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GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
MESTRADO ASSOCIADO DE ENFERMAGEM
O COTIDIANO DE SER PORTADOR DE
TUBERCULOSE E PRIVADO DE LIBERDADE:
contribuições de Enfermagem
Marcandra Nogueira de Almeida Santos
BELÉM – PA 2012
1
MARCANDRA NOGUEIRA DE ALMEIDA SANTOS
O COTIDIANO DE SER PORTADOR DE TUBERCULOSE E
PRIVADO DE LIBERDADE: contribuições de Enfermagem
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (Associado UEPA/UFAM) como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Antonia Margareth Moita Sá.
BELÉM – PA JUNHO/2012
2
MARCANDRA NOGUEIRA DE ALMEIDA SANTOS
O COTIDIANO DE SER PORTADOR DE TUBERCULOSE E
PRIVADO DE LIBERDADE: contribuições de Enfermagem
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (Associado UEPA/UFAM) como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Antonia Margareth Moita Sá.
BANCA EXAMINADORA
LLIISSTTAA DDEE AABBRREEVVIIAATTUURRAASS EE SSIIGGLLAASS
Antonia Margareth Moita Sá - Presidente
Marília de Fátima Vieira de Oliveira - 1º Membro
Data: 20/06/2012
Laura Maria Vidal Nogueira - 2º Membro
Nelson José de Souza Júnior - 3º Membro
3
Dados Internacionais de Catalogação na publicação Biblioteca do Curso de Enfermagem da UEPA – Belém - Pá
S237c Santos, Marcandra Nogueira de Almeida O Cotidiano de ser portador de tuberculose e privado de liberdade: contribuições de enfermagem/Marcandra Nogueira de Almeida; Orientadora: Antonia Margareth Moita Sá - Belém, 2012. 116f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2012.
1. Tuberculose - Diagnostico 2. Tuberculose – Prevenção. I. Sá, Antonia Margareth Moita. (Orient.) II. Título.
CDD: 21 ed. 616.995
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela força, sabedoria e proteção; pelas possibilidades de ser e de
viver neste mundo.
À minha mãe Lucineide, mulher guerreira, forte, exemplo de superação e inspiração
diante das adversidades; para quem devo muitas de minhas vitórias.
Aos meus queridos irmãos Alessandra e Marquezan pela confiança, respeito, amor e
pelo apoio quando decidi partir em busca dos meus sonhos.
Ao meu amado esposo Antonio pela cumplicidade e incentivo; pelo carinho e
cuidado que me tornam a cada dia livre para viver minhas próprias escolhas; por
representar a paz e um amor que eu preciso para ser feliz.
À Margareth Sá, uma das mulheres mais corajosas e autênticas que já conheci; mais
que uma orientadora, um exemplo de compromisso, dedicação e zelo nesta
caminhada; motivadora nos momentos de dificuldade, questionadora nos instantes
de dúvidas e, sobretudo, uma grande amiga que com seus elogios generosamente
permitia que eu me sentisse a cada encontro uma pessoa especial.
Aos meus amigos (Ailma, Ailton, Áurea, Bruna, Denílson, Herivelton, Honório, Ivana,
Marcella, Poliana, Simão Pedro, Sara, Rosângela e tantos outros), companheiros
nesta vida, dos quais a confiança e a compreensão me são essenciais.
Aos professores do Mestrado Associado de Enfermagem UEPA/UFAM, por sua
colaboração e esforço para transformar este projeto em realidade.
Aos professores do Mestrado de Filosofia da Universidade Federal do Pará pela
oportunidade de interagir com outros modos de pensar.
Às companheiras Esleane, Márcia Helena, Márcia Simão, Margareth Braun e Vera,
com as quais durante dois anos pude compartilhar experiências, transcender
obstáculos e estabelecer novos e marcantes laços de amizade.
5
Aos portadores de tuberculose privados de liberdade pela disposição em ajudar-me
neste estudo, não apenas por participarem das entrevistas, mas por sua colaboração
respeitosa e acolhedora, as quais sem dúvida me possibilitaram uma nova
compreensão acerca do cuidado de enfermagem dentro e fora das prisões.
Aos colegas diretores, vice-diretores, agentes penitenciários e especialmente, às
enfermeiras e auxiliares de enfermagem que atuam nas prisões cenários da
pesquisa, pela disponibilidade e ajuda durante a realização da mesma.
À Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará, pela autorização e apoio à
realização deste estudo.
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O COTIDIANO DE SER PORTADOR DE TUBERCULOSE E PRIVADO DE
LIBERDADE: contribuições de Enfermagem
Marcandra Nogueira de Almeida Santos
Orientadora: Dra. Antonia Margareth Moita Sá
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem Magalhães Barata, da Universidade do Estado do Pará – UEPA, como requisito parcial necessário à obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
RESUMO
A tuberculose em prisões é um tema complexo que pode ser estudado a partir de, pelo menos, dois conhecimentos, o científico e o fenomenológico. Este estudo teve como objeto o cotidiano de ser portador de tuberculose e privado de liberdade, e como objetivo compreender o sentido que funda o cotidiano de ser portador de tuberculose e privado de liberdade. Optou-se nesta investigação pelo método fenomenológico de pesquisa e para a análise compreensiva, pela fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger. Por meio das entrevistas realizadas foi possível compreender que o modo de viver o cotidiano das pessoas privadas de liberdade e com tuberculose não as diferencia de outras pessoas doentes, pois ainda que limitadas ao ambiente das prisões, elas significam a doença como uma condição difícil de aceitar, mais difícil que o próprio confinamento. O vivido por estas pessoas não é, de certo modo, diferente de como vivem todos os seres humanos, imersos na maior parte do tempo no modo cotidiano de ser, dominados pelo falatório e pela ambiguidade. A tuberculose no dia-a-dia em prisões é uma das condições que retira dos doentes a força de que dispõem para conviver e, enquanto ameaça, coloca diante deles o medo pela possibilidade da morte, que representa a perda de seu ser-com os outros no mundo. Reforça-se a necessidade de avaliação da organização dos processos de trabalho em saúde para o controle da tuberculose em prisões, que devem considerar a singularidade destes ambientes. Uma ênfase pode ser atribuída aos processos de trabalho de enfermagem, considerando que para esta categoria profissional é possível a quase totalidade das ações na atenção básica que visam o combate da doença, não excluídas as responsabilidades dos demais profissionais da equipe para o aprimoramento do programa de controle da tuberculose. Para isso, é necessário melhorar as condições de diagnóstico e tratamento nestes ambientes; discussões acerca da saúde prisional devem ser ampliadas, principalmente no nível municipal da saúde, uma vez que a atenção básica no Brasil se dá, quase exclusivamente, neste âmbito da assistência.
Palavras-chave: Tuberculose. Prisões. Enfermagem. Pesquisa Qualitativa.
Belém – PA Junho/2012
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THE DAILY LIFE OF BEING PERSON WITH TUBERCULOSIS AND DEPRIVED OF FREEDOM: Contributions of Nursing
Marcandra Nogueira de Almeida Santos Advisor: Dra. Antonia Margaret Moita Sá
Abstract of Master Dissertation submitted to the Post- Graduation Program in Nursing, Nursing College Magalhães Barata, State University of Pará – UEPA, as part of de necessary qualification to have the Master degree in Nursing.
ABSTRACT
Tuberculosis in prisons is a complex topic that can be studied by means of at least two knowledge, the scientific and the phenomenological. This study had as object the daily life of being person with tuberculosis and deprived of freedom and objective to understand the sense that found the daily life of being person with tuberculosis and deprived of freedom. Was used for this investigation the phenomenology research method and for the comprehensive analysis, the hermeneutics phenomenology of Martin Heidegger. Through interviews it was possible to understand that way of living the daily of people deprived of freedom and with tuberculosis do not differ from other sick people, because although limited to the environment of prisons, they mean the disease as a condition difficult to accept more difficult than the actual confinement. The lived by these people is not, somehow, different from how all living human beings, immersed in most of the time in daily mode of being dominated by hype and ambiguity. Tuberculosis in the day-to-day in prison is one of the conditions of patients who withdrew the force they have to live as a threat and set before them the fear of the possibility of death, which represents the loss of his being-with others in world. It reinforces the need to evaluate the organization of work processes in health for the control of tuberculosis in prisons, they should consider the uniqueness of these environments. An emphasis can be attributed to the processes of nursing work, considering that it is possible for nursing almost all of the shares in primary care aimed at combating the disease, not excluded from the responsibilities of the remaining team members to improve the control program tuberculosis. Therefore, it is necessary to improve the diagnosis and treatment in these environments; discussions about prison health care should be expanded, particularly at the municipal level of health, since the primary care in Brazil is almost exclusively in the context of assistance. Keywords: Tuberculosis. Prisons. Nursing. Qualitative Research.
Belém – PA Junho/2012
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BCG Bacilo de Calmette e Guérin
BAAR Bacilo Álcool-ácido Resistente
CRPPIII Centro de Recuperação Penitenciário do Pará III
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
EPI Equipamento de Proteção Individual
ESF Estratégia Saúde da Família
ILTB Infecção Latente tuberculosa
MJ Ministério da Justiça
MS Ministério da Saúde do Brasil
OMS Organização Mundial de Saúde
PNCT Programa Nacional de Controle da Tuberculose
PNH Política Nacional de Humanização
PPL pessoas privadas de liberdade
PT Prova Tuberculínica
SINAN Sistema Nacional de Agravos de Notificação
SUS Sistema Único de Saúde
SUSIPE Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará
TB Tuberculose
TDO Tratamento Diretamente Observado
XDR Tuberculose Extensivamente Resistente a Drogas
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
1.1 A Tuberculose no mundo, no Brasil e no Pará: ............................................ 11
1.2 Quem são e onde estão as pessoas privadas de liberdade? ...................... 15
1.3 Minha aproximação com as pessoas privadas de liberdade ...................... 17
2 O FACTUAL DA DOENÇA
2.1 A tuberculose: conceitos, classificações, diagnóstico, tratamento e preven-
ção ..................................................................................................................... 21
2.2 O cuidado de enfermagem ao portador de tuberculose ............................... 35
2.3 Notas acerca da privação de liberdade .................................................. 38
2.4 A tuberculose em prisões ........................................................................ 40
3 PERCURSO TEÓRICO FILOSÓFICO
3.1 Fenomenologia, uma ciência filosófica ................................................... 46
3.2 Heidegger e a proposta de uma fenomenologia ontológica ................... 49
3.3 O cotidiano em Heidegger ........................................................................ 54
3.4 A fenomenologia hermenêutica Heideggeriana ......................................... 55
4 PERCURSO METODOLÓGICO
4.1 Método escolhido .................................................................................. 57
4.2 Aproximação às pessoas participantes .................................................. 58
4.3 Cenários do estudo .................................................................................. 59
4.4 Análise Fenomenológica ............................................................................. 59
4.5 Aspectos éticos ........................................................................................... 60
5 COMPREENSÃO VAGA E MEDIANA
Unidade 01 A pessoa privada de liberdade e o início de uma trajetória
para a confirmação da doença ....................................................................... 62
Unidade 02 O viver com tuberculose em prisões .......................................... 65
Unidade 03 O desafio de curar-se .................................................................. 73
6 HERMENÊUTICA ......................................................................................... 78
10
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 91
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 98
APÊNDICES ..................................................................................................... 105
ANEXOS ........................................................................................................... 110
11
11 IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
A tuberculose (TB) em prisões é um tema complexo que pode ser estudado
a partir de, pelo menos, dois conhecimentos, os quais apesar de distintos não se
excluem. O primeiro deles é o conhecimento científico, que por sua natureza
explicativa busca o quê de seus objetos de investigação; o segundo conhecimento é
o fenomenológico, que não propõe explicar, mas compreender como os fenômenos
ocorrem, como eles são. Este estudo optou pela segunda possibilidade e teve como
objeto o cotidiano de ser portador de tuberculose e privado de liberdade.
As seções desta investigação buscam apresentar ao leitor uma proposta de
reflexão, que certamente, apresenta à enfermagem outros modos de compreensão
acerca das suas práticas de cuidado. Assim, o primeiro e o segundo capítulos
trazem informações factuais a respeito do tema, bem como introduzem a experiência
da autora junto às pessoas com tuberculose e privadas de liberdade. O terceiro, o
quarto, o quinto e o sexto capítulos apresentam respectivamente, o percurso teórico
filosófico que sustentou o desenvolvimento do estudo, o método escolhido, a
compreensão vaga e mediana e a fenomenologia hermenêutica Heideggeriana.
1.1 A TUBERCULOSE NO MUNDO, NO BRASIL E NO PARÁ
É uma doença milenar responsável por causar grandes impactos na
humanidade. Seus registros incluem pesquisas arqueológicas que revelaram indícios
da doença em múmias egípcias há milhares de anos, passando pela idade média e
renascimento, quando foi denominada de peste branca, pelo período da revolução
industrial e até os nossos dias (TEIXEIRA et al., 1999).
A ocorrência da doença está fortemente relacionada a precárias condições
de habitação e ao estado nutricional das pessoas, apesar de ter acometido ao longo
dos séculos reis, rainhas, cientistas, músicos, poetas e outras personalidades de
classe média e alta, tais como Chopin, Braille, Florence Nightingale, Álvares de
Azevedo, Casimiro de Abreu e Castro Alves. Sobre estes últimos, poetas brasileiros,
Rosemberg (1999) descreve o estilo de vida boêmia até a primeira metade do século
XX, quando todos passavam as noites nos bares e botequins ironizando sua sorte e
romantizando seus sofrimentos.
12
Hoje, apesar do reconhecimento da tuberculose como doença curável e de
tratamento bem definido, ela é ainda uma das que mais mata pessoas em todo o
mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) um terço da população
mundial está infectada pelo bacilo da tuberculose e 1,7 milhões morrem todos os
anos. Dada a sua magnitude e importância social e econômica, a TB está
relacionada nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, uma vez que o sexto
objetivo é reduzir pela metade o número de casos e de mortes por tuberculose entre
1990 e 2015 (BARREIRA, 2010).
Para alcançar esse fim, o Brasil pactuou com a OMS os seguintes
indicadores: coeficiente de detecção de casos de 70%, cura de pelo menos 85% dos
casos tratados, redução do abandono de tratamento para menos de 5%, redução da
mortalidade para 5 casos por 100.000 pessoas e da prevalência para 50 casos por
100.000 pessoas, para o que será necessário empenho dos países, principalmente
daqueles onde a doença representa um grave problema de saúde pública (WHO,
2006).
A incidência da tuberculose é maior nas periferias das grandes cidades, isto
porque, como mencionado, a doença está associada principalmente às precárias
condições de vida da população em áreas com grande concentração populacional,
poucos serviços de infra-estrutura, saneamento inexistente ou inadequado,
ambientes fechados, escuros e pouco ventilados.
Para Sanchez et al. (2002) a TB está relacionada ainda à má distribuição de
renda e a urbanização acelerada, as quais afetam o cotidiano, sobretudo das
pessoas doentes e de seus familiares, considerando o alto poder de disseminação
social da doença e porque acomete pessoas saudáveis, quase sempre em idade
economicamente ativa. Para Teixeira (2002, p.3) “a importância social da TB está
dada pela expressão da transcendente meta formulada pela OMS que projeta, para
o ano 2050, a eliminação da tuberculose como problema de saúde pública” no
mundo, o que é traduzido por uma incidência de um caso por milhão de habitantes
por ano.
Cerca de 81% dos casos de tuberculose estão concentrados em 22 países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento que agregam as maiores cargas da
doença (Quadro 1), o que reforça a relação da sua ocorrência com o nível sócio-
econômico das populações. O Brasil ocupa neste ranking, o 17º lugar. Em taxas de
incidência, prevalência e mortalidade, o Brasil é o 22º colocado. No panorama
13
mundial da TB, cinco países foram destacados com o maior número de casos
incidentes no ano de 2010: a Índia (com 26% do total de casos no mundo), a China
(que associada à Índia representou 38% de casos no mundo), a África do Sul, a
Indonésia e o Paquistão (WHO, 2011).
Por regiões mundiais a tuberculose em 2010 esteve assim estimada: Ásia
com 59%, África 26%, Mediterrâneo Oriental 7%, Europa 5% e Américas 3%. A taxa
de incidência global em 2010 foi de 128 casos por 100.000 habitantes, com cerca de
6,2 milhões de notificações. O número de mortes esteve estimado em 1,4 milhões,
dos quais 350 mil entre pessoas vivendo com HIV/aids (WHO, 2011).
Quadro 1 – Estimativas de mortalidade, prevalência e incidência da TB em 2010 segundo os 22 países com maior carga
Fonte: WHO (2011, p.22). Nota: A letra b indica que os valores descritos a respeito da variável Mortalidade por TB excluem os pacientes HIV positivos, dos quais os óbitos são contabilizados como mortalidade por HIV; As classificações BEST, LOW e HIGH Indicam respectivamente a melhor, a menor e a maior estimativa dos dados.
Dos casos de TB diagnosticados no mundo em 2010, o Brasil foi o 108º país
em incidência e o responsável por 40% das notificações nas Américas. Em 2011, de
acordo com dados preliminares do Ministério da Saúde do Brasil (MS) foram
notificados cerca de 69 mil casos novos, o que representou uma queda de 3,54%
14
em relação ao ano anterior e uma taxa de 36 casos para cada 100 mil pessoas
(BRASIL, 2012a).
Desde 2003 a tuberculose foi declarada como uma das doenças prioritárias
no país. No que concerne aos recursos financeiros disponíveis para o controle da
doença, observou-se um importante aumento anual no período compreendido entre
os anos de 2000 a 2011, o que enfatiza a interferência da doença sobre a economia
brasileira: em 2000 foram 9,3 milhões de dólares, enquanto que em 2005 e 2009
registraram-se 29,7 milhões e 74 milhões de dólares investidos, respectivamente
(BARREIRA, 2010).
No que diz respeito à doença no Pará, no ano de 2011 a incidência de 47
casos para cada 100 mil pessoas foi a terceira entre os Estados brasileiros,
precedida pelo Rio de Janeiro e Amazonas, respectivamente, de acordo com dados
preliminares do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012b). Neste mesmo ano, verificou-
se que Belém foi a segunda capital brasileira em incidência, precedida de Porto
Alegre.
Estas elevadas incidências, que certamente não são realidade exclusiva das
capitais e grandes centros urbanos, destacam no país alguns grupos que estão em
maior risco para o adoecimento, entre eles os moradores de rua, as pessoas vivendo
com HIV/Aids, as populações indígenas e as pessoas privadas de liberdade, estas
últimas de especial interesse neste estudo.
Entre as pessoas privadas de liberdade no Pará no ano de 2010 foram
identificados 122 casos da doença, com um percentual de cura de aproximadamente
62,3%, com registros da categoria “ignorado” ou “em branco” em torno de 4,9% e a
taxa de abandono em 10,7%. Dados preliminares do Sistema Nacional de Agravos
de Notificação (SINAN) para o ano seguinte apontaram 138 novos casos de PPL
com TB no sistema prisional (incluindo delegacias), um incremento inicial de 13% em
relação ao ano anterior (PARÁ, 2012a).
Em 2011 notou-se que, considerando uma população privada de liberdade de
12.000 pessoas em média, o coeficiente de incidência da doença esteve em torno
de 1.150/100.000, ou seja, 24 a 25 vezes maior que a incidência entre a população
paraense e aproximadamente 32 vezes maior que a incidência nacional no mesmo
ano para a população em geral (PARÁ, 2012a).
15
1.2 QUEM SÃO E ONDE ESTÃO AS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE?
O termo pessoas privadas de liberdade (PPL) vem sendo empregado há
alguns anos pelos organismos sociais e de saúde no Brasil e no mundo, em
substituição a termos como: prisioneiro, encarcerado, apenado, condenado, preso
de justiça e outros que, de forma equivocada, são tomados como sinônimos e
descaracterizam a natureza do ser humano que, privado do convívio livre com a
sociedade, não perde os demais direitos como, por exemplo, à saúde, à
religiosidade, à educação, ao lazer, ao trabalho, à afetividade, entre outras
necessidades humanas.
Neste caso, a palavra liberdade na expressão PPL não assume sentidos
conceituais mais amplos como os defendidos por pensadores como Aristóteles,
Epicuro, Tomás de Aquino, Kant, Heidegger e tantos outros citados por Abbagnano
(2007). Trata-se particularmente de compor nomeação menos agressiva e mais
humanística às pessoas submetidas à pena de prisão, que veio historicamente
substituir os suplícios e a pena de banimento. Segundo Fernandes (2009) tal
substituição se deu graças aos ideais humanistas do século XVIII.
Por meio do poder político, a pena de prisão é consequência àqueles que
não cumprem a lei estabelecida pela sociedade. Seus princípios trouxeram
profundas transformações nos sistemas penais mundiais, inicialmente deflagradas
na Europa. A primeira casa de detenção brasileira data de 1769 e foi construída na
cidade do Rio de Janeiro, por meio da Carta Régia do Brasil, documento que
antecedeu diversas leis, decretos e portarias, que regiam as condutas reprovadas
pela sociedade e pelo Estado, representando os ensaios iniciais para o que
posteriormente seria o “Código Penitenciário da República” e o atual “Código Penal
Brasileiro”.
O Brasil possui atualmente dois tipos de sistemas prisionais, o Federal e o
Estadual. O sistema federal é recente, foi criado em julho de 2006 e é custeado
integralmente pelo governo federal, sendo a sua administração responsabilidade do
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão vinculado ao Ministério da
Justiça (MJ). O sistema estadual é custeado pelos governos estaduais, com apoio
de investimentos do governo federal. Sua administração é de competência do órgão
gestor estadual (Secretaria de Segurança Pública ou Secretaria de Justiça), de
acordo com a organização de cada Estado.
16
No período de 1995 a 2005 o quantitativo populacional em prisões saltou de
148 mil pessoas para pouco mais de 361 mil, o que representou um aumento de
144% em 10 anos. Já entre os anos de 2005 e 2009 esta população aumentou de
361.402 mil pessoas para 473.626 mil pessoas, um incremento de 31% em quatro
anos. Cunha (2010) relatou que a população privada de liberdade no Brasil cresceu
em média 7% ao ano entre os anos de 2006 a 2010.
O déficit de vagas em dezembro de 2011 no Brasil foi de mais de 208 mil,
pois o país já contava com 514.582 PPL, 480.524 do sexo masculino e 34.058 do
sexo feminino, custodiadas em 306.497 vagas e distribuídas em 1.863 prisões, entre
elas penitenciárias, colônias agrícolas e industriais, casas de albergados, cadeias
públicas, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, patronatos e outros
(BRASIL, 2012c).
Em relação às características sociodemográficas, do total de 471.254
pessoas custodiadas pelo Sistema Penitenciário (excluindo-se as custodiadas pela
polícia) 303.721 (64,4%) não possuíam o ensino fundamental completo e 252.082
(53,4%) informaram ter de 18 a 29 anos de idade (BRASIL, 2012c). A população
privada de liberdade é em sua maioria composta por jovens, do sexo masculino, com
baixos níveis de escolaridade e de renda familiar. Muitos deles apresentam
antecedentes de encarceramento, são usuários de drogas e têm situação social
deficiente.
O Pará registrou em dezembro de 2011 um total de 12.205 PPL, 11.532 do
sexo masculino e 673 do sexo feminino, custodiadas em 6.351 vagas. Os dados
mostraram que das 9.802 PPL do Sistema Penitenciário (excluindo-se as
custodiadas pela polícia), 7.854 PPL (80,1%) não possuíam o ensino fundamental
completo e 5.669 (57,8%) estavam na faixa etária de 18 a 29 anos de idade
(BRASIL, 2012d). Em maio de 2012 o total de PPL no Estado foi de 12.271 com
11.497 do sexo masculino e 774 do sexo feminino, custodiados em 6.712 vagas
(PARÁ, 2012b).
No Pará as unidades da Superintendência do Sistema Penitenciário
(SUSIPE) somam um total de quarenta prisões, oito na capital Belém, três em
Ananindeua, três em Marituba, sete em Santa Isabel do Pará, duas em Marabá,
duas em Santarém, duas em Altamira e com uma unidade cada, Abaetetuba,
Bragança, Cametá, Capanema, Castanhal, Itaituba, Mocajuba, Paragominas,
Parauapebas, Redenção, Salinópolis, Tomé-açú e Tucuruí.
17
Sabe-se que há em prisões características próprias que vão desde a
superpopulação às más condições de confinamento, geralmente com pouca
ventilação e iluminação natural. Acrescente-se ainda a violência, a drogadição, a
insalubridade ambiental e a dificuldade de acesso a serviços de saúde intramuros
como características que refletem um contexto propício ao desenvolvimento e
transmissão de diversas doenças, dentre as quais de forma significativa está a
tuberculose (VITTI JUNIOR, 2005).
1.3 MINHA APROXIMAÇÃO COM AS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE
O primeiro contato profissional com estas pessoas se deu no ano de 2008,
por ocasião do início de minhas atividades como enfermeira concursada da SUSIPE,
atuando no hoje chamado Centro de Recuperação Penitenciário do Pará III
(CRPPIII), anteriormente denominado Centro de Recuperação Americano III, único
presídio do Estado classificado como de segurança máxima. Até então, minha
compreensão acerca das prisões era restrita a da maioria das pessoas, que se
limitam a relacionar os presídios a substantivos como morte, dor, sofrimento,
segregação, castigo, perigo.
No entanto pude observar, conviver e refletir sobre o fato de que nas prisões
também estão pessoas, doenças, conflitos, famílias, profissionais, vitórias,
fracassos, alegrias, decepções. Vivenciei experiências como a organização dos
serviços locais de enfermagem, melhorias dos registros nos prontuários de saúde
das PPL, realização de consultas de enfermagem por demanda espontânea e
agendada, procedimentos diários como curativos e aferição de sinais vitais,
realização de campanhas de vacinação, e encaminhamento de materiais para
exames laboratoriais, dentre os quais frequentemente estavam as baciloscopias de
escarro para diagnóstico da tuberculose.
