as condições históricas de produção de o príncipe de maquiavel e sua organização...
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8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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A S
C ON DIÇ ÕES H ISTÓRICAS D E PRODU Ç ÃO D E O
PRÍNCI PE
D E M A Q U I A V EL E S U A O R G A N I Z A Ç Ã O D I S C U R S I V A
1
Arna ldo
CORTINA
2
•
R E S U M O :
O
p r e s e n t e t r a b a l h o t e m c o m o o b j e t i v o
f aze r
u m a b re v e
ap r e s en t ação do
c o n t e x t o
h i s tór ico
e m
q u e s e d e u a p r o d u çã o d o
t e x t o
O Príncipe
d e
N i c o l a u M a q u i a v e l , d e s t a c a n d o
o
a s p e c t o
s o c i o e c o n ó m i c o d a s
c i d a d e s i t a l i a n a s d u r a n t e
o
R e n a s c i m e n t o ,
c o m o p r o p ó s it o d e
e s t a b e l e c e r
u m
pe r f i l
d o
h o m e m r e n a s ce n t is t a .
E m
s e g u i d a ,
fa z
u m a
ap r e s en t ação da
m a n e i r a c o m o
f o i
o r g a n i z a d o
o
t e x t o
ma qu i av é l ic o ,
p a r a d e s t a c a r d o i s a s p e c t o s :
s eu c a rá t er d e
m a n u a l ,
q u e
v i s a
à c on s t r u ção d e u m
sabe r ,
e o s
p r o c e d i m e n t o s a r g u m e n t a t i v o s
e r e t ór i c o s d e s eu
d i s c u r s o .
• P A L A V R A S - C H A V E :
D i s c u r s o ; t e x t o ;
e nunc i ação ;
c o n t e x t o
h i s tór i co ;
n a r r a t i v i d a d e ;
a r gumen t ação .
Introdução
Este t r aba lho t e m c o m o propós i to e xp l i c i t a r o processo de o r gan ização d i s cur s i v a
do t e x t o O Príncipe, d e N i c o la u M aqu ia v e l . Como nossa inves t i gação dese ja va lor izar
a d imensão his tór ica
d a
l e i tu ra ,
nad a ma is jus t o que
t r a t e ,
i n i c i a lm e n t e ,
das c ond ições
h i s tó ri cas e m que se d eu a produção d o
t e x t o
maquiavé l ico .
N u m p r im e i r o m o m e n t o , e n t e nd e m o s
q u e
s e r ia imp o r t an t e obse r va r a l guns
aspec tos d o Renasc im en t o pa ra pode r e xp r e s sar n ossa v isão s ob r e o per íodo h is tór ico
em que
o
t e x t o
d e
Maqu iav e l fo i e s c r it o .
Po r o u t r o
l ado , p r e t ende mos abo rda r
a ques tão
da
o r gan ização soc i oeconómica das c idades i t a l i anas duran t e o Renasc imen t o ,
p r i n c i p a lm en t e o caso d e F lo r ença , o nd e v i v e u M aqu i a v e l , p a r a , e m s e g u i d a , traçar
u m per f i l d o
homem r enascen t i s t a .
Na s e gunda pa r t e , t r a t a r emos e spec i f i c amen t e d o t e x t o d e O Príncipe d e
M a qu i a v e l d e s t ac ando
três
a spec t o s . P r ime i r am en t e ,
p o r
m e i o
da obs e r v ação d e
sua
estruturação
na r r a t i v a , d e se jamos d i s cu t i r
o
va lor
d e
m a n u a l
a e le atr ibu ído
p e la
1
O
p r e s e n t e t r a b a l h o c o r r e s p o n d e
a
u m a p a r te
d e u m d o s c a p ít u l o s d a t e s e d e
d o u t o r a m e n t o
d o
a u t o r .
V e r
C o r t i n a ,
1994 .
2 D e p a r t a m e n t o
d e
L e t r a s
V e r n á c u l a s - I n s t i t u t o d e B i o c iê n c i a s ,
L e t r a s
e C i ên c i a s
E x a t a s
- U N E S P -
1 5 0 5 4 - 0 0 0
-
S ã o J o s é d o R i o P r e t o - SP.
Alfa,
S ão
Paulo,
39 :
87-109,1995
87
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ma io r i a
d e
s eus l e i t o re s . Nu m segundo mo men t o , fa r emos u m l e van t am en t o
d o s
p r o
c e d im e n t o s a r g um e n t a t i v o s
d e
qu e
o
e nunc i a d o r
se
u t i l i za
p a r a
c ons t ru i r
s eu d i s cur so .
1 O espaço e o su je i to do R e n a s c im e n t o
N e s t e
i t e m p r e t ende mos obse r var do i s a spec t o s
d o
R e na s c im e n t o e u r o p e u
e ,
mais e spec i f i c amen t e , d o Renasc imen t o f l o r en t ino , c o m o ob j e t i v o d e e s t abe le c e r u m
p a n o r a m a
histór ico a pa r t i r d o
qua l t en t a r emos de l im i t a r
a form ação ideo lóg ica e
d i scu rs i va d o t e x t o m aqu iavé li co pa r a qu e pos samos c ompreend e r e m q u e m e d i d a
esses
a spec t o s in t e r f e r em
n o
m o m e n t o
da produção e s e e l e s são
l e vados
e m
c on t a
n o i n s t an t e
da r ecep ção .
O p r ime i r o a spec t o qu e t en t a r emos e xam ina r , bas eando -nos n o t r a b a l h o d e
Lar iva i l l e
(1988),
é o da o r gan ização soc ioeconóm ica da s
cidades i t a l i anas dura n t e
o
Renasc imen t o . Pa r t indo
da c onc epção
m a r x i s t a
de que as r e l ações
soc ia is
são
de t e rm inadas pe la in f ra-es t rutura e c onôm i c a e qu e isso é r e f le t ido e r e f ra tado pe las
formações ideo lóg icas , é que
j u l g am o s im p o r t an t e d i s c u t i r
e ssa
p r im e i r a
questão.
O s e gundo aspec t o qu e p r opom os abo rda r a inda nes te i t e m d e nos so t r aba lho
cons i s t e em , t om an do po r
b a s e as cons ide rações d e
Heller (1980),
d i s cu t i r a c on c epção
d e h o m e m p r e s e n t e n o Re na s c im e n t o , num a t e n t a t i v a d e p r o c u r a r c o m p r e e nd e r o
su j e i t o
i n s c r i t o
em O Príncipe d e
N i c o lau Maqu iav e l .
1 1 Organização socioeconómica das
cidades italianas
durante o Renascim ento O caso de Florença
Segundo La r i v a i l l e ( 1988) , dura n t e o sécu lo XV I o co r r e um a g r ande con cent ração
u r b a n a
n a Eu r o pa . No caso da Penínsu la I tá l ica , e m bo r a a popu lação do c am po
represente ent re 75%
e
9 0%
d a popu lação ,
c r e s c em
as concent rações
u rbanas , c omo
Ve ne za , M i lão ,
Roma, Pa le rmo, Mess ina
e Nápo l es , que , ao f ina l do sécu lo X VI ,
u l t rapa ssam 200 m i l hab i t an t e s .
Os ant igos feudos
v ão
t o rnando - s e ne s sa
época
g randes cas te los
d a
a r i s t o c r ac ia
e a
a t i v i d a d e c o m e r c i a l
qu e s e
v a i d e s envo lv endo nos bur gos
é respon sáve l
p e l o
ê x odo
do c am po . São as a t i v idades d e c omé r c io qu e a t r a e m o s h ab i t a n t e s d o c am po , p o i s
e las
s i gn i f i c am
a
pos s ib i l i dade
d e
fuga
das péss imas cond ições de
v i d a
a qu e se
v i a m
s ubm e t i d o s .
Que r
nas r eg iões
o nd e
a
ar is tocrac ia passa
t ambém a
v i v e r
n a s
c idades , c om o
e m
Florença,
que r
n a s
ou t r a s onde c on t in ua is o lada
e m
seus cas te los
n o
c a m p o ,
o
m o d o d e v i d a d o s tr aba lhado r e s depen de d o d e s e n v o l v im e n t o d a bu r g u e s i a m e r c an t i l
que , quan t o ma is en r iquece , ma is a sp i r a
subs t i tu i r a
nob r e za
o u
a s s im i l a r -s e
a e l a
s em r e vo luc iona r as es t ru turas soc ia is anter io res (Lar iva i l le , 1988, p .193) .
