o farelo e a torta de mamona são atualmente utilizados
como fertilizantes orgânicos. A presença de uma potente toxina (ricina) representa o principal impedimento
para sua adoção na alimentação animal (Oliveira et al., 2010b).
A ricina é uma proteína solúvel encontrada principalmente no endosperma da mamona, não sendo
detectada em outras partes da planta, como raízes, folhas e caules (Bandeira et al., 2004). Apesar da alta
toxidade da semente, o óleo de mamona não é tóxico, pois a ricina não é solúvel em lipídios, permanecendo
todo o componente tóxico na torta ou no farelo (Gaillard & Pepin, 1999).
A toxidade da ricina é conhecida há mais de um século, mas somente no final da década de 1980 seu
mecanismo de ação em células eucarióticas foi melhor elucidado (Endo & Tsuguri, 1987; Endo et al., 1987;
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Endo & Tsuguri, 1988). A ricina se classifica como uma lectina, componente do grupo das “proteínas
inativadoras de ribossomos”, compostas por duas subunidades de funções biológicas distintas. A
subunidade A inativa especificamente e irreversivelmente os ribossomos eucarióticos, impedindo a síntese
protéica. Já a subunidade B encontra-se ligada à membrana celular e à subunidade A, e permite a entrada
desta por endocitose para o citosol. Assim, se quebradas as ligações entre as duas sub-unidades, as partes
resultantes não são tóxicas em células eucarióticas (Oliveira et al., 2010b).
Os principais sintomas clínicos observados em ruminantes intoxicados por sementes de mamona
foram anorexia, fraqueza muscular, salivação intensa, diarréia, desidratação, midríase, hipotermia,
recumbência, elevação dos níveis séricos de nitrogênio-uréico, creatinina, creatina kinase e asparato
aminotransferase 24-30 horas após a ingestão e morte até 3 dias após a ingestão (Armién et al., 1996;
Tokarnia & Dobereiner, 1997; Aslani et al., 2007).
Os tratamentos que possibilitem transformar o farelo de mamona num produto destoxificado foram
estudados desde a década de 1940, tendo-se obtido alguns resultados, embora não conclusivos, utilizando-
se vapor, etanol e hidróxidos (Oliveira, 2008).
Em 2005, foi realizada na Índia uma investigação sobre a eficácia de diferentes métodos físicos
(autoclave, cozimento, aquecimento, fervura e embebição) e químicos (tratamento com hidróxido de cálcio,
hidróxido de sódio, amônia, cloreto de sódio, formaldeído ou tanino) de destoxificação da ricina do farelo
de mamona (Anandan et al., 2005). Dos métodos avaliados, somente o autoclave (15 psi, 60 min) e o
tratamento com hidróxido de cálcio (40 g/kg de farelo de mamona) provocaram completa desnaturação da
toxina.
No Brasil, Oliveira (2008) comparou a eficácia de destoxificação da ricina por meio do tratamento
do farelo de mamona com hidróxido de cálcio (20, 40 ou 60 g/kg, diluído ou não em água), com óxido de
cálcio (20, 40 ou 60 g/kg, diluído ou não em água) ou com autoclave (15 psi, durante 30, 60 ou 90
minutos) e seus efeitos sobre o valor nutritivo. A eficácia dos tratamentos foi avaliada com base na presença
das sub-unidades de ricina em gel a 15% de poliacrilamida (SDS-PAGE) em condição desnaturante, análise
densitométrica e dosagem de proteína. A eficácia de destoxificação da ricina do farelo de mamona com
autoclave em 15 psi durante 60 minutos ou com hidróxido de cálcio na dose de 40 g/kg de farelo,
observada por Anadan et al. (2005), não se confirmou. Somente os tratamentos com autoclave em 15 psi
durante 90 minutos e com hidróxido de cálcio ou óxido de cálcio, diluídos em água (1:10), na dose de 60
gramas/kg de farelo, mostraram-se eficazes em desnaturar 100% a ricina.
Oliveita (2008) também observou que o tratamento térmico ou alcalino do farelo de mamona reduziu
a degradabilidade ruminal in situ da proteína bruta e da matéria seca, mas não afetou a digestibilidade
intestinal da proteína não-degradável no rúmen e a degradabilidade ruminal in situ da fibra em detergente
neutro (FDN). Porém, o tratamento alcalino reduziu o efeito de repleção ruminal da FDN potencialmente
degradável, indicando maior potencial de melhoria no valor nutritivo do farelo de mamona em relação ao
tratamento térmico (Oliveira, 2008).