A intensidade destas ações de saúde não fazia parte do cotidiano do
presídio de segurança máxima e rompi muitos paradigmas existentes intramuros,
quer fosse com as equipes de segurança, habituadas a um fluxo diário menor de
atendimentos, quer fosse com as próprias PPL, através de alguns grupos
específicos. Para estes grupos, saídas frequentes do bloco carcerário significavam
delação e, portanto, questionavam a saída de tantas pessoas para o setor de
18
enfermagem diariamente e assim, duvidavam de nossa intenção em agir para
promoção da saúde no ambiente prisional.
Apesar das dificuldades iniciais, estabeleci como objetivo profissional a
realização de mudanças na forma de atuar diante dos problemas de saúde das
pessoas na prisão. Adquiri aos poucos a confiança destas pessoas e das equipes de
segurança e busquei trabalhar com os fatores que interferiam nas ações de
enfermagem para o controle de doenças transmissíveis no cárcere objetivando,
principalmente minimizá-los.
Durante as consultas de enfermagem diárias via pessoas muito jovens, que
frequentemente queixavam-se de tosse crônica, dor no peito, falta de apetite e de
sono e muitas, inclusive, referiam estar com tuberculose. Nesse sentido, a TB tinha
expressão aumentada diante de outras patologias existentes entre as PPL. Chamou
atenção o fato de que algumas dessas pessoas diziam ter tuberculose na esperança
de serem afastados do bloco carcerário ou transferidos para outras prisões, quer
fosse pela rigidez do cotidiano de um presídio de segurança máxima ou para estar
mais próximo de seus familiares, considerando que o CRPP III, localizado no
município de Santa Isabel do Pará, é distante da capital para a maioria das famílias,
que se deslocavam à prisão, para as visitas uma vez por semana.
Assim, o diagnóstico da TB parecia ser requerido por muitos, mas
curiosamente quando este diagnóstico era confirmado, trazia consigo uma
problemática que ia além da minha compreensão profissional: a ameaça de morte
por parte de outras PPL, as quais buscando defender-se da doença e talvez por falta
de conhecimento acerca da mesma, se utilizavam do recurso da violência para
enfrentar o mal que as ameaçava.
Para preservar a integridade física de muitos, as equipes de segurança
separavam as PPL doentes em celas “enfermarias” localizadas próximo ao
consultório de enfermagem, porém me parecia que esta segregação era mais
importante do que a oferta do tratamento para romper a cadeia de transmissão da
TB, pois a doença se tornava motivo para solicitar a transferência da pessoa para
outro estabelecimento, sob a alegação de não haver condições para permanência
de doentes por tuberculose naquela prisão.
À medida que observava tais condutas, passei a esclarecer as equipes de
segurança, técnicos de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, diretores e
vice-diretores, sobre a temática da TB em prisões, baseada em conhecimentos e
19
experiências vivenciadas em treinamentos, capacitações e práticas profissionais das
quais participei extramuros. Consegui o apoio de todos e com medidas simples, mas
eficientes, passamos a fazer daquelas celas “enfermarias” nosso espaço para o
Tratamento Diretamente Observado (TDO) das PPL com tuberculose.
O TDO é uma estratégia, assim como a educação em saúde, recomendada
no protocolo de enfermagem para o tratamento da tuberculose na atenção básica,
para elevar os indicadores de controle da doença e minimizar o número de óbitos
anualmente (BRASIL, 2011a).
Com a implantação do TDO na prisão acreditei que seria consequente o
sucesso de nosso trabalho para o controle da tuberculose, contudo, outros
problemas tornaram-se aparentes: transferências para outras prisões, alvarás de
soltura, saídas temporárias e fugas foram alguns dos obstáculos que enfrentamos,
pois algumas informações eram perdidas durante o processo de trânsito destas PPL.
Algumas ao sair dos presídios, e em função da sua melhora clínica, não
reconheciam a necessidade de continuidade do tratamento, que é de no mínimo seis
meses.
Por outro lado, para aqueles que permaneciam privados de liberdade havia
fragilidade no fluxo de informações entre as equipes de saúde das prisões, pois
muitas vezes as PPL eram transferidas, mas os prontuários de saúde e os
medicamentos dos quais faziam uso não as acompanhavam, dificultando as ações
da equipe que recebia estas pessoas e interrompendo o tratamento durante alguns
dias.
Entre os fatores apontados pelas equipes de saúde das prisões que
contribuem para esta problemática, estavam a sobrecarga de atividades e a não
divulgação das transferências pelas equipes de segurança, as quais diversas vezes
justificavam tal atitude em função da necessidade de sigilo absoluto para o
deslocamento de algumas PPL de uma a outra unidade prisional.
Outros problemas surgiam quando nos deparávamos com pessoas em TDO
em excelente evolução clínica, bom relacionamento com a equipe de enfermagem e
demais profissionais de saúde, mas que subitamente não aceitavam realizar as
baciloscopias de escarro de controle ou continuar nas celas “enfermarias”, as quais
pouco tempo antes eram o seu refúgio, garantidor inclusive da sua própria vida.
Acreditava que para o controle da doença na prisão era suficiente conhecer
o porquê da ocorrência de tais problemas, e que a partir deste conhecimento, seria
20
possível oferecer um cuidado de enfermagem de qualidade às pessoas com
tuberculose e privadas de liberdade. Mas como cuidar de modo efetivo destas
pessoas sem, no entanto compreendê-las?
Diante da complexidade que representa a tuberculose em prisões foram
estabelecidas as seguintes questões norteadoras: Como é o cotidiano do portador
de tuberculose privado de liberdade? O que significa ser portador de tuberculose e
privado de liberdade? O que sente o portador de tuberculose privado de liberdade?
A partir destas reflexões, da problemática social da tuberculose neste grupo
e da possibilidade de contribuição com as ações de enfermagem para o controle da
doença e alcance da cura nestes ambientes, justificou-se o desenvolvimento desta
pesquisa, cujo objetivo foi compreender o sentido que funda o cotidiano de ser
portador de tuberculose e privado de liberdade.
21
22 OO FFAACCTTUUAALL DDAA DDOOEENNÇÇAA
Neste capítulo optou-se por apresentar os conhecimentos relacionados ao
tema publicados em livros, bases de dados e revistas eletrônicas da área da saúde,
principalmente. Os estudos permitiram congregar informações para a construção dos
seguintes subcapítulos: a tuberculose, conceitos, classificações, diagnóstico,
tratamento e prevenção; o cuidado de enfermagem ao portador de tuberculose;
notas acerca da privação de liberdade e; a tuberculose em prisões.
2.1 A TUBERCULOSE: CONCEITOS, CLASSIFICAÇÕES, DIAGNÓSTICO,
TRATAMENTO E PREVENÇÃO
A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa que tem o Mycobacterium
tuberculosis como agente causal, também conhecido como bacilo de Koch. A
transmissão da tuberculose ocorre através da inalação de gotículas contendo os
bacilos expelidos por um doente com tuberculose pulmonar (conhecido como
bacilífero) ao tossir, espirrar ou falar (BRASIL, 2008).
O Ministério da Saúde enfatiza que a infecção pelo bacilo de Koch pode
ocorrer em qualquer fase da vida, porém no Brasil ocorre frequentemente na
infância. Lembra ainda que para que haja desenvolvimento da tuberculose-doença
são necessários alguns fatores importantes dentre os quais citamos: o potencial de
contágio do caso bacilífero; a quantidade de bacilos expelidos; o tempo de
exposição ao ar contaminado pelos bacilos; a suscetibilidade genética ou
predisposição dos contatos (pessoas que convivem no mesmo ambiente com o caso
bacilífero) (BRASIL, 2008).
2.1.1 BREVE HISTÓRICO DA DOENÇA
Apesar da ocorrência de micobactérias em estudos de esqueletos que os
datam de cerca de 5.000 a.C, pode-se afirmar que a primeira evidência segura da
tuberculose foi constatada em múmias que datam de cerca de 3.700 a.C, todas
encontradas em Tebas, no antigo Egito (ROSEMBERG, 1999).
22
Na idade média a tuberculose afetou os monarcas cristãos, que acreditavam
que a doença representava a fragilidade do corpo e a necessidade de fortalecimento
da espiritualidade. Para muitos, a doença era uma espécie de punição aos ímpios.
Com a revolução industrial inglesa e sua expansão na Europa, milhares de operários
concentraram-se nas grandes cidades e eram submetidos a precárias condições de
trabalho, com extensas cargas horárias e “salários” que fortaleciam a segregação
social e a disseminação da doença.
A partir dos últimos anos do século XVIII a tuberculose recebe duas
representações. A primeira delas como “doença romântica” que foi idealizada em
obras literárias e artísticas ao estilo do romantismo; era a doença “dos poetas e
intelectuais”. A segunda representação surgiu no fim do século XIX e conviveu com
a visão romântica nas primeiras décadas deste: a TB era um “mal social”, uma
doença de “pobres e miseráveis” (DIAS, 1993).
No ano de 1882, mais precisamente no dia 24 de março, o microorganismo
causador da tuberculose foi identificado por Roberth Kock e por isso neste dia é
comemorado o dia mundial da tuberculose. Em 1913, Albert Calmette e Camile
Guérin criaram o “Bacilo de Calmette e Guérin” (BCG), com cepas atenuadas do
Mycobacterium bovis, o que representou um importante avanço para a prevenção
das formas graves de tuberculose.
Durante a primeira guerra mundial a tuberculose afetou milhares de
combatentes na Alemanha e na França, expandindo sua força entre outros países
da Europa de forma semelhante às conquistas territoriais características das
colonizações, nas quais os colonizadores levavam as doenças aos povos
conquistados, a exemplo do que ocorreu na América do Sul, África e Ásia. Na
década de 20 do século XX na Europa, os coeficientes de morte eram em números
alarmantes, estavam de 150 a 300/100.000 habitantes nas grandes metrópoles,
chegando em 1940 nas capitais – quase todas- a um coeficiente de 150 a 500/
100.000 habitantes (ROSEMBERG, 1999).
No Brasil, a TB passou a ser tema nos discursos médicos do século XX, que
associados a dados estatísticos de aumento da incidência de casos entre populares
tinham o fator biológico como principal determinante, o que fortalecia o tratamento
higieno-dietético, prevalente desde o século XIX, e que defendia a cura espontânea
dos indivíduos em condições favoráveis, traduzidas por boa alimentação, repouso,
isolamento e os “bons ares” – climas das montanhas (DIAS, 1993).
23
No que diz respeito ao isolamento dos casos os sanatórios e preventórios
para tratamento dos doentes eram representados essencialmente por instituições
estaduais e filantrópicas. Em 1927, foi criado pela Liga Brasileira contra a TB –
movimento de médicos intelectuais do Rio de Janeiro – o preventório Rainha Dona
Amélia, destinado aos filhos de doentes por tuberculose. A partir deste ano, sob o
monitoramento da Liga, deu-se o inicio da vacinação de crianças recém-nascidas
nas maternidades da cidade do Rio de Janeiro com o BCG.
Em 1930 outras tecnologias foram agregadas ao tratamento da tuberculose,
como a baciloscopia do escarro e o pneumotórax. Na década de 1940 houve
intensificação das ações de controle da doença, com a criação do Serviço Nacional
de TB e a proposta de expansão hospitalar e sanatorial em todo o país. Foi ainda
nesta década que se descobriu a antibioticoterapia específica contra a TB.
Em 1944 os pesquisadores Fleming e Selman Waksman descobriram a
estreptomicina a partir de uma bactéria denominada Streptomyces griséus, a
primeira droga eficaz para a cura da doença. Outras drogas foram posteriormente
identificadas com sucesso para o tratamento, hoje consideradas de primeira linha: a
isoniazida em 1952, o etambutol em 1960, a rifampicina em 1965 e a pirazinamida,
que apesar de ter sido sintetizada em 1936 só foi utilizada em 1970
(VASCONCELOS; SOUZA, 2005).
Nas décadas de 1950 e 60, com a eficácia das drogas contra a doença, a
modalidade de tratamento ambulatorial foi fortalecida e com isso, gradativamente
houve a desativação de sanatórios e hospitais específicos. Em 1976 foi criada a
Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária, hoje Programa Nacional de Controle da
Tuberculose (PNCT). Em 1986 foi inaugurado o Centro de Referência Hélio Fraga no
Rio de Janeiro, suporte científico e técnico a nível nacional ainda nos dias atuais
(DIAS, 1993).
2.1.2 TRANSMISSÃO E ETIOPATOGENIA
De acordo com Farga e Caminero (2011) o Mycobacterium tuberculosis é um
bacilo ligeiramente encurvado, delgado, que possui de um a quatro microns de
longitude. O bacilo, que tem a parede celular mais complexa entre as bactérias
conhecidas, é pouco vulnerável à maioria dos agentes químicos e por isso, está
protegido de diversos mecanismos de defesa natural dos hospedeiros. Sua
24
membrana possui lipídios complexos como o ácido micólico, ao que se deve sua
peculiar ácido-álcool resistência.
A capacidade de divisão do bacilo é lenta, ele dobra em número a cada 14 a
24 horas – tempo este sessenta vezes menor que a multiplicação de um estafilococo
– e seu crescimento é dependente da presença de um PH entre 7,30 e 7,40 e de
oxigênio, por isso se deve sua preferência pelos tecidos pulmonares alveolares. O
bacilo é resistente ao frio, mas sensível ao calor, luz solar e luz ultravioleta (FARGA;
CAMINERO, 2011).
A transmissão do bacilo se dá essencialmente de pessoa a pessoa através
da fala, tosse ou espirro de um doente pulmonar bacilífero, ou seja, daquele através
do qual os bacilos podem ser liberados no ambiente. Um indivíduo com TB ativa não
tratada pode infectar até 20 pessoas por ano, interferindo neste contágio fatores
como grau de infecção da pessoa com tuberculose pulmonar, a quantidade de
bacilos expelidos, a virulência do bacilo e o estado de saúde da pessoa não doente
(BRASIL, 2002).
O bacilo possui numerosos antígenos que podem despertar uma variedade
de respostas imunológicas. Assim, algumas pessoas não desenvolvem a doença,
pois nosso organismo dispõe para defesa contra o bacilo de dois tipos celulares: os
macrófagos e os linfócitos T. Os macrófagos fagocitam os bacilos nos alvéolos
pulmonares, contudo, geralmente não são capazes de eliminá-los sem apoio dos
linfócitos T, que produzem substâncias denominadas citocinas para potencializar a
ação dos macrófagos (SILVA; BOÉCHAT, 2004).
Os linfócitos T atuam sobre a desativação dos macrófagos considerados
inúteis para o organismo, possibilitando que o bacilo seja liberado no ambiente e
eliminado por outros macrófagos “na porta de entrada” (SILVA; BOÉCHAT, 2004).
As bactérias (bacilos da TB) se multiplicam livremente no interior dos macrófagos e
quando chegam a destruí-los são liberadas para o meio extracelular e podem
alcançar a corrente sanguínea e disseminar-se por todo o organismo da pessoa.
Quando a eliminação do bacilo pelas células de defesa do organismo não
ocorre, e quando não se desenvolve a doença está caracterizada a infecção latente,
na qual o bacilo tem seu metabolismo alterado e fica encapsulado e sob controle do
organismo, podendo vir a desenvolver-se e estabelecer a doença em qualquer fase
da vida do indivíduo.
25
2.1.3 FORMAS CLÍNICAS
Uma vez desenvolvida a tuberculose doença qualquer órgão pode ser
acometido, contudo, os órgãos mais comumente afetados são os pulmões, a pleura,
o cérebro, a laringe, os gânglios linfáticos, os rins e os ossos. Comumente,
classifica-se a tuberculose em pulmonar e extrapulmonar; as formas
extrapulmonares são menos frequentes. Outra classificação se dá a partir da
resistência aos fármacos utilizados no tratamento, podendo a tuberculose assumir as
formas monorresistente (resistência a uma droga), polirresistente (resistência a duas
ou mais drogas), multirresistente (resistência a dupla de fármacos rifampicina e
isoniazida) e a tuberculose XDR (extensivamente resistente a drogas), esta última
até o momento sem tratamento conhecido que possibilite a cura.
2.1.3.1 Tuberculose pulmonar
A TB pulmonar é em termos de prevalência a forma mais importante da
doença e pode se desenvolver pouco tempo depois da primoinfecção – primeira
exposição - ou anos após esta, quando se manifestará após uma reativação
endógena no organismo. Existem pelo menos cinco formas especiais de tuberculose
pulmonar, são elas a pneumonia tuberculosa – a mais grave - a tuberculose
bronquial, a silicotuberculose, o tuberculoma e a tuberculose de lobos inferiores
(FARGA; CAMINERO, 2011).
De acordo com os mesmos autores, a TB pulmonar ocorre frequentemente
nas regiões apicais e subapicais do órgão e pode causar sintomas muito
inespecíficos classificados em sistêmicos, de comprometimento do estado geral e
respiratórios. Entre os sintomas sistêmicos está a febre, a astenia, a fadiga e a
sudorese noturna; o comprometimento do estado geral reflete-se principalmente pela
perda de peso, a irritabilidade fácil e a dificuldade para concentrar-se; os sintomas
respiratórios podem ser traduzidos pela ocorrência de tosse, dispnéia e
variavelmente hemoptise. Em pequena proporção, existem doentes que se
apresentam assintomáticos.
A tuberculose pulmonar é mais frequente em adultos e representa grande
interesse na saúde pública, uma vez que dela fazem parte os casos bacilíferos,
responsáveis pela manutenção da cadeia de transmissão da doença.
26
2.1.3.2 Tuberculose extrapulmonar
A TB extrapulmonar surge como expressão de imunodeficiência do
organismo e representa menos de 20% do total de casos da doença. Apesar da
menor ocorrência, deve ser considerada importante pelos prejuízos que pode causar
aos tecidos e/ou órgãos afetados. A via de disseminação linfohematogênica é
responsável pela maioria das formas extrapulmonares da TB, pois é o caminho
natural do bacilo após a entrada no organismo (BRASIL, 2002).
A disseminação pela via hematogênica ocorre quando há ruptura da lesão
diretamente no vaso sanguíneo, o que pode acarretar em formas disseminadas e
agudas da doença. Os principais sítios extrapulmonares são os gânglios, a pleura,
os ossos, os rins, as meninges, a laringe e os sistemas digestivo, genital e hepático,
contudo, múltiplos órgãos podem ser afetados, caracterizando o tipo mais grave de
TB extrapulmonar, a TB miliar (TOMAN, 2006).
Farga e Caminero (2011) lembram que na TB extrapulmonar os sintomas
também são inespecíficos e nesses casos variam de acordo com a localização do
foco infeccioso. O diagnóstico é dificultado em razão da acessibilidade dos órgãos e
tecidos, tendo em vista que é importante identificar o bacilo em uma amostra
orgânica, além da coleta de informações clinico - epidemiológicas, principalmente
durante a investigação de indivíduos com histórico de contato anterior com doentes
por tuberculose.
A TB extrapulmonar tem sua importância aumentada diante dos casos de
pacientes coinfectados por TB e HIV, uma vez que em função da imunodeficiência
causada pelo vírus HIV, a TB extrapulmonar tem ocorrido em cerca de 60 a 70% dos
casos, não sendo raro o comprometimento simultâneo de regiões pulmonares e
extrapulmonares nestas pessoas. De igual forma, outras condições de
imunossupressão representam interesse no desenvolvimento desta modalidade da
doença, porém é importante ressaltar que estes casos não representam interesse do
ponto de vista da transmissão do bacilo (BRASIL, 2011b).
2.1.3.3 Tuberculose Resistente
Como citado anteriormente, de acordo com a resistência aos fármacos é
possível classificar a doença em TB monorresistente, polirresistente, multirresistente
27
e XDR, conhecida também como resistência extensiva. Entre elas, são
epidemiologicamente importantes a TB multirresistente (pois representa resistência
as duas principais drogas utilizadas para o tratamento da doença) e a XDR (que
além de representar resistência as duas principais drogas apresenta resistência
também a uma fluoroquinolona e a amicacina, ou canamicina ou capreomicina).
Quanto à classificação da resistência são conhecidas a natural, a primária e
a adquirida ou secundária. Qualquer uma delas é conhecida e comprovada somente
a partir da realização do teste laboratorial de sensibilidade. A maioria dos casos de
resistência se dá por intermédio de tratamentos realizados irregularmente ou de
abandonos. Para estes casos, o tratamento tem duração de 18 a 24 meses e a sua
efetividade é de cerca de 60% apenas e é realizado com fármacos injetáveis
(BRASIL, 2011b).
2.1.4 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico precoce representa um dos elementos principais para o
controle da TB no Brasil e no mundo e considera aspectos clínicos, epidemiológicos
e laboratoriais. No aspecto clínico-epidemiológico a anamnese e exame físico são
importantes para a investigação a respeito de sinais e sintomas que possam indicar
a doença, como por exemplo, lesões na orofaringe, adenopatias periféricas, lesões
cutâneas, alterações ventilatórias e obstrução bronquial (FARGA; CAMINERO,
2011).
É importante a investigação quanto a contatos anteriores com o bacilo de
Koch, condições de habitação, alimentação e outros aspectos sociais de especial
interesse nestes casos. Quanto à realização de testes diagnósticos e
complementares, resume-se os principais meios de investigação quanto a
sensibilidade e especificidade da seguinte forma: microbiologia (baciloscopia) -
insuficientemente sensível e muito específica; radiologia - mais sensível, menos
específica; histopatologia (biópsia) - muito sensível e específica e; prova
tuberculínica - pouco sensível e pouco específica.
2.1.4.1 Exame de baciloscopia direta do escarro
A baciloscopia é o meio de diagnóstico mais utilizado nos serviços de saúde
28
pública, pois se trata de um método de análise rápido e de baixo custo, no qual
pesquisa-se a presença do bacilo álcool-ácido-resitente (BAAR). De acordo com
dados do Ministério da Saúde, através da baciloscopia é possível detectar até 80%
dos casos pulmonares, contudo a sensibilidade do teste é relativamente baixa, uma
vez que é grande a probabilidade de ocorrência de resultados falso-negativos
(BRASIL, 2011b).
O exame, comumente utilizado para análises de material proveniente da
árvore brônquica (escarro) dos doentes de TB pulmonar, pode e deve ser também
realizado para avaliações em materiais biológicos de pacientes com casos
extrapulmonares da doença.
Para o diagnóstico é importante que a baciloscopia seja realizada em pelo
menos duas amostras, preferencialmente uma por ocasião da primeira consulta e a
outra no dia seguinte, quando tratar-se de TB pulmonar. É interessante ainda que
os gestores de saúde possibilitem a descentralização dos serviços diagnósticos para
unidades de saúde pública não apenas representadas por unidades básicas ou da
Estratégia Saúde da Família (ESF), mas também a hospitais, unidades de urgências
e emergências e outras.
2.1.4.2 Cultura do escarro e Teste de Sensibilidade
A cultura do bacilo da TB é uma técnica capaz de aumentar a sensibilidade
diagnóstica, além de ter especificidade também elevada. É um procedimento mais
demorado no que diz respeito ao resultado do teste, que leva em média quatro
semanas podendo estender-se até oito semanas, e requer pessoal capacitado e
laboratórios “especiais”, representando assim maiores custos aos países (FARGA;
CAMINERO, 2011).
Através deste método é possível otimizar o diagnóstico bacteriológico da
tuberculose em até 30%, sendo que são os meios de cultura sólidos os
tradicionalmente utilizados, isto por serem mais baratos em comparação com os
meios líquidos e por terem menores chances de contaminação; são constituídos a
base de ovo e conhecidos como Löwenstein-Jensen e Ogawa-Kudoh. Os métodos
utilizados no Brasil para o teste de sensibilidade às drogas são o método das
proporções e o método líquido, com resultado aproximado após 42 dias e 15 a 13
29
dias, respectivamente. Os fármacos testados são geralmente a rifampicina, a
isoniazida, a pirazinamida, o etambutol e a estreptomicina (BRASIL, 2011b).
O Ministério da saúde recomenda realização de cultura com o teste de
sensibilidade em todos os contatos de TB resistente, nos pacientes em retratamento
para a doença, em pacientes imunodeprimidos, em pacientes com baciloscopia
positiva no final do 2º mês de tratamento, em casos de falência e nas populações de
elevado risco para o desenvolvimento da TB resistente ou com abordagem
subsequente dificultada, são eles, por exemplo, populações de rua, privados de
liberdade, profissionais de saúde e populações indígenas (BRASIL, 2011b).
2.1.4.3 Diagnóstico por Imagem
A radiografia de tórax é um método complementar importante na busca de
casos de doentes por tuberculose, contudo é necessária a realização do diagnóstico
diferencial da doença com diversas outras pneumopatias existentes, não sendo a
radiografia um método confiável para diagnóstico em pacientes imunodeprimidos
(TOMAN, 2006). Isto se dá por que em até 15% dos casos de TB pulmonar os
pacientes, principalmente imunodeprimidos, não apresentam alterações radiológicas,
por razões não esclarecidas.
Além da radiografia, outros exames de imagem como a ultrassonografia de
estruturas ósseas e de tecidos moles são úteis. A tomografia computadorizada, bem
como a ressonância magnética ganham especial importância no diagnóstico da
tuberculose extrapulmonar meningoencefálica, isto porque sua realização precoce
está associada a menores taxas de mortalidade da doença (BRASIL, 2011b).
2.1.4.4 Prova Tuberculínica
A prova tuberculínica (PT) é um método diagnóstico da infecção tuberculosa
no qual se utiliza um derivado protéico purificado de um extrato de cultivo de bacilos
para investigação da resposta imunológica de um indivíduo. O resultado é uma
autêntica prova biológica, uma vez que só é possível em vivos, reconhecidamente
importante para a identificação de casos de TB-latente em adultos e crianças e de
casos de TB-doença em crianças.
30
No Brasil, recomenda-se que a prova tuberculínica seja realizada por
profissionais treinados. O método de leitura é quantitativo e deve ser executado
mensurando-se o maior diâmetro transverso de enduração palpável em um período
que vai de 48 a 72 horas, podendo excepcionalmente estender-se até 96 horas. O
resultado, que classifica o indivíduo em reator ou não reator, deve ser dado em
milímetros.