88 Alfa.
S ão
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E m conseqüência d isso , ocor re que , n o c a s o florentino e em vár ias o u t r a s r eg iões
da
Itália, a
nob r e za
e a
a l ta bu r g u e s i a m e r c an t i l p a s s am
a
c ons t i tu i r ,
d e
fa to ,
u m a
única c l ass e
d o m inan t e , s e p a ra da
d o
r es to
da popu lação ,
s e gund o La r i v a i l le , po r u m
ab i s m o e c onôm ico , po lí ti c o e cu l tura l , qu e não pára de c rescer (1988, p .193) . Por e ssa
razão também, o
au t o r c i t ado p r o cura mos t r a r
q u e ,
d i f e r en t emen t e
d o q u e
a l g un s
h i s t o r i a do res
p r e t ende ram a f i rmar s ob r e o pe r í odo do Renasc imen t o , n ão a con t e c e
n e n h u m
n i v e l a m e n t o
d a s
c lasses ; pe lo
contrário, as diferen ças
c o n t i nua m g rand e s ,
e o qu e s e v a i
a l t e r ando
é o
m o d o
de r e lação de
t r aba lho .
Os poderes po l í t icos qu e const itu íam a repúbl ica f l o r en t ina dura n t e o Renasc i
m e n t o e s t a v am
n a s m ã os d e u m a
p equena pa r c e la
da popu lação . A s o c i e d ade d e
Florença, na
v e rdade , c om preend ia
u m a d i vi s ão t r ipa r t i t e : u m a
r e s t r i t a
c l asse
a l ta ,
u m a
t ambém p e qu e na c l a s s e méd i a (o po v o ) e u m a i m e n s a c l asse paupe r i zada (a
plebe ) .
D e
a co rdo
c o m
Lar iva i l le (1988 ) , segun do
o s
r e g i s t r o s
d e
im po s t o s
d e F lorença
e m
14 57 , o núme r o d e p e s s oa s qu e
n ada p a g a v a
o u
p a g a v a m e no s
d e u m florim
co r r e spond ia a 82% da popu lação da c idade . Po r out ro lado , aque les qu e p a g a v a m
en t r e
u m e de z
f l o r ins c o r r e spon d iam
a
1 6%
da popu l ação e o s qu e
p a g a v am a c im a
de d e z f lo r in s , 2,13%. Na const i tu ição dos c onse lhos da r epúb l ica , po rém, s o m e n t e
h a v i a par t ic ipação da res t r i ta c l a s s e
a l ta
e d e
p a r t e
d o q u e s e
c h a m a v a p o v o ;
o
r es to
dos hab i t an t e s
da
c idade e r a c om p le t am en t e a l i jado
d e
qua lque r f o rma
de par t ic ipação
polí t ica.
D u ra n t e o f ina l do sécu lo XV, de
a co rdo
c o m
La r i v a i l l e ,
F lorença
p o s s u i
270
o f ic inas espec ia l izadas
em lã, 83 em
seda
e 33
b an c o s
q u e
r e a l i zam
ope rações
comer c ia i s
de câmbio . O comérc i o da lã e da
seda
são,
p o r t a n t o ,
a s
p r i n c i p a i s
a t i v idades
e c onôm i c a s da
c i d a d e
e o s
b an c o s ,
um a c ons eqüênc i a
de las .
D e s d e
a épo ca d e
G i o v a n n i
d i
B i c c i ,
p a i d e C o s m e d e
M e d i c i ,
a família
M e d i c i
e m
Florença é
d o n a
d e
um a c o m p anh i a b a s t an t e
só l ida que
r ea l iza
vár ias operações
bancár ias e
c omer c ia i s en t r e
as vár ias reg iões da
Eu r o pa .
C o m a
m o r t e
d e s e u
p a i ,
Cosme,
n o in í c io do sécu lo XV,
am p l i a
o s ne góc i o s da
empr e sa , c r i and o duas
companh ias e spec ia l i zadas na p r odução d e t e c idos d e l ã e u m a e spec ia l i zada n a
produção de seda . C o m u m a d i reção e x t r emament e f o r t e d e seus n egóc ios , a famí l ia
M e d i c i c o n s e g u e
a s s egura r um a
inegáve l p os ição
f inance i r a
e m s u a
c idade .
U m go lpe ness e pa tr imônio se rá
d a d o quando ,
e m c ons eqüênc ia d e
d e s e n t e n
d ime n t os en t r e Lo r enzo
d e
M e d i c i
e o Papa
Sisto
IV, es te úl t imo r e t i r a
daque l e
não
s o m e n t e o c a r go bas t an t e luc r a t i v o de d epos i tár io da Câmara Ap os tó l ica , r nas , o qu e
é
m u i t o m a i s g r a v e,
o monopó l i o do comérc i o de
a l u m e
3
po n t i f ic a l ,
t r ans f e r indo - o pa ra
os
Pazz i ,
o s
p r i n c i p a i s
rivais
po l ít i c os e e conômicos do s
M e d i c i
e m F lo r ença , em
Roma
e e m
ou t r a s
praças
f inance i r a s
eu ropé ias
(Lar iva i l le , 19 88, p .127) .
3 O a l u m e é , d e s d e a I d a d e M é d i a , u m d o s e l e m e n t o s f u n d a m e n t a i s d o s u c e s s o e c o n ô m i c o i t a l i a n o : m e n o s p e l a s
q u a l i d a d e s a d s t r i n g e n t e s r e c o n h e c i d a s d e l o n g a d a t a p e l o s m é d i c o s , o u p e la v i r t u d e d e i m p e d i r o a p o d r e c ü n e n t o
d e c e r t a s m a t é r i a s a n i m a i s ( d e o n d e o l a r g o u s o q u e s e f az d e l e n o s c u r t u m e s ) d o q u e p e l a p r o p r i e d a d e d e f i x a r
o s c o r a n t e s . U t i l i z a d o c o m o m o r d e n t e , e l e é c o n s i d e r a d o n a I d a d e M é d i a e n o R e n a s c i m e n t o c o m o u m a
m a t é r i a - p r i m a i n s ubs t i t u í v e l
p a r a
a
t i n t u r a
d a l ã e d a
s e d a
. . .
( L a r i v a i l l e , 1 9 88 , p . 125 ) .
Alfa,
S ão
Paulo,
39 :
87-109,199 5
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Na v e rdade , po r t an t o ,
as contínuas
lu t a s en t r e
as vár ias reg iões da Penínsu la
Itálica
t i n h a m
c o m o
propós i to
assegurar
os mon opó l ios das
d i fe rentes
famíl ias,
donas
de empr esas c omer c ia i s
e
f inance iras .
A própria
Ig re ja
é responsáve l
p e la
formação
do c a p i t a l i s m o bancár i o já desde o sécu lo X IV quando a t r i bu i a o s b an que i ro s a s
incumbênc ias de
c o l e t a
e ad minis tração de
suas r endas ,
qu e
e r am p r o v e n i e n t e s
da s
diversas
r eg iões
o nd e
t i n h a
seguidores .
Q u a n d o M a q u i a v e l
e s c r e v e
O Príncipe,
e m
1513,
é essa a s i tuação po l í t ico-eco
nôm i ca d a s d iversas c id ades-es tado d a Península Itál ica. Seu t e x t o p r e t e nd e d i scut i r
a c onc epção d e
u m pode r c en t r a l izado r ,
c o m o p r opós it o d e
es tabe lecer
a un if icação
de t oda a pen ínsu la . Dessa form a, es tar ia c r iado u m Estad o for t e , capaz d e se i gua la r
ao
francês e ao
espanho l . Como, nessa
época ,
qu e m d e t i nha
o
p o d e r
po l í t i c o de
Florença er a
Lo r enzo n ,
é
pa r a
e l e qu e
M aqu i a v e l d e d i c a
s eu
t r aba lho .
1 2 Perfil do h omem do Renascim ento
Para e s t abe l e c e rmos u m
per f i l d o
h o m e m r e na s c e n ti s ta ,
s e m
d e i xa r
d e
l a d o um a
pos ição his tórico-ma rx is ta , é impresc ind íve l
observar
o
t r a b a l h o
d e
He l le r (1980 ) sobre
essa
questão.
A
p r im e i r a
característica d o
h o m e m
n o
Renasc ime n t o
é a a l teração da
p e r spec
t i v a p e la qua l o m u n d o é obs e r vado . Con t r a r i am en t e àquele h o m e m v o l t a d o p a r a o
in te r io r ,
pa r a
o
i s o lamen t o , c omo oco r r e
n a
I dade
M éd i a ,
su r g e
u m
h o m e m ab e r t o
pa ra
o
m u n d o , p a r a
a
r e a l idade , en f im ,
u m
h o m e m c o m o
s e r d inâmico . O que
d e t e r m i n a e ssa op os ição e n t r e u m e ou t r o t i po d e hom em nas duas d i fe r en t e s é po c a s
é
d e co r r en t e da
pos ição
r e l ig iosa , da
fé cristã,
qu e
s e
a l t e ra
de
u m p a ra
o u t r o
m o m e n t o .
