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DIREITOS HUMANOS NA PERSPECTIVA DE GÊNERO: OS DESAFIOS DO
EMPODERAMENTO DE MULHERES NA PRÁTICA DA ECONOMIA
SOLIDÁRIA
Maria Rosa da Silva Miranda1
Jaci Fátima de Souza Candiotto2
RESUMO:
Diante dos grandes desafios contemporâneos na busca de solução para os problemas que
afetam a dignidade humana, é possível que os tratados e declarações não sejam suficientes
para sua superação. Dentre as grandes problemáticas humanas pode-se destacar o rolo
compressor das desigualdades existentes e sempre presentes em todas as esferas, ancoradas
de alguma forma pela negação dos direitos humanos. Nosso recorte recai sobre as
desigualdades nas relações de gênero, problema que nos últimos anos tem despertado
muitas pesquisas. O objetivo do estudo é identificar como as mulheres protagonizam suas
conquistas neste âmbito e quais mecanismos elas têm utilizado nesse processo. Serão
analisados os instrumentos legais de intervenção que asseguram os direitos já
contemplados e os entraves para sua efetivação. Além disso, os mecanismos de
participação das mulheres no espaço da Economia Solidária serão considerados processos
de empoderamento e, portanto, de garantia dos Direitos Humanos. Será dado destaque a
um dos empreendimentos da economia solidária: Associação das Padarias e Cozinhas
Comunitárias Rede Fermento na Massa - na região de Curitiba, Paraná. A partir dele
busca-se demonstrar que nas iniciativas populares são ampliadas as práticas de cooperação
entre gênero. Utilizar-se-á o método dialético qualitativo pois é levado em consideração os
significados sócio-culturais de gênero a partir da relação entre natureza e cultura e as
influências que foram sendo sustentadas nas várias formas estabelecidas de poder. As
mulheres que saem de seus espaços privados e de sua rotina diária da casa encontram
novas formas de viver e pensar a própria vida, novas maneiras de ajudar no orçamento
familiar e, até mesmo, encontram a saída para superar a situação de dificuldade frente ao
desemprego.
Palavras-chave: Desigualdade. Direitos Humanos. Mulheres. Economia Solidária.
1Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Pública pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR).
2Doutora em Teologia pela PUC-Rio e pós-doutora em Teologia pelo Institut Catholique de Paris (ICP-
França). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR,
onde também é professora do Curso de Teologia.
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1 INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea se caracteriza pela complexidade de ideologias que
perpassam os vários setores, sejam eles políticos, econômicos, socioculturais e até mesmo
religiosos. A complexidade econômica e social, que molda as estruturas sociais, determina
o modo de produção global e sobrepõe as culturas regionais, encurtando fronteiras
geográficas e fragilizando a soberania das nações. Existe um contingente de trabalhadores
dedicados ao setor de serviços, a predominância de profissionais técnicos e liberais, a
concentração do saber técnico-científico como fonte de geração de inovações, e o
desenvolvimento tecnológico como indutor das diretrizes de gestão e controle. Neste
processo das relações de trabalho, destaca-se a globalização econômica como uma das
responsáveis pela transformação da relação de gênero, da relação entre o tempo e espaço
no ambiente do trabalho das empresas. A fragmentação do processo produtivo em
diferentes territórios e a substituição do operário por instrumentos mecânicos e robóticos
levou grande parcela dos trabalhadores a se organizar com as alternativas possíveis. Entre
as muitas alternativas, o objetivo aqui é destacar que, na região de Curitiba, as mulheres se
organizam e encontram saídas para a superação do desemprego, amenizam as dificuldades
de suas famílias e das famílias das comunidades vizinhas. Fazer o pão, matar a fome, não
são as únicas conquistas, mas também deixar o espaço privado da rotina diária, superar a
tristeza, a depressão e encontrar na participação coletiva formas de emancipar-se
economicamente e libertar-se das intransigências cobradas pelos seus parceiros. Elas
encontram nesses espaços novas formas de ver o mundo e a história de outros povos;
recebem apoio e formação e juntas na organização, vivem o sonho de uma nova sociedade
justa, humana e solidária; o sonho que não é individual, passa a ser coletivo. A
responsabilidade da autogestão e a prática coletiva das atividades desenvolvidas favorecem
a todos os participantes uma relação mais cooperativa e de respeito às diferenças
individuais. A Associação das Padarias e Cozinha Comunitárias Rede Fermento na Massa3
é referência na região como trabalho solidário, consumo solidário e destaque nos
Movimentos Sociais de defesa dos direitos humanos, sociais, culturais, ecológicos e
3Rede Fermento na Massa é o nome dado a Associação de Padarias e Cozinhas Comunitárias que vem se
desenvolvendo em Curitiba e Região Metropolitana desde 1996. Como o próprio nome expressa o
crescimento do pão, expressa também o crescimento desta organização na luta por efetivação de direitos.
