fundaÇÃo getulio vargas centro de pesquisa e … · mil conta-gotas, nem sei quanto fazia porque...
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
SANTOS, Antônio Lima dos. Antônio Lima dos Santos (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2013. 62 pp.
ANTÔNIO LIMA DOS SANTOS
(depoimento, 2012)
Rio de Janeiro
2013
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Nome do entrevistado: Antônio Lima dos Santos
Local da entrevista: Memorial do Santos, Santos, São Paulo
Data da entrevista: 13 de julho de 2012
Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um
acervo de entrevistas em História Oral.
Entrevistadores: Thiago William Monteiro, Felipe dos Santos Souza e José Paulo
Florenzano
Transcrição: Liris Ramos de Souza
Data da transcrição: 20 de agosto de 2012
Conferência da transcrição : Ana Luísa Mhereb
Data da conferência: 26 de novembro de 2012
** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Antônio Lima dos Santos em 13/07/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.
T.M. - Santos, Memorial do Santos, 13 de julho de 2012, depoimento de Antônio
Lima do Santos para o projeto Futebol, Memória e Patrimônio, que é uma parceria da
Fundação Getúlio Vargas e do Museu do Futebol. Participam desse depoimento os
pesquisadores José Paulo Florenzano, Thiago Monteiro e Felipe Santos. Bom dia, Lima,
muito obrigado por receber a gente aqui hoje, ter aceitado nosso convite. Hoje a gente
está aqui para falar um pouco das suas lembranças da Copa que você teve oportunidade
de participar e também da sua vida. E para começar a entrevista, gostaria que você se
apresentasse falando seu nome, data de nascimento e também lembrasse um pouco a
trajetória da sua infância.
A.L. - Bem, meu nome é Antônio Lima dos Santos, conhecido sempre no futebol
por Lima, da várzea, vamos dizer assim. Comecei a jogar no Clube Atlético Juventus,
em 1958, logo depois da Copa do Mundo de 1958. Fiquei no Juventus por dois anos e
meio. No próprio Juventus eu fui convocado para a seleção paulista, que na época, para
NAD Cpdoc� 21/1/15 14:45Deleted: a
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quem não sabe, disputava o Brasileiro, o Campeonato Brasileiro era disputado através
de seleção. Fui para a seleção paulista, fui campeão brasileiro pela seleção paulista, e
justamente nessa época em que encontrei com nove jogadores do Santos que foram
convocados também. Do Juventus fui eu e o Buzzoni1. Foi uma coisa interessante
porque o Aymoré Moreira resolveu dar oportunidade aos bons jogadores que estavam
nos times pequenos. Então levou jogadores do Juventus, levou do Taubaté, levou do
Botafogo de Ribeirão Preto, da Ferroviária, e como eu, eles tiveram a felicidade de
jogar lá com grandes jogadores que eram jogadores que iam do Santos, Corinthians, São
Paulo e tal, Palmeiras e se sagrar campeão Brasileiro. Esse foi o início da minha carreira
profissional, porque antes já tinha jogado no infantil, juvenil, mas passei tudo muito
rápido. Comigo aconteceu tudo muito rápido. Eu cheguei no Juventus com quinze anos,
com dezesseis eu já estava me tornando profissional, porque naquela época começou a
correr boato de que eu seria convocado para seleção olímpica, que seria mesmo, e na
seleção olímpica é diferente de agora, só poderia ir jogadores amadores. Então eles me
profissionalizaram. Para mim foi ótimo. Foi ruim não ter participado da seleção, mas
por outro lado foi muito bom. Com 16 anos me tornei profissional e segui minha
carreira para frente.
T.M. - Só voltando um pouco antes, início interessante, mas você nasceu em São
Sebastião do Paraíso em Minas, uma cidade bem pequena, como era, antes de vir para
cá você morava mesmo por lá, como foi sua infância?
A.L. - Eu nasci lá, só que com seis meses meu pai faleceu. Praticamente eu não
conheci meu pai. Eu brinco muito, meu pai chamava Geraldo, não é? Eu falava que eu
gostaria muito de ter conhecido o seu Geraldo. Quando eu jogava, eu fazia muito isso,
“ah, você vai jogar, tal, boa sorte”, eu falava assim: “eu queria boa sorte do seu
Geraldo”, brincava com uma coisa que... era uma coisa minha que conheci somente por
fotografia. A minha família que é toda de lá, a maioria já tinha vindo para São Paulo, só
faltava minha mãe e meu pai. E eu com seis meses, quando morreu meu pai, minha mãe
resolveu vir para São Paulo também. Aí nós viemos para São Paulo, fomos morar ali no
Belém, ali pertinho do Juventus. E ali foi toda a minha vida: de estudo, de trabalho, de
tudo. Tudo que eu fui na minha vida eu aprendi justamente ali. Uma mulher que eu
1 Pedro Luiz Buzzoni
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prezo muito até hoje que foi minha mãe, que viúva, me criou, eu sou filho único, não é?
Me criou, me deu estudo, me deu condição de eu ser hoje o que sou.
F.S. - Durante essa sua infância no Belém, você já começa também a brincar com
futebol, bater sua bola?
A.L. - Comecei de uma maneira assim muito gozada porque não tinha time de
futebol que eu pudesse jogar. Não que eu fosse o maioral, mas eu gostava de jogar
futebol, e o futebol então entrou para preencher um vazio. Eu vinha da escola, fazia
lição, almoçava, e de tarde não tinha nada para fazer, então a molecada se reunia na rua
e jogava futebol e eu participava. Até que um dia, já estava com onze, doze anos mais
ou menos, minha mãe, para não me deixar na rua o tempo todo, ela me colocou como
congregado Mariano na Igreja São Paulo, no Belém. E como congregado Mariano eu fui
ser coroinha, eu era congregado Mariano e coroinha, recebi fita, aqueles negócios todos
que eles fazem; foi muito bom para mim isso no sentido de educação, no sentido de
saber me comportar numa mesa, saber usar talheres, copos, essas coisas, que por
incrível que pareça veio me ajudar quando eu vim aqui para o Santos. Aí os colegas
começaram a se empolgar, que tinha um campo perto de casa, que era o campo do
Fileppo2, do Lanifício Kedler, eles faziam casimira, roupa, essas coisas, e eles tinham
um campo ali no Belém, então era o lugar onde a gente brincava, não jogava, brincava.
Até que um senhor resolveu, falou: “poxa, essa molecada joga todo dia aqui na rua, e
não sai disso, vamos formar um time”. E formaram. Não um time, formaram uns três ou
quatro, e aí comecei. Jogava sábado de manhã, sábado de tarde, domingo de manhã,
domingo de tarde, mas tudo na várzea, que foi aonde surgiu um ex-jogador que me viu
jogando e me levou para fazer um teste no Juventus.
T.M. - Você comentou da perda do seu pai e que sua mãe veio viúva para São
Paulo e você jogava bola na rua. Como era esse lado, a sua mãe trabalhava com quê,
você desde menino chegou a ter algum outro tipo de trabalho antes do futebol?
A.L. - Ah, tive. A minha mãe era tecelã.
T.M. - Nessa mesma fábrica?
A.L. - Não. Ela era tecelã, e dado ao tempo que ela trabalhava na tecelagem se
tornou como se fosse uma gerente da fábrica. Eu estudava de manhã, e de tarde para não
ficar com muito tempo livre, eu tinha um primo meu que ele trabalhava com peças de 2
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laboratório, ele fazia pipeta, proveta, conta-gotas, na época de Natal ele fazia todos
esses enfeites de Natal, e eu aprendi tudo isso, trabalhava com maçarico, fogo, essas
coisas todas. Então isso preenchia meu tempo. Eu cheguei a fazer duzentos, trezendos
mil conta-gotas, nem sei quanto fazia porque era alta produção, e eu sozinho. Pegava
encomenda desses laboratórios e quem fazia era eu. Mas foi bom porque você sempre
aprende alguma coisa a mais e não tem tempo de fazer tanta coisa errada na rua. Não
que tivesse motivo para isso, porque eu não tinha. Tinha boa educação, tinha minha mãe
que me levava ali no freio, e eu graças a Deus tive uma infância feliz, não foi uma
infância de rico nem nada, mas nunca me faltou nada. Muito pelo contrário. Eu sempre
tive de tudo. Estudei o que tinha que estudar, participei como congregado Mariano,
como coroinha, durante uns quatro, cinco anos, fazia retiro no carnaval, uma coisa meio
absurda porque eu adoro música. Sabe, aquela coisa de fazer retiro no carnaval e na
volta chegar em frente a igreja: “meninas, cheguei...”, aquela coisa, já tomando dura do
padre, do cara que orientava a gente, uma loucura. Mas foi uma passagem maravilhosa.
F.S. - Sua mãe queria que você fosse contador?
A.L. - Minha mãe queria, era o sonho dela. E nunca passou pela cabeça da minha
mãe, por exemplo, que eu jogasse futebol, que eu fosse jogar futebol; embora muita
gente chegava para ela e falava assim: “dona Isabel, deixa o Toninho, Antônio, Toninho
jogar futebol...”, “Pelo amor de Deus...” porque a fama de jogador de futebol era muito
ruim. E lá no bairro do Belém tinha vários ex-jogadores que todo mundo conhecia na
rua e tal, e falava, “se seu filho for jogador de futebol vai ser que nem fulano”, dava
essa pessoa como exemplo, que só queria saber da noite e de boate, de festa, e não sei o
que lá, e minha mãe: “não, meu filho vai estudar...” mas todo mundo falava: “olha,
deixa ele ter uma oportunidade porque ele joga muito bem”, e tal, mas eu não forçava a
barra, mesmo porque ela não me dava espaço para forçar. Jogava escondido. O time que
eu jogava era um time de pobre, davam o material para jogar, a chuteira não podia levar
para casa porque se ela visse, ela ia saber que eu ia jogar futebol, eu não podia levar
para casa. E a roupa, o calção, a meia e a camisa, todos os jogadores que participavam
tinham que lavar em casa, e os amigos lavavam para mim porque eu não podia, senão...
Agora, você imagina, eu não podendo jogar porque a minha mãe vigiava, eu fazia
quatro jogos, entre sábado e domingo eu jogava quatro vezes. Eu jogava sábado de
manhã, sábado à tarde, domingo de manhã e domingo à tarde, e ainda ia na igreja. Quer
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dizer, era uma coisa... Tem um caso até muito... Toda vez que dou entrevista que fala da
vida da infância, eu cito isso. Era época que tinha aquelas procissões dos apóstolos,
essas coisas e eu era um dos apóstolos, e o meu time jogava no domingo, mais ou
menos duas horas da tarde, e essa procissão normalmente saia quatro, cinco da tarde. Eu
falei: “vou jogar, é perto, dá tempo”, porque a sede do time era em frente da igreja, eu
falei: “dá tempo de sobra, não tem problema nenhum.” Aí fui, era um festival e nós
ganhamos o jogo e o jogo se alongou durante a comemoração. Nós ganhamos o jogo e
tal, e a molecada comemorando e tal... quando eu ouvi o sino da igreja. Quer dizer, o
sino bate quando a procissão já está saindo. Eu falei: “dancei.” Aí foi uma correria para
voltar no lugar onde a gente trocava de roupa, porque a gente descia a pé, não era longe,
era perto até. Mas para meu azar, quando eu estava chegando na igreja, já estava saindo
a procissão. Um outro menino no meu lugar, você imagina a surra que eu tomei.
Ganhei, comemorei e tal, quer dizer, ficou um negócio para toda a vida, não me esqueci
nunca mais o que aconteceu.
F.S. - Como você falou, você começou a jogar mais seriamente no campo do
[Filepo] e você jogou por vários times da várzea ali da região do Belém, jogou no Luso
Nacional, no Marabá...
A.L. - Marabá, Águia Branca, joguei no Vasquinho da Mooca, Radium.
F.S. - Como era isso? Porque você tinha que jogar em vários times ao mesmo
tempo...
A.L. - Não, não era ao mesmo tempo. Aí eu dividia isso aí entre o sábado e o
domingo. Sábado e domingo eu sabia que quatro times eu tinha que jogar, que era o
Marabá e o Águia Branca que eram os dois do bairro mesmo, tinha o Luso Nacional,
tinha o Vasquinho, depois apareceu o Radium e o [Filepo]. Aí alguém ia ficar de fora,
não tinha jeito, não tinha como jogar. Só se eu jogasse de manhã, de tarde, de noite, que
não seria ruim, é que não teve chance, mas alguém ficava de fora. Mas jogava muita
bola, jogava muita bola, era todo dia. Todo dia terminava a lição, já reunia na rua e tal,
era muito gostoso, muito bom mesmo. Tinha um senhor que tomava conta do [Filepo],
sr. Albano, ele sabia da dificuldade que tinha, não só eu, como a molecada toda, então
ele facilitava para a gente. Terminava o jogo, ele dava um vale para o lanche. Nossa,
aquele lanche para a gente era o meu almoço, porque saia dali correndo, já pegava, e já
ia para outro lugar jogar bola e tal. Mas nunca, vocês podem não acreditar, nunca
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passou pela minha cabeça ser profissional. Isso é uma coisa gozada, nunca, não me
lembro de ter falado assim... como os meninos fazem hoje; aqui desembarca menino aí
que vem de qualquer lugar do país aí, “esse menino vai ser jogador e tal”, três, quatro
pessoas já amparando o menino. Nunca passou pela minha cabeça, nunca. Eu jogava
porque tinha prazer em jogar. E isso foi até dezoito anos, quando eu vim jogar aqui.
Aqui, realmente, eu vim saber o que era o profissionalismo, porque antes eu não sabia.
T.M. - Nesse período em que você passa a ser concorrido pelos times da várzea,
você citou o vale do lanche que é comum, uniforme que você tinha que devolver e a
chuteira que você tinha ainda que esconder da sua mãe. Mas nesse período de
concorrência, chegava até a ter alguma coisa como que a gente vê na várzea hoje assim:
te dou dois vales, te dou uma chuteira...
A.L. - Não, não. E não chegava acontecer isso porque nós éramos um grupo muito
fechado, esses moleques. Não era só eu que fazia esse festival de jogos, era a equipe
todo, iam sete, oito jogadores para outro time, e eles sabiam. Vários caras chegaram:
“vamos levar esses meninos para jogar no...”, “Não vai levar não...” Ninguém ia, a
gente já tinha raízes ali, já conhecia todo mundo, não tinha problema nenhum e era
perto também, não era longe. De quatro clubes que a gente jogava, um só dava o lanche,
os outros três não davam nada. A gente ia porque gostava do grupo do pessoal e tal, e
jogava o primeiro e segundo quadro, tinha lugar para todo mundo. Então era um tal de
pegar ônibus ou bonde mesmo, descer todo mundo no mesmo lugar, terminou, juntava a
roupa, ou se não ia de caminhão. Eu falava muito isso quando eu estava na base do
Santos. Eu falava: “vocês reclamam, vocês estão jogando no infantil com treze, catorze
anos, não tem nem quinze, vocês já estão fazendo concentração, vocês vão um dia antes
para jogar, com ônibus com ar condicionado, refrigerante, sanduiche, com tudo,
simplesmente para jogar amanhã durante uma hora”. Que é trinta por trinta. Eu falei:
“vocês reclamam às vezes do hotel!” Eu falei: “Nós jogávamos, nós íamos de caminhão
aberto, se chovesse estava todo mundo tomando chuva, ninguém estava preocupado
com isso”, a gente queria saber de chegar lá e jogar, que era o prazer que a gente tinha
de jogar. Eu falei; “vocês estão perdendo muito isso”. Não sei se por influência de
outras pessoas de fora, eles estão muito preocupados com o que eles vão fazer amanhã,
com o que eles vão ser amanhã, sem se preocupar com o hoje. Porque para chegar
amanhã você tem que passar hoje, passar vários dias, vários momentos, várias fases da
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vida para você alcançar aquele objetivo que você tem. Mas eles, não, eles já querem sair
daqui, já passar direto e chegar lá, que é muito mais difícil e quase que impossível.
T.M. - Só para a gente fechar um pouco essa questão da sua infância, você
comentou que não tinha a figura do seu pai, mas por outro lado você jogava bola desde
muito moleque, e como você acompanhava o futebol? Além de jogar, viver ele...?
A.L. - Eu acompanhava... Era muito gozado isso aí, é uma boa pergunta. Porque...
Nós não tínhamos televisão, e nós morávamos junto com uma tia minha que foi minha
segunda mãe, chamo minha segunda mãe Osória. Minha mãe ia trabalhar e quem
tomava conta de mim era ela e tal. E tinha um dos zagueiros que tinha uma condição
melhor; naquela época se transmitia jogos quarta-feira à tarde, acho que era através da
TV Record, se não me engano, com Raul Tabajara. Foi o primeiro que eu convivi, que
eu conheci, foi ele. Então quando tinha os jogos, podia ser de quem fosse, era
Corinthians, Palmeiras, ninguém estava nem ligando para isso, a gente ia na casa dele
ver os jogos. E passava muitos jogos do Santos, é gozado isso aí. Eu cansei de ver jogos
do Santos, na época do Ramiro3, Zito4, Formiga5, aquele pessoal todo, Manga6 e tal, e a
gente via, via jogo do Corinthians, via jogo do Palmeiras, via jogo do São Paulo. E a
primeira vez que eu fui num estádio, esse primo meu que trabalhava com produtos de
laboratório e tal, que me ensinou, ele me levou para ver um jogo Palmeiras e América
do Rio, no Pacaembu, porque eu não conhecia o Pacaembu. Ele falou: “vou te levar para
conhecer o Pacaembu e tal”, e ali no Belém tinha muito palmeirense, palmeirense e
corintiano, ali, pertinho principalmente do Corinthians ali, aí ele me levou. Eu fui ver,
ainda jogava o Humberto Tozzi7, ele fez dois gols e o Palmeiras ganhou do América do
Rio de quatro a dois, uma festa danada; e o Pacaembu é uma delícia para ver jogo, não
é? Se é hoje, imagina antes. E eu fui; mas nunca tive aquela coisa assim para esse time,
para aquele time. Sabe? Eu gostava de ver futebol, gostava de jogar futebol, mas eu não
tinha predileção de falar, “eu quero começar nesse time, quero fazer um teste”, nem
3 Ramiro Valente
4 José Eli de Miranda
5 Francisco Ferreira de Aguiar, o Chico Formiga
6 Agenor Gomes
7 Humberto Barbosa Tozzi
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pensava que existia esse negócio de teste. Quando esse negócio surgiu, eu falei: “teste?”
“Você vai treinar com os meninos de lá do Juventus e tal”, e foi onde eu passei a tomar
noção de que isso acontecia.