D u ra n t e o pe r íodo d a I dade M éd ia , o h o m e m v ê em D e u s a razão da ex is tênc ia ,
sua
v id a na Te r r a
está
a t a d a
a o p e c a d o
qu e
faz
pa r t e
d e
se u
próprio
nasc im en t o . Cr i s t o
é o espír ito c e l e s t e qu e d e s c e do s c éu s e s e
s u b m e t e
ao sacr i fí c io d a dor
par a sa lvar
o s
hom ens . Es t e s , po r t an t o ,
não
d e v e m c o m p r o m e t e r -s e
c o m a s
co isas t e r ren as para
pode r r e c ebe r
o prêmio d a ressurre ição e da
v ida e t e rna
n o ju í zo f ina l . A tradição
judaico-cr istã d o m i n a d e t a l m o d o a v i d a q u e o h o m e m só c o n s e g u e enxe r ga r s u a
pequenez . Para just i f icar o p o d e r d e
un s
sobre ou t ro s , recorre-se às prescr ições d i v inas .
O Papa e o r e i
e x i s t e m
e m função do s des ígn ios de
um De us s up r e m o
q u e
t u d o
vê e
t u d o
d e t e r m ina .
D u ra n t e o pe r íodo d o Renasc imen t o , o co r r e um a transformação d ess e quad r o e
o h o m e m c omeça a p e r c ebe r su a dua l ida de : sua p e q u e n e z e t a m b ém s u a g r and eza .
Para
t an t o , v a l e -s e da cu l tu ra clássica
que r e t oma
e t ransfo rma , d e
m a n e i ra
a ada ptá- la
a s ua tradição cr istã. A
f i gu ra
d e
Cr is to
é
hu m an i z a da , d e i x a
d e se r u m a
d i v i n d ad e
so fredora
e
l i b e r tado ra , pa r a enca rna r , s e gundo
as r epr esentações de M iche lânge lo e
T in to r e t t o , o i d e a l d o R e i , d o Senhor , d o p ensado r , d o h o m e m d e b o m c o r aç ão . C o m
re lação ao m i t o d e M ar ia , pas sa a e x i s t ir um a d up l i c i d a d e , a o m e s m o t e m p o e m q u e
90
Alfa,
São
Paulo, 39: 87-109,19 95
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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ela é v i s t a c o m o a R a i nha do céu inat ing íve l , t r ans f o rma- s e n a m ã e q u e t e m e p o r s e u
f i lho
o u , m a i s s im p l e s m e n t e ,
n o
i d e a l
d e
b e l e za f em in ina
da é po ca .
To da essa transformação d a p e r s p e c t i v a de v i são de s i p rópri o e d o m u n d o irá
l evar o h o m e m r e na s c e n t i s t a a a s s um i r u m a a t i t u d e de indi ferença com re lação à
Ig re ja . A m i s s a e as proc issões p e r d e m s e u s e n t i d o d e c u l t o e m in e n t e m e n t e r e l i g io s o
e
t o r n am - s e
u m a c o n v e n çã o .
Oc o n e , p o r t a n t o ,
n e s s e
s e n t i d o ,
o
s u r g i m e n t o
d e u m
ate ísmo prát ico .
A conseqüênc ia inev i táve l desse c o m p o r t a m e n t o d o h o m e m da R enas c ença
i m p l i c a , t ambém , u m que s t io n am e n t o d as noçõe s d e b e m e m a l , a s soc iado e s t e úl t im o
ao pe cado .
S e a noção d e b em e
m a l
é
e s t abe l e c ida pe la
relação
e n t r e
o
h o m e m ,
s e r
in f e r io r ,
e Deus , supe r i o r e a b s o lu t o , n o m o m e n to e m q u e os do i s s e i g u a l a m não p o d e
ex i s t i r o m e s m o c o n c e i t o d o q u e se ja bené f i co o u ma lé fi co p a r a o h o m e m . E m
decorrênc ia d i s s o t ambém , c o m o é poss íve l d izer q u e o h o m e m n a s ce e m p e c a d o ?
Po r e ssa r azão é qu e o s e n t i d o d a v e r g o nha du r an t e o R e na s c im e n t o é d i f e r en t e d o
d a
I d a d e
Méd ia .
As causas
d e
t o d a
essa transformação, ou
m e lh o r ,
a s
c ausas
do própr io
R e na s c im e n t o p o d e m s er encon t r adas nas novas cond ições soc i oeconóm icas c r i adas
n a Europa . Con fo rme já d e m o n s t r a m o s n o i t e m an t e r io r , a concent ração de pes soas
no s bu r g o s ,
a a l teração da s re lações
c o m e r c i a is
e , conseqüentemente , o
e s t abe l e c i
m e n t o d e n o v a s r e l ações econômicas , d e co r r en t e s da fo rmação de um a n o v a c l as s e
so c i a l , a bu r g u e s i a , serão responsáve is p e l o s u r g im e n t o d e s s e n o v o h o m e m , d e s sa
noção de
i n d i v i d u a l i d a d e
até então
d e s c o nh e c i d a .
É ne s s e
s e n t i d o
qu e
p o d e m o s
r e conhece r a influênc ia da s re lações econ ômica s n a l i n g u a g e m . P r i n c i p a l m e n t e
quando o b s e r v am o s
os
t e r m o s
c o m qu e
d e s i g n am o s
abstrações , os
s ub s t an t i v o s
abs t ra to s ,
o s
ad j e t i v o s
e
c e r t o s v e rbos , f i c am ma is e v iden t e s
e ssas de te rm ina ções . A s
noções de bond ade , ma ld ade , v e r gonha , med o , be l eza , feiúra, c e r t o , e r r ado pa ra o
h o m e m
d a
I d a d e
M éd ia , p o r
e x e m p l o ,
não são as
m e s m as p a r a
o d o
R e na s c im e n t o .
D e u m p a r a o u t r o pe r í odo h o u v e um a mudança i d e o ló g ic a , p o r t a n t o u m a m u d an ça
d i scu rs i va .
Se
c o m pa r a r m o s a i n da
e sses
do i s
per íodos da his tór ia
p o d e r e m o s p e r c e b e r
al terações de d i s c u r s o n a o r d e m d o su j e i t o , d o t e m p o e d o e spaç o . C o n t r a r i am e n t e
ao e l e , r ep r e s en t ado pe la f i gu ra d o Deus t odo -pode r oso , ao lá , ao en tão
pr e s en t e s
n o
d i s cur so
d a
I d a d e
M éd i a ,
su r g e
u m e u , u m a q u i e u m
a g o r a
n o
d i scu rso
d o Renasc imen t o . Naque l e , a h u m a n i d a d e e r a su fo cada em função da
d i v i n d a d e
e o m u n d o p re s e n te e o t e m po p r e s e n t e e r am n e g ad o s p e l a co l ocação de
u m
o u t r o m u n d o , n u m o u t r o t e m p o
e m q u e o s
h o m e ns p o d e r i am v i v e r
e m
l i b e r d ad e
e i g u a l d a d e (n o paraíso ce les te ) ; ne s te , surg ia u m n o v o h o m e m , c o n s c i e n t e d e s u a
i n d i v i d u a l i d a d e e
v o l t a d o p a r a
o
t e m p o
e o e s paç o em qu e
e s t a va ins e r id o .
A
construção do t e m p o n o R e na s c im e n t o , é b o m l embra r , c ons i s t e n a r ecuperação da
cu l t u r a c láss ica se m , no e n t an t o , n e ga r o m o m e n t o p r e s e n t e . É ne s s e s e n t i d o q u e
po d e m o s d i z er
q u e a cu l tu ra clássica se
t r an s f o rma
n o
m o m e n to
e m q u e se
f und e
c o m
a
cu l tu ra
cristã.
Alfa,
São
Paulo,
39 :
87-109,
1995
91
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Isso
só se t o rnou poss í v e l
quando
e
p o r qu e
o
h o m e m
s e
a v e n t u r o u
e m
novas de s
cober tas . C o m o d e s e n v o l v im e n t o da navega ção mar ít ima e a d e s cobe r t a d e novos
cam inhos pa ra
as transações
c omer c ia i s
e d e c âmb i o , c o m o
d e s c o b r im e n t o
d e
novas
cu l tu ras até então
d e s conhec idas , c omo
as dos índ ios
am e r i c an o s
e a s do s
p o v o s a fr icanos , co m a s novas t e o r i a s da física e, p r i n c i p a lm en t e , c o m a s novas t e o r i a s
d a
a s t r o n o m ia ,
qu e
qu e s t i o n a v am
o
fato
d e a
Ter ra
ser o
c en t r o
d o
un i v e r s o
( c o m
Copérnico ,
G a l i l eu Ga l il e i ) , o c o r r e u m a
abe r tu ra ,
u m d e s p e rt a r
d o
h o m e m i n t i m i d a d o
pe la v isão teocêntr ica da cu l tu ra judaico-cris tã. É b o m r essa l tar po rém qu e esse s a l
t o não
a c o n t e c e i n d i s t i n t am e n t e p a r a t o d o s , n o v am e n t e
d e v e m o s
l e m b r a r
qu e e s s e
n o v o h o m e m é o bu rguês que se e s tá f o rmando .