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exercício da cidadania. O "Conselho Gestor"4 já é uma realidade e representantes de todas
as padarias se reúnem mensalmente para troca de experiências, tomada conjunta de
decisões, partilha de conquistas e dificuldades. Maria da Gloria diz, a esse respeito, que "o
tema da "Participação é uma lente que possibilita um olhar ampliado para a história."5
(GOHN, 1990, p. 28).
2 DIREITOS HUMANOS E RELAÇÃO DE GÊNERO NA SOCIEDADE ATUAL
Direitos Humanos e Relação de Gênero são dois temas fundamentais, para não
dizer, dois problemas que a história da humanidade carrega desde que as relações sociais
de sobrevivência começaram a exigir certa postura ética. São temas tão antigos quanto
atuais, uma vez que, ainda continuam sendo violados de forma brutal. Os inúmeros e
sofisticados mecanismos técnicos da sociedade, concebida como “pós-moderna”, não
conseguem estabelecer valores para a diminuição das desigualdades sociais e o desrespeito
ao ser humano.
A relevância dessa abordagem é dar continuidade a tantas pesquisas acadêmicas
que procuram enfatizar a necessidade de pensar os Direitos Humanos como processo que
deve emergir em cada período da história e na expressão cultural dos diferentes povos,
sobretudo, na complexidade da sociedade contemporânea na qual a liberdade é
compreendida como a expressão que se sobrepõe a todas as formas de relações. Inclusive,
ela é um dos Direitos fundamentais contemplada na Declaração dos Direitos Humanos de
1948.
Artigo 1º:Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade.
Artigo2º:Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição.
4 Os conselhos são parte de um novo modo de gestão dos negócios públicos que foi reivindicado pelos
movimentos sociais nos anos 1980.
5Membro do Conselho Internacional do Instituto Paulo Freire. Sua área de pesquisa inclui o estudo de temas
como movimentos sociais e outras formas de participação da sociedade civil organizada (como ONGs,
Terceiros Setor, Conselhos e Fóruns, educação não-formal) e políticas sociais.
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Artigo 3º:Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal.6
Sabe-se que, na realidade, esses Direitos não são completamente respeitados, seja
pelas autoridades representativas dos inúmeros órgãos de defesa, como também pela
própria sociedade civil. As relações de poder estabelecidas pelo individualismo
contemporâneo reforçam a falta de respeito às diferenças culturais e banalizam os conflitos
e os acontecimentos de barbárie que continuam ocorrendo a nossos olhos. Desde o período
colonial, no Brasil, as relações de gênero vem carregando o estigma do sistema patriarcal.
A partir dele a exigência de submissão, recato e docilidade foi imposta às mulheres. Essas
exigências produziram ao longo da história um poder simbólico, estruturando uma
mentalidade que relegava o sexo feminino ao âmbito do lar, onde sua tarefa seria a de
cuidar da casa, dos filhos e do marido e passivamente cumprir as suas decisões.
Várias autoras têm contribuído para a análise e compreensão da relação de gênero.