F.S. - Depois dessa fase da várzea, do festival de jogos, você recebe uma proposta
para ir para a base do Juventus por um ex-jogador, o Oswaldinho8?
A.L. - É, o Oswaldinho. Ele foi jogador do Palmeiras e nessa época ele estava na
Portuguesa de Esportes. Ele me viu jogando num desses festivais de várzea, ele chegou
no vestiário, na frente do pessoal todo: “quem é o técnico e tal?”, “Sou eu”. “Queria
esse menino aí, eu quero levar ele para fazer um teste no Juventus. É possível?” “Você
tem que conversar com ele”. E eu nem sabia como eu ia fazer. Porque como eu ia
explicar para minha mãe que não queria que eu jogasse futebol, que eu ia fazer um teste
num time que eu poderia seguir carreira? Aí eu falei para ele, ele morava pertinho de
casa. Ele falou: “tenho te acompanhado em alguns jogos, você não está sabendo...”
“Tudo bem.” Aí marcou para uma quarta-feira, era domingo, eu disse, “bem, tenho de
domingo até quarta-feira feira para convencer minha mãe”. E como eu trabalhava no
período da tarde, ficou mais fácil convencer meu primo. Eu convenci meu primo, falei:
“quarta-feira feira vou ter que faltar porque o Oswaldinho, - todo mundo conhecia -,
quer me levar para fazer um teste no Juventus.” “Você está louco, sua mãe vai te matar
se ela souber disso e tal”, eu falei: “mas ela não sabe e eu quero ver, quero ver como
funciona isso e tal.” Aí eu fui, ele passou em casa, me levou e eu fui. Quando chegou no
meio tempo do treinamento coletivo, o técnico que era o Manduco9, um ex-jogador do
Palmeiras, era técnico no Juventus, ele falou: “pode tirar esse menino”, quando ele
falou: pode tirar esse menino, eu falei: “já dancei”, não é, meio tempo ele está me
tirando. “Tira esse menino e manda ele lá na secretaria fazer a inscrição dele para ser
federado.” Aí eu fui. Pior é que eu fui e fiz tudo que tinha que fazer. Agora, o pior é que
eu tinha que levar esses documentos para a minha mãe assinar. E aí? Foram duas
semanas. Eu com o documento em casa e não sabia como chegar nela e falar. Aí mais
uma vez meu primo me ajudou. Chegou, falou, ela falou “só quero uma coisa sua - você
não vai deixar de estudar”. Eu falei: “tudo bem.” E aí permitiu. Mas aí alterou um pouco
8 Oswaldo Buzzoni
9 Paschoalino Manduco
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as coisas que eu fazia porque a igreja era domingo de manhã. Domingo de manhã
quando eu saia, por exemplo, ia ajudar uma missa ou de qualquer coisa assim, já saía
correndo porque eu sabia que tinha jogo, e o campo era perto de casa, não tinha
problema, mas indo para o Juventus já... Então teve que alterar também a minha
frequência entre os coroinhas e tal, mas ela permitiu e no fim acabou dando certo.
T.M. - Você comentou que no futebol você não tinha nenhum time de
predileção...
A.L. – Não. Eu gostava era de ver.
T.M. - Você tinha algum jogador em especial? Você tem essa coisa de como
coringa, um cara de muitas posições. Naquela época já tinha uma posição, gostava dele
porque ele era atacante...?
A.L. - Gozado disso tudo é que eu achava interessante, o Corinthians sempre teve
aquela coisa de time que estava perdendo o jogo, vocês não devem lembrar disso,
também não era da época de vocês, o Corinthians virava as vezes um jogo, no Parque
São Jorge, perdendo de dois a zero, virava o jogo. Quando chegava no segundo tempo,
você mal se assustava, já estava dois a dois, três a dois, quatro a dois, sempre teve essa
coisa louca. E uma prima minha era afilhada do Roberto Belangero que foi um dos
grandes jogadores do... e o Roberto Belangero morava na mesma vila onde eu morava.
Foi muito gozado, porque quando ele soube que eu estava indo para o Juventus, ele
falou: “poxa, ninguém me falou nada, eu teria levado ele para o Corinthians”. Eu falei:
“não, não, agora já estou no Juventus”, também não estava esquentando muito a cabeça.
Mas me lembro que todo mundo falava assim; “você morava ali perto do Corinthians”,
falava assim... “o que tinha de corintiano naquele pessoal era um negócio incrível”.
Acontece que a turma que eu frequentava, que a gente saia para a igreja e tal, não
frequentava campo de futebol, estádio, de ir no Pacaembu, no campo da Portuguesa,
mesmo porque a gente não tinha dinheiro para isso também. Não tinha como ir.
Entendeu? Os mais velhos iam. Então a gente já ficava esperando na quarta-feira à
tarde, que passava o jogo, tipo três horas da tarde que começava o jogo, com o Raul
Tabajara. Então a gente ia ver na televisão que era do amigo, mas ir no campo era muito
difícil. Ir no estádio, eu fui uma vez só.
F.S. - Então você vai para o Juventus e a sua ascensão lá dentro é muito rápida,
porque você vai para o infantil, depois para juvenil e depois já passa para os aspirantes?
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A.L. - Exatamente. Isso tudo em um ano e meio, aconteceu tudo isso. Fui para
uma seleção paulista, nessa seleção paulista disputou o Brasileiro e todo ano, terminava
o ano, eu via através do jornal: “tal time quer levar o Lima, não sei que lá e tal”, mas aí
foi muito gozado porque eu só jogava numa posição, no Juventus, porque na várzea já
tinha jogado em várias posições. Aí começou interesse desse, interesse daquele e tal, aí
tinha assinado contrato em 1958. Em 1958 tinha assinado o meu primeiro contrato. Aí
antes de terminar esse contrato, eles já fizeram outro, já estava ganhando mais... Eu
estava ganhando tão mais que eu estava ganhando mais que minha mãe que trabalhava
há vinte anos, quase vinte anos na tecelagem. Aí foi tudo bem, eu fiz um outro contrato
com o Juventus. Aí foi tudo normal, falava todo ano, terminava o ano: “Lima vai para
lá, para cá”, mas nunca chegou ninguém a falar, por exemplo, “olha, tem tal time
interessado em você”, nunca, de uma forma positiva. E quando surgiu, por exemplo,
uma viagem, nós fomos fazer uma viagem para Marília - Marília não, Assis - fazer um
amistoso, o técnico era o Bauer... José Carlos Bauer, a quem eu devo muito, muito,
muito, muito, ele me orientou, me ensinou muito, ele tentava passar para mim o que ele
foi, foi um monstro jogando futebol. Ele parava, sentava comigo, me corrigia, tinha uma
paciência. Terminava o treino, ele pegava vinte bolas, ficava treinando comigo bater na
bola, cruzamento, lançamento, chutar na perna direita, esquerda, corrigia. Nós fomos de
trem, aí quando foi a hora do jogo, eu entrei no campo e o repórter veio me entrevistar.
Aí ele já veio com aquela empolgação: “agora nós vamos falar com o mais novo
integrante do plantel do Santos Futebol Clube.” Eu olhei para ele e falei: “olha, eu acho
que você está enganado, eu não sou do Santos, eu sou do Juventus.” Ele falou assim:
“estou acabando de dar um furo de reportagem para o próprio jogador” e tal, eu falei:
“como furo de reportagem?” Ele falou: “você foi negociado! De ontem para hoje você
foi negociado, o teu passe foi negociado com o Santos e não sei o que lá, você tem que
se apresentar lá segunda-feira - que seria no outro dia -, para assinar contrato e tal, e
resolver a tua vida.” Foi onde eu fiquei sabendo que eu estava negociado. Depois no
jantar, no trem, na volta, o Bauer me falou: “eu já sabia que isso ia acontecer, mas eu
não podia te falar antes para não deixar você naquela ansiedade e tal, poderia te
prejudicar no jogo”, eu falei: “não, tudo bem.”
F.S. – Antes dessa negociação você entra no time profissional do Juventus, sob o
comando do Bauer, num momento difícil para o Juventus, o Juventus estava...
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A.L. - O Juventus estava no torneio da morte. Eu estreei no torneio da morte.
Estava o Juventus, Corinthians de Presidente Prudente e América de Rio Preto. Os três
eram os três últimos. Aí o Juventus estava um ponto na frente desses dois, e teve direito
de escolher onde queria os dois jogos, aí o Bauer, todo mundo criticou muito ele, mas
eu acho que ele foi sensacional, ele escolheu os dois primeiros jogos fora e depois ele
pegaria esses times aqui dentro, e deu tudo muito certo. Nós fomos jogar primeiro
contra o Corinthians de Presidente Prudente, lá em Prudente. Me lembro que não tinha
hotel como tem hoje, quinze, vinte andares. Eram casarões, aqueles casarões antigos,
nós ficamos hospedados com uma banda tocando a noite inteira, embaixo na janela...
mas nem em baile uma banda toca tanto, acho que eles trocavam, passou a noite inteira
lá. E nós fomos para o jogo, empatamos um a um no primeiro jogo, contra o Corinthians
de Presidente Prudente, jogo duríssimo. De lá mesmo nós fomos para São José do Rio
Preto, jogamos com o América lá em Rio Preto, ganhamos o jogo. Então nós viemos
para cá para São Paulo já dependendo de um resultado só, dois jogos precisavam de um
resultado. E nós conseguimos no terceiro jogo. E o Juventus se manteve na divisão
especial.
F.S. - É curioso que você joga pelo Juventus, o jogo que é considerado aquele que
o Pelé teria feito o jogo mais bonito da carreira dele, era um jogo no qual a torcida do
Juventus estava encarnando muito em cima dele. Você se lembra alguma coisa?
A.L. - Ele estava jogando muito mal, o Pelé, nesse jogo. O Juventus normalmente
já jogava fechado, então não tinha mais o que fechar jogando contra o Santos, então
era... E a [inaudível] facilitava para a gente nesse ponto porque era realmente pequeno
o campo, estava em boas condições, mas era pequeno. E a torcida foi para vê-lo jogar.
Estava na Copa do Mundo de 1958, e ele realmente não estava numa tarde das mais
felizes. Depois quando eu vim para o Santos é que eu vim perceber, eu falava assim:
“você estava desse jeito assim como você está hoje, você estava naquele jogo contra
mim lá no Juventus”. Sabe quando o cara não quer nada, estava meio que... “a bola?
Deixa pra lá, que bola...” estava meio preguiçoso, e a torcida começou a vaiar, não sei
que lá, ele fez um sinal assim para a torcida. Falei assim: “o monstro já estava
dormindo, já estava sossegado, foram acordar o bicho.” Nossa, o gol que ele fez foi um
negócio assim... não tem como explicar. E foi muito gozado que foi um dos poucos
lances de ataque nosso, e eu acompanhei o ataque, como volante eu acompanhei o
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ataque, e perdemos a bola mais ou menos na altura da intermediária do Santos, e essa
bola caiu no pé do Jair da Rosa Pinto, o forte dele justamente era lançamento, ele meteu
a bola em diagonal para o Dorval10, já quase perto da grande área, mas pela beirada, eu
me lembro que o Dorval cortou para dentro e cruzou essa bola. O Pelé devia estar longe
de mim, eu vinha voltando, uns dez metros, nem chegava a tanto, ele dominou essa bola
no peito, ele deu três chapéus nos zagueiros e deu o quarto no Mão de Onça11 e fez de
cabeça. E quando eu fui na inauguração do filme, no lançamento do filme, eu vi essa
bola picando, que eles fizeram essa parte de computadores, a bola picando, e eu falei
para o Massaini12: “a única coisa feia que está nisso aí, e que não aconteceu, a bola não
picou.” Ele falou: “não, mas quem esteve... “ eu falei: “mas eu também estive, estava lá
perto”, eu só não tomei o chapéu, mas eu estava lá próximo, essa bola não picou. A
partir do momento que ele botou essa bola no peito, no primeiro, essa bola só foi cair no
chão quando ela tocou na rede e foi lá para o fundo, mas ela não picou. Ele falou: “você
tem certeza?” Eu falei: “absoluta.”
F.S - Já durante esse campeonato brasileiro de seleções estaduais, um pouco antes
da sua ida para o Santos, você convive com uma pessoa que vai virar teu companheiro
no Santos que é o Zito, que ele já fala da possibilidade de você ir para lá.
A.L. - Não, eu era o reserva dele. Para mim já estava maravilhoso. A convocação
era uma coisa maravilhosa, eu estava no Juventus! Aí eu era o reserva dele. Era muito
gozado que durante os treinamentos ele me incentivava muito: “vamos garoto! Não
para...” e eu no Juventus e ele no Santos. Aí fizemos o primeiro jogo no Pacaembu,
ganhamos, ele era o capitão, quando foi do primeiro jogo para o segundo, durante os
treinamentos, nós íamos jogar em Juiz de Fora, em Minas, contra a seleção mineira. Um
dia no vestiário ele falou para mim: “pode se preparar que você vai jogar.” Eu falei:
“não, sr. Zito, para mim está ótimo, só o fato de eu ter sido convocado para mim já está
maravilhoso”. Ele falou: “não, você precisa jogar, você está muito bem. Não falei no
primeiro porque eu sou o capitão do time e tal, mas no segundo já dá para você jogar”.
Eu falei: “tudo bem.” Durante os treinamentos ele simulou uma contusão no tornozelo
10 Dorval Rodrigues
11 Durval de Moraes
12 Aníbal Massaini Neto, produtor de cinema
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14
que não existia: “ai, ai, não sei que lá”, e ele olhava para mim e ria. Aí o Aymoré me
escalou no jogo lá em Minas, eu não só fui muito bem, fiz um gol, ganhamos de quatro
a um ou quatro a dois e tal, aí no vestiário ele foi me cumprimentar, ele falou: “só que
agora eu tenho que voltar a jogar, tá? mesmo porque do jeito que você está jogando
você vai me complicar.” Eu falei: “não, tudo bem, sem problema nenhum.”
F.S. - Naquele tempo, 1960, que você vai para as Olimpíadas, você ainda tinha
esse contrato de gaveta com o Juventus. [inaudível].
A.L. - Tinha. Esse contrato de gaveta prevaleceu até quando começou aparecer
muito interesse de clubes em mim, eles resolveram registrar o contrato. Que apareceu na
época o Roma, da Itália, se interessou... primeiro por causa da idade que eu tinha.
Quando começou aparecer em muitos jornais e tal, eles registraram o contrato. Tudo
bem, não teve problema nenhum. Eu joguei profissionalmente no Juventus acho que um
ano. E aí quando aconteceu através desse jogo aí que comunicaram que eu estava
vendido, que eu estava negociado, o Juventus teve uma atitude incrível, eles não tinham
porque me dar e eles me deram. O correspondente na época a uma ou duas casas - eles
me deram em dinheiro, mas o correspondente a uma ou duas casas, e eles não tinham
obrigação nenhuma de fazer isso. Eles fizeram porque... não sei. Se foi pela minha
conduta no clube e tal, mas foi uma atitude assim que não vou esquecer nunca.
T.M. - Essa transição... você comentou aquela questão com a sua mãe, quando
você teve que convencer ela a jogar e ainda manter a sua rotina. E esse momento de
ruptura onde, de fato, agora você se profissionaliza e muito rápido ganha fama e vai
jogar no Santos. Como foi?
A.L. - Aí foi mais difícil que do que aquele de falar para minha mãe que eu ia
fazer o teste. Como eu vou falar com dezessete para dezoito anos que eu ia ser
vendido... Nunca passou pela cabeça dela que eu fosse vendido, “vão vender meu filho
para onde?”. Aí fui, expliquei, levei um cara do Juventus também, para que ele
explicasse para a minha mãe o que estava acontecendo, e tal, aí quando ele terminou a
explicação dele, aí ela só perguntou assim: “e você vai morar aonde?”. Eu falei: “mãe,
eu vou ter que morar em Santos. Nem sei aonde eu vou morar em Santos, mas eu tenho
que morar lá.”. “Vai morar sozinho?” Imagina, já não passava pela cabeça dela eu ser
jogador, vai morar sozinho em Santos! Nunca. Eu falei: “eu tenho que ir lá, - cheguei no
domingo à noite -, tenho que ir lá amanhã porque eu tenho que assinar o contrato”, que
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15
era obrigatório de dois anos aqui no Santos, “e vou saber”, eu não sabia nem onde eu ia
ficar, se era no alojamento, o que tinha que fazer, não sabia nada. Aí vim. Um diretor do
Santos me pegou em casa, ele me trouxe, e chegando aqui em Santos eu encontrei de
cara o negrão na porta do clube. Ainda eu brinquei: “poxa, não precisava exagerar
também, vai deixar logo o rei na porta me esperando”. O motorista era até conselheiro
do clube, falou: “não, não está te esperando, deve ter algum encontro aí, e está...” Mas
foi tudo muito rápido, tudo muito correto. Agradeci ao presidente do Juventus na época,
sr. Roberto Burino. Coisas assim que acontecem, você não espera. Eu sempre fui muito
agradecido a todos lá porque foram eles que me deram a oportunidade de eu aparecer. E
o clube do Juventus é um clube muito simpático. Até hoje, toda vez que eu tenho
oportunidade, vou lá bater papo, embora não tenha quase ninguém da época; eles me
deram o título de sócio. Eu tenho boas lembranças dali da [inaudível].
T.M. - Essa transição, não só sua mãe, [inaudível], como foi essa mudança para
Santos?
A.L. - Mas ela não veio. Minha vida foi sempre pautada por esse tipo de coisa.
Primeiro porque ela trabalhava e ela tinha muito tempo de casa, tinha quase vinte anos
de empresa, e segundo porque eu também não sabia aonde ia morar. Quando cheguei
aqui, eu fiquei sabendo através do Pelé - quando eu fui cumprimentar ele falou assim:
“mais um negrão para pensão...” . Pensão era pensão da Dona Jazina, aqui em Santos,
que já morava Coutinho13, Dorval, Pelé, o Zoca14, Sormani15, Luiz Claudio, nossa
morava... ele falou assim: “teu quarto já está reservado e tal”, aquele negócio todo. Aí
eu fiz o que tinha que fazer aqui, me apresentei lá na pensão e voltei para São Paulo
porque tinha que comunicar para a minha mãe e tal, tinha que trazer roupa, essas coisas,
para cá. E foi tudo muito rápido, muito fácil e eu fui surpreendido logo na primeira
semana com atitude também... - na vida aconteceu muito essas coisas- , atitude dos
donos da empresa. A minha mãe já trabalhava há muito tempo lá, mas se eu falasse
assim: “eu vou tirar a minha mãe”, ela perdia direitos. Eles não, eles deram como se eles
13 Antônio Wilson Honório
14 Jair Arantes do Nascimento, jogador e irmão do Pelé
15 Angelo Benedito Sormani
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16
tivessem mandando ela embora e pagaram tudo que ela tinha direito. Aí minha mãe veio
morar aqui, aí ficou tudo zero a zero, sem problema nenhum.