Apesar de sua utilidade em saúde pública, a PT tem algumas limitações
importantes. Entre elas estão baixa sensibilidade em indivíduos imunodeprimidos,
baixa especificidade em pessoas vacinadas com o BCG, necessidade de uma
técnica padronizada de aplicação e leitura, dificuldades para interpretação (que deve
considerar o critério epidemiológico, a idade, o risco de adoecimento, o tamanho da
reação), além de sofrer interferência de condições como estresse, desnutrição
protéica, gravidez e vacinação com vírus vivos.
2.1.4.5 Diagnóstico Histopatológico
O exame histopatológico é realizado a partir da obtenção de um tecido
orgânico por técnicas e procedimentos invasivos, frequentemente para o diagnóstico
da TB extrapulmonar, contudo, casos pulmonares não estão isentos de requerer
este tipo de análise. Está baseado na demonstração de células de Langhans, que
são sugestivas de tuberculose, havendo necessidade de submeter o material à
biópsia laboratorial para diagnóstico de certeza.
Alguns procedimentos utilizados para a obtenção de amostras
histopatológicas são a fibrobroncoscopia, a punção percutânea, a videotoracoscopia
e a toracotomia exploradora. No que diz respeito ao armazenamento, a conservação
e ao transporte adequados dos materiais a serem analisados, temos que são
importantes para a garantia do diagnóstico oportuno da tuberculose (BRASIL,
2011b).
2.1.5 TRATAMENTO
A tuberculose é uma doença com cura 100% comprovada nos casos novos
sensíveis aos fármacos. O tratamento dos pacientes bacilíferos é uma atividade
prioritária para interrupção da cadeia de transmissão da doença. Como estratégia
31
para a cura de casos, o Ministério da Saúde recomenda o TDO, no qual o
profissional de saúde observa o doente na ingestão dos medicamentos e com ele
colabora para o êxito dos processos de acolhimento e informação em saúde
(BRASIL, 2011b).
Os regimes de tratamento são o ambulatorial e a hospitalização, este último
em casos específicos que consideram principalmente o estado geral do doente. Em
1964 a duração do tratamento padronizado no Brasil era de 18 meses. Para os
pacientes classificados como sensíveis utilizava-se três fármacos de primeira linha: a
estreptomicina (S), a isoniazida (H) e o ácido para-amino salicílico (P). Para os
crônicos, utilizava-se um esquema de segunda linha composto pela etionamida (E),
a pirazinamida (Z), a viomicina (V), a capreomicina (CM) e outros.
Em 1965 reduziu-se para doze meses o tempo de tratamento da TB e o
Brasil tornou-se o primeiro país a adotar um esquema padronizado para esse
período. Os esquemas adotados foram dois: para o primeiro tratamento
(estreptomicina, isoniazida e acido para-amino salicílico por três meses, acrescidos
de três meses de isoniazida e acido para-amino salicílico e seis meses de
isoniazida) e para retratamentos (etambutol, pirazinamida e etionamida por quatro
meses, seguidos de etambutol e etionamida ou pirazinamida por mais oito meses)
(BRASIL, 2002).
Em 1971 o esquema padronizado de primeira linha sofreu modificações
passando a ser composto pela estreptomicina, isoniazida e pela tioacetazona por
doze meses; tal esquema foi alterado novamente em 1979, e a duração do
tratamento reduzida para seis meses. Passaram a ser adotados até o ano de 2010
basicamente os seguintes fármacos: rifampicina, isoniazida e pirazinamida, pois
apesar de ser este um esquema cerca de vinte vezes mais caro que o anterior, era
mais eficaz e representava menos riscos para toxicidade.
O tratamento da tuberculose é gratuito no Brasil, com medicamentos
fornecidos totalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Até março de 2010 o
Brasil era o único país com elevados índices da doença a utilizar três fármacos no
esquema básico de tratamento e mesmo com aumento dos investimentos
financeiros e a participação do controle social a taxa de cura ainda era insatisfatória,
com níveis de abandono acima dos valores toleráveis (BRASIL, 2011b).
Por isso, algumas mudanças foram justificadas e implantadas no tratamento
da tuberculose para adultos e adolescentes É interessante listar as principais: a)
32
Introdução do etambutol como quarto fármaco na fase intensiva do tratamento do
esquema básico; b) Apresentação em comprimidos com dose fixa combinada dos 4
fármacos (4 em 1) para a fase intensiva do tratamento; c) Comprimidos formulados
com doses reduzidas de isoniazida, etambutol e pirazinamida em relação às
anteriormente utilizadas no Brasil; d) Ponto de corte da faixa de peso de 45kg para
50kg; e) Extinção dos esquemas IR e III (ver anexo A) (BRASIL, 2011b).
O esquema básico para tratamento da tuberculose em crianças menores de
10 anos, casos novos de TB todas as formas e retratamentos com doença ativa, e
exceto para doentes da forma meningoencefálica, não sofreu alterações no ano de
2010 e está disponibilizado conforme o anexo B.
Para os casos novos ou retratamentos de TB na forma meningoencefálica
em adultos e adolescentes (> de 10 anos) recomenda-se os mesmos fármacos do
esquema básico e nas mesmas doses utilizadas para esta faixa etária, com uma
observação importante: a fase de manutenção será prolongada em três meses e por
isso, o tratamento será de nove meses.
Seguindo a mesma lógica, a forma meningoencefálica em crianças menores
de 10 anos segue o esquema básico recomendado para esta faixa etária, com
prolongamento da fase de manutenção em três meses, totalizando nove meses de
tratamento. Outros esquemas de tratamento são descritos na literatura como os
especiais para intolerâncias (Anexo C) e para a tuberculose resistente (Anexos D e
E).
2.1.6 PREVENÇÃO
Para a prevenção da tuberculose dispõe-se de três ferramentas importantes:
o controle de contatos, a vacinação com o BCG e o tratamento da infecção latente
(ILTB), que acrescidas a estratégias eficazes de Biossegurança fortalecem as ações
de controle de transmissão da doença.
2.1.6.1 Controle de contatos
Como contatos são definidos todos aqueles que convivem no mesmo
ambiente com a pessoa diagnosticada com tuberculose, sejam estes contatos
membros da família, colegas de trabalho, de instituições de longa permanência
33
como asilos e prisões ou contatos moradores de rua. A avaliação diagnóstica de
pessoas contatos levará em consideração o tempo de permanência com o doente de
TB, a forma da doença e o ambiente de contato (RIO DE JANEIRO, 2007).
Para os contatos como crianças menores de cinco anos e de portadores de
comorbidades como HIV/Aids ou outras doenças imunossupressoras, deve-se ter
especial atenção e cuidado, em função do risco aumentado para o desenvolvimento
da doença. Todos os contatos devem ser examinados pelos profissionais dos
serviços de saúde, sendo indicada criteriosa avaliação clínica com anamnese,
exame físico e exames complementares, incluindo a Prova Tuberculínica para
avaliação de indicação de tratamento da infecção latente (ILTB) (BRASIL, 2011b).
2.1.6.2 Vacinação com BCG
A vacina BCG, com o Mycobacterium bovis atenuado previne contra as
formas graves de tuberculose, mas não é capaz de prevenir a infecção tuberculosa.
Estudos demonstraram manutenção da imunidade por cerca de 10 a 15 anos
apenas, contudo a revacinação para a prevenção da TB não está indicada no Brasil,
considerando que a vacina não protege indivíduos já infectados pelo Mycobacterium
tuberculosis e que a prevalência de infectados no país é elevada (BRASIL, 2011b).
A BCG deve ser administrada o mais breve possível em todas as crianças
brasileiras de zero a quatro anos de idade. A vacina tem aplicação intradérmica de
200 mil a um milhão de bacilos em 0,1ml, no braço direito na altura da inserção do
músculo deltóide. Há duas contra-indicações absolutas: vacinar crianças vivendo
com HIV/Aids com sintomas, ou adultos independente de sintomas, e pacientes com
imunodeficiência congênita.
2.1.6.3 Tratamento da Infecção Latente Tuberculose
Após a primeira infecção pelo bacilo da tuberculose e quando este
permanece no organismo sem determinar a doença, há a caracterização do que
chamamos de infecção latente tuberculosa (ILTB). O tratamento da ILTB dependerá
de três fatores: do risco de adoecimento, da idade e do resultado da PT. Trata-se de
ação significativa ao controle da doença, uma vez que impede o desenvolvimento da
mesma. Conhecida anteriormente como quimioprofilaxia, o tratamento da ILTB
34
considera, dentre outros: um período de seis a nove meses de isoniazida na
dosagem de 5 mg/kg até 300 mg; estudos que evidenciam que quanto mais longo
este período, melhor, até o limite máximo de 12 meses de tratamento;
Ressalta-se que o tratamento da ILTB reduz em até 90% o risco de
adoecimento e antes de seu estabelecimento é importante descartar a ocorrência da
doença em atividade. Este tratamento preventivo é indicado para adultos e
adolescentes maiores de 10 anos, mediante avaliação do risco-benefício do
tratamento com isoniazida (ver anexo F).
O tratamento da ILTB é na prática um procedimento com limitações para
aplicações em grande escala. Se por um lado os custos são elevados e
dispendiosos, principalmente para os países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento, onde estão as maiores prevalências da doença, por outro há
problemas relacionados à adesão ao tratamento e ao adequado diagnóstico, uma
vez que não deve ser admitida a promoção de resistência farmacológica em função
de iatrogenias como a instituição de monoterapia para indivíduos realmente doentes.
2.1.6.4 Medidas de Biossegurança
Dentre as medidas de controle e prevenção da transmissão da tuberculose
estão relacionados os princípios de Biossegurança, principalmente no que diz
respeito à transmissão nosocomial da doença entre profissionais de saúde e
estudantes. Estas medidas podem ser classificadas em administrativas, ambientais,
de proteção respiratória e medidas relacionadas à saúde do trabalhador (RIO DE
JANEIRO, 2007).
As medidas de controle administrativas incluem a identificação e o
diagnóstico precoce da doença, a identificação de áreas de risco, o treinamento de
profissionais e estudantes, a informação em saúde para os pacientes e as
hospitalizações para os casos em que tal conduta seja necessária. Estas medidas
são o alicerce para as demais, pois uma vez fortalecidas irão subsidiá-las.
Quanto às medidas de controle ambientais, o princípio que as orienta é a
afirmativa de que quanto maior a remoção de particulas infectantes do ar, menor
será o risco de infecção. Assim, recomenda-se para os ambientes de saúde como
consultórios e laboratórios de acordo com a indicação, o redirecionamento do ar
através do estabelecimento de pressão negativa em relação a áreas adjacentes,
35
como por exemplo, a instalação de exaustores, ventiladores em pontos estratégicos
– entre o profissional e o doente.
Entre as medidas de proteção respiratória destaca-se o uso de máscaras
especiais com respiradores tipo N95, que tem eficiência de cerca de 95%. No que
concerne a saúde do trabalhador são importantes a garantia do fornecimento de
Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para os que manipulam materiais
biológicos ou que lidam diretamente com os doentes, além de avaliações pré-
admissionais e periódicas com realização de prova tuberculínica e determinação ou
não de tratamento da ILTB.
2.2 O CUIDADO DE ENFERMAGEM AO PORTADOR DE TUBERCULOSE
No nível da Atenção Básica em saúde no Brasil, ao longo dos anos, destaca-
se a maioria das ações para o controle da tuberculose, com necessidade de
articulação entre os saberes de uma equipe multiprofissional, para a qual o objetivo
comum deve ser a prática de um cuidado compartilhado com o paciente. Os
processos de trabalho neste nível da assistência têm destacado a figura do (a)
enfermeiro (a) para as ações de cuidado quanto ao diagnóstico e tratamento, o que
pode de algum modo interferir sobre a responsabilização de outros membros da
equipe diante dos pacientes (SÁ et al., 2012).
Entre as ações de cuidado desenvolvidas por enfermeiros ao portador de
tuberculose na Atenção Básica, destacam-se (BRASIL, 2011a):
- Identificação de sintomáticos respiratórios;
- Solicitação de baciloscopia para diagnóstico e controle da doença, além de
outros exames complementares como cultura, teste de sensibilidade, prova
tuberculínica e raios-X de tórax;
- Realização da consulta de enfermagem;
- Execução do TDO;
- Identificação de intolerâncias medicamentosas;
- Encaminhamentos a avaliações por outros profissionais ou a serviços de
referência secundária ou terciária.
Das atividades relacionadas, apenas a consulta de enfermagem é privativa
ao enfermeiro. O protagonismo de enfermeiros (as) nas ações de controle da
tuberculose no país deu-se notadamente a partir da década de 1920, com tentativas
36
de organização das práticas para um cuidado de enfermagem centrado, sobretudo,
nos princípios da individualidade e da integralidade.
Ainda hoje se busca alcançar este objetivo, com discussões que vão do
reconhecimento da necessidade de competência técnica dos profissionais que
atuam na área até o uso de estratégias para o fortalecimento dos vínculos entre
estes profissionais e pacientes (SÁ et al., 2012).
As relações entre profissional e doente podem influenciar positiva ou
negativamente para a aceitação do tratamento. Entre os cuidados requeridos a uma
boa interação entre ambos estão a escuta, o exame clínico de qualidade e o
acolhimento ao paciente, que não deve permanecer isolado da construção do seu
projeto de cuidado, pois tem o direito de estar informado sobre sua condição e sobre
as ações para as quais se faz essencial sua colaboração. Isso o permite decidir
sobre o cuidado para o qual necessita de ajuda e o incentiva a compartilhar com os
profissionais as responsabilidades para o alcance da cura e do controle da doença
(SOUZA et al., 2010; CHIRINOS; MEIRELES, 2011; GRAÇAS; SANTOS, 2009).
A maior comunicação e boa interação com o paciente doente de TB
permitem ao profissional compartilhar experiências que subsidiarão suas práticas de
assistência. Por outro lado, isolar o paciente pode fortalecer neste profissional
percepções preconceituosas e estigmatizantes relativas à doença e aos seus
portadores, o que em nada colabora para alterar a imagem e o medo que outras
pessoas têm acerca da doença (SCHIMITH et al., 2011; SÁNCHEZ; BERTOLOZZI,
2009; SOUZA; SILVA, 2010).
Para os autores, o Tratamento Diretamente Observado, defendido no
controle da tuberculose como estratégia para o fortalecimento de vínculos, traz aos
doentes a percepção de que recebe um cuidado diferenciado, proporcionando-lhe
satisfação com o atendimento, fortalecendo sua decisão em realizar o tratamento e
não abandoná-lo e incentivando sua colaboração à terapêutica adotada.
Esta abordagem ganha destaque diante de estudos que apontam a
preferência dos profissionais em acolher pessoas mais colaborativas, que não
transgridem as normas e por isso são dignas de ter os direitos regidos a partir delas.
O cuidado para alguns profissionais é orientado pela conduta moral do doente, que
determina se ele merece ou não uma assistência de qualidade (SOUZA; SILVA,
2010; SCHIMITH et al., 2011; ARAÚJO; FERREIRA, 2011).
37
Uma compreensão da necessidade de mérito para recebimento do cuidado
está em desacordo com os princípios da ética e da moral intrínsecas às ciências
humanas, da saúde e ao próprio Sistema Único de Saúde do país. Questões
relacionadas aos direitos à saúde e ao respeito à cidadania dos pacientes tem sido
incorporadas nos serviços públicos de assistência, principalmente, com vistas à
resolutividade e à valorização do outro e sua subjetividade. Propostas para a
humanização da assistência são adotadas com o objetivo de reafirmar a importância
da qualificação profissional, da responsabilidade com o outro e do atendimento à
saúde na dimensão subjetiva e não apenas técnico-científica (ARAUJO; FERREIRA,
2011).
O tema da humanização tem sido discutido como meio de “expandir as
preocupações das práticas de saúde”, mas não deve ser restrito aos problemas
técnico-científicos ou a conceituações demasiadamente subjetivas acerca da saúde
das pessoas (AYRES, 2005 p. 549). A Humanização da assistência está entre as
estratégias políticas de saúde vigentes no Brasil desde o ano de 2003.
Alguns autores apresentam críticas aos conceitos enraizados a esta Política
Nacional de Humanização (PNH). Fala-se equivocadamente em cuidado
humanizado, humanização do cuidado, humanização da assistência, mas como
dissociar estes termos? Porque há um destaque para o termo humanização em
detrimento do cuidado? Todo o cuidado em saúde do qual falamos não é praticado
por humanos? Afinal, o humanizar é passível de treinamento? O cuidado possibilita
a humanidade, por isso não é conseqüência dela. Se não recebessem o cuidado
todos os humanos morreriam, ou sequer nasceriam. É através dele que as ações se
tornam humanizadas, que utilizamos de nossa humanidade para assistir os demais
(WALDOW; BORGES, 2011; CORBANI; BRÊTAS; MATHEUS, 2009).
A PNH tem demonstrado sua importância por tratar de questões
relacionadas à moral, a ética e ao respeito à cidadania e diversidade das pessoas,
com discussões acerca da estrutura física dos serviços de saúde e da organização
dos processos de trabalho, com vistas à garantia da acessibilidade e do acolhimento
aos pacientes. Prevê a qualificação e o cuidado necessários também aos
profissionais de saúde (WALDOW; BORGES, 2011; CORBANI; BRÊTAS;
MATHEUS, 2009).
Para estes profissionais a humanização não está passível de ser ensinada,
mas é possível que alguns de seus pressupostos conduzam a compreensões
38
capazes de torná-los sensibilizados à prática do cuidado que se busca para o
controle da tuberculose e para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde do
Brasil.
2.3 NOTAS ACERCA DA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
A privação de liberdade é instituída àqueles que transgridem as leis
legitimadas para a manutenção da ordem social e tem como objetivo a
ressocialização destes indivíduos, para que retornem ao convívio familiar e social
sensíveis a novos valores morais e éticos, ou para que os retomem em caso de tê-
los abandonado durante a prática da criminalidade.
Contudo, o que se tem notado é que a ressocialização se concretiza para
poucas das pessoas privadas de liberdade, as quais interagem de forma negativa
para este fim. Para algumas, a privação de liberdade não contribui à mudança dos
comportamentos que as levaram às prisões, mas incentiva o aperfeiçoamento do
crime (VIANNA; REIS, 2010).
Em geral nos ambientes prisionais as pessoas não são estratificadas pela
natureza do crime que cometeram, convivem com diversas culturas e valores que
determinam as suas experiências e as obrigam a adotar outros modos de vida que
incluem alterações na sua linguagem e nos seus hábitos de vestir, comer e dormir
(VIANNA; REIS, 2010; FERNANDES; HIRDES, 2006; GÓES, 2004).
As pessoas em privação de liberdade ao ingressaram na prisão precisam
adaptar-se a um código de silêncio, instituído para garantir que determinadas
informações do bloco carcerário não cheguem ao conhecimento de outras pessoas,
principalmente das equipes de segurança. Outro código estabelecido é o de
conduta, através do qual as pessoas mais perigosas ou há mais tempo no cárcere
exercem o papel de líderes e influenciam os demais (VIANNA; REIS, 2010; DIUANA
et al., 2008).
Os transgressores destas regras sofrem penalidades que vão desde
humilhações a agressões físicas ou mesmo à morte. Historicamente, as relações
informais nas prisões incluem negociações, as quais não apenas no âmbito das
pessoas privadas de liberdade, mas entre estas e os profissionais da segurança e
da Direção dos estabelecimentos prisionais, com o objetivo de manter o controle, a
39
ordem e a harmonia da convivência entre todos (VIANNA; REIS, 2010; GÓES, 2004;
TRINDADE, 2009).
Quando, porém, as negociações não são possíveis, as demonstrações de
força ocorrem de modo significativo. Se por um lado, as pessoas privadas de
liberdade se organizam em motins, fugas, denúncias através da escrita, simulação
de doenças ou revoltas violentas, por outro lado os profissionais de segurança
realizam revistas gerais nas celas, transferências para outras prisões, suspensão de
visitas de familiares e outras medidas administrativas (DIUANA et al. 2008;
TRINDADE, 2009; GÓES, 2004).
Os protestos ocorrem por melhores condições de alimentação e de
confinamento, assistência em saúde, maior acesso de visitantes e outros. O modo
como ocorrem determina na maioria das vezes a configuração de novos crimes
cometidos dentro da prisão, os quais nem sempre são assumidos por aqueles que
de fato são os responsáveis (TRINDADE, 2009). Por exemplo, em prisões não é
adequado dever favores, pois uma forma de cobrança se dá quando alguém é
obrigado a assumir crimes praticados por outras pessoas. Há ainda penalidades
como ser responsabilizado pela limpeza da cela ou pela lavagem das roupas dos
companheiros.
Além de obediência às regras internas, muitos se sentem obrigados a
compartilhar a alimentação e as roupas levadas por seus familiares, uma tentativa
de se mostrarem dignos de confiança, consideração e respeito. Nesse sentido, a
privação de liberdade retira das pessoas sua autonomia e dignidade enquanto
humanos. Traz preocupação com a família, medo de ser por ela abandonados,
sensação de inutilidade e uma relação conflituosa consigo mesmo, que pode levar à
revolta, sentimento de injustiça e fracasso e desesperança para uma vida futura
longe da criminalidade (FERNANDES; HIRDES, 2006; TAVARES; MENANDRO,
2008).
Muitas pessoas em privação de liberdade mantêm uma relação específica
com a religiosidade, pois ela parece conceder-lhes o direito de redenção e o respeito
por parte de outros, inclusive dos profissionais. A religiosidade contribui para inibir
comportamentos inadequados da massa carcerária e por isso auxilia na manutenção
da ordem e do controle em prisões, este último importante para a segurança nestes
ambientes (TAVARES; MENANDRO, 2008).
40
Àqueles de bom comportamento é comum o consentimento de privilégios
como a oferta de trabalho remunerado na prisão, o direito a maior tempo fora da
cela, com maior circulação nos espaços intramuros e a facilitação de acesso aos
serviços de saúde e a instrumentos de educação e profissionalização. Poucos são
os que alcançam estes benefícios (TRINDADE, 2009; VIANNA; REIS, 2010).
As forças internas que determinam as relações pessoais nos ambientes
prisionais demonstram interesses antagônicos entre os profissionais da segurança,
aos quais compete manter o controle, e as pessoas privadas de liberdade, que
buscam dele fugir. Há uma tensão emocional permanente entre estes grupos, o que
para alguns os transformam em inimigos (VIANNA; REIS, 2010; DIUANA et al.,
2008).
No “imaginário intramuros” e mesmo na sociedade em geral, há resistência
em reconhecer a cidadania das pessoas confinadas nas prisões, de algum modo
julgadas e, por isso, consideradas não dignas de direitos como à saúde, à educação,
ao trabalho e ao lazer, cujo acesso poderia colaborar para sua reabilitação e
ressocialização (IRALA; CEZAR-VAZ; CESTARI, 2011).
Em relação à assistência a saúde em prisões há uma concordância entre
estudos que identificam uma sobreposição de questões ligadas à segurança, o que
configura em necessidade de integração com a saúde para inverter a lógica do
cuidado em prisões, expresso por ações, em sua maioria prescritivas e, como já
exposto, condicionadas ao mérito da pessoa privada de liberdade e ao direito a ela
concedido, seja por seus pares ou pelos profissionais (DIUANA et al., 2008).
A privação de liberdade parece trazer consequências irreversíveis à vida das
pessoas, além da manutenção na prática de crimes, o que explicaria o motivo de
tantas reincidências ao Sistema Penitenciário. Para aqueles que desejam reintegrar-
se à sociedade muitos obstáculos se apresentam, o maior deles talvez esteja
relacionado ao preconceito social por ser ex-presidiário, que lhe ocasiona
principalmente a falta de oportunidades para a obtenção de um bom emprego e
renda que garanta o seu sustento e o da sua família.
2.4 A TUBERCULOSE EM PRISÕES
A magnitude da TB nas prisões é pouco conhecida no Brasil e no mundo
(DIUNA et al., 2008). De acordo com Hanau-Bercot et al. (2000 apud BRASIL, 2009),
41
uma pesquisa desenvolvida com as PPL na França em 1995 apontou risco de
adoecimento 14 vezes maior que na população em geral. A mesma pesquisa,
realizada em 1997 no sistema prisional espanhol, concluiu que este risco era 76
vezes maior. Segundo BRASIL (2012b), o risco para transmissão da doença no
Brasil é 27 vezes maior entre as PPL do que na população em geral.
Realizou-se uma revisão integrativa da literatura (RIL) de publicações
científicas nacionais e internacionais por meio da busca eletrônica (Internet) com
auxilio do software gerenciador de referências EndNote Program® versão XI, na
qual considerou-se os artigos publicados em uma série histórica do ano de 2000 ao
ano de 2011 na LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da
Saúde) e no Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE®),
maior e mais antiga base de dados em saúde do mundo.
Foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e os
cabeçalhos Mesh (Medical Subject Headings) hierarquizados para os termos
tuberculose e prisões. Para o cabeçalho Mesh, foram considerados os maiores
cabeçalhos para as palavras prisons e tuberculosis para diminuir a sensibilidade e
aumentar a especificidade da busca. As informações foram analisadas seguindo-se
passos metodológicos propostos por Ganong (2010).
Ao utilizar-se o cabeçalho Mesh tuberculosis e o descritor tuberculose
encontrou-se 126.455 artigos na base de dados MEDLINE e 2.285 na LILACS,
respectivamente. Com os termos prisões e prisons foram 4.410 na MEDLINE e 134
na LILACS. Quando associados os termos tuberculosis e prisons ou tuberculose e
prisões foram encontradas 228 na MEDLINE e 15 na LILACS. Após a seleção a
partir das perdas em função de algumas produções repetidas e outras por tratar-se
de editoriais, foram elegíveis para a análise dos dados 67 produções em português,
espanhol e inglês.
As produções foram categorizadas em seis grupos segundo a semelhança
metodológica: 21 (31,3%) pesquisas quantitativas descritivas do tipo levantamento,
18 (26,9%) pesquisas quantitativas analíticas tipo transversais, 14 (20,9%)
pesquisas quantitativas do tipo inquéritos, oito (11,9%) pesquisas bibliográficas, três
(4,5%) estudos de coorte e três (4,5%) pesquisas ação.