Essas ques tões do su j e i t o , d o t e m p o e do espaço es tão p r e s en t e s n a ob r a d e
M a q u i a v e l u m a
v e z qu e e s t e
r epe t e
o
d i s cur so
d e
su a
época , a
i d eo lo g ia
d e
s e u t e m po .
E
m e s m o p o r qu e
e l e t ambém é
u m h o m e m
d o
R e na s c im e n t o .
Co m re la ção a o
t e m p o
e a o e spaç o
e spec i f i c amen t e , podem os pe r c ebe r
qu e
M a q u i a v e l
i rá
d e f ende r
qu e
t o d o
su j e i t o q u e
p r e te nd e m an t e r - s e
n o
p o d e r
d e v e
t e r um a
v isão
ma is c l a r a
da s c ond i çõ e s
his tór icas que
c ond i c i onam suas a t i t udes , suas
dec i sões .
S e g undo
e l e, n e m
s e m p r e
a s m e s m as ações s u r t e m os mesmos e f ei t o s e m d i f e ren t e s s i tuações . É p r e c i s o q u e o
pr ínc ipe
t e nha c a pa c i d ad e
d e
p e r c ebe r
as cond ições do
l u g a r
e d o
m o m e n t o
e m q u e
de s empenha rá d e t e r m i n a d a ação.
Na v e rdade a questão t e m p o r a l é f u n d a m e n t a l n o p e n s a m e n t o d e M a q u i a ve l n a
m e d i d a
em qu e irá
d e t e r m ina r
o
m o d o
de ação po l í t ica a ser
ado t ada pe lo g o v e rna n t e ,
no caso ,
o pr ínc ipe .
Segundo He l le r (1980 ) , M aqu iav e l
fo i
u m g r and e o b s e r va d o r
d a s
ques tões de s e u t e m po , p o i s c o n s e g u iu p e r c e b er o c on f r on t o q u e s e e s t abe l e c ia en t r e
o
c o m p o r t a m e n t o
é t ico cr is tão e a
n o v a
ética
bu r g u e s a
q u e se
f o r m a v a .
A o i n v é s ,
po r ém , d e
b r ada r c on t r a
e ssa
n o v a
ética (a
p r o c u r a
d o
d i nh e i r o
a
qua lque r cus t o ) ,
o
au to r
f l o r en t ino
p r opôs
u m p r og r a m a
e m
f o rma
d e
a l t e rna t i v a s :
o u se
v o l t a v a
à
v e lha
noção d e
po l i s
d a An t i gü idade e à sua é t ica comuni tár ia ou se
r e j e i t a va tudo i s s o ,
a c e i t a nd o a idé ia da m o n a r qu i a a b s o lu t a un i fi c a d a na Itá lia e a s i tuação ét ica q u e o
c a p i t a l i sm o c on t empo râneo
t r oux e r a . Segundo
a
a u t o r a ,
essa é a
chave
da po l êm i c a
qu e
s e e s t a b e l e c e e m
t o r n o
da s vár ias interpretações d o
p e n s a m e n t o
d e
M a q u i a v e l.
4
2
Princípios es t ruturadores d e
Prín ci pe
N u m p r im e i r o m o m e n t o , p r e te nd e m o s d i s cu t i r
a ques tão da
n a r r a t i v i d a d e ,
p r e s en t e e m O Príncipe d e M aqu i a v e l , p a r t i n d o d o p o n t o d e v i s t a d e qu e e s s e t e x t o
4 . . . A c on t r o v é r s i a , v e l h a d e s é c u l o s , e o s m u i t o s m a l - e n t e n d id o s q u e r o d e a r a m a figura d e M a q u i a v e l d e c o r r e m
d e s t a m a n e i r a
d e
c o l o c a r
o
p r o b l e m a
e m
t e r m o s
d e
d o i s r u m o s a l t e r n a ti v o s .
É p o r
i s s o
q u e
a l g u n s v i r a m n e l e
exclusivamente u m a d v o g a d o d a m o n a r q u i a a b s o l u t a e , a l ém d i s s o , o a p ó s t o lo d e u m a é t ic a b u r g u e s a c í n i c a , d o
m a q u i a v e l i s m o po l í t i c o , e n q u a n t o o u t r o s apenas v i r a m o r e p u b l i c a n o e p l e b e u q u e ( c o m o R o u s s e a u , p o r e x e m p l o ,
p e n s o u ) t r a t o u o t e m a d ' 0 P ríc i p e d e m a n e i r a p u r a m e n t e s a t í r i c a (H e l l e r , 1 9 80 , p . 256 ) .
92
Alfa,
São
Paulo, 39: 87-109,19 95
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a s s um e
a s caracter ís t icas de u m
m a n u a l
de ins t ruções . Num
s e g u n d o m o m e n t o
t r a t a r emos
d a
s in t axe
d o n í vel
d i s cu rs i vo ,
d e s t a cando
o s
m e c an i s m o s a r g um e n t a t i v o s
ut i l i zados pa r a , e m s e gu ida , a bo rda r o s r ecursos d a n g u r au v i d ad e p r e s e n t e s n o t e x t o .
2 1 O M anua l de instrução e a construção do objeto valor
Nosso propós i to
ne s t e sub i t em
d o
t r aba lho c ons i s t e
e m d i scut i r a denom inação
m a n u a l d o
p o d e r
qu e
c o s t u m a
ser atr ibuída ao
t e x t o O Príncipe. Essa expres
são , manua l do pode r , r eme t e -nos a out ra , m a n u a l de instrução , cu jo s en t ido está
impl íc i to na p r i m e i r a . D e s s e
m o d o ,
a
o b r a
d e
M aqu i a v e l c o r r e sp o nd e
a u m
m a n u a l
de instruções pa r a a c o nqu i s t a e manu tenção do p o d e r d e u m p r ínc ipe e , c o m o t a l ,
constró i-se por
m e i o
d e
u m a
es t rutura caracter ís t ica dess e
t i p o
d e
d i s cur so ,
q u e t e m
por ob je t ivo levar
o enunciatár io a
e x ec u t a r um a performance
em c ons eqüênc i a do
que Gre imas (1983) chama /saber - fazer/ , adquir ido po r in te rméd io d a r eve lação d o
enunc iado r .
Pa ra pode rmos abo rda r
essa questão,
t o m a r e m o s c o m o i n t e r l o c u t o r a
d e
nosso
d i s cur so
a
ob r a c i t ada
d e
Gre imas (1983) ,
i n t i t u l a da L a
s o u p e
a u
pistou
ou la
construction d'un objet de valeur. O ob j e t i v o d e Gr e imas , e m s eu t e x t o , c ons i s t e e m
ana l isa r e
observar
a organização
n a r r a t iv a
d e u m a
r e c e i t a
d e
c o z inha
(A
s opa
a o
pes t o ) ,
5
t o m ando - a c o m o
u m
d i s c u r so p r o g r am ado r
qu e
v i s a
à cons trução d e u m
ob je to , a s opa , q u e , n a t e r m in o l o g i a de sua sem ió ti ca , f i gu ra t i v i za u m ob je to va lor ,
fi m úl t imo d e
u m p r o g ra m a n a r ra t i vo
(PN). Ness e
PN, u m suje i t o ,
n o caso o des t ina tári o
do d i s cur so cu l inár io , es tá em dis junção c o m u m ob je to (a s opa a o p e s t o ) e quer,
através das instruções d e
um a r e c e i ta , en t r a r
em con junção co m e la . É ,
p o r t a n t o ,
p o r
m e i o
da sucessão de
do i s enunc iados
d e
es tado
( o que c on s t i t u i u m
e nunc i a d o
d o
fazer)
qu e se dará a construção do ob j e t o gus t a t i v o s opa a o p e s t o , ob j e t i v o
f ina l
d o
su je i to destinatário.
Segundo Gre imas (1983) ,
o enunciatár io da
r e c e i t a
culinária é
m o d a l i za d o
p o r
u m
/saber-fazer/ na medida em qu e e s t e é o f im ún i co des se t i p o de d i s cur so . Quando ,
p o r t a n t o , u m
su je i t o ,
d e p o s s e d e u m a
r e c e i t a ,
com eça a execu tá- la , o u então u m
o u t r o
su j e i t o , quando d e p o s s e d e u m c a d e m i n h o de instruções , prepara -se para
m o n t a r
s eu
r ad i o t ran sm isso r , já
f o r am m oda l i zados po r u m /que re r/
e
u m
/dever-fazer/
anter io r
( c om o é o c a s o do
p e r cur so
d e au tomanipu lação , po r
e x e m p l o ) .
6
5 O p t a m o s p e l a p a l a v r a i t a l i a n a d e s s e v o c á b u l o p o r q u e n ã o e x i s t e u m t e r m o c o r r e s p o n d e n t e n a lí n g u a p o r t u g u e s a ,
j á q ue a f o r m a i t a l i a n a é a m a i s u s a d a n o B r a s i l .