F.S - Você chega no Santos e, dias depois de assinar esse contrato, você já tem
um jogo do primeiro aniversário de Brasília...
A.L. - Aniversário de Brasília. Foi jogar lá em Brasília Santos e Flamengo, e nós
perdemos o jogo. Acho que perdemos de um a zero ou dois a um, uma coisa assim. Foi
a minha primeira viagem. O máximo que eu tinha viajado no Juventus era de ônibus e
trem. Chega aqui no Santos, três dias depois ia entrando num avião. Mas tem que se
habituar a esse tipo de coisa. E outra, o ambiente que eu encontrei aqui foi muito fácil,
de eu chegar, jogar, de chegar e se apresentar, ficar à vontade, não teve pressão, não
teve nada. O Zito, o Pelé, o pessoal da pensão, sabe, me deixaram sempre muito a
vontade. E inclusive me corrigiam em muitas coisas, são vícios que você pega quando
joga em time pequeno, que só se defende. Eu lembro que meu primeiro coletivo aqui...
aqui na Vila Belmiro, fazia os coletivos aqui, não tinha centro de treinamento, não tinha
nada. E eu estava terminando no time reserva, jogando contra Formiga e Zito. E eu com
dezessete, dezoito anos, eu queria era correr até dois dias sem problema nenhum, e
praticamente eu estava onde estava a bola. Eles pararam o treino, parou o treino num
desses intervalos e vieram os dois falar comigo: “garoto, tem uma coisa, você estava
acostumado lá no Juventus, vocês correm muito, corriam muito por causa de marcação,
essas coisas. Aqui é diferente, o que corre é a bola.” Nossa, foi a maior lição que eu tive
na minha vida. Se você ficasse olhando de fora, você falava: “na verdade é essa mesma,
o que corre é a bola”. Ela saia de pé em pé. O Gylmar16, quando veio para cá, às vezes
em um jogo inteiro o Gylmar não dava dois tiros de meta, ele só saía jogando com a
mão. O Santos sempre foi assim. Não é assim agora. Sempre foi, saía jogando do lateral
direito ou esquerdo, saía jogando pelo meio e essa bola ia de toque em toque para lá,
para cá, vai na ponta, volta no meio e tal. E acontecia isso. E é a pior coisa que
acontece, porque não tem como marcar. Essa grande dificuldade que o povo está
encontrando hoje para marcar, para jogar contra o Barcelona, você imagina o que eles
sofriam antes, quarenta anos atrás, acontecia a mesma coisa.
F.S. - Tinha essa coisa do pessoal ficar tão desesperado com o toque do Santos de
tentar parar na violência? 16 Gylmar dos Santos Neves
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17
A.L. - Acontecia muito isso, principalmente quando era time pequeno. Acontecia
muito. Quando é time grande, não, porque o time grande vai... Sei lá se o poder de força
quase que igual, em de número de jogares e tal. Naquela época tinha isso, em cada time,
Palmeiras, São Paulo, Corinthians... tinha quatro, cinco, seis jogadores que eram
diferenciados, hoje não tem. Entendeu? Então quando é time grande não acontecia,
agora, quando é time pequeno o couro comia. A gente falava: “pode esperar porque...”
“Não adianta vir a bola - a gente brincava -, a bola já não está mais aqui não, está lá”,
sabe? E é toque na frente, atrás, sempre foi a forma de jogar. Agora, o Santos sempre
teve um poder de ataque muito grande, sempre teve. Como você vai jogar com um time
que joga com quatro jogadores na frente? Jogava o Dorval, o Coutinho, o Pelé e o
Pepe17 na frente, um meio de campo com dois jogadores. Não é só os quatro jogadores,
que tipo de quatro jogadores eram esses... Dois puntas fantásticos, eu até falava, “isso,
agora tira o Pepe, tudo bem, quem entrou? O Edu18. Tira o Edu, quem entrou? O
Abel19”. Sabe, é uma coisa louca. Do lado direito nem tanto, mas do lado esquerdo...
teve vezes de o Lula20 ter que mudar o time, sr. Antoninho, Antônio Fernando, o
Toninho, tem que mudar o time, botava o Edu na meia, o Edu de atacante, para jogar
Edu e Abel. Por que fazia isso? Pela qualidade de jogadores que tinha, era diferente.
Então você chega, para falar assim: “foi difícil você se ambientar?” Não, não foi difícil.
Foi até mais fácil, corria menos e rendia mais. Não dava tanta trombada, não tinha essas
coisas, o jogo aparece muito mais. Você rende mais correndo muito menos.
T.M. - Logo que você chega no Santos, você já chega num grande time, logo no
seu primeiro ano você já é campeão da Taça Brasil e do Paulista?
A.L. - Exatamente.
T.M. - Como é isso? Vinha do Juventus, segunda divisão, jogava na várzea...
A.L. - Para você ver, eu saí praticamente de um rebaixamento, cheguei em São
Paulo, me anunciam que eu estou sendo vendido para o Santos, chego no Santos no
primeiro ano e já sou campeão, quinze dias depois que cheguei no Santos saí para uma
17 José Macia
18 Jonas Eduardo Américo
19 Abel Verônico da Silva Filho
20 Luís Alonso Peres
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18
viagem, uma das várias viagens, excursões para a Europa, onde eu fiquei quarenta e
cinco dias, a cada dois dias viajando de avião, um que só tinha andado de trem aqui,
sabe... Muda muito, isso aí muda muito. Aí eu fui tirar proveito da formação que eu
tive, aquela formação de igreja, de comportamento, de saber se... Foi muito bacana que
o Santos sempre se hospedou em grandes hotéis, hotéis cinco estrela, mesmo porque
pelo próprio nome dos jogadores que levavam e tal, os empresários se preocupavam
muito com isso. Então a primeira excursão que eu fiz foi para a Europa, já pensa vai, o
tal torneio de Paris, era um torneio lindo, era tipo esse tênis que tem em Roland Garros,
era tipo assim, de Wimbledon, o Torneio de Paris, coisa linda. Só time de primeira linha
mesmo, tal, todo mundo hospedado em grandes hotéis, a frequência maravilhosa, pessoa
chique para ver o jogo. Você olhava uma pessoa para ver um jogo, não só do Santos, do
torneio, você falava, esse cara vai no teatro, de terno, gravata, as mulheres muito bem
vestidas e tal. Um luxo. Eu saí da rua [Jabari] e encaro tudo isso na minha frente. Quer
dizer, é uma mudança muito grande. E os jogadores me ajudaram nesse ponto, os
jogadores me ajudaram muito nesse sentido. Eu me lembro que quando nós chegamos
num hotel em Paris, sentamos na mesa, você vai vendo os talheres colocados, a gente
pensa, de dentro para fora, e não é, é de fora para dentro. Muitos jogadores não sabiam,
eu sabia. Ao invés de me ajudarem, eu ajudei muitos deles. “Olha, esse talher pode vir
isso, isso, aquilo.” “Como você sabe?”, falei: “pelo posicionamento dos talheres”.
Aquilo que eu aprendi lá, ó, lá no fundão, me serviu. Coisas que eu não sabia eles me
orientavam, era aquela troca, então ficou muito fácil. Realmente ficou muito fácil.
Passei doze anos aqui, onze, doze anos aqui fantásticos, sem problema nenhum, porque
se ajudavam um ao outro, ninguém nunca teve inveja de ninguém, sabe, vou sentar na
mesa e não vou falar... quero ganhar a mesma coisa que o Pelé ganha. O presidente
podia chegar para ele e falar, então joga a mesma coisa que ele. Eu quero ganhar o que o
Lima merece, e isso daí eles foram sempre muito... atenciosos nesse sentido.
[FINAL DO ARQUIVO I]
Paula Moura� 21/8/13 15:27Formatted: Line spacing: 1.5 lines
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19
J.F. - Lima, nessa excursão para a Europa, o Santos nesse torneio de Paris joga
com o Benfica. O Santos vence por seis a três, o Eusébio21 entra na partida e marca três
gols, você inclusive também marca um gol. Você ainda se recorda dessa partida, do
Eusébio, a estreia dele?
A.L. - Eu recordo bem porque eu fui surpreendido nesse torneio em Paris porque
foi a minha primeira viagem. Eu não pensei que fosse em algum momento entrar como
titular. Num time daquele, só cobra, só fera, eu falei “nossa, eu chegando do Juventus
vou ficar na minha aqui, esperando como sempre aconteceu”. A hora que surgiu uma
brechinha, o Lula pegou e me colocou para jogar, justamente contra o Benfica. E nós
sabíamos que ele vinha, porque ele vinha com muito nome já... ele tinha um jogador que
era muito forte, chamado Eusébio, só que ele não entrou jogando, ele entrou no meu
tempo. E ele era muito forte, além da categoria que ele tinha, um excelente jogador,
muito forte. Chegou um momento que estava eu acho cinco para a gente, ele fez os dois,
aí nós fizemos seis a dois, ele fez seis a três, foi onde nós tomamos conhecimento dele.
J.F. - Era difícil marca-lo.
A.L. – Era. Era difícil. Porque, além de muito forte, ele era muito rápido. Eu acho,
sinceramente, até falando, é uma boa oportunidade, eu acho que ele foi um dos
jogadores injustiçados no mundo do futebol, ele merecia um lugar de mais destaque,
pelo que foi. Não sei se é porque foi um bom jogador africano, que apareceu em
Portugal e tal, pode ser até um pouco de preconceito e tudo mais, mas eu acho que ele
merecia um pouco mais de destaque, porque ele realmente foi.
T.M. - Nesse ponto que você tocou, justamente, jogador moçambicano que veio
para Portugal, o Santos também era uma equipe na década de 1960 com jogadores
negros em Paris. Uma Paris que tinha voltado da Segunda Guerra, não sei como foi...
você é um cara muito educado que desde pequeno tinha conhecimento até dos talheres,
tantos detalhes, muito novo também, como foi essa chegada na Europa em relação a
isso?
21 Eusébio da Silva Ferreira
Transcrição
20
A.L. - Comportamento?
T.M. - No sentido de... algum tipo de preconceito...?
A.L. - Não, nós nunca sofremos esse tipo de coisa. Uma vez ou outra passava pela
cabeça de alguém, eu não sei nem porque algumas coisas acontecem, gostaria de antes
de morrer saber o porquê aconteceu. É verdade. Desde a primeira viagem que eu fiz que
foi essa, ficou sempre eu e Pelé no mesmo quarto. É um negócio gozado isso aí, porque
fala: pô, mas tudo bem, normal. Mas eu não conhecia ele, conhecia de jogar contra ele.
Joguei uma vez aqui na Vila e aquela outra vez contra o Juventus, lá. Eu não sei,
aconteceu, eu e ele no mesmo quarto, falar assim: “isso é bacana”, tal. Mas não é fácil
você ficar, porque o assédio a ele é muito grande, o tempo todo, é segurança que
colocavam, pessoas que furavam bloqueio, levavam álbum de fotografia, na Europa
acontece muito isso. Aqui você pega um papel, um jornal e assina. Lá, não, eles são
todos organizados, eles vão com um álbum de fotografia, sabe, é um negócio bonito até.
E no fim eu falava assim: meu Deus do céu, até quinze dias atrás eu estava no Juventus,
indo para o campo de bicicleta, passei de ano ganhei uma bicicleta da minha mãe, era
para treinar de bicicleta. Todos os jogadores saiam de carro, eu saia de bicicleta, com a
minha bicicleta feliz da vida. Estou num avião, num super hotel, quem está do outro
lado, na outra cama está o rei do futebol, está aí, deitado, sossegado aí, toureando
cinquenta, cem, duzentas pessoas, às vezes, no corredor do hotel, que nem os
seguranças conseguiam dar conta daquilo e a gente trocando ideia. Muda muita coisa,
sabe, muda. Então foi o que eu falei no início, aquilo que eu aprendi antes quando era
moleque, poderia nem levar em consideração, me serviu e muito, para o resto da minha
carreira, para o resto da minha carreira e não só no futebol, mas no dia a dia também.
Você encontra uma pessoa, um empresário, um diplomata, que acontecia muito isso. O
Santos saía desse torneio de Paris, que nós somos campeões lá, nós somos saímos de lá
direto para uma festa para falar com o cônsul. Chegamos no campo, chegava
uniformizado, o Santos sempre saia trocado do hotel, que levava muita joia, é dinheiro,
é muita coisa e tal, então já saia pronto do hotel. Mas esse dia foi diferente, saímos
prontos do hotel, cada um com seu uniforme, com terno, porque na saída do vestiário
nós já íamos direto para o consulado porque ia ter uma recepção para a gente, esse
Transcrição
21
negócio todo. Mas é tudo muito bom e serve. Eu utilizo muito essas coisas, hoje,
embora tenha passado tanto tempo.
F.S. - Aí em 1962 chega talvez, você com um ano e pouco de Santos, chega um
dos grandes momentos da história do Santos que é o primeiro título da Libertadores e o
primeiro título Mundial. Como foi pegar o Peñarol lá no centenário? Vocês tiveram
dificuldade com violência ou qualquer coisa assim durante o jogo? Ou foi aquela coisa
de se impor naturalmente?
A.L. - Não, o time se impôs Mas você não pode perguntar, por exemplo, num
jogo do Peñarol que você não tenha tido nenhum tipo de dificuldade, nenhum tipo de
pressão, porque todos os jogos contra o Peñarol, por mais insignificante que seja, tem
pressão. É um time que só joga sob pressão, eles só jogam sobre pressão. É que nem o
Boca Júnior, eles pressionam o tempo todo, é como se fosse uma tática deles, é uma
forma deles de jogar. Quando está para entrar no campo, aqui no Brasil não acontece
isso, mas lá fora acontece, das duas equipes ficarem uma próxima da outra. Eles nem na
sua cara olham, já é uma coisa meio que ensaiada assim, antes de ficar fazendo gracinha
já vou... se pudesse ficava cutucando, falando gracinha e tal. Foi tudo muito difícil, mas
a gente tinha uma coisa que eu vim aprender aqui quando cheguei no Santos, eu
percebia que a forma que o Santos encontrava de se impor não precisava agredir
ninguém. O Santos se impunha através do seu próprio jogo. Deixa o cara bater, o cara
vai dar pontapé, cusparada, enfim, um monte de coisa... que Argentina e Uruguai fazem.
Ele falou assim, nada supera o que você pode fazer com os pés. Tudo bem, se nós
pudermos, nós vamos meter o maior número de gols possível, a gente vai colocar, vocês
não querem jogar, tudo bem, é problema de vocês. Time eles tinham para jogar. Mas
eles se preocupavam muito em fazer falta, eles se preocupavam muito em parar o jogo.
Parado o jogo, você caído, o cara passava pisava na sua mão, era normal, vocês não
viam, mas acontecia do cara chegar e te xingar, do cara chegar e te beliscar, te passar a
mão ou qualquer coisa, tudo para te tirar do eixo, todo esse tipo de coisa eles sempre
usaram, e usam até hoje. Mas pelo menos a gente nunca chegou a abalar a ponto de
falar: nosso time perdeu a cabeça e foi para... não.
F.S - Fala um pouco mais do jogo contra o Benfica no Mundial. Muita gente diz
até hoje que foi a maior...
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22
A.L. - Daqui ou de lá? O de lá foi.
F.S. - Os dois.
A.L. - O daqui nós não jogamos muito bem. Nós ganhamos de três a dois. Eu
lembro bem que esse dia eu joguei na lateral, jogou o Zito22 e o Mengálvio23 no meio de
campo, eu joguei na lateral direita. Nós ganhamos o jogo, ganhamos o jogo até bem,
mas não jogamos bem. Fizemos o necessário para ganhar o jogo. Lá, nós tínhamos
certeza absoluta de que seria um páreo difícil, mesmo porque eles, tanto quanto o
Santos, eles tinham sete jogadores que eram da seleção. O Santos tinha nove que eram
da seleção brasileira, eles tinham sete que eram titulares da seleção portuguesa. E nós
chegamos lá quase com uma semana... esperando para o jogo; e o clima na cidade,
ninguém falava nem de um possível empate do Benfica. “Benfica nunca perdeu no
estádio da Luz”, mas, gente, tem a primeira vez! Tudo tem a primeira vez. “Ah, o
estádio da Luz e não sei que lá”. Eu fui surpreendido, um dia antes do jogo, tinha uma
barraquinha perto do hotel que negociava ingressos. Eu falei: “vocês estão vendendo
ingresso para o terceiro jogo?” Porque se nós tivéssemos perdido lá, o terceiro jogo
seria na França. Eu falei: “não teve nem o segundo ainda, como vocês estão vendendo
para o terceiro?” Falou: “Não, mas o Benfica não perde no estádio da Luz.” Tudo bem,
fazer o que? Sou obrigado esperar o dia do jogo. Mas o nosso time estava muito focado,
como no termo que se usa agora, nesse jogo, muito. E o mais importante, nós
respeitamos o time do Benfica. Porque, quando você respeita, você sabe que o teu time
é bom, mas você respeita o adversário, teu rendimento melhora, porque você não abusa
de determinadas coisas. E terceiro que o negrão24 estava num dia infernal. Esse jogo
que ele fez, ele reconhece até hoje. Ele fala que foi o jogo da vida dele. Esse dia, tudo
que ele fez deu certo, tudo, tudo. Até bola que ele foi passar para o cara, acabou
passando a bola no meio das pernas do cara do Benfica, nada programado, mas deu
certo. Ele deu sequência na jogada, foi lá e... E o Santos em si, a equipe no todo fez o
maior jogo da vida do Santos. Um jogo de muita confiança, um jogo de muito poder de
22 José Eli de Miranda
23 Mengálvio Figueiró
24 Refere-‐se a Édson Arantes do Nascimento, o Pelé
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23
imposição. Nós vamos para cima dele, vamos para cima dele, e foi assim noventa
minutos. Tanto que depois o próprio Euzébio falou, ele deu uma entrevista que ele
falou: “eu nunca vi um time andar tão atrás, tão atrás de um resultado como o Santos
andou no jogo aqui contra nós. Podíamos ficar jogando com eles durante um ano que
não ia acontecer mais nada.” Aliás, o Benfica, acho que nunca ganhou do Santos. Eu fiz
no Santos, três ou quatro jogos contra ele e nós ganhamos os quatro.
F.S - Aí no ano seguinte, em 1963, você tem a sua primeira convocação para a
seleção brasileira. Você lembra como foi, como você recebeu a notícia mesmo sem ter
pensado em nada, sem ter planejado nada?