Verificou-se o número de produções de acordo com o ano de publicação e
grupo metodológico. Foram publicados cinco artigos (7,5%) no ano 2000; sete
(10,4%) no ano 2001; dois (3%) em 2002; oito artigos (11,9%) em 2003; sete
42
(10,4%) em 2004; 10 (15%) em 2005; quatro (6%) em 2006; seis (8,9%) em 2007; 13
(19,4%) em 2008; e cinco artigos (7,5%) no ano de 2009.
Observou-se número reduzido de trabalhos principalmente nos anos de
2002, 2006 e 2009, com oscilação importante do número de produções sobre o
assunto ao longo da década. O ápice com 13 publicações deu-se no ano de 2008.
Prevaleceram os estudos descritivos dos tipos levantamento e inquérito e os
descritivos analíticos não experimentais do tipo transversais.
Houve pouca diversidade quanto aos sujeitos da pesquisa, mas além das
pessoas privadas de liberdade em prisões outros membros da comunidade
carcerária foram incluídos nos estudos: familiares, agentes prisionais e profissionais
de saúde que atuam nas prisões, com ênfase a profissionais da Enfermagem. O
sexo masculino foi predominante. Quanto às regiões, 23 (34,3%) estudos foram
realizados em prisões da Ásia; 14 (20,9%) em prisões da América do Norte; 14
(20,9%) em prisões da América do Sul; 12 (17,9%) em prisões da Europa; três
(4,5%) em prisões da África e; um (1,5%) em prisões da Oceania e; nenhum estudo
na América Central. Na América Latina o Brasil destacou-se o Brasil, com um total
de 11 das 14 produções no período.
Os principais resultados apresentaram informações acerca do perfil das
pessoas privadas de liberdade, da incidência e prevalência da TB em prisões, da
prevenção, do diagnóstico e do tratamento da doença. Assim, reforçou-se que
quando comparadas a população em geral, as pessoas privadas de liberdade
apresentam maior risco de desenvolvimento da doença.
A menor taxa de incidência relatada nos estudos foi de 693 casos para
100.000 pessoas em Madri no ano 2000. As maiores taxas foram de 3.797 casos
para 100.000 pessoas na África em 2003 e de 3.992 casos para 100.000 pessoas no
Rio de Janeiro em 2005. No Brasil, poucas informações são publicadas a respeito
dos coeficientes de incidência da TB em prisões (VITTI JUNIOR, 2005).
No que diz respeito a prevalência de infecção tuberculosa nos países
desenvolvidos, esta foi melhor observada entre PPL imigrantes, fato que preocupou
as divisões de saúde dos departamentos de imigração internacionais. A taxa de
mortalidade por tuberculose observada em prisões foi até três vezes maior do que
aquela para os doentes de TB na população em geral (FERNANDEZ et al., 2000).
A identificação precoce dos doentes por meio da busca ativa na modalidade
de triagem, o tratamento dos doentes e o controle de contatos entre colegas de cela
43
e familiares, têm papeis importantes para evitar a transmissão da TB nas prisões e
nas comunidades externas. São sugeridos o rastreio periódico de casos, a adoção
de medidas de precauções ambientais e de proteção respiratória e a avaliação
contínua das ações dos programas de controle de TB nas prisões (ESCOBAR;
MEJIA et al., 2003).
Quanto aos sistemas de informações em saúde devem estar organizados
para aperfeiçoar o monitoramento de cuidados, identificar fatores críticos que
impedem ações mais efetivas e contínuas e para a interação do sistema prisional
com os sistemas de saúde municipais e estaduais. A educação em saúde, apontada
como cada vez mais importante para melhoria da integração entre profissionais e
pessoas doentes, sofre influência da natureza da prisão em si, dos conflitos entre a
comunidade carcerária e das características das PPL e dos profissionais (ABEBE;
BIFFA, 2011).
Toda a comunidade carcerária está sob alto risco de desenvolver a
tuberculose, não apenas pela presença de um doente em determinada prisão, mas
pelo elevado número de transferências destas pessoas entre as diferentes unidades
do sistema penitenciário, fato que provoca a circulação extensiva do bacilo em
outros ambientes antes ou depois de diagnosticado o caso. É necessária vigilância
ainda para o controle da exposição ocupacional ao bacilo, uma vez que a triagem
para a TB ativa nas prisões é de difícil execução (BAUSSANO; WILLIAMS et al.,
2010).
A baciloscopia do escarro foi o exame prioritário para o diagnóstico da TB
entre as pessoas privadas de liberdade, contudo, foi significativa a associação da
baciloscopia com a cultura para aumentar o diagnóstico da doença. No Brasil, a
cultura está recomendada para todas as pessoas com TB nas prisões. No que diz
respeito a exames complementares a radiografia de tórax foi sugerida como uma
ferramenta importante para triagem e rastreio de casos de TB em prisões (JONES;
SCHAFFNER, 2001).
Quanto ao tratamento da TB-doença, o número de pessoas que o recusam,
por diversos motivos, é importante. De modo semelhante, o tratamento da ILTB é
complexo nas prisões. Um estudo de coorte prospectivo na Geórgia avaliou a terapia
alternativa de dois meses de uso da rifampicina e pirazinamida, com objetivo de
elevar o número daqueles que completam este tipo de tratamento. O esquema foi
aceitável e bem tolerado pelos privados de liberdade, contudo 44% deles foram
44
liberados antes de concluir o tratamento na prisão. O tratamento da ILTB deve ser
priorizado àqueles capazes de completar o regime, pois com isso torna-se viável o
aumento das taxas de conclusão do regime e diminui-se o risco de desenvolvimento
de resistência antimicrobiana pelo uso indevido de fármacos (BOCK; ROGERS et
al., 2001).
No Brasil, apenas a partir do ano de 2007 foi possível acrescentar a
informação sobre a origem prisional do paciente diagnosticado com tuberculose no
banco de dados do SINAN. A primeira avaliação nacional foi possível em 2008,
quando as PPL representavam apenas 0,2% da população do país, mas
contribuíram com 5% dos casos notificados. O percentual de cura foi de 59,3%,
contrastando com os dados nacionais, os quais registraram média de 70%. Um
estudo no ano seguinte realizado na cidade do Rio de Janeiro evidenciou uma
prevalência de TB ativa de 6% de um total de 1.374 PPL no qual 80% das amostras
estavam associadas a infecções recentes e foram tipadas, concluindo que 83% dos
casos estudados adquiriram TB na prisão (SANCHEZ, 2010). Não se encontrou
nenhum estudo que descreva a problemática da TB nas prisões do Estado do Pará.
Mostra-se importante a reflexão sobre algumas dificuldades que se
apresentam diante da necessidade de controle dos casos diagnosticados de
tuberculose em prisões a cada ano. Waisbord (2010) em um estudo realizado em
prisões da Bolívia, Equador e Paraguai buscou avaliar os desafios para a redução
da doença. Entre estes desafios estavam atitudes estigmatizantes e baixo
conhecimento sobre a tuberculose entre pessoas privadas de liberdade e agentes
penitenciários, o que desmotiva as primeiras diante da necessidade de buscar o
diagnóstico e o tratamento adequado. É possível que realidade semelhante seja
encontrada nas prisões brasileiras de uma forma geral.
Àqueles que desconhecem o cotidiano dos sistemas prisionais pode parecer
simples o controle de doenças transmissíveis como a TB, contudo, como salienta
Sanchez et al. (2006) as dificuldades perpassam pela subvalorização dos sintomas
em um ambiente violento onde a preocupação com a sobrevivência é prioritária e por
vezes contrasta com uma imagem segregante da doença.
Existem outros fatores que dificultam esse controle e estão relacionados aos
serviços de saúde, são eles: preconceito e resistência dos serviços extramuros para
atendimento das PPL, quantitativo insuficiente de profissionais para atuação
45
intramuros, baixos salários, vínculos empregatícios frágeis gerando maior
rotatividade e outros (OMS, 1998).
A tuberculose nas prisões vem ganhando destaque em discussões
internacionais, nacionais e locais, com incentivo a maior integração entre os órgãos
de saúde e justiça, capacitação de recursos humanos, parcerias para melhoria da
salubridade nos presídios, como as firmadas entre o Fundo Global, o Ministério da
Justiça e o Ministério da Saúde, aumento da oferta de diagnóstico com implantação
de laboratórios em Estados prioritários para o controle da doença como o
Laboratório de Baciloscopia do Presídio Estadual Metropolitano II, existente no Pará
desde agosto de 2010 no Complexo Penitenciário de Marituba.
46
33 PPEERRCCUURRSSOO TTEEÓÓRRIICCOO FFIILLOOSSÓÓFFIICCOO
Optou-se para este estudo pela fenomenologia hermenêutica de Martin
Heidegger. A fenomenologia Heideggeriana ganha cada vez mais espaço junto às
investigações em saúde e em enfermagem, principalmente quando o conhecimento
científico, apenas, é insuficiente para conhecer a problemática experienciada pelo
outro; quando o discurso a ser adotado é o discurso compreensivo e não o
explicativo e; quando o que se busca compreender é o sentido que funda o
comportamento do ser humano. Para Monteiro et al. (2006):
A fenomenologia permite que a enfermagem tenha uma compreensão da doença, que representa uma modalidade do seu ser em sua forma de viver. Permite também que o mundo, as relações humanas e o cuidar possam ser olhados de modo diferente (p. 298).
3.1 FENOMENOLOGIA, UMA CIÊNCIA FILOSÓFICA
A fenomenologia enquanto pensamento filosófico contemporâneo surgiu no
início do século XX e teve como precursor o filósofo e matemático alemão Edmund
Husserl. Para o seu estudo, muitos autores concordam que se faz necessária uma
primeira compreensão acerca da palavra “fenômeno”, a qual, segundo Abbagnano
(2007), possui pelo menos três conceitos.
O primeiro deles está relacionado sinonimicamente ao conceito de
aparência, de manifestação do real, de facticidade. O segundo diz respeito a uma
compreensão extensiva, mas limitada do termo, designando-o como qualquer objeto
possível do conhecimento humano, estando na humanidade sua limitação. O
terceiro conceito, da filosofia contemporânea de Husserl, não limita o fenômeno a
aparências ou àquilo que se manifesta ao homem, mas aquilo se manifesta em si
mesmo, como é na sua essência e não apenas na aparência.
A fenomenologia surge em um momento de crise da filosofia moderna, a
qual sofreu críticas, sobretudo por suas tentativas de manutenção da subjetividade
como sustentação do conhecimento e por sua redução da realidade às experiências
subjetiva e psicológica do homem enquanto ente. A fenomenologia procura uma
superação da oposição entre o sujeito e o objeto, entre a consciência e o mundo
(MARCONDES, 2010).
47
No projeto filosófico de Husserl a fenomenologia está relacionada aos
termos intencionalidade e consciência, pois enquanto característica das vivências e
experiências, a intencionalidade mostra-se como “definição da própria relação entre
o sujeito e o objeto da consciência em geral” (ABBAGNANO, 2007 p.662). Husserl
rompe assim com o conceito de consciência como uma esfera fechada.
Para ele, o mundo é interpretado e surge intencionalmente à consciência. A
intencionalidade é uma característica da consciência de ser dirigida a um objeto que
está fora dela, dando-lhe um sentido, um significado. Portanto, toda consciência é
consciência de alguma coisa, que traz como vetor a intencionalidade para a tarefa
de constituir a realidade.
Nesta tarefa, a fenomenologia enquanto possibilidade de análise filosófica
possui três estruturas formais, segundo Sokolowski: a estrutura de partes e todos, a
estrutura da identidade numa multiplicidade e a estrutura de presença e ausência, as
duas primeiras originadas na filosofia antiga e esta última proposta na
contemporaneidade por Husserl (SOKOLOWSKI, 2004).
Partindo do princípio de que presença e ausência são em algum momento e
de maneira particular, dadas como termos interdependentes, a palavra presença
assume dois sentidos principais: o da realidade objetiva e o da cognição imediata,
relacionada a intuição, ao trazer um objeto à presença intencionando-o em sua
ausência (SOKOLOWSKI, 2004).
Quando se fala em fenomenologia, é importante compreender que termos
como sentido, significado e fenômeno são correlatos, mas precisam ser separados
de tudo que conhecemos enquanto real, enquanto realidade. Assim, o sentido está
para a fenomenologia, relacionado à revelação de essências, não é algo extraído do
mundo, de caráter objetivante, nem a realidade ou parte dela.
A fenomenologia é também considerada uma ciência de rigor, um método
filosófico que surgiu por questionamentos ao empirismo positivista, que apesar de
não intencionar substituí-lo, representava uma outra opção de busca do saber, de
compreensão acerca da teoria do conhecimento e da essência deste conhecimento
(MARCONDES, 2010).
Enquanto teoria do conhecimento surgiu neste contexto a teoria da
linguagem como alternativa central para a compreensão do homem sobre a sua
relação de significação com a realidade, uma vez que a fenomenologia como ciência
48
descritiva não busca explicações sobre o quê dos objetos da investigação filosófica,
mas sim “como eles são” (MARCONDES, 2010; NASCIMENTO, 2009).
A fenomenologia enquanto método filosófico deve ser pautada em termos de
uma atitude transcendental ou fenomenológica, que diverge da atitude natural ou
cotidiana. Na atitude transcendental, tomada como ponto de partida da pesquisa
filosófica, há a suspensão de todo e qualquer juízo postulado sobre o mundo e sobre
tudo o que nele há, configurando assim uma atitude de contemplação não
interessada, ao contrário da atitude natural, voltada às relações objetivas e
concretas, que assume como existente “o mundo comum em que vivemos (...) tal
como se oferece a nós” (ABBAGNANO, 2007 p. 101).
A atitude natural, entretanto não é excluída do âmbito da fenomenologia,
uma vez que ela (a fenomenologia) se mostra como um caminho para o
esclarecimento das intencionalidades que na atitude natural operam. Por outro lado,
a fenomenologia possibilita uma visão não parcial do todo dos fenômenos e busca
clarificar a parcialidade configurada nas ciências positivas e na própria atitude
natural (SOKOLOWSKI, 2004).
A fenomenologia exige um sempre recomeçar (começar de novo), pois não
se satisfaz com conhecimentos já descobertos no passado, propõe sempre um
contato novo com o original, com “as coisas mesmas”, evitando os pressupostos e
preconceitos já estabelecidos e procurando de forma autêntica encontrar-se na
construção e reconstrução do conhecimento (GREUEL, 1998).
Ela volta-se como método para uma filosofia da ciência, se propondo
enquanto campo aberto de investigação, a transcender o campo da subjetividade, a
redescobrir as coisas, de algum modo cobertas pela teorização excessiva e abstrata,
investigando os fenômenos e seus vários modos de presentificação, fundamentada
na experiência originária.
A experiência, objeto de estudo na fenomenologia pode ser compreendida
em dois aspectos principais:
Por um lado, ela é o ato de observação de um determinado indivíduo que recebe os conteúdos, sem alterá-los e, por outro lado, ela é justamente o conteúdo que, no ato da observação, se mostra como elemento emergente da realidade e livre de qualquer interpretação teórica (GREUEL 1998, p. 76).
“Ir às coisas mesmas”, este é o lema da fenomenologia em Husserl, autor da
obra Investigações lógicas (1900), considerada a primeira publicação
49
verdadeiramente fenomenológica. Contrastando com este lema estão o ir “às
construções soltas no ar, às descobertas acidentais, à admissão de conceitos só
aparentemente verificados, por oposição às pseudoquestões...” (HEIDEGGER, 2011
p. 66).
Husserl teve vários seguidores, sendo um deles, Martin Heidegger, seu
assistente na universidade de Freiburg, considerado importante não apenas pelas
idéias compartilhadas com seu mestre, mas por desenvolver com originalidade
pensamentos próprios e revolucionários, que instigaram o desenvolvimento e
expansão do pensamento fenomenológico.
3.2 HEIDEGGER E A PROPOSTA DE UMA FENOMENOLOGIA ONTOLÓGICA
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch,
Baden, no sudoeste da Alemanha. Proveniente de família pobre e católica recebeu
formação religiosa até os primeiros anos de sua juventude. Aos 17 anos interessou-
se pelos estudos da filosofia através da obra de Franz Brentano (para alguns,
considerado o precursor da fenomenologia, antes mesmo de Husserl), intitulada
Sobre os vários sentidos do ser segundo Aristóteles. Mais tarde, já na Universidade
de Freiburg, dedicando-se ao estudo da filosofia e das ciências morais e naturais,
conheceu a obra Investigações Lógicas de Edmund Husserl (INWOOD, 2004).
Para Heidegger, seu mestre Husserl não alcançou o ponto de partida da
fenomenologia, o seu a priori. Ele não entendeu que a fenomenologia lida com as
estruturas dos modos de ser do homem e que há mais em nós, seres humanos, a
ser ressaltado do que atos ou atitudes intencionais. A intencionalidade em
Heidegger “não é mais propriedade fundamental da consciência, mas a direção para
o ser compreendido, pré-descoberto, de que a consciência é o ponto de abertura”
(NUNES, 2010 p. 11).
A fenomenologia em Heidegger se torna ontológica, pois não se preocupa
com entes específicos, mas com aspectos relacionados ao ser dos entes, os quais
frequentemente encontram-se encobertos ou, de certa forma, esquecidos (INWOOD,
2002). Para Heidegger, seguindo sua relação com a vida fáctica, a fenomenologia
pode ser considerada não simplesmente subjetiva, mas de algum modo concreta e
universal, possibilitando a conquista do modo de encontro com o ser nos fenômenos
(HEIDEGGER, 2011).
50
Heidegger valorizava a vida no campo e muitas de suas reflexões foram
escritas em uma cabana nas regiões de montanha de Todnauberg, construída em
1923. Foi professor universitário e como autor e conferencista, publicou inúmeras
obras, sendo a mais difundida delas Ser e Tempo (INWOOD, 2004). Nesta obra, ele
expressa que o ponto de partida da filosofia está relacionado a uma analítica da
existencialidade, alicerçada, sobretudo na diferença ontológica entre ser e ente.
Heidegger, de algum modo, manteve um diálogo com a tradição filosófica e
seus questionamentos propunham uma filosofia, enquanto fenomenologia, não
limitada à descrição reflexiva e teórica de um objeto observado, mas voltada para
apreender o mundo circundante e que fosse capaz de tratar filosoficamente as
experiências da vida fática, de algum modo vividas (MISSAGGIA, 2011). Para
Heidegger o objeto próprio da filosofia deveria ser o sujeito e suas experiências.
A fenomenologia em Heidegger é inicialmente um conceito de método. O
filósofo procedeu críticas à civilização tecnicista porque acreditava que o sentido da
filosofia tradicional havia se perdido em meio a uma “crise cultural”, na qual o estudo
do ser havia sido suprimido. Heidegger explorou em seus estudos, temáticas
relacionadas à história da filosofia do ser desde os pré-socráticos (STRATHERN,
2004).
Para ele a filosofia tradicional era passível de críticas quando se mostrasse
como relativista e buscasse apenas uma visão de mundo, quando não fosse capaz
de descrever os modos de ser do homem a partir de seu contínuo fluxo de
experiências, considerando sua facticidade, temporalidade e historicidade.
Assim, Heidegger preocupou-se com o estudo do ser. Suas reflexões acerca
da diferença ontológica entre ser e ente o levaram à busca da formulação da
questão sobre o sentido do ser. O projeto de sua fenomenologia se fundamenta na
analítica existencial para a elaboração desta questão.
Em Heidegger toda questão deve ser acessada, elucidada e respondida por
um ente e de acordo com Casanova (2009, p. 61) “a filosofia (enquanto
fenomenologia) não trata de um ente específico, nem do conjunto total dos entes em
geral, mas do ser do ente enquanto tal”.
A descrição do que é o ser é uma das questões mais polêmicas e discutidas
na fenomenologia de Heidegger. Para ele o ser é indescritível, porém está ligado
primariamente à possibilidade, à existência (ABBAGNANO, 2007). Ao ente capaz de
questionar e de ser questionado, pensado a partir da relação que estabelece com
51
seu próprio ser, este que cada um de nós humanos somos, Heidegger denominou
Dasein (ser-aí, pre-sença).
Dasein não significa, portanto o ente humano, mas o homem pensado em
seu relacionamento com seu ser, ser de possibilidades, capaz de transcender limites
como nenhum outro. É o modo de ser do homem originário das traduções do alemão
das expressões Da (aí, aqui) e Sein (ser). Assim, Dasein significa “existir” ou “estar
aí, está aqui”, designa não somente a existência própria do homem, mas também
um modo privilegiado de ser. Para o filósofo, apenas o Dasein pode desenvolver
uma atitude transcendental, atitude esta que o leva racionalmente ao
desenvolvimento do conhecimento e o diferencia dos demais entes no mundo
(HEIDEGGER, 2011).
Em termos de filosofia clássica, Heidegger possuía um modo próprio de
expressar-se. Valorizava as raízes das palavras gregas e alemãs e utilizava hífens
que sugerem um retorno às origens da linguagem e possibilitam que o sentido da
palavra possa ser desvelado, descoberto, conhecido (LOPES, 1999). Por isso, para
o desenvolvimento do presente estudo, outros conceitos em fenomenologia
Heideggeriana foram fundamentais:
Ente – é tudo aquilo de que falamos, a que nos referimos. Em sentido mais
amplo é qualquer entidade. Uma cadeira, uma mesa, um animal, uma lembrança,
sentimentos e o próprio homem são entes.
Fenômeno – é tudo aquilo que se manifesta em si mesmo, como é na sua
essência e não apenas na aparência, pois as aparências constituem o fenômeno,
mas não são propriamente, o fenômeno. Para Heidegger, o fenômeno é
ontologicamente quase sempre mal compreendido ou interpretado de forma
insuficiente.
Essência (eidos) – É o sentido ideal de um fenômeno. É a estrutura
invariante sem a qual o fenômeno deixa de ser ele mesmo.
Ex-sistência (presença) – Termo de derivação grega que significa estar fora,
estar em uma postura externa. É o modo de ser que liga o homem ao mundo. A
natureza do ser do Dasein (ser-aí) está relacionada à sua ex-sistência, à abertura às
52
suas possibilidades. A ex-sistência está voltada à transcendência, ao projetar-se
para o mundo. Compreende-se como aquilo que emerge, que desvela, é o poder-
ser.
Ser-com/Ser-junto – como existencial, diz respeito a nossas relações com
outros entes. Somente ao ente dotado do modo-de-ser da presença (o Dasein) é
possível “tocar” outro ente.
Cuidado – É o modo de ser-com do Dasein, ser-consigo mesmo, ser-com
outros Dasein e ser-com os demais entes intramundanos.
Ser-no-mundo – para Heidegger o Dasein e o mundo são estruturas que se
complementam, pensados a partir do fenômeno da unidade. Não se trata, portanto
de pensar o ser do Dasein como um ser “dentro” do mundo, mas um ser que
compõe o mundo e por ele é também composto. O modo de ser da presença no
mundo é chamado Mundano.
Intramundano – é o modo de ser dos outros entes, os quais Heidegger
denominou “entes simplesmente dados” dentro do mundo.
Inautenticidade – É o modo de ser cotidiano caracterizado pelo falatório,
ambiguidade, curiosidade e pela decadência do ser em relação a si mesmo. É o
modo impróprio de ser do Dasein.
Falatório – Traduz-se em repetir e passar adiante a fala oral ou escrita
sem, no entanto, haver a compreensão autêntica e crítica daquilo que se ouve.
Traduz falta de compromisso com o que se fala.
Ambiguidade – É o modo de ser do ser-no-mundo no qual existe
possibilidade de interpretações duplas dos fenômenos, onde tudo parece ter sido
compreendido autenticamente, quando de fato não foi. É um movimento de
oscilação com falta de critério para distinguir o existir autêntico do inautêntico.
53
Curiosidade – É o modo de ser cotidiano que se caracteriza por uma
“impermanência junto aquilo que está próximo”, em função da busca do “sempre
novo”, contudo essa busca é apenas para ver o novo e não para compreendê-lo.
Decadência – É o modo de ser do Dasein na impessoalidade, é a fuga de
si mesmo, o ocultamento de sua transcendência, de seu poder ser. Para Heidegger
tal expressão (assim como tantas outras) não assume o sentido moral difundido
socialmente.
Autenticidade – É o modo de ser si mesmo do Dasein, o seu modo próprio
de ser que pode escolher ser ele mesmo, conquistando-se, ou pode anular-se, não
conquistar-se ou conquistar-se de forma aparente.
Para Heidegger, a ex-sistência é um primado humano, mas no mundo ela
não é solitária, pois o Dasein (ser-aí, presença) é sempre um “ser-com outros”. Ele
costuma ter consciência da presença dos outros mesmo que não estejam próximos
a ele (pois o Dasein espacializa: possui noções de longe-perto, dentro-fora). Este
ser-com do Dasein é manifesto no mundo essencialmente através do cuidado e é no
cotidiano, na sua cotidianidade, que ele cuida e é cuidado por outros (HEIDEGGER,
2011).
O Dasein sendo de algum modo como oscilação pode optar por não ser si
mesmo, e ter sua existência voltada aos modos de ser da inautenticidade,
caracterizados pelo falatório, ambigüidade, curiosidade e decadência. Por outro
lado, vendo-se como ser de possibilidades que é, o Dasein pode assumir o modo-
de-ser da autenticidade, o seu modo próprio de ser si mesmo, de compreender-se a
si mesmo.
Para toda e qualquer estrutura que possibilite a compreensão do ser, a
temporalidade é fundamental. Para Heidegger, que busca compreender o tempo a
partir da existência humana e sua finitude, ela (a temporalidade) “é a condição de
possibilidade do ser-no-mundo...”, é a condição “de transcendência do Dasein, no
que ela tem de mais constitutivo” (SOUZA JUNIOR, 2006, p.30).
Portanto o tempo em sentido originário não pode ser reduzido aos processos
temporais do sentido vulgar de tempo, mas deve incluir o tempo da experiência
humana, a história (HEIDEGGER, 2011). Em Ser e Tempo, Heidegger defende que
54
a compreensão do ser da presença é o solo da pesquisa fenomenológica e inclui
uma compreensão de mundo e a compreensão de ser dos demais entes dentro do
mundo.