Os procedimentos de destoxificação avaliado por Oliveira (2008) utilizando tratamentos alcalinos são
operacionalmente simples, com potencial de viabilização econômica e de adoção. A solução de óxido de cálcio (relação
água:CaO de 10:1) é misturado ao farelo de mamona, na dose 60 g de CaO/kg de farelo, base da matéria natural. Após
permanecer por uma noite (12 horas) para ocorrer o processo de destoxificação o material tratado é seco para posterior
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armazenamento e utilização Considerando o preço do óxido de cálcio de R$ 0,40/kg, o tratamento adicionará um custo de
R$ 24,0/ tonelada de farelo (sem considerar o custo industrial).
Em razão da eficácia de destoxificação comprovada, do menor custo e da facilidade operacional de
destoxificação do farelo de mamona com 60 g de óxido de cálcio/kg (Oliveira, 2008) o Departamento de
Zootecnia/UFV desenvolveu uma série de experimentos financiados pela FINEP (Projeto de Pesquisa
“Aproveitamento ótimo da torta de mamona”) com o objetivo de determinar níveis adequados de
farelo/torta de mamona destoxificado em dietas de ruminantes.
Diniz et al. (2010) avaliaram os efeitos da substituição do farelo de soja pelo farelo de mamona
destoxificado por meio de tratamento com 60 g de óxido de cálcio/kg (FMT) (0, 33, 67 e 100%) sobre o
desempenho produtivo de bovinos mestiços terminados em confinamento. Além disso, uma quinta dieta
experimental foi avaliada na qual o farelo de soja foi substituído integralmente pelo farelo de mamona não
tratado (FMNT). As dietas isonitrogenadas (12% de proteína bruta) foram compostas em média por 65%
(base da MS) de silagem de milho. O nível máximo de inclusão do farelo de mamona foi de 9,14% na dieta
(base da MS). O consumo, ganho de peso corporal e ganho de peso de carcaça não foram afetados pela
inclusão do FMT indicando potencial de uso do mesmo como fonte alternativa ao farelo de soja. Apesar do
maior consumo de ricina nos animais alimentados com FMNT (3,06 mg/kg de peso corporal/dia), não
houve efeito do tratamento alcalino do farelo de mamona sobre o consumo da dieta e o desempenho dos
animais (Tabela 4). Porém, os autores recomendaram precaução com o uso do farelo de mamona não
tratado em razão das variações nas quantidades da toxina nos farelos.
Barros et al. (2011) avaliaram a substituição (0, 33, 67 e 100%) do farelo de soja pelo FMT em
suplementos múltiplos (25% de proteína bruta) sobre o desempenho de novilhas nelore em pastos de
Brachiaria decumbens (8,74% de proteína bruta, base da matéria seca) no período de transição seca-
água. O nível máximo de inclusão do FMT no suplemento foi de 50% (base da matéria natural). O ganho de
peso corporal (média de 500 gramas/dia) dos animais não foi afetado pela substituição do farelo de soja
pelo FMT.
Perspectivas e recomendações
O farelo ou torta de mamona pode ser utilizado na alimentação de ruminantes desde que seja
eliminado o efeito tóxico da ricina. Os tratamentos alcalino (60 g de CaO ou Ca(OH)2 / kg, diluído em
água) ou térmicos (90 minutos de autoclave com 15 psi) mostraram-se ser os meios mais efetivos de
destoxificação. O tratamento alcalino, por sua, vez, apresenta-se com maior potencial de adoção nas
unidades de extração de óleo em razão da maior viabilidade operacional e econômica.
O farelo de mamona destoxificado com tratamento alcalino (60 g de CaO kg, diluído em água),
pode ser utilizado como concentrado protéico exclusivo em dietas de bovinos de corte em confinamento
com ganho de peso corporal de até 1,5 kg/cab/dia, e em suplementos múltiplos para animais em pastejo.
Recomenda-se o desenvolvimento de estudos sobre os efeitos da decorticação de sementes sobre o valor
nutricional e desempenho dos animais.