A.L. – Não, vou falar que eu não pensei, é mentira, porque eu pensei. Inclusive eu
estava entre os quarenta em 1962, eu estava. Estava meu nome. Pelo amor de Deus, não
ficava rezando para que alguém se machucasse para eu ser chamado, mas eu fiquei
muito feliz com isso. Eu tinha saído há muito pouco tempo do Juventus, estava há
pouco tempo no Santos e ser lembrado, foi muito bom para mim. E em 1963, não vou
falar, a gente espera... fica aquele comentário, agora é a sua vez, não tem essa de sua
vez. Você tem que se apresentar bem, se preparar para quando for chamado, como foi o
caso, você chegar e se apresentar de uma forma... fazer valer aquela convocação. Não é
aquela coisa assim “ele foi convocado porque ele é do Santos ou apadrinhado de não sei
quem”. Eu fui convocado porque eu estava bem. E em 1963, nessa convocação, eles
começaram a preparar a equipe do Brasil para 1966, na Inglaterra. E eu fiz parte disso
aí, eu fiquei muito feliz.
J.F. - Lima, o jornal nesse período, o jornal de Santos diz que o Lima está
jogando no fino e que era a voz do povo. Você estava jogando o fino da bola. Essa
partida de estreia, acho que é Brasil e Portugal, em Lisboa, e Portugal ganha de um a
zero.
A.L. - Em Lisboa?
J.F. - É, Portugal um, Brasil zero, em 1963.
A.L. - Mas nesse jogo eu não joguei.
J.F. - Talvez esse você não tenha jogado, abril de 1963.
Transcrição
24
A.L. – Não joguei, foi no Porto esse jogo. Eu estava no banco.
J.F. - Você como um volante que jogava o fino da bola significava o que, não só
desarmar, marcar, mas também partir para armação do jogo, se apresentar no ataque?
A.L. - Porque o meio de campo, a função dos jogadores de meio de campo
naquela época era diferente da de hoje. Primeiro você tinha menos jogadores no meio de
campo, jogava com 4-2-4. Hoje se joga com 4-5-1, quando tem um na frente a gente até
agradece, mas jogava 4-2-4. Então se você tem um jogador com característica como a
minha, por exemplo, que eu gostava de chegar, mas não de chegar... eu chegava sempre
de trás, de trás você pega os jogadores de defesa as vezes muito desarrumados. E teve
muitos gols que eu fiz assim, e eu chutava muito bem de fora da área, então isso
facilitava para mim a forma do Santos jogar, principalmente quando jogava com o
Mengalve, que o Mengalve ficava mais e eu saía. Com o Zito, não, o Zito já era
diferente. Mas essa forma de jogar, por exemplo, facilitava a minha vida e facilitava
também a movimentação, por exemplo, de Pelé e Coutinho25, facilitava. Porque você
tendo a lateral para você jogar, com dois pontas, é diferente de você jogar como se joga
hoje, com dois alas, lateral esquerda e lateral direita, é diferente. Então a forma de jogar
do Santos, nossa, facilitou a minha vida muito, muito, muito.
J.F. - Você acha que hoje essa figura do meio de campo perdeu um pouco a
característica de habilidade, de qualidade técnica no futebol brasileiro, houve uma
perda?
A.L. – Perdeu, perdeu. Hoje você vê, por exemplo, um jogador habilidoso, um
meia, quem você vê de habilidoso? Você vê o Ganso26, você vê esse menino que está no
Internacional, Oscar27, o próprio Neymar28 vários jogos já fez papel de meia, pode ver,
você repara a movimentação dele, ele faz o papel de um meia atacante, tranquilamente.
25 Antônio Wilson Honório
26 Paulo Henrique Chagas de Lima
27 Oscar dos Santos Emboaba Júnior
28 Neymar da Silva Santos Júnior
Transcrição
25
Antes não, você tinha Rivellino29, Ademir da Guia, Gerson30, Dirceu Lopes, Tostão31.
Em cada time você encontrava não só um meia habilidoso, você encontrava dois, três.
Então falava assim: “esse jogo vai decidir onde? No meio de campo”. Quanto tempo
você não ouve falar isso? Porque não tem mais aquele jogador habilidoso no meio de
campo. Hoje você põe um mordendo, que a gente fala de uma forma popular, um
mordendo, que fica ali na frente da área e mais dois ou três tentando tourear e tal. Às
vezes quando você tem o caso de um jogador elegante, um jogador mais técnico que
consegue meter uma bola ou fazer um passe longo, fazer uma tabela, um dois e chegar,
maravilhoso, mas não são todas as equipes que têm, são poucas. O Santos é uma das
que tem, mas as vezes não funciona, não é?
F.S. - Em 1963, mais uma vez, o Santos é campeão da Libertadores e campeão
Mundial, mas essas duas decisões são bem mais pegadas. Na Libertadores, como tinha
sido já com o Peñarol, foi pegada com o Boca Juniors. Fala um pouco sobre essas duas
partidas.
A.L. - O Boca, o primeiro jogo... Eu acho que o Santos nos dois jogos levou uma
vantagem, no meu entender. Facilitou para a gente jogar o primeiro jogo aqui e o
segundo fora. Pelo próprio poder da equipe que a gente tinha, facilitou a coisa. Então
nós jogamos aqui com o Boca Juniors, também não foi um grande jogo. Aqui que eu
falo foi no Maracanã, que era nossa casa. Jogamos no Maracanã, ganhamos de três a
dois, foi três a dois? É, eu até fiz um gol nesse jogo. Levou o jogo principal, o jogo
decisivo lá para a Argentina. Vocês já foram no estádio do Boca? Você tem ideia do que
é aquilo? Cheio? Vocês não tem ideia do que é aquilo cheio, não tem. Ninguém tem
ideia. Mesmo porque a torcida do Santos não era essa torcida que tem agora. Essa
torcida que tem agora começou a nascer, foi criada naquela época, a torcida do Santos
tem trinta e poucos anos, não tem quarenta anos, foi criado naquela época. As únicas
pessoas que estavam torcendo para a gente eram os onze que estavam no campo, mais o
nosso banco, o médico e o técnico, não tinha mais ninguém torcendo para a gente. O
29 Roberto Rivellino
30 Gerson de Oliveira Nunes
31 Eduardo Gonçalves de Andrade
Transcrição
26
resto era tudo azul e amarelo. Uma gritaria infernal, você entra no bairro de Boca, você
anda quase uns dois quilômetros ou mais, aquelas casas azul e amarela, vocês estiveram
lá, vocês viram, é uma coisa louca. Só que eles não esperavam... O time do Santos,
embora fosse um time praticamente jovem, mas um time muito rodado. Eles não
esperavam o comportamento que teve o time do Santos... Porque nós saímos perdendo
lá. Eles fizeram um a zero. Um a zero e vieram para cima, facilitou a coisa para a gente,
porque aí, eles vindo pra cima, eles se empolgaram e vieram para cima, deixaram o Pelé
e Coutinho mais a vontade, que eles ficavam no mano a mano com os defensores dele.
Um deles inclusive um brasileiro, o Orlando Peçanha32 que jogou aqui com a gente. Aí
nós empatamos um a um, o time se equilibrou de novo, empatamos o jogo e viramos.
No segundo gol, quando eles tomaram o segundo gol, foi um silêncio, o maior silêncio
que eu ouvi na minha vida, você imagina trinta ou quarenta mil pessoas torcendo para
um determinado time para ganhar, o empate também não servia para eles, e de repente
eles tomam o segundo gol, faltando dez, quinze minutos para terminar o jogo. Foi um
silencio total. Aí nós notamos, eu me lembro bem, que eles se desesperaram, eles
entraram no desespero, porque eles precisavam do resultado e nós tiramos proveito
disso. Aí valeu a experiência dos jogadores, aí valeu a vivência, aí valeu a catimba,
valeu tudo o que você pode fazer num jogo sem agressão, sem nada disso, valeu. Por
quê? Porque aí, ao invés de dominado, nós passamos a dominar. Porque quem entrou no
nervosismo foram eles, não fomos nós. Eles tinham necessidade de fazer não só um gol,
eles tinham necessidade de fazer dois para mudar alguma coisa, então ficou mais fácil
para a gente.
T.M. - Sobre esse jogo o Pelé deu uma entrevista recentemente agora, quando o
Corinthians estava indo jogar lá, exatamente como você, exaltando a pressão que é jogar
na Bombonera, mas ele também tocou num assunto delicado, que desde aquela época
essa questão do próprio racismo, já tinha muitos torcedores que atiravam bananas.
Como foi a sua visão, com dezoito anos?
A.L. - Eu nunca me preocupei muito com isso, sinceramente, sinceramente, nunca
me preocupei com isso no sentido de que fica muito difícil chegar num lugar desse,
você teria que chegar, o certo seria o que? Olha, acabou o jogo. Mas como você vai 32 Orlando Peçanha de Carvalho
Transcrição
27
fazer isso com quarenta mil pessoas? Não é verdade? Ele pagou para isso aí, tem que
haver uma forma de você impedir através do que? Da educação? Esse é um problema de
criação. Você vai lá ver um jogo é a mesma coisa que ir ver um espetáculo num teatro
qualquer coisa, você não gostou da peça você pega e vai jogar coisa para cima do palco?
Não tem sentido isso. Eles começaram a fazer isso quando começaram a perder o jogo.
Quer dizer, já saíram de casa preparados para isso. Isso nunca afetou. Mesmo porque
não foram muitas vezes, não, que eu me lembre foi só essa vez que aconteceu. Jogamos
no mundo inteiro, principalmente na África, jogamos na Europa, na Ásia, jogamos tudo
que é lugar, nunca tivemos problema de nada, nem com ninguém.
T.M. - Você contou que vocês jogaram no Pacaembu e no Maracanã. Um ano
antes tinha havido meio que ao contrário. Quer dizer, teve um conflito com a polícia, o
Coutinho também fala que foi uma briga meio injusta, porque era polícia, torcedor...
A.L. - Aonde?
T.M. - Contra o Peñarol um ano antes em Montevidéu, em 1962. Daí no jogo de
volta aqui no Pacaembu teve também uma confusão.
A.L. - Não foi no Pacaembu, foi aqui na Vila. Foi o jogo mais longo do mundo.
Terminou o jogo duas e meia da manhã. O cara falava que foi no jogo, ninguém vai
acreditar, o cara foi numa balada. Foi aqui na Vila esse jogo. Esse jogo foi meio
estranho, esse jogo foi estranho porque nós ganhamos lá. O Pelé não jogou, jogou o
Pagão33. O jogo aqui, casa cheia, o local onde eles falam que jogaram não sei o que no
bandeirinha, só tinha torcida do Peñarol, um ônibus eles vieram. Trouxe uma Kombi
aqui, quer botar banca... Aí eles vieram com um ônibus e estavam todos eles no mesmo
lugar. E foi justamente desse lugar que jogaram não sei o que em cima do bandeirinha.
Ele já veio e falou com o árbitro. O erro disso tudo que eu achei, eles se reuniram,
saíram do campo, ficou quase meia hora para começar o jogo novamente, tomaram a
decisão lá dentro e não falaram para ninguém. Chegaram aqui no campo, o jogo vai
recomeçar, terminou o jogo, nós estamos festejando porque o resultado foi bom para a
gente. Veio à notícia, “olha, nós vamos ter que fazer o terceiro jogo em campo neutro”
Fazer um terceiro jogo em campo neutro, que me desculpe os uruguaios, mas eles foram 33 Paulo César de Araújo
Transcrição
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muito inocentes. O Santos propôs: vamos jogar na Argentina. O jogo na Argentina, a
torcida do River era toda nossa, nem precisou porque o time fez um partidaço lá,
metemos três neles lá, sem chance nenhuma. Fomos para cima deles e decidimos o jogo
logo, no estádio do River. Mas o que aconteceu aqui já foi um negócio assim meio
estranho. Não havia necessidade disso. Mesmo porque o juiz não viu e não se tem, por
exemplo, uma gravação desse jogo. No primeiro ou segundo gol deles, o cara jogou
terra no olho do Gylmar, um tal de Sacia34, ele jogou terra no olho do Gylmar, eu estava
do lado dele. Aí fomos para cima do árbitro, não, não viu, o bandeira também, e foi
dado o gol. E ao término do jogo vem essa notícia! Horrível.
T.M. - Esse episódio, não sei se era uma coisa mais de organização ou se isso foi
falado para vocês, ele fez com que nos anos seguintes o Santos deixasse de jogar na
Vila e fosse jogar no Pacaembu ou jogar no Maracanã?
A.L. - Não, Maracanã até escolhemos para jogar. Maracanã era a nossa casa.
T.M. - Sobre o Maracanã, você tinha já comentado sobre a final da Libertadores,
é no Maracanã que acontece aqueles jogo, talvez um dos mais marcados com o Milan.
Voltando um pouco para esse mundial de 1963?
A.L. - O jogo do Milan? O primeiro jogo foi lá, nós jogamos muito mal, lá
realmente nós fizemos uma partida péssima, perdemos de quatro a dois, olha, temos que
agradecer de ter feito dois gols lá e tal; e quando eles vieram para cá, o clima ficou
muito ruim lá pela atitude do Amarildo35, lá. Ele chegou a discutir com o falecido
Almir36, o Almir entrou no lugar do Pelé, lá na Itália, e me lembro que quando terminou
o jogo o Almir falou para o Amarildo: “se eu fosse você eu não jogaria no Brasil.”
Assim, eu me lembro muito bem que eu estava do lado dele. “Não sei o que lá, a
torcida...” Tudo bem, normal, está na casa dele, vamos fazer o que? Agora, eles nunca
esperavam, nunca, passou pela cabeça deles que o time fosse ter uma reação como teve
34 Mais próximo do que foi possível ouvir e grafar
35 Amarildo Tavares da Silveira, o Possesso
36 Almir Moraes de Albuquerque, o Almir Pernambuquinho
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aqui. Primeiro porque jogou sem o Pelé, sem o Calvet37, sem o Zito, foram três baixas.
Três baixas sensíveis. Agora, o Lula38 teve uma atitude aqui no Brasil que eu achei fora
do comum. Ele pegou a gente quinze dias antes e levou para o Rio de Janeiro. Nós
inauguramos lá o lugar onde o pessoal ficava alojado, um alojamento lá e tal, ficamos
alojados no Maracanã, no local do jogo. E o que me deixa triste, por exemplo, ouvir
Mazzola39, que nem eu ouvi, uma coisa de seis meses atrás, eu vi uma entrevista dele e
do Amarildo falando um monte de bobagem, falando um monte de coisa que ele sabe
que não foi nada daquilo, de arbitragem, de que o Santos deu ponta pé! O time do
Santos dando ponta pé? Isso é um negócio inédito. Joguei doze anos aqui, nunca vi
disso. Mas o cara vem aqui no Brasil fala isso e fica tudo por isso mesmo, ninguém fala
nada, ninguém defende, nem nada. Aí quando eles chegaram aqui no Brasil, o time
estava se reunindo todo dia, e a gente tinha o time deles atravessado na garganta, da
pose, da forma que eles conduziram a coisa lá. Mas ninguém esperava que acontecesse
o que aconteceu. De repente nas jogadas que nós mais treinamos, que nós mais
trabalhamos em cima dessas jogadas, nós tomamos dois gols. Nós tomamos dois gols
em cima das jogadas que nós mais treinamos. Eu me lembro que nós chegamos no
vestiário e estava um silêncio, ninguém queria falar... coisa feia, perdemos de dois a
zero, um jogo que não podia nem empatar. Eu me lembro que nós estávamos no
vestiário, um vai para cá, outro vai para lá, e tal, e o Lula não falou nada. Aí entrou um
repórter, de um dos jornais do Rio de Janeiro, ele entrou e falou: “olha, não sei se
interessa isso para vocês, mas eu estou vindo agora do vestiário do Milan, eles estão
com uma mesa de quase dez metros com todo tipo de comida e bebida, só esperando
terminar o jogo para eles comemorarem.” Foi a maior preleção que eu recebi na minha
vida. Eu costumava trocar calção ou camisa no meio tempo, aí o cara falou assim: “está
caindo o mundo aí fora”. “Como caindo o mundo?” “ Está chovendo muito aí fora”,
tinha começado a chover, justamente no intervalo. Eu me lembro que nós voltamos para
o campo, faltando oito ou dez minutos, ficamos cinco minutos no vestiário, voltamos,
tomamos uma chuva, uma chuva que estava todo mundo doido, e isso veio traduzir no
37 Raul Donazar Calvet
38 Luís Alonso Peres, o técnico
39 José João Altafini
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30
resultado, porque, tinha doze minutos de jogo, não, tinha quinze minutos de jogo, eu fiz
o terceiro gol, o Pepe40 fez os dois primeiros, eu fiz o terceiro, tinha quinze minutos do
segundo tempo. Aí eles se desesperaram porque eles não esperavam realmente isso.
Eles se desesperaram dentro do campo, aí foram para cima do árbitro, foram para
cima... aí, pumba, tomaram quatro. Aí não teve mais jeito. Quer dizer, dói, hoje você
ouvir, depois de muito tempo, brasileiro que jogou lá vir falar que o árbitro foi... pelo
amor de Deus, reconheça, perdi lá, perdi, fazer o que? Joguei mal, o time jogou mal,
perdemos, faz parte do futebol. Precisamos de arbitragem para ganhar um jogo deles
aqui? Fomos para o terceiro jogo. Terceiro jogo um a zero, o cara quase tirou a cabeça
do Almir fora, sabe o que ele falou? Que o Almir botou a cabeça para o cara chutar.
Mesmo que ele tivesse feito isso, o cara chutou é pênalti, vai fazer o que? Essa é a lei, é
a regra! Não sou eu que estou colocando isso, nem o Almir colocou isso. É regra, foi
um a zero, ganhamos o jogo, fomos campeões. Estão chorando até hoje, cinquenta anos
faz que eles estão chorando.
T.M. - E aquele recado que o Almir deu no começo do segundo jogo para o
Amarildo?
A.L. - A entrada que o Almir deu no começo do segundo jogo, na saída.
T.M - Primeiro lance.
A.L. - Foi. Não foi recado não, aquilo foi recado com carta assinada, com tudo. O
Almir estava atravessado com ele, realmente estava. Tanto que o Amarildo fala pouco
sobre isso, pode reparar. Outro dia eu estava vendo um filme, aparece muito bem essa
cena, ele deu um carrinho de quase dois ou três metros em cima do Amarildo. Um
negócio assim...
J.F. – Lima, o Almir, como jogador, qual era o estilo dele? Ele jogava mais
adiantado?