3.3 O COTIDIANO EM HEIDEGGER
Em uma interpretação ontológica, o termo cotidiano está ligado às situações
em que frequentemente o homem encontra-se “nos afazeres” comuns da vida
(INWOOD, 2004). É no modo-de-ser cotidiano que se dá a ex-sistência humana no
mundo, através da qual experienciamos os outros e a nós mesmos, contudo, para
Martin Heidegger, quase sempre e na maioria das vezes, este modo-de-ser encobre
o “sentido do ser” do Dasein (HEIDEGGER, 2011).
A cotidianidade possibilita muito mais do que apenas a explicação ôntica do
ente dotado da presença. Através dela, é possível captar as estruturas ontológicas
do modo-de-ser deste ente, as quais, através da existencialidade, são determinadas.
Assim, o modo-de-ser cotidiano da presença, experimentado onticamente, é de onde
parte a possibilidade da interpretação ontológica, de onde se torna possível destacar
o ser do Dasein (HEIDEGGER, 2011).
Na fenomenologia Heideggeriana, esse destaque busca essencialmente a
compreensão e interpretação do Dasein, e que no modo-de-ser cotidiano devem ser
concebidas e esclarecidas a partir da perspectiva do tempo. Assim, é na
temporalidade que o ser da presença tem seu sentido, como condição para sua
historicidade (HEIDEGGER, 2011).
O cotidiano é o modo básico de ser no mundo, é o mundo da familiaridade e
da repetição, vivido na mediania, na impessoalidade, na facticidade do Dasein
concreto. É o mundo de todos os dias no qual existimos e vivemos. Necessário e
inevitável é o modo de ser que nos possibilita ocupação e interação junto aos
demais entes.
O homem em sua cotidianidade, lançado ao determinismo dos fatos e na
maior parte do tempo sob o modo de ser do impessoal, não consegue fazer uma
leitura, uma interpretação de si mesmo, contudo é no cotidiano que estão todas as
suas possibilidades de ser.
55
3.4 A FENOMENOLOGIA HERMENÊUTICA HEIDEGGERIANA
A hermenêutica, que significa em sua origem grega esclarecer, traduzir,
trazer a mensagem, representa possibilidades de uma nova compreensão, desta vez
daquilo que está oculto, não manifesto acerca destas pessoas, do mundo em que
vivem, da sua história e da sua existência.
A hermenêutica na analítica existencial do Dasein é sempre buscada no
discurso, o qual é composto por quatro estruturas: 1ª) o discurso é sempre sobre
algo (referência); 2ª) diz alguma coisa acerca do que fala (significação); 3ª) partilha o
ser para a coisa da qual fala (comunicação) e; 4ª) expressa o modo de ser-no-
mundo daquele que fala (expressão de sentido) (DUBOIS, 2004).
A fenomenologia hermenêutica Heideggeriana é interpretação fundada na
compreensão, que busca descobrir o sentido como modo-de-ser do ser do Dasein,
que pode mostrar-se em si mesmo e por si mesmo e que possui, através da
facticidade, uma possibilidade para sua auto-compreensão (MISSAGGIA, 2011).
Para Heidegger existir “é interpretar e, mais do que isto, a compreensão prévia de si
também pertence ao ser. Portanto, somos interpretação e compreensão no mundo
da existência e vivência...” (ARAÚJO; PAZ; MOREIRA, 2012 p. 202).
O projeto de Heidegger está estruturado pela posição prévia, visão prévia
e concepção prévia, as quais pressupõem a hermenêutica enquanto interpretação.
Para o filósofo, aquilo que buscamos compreender já é de algum modo para nós
compreendido, ou seja, o existente não pode ser ontologicamente compreendido
sem que se tenha sobre ele algum pressuposto, sem que se possa antecipar,
através de uma compreensão prévia, o seu sentido. A hermenêutica é, portanto o
desenvolvimento necessário de uma pré-compreensão de mundo (HEIDEGGER,
2011).
Na fenomenologia hermenêutica Heideggeriana, o compreender dá-se em
um círculo que:
“Exprime a estrutura prévia existencial própria da presença. O círculo não deve ser rebaixado a um vitiosum, mesmo que apenas tolerado. Nele se esconde a possibilidade positiva do conhecimento mais originário que, decerto, só pode ser apreendida de modo autêntico se a interpretação tiver compreendido que sua primeira, única e última tarefa é não se deixar guiar, na posição prévia, visão prévia e concepção prévia, por conceitos populares e inspirações. Na elaboração da posição prévia, visão prévia e concepção prévia, ela deve assegurar o tema científico a partir das coisas elas mesmas.
56
Porque, de acordo com seu sentido existencial, compreender é o poder-ser da própria presença” (HEIDEGGER, 2011 p.215).
Heidegger sustenta a hermenêutica como uma estrutura circular de
compreensão que é determinada de modo contínuo pelo movimento de pré-
compreensão que temos acerca dos fenômenos. Esta estrutura permite uma relação
entre o todo significativo e as suas partes, os quais não se anulam quando se
completa a compreensão, mas nela alcançam uma realização autêntica.
O círculo hermenêutico descreve a compreensão de modo que não haja
simplesmente deduções de algo a partir de outra coisa, mas que a própria estrutura
do ser-no-mundo seja sugerida, superando a subjetividade e a objetividade que
estão em torno dos fenômenos e que fundamentam uma compreensão prévia
enraizada na tradição. Heidegger sugere que a pré-compreensão de ser do Dasein
pode sofrer alterações ao longo de uma investigação e por isso não se dá de modo
rígido ou imutável (INWOOD, 2002).
A hermenêutica em circularidade implica para Heidegger um primeiro
questionamento, o qual está relacionado ao sentido de ser do Dasein, além de
representar uma perspectiva que visa em si mesma uma compreensão e uma
interpretação para o alcance de novas compreensões.
57
44 PPEERRCCUURRSSOO MMEETTOODDOOLLÓÓGGIICCOO
4.1 MÉTODO ESCOLHIDO
Adotou-se nesta investigação o método fenomenológico de pesquisa e para
a análise compreensiva, a fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger. A
hermenêutica Heideggeriana possibilita o estudo do cotidiano, do vivido, do
experienciado pelo ser humano. Como abordagem é um caminho para a
compreensão das questões existenciais deste ser e se funda na compreensão e na
interpretação da vida fáctica (MONTEIRO et al., 2006).
Segundo o filósofo, “uma compreensão de ser já está sempre incluída em
tudo que se apreende no ente”. Assim, as ciências objetivas, por exemplo, ao
pesquisar os entes, já se movem, de certo modo, em uma compreensão de ser,
ainda que sua busca não se interesse pela questão do sentido do ser (HEIDEGGER,
2011 p.38).
Para Heidegger, toda questão está fundada em três estruturas chamadas
pólos: o questionado, aquilo que questionamos; o perguntado, aquilo que
perguntamos a respeito do questionado e; o interrogado, aquele que interrogamos
para obter o perguntado (HEIDEGGER, 2011). Por exemplo, se desejo saber como é
(o perguntado) o cotidiano (o questionado) em prisões, interrogo a pessoa privada
de liberdade (o interrogado).
O perguntado é o sentido de ser e o questionado é o fenômeno que se
busca compreender. Está voltado ao ser, que é sempre ser de um ente, o
determinando como tal. Para Heidegger, este ser é compreendido quase sempre de
forma superficial, de forma vaga e mediana, compreensão esta que precisa
inicialmente ser superada para que a questão do sentido do ser possa ser tratada
filosoficamente (DUBOIS, 2004). Para Heidegger, todo questionar é uma busca pelo
ente naquilo que ele é como ele é (HEIDEGGER, 2011).
O ponto de partida para esta busca está no modo de ser ele mesmo do
Dasein, quase sempre e na maioria das vezes indiferente a si mesmo, um modo de
ser neutro que possibilita a liberação das estruturas de seu ser, sem que ele precise
necessariamente escolher entre um ou outro modo de existir. Este modo de ser
neutro se funda na sua cotidianidade. Assim, neste estudo, partiu-se do cotidiano
58
das pessoas com tuberculose e privadas de liberdade para a busca do significado
que dão à sua vida, à doença e ao tratamento.
4.2 APROXIMAÇÃO ÀS PESSOAS PARTICIPANTES
Para este estudo utilizou-se a entrevista fenomenológica, na qual não
apenas o ouvir, mas o ver e o observar possibilitam captar o sentido. Martins e
Bicudo (1989) comparam a entrevista fenomenológica a um “encontro social”, no
qual estão presentes a intersubjetividade e a empatia. As percepções ocorrem tanto
pelo pesquisador quanto pelo entrevistado. Para os autores na entrevista
fenomenológica é impossível seguir regras, contudo é necessário por meio da
escuta atentiva buscar as falas que possibilitem o acesso ao outro e a sua
comunicação com o mundo.
Na entrevista fenomenológica considerou-se a perspectiva compreensiva,
partindo do pressuposto de que a compreensão está relacionada às vivências e
sentidos (CARVALHO, 1991). Para esta pesquisa, foi fundamental, antes mesmo da
entrevista com as pessoas privadas de liberdade, a realização de diálogo com a
direção, com os agentes penitenciários e com a equipe de enfermagem da unidade
prisional, esclarecendo os objetivos da pesquisa e solicitando a colaboração de
todos, visto que foram importantes elos entre a pesquisadora e os participantes,
além de representarem o apoio operacional necessário.
Para a entrevista fenomenológica o aproximar-se das pessoas privadas de
liberdade e com tuberculose ocorreu por meio de um processo de ambientação, no
qual foi possível conhecer acerca do seu diagnóstico e tratamento. Em seguida
procurou-se agendar os encontros.
Por ocasião destes encontros, nenhuma entrevista foi realizada com a PPL
algemada, pois se buscou proporcionar tranquilidade e desenvolver, através de um
posicionar-se na mesma dimensão de interesse destas pessoas, relação empática
para o diálogo, durante o qual cada uma delas se manteve disposta a expressarem-
se, mesmo aquelas que falaram menos. Neste momento, em seus modos de ser, as
pessoas se deixavam conhecer pelo discurso que proferiam.
Os entrevistados eram homens doentes de tuberculose e em tratamento,
que estavam de dez meses a sete anos privados de liberdade. A opção pelo sexo
masculino se justificou por constituírem a maioria das PPL no sistema prisional e por
59
reunirem a quase totalidade dos casos de tuberculose. As entrevistas foram guiadas
por um roteiro (APÊNDICE A) e encerradas quando não houve acréscimos de
informações sobre o vivido e o experienciado pelas PPL, um total de 22 (vinte e
duas) entrevistas.
4.3 CENÁRIOS DO ESTUDO
Os cenários do estudo foram cinco prisões da SUSIPE, que hoje possui 40
unidades prisionais entre centrais de triagem, centros de recuperação ou presídios,
colônias agrícolas e o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. As prisões
estão localizadas nos dois maiores complexos penitenciários do Estado, nos
municípios de Santa Isabel do Pará e Marituba (região metropolitana de Belém)
(APENDICE B), foram elas: os Centros de Recuperação Penitenciário do Pará I e II
e os Presídios Estaduais Metropolitanos I, II e III.
As entrevistas foram realizadas nos ambulatórios de enfermagem, nos
espaços dos parlatórios e em salas administrativas, de acordo com a estrutura de
cada uma das prisões. Nestes ambientes, as equipes de saúde são caracterizadas
como multiprofissionais (APENDICE C), contudo há déficits de recursos humanos.
Tais déficits (equipes de saúde e de segurança), aliados às necessidades de
melhoria na infra-estrutura na maioria destas unidades, bem como às más condições
de confinamento, não são uma peculiaridade do Estado do Pará, mas refletem uma
realidade que está presente em todo o país e que interfere diretamente sobre o
controle da tuberculose em prisões.
4.4 ANÁLISE FENOMENOLÓGICA
Ao passo que cada entrevista era realizada efetuavam-se as transcrições
dos discursos, com leituras atentivas para a descrição do fenômeno a partir das falas
das pessoas com tuberculose e privadas de liberdade, e do modo como relataram
suas experiências. Tratou-se, portanto, da descrição fenomenológica.
Para apreender os significados das vivências destas pessoas foi necessário
colocar-se “no lugar delas”, deixando em suspenso crenças, valores e
conhecimentos do mundo natural, para tentar viver suas experiências e retirar dos
discursos o que era essencial ao fenômeno estudado, separando-o do que não era.
60
Esta atitude é denominada de redução fenomenológica. Para Moreira (2004) é
necessário separar do fenômeno tudo aquilo que não o constitui para se atingir a
sua essência.
A partir da redução fenomenológica foi possível agregar as temáticas mais
representativas dos discursos para organizar as unidades de significação e
desenvolver a compreensão vaga e mediana, primeiro momento do método
fenomenológico em Heidegger, que consistiu em significar o sentido aparente dos
fenômenos, a compreensão mais imediata acerca destes (MONTEIRO et al., 2006).
A compreensão é uma estrutura do ser do Dasein, da sua existência. Ela é sempre
como uma “visão”, que pode ser imprópria ou própria, baseada na atitude natural ou
na atitude filosófica, respectivamente (HEIDEGGER, 2011).
Após a compreensão vaga e mediana, buscou-se o descobrimento do
sentido que alicerça a existência e funda o cotidiano das pessoas portadoras de
tuberculose e privadas de liberdade, baseando-se nos discursos e sua
hermenêutica, que se caracterizou pelo círculo Heideggeriano que incluiu
compreensão interpretação nova compreensão.
De acordo com Heidegger, a compreensão é fundamento para a
interpretação:
Ao apropriar-se da compreensão, a interpretação se move em sendo compreensivamente para uma totalidade conjuntural já compreendida (...). A interpretação pode haurir conceitos pertencentes ao ente a ser interpretado a partir dele mesmo, ou então forçar conceitos contra os quais o ente pode resistir em seu modo de ser. Como quer que seja, a interpretação sempre já se decidiu, definitiva ou provisoriamente, por uma determinada conceituação, pois está fundada numa concepção prévia (HEIDEGGER, 2011 p. 211).
Assim, a partir da fenomenologia hermenêutica Heideggeriana, novas
compreensões do fenômeno tornam-se possíveis e transcendem aquilo que de
imediato se mostra na existência humana, uma interpretação de suas atitudes e do
modo como experiencia o mundo e a si mesmo.
4.5 ASPECTOS ÉTICOS
Este estudo respeitou os princípios da ética na pesquisa com seres
humanos, no Brasil regulamentado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
61
Saúde. Tal resolução abrange basicamente quatro referenciais na bioética:
“autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, e visa assegurar os direitos e
deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao
Estado” (BRASIL, 1996, p. 1).
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE D) das
pessoas privadas de liberdade foi assinado antes das entrevistas, após uma
explanação a respeito do estudo, seus objetivos e sua importância. Àqueles que
aceitaram participar da pesquisa, mas que por limitações de aprendizado não
sabiam assinar seu nome, oportunizou-se o registro das impressões digitais. Todos
os discursos foram gravados com autorização prévia dos participantes.
Garantiu-se a confidencialidade e a privacidade das pessoas mediante a
codificação com a palavra entrevistado, seguida de número de acordo com a
sequência de realização das entrevistas. A pesquisa foi submetida à análise do
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem Magalhães Barata
da Universidade do Estado do Pará e foi aprovada através do protocolo de
autorização de número 0054.0.321.000-11.
62
55 CCOOMMPPRREEEENNSSÃÃOO VVAAGGAA EE MMEEDDIIAANNAA
As falas das pessoas privadas de liberdade e com tuberculose possibilitaram
iniciar-se a análise, que teve como ponto de partida a compreensão vaga e mediana.
Tal momento ainda não é o fenômeno desvelado, mas a compreensão mais simples,
mais imediata do discurso, para a qual nos movemos quase sempre e na maior parte
do tempo. É a compreensão do entrevistado a partir do que ele compreende e
significa.
O capítulo está organizado em três unidades de significação que representam
as ideias centrais do trajeto dos sujeitos desde o início dos sintomas, do diagnóstico
e tratamento da doença. A primeira e a terceira unidades possuem três subunidades,
a segunda seis, totalizando doze subunidades nas quais foi possível organizar e
transcrever os trechos das entrevistas que melhor apresentaram o fenômeno
estudado. As palavras entre parênteses serviram para descrever outras formas de
expressão como gestos, silêncios, pausas nas falas, mudanças no tom de voz,
sentimentos e ainda para explicar conceitos e gírias utilizados pelos depoentes.
UUNNIIDDAADDEESS DDEE SSIIGGNNIIFFIICCAAÇÇÃÃOO
UNIDADE 01 - A PESSOA PRIVADA DE LIBERDADE E O INÍCIO DE UMA TRAJETÓRIA PARA A CONFIRMAÇÃO DA DOENÇA.
1.1 – Inicialmente os sintomas da doença não são valorizados pelos doentes e pelos seus companheiros de cela.
“Eu pensava que isso era uma tosse normal né? Aí foi passando duas semanas, um mês... quando eu fui ver fui piorando”. Entrevistado 01
“Eu não procurei logo atendimento, aí ela agravou mais um pouco... pensei que era só uma febre, mas aí ela foi piorando mais (...) pensei que era uma doença normal, uma virose...”.
Entrevistado 08
“No começo eu não imaginava que era tuberculose não...”. Entrevistado 13
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“Tinha um cara de lá que me falava que eu tava com tuberculose, mas os outros falavam que p nenhuma! Ficavam me dando força...”.
Entrevistado 17
1.2 - Mesmo antes da confirmação do diagnóstico, as pessoas privadas de liberdade e seus companheiros identificam a tuberculose, pois é um mal quase sempre conhecido nas prisões.
“Eu já sabia que tava com tuberculose... eu já sabia, eu já imaginava, algumas pessoas me falavam, mesmo quando eu ainda não tinha feito o exame pra comprovar”.
Entrevistado 08
“Outras pessoas que já tiveram tuberculose me explicavam: eh rapaz você tá com tuberculose, isso é tuberculose que tu tem... tá sentindo dor aqui? Respondi: tô. Fraqueza? Tá com febre? Foi quando eu vim aí e pedi o exame e deu positivo (...). Teve tempo que eu bebi remédio pra tuberculose sem nem vir em enfermaria nem nada... tinha remédio lá e eu tava muito mal, muito mal... bebi esse remédio, foi dez comprimidos que eu bebi, aí eu melhorei... melhorei”.
Entrevistado 13
“Tinha um cara de lá que me falava que eu tava com tuberculose...”.
Entrevistado 17
“Todo o tempo eu falava que tava com isso (...) eu já sabia que eu tava com isso porque quando eu tava lá fora eu sabia qual era os sintomas, né? Quando eu vim a ter esses sintomas eu falava pro pastor que eu tava com isso”.
Entrevistado 20
1.3 - O doente privado de liberdade, na maioria das vezes, precisa insistir, “lutar” para que seus sintomas sejam investigados.
“Eu que fiz por mim mesmo, eu fiz entendeu? Não me tranquei, não fui pra cela, fiquei no solário até eles me trazerem (pro ambulatório), porque se eu não tivesse feito isso, eles não tinham me trazido pra eu me tratar né?”.
Entrevistado 02
“Mas eu sempre vinha aqui na frente, botando (insistindo, fazendo confusão) pra me levarem pra fazerem alguma coisa, pra me darem remédio... passei negócio de uns quatro meses botando pra fazerem alguma coisa comigo, porque eu tava
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indo pro chão, sem poder fazer nada... mas o que eu tava fazendo? Botando aqui, insistindo, insistindo...”.
Entrevistado 09
“Eu fiz muita coisa pra poder eles me levarem pro hospital, senão eu ia morrer”.
Entrevistado 15
“Botava (insistia, fazia confusão) lá direto pra vir aqui na enfermaria (...) os funcionários não davam muita atenção”.
Entrevistado 20
As falas descritas nesta primeira Unidade de Significação mostraram que a
experiência vivida pelas pessoas com tuberculose nas prisões é complexa, e é parte
do cotidiano das interações consigo mesmo e com os demais. Inicialmente, as
pessoas privadas de liberdade não valorizam os possíveis sintomas da tuberculose,
uma vez que acreditam se tratar de uma doença banal, que podem vencer pelo
tempo e pela resistência do corpo.
As prisões são ambientes onde há uma inversão na caracterização da saúde
das pessoas que estão presas (não se acreditam doentes), e esta inversão reforça a
ocorrência e cronicidade de doenças como a tuberculose, uma vez que dois dos
seus sintomas mais comuns são considerados “normais” pelas pessoas (a tosse, a
febre...), pois estão no cotidiano de cada um e por isso não preocupam, não
motivam nenhuma atitude para busca de assistência à sua saúde.
Ainda que no início da trajetória existam pessoas, companheiros de cela,
que reconheçam e alertem para a doença, a pessoa privada de liberdade não aceita
a possibilidade de ter tuberculose e acredita naqueles que, como ele, subestima os
sintomas. Contudo, quando estes progridem e provocam as primeiras alterações
orgânicas importantes que influenciarão no seu dia-a-dia, quando o
restabelecimento da saúde não se concretiza, a pessoa privada de liberdade recorda
o que já ouviu sobre a doença e seus sintomas, valoriza estas informações e passa
a aceitar a possibilidade da doença e com isto busca meios para o tratamento.
Neste caminhar para a assistência em saúde surgem outros obstáculos e o
percurso vivenciado não se dá de forma pacífica. As pessoas doentes precisam lutar
para terem seus sintomas investigados, insistir para serem conduzidos ao serviço de
saúde da unidade prisional. Já convencidos, eles precisam convencer outras
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pessoas de que necessitam de assistência e para isso se utilizam de quaisquer
recursos de que disponham como o “botar”, insistir, causar confusão.
Estes recursos estão limitados e na maioria das vezes partem de simples
pedidos de ajuda até ameaças e agressões verbais ou físicas, que intensificam os
conflitos entre as pessoas privadas de liberdade e os profissionais da segurança,
causam tumulto, provocam confusão, quebram as regras e os códigos de boa
conduta. Eles se arriscam a sofrer as penalidades decorrentes de seus atos, porque
acreditam que só assim terão chance de serem atendidos e avaliados.
É possível que isso ocorra porque os sintomas da tuberculose são
subestimados pelos profissionais da segurança que atuam e convivem nestes
ambientes das prisões. Nestes espaços a saúde é pouco valorizada e as relações
pessoais são moldadas por limites complexos e imprecisos, que vão desde o modo
como as pessoas presas veem a si mesmas ao modo como os profissionais as veem
e julgam, optando por dar-lhes ou não a atenção que buscam naquele momento.
UNIDADE 02 – O VIVER COM TUBERCULOSE EM PRISÕES.
2.1 - Ao se compreender doente, a pessoa privada de liberdade associa a tuberculose às condições de vida na prisão e ao uso de drogas, vê a doença como punição divina pelos seus crimes.
“Porque com certeza se eu tivesse lá fora eu não tava com isso (...). Eu acho que se eu tivesse lá fora eu não tava com essa enfermidade, porque lá fora eu me cuidava sabe? Tinha do bom e do melhor, tinha minha comidinha boa, né? Dormia numa cama boa, tinha meu conforto. Eu acho que tudo que acontece na nossa vida é por intermédio de Deus, se Deus botou isso na minha vida foi pra enxergar, mais uma lição pra mim aprender né?(...) Acho que eu peguei mais isso por causa de droga, eu usava muita droga, fumava muita maconha, sabe? E às vezes a gente pensa que tá fazendo o bem pra gente e é um mal que a gente faz. Existe um ditado muito certo: aqui a gente faz, aqui agente colhe né? A gente só colhe o que a gente planta”.
Entrevistado 01
“... se caso eu não tivesse fumado maconha... porque foi isso que chegou ao ponto de me causar essa doença, tuberculose... e outra: foi o fato também de eu me afastar da presença de Deus... eu creio que Deus permitiu que essa doença viesse agir na minha vida, pra eu perceber que ele é
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Deus de novo na minha vida e com Deus ninguém brinca, não é verdade?”.
Entrevistado 07
“Mas com a permissão de Deus é que a gente passa por isso aí, porque nada acontece sem permissão de Deus, só acontece pra abrir nossos olhos que existe um Deus”.
Entrevistado 09
“Acho que foi porque quando eu tava lá na outra cadeia eu dormi muito na pedra... lá não tinha colchão e lá não tem, a senhora sabe, deve ter passado por lá... lá não tem colchão, lá é só na pedra... acho que foi através daquilo e muito cigarro também, eu fumava muito... fumava assim de cinco carteiras de cigarro, quase, por dia. Eu não sei nem o que significou sabe? Acho que é conseqüência nossa né? Que nós vem fazendo aí por dentro da cadeia... as coisas ruins né?”.
Entrevistado 12
“Eu acho que eu adquiri essa doença porque eu fiquei de castigo no presídio... lá, nós não temos colchão... Quando eu cheguei lá, em vim de castigo de Marabá, então eu fiquei um mês dormindo em uma pedra entendeu? Não tinha camisa, não tinha nada... não tinha toalha, não tinha nada... de castigo... então, eu acho que aí a friagem começou... e também lá dormindo... tinha lençol, mas não tinha colchão, naquela friagem, na madruga, com cigarro, com tudo... com droga, tudo misturado”.
Entrevistado 13
“Eu tenho a minha consciência de que eu tô pagando pelo erro que eu fiz”.
Entrevistado 19
“Acho que significa que eu fumava muito cigarro e também consumia muita droga, e também a maneira que eu vinha passando nas cadeias né? Através disso também, de tá dormindo no chão, nesses pisos, nas pedras”.
Entrevistado 21
2.2 – A tuberculose traz para a pessoa preocupação, vergonha, constrangimento, medo, sentimento de depressão, que abalam e limitam seu dia-a-dia junto aos demais.
“Fiquei um pouco constrangido porque tava me dando muita febre... passei mais de duas semanas com febre... aí foi que
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eu fui fazer o exame e constou lá tuberculose (diminui o tom da voz).”
Entrevistado 03
“Foi muito triste, né? (...) Fiquei muito preocupado com a minha saúde”.
Entrevistado 04
“Eu fiquei meio constrangido, né? Depois do dia que eu escarrei a primeira vez sangue eu fiquei nervoso, me senti meio deprimido e aí chorei”.