3.2 Pinhão-manso (Jatropha curcas L.)
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O pinhão-manso é um arbusto perene pertencente à família Euphorbiaceae, nativo de regiões
tropicais e sub-tropicais das Américas Central e do Sul. Sua semente contém em média 34,4% de óleo
(base da matéria seca). O rendimento em sementes da cultura é bastante variado, sendo reportados valores
entre 0,4 a 5,0 toneladas de sementes secas/ha/ano (Achten et al., 2008). Em razão da ampla faixa de
condições climáticas e edáficas tolerável pela planta, alguns autores a elegeram como espécie de grande
potencial para produção de óleo vegetal em regiões tropicais (Saturnino et al., 2005; Achten et al., 2008).
Apesar deste elevado potencial, em razão de sua recente domesticação (a partir da década de 1980) o
conhecimento científico e tecnológico sobre a cultura ainda não permite a elaboração de um sistema de
produção definido.
No processamento de uma tonelada de sementes de pinhão-manso geram-se cerca de 380
kg de casca, 350 kg de óleo e 270 kg de farelo (adaptado de Saturnino et al., 2005). A composição
química da casca da semente, da semente (sem casca), do farelo de pinhão-manso (sem casca) e da torta
de pinhão-manso (com casca) está apresentada na Tabela 5.
Tabela 5 - Composição química da casca, da semente (s/casca) e do farelo (s/casca) e da torta (com
casca) do pinhão-manso em comparação ao farelo de soja
Itens Casca
Grão
inteiro
s/casca
Farelo
tóxico
s/casca
Torta
c/ casca1
Matéria seca (%)89,8 -
90,4
94,2 –
96,9
90,2-
97,891,58
Extrato etéreo (%
da MS)
0,5 -
1,4
42,9 –
59,10,3 - 1,5 24,16
Proteína bruta (%
da MS)
4,3 -
4,5
22,2 –
31,1
56,4 –
63,825,43
Nitrogênio não
protéico (%NT)- -
7,8 –
9,0
Nitrogênio insolúvel
em pepsina (% NT)- -
5,9 –
7,0
Fibra em detergente
neutro (% da MS)
83,9 –
89,4
3,5 –
6,1
8,1 –
13,144,46
Fibra em detergente
ácido (% da MS)
74,6 –
78,3
2,4 –
3,0
5,7 –
7,043,15
Lignina (% da MS)36,72
– 47,5
0,0 –
0,2
0,1 –
0,7
Cinzas (% da MS)2,8 -
8,4
3,4 –
5,0
9,6 –
10,45,8
Carboidrato solúvel
(% da MS)
3,4 –
4,4
0,1 –
10,3
Amido (% da MS) 4,9 – 6,8 –
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5,7 11,2
Energia Bruta
(MJ/kg de MS)
19,3 –
19,5
28,5 –
31,1
17,8 –
19,2
Cálcio (% da MS) - - 0,48
Fósforo (% da MS) - - 0,41
Potássio (% da
MS)-
4,9 –
5,7
6,8 –
11,2
Fonte: Oliveira et al. (2010c)
1 obtido após extração do óleo de sementes por prensa hidráulicas (extração a frio).
A casca da semente, por apresentar alto teor de lignina, apresenta limitações para uso na
alimentação de ruminantes, sendo mais conveniente utilizá-la como insumo calorífico (Saturnino et al.,
2005). A presença da casca reduz o teor de proteína bruta, amplia os teores de fibra insolúvel em
detergente neutro e de lignina e, reduz a fração potencialmente degradável da matéria seca do farelo/torta.
Além disso, praticamente impede seu uso na alimentação de animais não-ruminantes. Todavia a adoção de
farelos ou tortas de pinhão-manso decorticados deve ser analisada sob o aspecto de viabilidade operacional
e econômica nas unidades de extração de óleo.
O farelo de pinhão manso sem presença de casca apresenta-se como concentrado protéico, com
alto valor de proteína bruta, superior ao encontrado em farelos de outras oleaginosas como soja, algodão,
girassol, mamona, dendê, canola e nabo-forrageiro (Valadares Filho et al., 2006). A torta de pinhão-manso
com casca, obtido após extração do óleo de sementes por prensa hidráulicas (extração à frio), contém alto
teor de extrato etéreo (24,16%, base da MS) e teor de proteína bruta entre 40 a 45% do valor do farelo de
pinhão-manso sem casca.
Em estudos que estimaram a energia metabolizável (EM) do farelo de pinhão manso foram obtidos
valores correspondentes a 81% da EM do farelo de soja (Makkar et al., 1998). A composição em
aminoácidos essenciais do farelo de pinhão-manso assemelha-se ao farelo de soja, exceto nos níveis de
lisina e aminoácidos sulfurosos, menor e maior, respectivamente (Oliveira et al., 2010c).