A.L. - O Almir por incrível que pareça com aquele tamanho dele, ele jogava
enfiado. O Almir adorava jogar em cima do zagueiro e era um jogador de técnica
apurada. Ele metia muito bem a bola, era habilidoso o Almir e forte. Ele só não era alto, 40 José Macia
Transcrição
31
mas ele adorava jogar com um cara fungando no cangote dele, ele adorava fazer isso. O
Maldini,41 quando fez o pênalti nele, foi porque ele ficou desesperado porque o Almir
não saia de cima dele, tanto que ele adiantou, quando a bola adiantou que ele pôs a
cabeça o cara chutou tudo. Mas o cara chutou tudo para pegar o Almir. Foi 80% para
pegar o Almir e 20% para pegar a bola. Entendeu? Mas era um jogador tecnicamente
excelente o Almir, só que era um pavio curto. Ele era um negócio assim...
J.F. - E nesse último jogo você faz o meio de campo com o Mengálvio.
A.L. - Eu e Mengálvio.
J.F. - Quer dizer, quando você jogava com o Mengálvio, o Mengálvio ficava
mais...
A.L. - Mengálvio ficava e eu saia mais para o ataque.
J.F. – Na zaga o Mauro42 e o Haroldo43...
A.L. - Mauro, Haroldo, Dalmo44 e o Ismael45...
J.F. - Dalmo na lateral direita?
J.F. – Esquerda. Ismael na direita. E o Ismael foi expulso... O negócio foi feio.
Ninguém acreditava que isso pudesse acontecer.
F.S. - E você fala que no segundo jogo, o seu terceiro gol que vira o jogo, você
deu um chute que você nunca mais deu de distância tão grande.
A.L. - Eu nunca chutei tão forte na minha vida, juro por Deus. Eu não tinha...
Gozado,agora tenho até, um cara me arrumou, gravou para mim... Porque eu tinha
noção do que tinha acontecido, tenho assim na visão como foi. O Mengálvio recebeu a
41 Cesare Maldini
42 Mauro Ramos de Oliveira
43 Theodorico Haroldo de Oliveira, “Haroldo, o Sombra”
44 Dalmo Gaspar
45 Ismael Mafra Cabral
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32
bola, recebeu uma bola não sei de quem da defesa, procurando sair jogando com o
campo naquela condição mesmo, se não fosse o Maracanã não teria aquele jogo, o
segundo tempo não teria continuado. Porque foi o Maracanã e o campo... O Mengálvio
pegou na altura do meio de campo e deu essa bola para mim. E o italiano marca assim,
os jogadores se movimentam, eles não ficam, deixam o jogador se movimentar e ficam
esperando, eles acompanham. Então o Coutinho e o Almir começaram a se movimentar,
eles acompanhando e ninguém vinha para cima de mim. Eu olhei bem, eu falei: “ah, vai
ser daqui”. Adiantei um pouco a bola, peguei o chute mais forte que eu peguei na minha
vida. Que agora vendo no filme, o goleiro nem se mexeu, ele só fez assim para ir,
quando ele fez assim para ir a bola já tinha batido lá e estava voltando. Sabe? Facilitou
muito a forma deles jogarem a gente fazer esse tipo de jogada. E era o tipo de jogada
que tinha que fazer mesmo, o campo estava molhado e facilitava quem chuta de fora da
área, essas coisas...
T.M. - Esses anos entre 1963 e 1965, o Santos é campeão de praticamente de
tudo. a única pedra no sapato do Santos, ainda que começando também, era o Palmeiras.
Vocês tinham uma relação com a grande academia que era o Santos com a academia
que ainda estava se formando no Palmeiras?
A.L. - Isso é até bom que você pergunte, faça esse tipo de pergunta. Porque todo
mundo achava que o grande adversário do Santos era o Corinthians, e não era, O grande
adversário do Santos era o Palmeiras, sempre foi. Você pode ver os maiores clássicos
que teve, se não está Palmeiras e Santos envolvido.
T.M. - Quando você era moleque você teve oportunidade de ver aquele sete a
seis? O clássico dos enfartes.
A.L. - Então. Exatamente. Os grandes jogos, Palmeiras e Santos sempre dava
grandes jogos, sempre. E não era um clássico violento, muito pelo contrário: era um
clássico de gente clássica. O time do Palmeiras tinha um timaço, o time do Santos tinha
outro timaço, vai ganhar o jogo quem tiver... Tanto que o campeonato tinha um outro
tipo de formato. Então o campeonato não ficava que nem agora. Agora fica, ah, fulano
se ganhar passa... Não, aquele lá era de pontos corridos. Chegava uma determinada
altura do campeonato, o time indo muito bem, ele se distanciava muito. Então, por
Transcrição
33
exemplo, eu fui duas vezes bi, quando era para ser tri, o Palmeiras ia e ganhava. Aí eu bi
de novo, quando ia tri o Palmeiras ia e ganhava. Os únicos títulos nós não perdemos
para o Corinthians, nós perdemos para o Palmeiras. É gozado isso aí. Mas valia a pena
ver um jogo Santos e Palmeiras. Romero com Ademir da Guia, Zequinha46, nossa
senhora, Servílio47, Gildo48, aquele era um timaço do Palmeiras, Djalma Dias49, Djalma
Santos50, era um time incrível.
J.F. - Lima, antes de entrar na Copa de 1966 eu queria fazer uma pergunta
resgatando esse lado musical, um pouco. Em 1964 a Tribuna registra, o jornal de
Santos, que você e o Coutinho desfilaram no bloco da Bola Alvinegra. Eu gostaria que o
senhor falasse um pouco, era um bloco dos jogadores do Santos?
A.L. - Não, era um bloco daqui da torcida do Santos, da Boca, naquela época
tinha Boca, a torcida do Santos, eles montaram esse bloco aqui, bloco do Bola
Alvinegra. E nós éramos solteiros e tal, aí o Coutinho já saia e eu não. Uma dessas
saídas no bloco da Bola Alvinegra complicou um namoro que eu tinha. Aí o Coutinho
falou assim, vamos sair no bloco do Bola Alvinegra. Eu falei: “ih, Coutinho, não vai dar
para sair não porque tem a namorada e tal, vai...” “Não, vamos lá e tal.” Iam sair de
mexicano. Aí eu falei: “está bom, vamos embora”. Aí vem nos ensaios, ensaiava aqui
em frente mesmo, aí na rua e tal. Era mais ou menos quatrocentos a quinhentos
figurantes, o bloco era fantástico. Aí vamos embora, eu e Coutinho. Nunca me esqueço
que a menina foi viajar, ela falou: “você vai ficar onde?”. Eu falei: “não, o Santos vai
treinar, inclusive durante...” “Mas você não vai em bloco nenhum, não é?” Eu falei:
“não, que bloco, imagina.” Aí fui três dias seguidos no bloco. Saía na rua, os caras só
filmando a gente e tal. Quando ela voltou, foi muito gozado, porque nós estávamos no
Cine Itajubá - nem tem mais esse cinema, era perto da divisa - aí nós estamos no
cinema, eu e ela, aí vem aquele jornal que passa antes do filme: Carnaval santista...
46 José Ferreira Franco
47 Servílio de Jesus Filho
48 Gildo Cunha do Nascimento, o Gildo Bala
49 Djalma Pereira Dias Júnior
50 nome oficial: Dejalma dos Santos
Transcrição
34
Aparece a minha cara... [risos] Meu Deus do céu, foi o maior vexame que eu passei na
minha vida. Ela falou: “assim que você não foi, não é?” Eu falei: “não, isso é de
carnaval antigo.” “Que carnaval antigo o quê, olha aí está mostrando”. Minha cara e do
Coutinho tomou conta da tela, aquelas telas enormes que vieram e tal. Mas era muito
gostoso. Saia eu e ele por uns quatro, cinco anos seguidos. Ou saía no bloco ou saia na
escola de samba, a gente saía sem problema nenhum.
J.F. - A música era algo muito presente no time do Santos, não é?
A.L. - Sempre foi.
J.F. - Nas concentrações...
A.L. - Em tudo. Tanto era que nós chegamos a comprar os instrumentos. Toda
viagem a gente levava os instrumentos. Cada um levava o seu, mas levava. Então
chegava, por exemplo, na Embaixada, eles já estavam sabendo, “manda eles trazerem os
instrumentos que nós queremos...” O cara está enfiado lá na China ou lá no fundão sem
ouvir música brasileira há mais de ano, chegava lá o pessoal... E a gente levava porque
ajudava. As viagens do Santos eram muito longas. Era de um mês, dois meses. Nós
chegamos a fazer viagem de três meses. Nós ficamos um mês com a seleção brasileira, a
seleção brasileira da Alemanha voltou para o Brasil, e o Santos chegou no outro dia e
ficou mais dois meses com o Santos, quer dizer: ficamos três meses fora. Teve jogador
que chegou aqui em Santos, o filho não reconhecia ele. Olhava para ele meio assim que
duvidando, “de onde saiu esse homem aí?”. Mas sempre fez parte do nosso
equipamento.
J.F. - E para você a música era uma fonte de inspiração?
A.L. - Sempre foi, Sempre. Nós fazíamos batucada antes do jogo, no vestiário,
fazia depois do jogo, fazia no hotel, fizemos um carnaval maluco lá no Chile: los
negritos brasileños... isso porque nós pedimos para não ser publicado nada, até o Pelé
estava envolvido nesse dos negritos brasileños. O cara falava: “ah, vocês têm batucada,
tal”, chegava no aeroporto, em qualquer lugar, começava. Aí falou assim: “vocês não
querem fazer?”, era tipo uma boate, fazer um carnaval, mas vocês não podem publicar
que somos nós que vai... No dia do diabo do evento da festa lá, o cara bota no jornal:
Transcrição
35
“Los negritos brasileños de Santos”, vão proporcionar o carnaval... estava assim... Até o
Lula foi, o técnico. Ele falou: “mas vocês não tem jeito mesmo”. “Nosso dia de folga”,
não fazia nada. Fugia para fazer isso, não, era o dia de folga, dá para fazer, vamos fazer.
O pessoal fazia mesmo. Vai ter um churrasco em tal lugar, o cara oferecia, “oh, não
esqueça de trazer os instrumentos”. Era mais fácil ficar sem a carne do que ficar sem os
instrumentos, sempre fez parte. Quando não tinha instrumento você batia no ônibus.
Então era melhor cada um levar um instrumento, ficava mais organizado.
F.S. - E aí chegamos a Copa de 1966.
A.L. - Aí é que é triste, não dá para passar? [risos]
F.S. - Que a preparação foi absolutamente conturbada a gente já sabe. Mas como
foi esse processo de chamar os quarenta e sete jogadores e essa coisa dos cortes e gente
que era para ter ido na opinião de muita gente que ficou...?
A.L. - E gente que foi e foi cortado, tem isso também. Aconteceu que em 1962,
quando o Brasil foi campeão, a própria imprensa começou a cobrar - e havia realmente
necessidade disso - que tinha muitos jogadores que não alcançariam jogar numa Copa
do Mundo em 1966, devido a idade, esse negócio todo. E era uma seleção que já tinha
jogado em 1958 e 1962. Aí começaram a chamar os jogadores que poderiam estar na
Copa do Mundo de 1966, onde eu estava, meu nome constava. Aí fizemos vários jogos.
Foi maravilhoso a preparação, participamos de torneios, uma coisa como tinha que ser
feita mesmo. Mas o que surpreendeu todo mundo foi o número de jogadores que foi
convocado, quarenta e sete jogadores, nunca vi uma coisa dessa! Ficamos quatro meses
treinando, quatro meses, quarenta e sete jogadores, e jogadores... pegaram jogadores
que estavam em evidência e tal, e levaram alguns jogadores desses que eu falei, que
possivelmente já não estivessem em condições de disputar a terceira Copa do Mundo.
Aí fomos nos apresentando para os treinamentos e aí começou a tortura porque a cada
quinze dias havia cortes. E nós começamos a notar - e isso ficou muito claro entre os
jogadores porque havia até discussão dos jogadores na concentração . “Sabe que está
dando a impressão?”, a gente comentava, “de que eles estão cortando por cortar os
jogadores”. Então cortaram Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Roberto Dias51,
51 Roberto Dias Branco
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36
Servílio, Dino Sani, tudo jogadores que tinham condições não só de ficar como de ser
titulares. Sabe? Dessa turma ficou o Zito, Djalma Santos, Orlando Peçanha que alias
ficou e até jogou. Ficou uma coisa sem organização, e ficou uma coisa meio suspeita,
meio suspeita pelos cortes que foram feitos e meio suspeita pelos jogadores que tinham
que ser cortados que ficaram. Outra coisa que ficou muito estranho, nos três jogos que
nós fizemos, - eu falo porque eu e Jairzinho52 fomos os únicos jogadores que fizeram os
três jogos-, nos três jogos que nós fizemos, em cada jogo jogou uma equipe. Uma não
jogou fulano, outra não jogou Gylmar, outra não jogou o Zito, outra não jogou... Para
você ter uma ideia, estávamos há quarenta dias treinando, quarenta dias treinando! Nós
fomos para a Europa, para a Suécia, quarenta e cinco dias antes da Copa do Mundo,
quarenta e cinco dias antes! Quando chegou na véspera do jogo, se você viesse me
perguntar qual o time que ia jogar amanhã, ninguém sabia. Sabe o que me parece? Uma
coisa meio que preparado, uma coisa meio que armada. Um negócio triste de se falar
depois de tanto tempo, mas a gente vê tanta coisa acontecer, pô, dá impressão que nós
entramos para que, não para ganhar, nós entramos para perder. Um país com material
humano de jogadores como nós temos aqui, não se entende. Não é querer dizer, nós
temos que ganhar, não. Mas você tem os melhores, põe os melhores para jogar. Agora,
jogadores que não serviram em 1966, de repente em 1970 viraram astros. Mas em 1966
foram dispensados. O que se subentende com isso? Não sei. Mas em 1966 eu fiz parte.
Fiquei muito feliz de ter participado de uma Copa do Mundo, uma coisa assim que todo
atleta deveria se preocupar, de fazer tudo para participar. É um negócio que fica para o
resto da vida, ou bem ou mal, o importante é o que a gente sente. Eu sinto que disputei a
Copa do Mundo, eu e Jairzinho fomos os únicos dois jogadores que jogamos os três
jogos, fomos desclassificados? Fomos. Mas não foi pela falta de empenho da gente.
Muito pelo contrário. Eu acho que as pessoas que foram responsáveis por tudo aquilo
que está gravado aí, está gravado, é só procurar e ver os jogos para ver, eles deveriam
estar com um remorso tremendo, porque eles fizeram um mal terrível para um monte de
atletas, fizeram um mal terrível para um monte de pessoas, para milhões de pessoas que
tenho certeza que estavam na frente da televisão esperando um resultado melhor, um
desempenho melhor. Porque essas pessoas sabiam e sabem que tinha jogadores para
fazer isso. Mas esses jogadores não ficaram lá, vieram. 52 Jair Ventura Filho
Transcrição
37
[FINAL DO ARQUIVO II]
F.S. - E baseado nessa coisa... o pessoal que foi para disputar a Copa, foi e
disputou com total empenho? Você até já falou que o Feola e os jogadores não tiveram
culpa de nada.
A.L. - Não, não tiveram, são os menos culpados. O senhor Feola53, no fundo, no
fundo, dava até pena. É a mesma coisa que você olhar para um lugar e não saber
exatamente o que fazer. Se você, por exemplo, buscar o grupo que foi convocado dos
quarenta e sete e você vê quantos jogadores saíram e quais foram os jogadores que
saíram, é muito fácil de você saber. Sabe, uma coisa inexplicável. Como você explica,
volto a falar, como você explica um jogador que trabalhou durante todo tempo da
preparação, desde 1963, participando de todas as convocações, tal, tal, tal, até chegar a
Copa do Mundo, de repente quando chega a Copa do Mundo ele não sabe mais, ele é
dispensado. Aí espera mais quatro anos, em 1970, ele joga, é titular e tudo bem. Quer
dizer, que em quatro anos mudou o jogo dele, aquele que não sabia jogar passou a saber
a jogar? É estranho. E ninguém deu explicação nenhuma, ninguém deu explicação
nenhuma. Podia falar, podia se considerar feliz, joguei os três jogos, eu me considero
feliz, mas eu me consideraria muito mais feliz se nós tivéssemos apresentado alguma
coisa a mais. Nós não apresentamos absolutamente nada. O que eu fiz, fiz de coração,
faria de novo, sem problema nenhum, mas eu queria ver todo mundo ali, o nosso time
completo, nosso time com a força máxima. Já não estava essas coisas, o Pelé se
machucou, outros jogadores por problema físico também não puderam jogar. Aí você
avalia muito mais, você dá muito mais valor aqueles que estavam ali junto com a gente
e foram cortados.
53 Vicente Ítalo Feola
Transcrição
38
T.M. - Você falou do Zito um pouco, o Zito falou com a gente sobre esse
episódio, em relação ao Feola, ele também achava que não tinha culpa, e ele chega a
citar até que o Feola até certo ponto ele já não tinha nem mais autonomia.
A.L. - Não tinha mais autoridade, não tinha mais.
T.M. - Estava vindo uma decisão de cima para baixo?
A.L. - Exatamente, de cima para baixo. E a gente percebia isso, porque o seu
Feola ficou perdido, e a gente sentia que a cada dispensa - ou seja, a cada quinze dias, a
cada10 dez dias que haviam as dispensas - que o ambiente ficava pior, porque a revolta
dos jogadores. Houve velhos jogadores que se revoltaram, queriam pegar, queriam
agredir os diretores, isso aí quase ninguém fala. E por que você acha que o jogador quer
agredir o cara da comissão técnica, não o sr. Feola, mas outras pessoas, não vale nem a
pena citar o nome. Por quê? Porque ele se sente injustiçado. Ele sabe que tem condições
de jogar. Tanto tinha condições que quatro anos depois ele jogou. Ele Jogou, não,
jogaram, porque não foi um só, foram uns quatro ou cinco.
T.M. - Carlos Alberto chegou a reclamar mais acintosamente, ele chegou a... não
a ir contra o senhor Feola, contra os membros da comissão?
A.L. - Membros da comissão. Foi Carlos Alberto, Djalma Dias, Roberto Dias,
SevilhoServílio, o Dino Sani, o Ivaí. em mais ainda, foram convocados quarenta e sete.
T.M. - É uma situação complicada porque ao mesmo tempo essa época vivia uma
ditadura militar, eu não sei se isso chegava a influenciar um pouco,,.
A.L. - Não sei. Uma coisa estranha, estranha.
F.S. - Você consegue lembrar alguma coisa vivida dentro de campo, você como
um dos únicos dois jogadores a ter participado das três partidas?
A.L. - Aconteceu muita coisa. Dentro do campo, a única coisa ruim que aconteceu
foi a agressão que até hoje os portugueses falam que não fizeram, mas aí está a
televisão, está aí os filmes para mostrar, a agressão que eles fizeram com o Pelé foi um
negócio absurdo. Ele sofreu três faltas de três jogadores diferentes na mesma jogada.