Entrevistado 05
“Quando eu soube fiquei triste, chorei, pensei que ia morrer, pensei que não ia ter cura, me senti mal, fiquei triste pra caramba, mudou minha vida... fiquei recaído, depressivo (demonstra timidez)...”.
Entrevistado 06
“Se prestar atenção, só traz destruição, angústia, aflição, choro... só traz isso”.
Entrevistado 07
“Pra mim foi péssimo ter pegado essa doença, principalmente aqui dentro...”.
Entrevistado 11
“Meu dia-a-dia foi diferente, não tinha mais a mesma liberdade pras coisas que eu fazia (...). Eu me sinto com vergonha”.
Entrevistado 16
“Senti assim um abalo na minha vida, porque eu tava bem, né? (...) logo no começo, foi um abalo pra mim... uma coisa, assim, que a gente não tem pra onde correr... porque tá preso, né? Se torna difícil”.
Entrevistado 18
“Fiquei um pouco triste porque tem gente que tem até um certo preconceito né? Porque isso aí pega nas outras pessoas”.
Entrevistado 21
“Não foi uma boa coisa, me fez mal e me prejudicou muito”. Entrevistado 22
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2.3 – No cotidiano, as alterações provocadas pela doença impõem limitações físicas que debilitam o corpo e causam perda da disposição para as atividades diárias.
“Comecei a emagrecer... quando eu fui ver já não me dava vontade de comer, quando eu comia eu baldeava (vomitava) tudinho. Comecei emagrecendo... fui piorando cada vez mais, não conseguia nem baixar assim (baixa o tronco) que doía todo o meu corpo, fui perdendo o sono, não conseguia mais dormir...”.
Entrevistado 01
“Antes de adquirir essa doença eu tinha vontade de viver... eu era um cara que corria, que jogava bola, fazia tudo... depois que eu adquiri ela, que eu comecei a ter ela, comecei a sentir ela, eu não fazia nada disso, só ficava deitado... me sentia muito fraco (...) eu era na minha, calado, quieto... não ia muito pro sol, ficava mais dentro da cela entendeu? Era assim meu dia-a-dia”.
Entrevistado 02
“É uma derrota né? (...) Eu tinha vontade de correr, de ser atleta de rua, atleta mesmo... eu queria tanto correr na corrida do círio (procissão anual) como na do sal (corrida durante o verão em cidade litorânea), então essa doença me prejudicou muito”.
Entrevistado 04
“Cada casa que eu vou passando o meu corpo vai mudando. Pela minha estatura que eu tinha também, eu era mais forte... eu fiquei magrelo...”.
Entrevistado 05
“Eu fiquei fraco e andava pelos cantinhos, triste. Me vi secando (emagrecendo) de repente, de uma hora pra outra, cheguei a me secar direto mesmo... teve até coisa de ter tosse, tosse, tosse demais...”.
Entrevistado 06
“Eu só vivia deitado... não comia, não tomava banho, eu sentia muito frio, eu só vivia deitado... tava muito mal, não conseguia andar, tava muito fraco, tava muito magro”.
Entrevistado 08
“No meu dia-a-dia, eu passava mais tempo deitado do que acordado, ficava mais vendo televisão e fazendo o meu tratamento, era mais isso”.
Entrevistado 11
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“Não é meu corpo normal... se for correr, pra jogar uma bola, me sinto cansado rápido, de vez em quando... hoje mesmo eu não sei o que foi que aconteceu, senti umas pontadas no pulmão...”.
Entrevistado 13
“Eu tava tão magro, tão magro, cuspindo tanto sangue, que não tava mais me segurando em pé”.
Entrevistado 15 “Antes eu jogava bola, fazia um bocado de coisa... depois me senti muito cansado, me dava ataque de tosse, uma vontade de vomitar, forçava a garganta e se eu corresse então...”.
Entrevistado 16
“Com o tempo eu comecei a emagrecer, emagrecer... eu fui emagrecendo mesmo! (...) em uma manhã cedo eu amanheci escarrando sangue já, muito sangue!...”.
Entrevistado 18
“Sentia muita fraqueza, dor nos ossos... foi assim meu dia-a-dia durante um mês e dezessete dias... porque todo esse período aí eu passei com febre, dor no estômago”.
Entrevistado 19
“O dia-a-dia foi difícil... ficava só deitado, não tinha força pra andar. Eu tava muito debilitado, muito magro, cheguei a cuspir sangue!”.
Entrevistado 20
2.4 - As alterações emocionais que a tuberculose provoca, trazem para os doentes o desejo ou o medo da morte.
“Eu tinha que me contentar com aquilo que a pessoa tava me falando, mas o meu pensar, mas pra mim, minha vontade era de me matar (...). Me disseram que tinha cura, mas pra mim, no momento, era acabar com ela logo, acabar comigo e acabar com ela logo também”.
Entrevistado 02 “Pensei até mesmo em morrer entendeu? Porque já pensou? Aqui e ainda mais, doente... pensei... pensei besteira”.
Entrevistado 05
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“Eu quis fazer logo o tratamento, sem demora... quando ela, (a enfermeira), me falou, aceitei logo, ainda mais que ela me falou que a doença pode até matar né? Isso fez com que eu fizesse logo o tratamento entendeu? Tomasse logo a iniciativa”.
Entrevistado 10
“É uma doença muito, muito ruim né? (tristeza) É tipo assim... se não cuidar, ela mata (...) “é muita onda” (muitos problemas) essa doença. Se não me cuidar, “é sal mesmo” (é morte mesmo)... “é muita onda”.
Entrevistado 15
“Eu fiquei agoniado... fiquei agoniado, porque ela é uma doença que vai matando a pessoa aos poucos, fiquei com medo, pensando que ia morrer...”.
Entrevistado 18
“Eu pensei que eu ia chegar a óbito, a morrer... fiquei com medo...”.
Entrevistado 22
2.5 – Para a pessoa privada de liberdade com tuberculose, na maioria das vezes, o
adoecimento é vivido com solidão, rejeição dos companheiros ou auto afastamento para evitar o adoecimento dos demais.
“...o meu dia-a-dia mudou de uma forma que eu mesmo procurei me afastar... tá comigo mesmo... pensar no que eu quero... Fez eu pensar mais na vida...”.
Entrevistado 05
“Eu quero tá, assim, conversando com os irmãos, só que eu não posso, eu baixo a cabeça pra não conversar com eles, com medo de eu passar pra eles. Minha conversa com os irmãos (os companheiros) é sempre de longe...”.
Entrevistado 09
“Mesmo nós estando presos, mas a gente sente tipo o desprezo dos outros presos, entendeu? Das pessoas não ficarem perto, têm medo de ficar perto (sorriso triste). Tem que ir pra enfermaria, tem que se isolar se não tu vai passar pra eles... então, é um desprezo muito ruim entendeu?”.
Entrevistado 13
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“Eu me sentia diferenciado... diferenciado porque eu vivia praticamente sozinho entendeu? Não tinha nada, não tinha contato com ninguém. É o seguinte: às vezes as pessoas não falam diretamente pra você assim... mas eu via que as pessoas tinham medo de chegar perto de mim, entendeu?”.
Entrevistado 14
“No meu dia-a-dia eu era no meu canto, né? Porque também tem muito preconceito, muita gente tem preconceito... então, eu fico só na minha, fico só no meu canto... são muitas pessoas que têm preconceito, têm até medo de pegar, né?”.
Entrevistado 17
2.6 – A dinâmica da vida nas prisões determina ao portador de tuberculose comportamentos defensivos como recurso de sobrevivência.
“Tenho limites né? porque muitas pessoas pensam (voz baixa) que subir aqui (ir à enfermaria) entendeu? É motivo de “caguetar” (delatar) as coisas... então a gente não pode ficar subindo aqui entendeu? Por isso que tem hora que eu me rejeito a subir aqui, por que a gente mora aqui numa vila no meio de 29 ladrão aqui dentro... então a gente tem que respeitar o espaço de todos eles pra poder ser respeitado”.
Entrevistado 02
“Tem o pessoal lá (os outros presos)... se eles souberem uma onda dessas... Eu falo lá que eu tenho problema de coração e que esse remédio aí é pro meu coração... Tenho medo de apanhar deles lá dentro”.
Entrevistado 03
“Tenho que me cuidar porque lá pra atrás (bloco carcerário), ninguém quer saber de ninguém não... daqui pra lá não querem saber não, se tiver de morrer, morre! De doença, do que for...”.
Entrevistado 09
A partir do diagnóstico confirmado, as pessoas privadas de liberdade
refletem sobre sua vida dentro e fora das prisões e buscam justificativas para
explicar a ocorrência da doença, apontando algumas razões para o seu
adoecimento. A primeira destas razões está relacionada às duras condições de
confinamento, com a exposição ao frio da noite, a alimentação insatisfatória e a
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perda de autonomia para cuidarem de si mesmas. Outra explicação é a associação
ao consumo de drogas lícitas e ilícitas nas prisões, hábito que espolia as defesas do
organismo, provoca ou eleva a dependência física e química da droga. O terceiro
motivo é a crença que se trata de castigo imposto por Deus pelos crimes pregressos.
Os doentes experimentam sentimentos difíceis como vergonha,
constrangimento, segregação, tristeza. Tem aos poucos o cotidiano prisional
alterado à medida que os sintomas progridem, pois antes frequentavam os espaços
comuns para o banho de sol, jogavam bola e praticavam outras atividades. Eles
perdem peso, sentem dor, cansaço, fraqueza e não têm disposição para o lazer.
A gravidade da tuberculose e as consequências físicas e emocionais do
adoecimento fragilizam a pessoa e a fazem experimentar sentimentos contraditórios
como morrer para livrar-se da doença, ou aceitar o tratamento para livrar-se da
morte. O desejo de morrer parece ser para alguns a oportunidade que têm para
cessar o seu sofrimento físico e social. Por outro lado, saber que a tuberculose pode
matar faz com que alguns queiram se tratar logo para evitar esse desfecho.
O viver destas pessoas é marcado pela solidão que se expressa pela
ausência de familiares e amigos, pelo afastamento dos companheiros de cela, que
ao sentirem-se ameaçados pela doença se distanciam pelo risco de serem
contaminados. Outro tipo de isolamento se dá por decisão de profissionais ou da
administração da unidade prisional, para que o tratamento seja realizado em local
“seguro” para o doente.
Apesar deste isolamento social, o doente também se impõe um auto
afastamento, pois tem medo de transmitir tuberculose para familiares e colegas.
Prefere sofrer sozinho a sentir-se culpado pelo adoecimento de outras pessoas de
seu convívio, principalmente daquelas com as quais mantém vínculos afetivos. É
mais fácil afastar-se delas, afastar seus olhares e seus julgamentos e aceitar-se
como uma pessoa “diferenciada”.
A dinâmica da vida em prisões contribui para que as pessoas privadas de
liberdade tenham os direitos de acesso à saúde limitados, o que não parece ser
diferente para aqueles que estão doentes, pois ainda que necessitem de assistência
e acompanhamento durante o seu tratamento, estas pessoas optam por respeitar a
“lei do silêncio” imposta nos ambientes carcerários, o que reduz sua comunicação e
impossibilita o êxito na interação com os profissionais da saúde.
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Alguns doentes acreditam ser necessário mentir acerca do seu diagnóstico
de tuberculose, substituindo a doença por outras condições possivelmente melhor
aceitas pela população prisional como, por exemplo, as patologias cardíacas. Este
comportamento é para o doente um cuidado consigo mesmo, já que afirma que os
demais não se importam com a sua vida.
Não ser conhecido como um portador de TB é para a pessoa privada de
liberdade um recurso de proteção contra ameaças e agressões que possibilitem
prejuízos à sua integridade moral e física ou que possam provocar a sua morte.
UNIDADE 03 – O DESAFIO DE CURAR-SE. 3.1- O tratamento na prisão é difícil e requer vontade pessoal, ajuda de familiares e companheiros e fé para superar a doença.
“É uma obrigação por minha saúde... se eu quiser viver, eu tenho que fazer, porque é pra minha saúde, porque se eu não fizer nada por minha vida, não vou tomar o remédio. Eu sei que se eu não tomar eu vou piorar, então, eu sinto assim uma obrigação. Às vezes eu não quero tomar porque ele é muito forte (caretas)... dá tonteira... dá tudo sabe?! Mas eu tenho que tomar! Já tô enjoado até do cheiro dele. Quando eu tomo dá vontade de baldear, mas eu tenho que tomar...”.
Entrevistado 01
“Muitas vezes eu penso em parar de tomar esse remédio... ele tá me prejudicando entendeu? Ele me dá coceira, me dá fome, dá fraqueza... Eu não tô acostumado com esse tipo de remédio, mas aí..., como é pra minha melhora, eu tomo... com apoio com certeza da minha família... porque se não fosse, se dependesse de mim mesmo, eu tinha parado de tomar esse remédio”.
Entrevistado 04
“Mas, com a força que meus companheiros me dão lá na vila (no bloco carcerário)... eles tão vendo que eu tô fazendo o tratamento e não se afastaram muito de mim (...). Foi mais o acompanhamento da minha mulher que me deu força, não me largou (...). É uma força que a pessoa precisa aqui dentro”.
Entrevistado 05
“A gente depende lá uns dos outros... uma coisa que era pra acontecer aqui... às vezes nós mandamos nossa família trazer remédio pra nós (outros remédios), mas chega aqui na frente e
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não passa, não deixam entrar remédio pra nós... A gente corre pra isso, pra nossa família”.
Entrevistado 09
“Eu acredito em Deus e ele vai me curar a respeito disso aí... eu creio muito nele, eu oro e peço muito pra ele, pra tirar essa doença de mim”.
Entrevistado 12
“A pessoa passa às vezes por muita dificuldade, se você não tiver uma família que possa tá direto com condições de estar te ajudando... a pessoa passa por muitas dificuldades... hoje, por exemplo, eu não tenho nada, porque já acabou tudo que a minha filha trouxe. Aí já não me alimento direito (...). As pessoas chegavam e falavam que eu não iria resistir... mas graças a Deus, ele (Deus) me ajudou a superar esse remédio aí, e agora eu me encontro assim, eu tô bem”.
Entrevistado 14
“Em primeiro lugar foi Deus quem me curou, Deus me ajudou que eu viesse fazer esse tratamento, mas é muito difícil, a gente não tem ajuda de ninguém... a primeira ajuda que nós temos aqui é de Deus, né?”.
Entrevistado 20
“Eu tomo esse remédio aí por obediência, eu não gosto de beber muito, porque me dá sono... fica aquela moleza no meu corpo pra poder ficar deitado. Às vezes me dá um excesso de fome, essas coisas”.
Entrevistado 21
“Mas quando eu me sentia mal, mesmo assim, eu tomava o remédio... tomava aos trancos e barrancos, mas eu ia levando... porque é quatro pílulas, né? Em jejum é difícil!... mas a gente consegue! Com força de vontade a gente chega lá... eu tomava porque sabia que ia me fazer bem, no final de tudo, era pro meu bem... Então tinha que continuar tomando...”.
Entrevistado 22
3.2 – As limitações estruturais e a fragilidade da assistência de saúde em prisões expõem os obstáculos ao diagnóstico, à realização do tratamento adequado e comprometem a cura, a saúde individual e do coletivo.
“Fica meio complicado pra me curar aqui dentro, porque é muito abafado também lá e é muita gente perto do outro”.
Entrevistado 03
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“... muitas vezes eu venho aqui, na enfermaria, mas só que não tem o remédio adequado pra mim mesmo... só se for o remédio de TB mesmo... às vezes me dá uma tontura, uma dor de cabeça... aí venho aqui e não podem dar remédio, só pra quem tá “internado” (quem está na enfermaria), mas... é isso mesmo”.
Entrevistado 04
“Tem pessoas que tão doentes, e tem muita gente doente lá atrás, tem gente doente, mas que convive com isso, com a vergonha de contar pra alguém, não consegue, aí fica lá... sofrendo magrelo”.
Entrevistado 05
“Lá pra atrás, tem gente que tá doente desse negócio aí, tem gente que tá com tuberculose também, tem gente que tá com muitas doenças lá... e aí o quê que acontece? A gente vem aqui pra cá pegar remédio e não tem”.
Entrevistado 09
“No começo eu tive bastante dificuldade pra fazer os exames entendeu? Pra descobrir que eu tinha isso aí... eu fui descobrir praticamente um mês depois que eu tava doente entendeu?”.
Entrevistado 11
“Numa situação difícil como em um lugar desse aqui muito quente... é difícil pra pessoa tá se tratando, né? Mas tem que suportar, é assim mesmo”.
Entrevistado 19
3.3 – Sentindo-se acolhida, a pessoa privada de liberdade reconhece o trabalho dos profissionais de saúde como importante apoio para a restauração da sua saúde e o controle da tuberculose em prisões.
“... se tu quiser, eles vão te ajudar... chegar com uma enfermeira destas, se elas verem que tu quer ajuda, se interessar no tratamento, elas vão te ajudar... como elas chegaram pra mim: tu quer fazer o tratamento? Eu falei: quero! Ela disse: então eu vou te ajudar... eu vou te ajudar. Foi uma forma que eu consegui, chegando a elas”.
Entrevistado 05
“Eu me sinto muito bom... é muito bom pela atenção também que estão dando pra mim né? É uma maravilha mesmo”.
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Entrevistado 06
“Agora eu tô bem né? Tá melhor o atendimento, um pouco melhor. No começo foi meio ruim descobrir que tava com tuberculose, mas hoje em dia eu agradeço pelo tratamento que eu tiro (recebo) entendeu? O remédio tá todo tempo, todo tempo chega lá na minha mão, todo o tempo tem remédio lá pra mim tomar entendeu? Hoje eu já me sinto bem...”.
Entrevistado 11
“Mas agora, devido a esse tratamento aí e as pessoas do Barros Barreto que me ajudaram bastante entendeu? Aquela equipe que se preocupou comigo e aqui também, tá entendendo? Graças a Deus eu tô conseguindo superar”.
Entrevistado 14
“... com o decorrer do tempo e com a ajuda deles aqui (profissionais), que me deram um apoio, tomaram a atitude certa, me levaram no hospital, me passaram tratamento e aí melhorou”.
Entrevistado 18
Diante da necessidade de defender-se da doença, a pessoa privada de
liberdade procura o tratamento, pois sabe que é difícil vencer a tuberculose sem ele,
porque já ouviu que pessoas em condições semelhantes alcançaram a cura e por
isso acredita que pode alcançá-la.
A cura mostra-se um desafio pessoal e as pessoas doentes assumem o
tratamento como um compromisso necessário para a vida, uma obrigação para com
a sua saúde. Ainda que haja efeitos adversos dos medicamentos no organismo,
estes não devem impedir a continuidade do tratamento. Relatos de náuseas, fome
intensa e coceira pelo corpo são menores se comparados aos sinais e sintomas da
doença e assim precisam ser superados, mesmo sem o manejo adequado destas
situações pelos profissionais de saúde, considerando que o Programa de Controle
da Tuberculose orienta no manejo destas situações.
Para alcançar o objetivo que é a cura, a pessoa conta com o apoio de
familiares, da crença em Deus e de amigos porque necessita de incentivo para
continuar tomando os medicamentos, pois seus efeitos adversos concorrem para
que pense em desistir do tratamento medicamentoso. Alimentação complementar a
que é oferecida na prisão e medicamentos de suporte são exemplos de apoio social
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externo a unidade prisional que favorecem a continuidade do tratamento e a
resposta física dos doentes. À medida que melhora a condição de saúde a
normalidade da convivência é restabelecida ou fortalecida.
Um aspecto relevante nas falas dos entrevistados foi o modo de
compreender o adoecimento, atribuindo-o como castigo divino às faltas cometidas
na vida pregressa ao confinamento. A figura de Deus passa a ser valorizada a partir
do restabelecimento da saúde, Deus é exaltado pela oportunidade de realização do
tratamento, por ajudar a superar os efeitos dos medicamentos, pelo abandono das
drogas, pelo alcance da cura e por permitir-lhes continuar vivendo. Assim, a fé e a
religiosidade destas pessoas são intensificadas cada vez que superam os desafios,
porém reconhecem e apontam as limitações da estrutura física dos ambientes
(superlotados, quentes e abafados) e a fragilidade da assistência em saúde nas
prisões.
Não foi possível identificar neste estudo se é apenas a doença que deixa o
portador fragilizado e o faz aderir à religiosidade ou se outras situações interferem e
contribuem para isso, como por exemplo, a presença constante das igrejas nos
ambientes prisionais e a identificação de alguns líderes no cárcere, entre as pessoas
privadas de liberdade, que se propõem a manter uma certa ordem para a harmonia
do ambiente a partir de concepções religiosas.
Nas prisões é possível que existam muitas pessoas doentes por tuberculose,
que ainda não estão em tratamento porque o diagnóstico e o manejo adequado são
precários, o que contribui para magnitude que se tem hoje da tuberculose nestes
espaços, onde tratar a tuberculose é difícil pela falta de exames que permitam
acompanhar a resposta aos fármacos e as intolerâncias medicamentosas e pela
falta de medicamentos que minimizem estas intolerâncias, que são comuns em
tratamentos prolongados.
Apesar destas dificuldades, as pessoas doentes avaliam e reconhecem
como importantes o trabalho e apoio dos profissionais de saúde para seu
restabelecimento e para o controle da tuberculose em prisões. A atenção destes
profissionais é tida como fator que favorece a continuidade do tratamento e o
desfecho esperado da alta por cura.
78
66 HHEERRMMEENNÊÊUUTTIICCAA
Após a elaboração das Unidades de Significação buscou-se apreender o
modo como as pessoas doentes por tuberculose nas prisões vivenciam o seu
cotidiano diante da doença e do tratamento, e qual o sentido que se revela em seus
discursos acerca do fenômeno estudado.
O sentido, de acordo com Heidegger, está quase sempre e na maioria das
vezes encoberto para a pre-sença, é apoio para a compreensibilidade e “significa a
perspectiva do projeto primordial a partir do qual alguma coisa pode ser concebida
em sua possibilidade como aquilo que ela é” (HEIDEGGER, 2011 p.408).
Para compreender o sentido que funda o cotidiano das pessoas com
tuberculose e privadas de liberdade, partiu-se em busca dos modos como interagem
com seu mundo. Por meio dos discursos proferidos, e mesmo nos momentos de
silêncio, vimos que a tuberculose é uma condição difícil de aceitar, mas viver com a
doença nas prisões é inicialmente estar indiferente aos seus sintomas, pois conviver
com os riscos reais e potenciais que este ambiente oferece faz parte do cotidiano de
cada um enquanto pre-sença.
A vida nas prisões dá-se de forma muito particular, com regras, limites
específicos e relações pessoais hostis diante das quais, o principal desafio é quase
sempre e na maioria das vezes manter-se vivo. A desvalorização dos sintomas da
tuberculose pode ser vivida como negação, o que expressa uma tentativa de fuga da
pessoa diante da doença que a ameaça. Esta fuga é necessária porque aceitar a
doença é reconhecer a perda da força de que se dispõe para viver e para defender-
se.
Tal fuga se sustenta principalmente enquanto o cotidiano nas prisões não se
mostra alterado e as pessoas doentes ainda frequentam os espaços para o banho
de sol, participam de atividades de lazer, trabalham (aqueles que tem oportunidade),
recebem visita de seus familiares, enfim, estão imersos em uma multiplicidade de
fatos e de tarefas, em uma existência caracterizada como lançada no mundo no
modo de ser da facticidade. A facticidade, na qual a cotidianidade se encontra, é um
modo de ser no qual o homem está “a mercê dos fatos, ou no nível dos fatos e
entregue ao determinismo dos fatos” (ABBAGNANO, 2007 p.492).
79
As prisões são ambientes que, apesar de seu potencial para provocar o
adoecimento das pessoas, não são feitos para pessoas doentes. Por isso talvez
compreensivamente haja a recusa da ocorrência da tuberculose pelo portador
privado de liberdade, uma vez que a doença representa uma perda da legitimidade
que possuía para ocupar o seu espaço na prisão, para ser-no-seu-mundo.
No cotidiano, a pessoa privada de liberdade volta o seu olhar e seus
interesses para a dinâmica do que há nas prisões: o uso de drogas, a necessidade
de manifestação de poder e força, o desejo de estar próximo aos mais fortes, e
fecha os olhos para tudo aquilo que possa transcender o seu modo de ser no
cotidiano, ainda que não o tenha escolhido.
O modo de ser cotidiano delimita o como da existência do Dasein no
mundo. É o modo como ele é na maioria das vezes, no seu dia-a-dia, vivendo de
maneira indefinida, não autônoma, não distintiva em relação aos outros, habitual,
comum, previsível, inevitável, pública e necessária, que caracteriza um estado de
dependência do Dasein em relação ao mundo, a monotonia da sequência de fatos
no passado, presente e futuro (HEIDEGGER, 2011).
Contudo, o dia-a-dia do cotidiano não pode ser interpretado a partir da
databilidade do calendário ou reduzido a uma sequência cronológica de
acontecimentos, pois indica “a temporalidade que possibilita o ser da presença” e
deve ser compreendido como o modo de existir (HEIDEGGER, 2011 p.460). É o
modo de ser com o qual possuímos maior proximidade, em que as relações com as
coisas e com os outros se manifestam publicamente dia após dia e estão alicerçadas
no modo de ser do impessoal (DUBOIS, 2004).
No cotidiano, ser privado de liberdade e com tuberculose é dispersar-se em
meio ao falatório e viver a partir daquilo que se diz e se ouve nas prisões. Em função
do falatório e até que se prove o contrário, ter tosse nas prisões é ter tuberculose, é
poder ser reconhecido não apenas como uma pessoa doente, mas como a própria
doença materializada. A pessoa passa a ser identificada como uma nova ameaça ao
dia-a-dia, porque a tuberculose é conhecida, ainda que medianamente
compreendida. À medida que a doença se exterioriza, o falatório cuida para que a
identidade do doente seja precocemente revelada a toda a comunidade carcerária.