Entre elas, Rachel Soihet, destaca que "os novos métodos e teorias têm auxiliados no
desenvolvimento das pesquisas historiográficas relacionadas à história das mulheres"7
(SOIHET, 2007, p. 283). Maria Beatriz Nader, afirma que "após a década de 1970 as
discussões acadêmicas deram ênfase às pesquisas relacionadas à questão da libertação
feminina".8 (NADER, 2002, p. 262). Os temas foram os mais variados, como: saúde, sexo,
maternidade, casamento, divórcio, profissão, salário, escolaridade, enfim uma série de
assuntos que envolvem o gênero feminino e até mesmo o chamado Movimento Feminista.
A partir da década de 1980, o conceito de Gênero tem uma conotação mais ampliada com
ênfase na relação entre homens e mulheres. A contribuição feminina para a construção da
história da humanidade passou a ser destaque e as pesquisas acadêmicas se multiplicam
com o novo olhar caracterizado pela leitura feminina do cenário das relações. O
entendimento do conceito Gênero passa por uma nova abordagem. É compreendido como
uma categoria construída socialmente que delimita os papeis desempenhados por cada um
dos sexos e não dependente de questões puramente biológicas, posto que uma pessoa pode
6 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da
Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Assinada pelo Brasil na mesma data.
7Uma abordagem necessária de temáticas como: sexualidade, maternidade e família. O Olhar da mulher para
as questões que são pertinentes ao seu contexto.
8 Libertação do jugo que lhe foi imposto pela sociedade durante milênios. A condição masculina na
sociedade é entendida como parte fundamental na luta das mulheres contra as desigualdades.
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ter determinado sexo e adotar para si o gênero oposto. No contexto das relações sociais,
exige-se maior compreensão e postura ética ao considerar que o ser humano tem antes de
qualquer coisa, a sua dignidade e que é livre na sua forma de expressar-se culturalmente.
Mais do que qualquer época, considera-se o século XXI um tempo de maior
abertura ao entendimento das diferenças culturais. O poder midiático tem contribuído para
a criação de novas formas de pensamento no que diz respeito às relações de gênero. Os
Movimentos Sociais encontram novas formas de se organizar e reivindicar direitos,
crescem as redes de comunicação virtual e observatórios e desencadeiam pesquisas
científicas com abordagens voltadas para a problemática da defesa dos direitos humanos
em uma sociedade de crises em que continua o drama da desigualdade social.
2.1 DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES E A ECONOMIA POPULAR
SOLIDÁRIA
Projetos de Organizações Não-Governamentais, como Cecopam9 e Cefuria
10, são
parceiros solidários e incentivam a participação da população, principalmente os atores
sociais mais vulneráveis da sociedade e, na atualidade, acompanham e cooperam com as
atividades da Associação das Padarias e Cozinhas Comunitárias Rede Fermento na Massa.
Elas oferecem apoio tanto na dinâmica da organização como na formação e no espaço
físico e, entre esses agentes, estão as mulheres que procuram construir cidadania e
enfrentar o desafio de lutar pelos Direitos já contemplados na Lei: direito à alimentação, à
saúde, ao trabalho, ao lazer, à expressão política, à habitação, à livre expressão, à escolha
livre de um credo ou não, à livre organização. De forma cooperativa, esses agentes
buscam garantir o caminho para a formação da consciência crítica e de uma prática
solidária.
Em vista da necessidade de ampliar as análises sobre o processo emancipatório da
mulher e a sua participação nas múltiplas atividades dos projetos da Economia Popular
9 CECOPAM (Centro Comunitário Padre Miguel). É uma Entidade de direito privado, com personalidade
jurídica, sem fins lucrativos, de caráter social, cultural e de assistência social. Região do Xaxim, Curitiba -
Pr. Art. 1º. do Estatuto.
10CEFURIA (Centro de Formação Urbano e Rural Irmã Araújo). Desde o início de sua fundação tem
características próprias no comprometimento com a formação cidadã dos mais empobrecidos, apoiando-os
nos vários projetos de defesa aos Direitos Humanos.