Uma coisa absurda. Se está mostrando a coisa ali, mas o cara fala assim: “não, nós não
Transcrição
39
fomos para...” tudo bem, não foi, mas aconteceu ou vai falar que não? Quer dizer, uma
equipe que já estava precisando de tudo, sabe quando você está caído, precisando de um
carinho, de uma palavra, uma palavra de alento, aí vem e arrebenta quem poderia
decidir alguma coisa. Ficou praticamente anulado para o resto do campeonato, isso não
tira o valor da vitória deles, venceram porque se apresentaram melhor, o time deles
estava muito melhor do que a gente, mas não precisava se daquela forma. Depois chegar
hoje e falar: “não, nós não fizemos nada.” Não fizeram nada? Estou vendo, está ali, eu
estava lá presente, como não fez nada? De repente eu passo, piso em cima de você, falo:
“desculpa, mas não fiz nada.” Não existe isso. Agora, o interessante disso tudo é que
você não vê ninguém da comissão técnica, eu também faço como o Pelé, isento, faço
que nem o Zito, isento oseu Feola de qualquer culpa, isento. Porque o homem que ele
era, a pessoa que ele é, eu tenho certeza absoluta que ele não faria isso nunca, sendo de
vontade dele. Agora, de imposição, acredito.
J.F. - Lima, eu queria te colocar uma questão que passa um pouco pelo Santos
também. Eu peguei no jornal da época, na fase de preparação, uma notícia, um amistoso
na Suécia antes da Copa, você joga com a camisa nove e o jornal registra que na
verdade você seria o terceiro homem no meio de campo. O Brasil já adotaria um 4-3-3.
Então, será que também o desempenho na Copa de 1966 e a derrota para a Hungria, por
exemplo, não é fruto talvez de uma surpresa em relação ao esquema tático dos
adversários? A necessidade do Brasil, digamos assim, adotar um outro esquema no 4-3-
3?
A.L. – Não, por que... Esse jogo foi até interessante, o seu Feola até me
surpreendeu quando ele me deu a camisa, eu peguei a camisa, falei, “acho que ele me
deu a camisa errada”. Eu cheguei a jogar com a sete aqui no Santos, mas não era ponta-
direita, joguei numa outra função. Eu cheguei a pensar nisso, mas lá nesse jogo
inclusive eu fiz gol. Ele queria que eu ficasse na frente mesmo, eu e o Pelé. Eu falei:
“mas seu Feola, já joguei, fiz essa função e tal, no clube, mas quem voltava era eu”.
Não era eu que ficava, eu voltava, recebia essa bola mais ou menos na altura do meio de
campo e dali a gente se organizava. Falei: “já fiz isso, mas quem jogava enfiado era o
Coutinho de um lado e o Pelé do outro. Aqui está diferente”. “Não, mas eu estou
colocando os dois juntos, porque vocês já se conhecem”, ele chegou até a apelar para
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esse tipo de coisa, mas a função realmente não era de atacante, era uma jogada mais de
meia atacante, mas para isso ele teria que ter usado, no meu entender, teria que ter usado
mais um na frente, tirar o Ponte e botar mais algum para jogar ali junto com o Negrão, e
eu fazer o meio de campo para fazer com que essa bola chegasse lá na frente. Esse jogo
nós até ganhamos, jogamos até bem, mas não era coisa ideal, não.
J.F. - Mas então, na Copa de 1966, você não atribui a derrota também ao fato do
Brasil ter apresentado um esquema tático considerado ultrapassado?
A.L. - Quanto a isso eu concordo, mas acontece que você me falou que foi num
amistoso. Aí nesse amistoso ele testou alguma coisa. Mas não usou, não utilizou esse
tipo que ele testou, esse teste que ele fez na Suécia, se não me engano, ele não usou em
Londres. Mesmo porque ele não teve condições de fazer isso. Em cada jogo nós
jogamos com um time, os únicos dois jogadores que jogaram os três jogos fui eu e o
Jairzinho. Eu joguei meio de campo com Denilson54, aquele que era do Fluminense,
joguei meio de campo com o Gerson, -não, Rildo55 era lateral esquerdo -, joguei meio
de campo com Tostão. O tipo de coisa assim, como você vai prever uma coisa dessa.
Isso que nós lamentamos é que ficamos quatro meses treinando. Quer dizer, houve mais
do que tempo necessário, viável para você formar um time esse que já vinha sido
formado há três anos. Quando terminou a Copa de 1962, começou a formação desse
time. Então começou praticamente o que? Em 1963? Teve três anos de formação esse
time, para chegar na hora de convocar os jogadores, convocaram quarenta e sete, e a
cada quinze dias o corte.
J.F. - E a estreia contra a Bulgária, o Brasil vence de dois a zero, gols do Pelé e
do Garrincha, criou uma certa ilusão de que o time poderia...?
A.L. - Uma falsa ilusão, uma falsa ilusão, a verdade é essa. Hoje, depois de tanto
tempo, eu sempre tive esse pensamento. Não adianta você ficar encobrindo ou tentando
fazer uma coisa que está feia, você querer fazer com que essa coisa fique bonita, não
foi. Nós ganhamos, dois a zero, merecemos ganhar e tal, porque a Bulgária respeitou a
5454 Denilson Custódio Machado
5555 Rildo Costa Menezes
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gente demais, porque eles têm um bom futebol, têm bons jogadores. O time ganhou,
ganhou bem. Agora como você espera de um time que ganha de dois a zero na quarta-
feira, quando chega no sábado, vai fazer o segundo jogo, metade do time sai. Então
alguma coisa andou errado no jogo anterior, ganhamos de dois a zero e não valeu de
nada! Chega no outro time, só ficamos eu e Jairzinho, porque os outros nove mudaram.
Não tem explicação. E isso jogando contra a Hungria. Umas coisas assim que não dá
para entender.
J.F. - Quando o senhor se refere aos jogadores que foram injustamente cortados, o
senhor concorda com a avaliação de que é feita que o Djalma Dias, era Copa para o
Djalma Dias?
A.L. - Concordo plenamente. Djalma Dias, Carlos Alberto56, Roberto Dias57... era
Copa inclusive para vir aquele Dirceu Lopes58, do Cruzeiro. Se não me engano acho que
só veio o Tostão, só o Tostão que foi. Nossa, Servílio, tantos jogadores que poderiam ter
ajudado e muito a gente lá, muito. Foi mais de dois timaços. Não pode nem se comentar,
dizer assim, “ah, foi excesso de euforia”, porque foi campeão em 1958, 1968, não é
nada disso. Vamos para o tri? Para o tri nós vamos mesmo, nós vamos disputar pela
terceira vez na Copa do Mundo, as outras duas nós ganhamos, estamos indo para o tri.
“Ah,, foram com o pensamento que já ganhou.” Pelo amor de Deus, pensamento de que
já ganhou de quem?
J.F. - Não havia no grupo esse pensamento?
A.L. - Não, nunca.
F.S. - Sabiam que a Copa ia ser difícil?
A.L. - Sabia que ia ser difícil e outra coisa, chegou um determinado momento dos
treinamentos, dos treinamentos que você via jogador que nem falava um com o outro. A
preocupação era tão grande com os cortes, os cortes foram traumáticos, teve jogador -
56 Carlos Alberto Torres
57 Roberto Dias Torres
58 Dirceu Lopes Mendes
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não vou citar nome porque não vale nem a pena - teve jogador que saiu correndo atrás
de membro da comissão técnica para bater e a gente segurava. Um negócio assim
terrível, muito ruim, muito. E a gente pensar que tinha quantos milhões de pessoas se
preparando, pintando a cara, arrumando, programando e tal para ver a Copa. Isso não
quer dizer que você vai ganhar, mas pelo menos que você saia da Copa do Mundo com
honra.
J.F. - E a liderança dentro do time, o Pelé diante dessa situação, ele já como
bicampeão mundial?
A.L. - O Pelé nunca... Se você pensar bem, o Pelé nunca foi um líder, líder assim
que eu digo de botar o peito, ele com o próprio nome, com a própria... Ele, a própria
pessoa dele já impõe, mas ele não foi aquele... O líder você não faz, o líder é nato. Ele
começa a se impor, quando ele vê, ele já está tomando conta da coisa. O Zito é assim.
J.F. - No Santos o líder era...
A.L. - Era o Zito. O Zito chegava a ponto inclusive, dele sabia quando ia terminar
o contrato do jogador, chegava para o jogador: “escuta, você precisa passar lá em cima
para decidir teu contrato. Olha, contrato de jogadores de nível de seleção, podemos
brigar aí de tal a tal”, sabe, esse é o verdadeiro líder, não foi feito, ele é, ele se impõe, é
uma coisa nata na pessoa. O Pelé é o nome, o nome tal, muitas vezes resolveu vários
problemas de grupo ali, a gente resolvia e tal, mas o verdadeiro líder é aquele lá, que a
gente respeitava como líder. De repente nem ele ficou lá e não jogou.
J.F. - Em 1966 então na seleção não houve uma figura que desempenhasse esse
papel?
A.L. - Não, não.
J.F. - Diante, inclusive da crise de autoridade do Feola?
A.L. - Exatamente. De chegar numa comissão técnica e falar: “espera aí, vocês
estão cometendo um erro, esse cara pode ajudar a gente e muito.” 80% da maioria do
segundo ou terceiro corte poderiam ter ficado e ajudariam em muito a gente lá.
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F.S. - Aí volta para 1967, o senhor volta para o Santos, enfim o Santos, por sinal,
é tricampeão paulista, 1967, 1968, 1969, mas em 1968 você tem uma ocasião até
curiosa, o Santos faz mais uma daquelas excursões para os Estados Unidos e Colômbia
e num jogo você até acaba levando um soco do juiz?
A.L. - Não, ele tentou me dar. Na Colômbia?
F.S. - Isso.
A.L. - Ele tentou me dar, o tal de Velásquez, não esqueço esse nome nunca. Foi
um jogo Santos e seleção olímpica da Colômbia, era o último jogo da excursão, uma
excursão de dois meses, a gente estava louco já para voltar para casa. Esse jogo foi
muito interessante porque o avião que nós viemos - não me lembro da onde vinha - ia
passar na Colômbia, e o certo era ele passar, deixar a gente e vir embora. Aí o
comandante resolveu, ele falou: “nós vamos passar, nós vamos ver o jogo...” A Alitália
pagava o ingresso do pessoal lá que estava no avião, “e tão logo termina o jogo nós
vamos embora.” Perguntou para o pessoal, “não está tudo bem, está legal”. Aí o último
jogo da excursão, para nós era maravilhoso, aí o Zito não jogou, eu entrei de capitão. Aí
nós estamos lá ouvindo o hino no meio de campo, campo lotado, umas quarenta mil
pessoas, lotado. Aí nós estamos ouvindo o hino lá, eu estou vendo o árbitro, esse tal de
Velásquez, indo de jogador por jogador corrigindo os caras: você não está cantando,
você não sei o que lá, arrumava a camisa de um... Eu falei “mas coisa meio estranha,
não é? Mas tudo bem, vamos embora”. Aí terminou, eu com a bandeira, com a flâmula
tal, troquei com o cara, aí começa o jogo. Começa o jogo, aquela jogada que se faz em
linha de impedimento, o cara abaixou a cabeça, você já sai, ficou três deles impedindo.
Tinha quinze minutos de jogo. O juiz torcendo: “vamos...” O cara foi lá e pumba, gol.
Fui para cima dele, está louco! Ele me expulsou. Quinze minutos de jogo. Aí estou
saindo, quando eu olho para trás vem vindo outro, Mengálvio, vem saindo. O que
houve? Esse... falou um monte, tal, aí chegamos lá no vestiário falei: “pode ser que eu
me engane, esse juiz já veio armado para aprontar”. Ele falou: “você acha?”, eu falei:
“acho”. Quando nós estamos conversando lá dentro, tirando chuteira, tirando tudo, nós
estamos ouvindo um barulho ensurdecedor da torcida: Pelé, que vuelva Pelé, que sai
juiz, não o que lá”. Pensei “meu deus, o que é isso?”. Aí ouvimos a voz do Negrão no
corredor, aí o Negrão xingando até a quinta geração, falando um monte, tal, “esse
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cara...” eu falei: “acho melhor você não tirar a roupa não porque os caras estão pedindo
a tua volta aí.” “Você está louco também? Como eu sou expulso e vou voltar?” Falei:
“pode ficar tranquilo, os caras estão pedindo tua volta.” Dava para ouvir o que os caras
estavam falando. Não demorou dois minutos, entra o empresário no vestiário e fala:
“Pelé, pode voltar. O juiz foi substituído pelo bandeirinha e o jogo vai continuar.” Tudo
bem. Aí ficou eu e Mengálvio lá, continuamos e ganhamos o jogo quatro a um ou
quatro a dois, uma coisa assim. Termina o jogo, todo mundo abraçando, “terminamos a
excursão invictos e tal, agora nós vamos embora”. O próprio comandante do avião
estava no vestiário. “Agora nós vamos embora, tal.” Aí chega um cara da polícia falou
assim: “escuta, qual é o chefe da delegação?”. “O chefe da delegação é esse senhor aí”.
“Olha, quero comunicar que árbitro Velásquez - o que foi para bandeirinha - disse que
durante o problema que ocorreu no jogo lá, teve mais duas confusões e pegaram ele, e
ele acusou os jogadores do Santos de terem agredido ele.” Olha só! Conclusão, fomos
todo mundo para a delegacia, todo mundo. Aí ficou os jogadores assim em frente e ele.
O delegado falou assim: “mostra quem é que te agrediu.” Aí ele: “esse aqui e esse aqui.”
Por coincidência estava eu e o Ramos Delgado59 junto, o argentino. Eu tinha saído com
quinze minutos, nem com ele falei, e o Ramos Delgado nem tocou nele. O Ramos
Delgado queria matar ele. “No puede ser...” Botou uns cinco ou seis jogadores como
tendo agredido ele. Era aniversário de casamento do Pepe. Aí ficamos numa sala
separados de todo mundo. E o delegado falou: “pode mandar o avião embora que eles
não vão sair daqui hoje não.” Então ficou a coisa do seguinte: nós éramos os culpados e
se não aparecesse no jornal... tinha que sair no jornal que quem tinha causado o
problema eram os jogadores do Santos, senão nós não poderíamos sair de lá. Ficamos
mais um dia e meio lá, perdidos praticamente na cidade, sem fazer nada, por causa do
árbitro. Mas no fim acabou tudo bem, no dia seguinte nós viemos embora, tal, e sem
problema.
T.M. - Desses episódios que você conta, e já tinha visto uma entrevista sua
também, tem um outro mais conhecido, talvez, uma excursão, em 1969, para o
continente africano que o Santos teria parado a guerra.
59 José Manoel Ramos Delgado
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A.L. - Duas. Uma de cada lado. Nós estávamos na África, e o lugar era assim,
como Santos e Guarujá, só que aqui no meio fica o mar, lá ficava um rio. E eles estavam
em guerrinha, eles estão sempre em guerra, sempre alguma coisinha entre eles. E como
nós íamos jogar aqui, desse lado, seria nosso último jogo. Aí nós estamos lá no
vestiário, trocando de roupa, vem o empresário: “olha, nós estamos com um problema
sério para resolver.” Reuniu todos os jogadores. Todo mundo trocado já. Falou assim:
“nós vamos jogar aqui desse lado, mas...” Ixi Maria, meu Deus do céu!
T.M. - Vamos dar uma pausada.
F.S. - Então você estava falando... aí em 1969 tem essa situação do Santos
parando as duas guerras na África com os dois jogos. Como foi essa situação?
A.L. - Foi muito interessante porque esses dois lugares eram separados por um
rio, e obrigatoriamente nós tínhamos que fazer o primeiro jogo, e quando eles souberam
que teria que fazer esse jogo aqui, “mas eles só vão sair daqui se eles fizerem o segundo
no outro lado do rio.” E a coisa é tão pegada entre esses dois lugares, que o cara que
levou a gente na embarcação, num barco, para lá, não pode descer do outro lado. Só nos
deixou lá e tem que voltar para o lado dele, não é permitido. Eu me lembro que o
empresário entrou no vestiário e falou que estava essa situação se apresentando. O
pessoal decidiu na hora. O grupo era bom por causa disso. Qual o problema? “Vai ter
jogar lá também, o mesmo jogo que vai fazer aqui hoje, amanhã tem que fazer...” Não
tem problema, nós jogamos lá. Mas o grande problema... e a coisa pegava aí. Quando
você chega nesses países africanos, você tem que dar toda a documentação para eles, ou
seja: passaporte, passagem, tudo fica na mão deles. Então eles ameaçavam: “se fizer só
um jogo aí, não jogar aqui, não vai ser devolvido os passaportes”. Então é melhor a
gente viajar com passaporte. Fizemos os dois jogos, ficaram felizes todos os dois
lugares, sem problema nenhum.
J.F. - Lima, a primeira partida do Santos na África é na Costa do Marfim em
1966, você inclusive marca um gol e parece... É uma primeira partida com o time local
na Costa do Marfim, depois contra a seleção da Costa do Marfim. E se não me engano o
Pelé e outros dois atletas, uma parte do jogo jogam com a camisa...
A.L. - Da seleção do Marfim.
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J.F. - Você se recorda?
A.L. - Lembro.
J.F. - E de um modo geral, Lima, era muito afetuoso a recepção dos africanos
com o time do Santos?
A.L. - Sempre foi, sempre, em todos os lugares que nós fomos... Porque teve
vários lugares que, pela primeira vez, foi um clube brasileiro lá, vários lugares, na
Costa do Marfim, Abidjan, em Gana, no Senegal. A gente brincava muito porque o
avião, quando fazia esses vôos, parava automaticamente em Dacar, e o Santos tinha
muito crioulo. A gente falava: “se bobear vai ficar, porque os caras confundem o avião
vai embora, fica aí” [risos]. Mas eles tratavam a gente assim de uma maneira incrível.
Eu me lembro que em Abidjan nós jogamos contra um time... foi esse jogo da seleção, e
o Pelé num determinado momento dominou uma bola no meio de campo e ameaçou
fazer um lançamento para o Dorval, aí normalmente o zagueiro abre a perna para
interceptar, o Pelé meteu a bola no meio das pernas dele, e saiu jogando. O rapaz sentou
no chão e chorou, ele ficou chorando quase uns três minutos no chão. Ele não acreditava
que o Pelé tinha feito aquilo com ele, o cara depois falava para a gente. São cenas assim
que você... Eles pediam muito que o Pelé jogasse no gol, e várias vezes ele jogou, não a
favor da gente, contra a gente. Ele ia e jogava no gol. Isso tudo fazia parte do que o
Santos representava lá fora. Muitos lugares era muito gostoso porque nunca tinha ido
equipes brasileiras lá. O máximo que tinha ido era equipe da Europa, enfim, de outros
lugares, mas brasileira nós fomos os primeiros a chegar.