Apesar do grande potencial, o pinhão-manso apresenta desvantagem comparativa em
relação às outras oleaginosas principalmente devido à presença de compostos tóxicos (ésteres de forbol).
Ésteres de forbol são compostos de ocorrência natural e amplamente distribuídos em espécies de plantas
das famílias Euphorbiaceae e Thymelaeceae. Os efeitos biológicos desses compostos incluem a promoção
de tumor, proliferação celular, ativação de plaquetas do sangue, mitogênese de linfócitos, inflamação da
pele, produção de prostaglandina e estimulação de degranulação em neutrófilos. Estes efeitos são
correlacionados com a ativação da proteína C kinase que conduz a uma série de respostas celulares por
fosforilação, com o objetivo de reduzir proteínas nos resíduos de serina e treonina (Azzi et al., 1992).
Em diversos estudos observou-se elevada toxidade de sementes de pinhão-manso quando
ingeridas por roedores (Liberalino et al., 1988) e ruminantes (Ahmed & Adam, 1979a,b; Gadir et al.,
2003). Duas estratégias potencialmente podem ser desenvolvidas para reduzir os níveis de ésteres de forbol:
a) desenvolvimento de genótipos de pinhão-manso que sejam ao mesmo tempo produtivos e que
apresentem baixos níveis da toxina. A existência de variabibilidade genética para os níveis de ésteres de
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forbol já foi verificada em países como o México; b) Desenvolvimento de processos industrais de
destoxificação.
Por apresentar solubilidade em solventes orgânicos, os éteres de forbol estão presentes em
maior quantidade nas sementes em relação às tortas/farelos. Segundo Makkar & Becker (1999), 72% dos
ésteres de forbol das sementes são removidos durante a extração do óleo por éter de petróleo. Além disso,
a extração de óleo da semente por meio de solventes resulta em produto com menor teor de ésteres de
forbol em relação à extração mecânica.
Diferentes métodos de destoxificação (térmico e químico) do farelo de pinhão-manso foram
avaliados por Aregheore et al. (2003) e Martinez-Herrera et al. (2006). A partir dos resultados destes
trabalhos verificou-se que tratamento térmico (121oC por 30 minutos) não é eficaz como processo de
destoxificação, pois os ésteres de forbol são termo-estáveis. Além disso, tratamentos químicos à base de
hidróxido de sódio (dose de 3,5 a 4,0% de NaOH, p/p),extração com metanol à 92% ou etanol à 90% se
mostraram eficazes na redução dos níveis de ésteres de forbol.
Kumar et al. (2010) verificaram que a substituição proteica parcial (50%) da farinha de
peixe pelo farelo de pinhão-manso destoxificado (com 60 minutos de extração com solvente orgânico +
autoclavagem; aplicação com pedido de patente) não afetou o crescimento e a saúde de carpas (Cyprinus
carpio L). Os esteres de forbol não foram detectados no tecido muscular dos peixes, sugerindo que os
animais alimentados com farelo destoxificado são seguros para o consumo humano.
A biodestoxitificação apresenta-se como processso promissor. Os ésteres de forbol foram
biodegradados no solo entre 9 a 19 dias, dependendo da temperatura e umidade do meio (Devappa et al.,
2009), provavelmente pela ação da microbiota edáfica. O ecossistema ruminal, por sua vez, não foi capaz
de reduzir os níveis da toxina após 72 horas de incubação ruminal in vitro (Makkar & Becher, 2010).
Barros et al. (2011) avaliaram a incubação de três fungos Bjerkandera adusta, Ganoderma
resinaceum e Phebia rufa na torta de pinhão-manso por 30 dias. Houve redução de 20% da
concentração de ésteres de forbol no material inoculado com Ganoderma resinaceum,
91%com Bjerkandera adusta e 97%com Phebia rufa. Os resultados obtidos por estes autores sugerem
que o cultivo de fungos lipolíticos não patogênicos pode ser uma alternativa para viabilizar o uso da torta do
pinhão-manso tóxica na alimentação animal.