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Solidária e da construção de uma nova mentalidade social, justa, emancipadora e solidária
baseada na prática dos Direitos Humanos e na luta incessante de construção das relações
cidadãs fundamentadas em valores morais, culturais e éticos, sobretudo, no respeitos às
diferenças de posicionamento frente à existência humana e as relações sociais
democráticas é que se toma como parte do embasamento teórico o grande pensador da
Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas. Segundo ele, agimos e interagimos com outras
pessoas por meio da comunicação. O agir comunicativo é racional, uma vez que a razão é
pensamento e comunicação. Existem duas esferas que compõem o social: o "sistema" e o
"mundo da vida". O que ele chama de "sistema" é a esfera da reprodução material e os
principais elementos desse sistema são a economia e a política. O "mundo da vida"11
é a
esfera da linguagem, da cultura e que no mundo Ocidental se deixa dominar pela lógica do
"sistema", isto é, pela razão instrumental. Existe então um princípio ético a ser construído,
capaz de promover a justiça pelo entendimento de todos com todos. Caberia à razão
comunicativa, o papel de resistir e reorientar a razão instrumental. Considera-se que a
análise que Habermas faz sobre a razão comunicativa traz uma contribuição importante ao
confrontar com as organizações que visam a construção de relações mais dialógicas e
éticas, como é o caso: Associação das Padarias e Cozinhas Comunitárias Rede Fermento
na Massa.
Ao retomarmos alguns dados que merecem destaque na história de lutas das
mulheres, nota-se que em 1886 suas lutas e reivindicações por maior participação não eram
vistas com bons olhos e significava uma ameaça à ordem estabelecida. Embora desde
1873, muitas mulheres já haviam conseguido algumas liberdades, assim como Francisca
Senhorinha que reconhece um progresso na mentalidade da sociedade daquela época em
relação à educação da mulher.
Após a proclamação da República, Francisca Senhorinha da Motta Diniz
imediatamente mudou o nome de O Sexo Feminino para O Quinze de
Novembro do Sexo Feminino, procurando, assim, comparar através de um
simbolismo, o desejo por uma liberdade plena e a conquista de direitos da
mulher com a nova situação política do Brasil. O jornal passou a partir de
então reservar uma coluna para tratar especialmente de questões
relacionadas ao sufrágio feminino. Contudo, sua principal divisa sempre
fora a “educação completa” da mulher. Francisca Senhorinha estava
convicta que a sociedade brasileira não se regeneraria enquanto isso não
11Habermas, Jürgen contribui para a reflexão sobre o mundo da vida, entendendo-se que a comunicação é o
que dá sentido a todas as formas de produção material e simbólica nos espaços organizados que defendem a
dignidade humana.
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ocorresse. E tal como, Josefina Álvares de Azevedo, de O Echo das
Damas , ela sonhava com as mulheres vivendo no mesmo patamar que os
homens e ocupando todos os cargos, desempenhando todas as funções;
em tudo devemos competir com os homens, no governo da família, como
na direção do estado. (HAHNER , 1981, p. 2).
Essas lutas eram confrontadas com as ideias tradicionais e machistas e, por isso
significava uma ameaça à ordem estabelecida, era uma visão legitimada no pensamento
científico da época, a mulher era considerada inferior ao homem e, essa inferioridade foi
estigmatizando a vida das mulheres e com isso, elas reproduziam a concepção de
inferioridade dentro do próprio lar. A intelectualidade era reconhecida oficialmente só no
âmbito masculino, cabendo à mulher apenas cultivá-la na medida certa ao cumprimento de
seus deveres naturais. E quais eram esses deveres naturais? Era obedecer ao marido e
cuidar dos filhos.
A medicina do século XIX afirmava que a fragilidade, o recato e o predomínio das
faculdades afetivas sobre as intelectuais eram características biologicamente femininas,
assim como a subordinação da sexualidade ao instinto materno. Em oposição, o homem
somaria sua força física, uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma
sexualidade sem freios.
Somente o espaço público, destinado aos homens, possuía importância. Era nesse
espaço público que ocorriam os grandes acontecimentos da humanidade, onde seus agentes
eram homens na quase totalidade. A participação das mulheres passa a ser tema de vários
estudos antropológicos, de pesquisas científicas nos mais variados aspectos e de reflexões
que proporcionassem a reavaliação da ação e do poder de transformação das mulheres na
história.