J.F. - Lima, você se recorda... Porque o Santos fez três ou quatro excursões pela
África. E uma primeira derrota acontece em 1969 contra os chamados Leopardos, e a
imprensa registra que foi uma loucura no estádio, eles comemoraram...
A.L. - Choravam, choravam, davam risada, corriam... Nem eles acreditaram que
aquilo tinha acontecido. Um sol para cada um, e sem desmerecer o resultado: o time
deles era bom, muito bom. Tanto é verdade que metade do time deles foi todo vendido
para a Europa, os jogadores daquela seleção. Os Leopardos, chamavam. Uns caras
muito fortes fisicamente, um calor assim... Não é desmerecer o resultado, eles jogaram
muito bem. Sabe, aquele jogo que você vai duas vezes para o ataque e faz gols, fizeram
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um e vai outro, o cara perdendo, ganhando o jogo, eles estavam correndo até o que não
precisava. Ganharam muito bem o jogo, mas terminou o jogo, os jogadores se jogavam
no chão assim e choravam. E o Pelé para eles é Deus, é um negócio assim...
J.F. - Para eles, você diz, para os adversários, para o público?
A.L. - Para os adversários. Na África era um negócio assim impressionante,
impressionante. Nós jogamos em lugares que o estádio não tinha lugar nem para dez
pessoas. E nós vimos gente carregando cadeira, na cabeça, e indo para o estádio.
Chegava lá tinha duas, três, quatro mil pessoas. Mas todo mundo sentado na sua cadeira
que trouxe de casa, levou para o estádio. Eu me lembro porque a maior parte desses
estádios não tinha alambrado, era cerca baixinha, que nem campo de várzea. E os
policiais e a forma que eles encontraram de não permitir que as pessoas invadissem o
campo, por que eles ficavam loucos para invadir o campo na final, tanto que nós
arrumamos uma forma de não deixar que pegassem - pegar não, eles queriam é tocar
nele - o Pelé. Quando faltava cinco minutos, tirava o Pelé, ele saía, já entrava num
camburão e já ia para o hotel e a gente continuava jogando e tal. E os policiais, como
nesse lugar não tinha alambrado, o cassetete deles devia ter meio metro, grosso, o cara
que invadia eles davam com esse cassetete na canela. De vez em quando você ouvia:
tum, era o cassetete que estava comendo solto. Mas eles sempre foram muito carinhosos
com a gente, sempre. Em todos os lugares que nós fomos na África. Pelé muitas vezes
foi por sacrifício, que nem no Haiti ele chegou machucado...
J.F. - Você participou dessa excursão para o Haiti?
A.L. - Participei. Ele chegou machucado e como sempre eu e ele no mesmo
quarto, aí nós chegamos no hotel. Era uma coisa que a gente tinha: ele atendia a
imprensa e eu ia buscar a chave. Eu fui, peguei a chave, mostrava a chave para ele, tal,
“olha, agora tenho que ir”. Quando nós chegamos no quarto, aí nós fomos abrir a janela,
tinha seis policiais africanos deitado no telhado assim, embaixo da janela. Tipo de
segurança que eles fazem. Já tinha dois na porta, que eu estranhei muito, vi dois na
porta e falei: “nossa!” Ele falou: “aqui eles põem mesmo”. Aí nós fomos reclamar:
“também não é assim, já tem dois na porta, mais seis deitados no telhado! Porque eles
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não vão poder nem se mexer”; mas eles sempre foram muito... E essa vez no Haiti, o
Pelé machucado, estava com suspeita que não podia jogar, e ele entrou e jogou.
J.F. - Lima, você se recorda que o Santos desembarca no Haiti e faz por carro
aberto pela cidade?
A.L. - Foi, um ônibus que não tinha a parte de cima.
J.F. - E parece que a cidade inteira estava na rua para...
A.L. - Parece não, estava na rua. Um negócio impressionante. Em Lagos, acho
que foi em Lagos... foi muito gozado também que nós entramos no ônibus, saímos do
aeroporto, entramos no ônibus e o Pelé foi junto com o empresário num carro aberto. E
esse carro ia na frente do ônibus, e tal, aquele barulho, aquela coisa toda. Chegou num
determinado momento o carro entrou para a esquerda e o nosso ônibus seguiu. Nosso
ônibus estava certo, errado estava o cara. Eles entraram numa rua onde tinha uma feira
livre, e o Pelé no carro, o carro descoberto. O topete do Pelé virou para cá, para atrás de
tanto tapa, os caras: “Pelé, Pelé...” e tapa na... Mas nós rimos muito, meu Deus do céu.
Ele falou para o empresário: “nunca mais você vai me colocar num carro aberto. Eu
tinha que estar lá no ônibus junto com os caras.”
F.S. - Falando nisso, nessa sua relação com o Pelé, vocês sempre acostumados a
ficar no mesmo quarto, por coincidência, quando você chega para jogar no Santos ele
está na porta...
A.L. - Mas comecei no mesmo quarto aqui, depois que cheguei aqui.
F.S. - Fala um pouco da tua relação com o Pelé, depois você se casa com a irmã
da primeira esposa dele. Fala um pouco da tua relação com ele.
A.L. - Olha, sempre foi excelente, sempre, desde a pensão. Sabe aquela coisa
assim que vem, que você não sabe o porquê, sempre me dei bem com ele, nunca não
tivemos problema nenhum, nem no quarto de ele querer uma coisa, de querer outra, as
vezes eu até auxiliava ele em algumas coisas. A única coisa que às vezes aborrecia é
que o espírito de compositor baixava nele sempre às quatro horas da manhã. [risos], isso
era um probleminha meio chato. Ele acordava, passava a mão no violão, não queria nem
saber que horas eram. “Veio agora uma música e eu não consigo ficar sem”, “mas você
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já viu que horas são? São quatro horas da manhã, tu vai compor agora?” Eu falo isso e
ele fica doido da vida. Mas nós temos uma amizade excelente, sem problema nenhum,
embora a gente fique sem se ver, às vezes, muito tempo. Porque ele está sempre
correndo para cima e para baixo, e eu também dentro da função daqui das franquias
também viajo muito, mas quando a gente se encontra a gente curte muito, e é gostoso.
F.S. - Daí, em 1971, após onze anos de Santos, você sai, você vai, após 696 jogos
e sessenta e cinco gols, você vai para o Jalisco de Guadalajara no México. Antes disso
até, você tinha alguma esperança de jogar a Copa de 1970?
A.L. - Tinha. E vou te falar um coisa que pouco falei sobre isso. Só não fui na
Copa de 1970, só não fui na Copa de 1970 porque na volta da Copa do Mundo de 1966,
que eu fui convidado para ir num programa do Wilson Simonal que era em São Paulo,
na tv Record, eu fui convidado para ir no programa e fui. E eu e Jairzinho fomos
considerados os dois melhores jogadores da Copa, dentro daquele desastre que foi. E eu
fui no programa e, quase no final do programa, o cara me perguntou: “você gostaria de
ser João Havelange60?” Eu disse: “eu não.” Ele perguntou: “como assim, por que?” Eu
falei: “porque eu como Lima boto hoje minha cabeça no travesseiro e durmo, como
João Havelange eu tenho minhas dúvidas.” E quando cheguei aqui em Santos, o Zito
tinha ouvido o programa, ele falou assim: “você não devia ter feito isso”. eu falei: “por
que?” Ele falou: “Porque isso vai te prejudicar, você ainda tem idade para ir em mais
uma ou duas Copas do Mundo”. Eu falei: “mas Zito, eu estava com isso aqui ó, entalado
na garganta.Tudo bem. Se não for também tudo bem, mas eu precisava falar.”
T.M. - Esse clima que você está comentando principalmente de 1970 que tem
essa pressão, essa coisa de cima para baixo, estava tendo aqui no Santos também. Foi à
época, não sei se você se recorda, que o general Osmã, ele quase... a gente entrevistou o
Joel61, ele acabou comentando sobre isso, mas, principalmente, ele acaba tendo um
problema, os jogadores do Santos acabam tendo o contrato rompido, como foi esse
momento para você de 1970?
60Ex-‐presidente da Fifa
61Joel Camargo, “o Açucareiro”
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A.L. - 1970?
T.M. - Isso. Joel quando ele tem um acidente ele chega a ter o contrato suspenso,
daí troca a presidência...
A.L. - Não, mas o contrato dele suspenso foi... a origem de tudo isso foi o
acidente que ele teve, acabou prejudicando ele. Já tinha acontecido alguma coisa antes
também da Copa do Mundo de 1970, nesse sentido também. Aí depois veio... Aí
engrossou o caldo, aí realmente a coisa ficou ruim. Porque o ambiente entre nós, os
jogadores, não teve problema nenhum.
T.M. - Isso, ele comenta isso; principalmente no Santos era muito bom, mas veio
essa coisa meio de cima para baixo, a tentativa acaba não dando certo também porque
esse general perde as eleições...
A.L. - Exatamente, exatamente. Continuou a mesma coisa.
T.M. - Mas esse período turbulento foi algo assim parecido? Embora você não
estivesse no grupo da seleção, a gente tem uma coisa parecida acontecendo, o Saldanha
cai, e entra o Zagallo. Então você sentiu que esse foi um momento, final de 1969,
começo de 1970?
A.L. - O que prejudicou um pouco, principalmente, jogadores que participaram da
seleção, foi a saída do Saldanha e a chegada do Zagallo. Essa realmente prejudicou, essa
foi terrível, porque alguns jogadores... tenho certeza absoluta, com o Saldanha teriam
oportunidade, com o Zagallo não tiveram. O Edu foi um dos prejudicados. Aliás o Edu,
de todos os jogadores do Santos que tiveram oportunidade na seleção, o mais
prejudicado de todos foi o Edu. O Edu foi convocado,se não me engano, para três
seleções, três ou quatro, acho que foi três seleções, não jogou em nenhuma delas. E ele
sempre considerado o melhor ponta do Brasil. Como se explica isso?
F.S. - Depois da Copa de 1970, em meio a toda essa polêmica, aí sim você deixa o
Santos, depois de dez anos, e vai para o Jalisco Guadalajara no México. Como foi esse
processo de saída do Santos, se foi tranquilo, se teve algum tipo de problemas e como
era jogar no México no momento em que o México ainda não era um mercado - nunca
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foi, na verdade - um mercado tão visto para o jogador brasileiro, mas naquela época era
ainda menos. Não era uma coisa muito conhecida, exceto em momento de Copa.
A.L. - A minha saída do Santos para o Jalisco foi uma coisa meio que inesperada.
Porque estava em 1971, eu estava para renovar contrato e recebi um comunicado de que
um time do México estava me requisitando, perguntando qual seria o preço da minha
transferência e tal, e sentei para conversar com os diretores. Aí falei que não estava
pretendendo sair, mesmo porque minha mulher estava grávida do meu primeiro filho, e
eu estava muito bem, inclusive estava com proposta até de renovação de contrato. Aí eu
perguntei que time era, foi muito interessante, que o primeiro time que veio era o
Monterrey, não era o Jalisco de Guadalajara, aí esse Monterrey veio aqui com um
empresário brasileiro, Nicola Gravina, veio, apresentou a proposta, eu falei para ele
quanto queria, tal, tudo fechado. Quando eu chego lá no México, estava disputando o
Brasileiro aqui, quando eu chego lá no México, eu percebi no segundo, terceiro treino,
que o cara estava querendo que eu fizesse teste, você imagina como eu fiquei satisfeito.
Saí daqui jogando, estava jogando, o cara me leva lá para fazer teste no Monterrey, sem
querer menosprezá-lo, mas pelo amor de Deus! Então eu percebi isso: toda vez que
tinha um treino, todo mundo colocava tênis, ele queria que eu colocasse chuteira. Sabe,
todo treino tinha um coletivo, tal, nunca vi time treinar coletivo todo dia. Ele estava
querendo testar. Chegou uma hora, foi no terceiro dia, eu fui na empresa que eu estava
com passagem de ida e volta, fui na empresa, reservei minha passagem, só tinha vôo
para cá, para o Brasil, no domingo, reservei minha passagem. Aí, eu estava estranhando
que até então o presidente do clube não tinha vindo falar comigo, e nem o Nicola
Gravina aparecia. Eu falei: “tudo bem, vou aproveitar, vou treinar, estou aqui no
México mesmo, vou aproveitar, os mariachi, essas coisas todas aí”, aí quando o
presidente resolveu falar comigo, era na sexta-feira, eu peguei, virei para ele e falei
assim: “olha, eu sinto muito, mas eu estou aqui há quase uma semana, não veio
ninguém falar comigo.” Eu falei: “vocês me tiraram do Santos, aonde eu sou titular, no
Campeonato Brasileiro, para vir aqui e fazer teste, o senhor deve estar de brincadeira.
Eu estou indo embora”. “Não, mas nós precisamos conversar.” “Não, estou indo
embora, sábado estou indo embora.” Ia para o México e do México você voltava para
cá, e vim para cá, um mês depois aí apareceu o Jalisco de Guadalajara. Até o Santos foi
mais uma vez, comigo, foi sensacional, que eles não tinham obrigação de dar nada.
Transcrição
52
Então era o Sergio Eurévice e o Cleiton Bittencourt, eram os diretores. Falaram: “Lima,
o Jalisco de Guadalajara está aí e eles estão querendo saber se você aceita a proposta
que eles estão oferecendo”. Era o mesmo empresário. Ele falou: “só que agora é
diferente, do que eles pagarem para a gente, nós te damos a metade e o resto você
resolve com eles aí.” Eu falei: “tudo bem.” Era uma proposta maravilhosa, peguei fui
embora. Fiquei lá três para quatro anos.
F.S. - E como era a torcida lá, era muito fanática?
A.L. - Era fanática. O time do Jalisco era um time de empresários. Eram três,
quatro empresários que tinham jogadores mexicanos, os jogadores mexicanos, a
maioria, 90%, tudo em idade de dezoito, dezenove anos, os meninos. Era um negócio
interessante. O único mais velho era um dos goleiros, tinha trinta e um, trinta e dois
anos, e um zagueiro que era da seleção, Gustavo Peña, era da seleção mexicana. Tinha
três argentinos: Marcos Conigliaro, também estava que era do Estudiantes, tinha o
Berico62 que jogou no Guarani, brasileiro, e tinha mais dois jogadores...É, tinha mais
jogadores, eu não me lembro se eram argentinos, mas tinha. Aí cheguei, brasileiro, aí eu
cheguei, nossa, me receberam muitíssimo bem, e eles estavam fazendo um trabalho de
base, pegando esses meninos de dezoito, dezenove anos e já lançando no time de cima
com essa mescla de jogadores de fora, estava dando certo. E eu fui para lá, para todos os
efeitos, eu era volante. Chegou lá, o técnico era um espanhol, achava que eu era meia
esquerda. Eu falei: “nunca fui meia esquerda na minha vida”, umas três ou quatro vezes
joguei com a dez, mas não era meia esquerda. Bom, aí acertou as coisas como tinha que
ser, meu filho nasceu lá, meu filho mais velho. Olha, vou te falar, foram três anos
maravilhosos que eu passei lá. Eles renovam contrato de ano em ano, todo ano
renovava contrato, o que combinava era feito, sem problema nenhum. Sabe, o menino
nasceu lá, o fato de ele ter nascido lá fez com que eles tivessem um carinho todo
especial comigo, com a família, com todo mundo... e depois pelo fato... o do Pelé
apareceu lá umas duas vezes e foi em casa e tal, quer dizer, isso reforçou muito mais.
Foram três anos maravilhosos que eu passei lá, e a gente tem muitas saudades de
Guadalajara.
62José Berico
Transcrição
53
F.S. - Daí, em 1974, você volta para o Brasil para passar rápido pelo Fluminense.
A.L. - Seis meses.
F.S. Por que você decidiu voltar ao Brasil e por que essa passagem pelo
Fluminense foi tão rápida?
A.L. - Acontece que eu voltei para o Brasil, primeiro, quando eu cheguei aqui...
quando eu cheguei o meu sogro não estava passando bem. E eu sabia que a minha
mulher era muito agarrada com ele, e ela não ia falar nunca: “olha, nós temos que voltar
porque meu pai está ruim e tal”, mas a gente sente. E eu já estava com saudades daqui
também. Aí quando eu voltei, o Pelé chegou para mim e falou: “olha, o Fluminense está
precisando de um jogador assim, assim, assim e eles mandaram perguntar se você
estaria interessado”. Eu falei: “não tem nada, a gente pode ir lá e conversar”. Aí fui lá, o
técnico era um cara do norte, esqueço o nome dele... Duque. Era o Duque. Nossa, o
Fluminense estava com um timaço: Roberto63, o Pintinho64, Búfalo Gil65, Marco
Aurélio66, o Abelão67, Félix68 no gol, o Marco Antônio69, o Toninho, Toninho baiano70,
Cafuringa71, estava com um timaço. Falei: “vou embora.” Aí fui para lá, fiquei seis
meses lá. O Pelé, mais uma vez, através dele, lá no México, ele chegou na diretoria do
Jalisco e falou: “olha, o Lima tem uma proposta assim, assim, assim, dá para vocês...?”
Aí combinou com eles que através de um comparecimento dele numa inauguração que
teve lá no estádio Jalisco, eles liberaram a minha vinda para cá.
63 José Roberto Lopes Padilha
64 Carlos Alberto Gomes
65 Gilberto Alves
66 Marco Aurélio Moreira
67Abel Carlos da Silva Braga
68 Félix Mielli Venerando
69 Marco Antônio Feliciano
70 Antônio Dias dos Santos
71 Moacir Fernandes
Transcrição
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F.S. - Aí você fica aqui por seis meses...
A.L. - E fui vice-campeão, vice-campeão carioca.
F.S. - Perderam para o Flamengo, aquele campeonato carioca.
A.L. - Não, perdemos para o América, um a zero, o Parreira era o técnico.
F.S. - E aí você já volta, em 1975, para os Estados Unidos, você vai para o Tampa
Bay. Como foi, por que a saída rápida do Fluminense por seis meses, e por que nos
Estados Unidos, e como era jogar nos Estados Unidos, que era um mercado que estava
começando a se abrir naquela época?