Em razão da intensa modificação bioquímica de substratos durante a ensilagem, postulou-se
que a ensilagem da torta de pinhão-manso (TPM) poderia reduzir os níveis de ésteres de forbol. Assim, foi
conduzido na UFMT/Campus Sinop um ensaio inédito visando avaliar a capacidade do processo de
ensilagem em reduzir os níveis de ésteres de forbol presentes na TPM, adicionando-se ou não fontes de
carboidratos solúveis (5% de sacarose ou 5% de glicerina) ou inoculante microbiano (0 e 5x105 UFC de
Lactobacillus plantarum + 3,33x105 UFC de Propionibacterium por grama de material ensilado)
(Schwambach, T.I., dados não publicados). Foram confeccionados 24 mini-silos (982 cm3) de PVC, os
quais foram abertos após 60 dias de fermentação em temperatura ambiente. A TPM pré-ensilada foi
hidratada com água destilada e continha 28,2% de umidade, 21,3% de proteína bruta (base da matéria
seca) e 0,424 mg de ésteres de forbol/g de matéria seca. A ensilagem reduziu, em média, 47,4% os ésteres
de forbol da TPM, independente da adição de fontes de carboidratos solúveis ou inoculante microbiano. Os
níveis de ésteres de forbol no material ensilado ainda permaneceu elevado (0,25 mg/kg de matéria seca).
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Assim, o processo de ensilagem da TPM hidratada (28,2% de umidade) ainda não é indicado como
procedimento eficaz de biodestoxificação.
Perspectivas e recomendações
O farelo e a torta de pinhão-manso apresentam grande potencial de utilização na alimentação de
ruminantes como substituto de concentrados protéicos. No entanto, ainda faz-se necessário:
a) Avaliar a composição dos fatores tóxicos e antinutricionais das variedades existentes, uma vez
que estudos conduzidos no México indicaram a existência de variedades não-tóxicas (baixos níveis de
ésteres de forbol) de pinhão-manso;
b) Avaliar a composição dos fatores tóxicos e antinutricionais do farelo obtido por diversos
solventes;
c) Validar os tratamentos existentes e desenvolver métodos de destoxificação mais eficientes e de
menor custo, principalmente por meio de cultivos de fungos lipolíticos não patogênicos;
d) Avaliar a viabilidade operacional e econômica de processos de destoxificação do farelo e torta
de pinhão-manso;
e) Avaliar a viabilidade operacional e econômica de processos de decorticação de farelos e tortas
de pinhão-manso, o que ampliaria o valor nutritivo para animais ruminantes e possibilitaria seu uso na
alimentação de animais não-ruminantes;
f) Condução de ensaios com animais para validar os processos de destoxificação e determinar
níveis ótimos de inclusão na dieta.
4. Glicerina
A glicerina é um triol viscoso, resultante, entre outros, do processo de transformação de um
triglicerídeo em éteres de ácidos graxos (biodiesel) a partir de uma reação de transesterificação, na
presença de um catalisador (normalmente básico) e de um álcool de cadeia curta (metanol ou etanol). O
termo glicerina aplica-se aos produtos comerciais à base de glicerol. O termo glicerol aplica-se normalmente
ao componente químico puro 1,2,3-propanotriol. Vários níveis e designações de glicerina estão disponíveis
comercialmente, que diferem quanto ao conteúdo de glicerol, álcool, catalizadores, ácidos graxos, sabões,
cor e odor (Mota et al., 2009).
4.1 Classificação e composição química
Na indústria do biodiesel podem ser obtidas basicamente quatro tipos de glicerina:
Glicerina bruta: Obtida logo após a separação do biodiesel. Contém baixos níveis de glicerol (40 a
70%), elevados níveis de catalizadores, álcool, água, ácidos graxos e sabões. O pH normalmente é elevado
(> 12);
Glicerina bruta “loira”: É a glicerina bruta após sofrer tratamento ácido, seguido de remoção dos
ácidos graxos e sabões. Possui normalmente 75 a 90% de glicerol. O restante é formado por água, sais,
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água e metanol. Valor de pH entre 5 e 6. É o principal tipo de glicerina obtida atualmente ns indústrias de
biodiesel;
Glicerina grau famacêutico (grau USP): É a glicerina bruta “loira” após sofrer bidestilação a vácuo
e tratamento com absorventes. Contém mais de 99% de glicerol. Tem grande aplicação nos setores de
cosméticos, higiene pessoal, medicamentos e fumo;
Glicerina grau alimentício (food grade): Completamente isenta de metanol.
Para cada 90 m3 de biodiesel são gerados 10m3 de glicerina bruta. Assim, estima-se que no ano de
2010 foram produzidos cerca de 260 mil m3 de glicerina bruta, valor este que excede a demanda de
glicerina bidestilada aplicada convencionalmente pelas indústrias de cosméticos, higiene pessoal, fármacos e
alimentos. Assim, faz-se necessário desenvolver novas formas de uso da glicerina bruta a fim de agregar
renda e minimizar o passivo ambiental da cadeia produtiva do biodiesel.