Ainda no século XIX, sob a visão positivista, a história excluiu duplamente as
mulheres. Antes de tudo impossibilitando-as o acesso a uma educação profissionalizante
que as levasse à produção de conhecimento no ofício de historiadoras. Com a influência da
história positivista que destacava os grandes fatos provenientes das ações dos líderes
políticos e militares, novamente as mulheres foram distanciadas da participação e de uma
relação de igualdade com os demais agentes históricos.
Entre as várias mulheres que começaram a escrever e se posicionar defendendo o
direito e a participação feminina na história, encontra-se Michelle Perrot. Em uma de suas
obras de destaque: Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros, ela
defende os Direitos e a Emancipação das mulheres na história. Tem despertado até os dias
atuais o interesse por uma história das mulheres, na qual esse lento processo, começa a
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ganhar destaque no final do século XIX. A invisibilidade do ser mulher na história, como
expressa (PERROT, 2001), também pode-se entender como violação de direitos e ainda a
submissão e a obediência restringindo a sua atuação aos espaços privados, doméstico e,
muitas vezes vítimas da violência. Ela enfatiza principalmente na antropologia histórica, o
estudo do papel da família como célula fundamental da sociedade.
A Antropologia histórica, por exemplo, é um dos ramos que trabalha com a história
das mulheres e remonta à segunda metade do século XX. As mulheres entendem que a
realidade escrita pelos intelectuais é carregada de ideologias do poder patriarcal e para
entender a história, era preciso ter a consciência de que somos seres humanos antes de
sermos mulheres, como afirma Beauvoir, "nos tornamos mulheres". (BEAUVOIR, 1967, p.
09). Ela e Sartre, duas almas gêmeas, fizeram um pacto de não se casar, de não ter filhos e
de se dedicarem inteiramente à filosofia. O compromisso foi pela Liberdade, uma relação
aberta que rejeitava qualquer amarra que os afastasse da atividade de pensar e de escrever.
Para a época era um escândalo. Admitia-se que um marido ou uma esposa tivessem
amantes, mas jamais que um homem pudesse viver maritalmente com uma mulher das
classes médias, de estar com ela sem registro passado por um juiz de paz ou a benção de
um sacerdote. Simone de Beauvoir, escreveu no seu famoso ensaio O Segundo Sexo.
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,
psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio
da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.
Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um
Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como
sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é,
primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que
efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das
partes sexuais que apreendem o universo. (BEAUVOIR, 1967, p. 9).
Aqui se percebe uma desnaturalização do gênero feita por Beauvoir e esse foi ponto
de partida para diversas pesquisadoras. Ao mostrar que "ninguém nasce mulher, torna-se
mulher" a filósofa rompe com a visão determinista biológica, elucidando que os valores
femininos são construídos socialmente.
No século XIX era permitido às mulheres o acesso à educação, porém num nível de
instrução que as mantinham sob o jugo masculino. Já no século XXI o cenário é de grande
expressão da mulher, porém ainda faltam vozes para reclamar publicamente o
inconformismo que as mulheres sentem por causa das restrições que lhes são impostas por
aqueles que governavam o país, isto é, os homens. Desejam uma maior participação na
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economia, na política e principalmente almejam serem reconhecida sem suas múltiplas
funções, seja no lar, seja no ambiente de trabalho formal.
3 PROCESSO EMANCIPATÓRIO DAS MULHERES NO ESPAÇO DAS
PADARIAS COMUNITÁRIAS
Fotos: http://www.cefuria.org.br/2016
Para analisar e entender o processo emancipatório feminino que se desenvolve e se
concretiza por meio de organizações da sociedade civil, que são pensadas e levadas a cabo
pelas mulheres, é necessário um entendimento mais apurado das necessidades de superação
da lógica do sistema capitalista e das relações de poder que foram sendo estabelecidas pelo
sistema patriarcal e estruturadas a partir da visão masculina, uma mentalidade de poder que
impõe as regras. O processo emancipatório estaria reavaliando o papel da mulher, seu
poder de transformação na sociedade atual, sua participação na Economia Popular
Solidária como gestoras autônomas exercendo o trabalho de forma cooperativa e como
administradoras das tarefas relacionadas à sua formação e aos compromissos familiares,
sociais e políticos, estabelecendo relações menos desiguais e de respeito aos Direitos
Humanos.