A.L. - Exato, foi interessante, porque quando terminou o meu contrato lá no
Fluminense, não houve interesse, eu não sei, acho que houve falta de interesse, porque
como mudou, saiu o Parreira, veio outro técnico e mudou muito os jogadores, como eles
fazem sempre no Campeonato Carioca, muda muito os jogadores. E meu contrato era de
seis meses, terminou, uma oferta ou qualquer coisa para... Mas como não ganhou o
Campeonato, acho que eles estavam pensando bem adiante, falou: “vamos usar os
jogadores que a gente tem aqui, tal.” E eu, lá, também, tive muita dificuldade para me
firmar como titular, tinha muitos jogadores na posição. Aí o falecido Julio Mazzei
apareceu e falou: “Lima, você está parado?” Falei: “parado não, estou querendo alguma
coisa.” Ele falou: “tem um time de Tampa Bay que está precisando e vai entrar num
torneio”. Eu falei: “Então eu vou lá conversar com eles.” Aí fui e fiquei. Foi uma
experiência boa. Sabe, valeu a pena ter ficado.
T.M. - E o Mirandinha72, ele chega uns anos depois...
A.L. – Centroavante?
T.M. - Isso. Ele relatou uma experiência que jogaram no Tampa Bay, não sei se
você pega esse momento ainda, não chega a ter um problema de fato, mas alguns
episódios ainda relacionados um pouco ao Apartheid e ele coloca essa questão. Porque
na verdade a esposa dele era mexicana, espanhola, você passou um período muito curto.
Mas você chegou a conviver com essa experiência? 72 Sebastião Miranda da Silva Filho
Transcrição
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A.L. - Não, não, não. Não tive oportunidade não. E encontrei muito brasileiro lá,
muitos brasileiros. Meu time era uma torre de Babel, tinha de tudo que era país, tinha
polonês, tinha eu de brasileiro, tinha um cara de El Salvador, tinha um mexicano,
peruano, tinha um monte de gente lá. Nós fomos muito bem tratados lá. Eu fiquei seis
meses. O técnico era italiano, um timaço a gente tinha lá. Cheguei a jogar contra o
Manuel Maria73, o Manuel Maria pelo Cosmos, jogamos contra eles. Valeu a pena ter
ido.
F.S. - E valeu a pena também pelo aspecto de vida para você...
A.L. - Tudo, tudo, valeu tudo, eu acho.
F.S. - Aí depois do Tampa Bay, você volta para cá, para Santos, para jogar aqui
perto na Portuguesa Santista e passa lá quatro anos até encerrar a carreira em 1979.
A.L. – É. Aqui foi muito gozado porque quando eu voltei de lá de Tampa, eu
tinha muitos amigos aqui na Portuguesa. Nós tínhamos montado, eu e minha cunhada
que era a primeira esposa do Pelé, a Rose, nós tínhamos montado uma clínica, aqui no
canal 6 em Santos, aonde hoje mora a mãe do Pelé, num condomínio ali, Pelé
Fisioterapia. E aquilo estava usando o tempo todo, ficava direto, fazendo convênio com
isso, com aquilo, com Cosipa, estava tomando... E eu tinha vontade de jogar ainda,
porque meio período eu ficava ali e o resto? Aí o diretor da Portuguesa, diretor não,
presidente, virou para mim e falou: “Lima, você não quer disputar o campeonato pela
Portuguesa?” Eu falei: “eu vou”, não perguntei nem quanto ia ganhar porque eu sabia da
dificuldade da Portuguesa. Aí eu falei: “eu vou”. Ele disse: “por que está formando
time, tal, então vai lá e se apresenta... Não só fui para a Portuguesa, como disputei em
três, quase quatro campeonatos, fizemos uma excursão maravilhosa para a Europa e
África, quer dizer, saí de um time onde eu viajei durante onze anos, vou para outro, a
primeira coisa que ele me oferece é uma viagem, fui para aqueles lugares da África:
Abidjan, Costa do Marfim, fomos para aqueles lugares todos lá. Foi até muito bacana
porque era um equilíbrio muito grande, jogadores experientes, estava eu, Davi74, que
73 Manuel Maria Evangelista Barbosa dos Santos
74 Davi Benedito Magalhães
Transcrição
56
também é cunhado do Pelé, Maurinho, o goleiro Armando Bracali, Pitico75 que já tinha
jogado no Santos e tal, fizemos uma excursão maravilhosa, fizemos vinte e poucos
jogos, ganhamos dezesseis, perdemos três, e empatamos três, foi maravilhoso. Fiquei na
Portuguesa quatro anos. E a Portuguesa facilitava porque a Portuguesa, como não tinha
dinheiro, eles passavam a contratar os jogadores quando estava faltando um mês para
começar o campeonato, um mês ou dois meses para começar o campeonato, eles
contratavam. E para mim ajudava, porque já pensou, você vai ficar o tempo todo lá e...
Foram quatro anos, quando foi no último ano, o último jogo meu foi contra o Guarani
em Campinas. Guarani com um timaço. Aí nós estávamos perdendo de dois a zero do
Guarani no Brinco de Ouro, empatamos o jogo de dois a dois, quase ganhamos o jogo
do Guarani lá, jogando Careca76, aquele pessoal todo lá. Aí terminou o jogo, no
vestiário o cara veio me entrevistar, “Ah, Lima, você está fazendo já contrato?” Eu
falei: “foi bom você falar nisso porque eu queria comunicar que eu estou fazendo meu
último jogo hoje.” O cara falou: “não acredito que você está...” Eu falei: “estou fazendo
meu último jogo hoje. Meu contrato terminou, eu estava para renovar, mas não vou
renovar não. Meu último jogo foi hoje e encerrei aqui, parei aqui. Tem outras coisas que
eu tenho que tocar e tal, parei.”
[FINAL DO ARQUIVO III]
F.S. - Como você volta para o Santos?
T.M. - Só para a gente uma coisa tipo... Você estava falando...
F.S. - Você estava falando de quando você parou de jogar, daquele jogo
Portuguesa Santista e Guarani que você fala até repentinamente que aquele tinha sido
seu último jogo, você não ia renovar o contrato com a Portuguesa Santista e como é a
sua volta para o Santos – para Santos,.. como você começa aqui de novo a frequentar a
realidade do Santos até resultar nesse trabalho que você faz? 75 Ronaldo Barsotti de Freitas
76 Antônio de Oliveira Filho
NAD Cpdoc� 21/8/13 15:43Formatted: Highlight
Transcrição
57
A.L. – Porque eu nunca saí de Santos, morava em outros lugares, mas sempre tive
residência aqui. Quando foi em 1978, 1979, eu falei: “E agora, parou, e o que fazer?”
Estava com negócio lá com o Pelé Fisioterapia, mas não era o suficiente, você sempre
quer mais, não é? E eu queria ficar no meio do futebol. Aí olha o que aconteceu: eu
recebo um convite do Pepe, era o Pepe e Edu, já estavam jogando. Existia um clube em
São Paulo, chamado Milionários, não sei se vocês já ouviram falar. Esse clube era
formado por um poder da TV Bandeirantes, o Toledo, Deus que o tenha, ele montou um
time a pedido dos diretores da Bandeirantes, ele montou uma seleção de ex-jogadores
para fazer um jogo de exibição, montou dois times. Então ele trabalhando na televisão
ficou fácil entrar em contato com as pessoas e tal, e o jogo foi um sucesso. O que ele
fez? Vou continuar com esse time. Aí pegava e mandava cartas para as prefeituras
convidando, colocando à disposição os jogadores. Aí o Pepe veio e me fez o convite:
“Lima, você quer jogar no Milionários?” “Como funciona?” “Funciona assim, tal.”
Desse convite fiquei dez anos jogando lá. Jogava toda semana três, quatro jogos por
semana. Jogava Ademir da Guia, Ivair, nossa, era um timaço, o César Maluco77, Luís
Pereira78, vinha Bellini79, Nilton Santos80, acho que o único que não jogou da seleção
brasileira foi o Gylmar. Aí seguiu a coisa. Aí você ficava entre o Milionários, apareceu
depois a Secretaria de Esportes de São Paulo, o Bellini era quem comandava. Foi muito
gozado porque quando eu cheguei na secretaria para conversar com ele, queria fazer
alguma coisa, ele falou assim: “olha, eu não te convidei porque você é de Santos.” Eu
falei: “Bellini, de Santos a São Paulo dá quarenta minutos. Isso de carro, se você vier de
ônibus vai dar uma hora, nem isso.” Ele falou: “ah, você quer?” “Quero.” Fiquei na
secretaria nove anos, na de esportes da prefeitura. Aí entrou o Fleury, essa secretaria
passou para o governo do Estado, fiquei mais quatro anos lá, com eles lá, aí fiquei
quatro anos também no Monte Líbano fazendo trabalho com as crianças, e aí fui
trabalhar primeira vez como técnico, fui trabalhar na Central Brasileira de Cotia. Fui
campeão de tudo lá, os quatro anos. Era um esquema muito bom, sabe, era um cara que
77 César Augusto da Silva Lemos
78 Luís Edmundo Pereira
79 Hideraldo Luis Bellini
80 Nílton Reis dos Santos
Transcrição
58
estava a fim mesmo de apresentar um trabalho consciente dentro do futebol. Ele já tinha
jogado comigo... na época de várzea tinha jogado comigo e ele se tornou um empresário
muito conhecido, com muita força e tal, e ele queria de alguma forma trabalhar com o
futebol. Aí fui. Montei, fomos quatro anos campeões seguido. Primeiro ano trabalhei
com o Enéas81, que era da Portuguesa, quando ele faleceu ele estava jogando lá com a
gente, inclusive, segundo ano veio o Luís Pereira, terceiro ano, Wladimir82, a cada ano
ele me trazia um jogador de nome para participar, o Miguel83, goleiroda Portuguesa.
Então fiquei lá quatro anos na Central e aí voltei para Santos. Voltei para Santos quando
o Marcelo Teixeira me fez o convite, se eu queria trabalhar na base do Santos e tal. Eu
falei que gostaria. Eu estava fazendo um trabalho na televisão, comentarista na
televisão. Aí comecei no ano de 2000 para 2001, e estou até hoje.
T.M. - Nesse momento geralmente a gente pergunta justamente para o jogador
como que é esse momento da parada? Para, de repente tem que deixar o futebol. Com
você é diferente, você continua no futebol até hoje. Como tem sido a sua vida nesses
últimos tempos? Porque apesar de você ter parado, você continuou jogando por um
tempo. E quando foi, de fato, aquilo que o Marcos chamou e outros jogadores como a
primeira morte do jogador, “agora eu não tenho mais como jogar”, quando foi ficar ali
só vendo a molecada, como tem sido esse último... ou você ainda participa do masters
ou alguma coisa do Santos?
A.L. - Masters, não, jogava muito, agora também não jogo porque não dá tempo,
futevolei, que no fundo, no fundo, você não pode ficar parado sem fazer nada. Não dá,
não tem como. Eu não sei como alguns jogadores conseguem ficar parado. Quando dá
tempo, vou com meu filho, jogo futevolei, tem um grupinho, a gente joga aí, vou na
academia, ando oito, dez quilômetros na praia quase todo dia, não tem problema
nenhum. Está sempre em contato com a bola, de uma forma de outra, você está. Quando
vou fazer avaliação nas franquias, você está sempre controlando bolas, está contornando
dali, daqui, de uma forma ou de outra você está sempre ligado. Você não pode é parar,
81 Enéas de Camargo
82 Wladimir Rodrigues dos Santos
83 Miguel Lopes Ruiz Filho
Transcrição
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se você parar aí começa aparecer as coisas. O que eu falo, para, começa aparecer dor
aqui, dor ali, pode aparecer, mas eu vou combater. Mas o gostoso é ficar no meio, é
estar no meio. Hoje, por exemplo, eu sou coordenador técnico das franquias, é muito
bom, muito bom, porque você principalmente os menininhos de dez, onze anos,
aparecendo de uma forma assim que você fala: “não acredito que esse moleque com
essa idade está fazendo tudo isso”. Quer dizer, está tudo voltando como era
antigamente, como foi na minha época. Aquela época que eu contei de jogar bola na
rua, tal, só que hoje eles não jogam na rua, nem pode - se eles vão jogar na rua, eles são
atropelados. Na minha época, não. Então quem faz às vezes da rua é o clube, que traz o
menino, mas fazendo um trabalho já selecionado, um trabalho já aplicado em cima
daquilo. Então o que acontece? Os meninos que normalmente teriam que aparecer com
dezenove, vinte anos, hoje vão aparecer e estão aparecendo com dezesseis. Porque
aceleraram o trabalho dele. Isso é muito gostoso, você vê onde começou, você vê o
começo, o meio e o fim, você acompanha, é muito bom isso.
T.M. - Por outro lado a gente viu que você teve oportunidade de trabalhar com o
próprio Neymar quando ele estava no [inaudível]
A.L. - Exato.
T.M. - Muitos jogadores hoje que estão no Santos você viu desde moleque, e
pensando numa forma mais geral, principalmente você que jogava bola na rua, no time
da várzea, enquanto sua mãe trabalhava. Você também vê hoje, um pouco, essa coisa
dos meninos estrelas? Você que está ali no papel de professor?
A.L. - Mas como estrela?
T.M. - Porque é um momento onde está formando tanto para a base, como você
mesmo disse, formando para a vida também. Como é lidar com isso, com essa coisa de
menino de oito anos tem empresário, e...?
A.L. - É uma coisa meio louca, isso aí é uma coisa meio louca e às vezes até
aborrece. Sabe, porque esses pseudo empresário, que eles acham que são e não são, eles
fazem com que o menino acelere uma coisa que é normal na criança, você não precisa
acelerar nada, aquilo é normal, é reação normal da criança. Fala assim: “Ah, o Neymar
Transcrição
60
apareceu com...” O Neymar quando tinha de treze para catorze anos ele já estava quase
titular do meu sub 15 com treze para catorze anos. Ele só não foi titular absoluto porque
ele era muito magro, muito, muito magro, então os backcolders pareciam que passavam
por cima dele que nem trator. Então por uma questão até de precaução você deixava ele
mais largado no segundo tempo, ele arrebentava com o jogo. Você não pode tirar da
criança o que é natural nela. O fato de você lançar uma criança com dezesseis anos, não
quer dizer que com todas elas você vai fazer isso. O Pelé também começou com
dezesseis anos, mas duvido que o cara, como é o nome dele que encontrou ele lá,
Waldemar de Brito, pegou ele, botou ele para bater bola no paredão, porque ele tinha
dezesseis anos? Não. Ele viu que era natural nele, jogando ele falou: “quero esse
menino para jogar.” Pronto. Chegou aqui ele não foi...ele mostrou aqui que ele tinha
condições de jogar no meio dos grandes, que é o que acontece quando a gente joga na
várzea, que você joga na rua. Esse menino joga... A minha infância foi sempre jogando
no meio dos grandes. Eu era o que, o protegido. “Pô, você está batendo no menino?
Esse menino tem doze anos.” “Ninguém mandou você botar ele aí”, os caras
respondiam. Mas eu jogava no meio dos grandes e tirei proveito disso. Mas isso não
quer dizer, quando você vai pegar um empresário, vai lotar um ônibus cheio de crianças
e botar essas crianças... “todos esses daqui quero que comece com quinze anos.” Não
vai dar certo, não é assim que funciona. Isso aí vem do menino, não é do cara que
comanda, vem do menino. E o cara que comanda, ou seja, o técnico, o preparador físico
tem que sentir isso na criança. “Olha, esse menino está fazendo um trabalho aí, para ele
não é bom.” “Ah, mas ele só tem treze anos. “Mas ele já tem que estar fazendo um
trabalho de um menino de quinze anos.” Por quê? Porque ele tem condições. A técnica
dele é apurada... você nota isso nele. E assim que tem que ser, pelo menos eu acho.
T.M. - Só para fechar, então, 2014... Copa do Mundo, você continua trabalhando
não só na base, hoje muito dos seus meninos estão lá na seleção, inclusive, queria que
você comentasse não só o estilo da escalação, mas também dessa coisa da Copa no
Brasil, você que participou de uma.
A.L. - Olha, eu estou meio apreensivo com essa a Copa do Mundo aqui no Brasil.
A bem da verdade é essa. Eu acho maravilhoso, é uma festa maravilhosa, tem tudo para
acontecer e tal, mas eu estou meio amedrontado. Não com a seleção em si, mas muito
Transcrição
61
mais com como nós vamos fazer para recebe tanta gente, com tanta coisa que a gente
tem para fazer. Não é verdade? Tem muita coisa que a gente tem que fazer. “Ah, mas
falta três anos.” Não é três anos, não, três anos já ficou lá para trás. Nós estamos mais
da metade desse ano, esse ano praticamente já não conta. Mas eu espero que nessa Copa
do Mundo aqui no Brasil, é a segunda, não é? A primeira foi em 1950, essa aqui no
Brasil possa dar para esse povão aí a felicidade que eles merecem. Porque vai ser uma
coisa pegada, vai, pode esperar que vai ser uma coisa sofrida.
T.M. - Em que sentido?
A.L. - Em todos, em todos. Isso é uma coisa minha. Está faltando três anos para...
chega na de 1966, está vendo, faltando três anos. Eu pergunto para você, qual o corpo
da seleção? Você não tem. Nem ele tem. Já deveria ter. Jogador é o que não falta, não é
verdade? Deveria ter, mas não tem. A cada convocação se convoca um jogador. Hoje,
jogador não vai para a seleção através do que ele faz no clube, ele vai para seleção
através do que empresário faz com... Não é uma questão mais de merecimento.
T.M. - Você falou da Copa de 1966, por exemplo, agora a gente tem uma
curiosidade histórica meio trágica, mas que a gente tem o presidente da CBF, um antigo
prefeito durante a ditadura militar. Você vê nele um novo Havelange? Não exatamente a
mesma coisa, mas essa interferência na seleção. O Mano sendo um Feola que sofre uma
interferência de alguém de cima?
A.L. - Exatamente. E eu já passei por isso, eu sei quanto é doído isso aí, não é
brincadeira, não, dá medo. Dá medo porque a gente vê o povão se entusiasmando cada
vez mais, para ver aqui em casa, porque em casa não tem outro jeito não. Pode preparar
esses jogadores porque aqui em casa vai ter que ganhar. Sabe? Não tem aquele papo de
falar... vai ser bonzinho aqui em casa? Não vai. Vão ter que ganhar. E para ganhar vai
ter que... não é brincadeira não.
T.M. - Em nome da FGV, em nome do Museu do Futebol gostaria de te agradecer
muito por essa entrevista, por todo tempo que você concedeu aqui para a gente.
A.L. - Imagina!
T.M. - Muito obrigado Paula Moura� 21/8/13 15:27Formatted: Justified, Indent: First line: 1cm, Line spacing: 1.5 lines
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[FINAL DO DEPOIMENTO] NAD Cpdoc� 21/8/13 15:39Formatted: Indent: First line: 1 cm, Linespacing: 1.5 linesPaula Moura� 21/8/13 15:26Deleted: .
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