Pesto
é u m c o n d i m e n t o t í p i c o d a c o z i n h a g e n o v e s a , u m m o l h o
p r e p a r a d o
c o m b a s i l ic ã o e
a l h o s o c a d o s , a c r e s c i d o
d e
q u e i j o f e i t o
c o m
l e i t e
d e
o v e l h a
e a z e i t e
( c o n f o r m e Z i n g a r e l l i ,
N .
II
novo Z i n g a r e l l i . B o l o g n a : Z a n i c h e l l i , 1 9 8 8 , p . 1 3 8 5 ) .
6 A i n d a q u e o t e x t o d e r e c e it a c o m p o r t e n u m e r o s o s e l e m e n t o s d e fa z e r p e r s u a s i v o , e s t e n ã o c o n s t i t u i a r a z ã o
d e c i s i v a
d a a c e i t a ç ã o d o
c o n t r a t o .
A a c e i t a ç ã o ,
c o m o
a s s u n ç ã o d o
/s a b e r -f a ze r / , i n t e g r a - s e
n u m P N
( p r o g r a m a
n a r r a t i v o ) já e la b o r a d o , s u s c i t a d o q u e r p o r u m /que re r - faze r/ - c o n v i t e e n d e r e ç a d o a o s a m i g o s , p o r e x e m p l o - ,
q u e r p o r u m / d e v e r - fa z e r / - n e c e s s i d a d e d e a l i m e n t a r s ua f a m í l ia . O d e s t i n a t á r i o d a r e c e i t a d e c o z i n h a é ,
c o n s e q ü e n t e m e n t e , u m s u j e i t o já m o d a l i z a d o ( S i ) d e p o s s e d e u m p r o g r a m a a r e a l i z a r . O f a z e r p e r s u a s i v o
Alfa, São Paulo, 39 : 87-109, 1995
93
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Nes s e aspec to , po rém, o t e x t o d e Maqu iav e l d i f e r e d o d e n o m inado d i s c u r s o
p r og r amado r e s tudado
p o r
Gr e imas , po i s , c on t r a r i am en t e
àqu e l e, d e s e nv o l v e
n i t i d a
m e n t e u m c o n t r a to
d e m an ipu lação em qu e
u m su j e i t o enun c iado r p r e t ende l e va r
s e u
enun ciatário a /querer/ e a / dever-fazer/ aqu i l o qu e e le pr opõe c om o v e rdade .
Esse
processo de manipu lação pode se r obs e r vado e m d o i s m o m e n t o s d a
organização do
d i s cur so
d e O Príncipe.
Em p r im e i r o l u g a r,
n o
decor rer
d e
t o d o
o
t e x t o
em
função d o
p r o c e s so a r gu me nta t i v o
p o r
m e i o
d o
qua l
se constró i seu
d i s c u r s o , um a
vez qu e o enunc iad o r p r e c i s a p r ime i r am en t e p r o va r ao en unciatár io qu e as idé ias que
está
ap r e s en t ando s ob r e
a s
fo rmas
d e
c o nqu i s t a
e man u tenção
do pode r
são
e f ic ientes .
Para
t an t o , apresentará
c o m o
ilustração
fa tos ocor r idos ta nt o na
An t igüida de Cláss ica
quan to fatos qu e o co r r e r am em su a épo ca . No i t e m s e g u in t e , p r e t e nd e m o s d i scut i r
m a i s d e t i d am e n t e
e sses
p r o c e d im e n t o s a r g um e n t a t iv o s
e m O Príncipe, p o r
isso
não no s
o cupam os d i s so ago ra .
Só
pre ten dem os ressa l tar com o
esse
aspec to d i fe ren
c ia o
t e x t o
d e
M a q u i a v e l
d o
t e x t o p r og r amado r , po i s um a r e c e i t a ,
p o r
e x e m p l o ,
não
pr e c i s a a r gum enta r sua
compe tênc ia ,
t am po uc o u m l i v r e to
qu e
ex p l i c a c o m o m o n t a r
u m
rádio p r e c i s a fazê- lo. Conforme mo st ro u Gre im as (1983) , o t e x t o da r e c e i t a culinária
não
p r e c i s a a r gum enta r sua v e r ac idade , u ma
v e z qu e o
su je i t o
qu e executará o fazer
já está
pre v iam ent e mod a l izado pe lo /querer/
e
pe lo
/dever/.
E m s e gundo luga r , embora n ão d e i x e também de f aze r p a r t e d o processo
a r g um e n t a t i v o
d e O Príncipe, há
dua s
s i tuações
p o n t ua i s
qu e
d e i x am c la r a
a ação do
enunc iado r s ob r e
o enunciatár io do
d i s cur so .
A
p r im e i r a apa r e c e
n a
c a r t a
q u e
M a q u i a v e l e s c r e v e a Lorenzo n p a r a l h e d ed i ca r sua ob ra , a s e gunda o co r r e n o úl timo
capítulo, o
XX VI .
N o
s e g undo
parágrafo de sua
c a r t a
ao pr ínc ipe
Lo r enzo , M aqu ia v e l
d i z o
s egu in t e :
E
conquanto julgue indigna esta obra da presença d e Vossa Magnificência, não confio
menos em que, por sua hum anidade, deva se r aceita, considerado que não lhe po sso fazer maior
presente
qu e
lhe dar a faculdade de poder em tempo muito breve aprender tudo aquilo que,
em
tantos anos e à custa de tantos incômodos e perigos, he i conhecido. (1987, p.3 - grifos nossos)
Nes s e
t r e cho f i c a e xp l i c i t ado
o
processo
de persuasão,
pelo /querer/
e
pe lo
/dever/, q u e
i n i c i a
u m p r o g ram a na r r a t i v o
qu e oferece ao d est inatár io
u m /saber/,
p o r
m e i o
d o
q u a l
e l e pode rá
e x e cu t a r
a ação
p r opos t a pe l o de s t inado r -man ipu lado r .
E m b o r a
essa m anipu lação se dê po r sedução,
po i s
o
d e s t inado r de s t a ca
a
m a g n a n i
m i d a d e , a supe r i o r idade d o dest inatár io e m d e t r im e n t o d a p e qu e n e z d a o b r a c o m
que p r e t ende
t r ansmi t i r - l h e u m
/saber/,
é
in t e r e s san t e no t a r c omo ,
p o r
m e i o
d e u m
c i r cuns tanc i ado r
t e m p o r a l
e
o u t r o m o d a l ,
há, ao
m e sm o t e m p o , u m a
va lor ização do
fazer d o
d e s t inado r :
e m
t an t o s anos
e à
cus t a
d e
t a n t o s
i n cômodos e
p e r i g o s .
desempenha um pape l
secundário, n o
m om e n t o
d e
escolher
essa ou
aquela receita;
além
disso
e le se
si tua
e m
um outro
nível, o
do programa
d o
autor preocupado em
fazer
vender seu livro
de cu linária
(Greimas, 1983,
p.
160).
94
Alfa,
S ão
Paulo,
39 :
87-109,
1995
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/as-condicoes-historicas-de-producao-de-o-principe-de-maquiavel-e-sua 9/23
D o
capítulo
XX VI de s t a camos
os
s e gu in t e s t r e cho s :
a s s im , p r e s e n t e m e n t e , q u e r e nd o - s e c onhe c e r
o
v a l o r
d e u m p r ín c i p e
i t a l i a no , s e r i a
n e c e s sá r i o
q u e
a I tá li a ch e g as s e ao
p o n t o
e m q u e s e
e n c on t r a a g o r a .. . . A s s im , t e n d o f ic ad o c o m o
s e m
v i d a ,
e s p e r a
a Itália
a q ue l e
q u e
p o s s a c u r a r
a s
f e nd a s
e
p o n h a f i m
a o
s aq ue
d a
L o m b a r d i a ,
a o s
t r i b u t o s
d o r e i n o
d e Nápo l e s e da
T o s c a n a ,
e q u e
c u r e
a s
s ua s c ha g a s
]á há
m u i t o t e m p o a p o d r e c i d a s .
V ê- s e qu e e l a r o g a a D e u s e n v i e a l g u é m q u e a r e d i m a d e s s a s c r u e l d a d e s e inso l ênc i as dos
e s t r a n g e i r o s . . . .
E não s e v ê ,
a t u a l m e n t e ,
e m
q u e m
e la
p o s s a e s p e r a r m a i s
d o q u e n a
v o s s a i l u s t r e
c a s a ,
a
q u a l ,
c o m a
f o r t u n a
e
v a l o r , f a v o r e c i d a
p o r
D e u s
e
p e l a I g r e j a
- a
c u j a f r e n t e
es tá
a g o r a
- ,
p o de r á
c o n s t i t u i r - s e
c abe ça
d e s t a
r e d enção .
Isso
n ão se rá
m u i t o
di fíc i l se vo s
v o l t a r d e s
a o e x a m e
d a s
açõ e s e
v i d a d aq ue l e s
d e
q u e m a c i m a
s e f e z menção .