Para Heidegger, o falatório é o discurso estruturado sobre o modo da
repetição do que é dito ou escrito, no qual a fala perdeu a sua referência ontológica
ou jamais a teve. Através dele, o Dasein ouve e passa adiante aquilo que é dito sem,
80
no entanto refletir sobre o que se fala, o que caracteriza a publicidade da
compreensão mediana, a convivência a partir de uma fala comum com os outros e,
uma ocupação com o falado, em que quase sempre tudo se compreende (DUBOIS,
2004).
O falatório limita a possibilidade de compreensão originária e própria acerca
dos fenômenos e reprime de modo autoritário toda contestação e discussão a
respeito daquilo de que se fala, determinando que este algo seja exatamente como
se diz que ele é (HEIDEGGER, 2011). O ser do Dasein se abre para aquilo de que
se fala e aquele que ouve participa deste ser que se abriu. Contudo, no falatório
essa participação se dá numa compreensão que subsiste no impessoal. O falatório
rompe a ligação entre os fatos e a linguagem, mas enquanto modo de ser cotidiano
não tem sentido degradante e “não é algo simplesmente dado, pois em si possui o
modo de ser da presença” (HEIDEGGER, 2011 p.231).
Diante das alterações que regem e transformam o seu dia-a-dia, a pessoa
privada de liberdade e doente tem sobre si, já implícita, uma decisão, a qual se
mostra onticamente como atitude. Decidido pela vida, ele chama a atenção dos
profissionais para si, para ter seu diagnóstico confirmado através de exame, para ter
recuperada a sua saúde. Sua decisão é autêntica, pois escolhe lutar para viver,
submetendo-se ao tratamento mesmo diante das adversidades.
Para Heidegger, a decisão é um modo de abertura do ser do Dasein que o
liberta para realizar escolhas, mas não apenas para isso. A decisão quando
autêntica coloca a presença diante da possibilidade de ser si-mesma, descobrindo o
que é faticamente possível e real e projetando o seu poder-ser próprio
(HEIDEGGER, 2011).
A decisão autêntica leva a presença a um antecipar-se silencioso e destaca
as suas possibilidades, que representa a voz enquanto apelo para o ser-si mesmo
do Dasein. “Decisão é lucidez própria do Dasein; é verdade da existência assumida”
(DUBOIS, 2004 p.223).
No cotidiano de suas ocupações nas prisões, as pessoas doentes não
querem ser diferentes. Ser diferente não é vantajoso, pois a diferença estabelecida
pela doença os torna pessoas menos dignas, menos fortes socialmente e
fisicamente diante dos grupos, menos úteis e de algum modo menos humanas.
Na tentativa de serem iguais aos outros, as pessoas nas prisões estão
sempre fugindo: das diferenças, das ameaças, da transgressão de certas regras,
81
das penalidades, das doenças. Para restabelecer a sua igualdade, a pessoa doente
vê suas possibilidades de ser a partir das possibilidades daqueles com os quais
convive, suprimindo suas próprias escolhas e sua existência a partir de si mesmo e
para si mesmo, configurando um modo inautêntico de ser.
Heidegger denominou como inautêntico o modo do não ser si-mesmo do
Dasein, o qual não se trata de um modo de ser equivocado, falso ou ilusório, mas o
modo em que quase sempre todos nós permanecemos: o modo cotidiano da
ocupação e preocupação, essencial à própria pre-sença enquanto existência
(HEIDEGGER, 2011). A inautenticidade é, portanto um existencial próprio da
presença, tudo o mais que se possa chamar inautêntico o é por intermédio do
Dasein e em relação a ele.
O Dasein inautêntico compreende e interpreta a si mesmo em virtude do
mundo e ainda que diga: eu penso, eu faço, eu sou, ele pensa, faz e é a partir dos
outros e no modo de ser do impessoal, no qual cada ser singular torna-se acessível
numa multiplicidade do nós (HEIDEGGER, 2011).
Em seu modo de ser quase sempre inautêntico, o portador de tuberculose
privado de liberdade precisa justificar para si e para aqueles com os quais convive o
motivo de estar doente e se sustenta em uma compreensão mediana, que pode se
dá sob o modo de ser da ambiguidade e que no cotidiano se manifesta de diferentes
maneiras. A compreensão mediana e ambígua está, por exemplo, no
comportamento do outro que ora se mostra solidário ao doente, ora o rejeita.
No modo de ser da ambiguidade é possível residir aquilo que caracteriza e
diferencia o ser doente por tuberculose dentro e fora das prisões, pois talvez em
nenhum outro cotidiano a compreensão da doença pelo próprio doente se dê dessa
forma, na qual se vê a tuberculose ora como um mal, que expolia, que angustia, que
prejudica e que pode levar à morte, mas também como um bem, que distancia das
drogas, que aproxima da religiosidade, que traz a oportunidade de redimir-se de
seus erros e de tornar-se uma pessoa melhor e que pode dar acesso a
determinadas concessões nas prisões, as quais não se tem quando não se está
doente.
De acordo com Heidegger, a ambiguidade é a possibilidade de
compreensão e interpretação impróprias dos fenômenos, com alternativas e
significados geralmente excludentes entre si. Mostra-se como um equivocar-se do
Dasein cotidiano (ABBAGNANO, 2007). A ambiguidade se estende ao ser-no
82
mundo, ao ser-com os outros e ao ser-si mesmo, e no cotidiano traz conflitos às
relações com os outros, configurando o ser-um contra o outro da convivência
(HEIDEGGER, 2011).
No modo ambíguo de ser, a pessoa com tuberculose nas prisões,
compreende a doença como algo que não poderia ser evitado, uma vez que se dá
como consequência da sua própria existência, dos comportamentos negativos que
manteve durante a sua vida e, sobretudo por permissão divina, acima de qualquer
uma de suas vontades e possibilidades.
Diante das limitações que lhe são impostas, seja pela doença que a cada
dia se mostra agravada através de seus sinais e sintomas ou pelas regras sociais da
convivência na prisão, a pessoa se sente perdida, sozinha e triste e, em
consequência disso seu ser se abre e se dispõe como o medo.
O medo para Heidegger é um dos modos de disposição da pre-sença.
Ontologicamente disposição, onticamente humor, sentimento. Ela revela o modo
“como alguém está e se torna”; domina o cotidiano da existência pública e se
configuram como parte essencial a ela (HEIDEGGER, 2011 p. 193).
O medo enquanto disposição é sempre daquilo que está dentro do mundo,
da ameaça que guarda consigo a possibilidade de ser sempre retirada, extinguida e
tem o caráter da aproximação, pois permanecendo distante não se mostra em seu
ser ameaçador e como consequência interrompe o medo (NUNES, 2010).
A pessoa privada de liberdade tem medo de mostrar-se doente, pois a
tuberculose é para ele a possibilidade concreta de perder-se a si mesmo, de não dar
conta da sua vida, das suas tarefas, de não poder contar com quem lhe ajude, de
não poder ajudar aos outros. Ela simboliza uma morte social e por isso o inabilita
para o convívio com os demais, mantendo sobre ele um medo pela perda do ser-
com, de alguma forma antecipada pela sua solidão e pelo isolamento em que vive.
O Dasein é um só não importa onde esteja, mas nas prisões ele possui
modos particulares de comportar-se no cotidiano. O medo pela perda do ser-com
nestes ambientes é fortalecido pela própria natureza do aprisionamento, cujo
objetivo é separar as pessoas da convivência em sociedade, contradizendo de
algum modo, a natureza da própria existência humana, na qual ser-com e estar-junto
aos outros é, segundo Heidegger, um modo de ser essencial de ligação do homem
ao mundo.
83
Segundo Heidegger, aquilo que ameaça no medo é sempre algo que pode
interferir no modo de ser-com do Dasein na convivência cotidiana, pois o temor da
presença não é pelos demais, mas por si-mesmo, por seu ser que poderia ser
retirado da relação com os outros. O ter medo tem o caráter do individual, pois ainda
que se tema por alguém ou no lugar de alguém não se pode dele retirar o medo
(HEIDEGGER, 2011).
Chamamos de pavor o medo que no mundo toma o ser do Dasein e o
ameaça pela possibilidade de perda do ser-com. A ameaça representada pela
doença, tem o caráter do súbito (que pode chegar de repente e a qualquer
momento) e de algo que é conhecido pelo Dasein, algo com o qual ele tem sempre
uma relação de familiaridade (HEIDEGGER, 2011).
O pavor diante da ameaça da perda do ser-com revela ao Dasein que a
doença tem um projetar-se não apenas na morte social, mas na morte física, pois ela
ameaça a integridade da vida. Para Heidegger, é no morrer que cada presença
alcança uma individualidade superior a qualquer outra, traduzida pela perda do ser-
com outros e do ser-junto às coisas no mundo, na qual as possibilidades lhe são
retiradas e quase sempre, a presença se “finda na incompletude ou na decrepitude e
desgaste” (HEIDEGGER, 2011 p.319).
Diante da possibilidade da morte, todas as possibilidades de ser-no mundo
são anuladas e tornam-se nada. Ela se mostra “como a possibilidade da
impossibilidade” e enquanto existencial predeterminado e insuperável, está sempre
diante da presença no decorrer de sua vida, pois em todo e qualquer modo de ser o
Dasein é acima de tudo finitude (ABBAGNANO, 2007 p.796).
Em seu cotidiano regido pelas privações de liberdade e pelos limites
impostos pela doença, a pessoa, desesperada, sem disposição física para viver,
busca o fim do seu sofrimento, reflete sobre algumas possibilidades que tem para
vencer a doença e em um modo impróprio de ser pode desejar a sua própria morte,
pois compreende que viver na prisão já é de algum modo não ter vida.
Este modo de ser impróprio da presença no cotidiano, no qual o que se dá
são atitudes inautênticas como negar, esquecer, temer e desejar a morte ocorre em
contradição à atitude autêntica, que implica um antecipar-se à morte, um projetar-se
diante dela, um adiantar-se angustiado, calmo e sereno antes dela (INWOOD, 2002).
Não se trata, no entanto de um preparo que antecede a morte, mas um
modo de ser-para-o-fim. Este ser-para possibilita ao Dasein experimentar a angústia
84
e através dela compreender o todo da sua existência, assumindo sua finitude e “de-
limitando todas as suas possibilidades de fato” durante a vida (DUBOIS, 2004 p. 50).
Em sua fuga da morte, a pessoa privada de liberdade quase sempre experiencia a
angústia em seu modo de ser inautêntico, o medo.
A angústia se mantém constantemente diante do medo e com ele
estabelece relações aproximando-se. Em seu modo de ser está aquilo que a
acompanha e que ameaça a presença, contudo, ao contrário do que ocorre na
presença do medo, esta ameaça não é de algo intramundano, pois não está em
lugar algum do mundo e não pode ser determinado, conhecido ou concretizado, mas
é de algum modo ao mundo conduzido (NUNES, 2010).
Diante das alterações do seu dia-a-dia, a pessoa com tuberculose nas
prisões pode buscar o auto-isolamento para fugir da reação, do comportamento e do
juízo dos outros, mas não apenas para isso. Em sua solidão, ele pode perder-se de
seu ser ou dele apropriar-se. Angustiado, por um momento ele pode afastar-se dos
outros para aproximar-se de si mesmo, para perder o medo que a doença lhe impõe,
para refletir sobre si mesmo, sobre sua vida, sobre suas possibilidades e se
reconhecer nelas.
A angústia leva o Dasein a compreender a sua existência para não mais
fugir dela, e lhe concede a oportunidade de desviar-se do medo que o sufoca. O ser
revelado na angústia é livre para que o Dasein possa acolher-se a si-mesmo e
mostrar-se como um estranho a tudo que é familiar nos modos de ser do impessoal
e da decadência (HEIDEGGER, 2011).
A angústia para Heidegger é o fundamento para uma fuga da decadência
em que o Dasein permanece inautenticamente quase sempre, e na maioria das
vezes, no cotidiano. Esta fuga na vigência da angústia por sua vez, é de um modo
calmo e sereno, ao contrário do fugir diante do medo, que se mostra conflitante e
desesperado (HEIDEGGER, 2011).
O cotidiano pode delimitar todos os comportamentos do Dasein ou aqueles
pelos quais ele opta de acordo com a sua conveniência. Por isso, para este modo de
ser não há conceituação moral, mas uma determinação, uma necessidade de viver.
Apesar de ser na maioria das vezes sob o modo da inautenticidade, o Dasein não
está impedido de transitar em outros solos. Na cotidianidade é possível ser
conduzido ou reconduzido pela existência, mas para Heidegger isso ocorre “no
instante e apenas por um instante” (HEIDEGGER, 2011 p.461).
85
Compreender a si mesmo no cotidiano mostra-se como um desafio para o
Dasein, pois representa fugir do falatório e da ambiguidade que caracterizam o seu
ser como lançado no mundo. Direcionado para o ser de possibilidades que ele
mesmo é, ao Dasein não significa dizer que tudo é possível, mas que ele pode
voltar-se para si de modo autêntico e optar por realizar uma decisão, a qual o leva às
suas próprias escolhas, suprimindo as possibilidades e escolhas que são daqueles
com os quais convive no mundo (HEIDEGGER, 2011).
Os modos de ser no cotidiano não devem ser compreendidos e avaliados
como bons ou ruins, melhores ou piores, falsos ou verdadeiros. No entanto, para
Heidegger, “todo Dasein possui uma voz interna chamando-o para a autenticidade,
para o cumprimento-de-si-mesmo: ouvir constitui a abertura primária e autêntica de
Dasein para seu próprio poder-ser” (INWOOD, 2002 p.12).
Com a gravidade da doença, os sinais tornam-se cada vez mais visíveis, a
pessoa recorda-se do modo como era sua vida na prisão antes da tuberculose e
refletindo sobre ela distancia-se para o seu passado, quando possuía mais
disposição física para empenhar-se em suas ocupações, quando o seu corpo era
mais forte para enfrentar as adversidades que se apresentam no cotidiano. Diante
deste retorno ao passado, o temor pela morte futura o incentiva a empenhar-se em
alterar o presente e buscar o retorno à sua vida tal qual esta era antes da doença.
Esses movimentos no tempo são possíveis porque a temporalidade é um
dos constitutivos do ser do Dasein, através do qual ele compreende o seu ser e com
a qual está sempre envolvido ao realizar-se em suas ocupações. No mundo, apenas
a presença é temporal. Aos demais entes chamam-se intratemporais, pois a eles
não é possível temporalizar-se ou produzir-se a si mesmo no tempo (INWOOD,
2002).
São quatro os aspectos do tempo, a saber: a publicidade, o distanciamento,
a significância e a databilidade. No cotidiano, em que o Dasein está quase sempre e
na maioria das vezes ocupado com suas atividades, o tempo é infinito e se
apresenta como uma linha reta e ordenada, formada por sucessivos instantes, nos
quais mantidos em função do presente estão o passado e o futuro (ABBAGNANO,
2007).
O tempo e tudo aquilo que se dá através dele, possibilitam ao doente no
cotidiano das prisões o contato com diversos modos de compreender e interpretar a
vida. No entanto, a primazia do presente em função do passado e do futuro o
86
mantém quase sempre preso e limitado em seu próprio tempo, sem liberdade para
alcançar as possibilidades de uma compreensão autêntica.
A compreensão é um dos modos de ser da presença que, associado à
disposição e ao discurso, constitui e estrutura a existência enquanto abertura do ser
do Dasein no mundo. A compreensão pode ser chamada, em sua manifestação
inicial, de “a visão” do Dasein, porém não uma visão simplesmente teórica, mas um
projetar de seu ser capaz de articular e significar o mundo em uma totalidade
(DUBOIS, 2004).
A compreensão representa as possibilidades de ser da existência cuja
projeção do ser no compreender é elaborada sob formas de interpretação
(HEIDEGGER, 2011). Como modo de ser da possibilidade, a compreensão está no
mundo para as pessoas e as coisas e não é uma forma singular do saber, tampouco
algo capaz de criar ou manter uma relação de dependência entre o ser e a opinião
do Dasein. Toda presença possui de algum modo um compreender que lhe é
estrutural e que se desenvolve na sua transcendência (INWOOD, 2002).
A doença é uma ameaça que se concretiza para alguns e para outros, não.
Para a pessoa com tuberculose na prisão mostrar-se preocupado com os demais é
manter o cuidado consigo e a atenção com a saúde dos outros, é mostrar o quanto
se importa com eles, é ser precavido e antecipar-se a eles. Antes que outro o faça, o
doente manifesta-se favorável ao seu isolamento para proteção dos demais e paga
o preço necessário para ser aceito e para ter a oportunidade de restabelecer o
convívio normal com o grupo.
Tal atitude não é suficiente para manter sua convivência harmoniosa com os
demais. De modo independente da tuberculose, o doente é uma pessoa limitada
pela dinâmica da vida intramuros e pelas regras que moldam os seus
comportamentos e os daqueles com os quais compartilha a condição de privação de
liberdade. Para ambos impera a busca pela sobrevivência através, principalmente,
da demonstração simbólica ou efetiva de força, valoração que os possibilita de
serem vistos e respeitados pelos outros na prisão.
No cotidiano o doente ao se reconhecer portador da tuberculose, pré-
reflexivamente sabe que precisa se separar dessa valoração que até então imperava
e reconhecer que não tem mais as características, as capacidades, a força que o
assemelhava aos outros, que não pertence mais àquele grupo, apesar de desejar
com ele manter vínculos.
87
Estas reflexões permitem afirmar que o viver em prisões não se dá em uma
cotidianidade qualquer, mas em uma singularidade e uma especificidade próprias,
capazes de tornar esta experiência talvez, uma vivência única. Nas prisões, aceitar
as regras impostas é reconhecer as relações de forças existentes, com destaque
para aquelas no âmbito da população carcerária, com favores e deveres
compartilhados entre os grupos, através dos quais só tem respeito e direitos, aquele
que está submisso à ordem carcerária.
Para garantir direitos de acesso aos serviços de saúde, à pessoa com
tuberculose não é necessário apenas estar doente, mas ser reconhecida pelo grupo
do qual faz parte como alguém confiável e que merece atenção e cuidado, alguém
que ao transitar em outros espaços e conviver mais próximo aos profissionais de
saúde e segurança, não sirva de informante sobre o que ocorre no cárcere, pois na
maioria das vezes o delator é considerado traidor e castigado até a morte.
Desse modo, comportamentos defensivos como recusar-se a transitar até a
enfermaria ou mentir sobre o seu diagnóstico são tomados como necessários pelo
doente, que não se sente protegido pelo grupo. Para algumas destas pessoas, os
demais com quem convivem não se importam com a sua vida, mesmo aqueles que
antes considerava seus companheiros nas prisões. No cotidiano, muitos destes
companheiros se afastam e em seus modos de ser inautênticos fogem da doença e
das possibilidades que ela representa.
Por outro lado, aqueles que se conformam com a presença do doente, que
lhe oferecem ajuda, que compreendem que a tuberculose pode se dar ou não e que
é inútil fugir das possibilidades da vida, possuem o modo de ser mais autêntico, que
abriga a totalidade das possibilidades de sua existência como ser-no mundo, pois
aproxima suas existencialidade, facticidade e decadência e se dá de alguma forma
também como cuidado.
O cuidado é constituído pelos modos de ser da ocupação com as coisas e
da preocupação com os outros, por isso não é possível deles ser separado, mas
dentre estes o cuidado é o dominante, pois o ser do Dasein nele se desencobre
(NUNES, 2010). O cuidado é a condição de possibilidade da própria existência,
através da qual se dá a abertura necessária da presença como ser-no mundo, que
se preocupa com a vida e a ela se dedica. Através do cuidado o Dasein é “um si-
mesmo unificado e autônomo”, pelo qual lhe é possível guiar o seu próprio ser e
conduzir a sua vida (INWOOD, 2002 p.27).
88
A realização do tratamento para o alcance da cura biológica se mostra
onticamente ao doente privado de liberdade, como a única possibilidade de
transcendência de sua situação, que lhe permite recuperar a solidez da estrutura
essencial da sua existência, o ser-com, ameaçado duas vezes pela doença: primeiro
pelo aspecto biológico da doença em si e seus efeitos ao organismo do portador e
segundo pelas mudanças nos comportamentos grupais que em função da existência
de algo que os ameaça (o doente por TB) podem optar por “extinguir” a doença por
meio da morte daquele que a possui.
Diante de tais ameaças, o descuido consigo mesmo manifesto
anteriormente pela indiferença e negação dos sinais e sintomas da doença e pelo
uso de drogas, cede lugar à realização do tratamento, que de algum modo está ao
alcance da mão para os doentes como uma condição para, uma obrigação, um
enfrentamento.
Esse enfrentamento da doença e de seu tratamento parece ser maior do
que o do doente considerado livre, porque o remédio para TB traz efeitos adversos
frequentes e não há outros medicamentos sintomáticos para combatê-los e ainda
assim a pessoa na prisão se submete à terapêutica e suporta suas consequências,
dentre as quais a maior está representada pela morte, que pode ocorrer quando ele
não é acompanhado de modo efetivo durante o tratamento.
O doente privado de liberdade tem no tratamento o único recurso para a sua
“grande” sobrevivência, para o seu viver habitual na prisão e não apenas para
sobreviver à doença. O que ele almeja de fato é sair da condição de doente, pois o
aprisionamento em si não é o mais importante, de modo que viver na prisão sem
tuberculose se torna normal.
Ter uma pessoa doente de tuberculose na prisão é um agravante para
todos, pois por sua característica de transmissão pelo ar, a doença não respeita
quaisquer limites ou barreiras impostas na tentativa de evitá-la, o que sem dúvida a
destaca diante de tantos outros agravos.
As regras no cotidiano em prisões mudam para o portador conforme se
instala nele a tuberculose como doença. Essas mudanças ocorrem, por exemplo, no
âmbito das regras administrativas acerca de visitas, que podem ser suspensas ou
reduzidas com a justificativa de se colaborar para evitar a transmissão da TB para
familiares e outros. Conforme há alterações no seu cotidiano o comportamento do
doente privado de liberdade também é alterado e suas atitudes se alternam todo o
89
tempo, sempre com o objetivo de manter-se vivo e alcançar a cura para não mais
ser ameaçado pela doença, ou pelos prejuízos pessoais que ela causa à sua
convivência com os demais na prisão.
Em busca da cura biológica, ainda que para o doente a força para suportar
os efeitos indesejados do tratamento não venha de si, mas dos outros, ainda que
sua compreensão não o encoraje a perceber-se como principal condição para o
êxito do tratamento, é importante que seu mérito de buscar assistência de saúde e
de aceitar participar do tratamento para ser curado seja valorizado pelos
profissionais. Este talvez, seja o primeiro passo para o compartilhar de um cuidado
autêntico.
Nestes ambientes inapropriados para o cuidado que são as prisões, onde a
incidência de tuberculose é maior do que na sociedade de modo geral, a assistência
de saúde que é oferecida a estas pessoas dá-se no modo de ser do cuidado
indiferente e inautêntico, pela demora do diagnóstico, pela falta de manejo das
intolerâncias medicamentosas e deficiência na infra-estrutura para melhoria das
condições de vida nas prisões.
O cuidado indiferente e inautêntico oferecido subtrai do homem a sua
constituição como Dasein, reduzindo-o a objetos que precisam ser dominados e para
os quais, na maioria das vezes, o exercício da humanidade e do cuidado autêntico
não são importantes.
No cuidado inautêntico a presença se coloca adiante do ser do outro para
assumir-lhe o cuidado e torná-lo dependente, aprisionado e distante do seu poder-
ser. De outra forma, o cuidado autêntico faz com que o Dasein ao antecipar-se
diante do outro o ajude a assumir seu próprio cuidado e o torne livre para o ser de
possibilidades que ele mesmo é (HEIDEGGER, 2011).
Quando recebe algum cuidado, a pessoa doente o valoriza, ainda que a
assistência a sua saúde tenha falhas e que o cuidado seja deficiente e o aprisione
cada vez mais em seu modo cotidiano de não ser si mesmo. O cuidado inautêntico
expõe o doente à própria sorte e o que se quer é o restabelecimento da saúde que
deve ser meta comum a profissionais e doentes. O cuidado pressupõe o envolver-
se-com, é responsabilizar-se pela saúde e bem-estar do outro, privado de liberdade
ou não.
O cuidado autêntico possibilita ao Dasein um tornar-se livre para si mesmo
e permite a partir da liberdade de si a possibilidade da liberdade dos outros
90
(HEIDEGGER, 2011). A liberdade mostra-se como uma possibilidade de escolha de
um modo de ser no qual o Dasein transcende o mundo e nele se projeta. Tal escolha
é limitada, motivada e condicionada pelo próprio mundo e já está sempre
comprometida pela finitude da presença (ABBAGNANO, 2007).
Para a presença, projetar-se no mundo e reconhecer sua finitude, possibilita
compreender de modo autêntico a sua existência e a daqueles com quem convive.
Permite apropriar-se de seu próprio ser, de sua vida, de sua história.
91
77 CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS
Esta investigação, que teve como objeto o cotidiano de ser portador de
tuberculose e privado de liberdade e cujo objetivo foi compreender o sentido (que
funda o cotidiano) de ser portador de tuberculose e privado de liberdade, partiu de
minhas inquietações profissionais relacionadas às dificuldades para o controle da
doença em prisões. Entre as dificuldades estavam as limitações estruturais dos
ambientes prisionais, as condições insalubres de confinamento e a pouca
valorização dada à saúde das pessoas privadas de liberdade, que ocorre tanto por
elas como por aqueles considerados “livres”.
Atuar para minimizar os problemas de saúde da população prisional parecia
uma tarefa quase impossível, pois a cada dia novos problemas e desafios surgiam.
Para vencê-los, acreditava ser necessário conhecer estas pessoas doentes e buscar
respostas que pudessem explicar, por exemplo, porque após as primeiras semanas
de tratamento, se recusavam a permanecer nas “enfermarias” para realização do
Tratamento Diretamente Observado? Porque algumas pessoas, suspeitas de estar
doentes recusavam-se inicialmente a fazer o exame de escarro?
Acreditava que o comportamento das pessoas doentes não me permitia
cuidar delas de modo autêntico. Mas como cuidar do outro de modo autêntico sem
compreendê-lo? Como compreendê-lo sem compartilhar de algum modo com ele as
suas vivências e experiências? Como compreender pessoas excluídas da
sociedade, mas que de algum modo dela fazem parte?