A rede das Padarias Comunitárias surgiu no bairro Sitio Cercado, região de
Curitiba, Paraná. Um grupo de mulheres preocupadas com as dificuldades dos moradores
buscou apoio do Fundo de Miniprojetos em 1996, o qual, viabilizou a compra de
equipamentos para a primeira padaria comunitária. Isso aconteceu na comunidade Nossa
Senhora Auxiliadora. Atualmente, existem muitas mulheres fermentando o pão e fazendo
crescer muitas outras formas de crescimento, tanto no âmbito pessoal, como coletivo.
Existem Padarias Comunitárias espalhadas por Curitiba e região Metropolitana. São
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espaços de superação das dificuldades econômicas, do desemprego e, portanto, vias de
emancipação. É um projeto que nasceu e está se desenvolvendo no seguimento dos
princípios da Economia Solidária; ele visa à geração de renda, porém mais do que isso,
está baseado no resgate da cidadania, dignidade, solidariedade, recuperação da autoestima
e, sobretudo, o que se destaca é o respeito às diferenças e a confiança em uma gestão
coletiva, na qual, ninguém decide nada sozinho, o grupo divide os custos e as demandas, o
trabalho e os benefícios.
Hoje, existem trinta Padarias Comunitárias e estão organizadas em rede. O
Conselho Gestor Fermento na Massa é formado por representantes que participam
mensalmente de reuniões e também estão organizados em Territórios, onde os grupos
recebem formação voltada para a construção da cidadania, cursos técnicos, trocas de
experiências, participam em feiras de economia solidária e também de grandes
mobilizações como: "Grito dos Excluídos"12
, "Romaria da Terra"13
e "Fórum da
Democracia", que se realizou em Curitiba nos dias 05 a 15 de agosto de 2016. "O maior
fórum público do país sobre democracia, educação, política, justiça, arte e cultura,
economia e comunicação."14
Considerando que os empreendimentos da sociedade civil são eficazes para a
efetividade de Políticas Públicas, (SINGER, 2014) ressalta que a SENAES15
- Secretaria
Nacional de Economia solidária é uma secretaria de todos os movimentos sociais, devido a
sua grande preocupação com as mudanças que precisam acontecer na sociedade. Segundo
12 O Grito dos Excluídos é um evento que ocorre no Brasil, a nível nacional no dia 07 de setembro de cada ano. Uma organização dos Movimentos Sociais de Libertação e, esse dia representa o grito de todos os dias
por mudanças e efetivação de direitos em nosso país.
13 A Romaria da Terra é uma caminhada que ocorre todos os anos entre as pessoas do campo e da cidade. A
cidade de Tomazina, no norte do Paraná, foi a sede da 30ª edição da Romaria da Terra no estado, em 2016. O
evento aconteceu no dia 21 de agosto e, abordou o tema: “Cuidar da terra é nossa responsabilidade”. O lema
do encontro destaca o assunto: “Cuidar da terra, renascer das águas e semear a vida”, inspirado na Encíclica
Laudato Si do Papa Francisco e seguindo o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, “Casa
Comum, Nossa Responsabilidade”.
14 O Circo da Democracia foi o Fórum Popular em que reuniu, entre os dias 5 e 10 de agosto, artistas, professores, jornalistas, políticos, publicitários, juristas, estudantes e aberta à toda a sociedade para falar de
temas como educação, política, justiça, economia solidária, arte/cultura e comunicação. Foi organizado pelo
grupo Advogados pela Democracia, com o apoio de mais de 50 entidades. Seu principal objetivo foi levantar
um debate acerca das consequências e desdobramentos do impeachment presidencial de Dilma
Rousseff. Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC). Curitiba, Pr. 15/08/2016.
15 A SENAES, Secretaria Nacional de Economia Solidária nasceu em 2003. Resultado da mobilização
popular e do apoio do governo Federal, Luis Inácio Lula da Silva. Nasceu com o objetivo de atender e
incentivar as demandas dos empreendimentos e efetivação da Política Pública de Economia Solidária.