(1987, p . 107-8)
No v am e n t e ,
n e s s e
s e g undo m o m e n t o ,
o
d e s t in ad o r m an i pu l a
o dest inatár io p or
sedução, r e to m and o a s m o da l id a d e s d o /querer/ e d o
/dever/.
A diferença a go r a é qu e
o su je i t o responsáve l p e la manipu lação r epor ta-se para o qu e f o i a n t e r i o r m e n t e
ap r e s en t ado :
o
d i s cur so
qu e propõe
mos t r a r
a
m ane i r a m a i s
e f i caz de
c o n qu i s ta r um
no v o p r i n c i p ad o
e d e
m a n t e r
esse
pode r .
No c a s o
anter io r ,
o
des t inador faz ia
a
promessa
d e
in v e s t i r
o des t ina tár io de u m
/saber/, ago ra
e l e s e
v a l e
d o
/saber/
apr e s en t ado pa ra , ind i r e t am en t e , c onv ida r o de stinatário a u m /fazer/. A s s i m estará
rea l izada a transformação e c u m p r i d o o p r og r am a na r r a t i v o .
A o
j un t a r
e sses d o i s m o m e n t o s , o que pr ecede os cap í tu los da ob r a (a car ta
introdução) e o que a
ence r r a
(seu capítulo
f ina l ) , perceberemos
u m a s eqüênc i a
narra t i va q ue es tá
c en t r a l i zada
n a
p r ime i r a e t apa
d o
p e r cur so na r r a t i v o
canón ico : a
manipu lação. O
su je i t o
não
real iza
a
performance p o r qu e
e l a só pode rá
ocor rer
n a
m e d i d a
e m qu e o dest inatário
adqu i r i r
a com pe tênc ia , po r
j u l g a r
q u e o
p r o g r a m a
d e
construção d o
objeto valor /saber/ presente
no s 25
p r im e i r o s
capí tu los fo i
c u m p r i d o .
Há aqu i , p o r t an t o , duas na r r a t i v a s d i s t i n t a s a pa r t i r d a s qua i s O Príncipe é constru ído:
u m a no n íve l da enunc iação,
o u t r a
no n í ve l do
enunc iado .
O q u e just i f ica o
fato
d e o
d i s cur so
d e O Príncipe
prec isar enfa t izar
o
p r o g r am a
de
manipu lação,
d i fe renc iand o-se , ass im, das
várias
fo rmas
d e
d i s cur sos
d e instrução,
res ide n o e s t a t u t o e spec í fi c o d e seu ob je to va lor . Di fe rente me nte d a r e c e i t a culinária
(que pre tende f aze r qu e u m su j e i to - rea l i zado r c on s t ru a u m de t e rm inado p r a t o c o m
o
qua l
a l imentará a s i própr io e a
s eus c on v idados )
o u d o
l i v r e t o
(que
e n s i n a um o u t r o
su je i to a
c o n s t r u i r
u m
apare lho
de transmissão de
ondas sonoras , como
o rádio ) , o
t e x t o
m aqu iavé li co
p r e t ende c on vence r s eu
dest inatár io d e
que lhe
es tá
ap r e s en t ando
a m e lh o r m ane i ra d e c onqu is t a r e m a n t e r o p o d e r po l ít ico de u m Es t a d o . Ao contrár io
dos ou t r o s t ipo s d e d i s cur so que , pa r t in do d o ob je to já cons truído, p r o cur am desc r e v er
as e tapas para
su a reprodução, o
t e x t o
d e
M a q u i a v e l
a t r i bu i a s i própr io a
tarefa
d e
idea l izar
u m
m o d e l o
d e
Es t ado p r inc ipe s co . Pa r t indo
d o q u e
e x i s t e
o u
e x i s t i u
(os
gov e rnos
d e su a é po ca e o s da
Roma an t i g a ) ,
p r op õe -se
c r i a r
o
n o v o .
Re t omemos ,
po rém, o
t e x t o
d e
M aqu i a v e l ,
n o q u e se
refere, agora ,
a o
e nu nc i a d o ,
para observar com o
se dá o
processo n arrat ivo
d e
sua
constituição.
An t e s ,
porém,
apre
sentamos a seguinte divisão para os
26
cap ítulos qu e con s t i tu em O Príncipe: 1 . as d iversas
formas d e p r i n c i p ad o s e o m o d o através do qua l p o d e m s e r a dqu i r i d o s e m a n t i d o s -
Alfa,
S ão
Paulo, 39: 87-109,1995 95
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/as-condicoes-historicas-de-producao-de-o-principe-de-maquiavel-e-sua 10/23
capítulos I a X I ; 2. organização mi l i t a r d o Es t ado - capítulos XE a XIV; 3. c o n d u t a d o
pr ínc ipe - capí tu los X V a XLX; 4 .
a s sun t os
d e
espec ia l in te resse para
o pr ínc ipe -
capí tu los X X a
XXH1;
5. situação
i t a l i a n a
n a épo ca d e
M a q u i a v e l
- capítulos
XXTV
a
X X V .
7
Par t indo
da obse r vação temát i ca de
c a da um a
d as d i v i sões
p r opos t as ,
v e r e m o s
qu e e l as c on s t i t u em d i f e ren t e s mod a l idades da confi gu ração d o objeto valo r /saber/.
O
p r o g r am a n a r r a t i v o
bás ico d o
d i s c u r s o e nunc i a d o
no s 25 cap ítu los d e O Príncipe,
t o m a d o
na su a re la ção c om o
p r o g r am a n a r r a t i vo
da man ipu lação ,
i n s t au r ad o p e l a
carta a Lorenzo n e conc lu ído no capí tu lo XXVI , d e v e , p o r t a n t o , o f e r ece r a s eu
destinatário
u m saber
c o m o
qua l
e l e pode rá
e x e cu t a r
o fazer
reque r ido pe l o p r im e i r o
p r o g r am a . E s s e saber é , n o níve l do enun c iado , ap re s en t ado c o mo f aze r es co m v is tas
a
d o m i n a r
o u a
m a n t e r
o
poder .
E m
p r im e i r o luga r , podem os pensa r
e m
dua s
d iv isões poss íve is
p a r a
os 25
capí tu los qu e
c o r r e s p o nd e m
ao
p r o g r am a
de construção do
saber .
A p r i m e i r a
c ons i s t e
n a apr esentação de ques tões de
o rd em gera l (par t es
1 , 2 , 3 e
4 ),
q u e
c o r r e s p o nd e r iam
à discussão sobre té cn i cas de c o nqu i s t a e de o r gan ização do exé r c i to , bem c o m o
cons ide rações
s ob r e
a
me lho r f o rma
d e o pr ínc ipe
r e lac ionar-se
c o m o
p o v o ,
c o m
seus
aux i l ia res ,
c o m
s eus am igos
e c o m
se u s i n im i g o s .
A e s s a s qu e s tõe s , o põe - s e u m a
questão e spec í f ica (par t e 5 ), c o n c e r n e n t e às d i f i cu ldades qu e se ap r e s en t a r i am pa ra
u m p r ínc ipe que
t enc ionass e c onqu is t a r
a Península Itálica
p a r a
u nificá-la
n u m a
só
nação.
A
s e g unda
d iv isão é responsáve l
pe la
conf iguração de
do i s t i po s
d e
saber :
d e
u m
l ado , um sabe r q u e p r e s ide à esco lha , o querer (partes 1 e 2) e, d e ou t r o , u m sabe r
que p r e s ide
à ação
(par t es
3 , 4 e 5 ) . No
p r ime i r o c aso ,
o
d e s t inado r ,
p o r
m e i o
d a
ut i l i zação d e
d i fe rentes
i lustrações que reforçam
s eus pon t os
d e
v i s t a , mo s t r a
a s e u
dest inatár io as
v an t a g e n s
d e
e s co lhe r c o nqu is t a r
u m
p r i n c i p ad o n o v o
e d e
pode r
c o n t a r c o m u m e xér c it o p r óp r io ; no
s e gundo , p r e t ende ap r e s en t a r
a s a çõe s qu e o
pr ínc ipe dev e r ea l izar para manter -se n o poder .
A l ém
d isso ,
é
im po r t a n t e re s sa lt a r
o
p r o c e d i m e n t o
de o r gan ização esquem át ica
e m p r e g ada p e l o e nunc i a d o r
d o
t e x t o du r an t e
a rea l ização dessas
c inco pa r t e s
q u e
c o n s t i t u em
o
p e r c u r s o
de construção do
saber .
E s s e
processo
s e dá po r
m e i o
d a
se l eção de tóp i cos a s e r em des envo l v idos o r a e m u m só cap í tu lo , o ra n u m a seqüência
de les . Para exp l icar mais c laramente como ocor re essa organização m a i s p a r t i c u l a r
d a e s t ru tu ra
d i s cur s i v a
qu e r e v e s t e o
e squema na r r a t i v o
da cons t rução do
ob je to va lor
d e
O Príncipe,
obs e r va r emos
a
p r im e i r a
d i vi são que
p r opusemos .