Devido à presença de glicerol, a glicerina apresenta potencial de uso na alimentação animal como
fonte energética, notamente em substituição a cereais ricos em amido. A quantidade estimada de glicerina
do biodiesel produzida no ano de 2010 representa cerca de 3,5% da demanda anual de ração concentrada
comercial para bovinos no Brasil (Sindirações, 2010).
Em razão do expressivo aumento da oferta de glicerina e do potencial de uso como
macroingrediente na dieta de animais, o Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária (MAPA)
autorizou o uso da glicerina bruta do biodiesel em outubro de 2010. O padrão mínimo de qualidade está
descrito na Tabela 6. A glicerina obtida de gordura animal ainda não é autorizada na alimentação de
ruminantes em razão do risco de transmissão doenças priônicas. O uso da glicerina oriunda do óleo de
mamona e de pinhão-manso também não foram autorizadas pelo MAPA devido ao potencial risco da
presença de toxinas.
Tabela 6 – Padrão mínimo de qualidade da glicerina bruta para alimentação animal exigido no Brasil
(MAPA, 2010)
Composto Limite Valor
(base na matéria
natural)
Glicerol Valor mínimo 800 g/kg
Umidade Valor máximo 130 g/kg
Metanol Valor máximo 150 mg/kg
Sódio Valor máximo garantido
pelo fabricante e pode variar
em função do processo
produtivo
Matéria mineral Valor máximo garantido
pelo fabricante e pode variar
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em função do processo
produtivo
Fonte: Departamento de Fiscalização dos Insumos Pecuários (MAPA)Data: 05/10/2010
Entretanto, há substanciais evidências que no processo de transesterificação ocorre destruição de
príons (PrPsc) de scrapie (Seidel et al., 2006), degradação de ésteres de forbol (Makker et al., 2009) e de
gossipol (Qian et al., 2008), indicando haver potencial de uso seguro de glicerina oriunda de gordura animal,
de pinhão-manso e de algodão na alimentação de ruminantes. Porém ainda faz-se necessário a confirmação
por meio de ensaios de longa duração com animais.
Realizou-se uma compilação de dados sobre a composição química da glicerina bruta do biodeisel
utilizada na alimentação animal (Tabela 7) A glicerina utilizada foi majoritariamente do tipo “loira” obtida
após a transesterificação do óleo de soja. O teor de glicerol variou entre 80 a 90% da glicerina. O teor de
metanol (principal álcool utilizado) variou consideravelmente ( entre 120 a 86.400 mg/kg de glicerina) e a
maioria apresentou níveis mais elevados que o limite máximo exigido pelo MAPA.
Tabela 7- Estatística descritiva da composição química (base da matéria natural) da glicerina bruta oriunda
de óleo de soja utilizada na dieta de animais
Item Média Mínimo Máximo n1
Glicerol, % 84,49 80,00 90,70 7,0
Água, % 7,50 5,00 10,40 5,0
Metanol,
mg/kg 13.000 120 86.400 6,0
Extrato etéreo,
% 1,26 0,00 6,90 6,0
Mineral, % 7,19 5,50 10,00 6,0
Na, % 2,26 1,30 3,50 6,0
1 Lammers et al. (2008); Menten et al. (2008); Gomes (2009); Mach (2009); Berencheten et al.
(2010); San Vito (2010); Van Cleef et al. (2010).
A ingestão do metanol pode causar toxidade em animais, notadamente pelo acúmulo no sangue de
ácido fórmico produzido no fígado a partir de reações de desidrogenação do metanol. O ácido fórmico é
excretado na urina, mas o seu excesso no sangue pode causar depressão do sistema nervoso central,
acidose metabólica e lesão ocular.
Ruminantes provavelmente são mais tolerantes à ingestão de metanol, pois o mesmo pode ser
convertido em metano no rúmen. Pol & Demeyer (1988) verificaram que a infusão ruminal de metanol não
afetou a produção e composição de ácidos graxos volátei ,e que 77% do metanol foi convertido à metano
(in vitro) no meio de cultivo com inóculo de ovinos adaptados.