As reflexões mostravam que as respostas que procurava não se referiam ao
porquê dos fatos, mas ao como a pessoa privada de liberdade e com tuberculose
significava a sua vida, como ela vivia o seu cotidiano com a doença, como se sentia
realizando o tratamento.
Pelo interesse por responder de modo efetivo estas indagações, pela
problemática social da tuberculose neste grupo e pela possibilidade de contribuição
com as ações de enfermagem para o controle da doença e o alcance da cura dos
doentes em prisões, justificou-se o desenvolvimento deste estudo, que foi construído
com bases na fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger e de sua obra Ser
e Tempo.
Por meio da hermenêutica foi possível compreender que o modo de viver o
cotidiano das pessoas privadas de liberdade e com tuberculose não as diferencia de
92
outras pessoas doentes, pois ainda que limitadas ao ambiente das prisões, elas
significam a doença como uma condição difícil de aceitar, mais difícil que o próprio
confinamento. O vivido por estas pessoas não é, de certo modo, diferente de como
vivem todos os seres humanos, imersos na maior parte do tempo no modo cotidiano
de ser, dominados pelo falatório e pela ambiguidade, que caracterizam o modo
inautêntico do homem, como defendido por Sá (2007) que investigou o sentido do
tratamento para tuberculose no cotidiano de doentes “livres” e de profissionais de
saúde.
Em seu modo de ser inautêntico do cotidiano, o doente privado de liberdade
está imerso em uma infinidade de ocupações, as quais o mantém em um estado de
fuga de si mesmo e não o permitem assumir as possibilidades de seu poder-ser
mais próprio. No cotidiano de sofrimentos e limitações, sua vivência está
caracterizada como lançada no mundo da impessoalidade.
Apesar disso, ele não está impedido de transitar em outros modos de ser. Ao
temporalizar-se ele pode antecipar-se a si mesmo, repensar sobre seus
comportamentos, sua vida, seu futuro. Pode angustiar-se diante da sua existência e
a partir disso se vê como o ser de possibilidades que ele mesmo é.
Em seu modo de ser impessoal, ele possui uma compreensão mediana
acerca da sua vida e do mundo e, acredita conhecer suas possibilidades e
impossibilidades, comporta-se como esperam que se comporte, pois é um meio para
proteger-se e afirmar-se socialmente. As prisões são ambientes onde o importante é
ser/estar forte para conviver com os demais, onde os comportamentos são moldados
a partir da dinâmica da vida intramuros, pois há regras específicas para que o
privado de liberdade seja aceito nos grupos, para que seja considerado digno de
respeito e para que receba qualquer tipo de benefício, seja em favor da sua saúde
ou para garantir a sua sobrevivência.
Nas prisões, relações de forças quase sempre dificultam a integração entre
as pessoas. Alguns, por exemplo, utilizam seu histórico criminal para ameaçar os
outros e obter algum tipo de vantagem social através da intimidação (GUIMARÃES;
MENEGUEL; OLIVEIRA, 2006). A tuberculose no dia-a-dia é uma das condições que
retira destas pessoas a força de que dispõem para conviver e enquanto ameaça
coloca diante do doente o medo pela possibilidade da morte, que representa a perda
de seu ser-com os outros no mundo.
93
Diante do medo da morte, mostra-se ao doente a necessidade de uma
decisão autêntica, uma decisão pela vida, a qual se apresenta, sobretudo, na sua
permissão em realizar o tratamento para o alcance da cura e consequente
manutenção da sua vida. O tratamento da tuberculose nas prisões se dá em uma
iniquidade claramente mostrada através do diagnóstico tardio, da falta de manejo
clínico para as reações adversas provocadas pelos medicamentos e de busca ativa,
mesmo sendo reconhecido que a tuberculose apresenta nestes ambientes,
magnitude diferenciada em relação a sociedade extramuros.
Os ambientes prisionais são apontados como espaços sem condições
estruturais e salubres para garantir o acompanhamento dos doentes, que no estudo
mostrou-se ser de modo inadequado com medicação auto-administrada, falta de
monitoramento baciloscópico e desvalorização das queixas e dificuldades do doente
na assimilação dos fármacos, que são pontos fundamentais que, não considerados
podem trazer como consequência a falência ao tratamento, implicando na
resistência medicamentosa adquirida e transmissão de bactérias resistentes.
As ações de saúde disponíveis para o controle da doença não estão
chegando de modo suficiente aos espaços prisionais. Parece que o tratamento
recebido nas prisões é “menor” do que o oferecido às pessoas fora delas, e a
pessoa privada de liberdade, tem direito ao mesmo tratamento digno dos que estão
fora do confinamento.
É preciso que gestores e profissionais reconheçam o quanto é importante
compreender e tratar as pessoas doentes por tuberculose nas prisões, o quanto é
importante que estas pessoas permitam ser tratadas e colaborem com as ações
para o alcance da cura. Controlar a tuberculose em prisões é prevenir a transmissão
da doença para todos na sociedade, uma vez que as pessoas entram e saem das
prisões todo o tempo. Ao entrar podem levar a doença para outros privados de
liberdade; ao sair, a transmissão pode ocorrer para qualquer um considerado “livre”.
Não podemos privar estas pessoas de receber um tratamento digno. A sua
saúde está assegurada por leis federais brasileiras como a Lei de Execução Penal e
a Lei de criação do Sistema Único de Saúde. O cuidado que lhes é oferecido não
pode estar reforçado por julgamentos de valores morais, éticos ou sociais,
considerando que tem direito ao diagnóstico e tratamento corretos, direito à
prevenção e a alimentação reforçada, tanto para prevenir o adoecimento como para
ajudar a suportar o tratamento. Há necessidade de revisão nos processos de
94
trabalho em saúde nas prisões, de modo a introduzir uma conformação de meio
assistencial que garanta uma prática “mais humana” de cuidado para estas pessoas,
cuja dignidade e o direito a saúde não devem ser excluídos a partir dos erros que
possam ter cometido ao longo de sua existência.
Nas prisões, a falta de estrutura e a dinâmica diferenciada devem ser
consideradas ao se avaliar as dificuldades para o controle da doença, contudo não
podem servir de justificativa para a prática profissional de um modo deficiente do
cuidado, que de acordo com Oliveira (2009 p. 64) “precisa ser reconhecido na
perspectiva ontológica de sua existência”. Com responsabilidade e respeito às
necessidades de cada pessoa doente por tuberculose em sua individualidade, o
cuidado precisa estar centrado no acompanhamento e tratamento eficazes.
Por outro lado como não considerar que a complexidade do cotidiano em
prisões interfere sobre os processos de trabalho e dificulta a prática de um cuidado
autêntico? Como lidar com estas regras e limites do ambiente prisional, que tornam
as pessoas cada vez mais privadas de direitos, de modo a promover um cuidado
capaz de torná-las independentes para o seu próprio cuidado?
Para Gadamer (2006) o tratamento requer do profissional de saúde orientar
o outro para que encontre o caminho que lhe seja particular. Envolve perceber as
suas diferenças, o seu ser-diferente. Para alcançar o êxito é preciso reconhecer o
doente como principal condição para o tratamento, pois ainda que a estrutura seja
adequada, que não faltem medicamentos ou exames, que os profissionais sejam
solícitos e comprometidos, se ele (o doente) não se permitir ser tratado dificilmente
se dará o cuidado em seu modo autêntico.
Tratar os doentes por tuberculose, ainda que nas prisões, não tem custo
elevado e os medicamentos são financiados e fornecidos pelo Ministério da Saúde.
Para a maioria das pessoas são necessárias apenas ações de baixa complexidade
como a baciloscopia de escarro de controle, a provisão regular de medicamentos, a
instituição da Prova Tuberculínica para o diagnóstico da infecção latente-tuberculose
e o uso da isoniazida para a prevenção da doença, além de outras práticas de
prevenção como o uso de equipamentos de proteção individual pelos profissionais
de saúde e outros.
A prevenção e a cura da tuberculose estão listadas desde 2008 dentre os
agravos prioritários no Brasil para os indicadores do Pacto pela Vida, uma estratégia
política que estabelece resultados para o alcance de metas pactuadas entre
95
municípios, Estados e Governo Federal. Os Pactos pela vida, em defesa do SUS e
de Gestão do SUS compõem o Pacto pela Saúde. O Pacto pela Saúde é um
conjunto de reformas institucionais que preveem estratégias para a consolidação do
SUS e incluíram mudanças nas transferências de recursos federais para Estados e
municípios (BRASIL, 2012e).
Para a consolidação do SUS é preciso pensar e agir para a prática dos
princípios que norteiam este sistema de saúde: a integralidade, a equidade e a
universalidade. Garantir assistência universal às pessoas, independente de raça,
religião e outros é o desafio imposto a gestores e profissionais no dia-a-dia da
assistência pública de saúde. É necessário que as pessoas que se encontram nas
prisões sejam amparadas pelas políticas de saúde. É preciso que a exclusão a qual
estão submetidas não as retire o direito de receber com qualidade a assistência à
saúde, à educação, ao lazer, à alimentação, ao trabalho, dentre outros.
Práticas de saúde sustentadas pelos princípios do SUS, são possibilidades
que permitem ao profissional da equipe posicionar-se de modo solícito para cuidar
autenticamente das pessoas doentes que estão nas prisões e fora delas. Reforça-se
a necessidade de avaliação da organização dos processos de trabalho em saúde
para o controle da tuberculose em prisões, que devem considerar a singularidade
destes ambientes.
Uma ênfase pode ser atribuída aos processos de trabalho de enfermagem,
considerando que para esta categoria profissional é possível a quase totalidade das
ações na atenção básica que visam o combate da doença, não excluídas as
responsabilidades dos demais profissionais da equipe para o aprimoramento do
programa de controle da tuberculose em prisões.
Para isso, melhorar as condições de diagnóstico e tratamento da tuberculose
nestes ambientes é necessário. Discussões acerca da saúde prisional devem ser
ampliadas, principalmente no nível municipal da saúde, uma vez que a atenção
básica no Brasil se dá, quase exclusivamente, neste âmbito da assistência. Algumas
sugestões pensamos ser importantes neste processo:
1. As coordenações municipais do Programa de Controle da Tuberculose,
apoiadas pela coordenação estadual, podem atuar de modo integrado ao
Sistema Penitenciário para melhoria das ações de saúde nas prisões com
expansão da oferta de serviços de diagnóstico, acompanhamento e
96
tratamento para os doentes e do apoio aos profissionais que atuam nestes
espaços, com recursos de suporte como medicamentos para reações
adversas, instrumentos de registro e controle e capacitações
permanentes;
2. A Divisão de Saúde Prisional pode apoiar as ações dos Programas de
Controle da Tuberculose na realização de monitoramentos regulares nas
prisões, com objetivo de auxiliar os profissionais nas dificuldades
operacionais e administrativas da assistência em saúde das pessoas
privadas de liberdade, bem como o envio em tempo hábil ao Gestor de
Saúde Municipal onde está a unidade prisional de informações relevantes
ao Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), como a
notificação de casos novos e o boletim de acompanhamento de casos;
3. Os diretores das unidades prisionais podem ajudar a tornar prática
permanente a realização da triagem de saúde das pessoas que ingressam
no Sistema Penitenciário, bem como triagem periódica dos já confinados,
procedimentos previstos nas políticas públicas para a saúde em prisões no
Brasil e que podem aperfeiçoar a busca ativa por novos doentes. Além
disso, podem adequar as condições das transferências destas pessoas
entre as diversas prisões, auxiliando para que o processo ocorra de modo
planejado com o objetivo de garantir a não interrupção do tratamento;
4. Nas Secretarias de Saúde dos municípios e do Estado do Pará podem ser
implantadas coordenações para a saúde no Sistema Penitenciário, a
exemplo da organização política existente em outros Estados e no
Governo Federal, pois o crescente aumento da população carcerária no
Brasil e sua vulnerabilidade justificam ações específicas e permanentes,
como ocorre para a saúde de outras populações vulneráveis;
5. Os profissionais de saúde do Sistema Penitenciário podem agir de modo
integrado para valorizar a realização do Tratamento Diretamente
Observado e para aumentar a possibilidade de cura das pessoas doentes.
Este estudo trouxe possibilidades para a pesquisa e o ensino em saúde,
visto que os ambientes prisionais são pouco conhecidos e a produção bibliográfica
sobre esta temática ainda é escassa no Brasil (DIUANNA et al., 2008). À
enfermagem trouxe a oportunidade de reflexão para a busca e prática de um
97
cuidado de qualidade, cujos objetivos remetem a uma assistência que considere as
singularidades desta população e o efetivo controle da tuberculose em prisões,
lembrando que a doença representa ameaça à saúde de todos, dentro ou fora
destes espaços.
98
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APÊNDICE A
Universidade do Estado do Pará Escola de Enfermagem “Magalhães Barata”
Reconhecida pelo Governo Federal (Decreto Federal nº. 26.926 de 21 de 1949) MESTRADO ASSOCIADO DE ENFERMAGEM
Título da Pesquisa
O cotidiano de ser portador de tuberculose e privado de liberdade
QUESTÕES NORTEADORAS DA ENTREVISTA
1 - O que significa pra você ter adquirido esta doença?
2 – Fale-me sobre o seu dia-a-dia após saber que estava doente.
3 – Como você se sente fazendo este tratamento para tuberculose?
107
APÊNDICE B
Universidade do Estado do Pará Escola de Enfermagem “Magalhães Barata”
Reconhecida pelo Governo Federal (Decreto Federal nº. 26.926 de 21 de 1949) MESTRADO ASSOCIADO DE ENFERMAGEM
Unidades prisionais cenários do estudo segundo o município de localização, o número de
vagas e o número de PPL em junho de 2012
N.
UNIDADE PRISIONAL
MUNICIPIO DE
LOCALIZAÇÃO
N.
VAGAS
N. DE
PPL
01 Presídio Estadual Metropolitano I Marituba 404 640
02 Presídio Estadual Metropolitano II Marituba 248 299
03 Presídio Estadual Metropolitano III Marituba 288 366
04 Centro de Recuperação Penitenciário I Santa Isabel 786 1137
05 Centro de Recuperação Penitenciário II Santa Isabel 288 588
TOTAL 2014 3030
Fonte: Susipe – População em 19 de junho de 2012.
108
APÊNDICE C
Universidade do Estado do Pará Escola de Enfermagem “Magalhães Barata”
Reconhecida pelo Governo Federal (Decreto Federal nº. 26.926 de 21 de 1949) MESTRADO ASSOCIADO DE ENFERMAGEM
Unidades prisionais da região metropolitana de Belém segundo a distribuição de
profissionais de saúde em janeiro de 2012
N.
UNIDADE PRISIONAL
QUANTITATIVO DE PROFISSIONAIS
Enfer-
meira
Aux.
Enf
Medi-
co (a)
Psicólo-
go(a)
Odonto
-logo(a)
Nutricio
nista
01 Presídio Estadual
Metropolitano I
01 07 01** 03 ---- 02
02 Presídio Estadual
Metropolitano II
01 03 01*** 02 02** -------
03 Presídio Estadual
Metropolitano III
01 03 01*** 02 02** -----
04 Centro Recuperação
Penitenciário I
01** 06 01*** 02 01 02
05 Centro Recuperação
Penitenciário II
01** 03 01*** 02 01 02
** - Profissional não exclusivo, atende duas unidades prisionais;
*** - Profissional não exclusivo, atende três unidades prisionais;
Fonte: Susipe – DSP – janeiro de 2012.
109
APÊNDICE D
Universidade do Estado do Pará Escola de Enfermagem “Magalhães Barata”
Reconhecida pelo Governo Federal (Decreto Federal nº. 26.926 de 21 de 1949) MESTRADO ASSOCIADO DE ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: O cotidiano de ser portador de tuberculose e privado de liberdade
Venho por meio deste, convidá-lo a participar desta pesquisa que tem como objetivo: compreender o cotidiano de ser portador de tuberculose e privado de liberdade. Esclarecemos que o Sr. será informante da pesquisa participando de uma entrevista que só será gravada se você autorizar, caso contrário, a pesquisadora registrará as suas respostas por escrito em um caderno. Caso não saiba alguma pergunta, ou se sinta constrangido, você tem liberdade para não responder. Informo que esta pesquisa não tem fins lucrativos e que seu nome e qualquer outra informação que possa revelar quem você é não irão aparecer. Os resultados da pesquisa serão codificados através de nomes fictícios, e as informações serão utilizadas neste estudo e guardadas por 5 anos e depois incineradas. A pesquisa poderá ser apresentada em eventos científicos ou outro meio de comunicação e publicados em revistas. A sua participação nesta pesquisa não acarretará nenhum prejuízo de ordem física ou moral. Vale ressaltar que sua participação poderá ser interrompida a qualquer momento e você também poderá desautorizar a pesquisadora de fazer uso de suas informações, destruindo-as. Sua participação na pesquisa é muito importante, pois o benefício perpassa pela possível contribuição para melhoria das ações desenvolvidas pelos profissionais de saúde (enfermeiros e outros), que conhecerão outros aspectos relacionados a tuberculose nas prisões e assim, poderão buscar prestar uma melhor assistência. Nesta pesquisa não será feito nenhum procedimento que lhe traga qualquer desconforto ou risco à sua vida. Se você tiver qualquer dúvida, poderá solicitar à Direção da unidade contato com o CEP (Comitê de Ética em Pesquisa) da Universidade do Estado do Pará pelo telefone 3249-0236, se tiver dúvida com relação aos seus direitos.
Declaro que li o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e compreendi as informações que me foram explicadas sobre o estudo em questão. Discuti com a pesquisadora sobre minha decisão em participar, autorizando a gravação da entrevista, ficando claros para mim, quais são os objetivos da pesquisa, os procedimentos a serem realizados e as garantias de confidencialidade e de esclarecimento permanente. Ficou claro também que para minha participação não há despesas nem receberei nenhum tipo de pagamento, podendo retirar o meu consentimento a qualquer momento, sem penalidades ou prejuízos. Concordo voluntariamente em participar desse estudo, assinando ou registrando minha impressão digital em duas cópias deste termo, juntamente com o pesquisador.
_____________________________RG:_________
* Comitê de Ética em Pesquisa da EEMB – Av. José Bonifácio, Nº. 1298 – Guamá – Belém/PA –
Assinatura do responsável por obter o consentimento
_____________/ _____/____ de _______
111
ANEXO A – Esquema básico para tratamento da TB para adultos e adolescentes
(>10 anos)
Regime Fármacos Faixa de
peso Unidades/dose Meses
2RHZE
Fase
intensiva
RHZE
150/75/400/275
mg comprimido
em dose fixa
combinada
20 a 35 kg 2 comprimidos
2 36 a 50 kg 3 comprimidos
> 50 kg 4 comprimidos
4RH
Fase de
manutenção
RH
300/200 ou
150/100 mg
comprimido ou
cápsula
20 a 35 kg 1 comp. ou cáps.
300/200 mg
4 36 a 50 kg
1 comp. ou cáps.
300/200 mg + 1
comp. ou cáps. 150/100 mg
> 50 kg 2 comp. ou cáps.
300/200 mg
Legenda: R – Rifampicina; H – isoniazida; Z – Pirazinamida; E – Etambutol
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde (2011).
112
ANEXO B - Esquema básico para tratamento da TB em crianças (< 10 anos)
Regime Fármacos Faixa de peso- valores em mg/ kg/ dia Meses
Até 20kg >20 a 35kg >35 a 45kg >45kg
2RHZE
Fase intensiva
R 10 300 450 600
2 H 10 200 300 400
Z 35 1000 1500 2000
4RH
Fase de
manutenção
R 10 300 450 600
4
H 10 200 300 400
Legenda: R – Rifampicina; H – isoniazida; Z – Pirazinamida; E – Etambutol
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde (2011).
113
ANEXO C - Esquemas especiais para substituição de fármacos de primeira linha
Rifampicina 2HZES/10HE
Isoniazida 2RZES/4RE
Pirazinamida 2RHE/7RH
Etambutol 2RHZ/4RH
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde (2011).
Esquemas especiais – doses dos fármacos
Fármaco
Doses por faixa de peso
20 – 35kg 36 – 50kg > 50kg
Rifampicina 300mg 1 cápsula 1 a 2 cápsulas 2 cápsulas
Isoniazida 100mg 2 comprimidos 2 a 3 comprimidos 3 comprimidos
Rifampicina + isoniazida
– 150/100 e 300/200 mg
1 comp. ou caps de
300/200 mg
1 comp. ou cps de 300/200 mg + 1
comp. 150/100 mg
2 comp. ou cps de 300/200 mg
Pirazinamida 500 mg
2 comprimidos 2 a 3 comprimidos 3 comprimidos
Etambutol 400mg 1 a 2 comprimidos
2 a 3 comprimidos 3 comprimidos
Estreptomicina 1000mg
½ ampola ½ ampola a 1 ampola
1 ampola
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde (2011).
No que diz respeito à estreptomicina (S) ressalta-se que seu uso deve ser evitado
em pacientes grávidas, assim como outras drogas como polipeptídeos, etionamida e
quinolonas. Todos os fármacos do esquema básico apresentam comprovada
segurança para o uso durante a gestação. Atenção especial deve ser dada para a
indicação e substituição do esquema básico quando necessário a pacientes com
outras condições como as hepatopatias e nefropatias.
114
ANEXO D - Esquema e condutas frente a mono e polirresistência
Padrão de resistência Esquema
Esquema indicado
Observações
Isoniazida 2RZES / 4RE
-
Rifampicina
2HZES / 10 HE
A Estreptomicina poderá ser substituída por uma Fluoroquinolona, que será utilizada nas
duas fases do tratamento.
Isoniazida e Pirazinamida
2RESO / 7REO
A Levofloxacina poderá substituir a Ofloxacina
Isoniazida e Etambutol
2RZSO / 7RO
A Levofloxacina poderá substituir a Ofloxacina
Rifampicina e Pirazinamida
3HESO /
9HEO
A fase intensiva poderá ser prolongada para 6 meses, fortalecendo o esquema para
pacientes com doença bilateral extensiva. A fase de manutenção pode também ser
prolongada por 12 meses.
Rifampicina e o
Etambutol
3HZSO /
12HO
A fase intensiva poderá ser prolongada para 6 meses, fortalecendo o esquema para
pacientes com doença bilateral extensiva.
Isoniazida, Pirazinamida e
Etambutol
3RSOT / 12ROT
A fase intensiva poderá ser prolongada para 6 meses, fortalecendo o esquema para
pacientes com doença bilateral extensiva.
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde (2011).
115
ANEXO E – Esquema de Tratamento para TB-MDR
Regime
Fármaco
Doses por faixa de peso Meses Até 20kg 21 a 35kg 36 a 50kg > 50kg
2 S5ELZT
Fase Intensiva 1ª etapa
Estreptomicina 20mg/kg/ dia 500mg/dia 750 a 1000 mg/dia
1000 mg/dia 2
Etambutol 25 mg/kg/dia 400 a 800 mg/dia
800 a 1200 mg/dia
1200 mg/dia
Levofloxacina 10 mg/kg/dia 250 a 500 mg/dia
500 a 750 mg/dia
750 mg/dia
Pirazinamida 35 mg/kg/dia 1000 mg/dia
1500 mg/dia
1500 mg/dia
Terizidona 20 mg/kg/dia 500 mg/dia 750 mg/dia 750 a 1000 mg/dia
4S3ELZT Fase Intensiva 2ª etapa
Estreptomicina 20mg/kg/ dia 500mg/dia 750 a 1000 mg/dia
1000 mg/dia 4
Etambutol 25 mg/kg/dia 400 a 800 mg/dia
800 a 1200 mg/dia
1200 mg/dia
Levofloxacina 10 mg/kg/dia 250 a 500 mg/dia
500 a 750 mg/dia
750 mg/dia
Pirazinamida 35 mg/kg/dia 1000 mg/dia
1500 mg/dia
1500 mg/dia
Terizidona 20 mg/kg/dia 500 mg/dia 750 mg/dia 750 a 1000 mg/dia
12 ELT Fase de
manutenção
Etambutol 25 mg/kg/dia 400 a 800 mg/dia
800 a 1200 mg/dia
1200 mg/dia 12
Levofloxacina 10 mg/kg/dia 250 a 500 mg/dia
500 a 750 mg/dia
750 mg/dia
Terizidona 20 mg/kg/dia 500 mg/dia 750 mg/dia 750 a 1000 mg/dia
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde (2011).
116
ANEXO F – Indicações de tratamento ILTB de acordo com a idade, resultado da PT
e risco de adoecimento
RISCO PT≥5mm PT≥10mm CONVERSÃO*
MAIOR (Indicado
tratamento em qualquer idade)
HIV/aids** Silicose Contatos de TB
Bacilífera
Contatos adultos*** e contatos menores de 10 anos não vacinados com
BCG ou vacinados há mais de 2 anos ****
Contato com menos de 10 anos
vacinados com BCG há menos de
2 anos
Profissional de
saúde
Uso de inibidores do
TNF-a
Neoplasia de
cabeça e pescoço
Profissional de laboratório de micobactéria
Alterações radiológicas fibróticas sugestivas de
seqüela de TB
Insuficiência renal
em diálise
Trabalhador de
sistema Prisional
Transplantados em
terapia imunossupressora
--------------------
Trabalhadores de instituições
de longa permanência
MODERADO (indicado
tratamento em <65 anos)
Uso de corticosteróides
(>15 mg de prednisona por >1
mês)*
Diabetes mellitus
-------------------
MENOR*****
(indicado tratamento em <50
anos) .
------------------------
Baixo peso (<85% do peso ideal)
--------------------- Tabagistas (≥1
maço/dia)
Calcificação isolada (sem fibrose) na
radiografia *Conversão do PT - segunda PT com incremento de 10 mm em relação à 1ª PT. ** Especificidades na condução do paciente com HIV/aids ver situações especiais abaixo. *** Ver capítulo de controle de contatos. **** Estas recomendações se aplicam às populações indígenas ***** O PCT deve avaliar a viabilidade operacional para disponibilizar PT a esta população, garantindo porém, acesso ao tratamento em casos referenciados
Fonte: Brasil, Ministério da Saúde (2011).
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