A o t ra ta r d a s
d iversas form as
d e
p r i n c i p ad o s
e o
m o d o
p o r
m e i o
d o
q u a l p o d e m
se r adqu i r id os e m a n t i d o s, o e nunc i a d o r d o t e x t o ap r e s en t a , e m p r im e i r o l u g a r, u m a
opos ição en t r e do i s r e g imes d e g o v e r n o : o s p r i n c i p ad o s p r o p r i am e n t e d i t o s e as
repúbl icas . Esses são os
do i s r amos
d e u m
e s qu e m a
e m q u e s e
s u s t e n t a t o d a
a
7 Excluímos
propos i tadamente
o capítulo
XX VI dessa
quinta
par te porque
o incluímos no
programa narrat ivo
de
manipulação do
sujeito
d estinatário que se
inicia
c o m a
car ta
e s e
c onc lu i
ness e último capítulo.
96
Alfa,
São
Paulo, 39: 87-109,19 95
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/as-condicoes-historicas-de-producao-de-o-principe-de-maquiavel-e-sua 11/23
propos t a
d a
p r im e i r a p a r t e
d e
sua ob ra . Como
o
au t o r ,
po rém, se p ropõe
fa lar apena s
dos p r inc ipados , abandona
a
p r opos t a
d e
g o v e rno r epub l i c ano , usando c om o
jus t i f i
ca t i va o fato d e já t e r abo rdado esse a s sun t o e m ou t r a ocas ião .
8
Estão ap r e s en t ados
aí
do i s
tóp i cos em função dos
qua is ser iam organizados out ros
que a e l e s s e
s u b o r d i n a r i a m .
A o e l e g e r
t ra ta r
dos p r i n c i p a d o s , o na r r ado r de t e rm ina s eu t ema c en t r a l
e
i n t e r ro m p e
o
o u t r o ,
qu e não será
ma is abo rdado .
N o
m o m e n t o
e m q u e o
n a r r a d o r d e t e r m in o u
s e u
t e m a
p r i n c i p a l ,
c omeça a
descrever
o s
t e m a s
secundár ios que a e le es tão
l i g ados .
Por esse
m o t i v o
ir á
d izer
q u e
ex i s t em três t i p o s d e p r i n c i p a d o s : os hered itár ios, os novos e os ec les iást icos . De sses
três, o
e nunc i a d o r
destacará o
s e g undo
t i p o , o s
p r inc ipados novos , chegando
a
d iv id i - lo s e m d o i s s ub t i p o s : o s t o t a lm e n t e n o v o s e o s m is t o s . Quando p r ocura
descrever
o s
d i v e rs os t ipo s
d e
p r inc ipados , ap r e s en ta s em pr e
i lustrações
c o lh idas
d a
histór ia da
Roma a n t i g a
ou d e su a épo ca .
Essas
i lustrações,
c omo p r ocura r emo s
most ra r n o i t e m a seguir , fazem par te d o p r o c e s so a r gu me nta t i v o d e s e u t e x t o .
Se t o m a r m o s a p r im e i r a d iv isão p r opos t a pa ra a ob r a d e M a qu i a v e l c om o m o d e l o
de
es t rutura
d i s cur s i v a
qu e s e
r epe t e
e m
t odas
as
d ema is pa r t e s ,
v e r em os qu e e l a s
se o r gan izam n a f o rma d o m a n u a l de instruções . Q u a n d o
t ra ta ,
p o r t a n t o , d o s
p r i n c i p a d o s novos , o e nunc i a d o r f az um a subca tegor i zação : os p r i n c i p ad o s já a cos
t u m a d o s
à sujeição d e
u m
pr ínc ipe , qu e
p o d e m
s e r da
m e s m a
prov ínc ia e
fa lantes
d a
m e s m a l íngua d o pr ínc ipe c onqu is t ado r o u de prov ínc ias e línguas d i fe rentes d a s d o
conqu is t ado r ;
o s
p r i n c i p ad o s h ab i t u ad o s
a r e g e r - s e po r
le is
própr ias e e m
l i b e rdade .
Para cada
u m d e s s es
s ub t i p o s ,
serão
apresentados
os
me io s m a is
e f icazes
p a r a
q u e
u m
pr ínc ipe pos sa me lho r dominá- los e pa r a qu e t enh a ma io r e s t ab i l i dade d e s u a
possessão . A demon s t ração de
c ada
u m d e s se s
me io s
d e
c o nqu i s t a , n o v am e n t e ,
é
s e m p r e a co m panh ada p o r
i lustrações
que r
d a his tória contem porânea do
enunc iad o r ,
quer d o p e ríodo d a Roma an t i g a .
Toda
essa descr ição da organização
d i s cur s i v a
qu e r e v e s t e o
p r og r ama na r r a t i v o
de
construção do
saber
d e O Príncipe n o s
p a re c e im po r t an t e p o r qu e
n os faz
en t ende r
qu e
esse
t e x t o
está
m o n t a d o
a part i r de ope rações
t a n t o
parad igmát icas
quan t o
s intagm áticas . O a spec t o parad igmát i co po de se r obs e r vado pe la s e l eção dos d i f e r en
t es assuntos apresentados e m c ada tópico abo rdado p o r c ada u m a d a s c inco
subd iv isões . O
a spec t o
s in tagmát ico , po r sua vez ,
c o r r e sponde
às com binações qu e
o
en unc iado r r ea l i za
d os vários tópicos
p a r a m o n t a r
s eu
d i s cur so .
M a s ,
af inal , O Príncipe p o d e o u não se r
cons ide r ado u m t e x t o
d o
t i p o
d o
m a n u a l
de instrução? Com re lação a esse aspec to , d i r íamos qu e o t e x t o d e M aqu i a v e l
8 N o i n í c i o d o c a p í t u l o I d e O Prí c i pe M a q u i a v e l d i z : T o d o s o s E s t a d o s , t o d o s o s d o m í n i o s q u e t ê m h a v i d o e q u e
h á s o b r e o s h o m e n s f o r a m e s ã o r e pú b l i c a s ou p r i n c i p a d o s ( 1 9 8 7, p . 5 ) . No i n í c i o d o s e g u n d o , a f i r m a : N ã o t r a t a r e i
d a s r e pú b l i c a s , p o i s e m o u t r o s lu g a r e s f a l e i a r e s p e i t o d e l a s ( 1 9 8 7 , p . 7 ) . E s s e s e g u n d o p e r ío d o t e m s i d o m o t i v o
d e m u i t a s e d i f e r e n t e s i n t e r p r e t a ç õ e s . U n s q u e r e m v e r n e l e u m a r e fe r ê n c ia à s u a o u t r a o b r a , Come n táí s
sobie
a
p r im e i r a déada de
Tito
Lí i o
o u t r o s i n s i s t e m
e m
d i z e r
q u e e s s a i n t e r p r e ta ç ã o é
e r r a d a , p o i s M a q u i a v e l
n ão
h a v i a
a i n d a e s c r i t o e s s e t e x t o , e l e o e s c r e v e u d e p o i s d e O r í c i p e. E s s e s o u t r o s t e x t o s e n t ã o s e r i a m r e l a tór i os e t r a b a l h o s
e s c r i t o s d u r a n t e o p e rí o d o e m q u e M a q u i a v e l o c u p o u o c a r g o d e s e c r e t á r i o d a Re pú b l i c a florentina.
Alfa,
S ão
Paulo,
39 :
87-109.
1995
97
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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co r r e sponde
a um a subve r são do g êne r o do
m a n u a l
de instruções ,
po i s , c on fo rme
p r o c u r am o s m o s t r a r a n t e r io r m e n t e , foge dos padrões desse t i p o d e t e x t o . N a v e rdade
podem os d i z e r que
e le é
u m
m a n u a l
n o
níve l do
e nunc i a d o , m a s
n ão
no
d a enunc iação .
Essa
distinção p o d e s er
obs e r vada qua ndo
se
v e ri fi c a , c on fo rme p r ocu ramo s
most ra r ,
que , no n í ve l da enunc iação , o
t e x t o de s t a ca
a instânc ia da man ipu lação do
e squema na r r a t i v o canón ico , e nquan t o , no n í ve l do e nunc i a d o , p r opõe r ea l izar u m
fazer: a construção de um saber . Essas d uas instânc ias estão, po r ou t r o lado , ba s t an t e
a r t i cu l ada s
en t r e
s i e se
c o n s t i t u e m
n o
s up o r t e a r g um e n t a t i v o
d o
d i s cur so
maqu iavé
l i c o .
A intenção
p r im e i r a
d o
d e s t inado r
é
levar
seu dest inatár io a
u m
fazer
( t o rnar -se
o pr ínc ipe
un i f i c ado r
d o terr itório i ta l i ano ) .
Para
t an t o , é
p r e c i s o doa r um a
compe tênc ia
a esse destinatário po rque s em e la não pode rá se r r ea l izada a performance.