Os níveis elevados de sódio encontrado na glicerina bruta “loira” (1,3 a 3,5%, base da matéria
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natural) podem limitar seu uso na dieta. O excesso de sódio na dieta pode reduzir o consumo e o
desempenho animal, além de ampliar a incidência e severidade de edema de úbere (principalmente em
novilhas pré-parto). Segundo o NRC (2001) níveis de sódio não devem ultrapassar a 1% da dieta (base da
matéria seca).
A presença de metais pesados também podem representar um risco da ingestão de glicerina.
Porém, Lage (2009) ao avaliar níveis crescentes de glicerina bruta (contendo 36,2% de glicerol, 46,48% de
ácidos graxos totais, 8,66% de metanol e 6,2% de água) na dieta (0, 3, 6, 9 e 12% na MS) de ovinos em
confinamento da raça Santa Inês, com peso corporal inicial médio de 20 kg e peso corporal final de 35 kg,
concluiu que o uso de glicerina bruta não promove mudanças que comprometam a qualidade e segurança
alimentar da carne no tocante aos níveis de metais pesados no músculo e fígado. Os níveis de metais
pesados observados na glicerina pelo autor comparativamente aos níveis máximos tolerados por ruminantes
estão descritos na Tabela 8.
Tabela 8 – Comparativo entre a composição de metais pesados analisados na glicerina bruta (36,2% de
glicerol, 46,48% de ácidos graxos e 8,66 % de metanol) e o nível máximo tolerável em dietas
de ruminantes
Item Glicerina bruta Nível máximo tolerável em
dietas por ruminantes2
Cobre (Cu), mg/kg 5,65 15-40
Cromo (Cr ), mg/kg 1,19 50
Níquel (Ni), mg/kg 5,87 50
Chumbo (Pb), mg/kg 0,33 30
1 Laje (2009)
2 NRC (2001)
4.2 Metabolismo do glicerol e seu efeito
Parcela significativa do glicerol ingerido (39 a 69%) é fermentado até ácidos graxos voláteis no
rúmen em animais adaptados (Rémond et al., 1993). Parte do glicerol ingerido que escapa da fermentação
ruminal é absorvido no trato gastrintestinal e metabolizado no fígado a gliceraldeído 3-fosfato, que poderá
ser degradado via glicólise para produção de energia ou direcionado para síntese de glicose
(gliconeogênese), dependendo do estado fisiológico do animal (Krehbiel, 2008). Quando a demanda de
glicose é alta, como o caso de animais em crescimento muscular, o glicerol é usado preferencialmente para
produção de glicose.
Diversos ensaios in vitro foram realizados nos últimos anos visando avaliar os efeitos da adição de
glicerol sobre o metabolismo ruminal (Donkin, 2008; El-Nor et al., 2010; Krueger et al., 2010; Lee et al.,
2011). De maneira geral a adição de até 15% de glicerol (base da matéria seca) não afetou a digestibilidade
da fibra e da matéria orgânica e a produção; aumentou a produção de propionato e/ou butirato, com
1
3+), mg/kg
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pequeno efeito sobre a produção de acetato; reduziu a produção de metano por unidade de matéria
organica digerida, indicando melhor eficiência de utilização da energia disponível.
Um efeito interessante do glicerol sobre o metabolismo ruminal de lipídeos foi observado por
Krueger et al. (2010). As adições de 2 e 10% de glicerol no substrato (base da matéria seca) reduziram em
48 e 77% a lipólise ruminal in vitro. O comportamento verificado por estes autores sugere que a adição de
glicerol pode ampliar o fluxo intestinal de ácidos graxos insaturados dietéticos, e aumentar o potencial de
deposição dos mesmos na carcaça e de secreção no leite. No entanto, faz-se necessários estudos
confirmatórios com animais.
4.3 Glicerina na alimentação de bovinos em crescimento e terminação
Em razão do potencial glicogênico do glicerol, a maioria dos estudos científicos publicados nas
últimas décadas sobre o uso da glicerina (bidestilada) limitaram sua aplicação no tratamento de desordens
metabólicas em vacas de leite de alta produção, utilizando-se baixos níveis na dieta (abaixo de 5%, base da
MS) (Johnson et al., 1954; Fisher et al., 1971; 1973; DeFrain et al., 2004). O uso como
macroingredientes, no entanto, é recente.