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ele, os principais movimentos sociais no Brasil hoje, estão na Economia Popular Solidária
e, que as mulheres são a vanguarda dessa Economia.
No Brasil e em outros países, as pessoas vêem demonstrando que é possível viver
outra forma de relações de trabalho que não seja a relação capitalista. Singer (2014) afirma
que a SENAES foi um dos pilares fundamentais para o processo de desenvolvimento da
Economia Popular Solidária e para que o povo brasileiro pudesse se organizar em Fóruns,
seja nacional, estadual e municipal com projetos de maior organização dos
empreendimentos e apoio dos governos para a elaboração de políticas públicas.
Segundo Singer (2014), o Fórum Brasileiro de Economia Popular Solidária (FBES)
é o nosso grande parceiro. A SENAES e o Fórum (FBES), foram criados juntos, "são
irmãos gêmeos", boa parte das políticas em Economia Popular Solidária nasceu por meio
do Fórum e temos mais da metade dos Estados brasileiros hoje, com leis de Economia
Popular Solidária, com isso possibilita maior relação entre Estado e sociedade civil
organizada, estabelecendo convênios com centenas de municípios.
Durante a permanência de Singer, (período de 2003 - 2016), como secretário da
SENAES muitas chamadas públicas foram efetivadas atendendo aos projetos de apoio às
Redes de Cooperação Solidária. O objetivo era apoiar os projetos incentivando as pessoas
dos diferentes empreendimentos para que contribuíssem na redução das desigualdades
socioeconômicas e o resgate da população que se encontrava em situação de extrema
pobreza16.
Atualmente, nos deparamos novamente com um cenário brasileiro de desmonte de
direitos dos trabalhadores, o aumento diário do desemprego, a porcentagem é alarmante,
chegando a 12,4% com previsão que poderão chegar a 13,6 milhões de desempregados até
o final de 2017 (Dados da OIT, 2017). Hoje, a crise política se soma à crise econômica e se
apresenta como uma ameaça aos direitos da população, principalmente aos direitos das
pessoas mais vulneráveis.
16 Segundo os dados do Portal Brasil, em 2015, foram investidos R$ 541 milhões nos empreendimentos da
EcoSol, pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), em 339 projetos desenvolvidos – desde
2007 – em 2,5 mil municípios das 27 unidades da Federação. No site da secretaria do governo federal, 2015,
está expressa que as ações de economia solidária compõem a estratégia de inclusão produtiva do "Plano
Brasil Sem Miséria", as quais, contribuem para a redução da miséria e da desigualdade no país. Entre 2011 e
2014, foram beneficiadas 241 mil pessoas e apoiados 11 mil empreendimentos econômicos solidários que
atuam na geração de oportunidades de trabalho e renda com pessoas em situação de pobreza extrema.
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Atualmente, a participação das mulheres vem se somando em quase todos os
campos do saber e atuação, demonstrando o quanto já lutaram pela emancipação,
sobretudo pelo processo de empoderamento. Elas se apresentam como vitoriosas, pois
conseguiram concretizar, apesar de tantos sacrifícios, o seu ideário de lutas a favor da vida
e da liberdade. E no diz respeito à democracia brasileira, ainda existem desafios com
respeita à representatividade política, embora é notável que nas últimas décadas, os
movimentos sociais têm uma significativa porcentagem de mulheres que Vêem
participando ativamente e contribuindo para a garantia de direitos relacionados à terra, à
garantia da educação popular e profissionalizante, ou seja, nos empreendimentos de uma
economia voltada para a sustentabilidade.
No espaço acadêmico, muitas são as análises de cunho científico e várias
contribuições de experiências participativas que reforçam ideias inovadoras e valorizam
relações solidárias. Segundo SINGER (2000, p. 266), a Economia Popular Solidária se
caracteriza por um conjunto de experiências coletivas de trabalho, produção,
comercialização e crédito, organizados por princípios solidários, que aparecem sob
diversas formas: associações de produtores, cooperativas, clubes de trocas, empresas
autogestionárias, bancos comunitários e diversas organizações populares urbanas e rurais,
como é o caso da Associação das Padarias e Cozinhas Comunitárias Rede Fermento na
Massa. É um dos tantos projetos alternativos organizados para a superação da lógica
capitalista baseada na exploração dos recursos naturais e da mão-de-obra para a geração do
lucro e manutenção de uma sociedade cada vez mais dividida em classes desiguais.