Compilação de resultados de quatro experimentos sobre uso da glicerina bruta do biodiesel (GB)
em dietas para bovinos terminados em confinamento de corte é apresentada na Tabela 9. Os níveis de
glicerol variaram de 82 a 86% e metanol de 0,09% a 1,25%. O nível máximo de inclusão de GB variou
entre 12 a 30% na MS da dieta. Todas as glicerinas foram obtidas a partir do óleo de soja. Em apenas um
experimento foi observado efeito da GG sobre o desempenho dos animais, com valores máximos de
consumo de matéria seca, ganho de peso corporal e eficiência alimentar obtidos com a inclusão de 2% de
GB na dieta (Pearson et al., 2009). Todavia, neste experimento, o desempenho dos animais alimentados
com até 12% de GB na dieta foi semelhante aos animais que não receberam glicerina. O rendimento de
carcaça não foi afetado pela inclusão de GB em três experimentos.
O aumento esperado na deposição de gordura intramusculuar e do rendimento de carne (área do
músculo longissimus dorsi - LD) não foi confimado nestes experimentos. Mach et al. (2009) verificaram
que a adição de até 12,1% de GB na dieta de bovinos da raça holandesa não afetou área do músculo
Longissimus dorsi (LD) e o seu conteúdo de gordura. Elam et al. (2008) também verificaram que adição
de até 15% de GB na dieta de novilhas cruzadas (racas continentais vs britânicas) não afetou os indicadores
de deposição de gordura intramuscular e de rendimento de carne. Pearson et al. (2009) por sua vez,
observaram redução linear na área do músculo LD e no grau de deposição de gordura intramuscular com o
aumento do nível de GB de 2 para 16% na dieta (base da MS) de novilhas cruzadas (não definido pelos
autores). A deposição de gordura subcutânea não foi afetada pela adição de GB.
Assim, até o momento não se confirma os benefícios da alta capacidade glicogênica do glicerol
sobre as características de carcaça de bovinos de corte alimentados com GB. Desta forma, justifica-se o
uso da GB em substituição à fontes de concentrados energéticos (i.e. milho) apenas por conveniência
econômica. Potenciais efeitos sobre a redução de emissão de metano ruminal ainda necessitam de
confirmação por meio de estudos in vivo de longa duração.
4.4 Efeito da glicerina sobre o desempenho reprodutivo de machos
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A espermatogênese pode ser comprometida pelo fornecimento de glicerol na dieta. É reconhecido que
a administração intratesticular de glicerol causa pertubações no citoesqueleto das células de sertoli e reduz a
síntese de lactato nas mesmas, ocasionando défict energético nas espermátides (Igdoura & Wiebe, 1994;
Wiebe, 2000). Além disso De fato, Gomes (2009) verificou que a adição de 15 e 30% de GB (83,1% de
glicerol, 0,012% de metanol e 1,3% de sódio) na dieta de ovinos ocasionou redução de 77 e 74% a
concentração de espermatozóides no ejaculado de ovinos em confinamento.
4.5 Perspectivas e recomendações
A glicerina bruta do biodiesel oriúnda do óleo de soja, com teor de glicerol acima de 80%, pode ser
utilizada em até 10% na matéria seca de dietas para bovinos de corte em terminação, sem afetar o
desempenho produtivo, as características da carcaça e a qualidade da carne. Recomenda-se maior
direcionamento para experimentos sobre uso da glicerina em suplementos para bovinos em pastejo.
Os ruminantes provavelmente toleram níveis de metanol acima do valor máximo exigido atualmente
pelos orgãos federais de fiscalização, de 150 mg/kg de glicerina. Todavia, os níveis máximos seguros de
metanol na glicerina ainda precisam ser definidos.
Há substanciais evidências que o uso da glicerina como macroingrediente na dieta reduz a
espermatogênese. Todavia, recomenda-se o desenvolvimento de mais estudos confirmatórios e/ou de
estratégias para redução deste efeito.
A segurança do uso de glicerina oriunda da transesterificação de gordura animal, bem como de óleos
vegetais contendo toxinas ou fatores antinutricionais (principalmente de pinhão-manso, algodão e de
brássicas) ainda necessita ser avaliada.
O uso de glicerina na dieta apresenta potencial de reduzir a emissão de metano ruminal por unidade de
matéria orgânica digestível ingerida, mas que ainda necessita de confirmação por meio de estudos in vivo
de longa duração.
O uso de glicerina na dieta apresenta potencial ampliar o fluxo intestinal de ácidos graxos insaturados
dietéticos e aumentar a deposição dos mesmos na carcaça e a secreção no leite. No entanto, também faz-se
necessários estudos confirmatórios in vivo.
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Fonte: Amazônia Phos
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