Em 2015 foi elaborado o 1º Plano Nacional de economia solidária (2015-2019)
cujo objetivo primordial é "Promover o direito de produzir e de viver de forma associativa
e sustentável".17
A atuação das mulheres da Associação das Padarias e Cozinhas
Comunitárias Rede Fermento na Massa é uma experiência de autogestão que está
possibilitando além do fermento e pão material a fermentação de lideranças e trabalhadoras
que estão vivendo o processo emancipatório ao sair de seus espaços privados,
estabelecendo trabalhos cooperativos e participando da formação popular que as colocam
em uma posição de igualdade e de parcerias com o homem.
17 Este 1º. Plano Nacional de Economia Solidária, traz o cenário da caminhada das pessoas que estão
envolvidas e comprometidas com uma economia que voltada para o trabalho e comércio coletivo e justo.
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Ao considerar o ser humano na sua integralidade como sujeito e
finalidade da atividade econômica, a economia solidária aponta para uma
nova estratégia de desenvolvimento, antagônica ao capitalismo, e que se
expressa em diferentes dimensões: democratização da gestão da atividade
econômica; justa distribuição dos resultados alcançados; participação
junto à comunidade local em processos de desenvolvimento sustentável;
preocupação com o bem- estar dos trabalhadores e com a preservação do
meio ambiente; e relações com outros movimentos sociais e populares de
caráter emancipatório. (1º. Plano Nacional de Economia Solidária, 2015-
2019, p. 03).
As Padarias Comunitárias em Curitiba e Região Metropolitana se organizam em
Territórios privilegiados de participação ampliando as relações sociais, econômicas e
políticas. Com isso, as mulheres e homens ampliam os conhecimentos relacionados aos
produtos de seus trabalhos e aos conhecimentos democráticos, unindo os saberes aos
sabores do pão e da emancipação, sobretudo na luta pela superação das desigualdades e
pela efetivação de direitos e controle da Política Pública de Economia Popular Solidária.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Merece ser enfatizado o quanto foi relevante a presença das mulheres na história.
Por menor que seja a divulgação das suas ações transformadoras nas sociedades é inegável
que elas têm contribuído de forma exaustiva nos grandes acontecimentos históricos. Suas
lutas por Direitos não podem ser esquecidas, seja nas antigas civilizações e seja nas
sociedades globalizadas, independentemente das camadas sociais, trazem marcas
profundas de altivez e valor. Nos últimos anos, a Economia Popular Solidária
experimentou uma expansão no Brasil, em especial, dentre os segmentos populacionais
mais vulneráveis. As mulheres são participantes ativas nas iniciativas econômicas
solidárias que vêm sendo incentivadas como estratégias de dinamização socioeconômica
em processos de desenvolvimento local e territorial sustentável. Essas iniciativas têm
propiciado a coesão social, a preservação da diversidade cultural e do meio ambiente e,
sobretudo, têm favorecido os processos emancipatórios. É nesse cenário que se fortalece o
caminho construído pelas mulheres a partir dos movimentos emancipatórios. Esse caminho
passa pela sociedade civil organizada com todos os agentes que, de forma consciente,
procuram trabalhar pelas mudanças sejam elas pela via de organizações não-
governamentais (ONGS), sejam pela via dos movimentos de libertação com atuações
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voltadas para preservação do meio ambiente. Em consequência, tem-se o resgate da
dignidade humana de grupos oprimidos e/ou discriminados, assim como a promoção de
comunidades que, por sua própria iniciativa, se organizam para a melhoria de suas
condições de vida e renovação de suas tradições culturais.
A Economia Popular Solidária ressurge então como uma alternativa na busca de
uma nova mentalidade na produção de bens, serviços e conhecimentos que vai gerando um
novo caminho que favorece a emancipação humana.
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