Co m
esse
ob j e t i v o
o
d e s t inado r
p r opõe
e x e cu t a r u m ou t r o pe r cur so
na r r a t i v o , o
da
construção do saber qu e invest irá o dest inatár io d a comp etênc ia n ecessár ia pa r a
a
rea l ização da
performance;
esse é o
p e r cur so
d o
m a n u a l
de instruções . A
conse
qüência desse
fato
é qu e , no
se g undo p r o g r am a ,
o
d e s t i n ad o r m an i pu l a d o r
e o
destinatário
c o r r e spondem
a
u m mesm o a c t an t e ( fi gu ra t i v izados pe l o enunc iado r
d o
p r im e i r o p r o g r am a
-
Maqu iav e l ) , enquan t o
o
d e s t inado r ju l gado r
d o fazer
e x e cu t ado
pe lo su je i t o da transformação corresponderá ao dest inatár io do p r im e i r o p r o g r am a
(Lorenzo H). Isso s ig n i f ica d izer q u e , pa r a o su j e i t o de s t inado r c onsegu i r man ipu la r
seu
destinatário
n o p r im e i r o p r o g r am a
na r r a t i v o , deverá ser
s an c i o nado p o s i t i v am e n t e
p o r
e l e no
s e gundo .
E m
r azão do que
a cabamos
d e
expor ,
pode r í amos
a i n d a
fazer um a supos iç ão
e m relação a O Príncipe. Ta l v ez , a p e cu l i a r idade d e s u a construção, qu e c o n s i s t i u n a
subve r são do gênero d o m a n u a l de instrução, t enha s ido r e sponsáve l p e la impor tânc ia
qu e
o
t e x t o
maqu iavé l ico
a dqu i r i u
a i n d a
du ran te
o
Renasc imen t o , d e s t a cando - s e en t r e
os vários
ma nua is s ob r e
o
p o d e r d o s
príncipe s, tão
c o m u ns n aque la
época ,
c on fo rme
af irmação d e
0 'D ay (1979) .
Para t r a t a rmos , ma is c o mp le t am en t e ,
a m ani festação
d i s cur s i v a
d o
t e x t o
m a
quiavé l ico é
p r e c is o r e cupe ra r c e r to s a spec t os de t e rm in an t e s
d esse níve l d a sup er fí cie
l ingüística do t e x t o . É po r essa razão que , n o i t em s egu in t e , nos p r opom os a e x am ina r
os p r o c e d im e n t o s de a r gumentação em O Príncipe, i n c l u i n d o a í o e m p r e g o d o s
m e c an i s m o s
retór icos.
2 2
Recursos lingüísticos util izados n a construção do discurso
de
Prínci pe
A argum entação e os
recursos
retóricos
O Príncipe,
c onqua n t o s e ja v i s t o c om o u m t e x t o
f ilosóf ico, p olí t ico, l i terár io, u m
m a n u a l , o u
qua lque r o u t r a
denominação qu e se
p r e t e nda
da r a e l e ,
assenta-se sobre
u m a b ase t emát i ca ,
va lendo-se
d o
m o d o
de organização
d i s s e r t a t i v o
d e s e u
d i s cur so
pa ra a r gumenta r s eus pon t os d e v is ta . Par t indo da s af irmações d e Pe r e lman &
Olbrechts-Tyteca (1976 ) , observamos qu e e s s a a r gumen tação , qu e t e m po r ob j e t i v o
98
Alfa,
São
Paulo, 39: 87-109,1995
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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e s t abe l e c e r uma re lação d e v e r d ad e e n t r e o d i s c u r s o e a r ea l idade , organiza-se , n o
d e c o n e r
d o
t e x t o
maquiavé l ico ,
po r me io
d e
d o i s p r o c e d im e n t o s ,
o da fundam entação
pe lo c a s o pa r t i cu l a r e o da ana lo g ia . O p r o c e s so de fundam entação p e l o
c a s o
p a r t i cu l a r
p o d e s er p e r c e b i d o a o l o n g o d o t e x t o quando s e c o n s t a t a q u e o enunc iado r , pa r a
just i f icar
suas
af irmações,
r e c o r r e
ao
t e s te m u n h o
d e
fatos
h i s tó ri cos d a An t i gü idade
Cláss ica o u então d e sua époc a. Já a funda men tação analóg ica é u m p r o c e s so d e
raciocínio p e l o qua l o en unc iad o r p r o cura f azer o enunciatár io c o m p r e e nd e r o que e l e
está
p r e t e nd e ndo
i n f o rmar ,
u t i l i zando - s e
d e
p r o c e d im e n t o s
q u e
c a m i n h a m
d e s d e
u m a
s im p l e s com paração a té a ut i l ização d e u m r e c u rs o retór ico ma is e l abo rado .
Co m
o propós ito de
me lh o r de f in i r nos sa p r op os t a
de inves t i gação d o
p r o c e s so
a r g u m e n t a t i v o d o t e x t o maquiavé l ico , e n t e n d e m o s ser neces sár io exp l i c i t a r , d e f o rma
m a i s
c lara e c omp le t a , c omo Pe r e lman & O lb r e ch t s -Ty t e ca ( 1976 ) de s envo l v em as
noções qu e a e les atr ibu ímos a c im a . D e iníc io é prec iso d izer q u e o s au t o r e s p r opõem
t ratar
a ques tão da a r gumentação do p o n t o d e v i s t a d o d i s cur so filosófico.
Se g undo
o s
au t o r e s ,
a fundamentação do
r ea l pe lo
c a s o pa r t i cu l a r
c o m p r e e nd e
três d i fe r e n te s p r o c e d im e n t o s a r g u m e n t a t i v o s : o e x e m p l o , a ilustração e o m o d e l o . A
argumentação p e l o e x emp lo pa r t e d e u m caso esp ec í f ico pa r a chega r a u m a p ro p o s i
ção,
é u m
p r o c e s so
de gen e ra l ização ; a a r gumentação
p e la
i lustração, ao contrário,
pa r t e
d e u m a a fi rmação ( ou u m a r e g r a ) , in i c i a lm en t e dada , pa r a reforçá-la, é u m
proc e s so de par t icu lar ização; a argumen tação p e l o mode lo i n c i t a à imitação, i s t o é,
p ro cu ra levar
o
su j e i t o
a
t o m a r a lg o c o m o m o d e l o
a ser
s e g u i d o
o u
r e j e i t ado qu and o
de le quiser se v a l e r pa r a c onvence r s eu r e c ep t o r (enunciatário, destinatário, l e i t o r e t c . )
a
r e spe i t o
d a
v e r d ad e
o u d a
fa ls idade
d e
u m dado f a t o
o u rac ioc ínio .
Pe r e lman & O lb r e ch t s -Ty t e ca (p . 481 ) d e s t a cam que a di ferença en t r e o s do i s
p r im e i r o s t i p o s d e p r o c e d im e n t o s a r g um e n t a t i v o s é i m p o r t a n t e e s i gn i f i c a t i v a , po i s a
uti l ização do
e x e m p l o
e da i lustração
r eve la
q u e o
e nunc i a d o r
se
v a l e
d e
d i fe rentes
critérios pa r a
e x p r i m i r
s e u p o n t o d e v i s t a . E n q u a n t o o e x e m p l o dev e se r incontes táve l,
do p o n t o d e v i s t a d e su a eficácia c o m o e fe i to a r g um e n t a t i v o , a i lustração, d a q u a l não
d e p e nd e a adesão à r e g r a , pode se r m a i s i n c e r t a , e m bo r a d e v a c h o c a r v i v am e n t e a
imag inação p a r a c h am a r a a ten ção . Na v e rdade , a i lustração é u m t i p o a r g u m e n t a t iv o
ut i l i zado
e m razão da ressonância
a fe t iva
c o m a
qua l p r o cu ra envo l v e r
o
su j e i t o
a q u e
se
d e s t ina .
A
pa r t i r
dessa distinção, os a u t o r e s d e s ta c am d e t e r m inada s p o s s i b i l id a d e s d e
uso da i lustração. P r im e i r am e n t e é m u i t o c o m u m o e m p r e g o d a ilustra ção p a r a faci l i tar
a
c ompr e ensão d e uma
r e g r a
qu e
ap r e s en t a a l t e rna t i v a s
p o r
m e i o
d e u m c a s o d e
apl icação indiscutíve l . É poss íve l
a i n d a
ut i l izar
e sse
t i p o a r g um e n t a t i v o quando
s e
p r e t e nd e m o s t r a r a impor tânc ia , o v a l o r d e u m a r e g r a , r e c o r r endo , p a r a t an t o , à
ilustração
su rp r e end en t e , in e spe r ada , f a s c inan t e .
Se , po r
o u t r o l a d o ,
a i lustração não
fo r u t i l i zada p a r a u m d e s s e s
f ins ,
será c ons ide r ada inadequada .
Co m
relação
a i n d a
à inadequ ação da i lustração,
s e g undo P e re lm an
&
O l b r e c h t s -
Ty t e ca ,
d e v e m - s e
observar duas d i fe rentes
situações. A p r i m e i r a , e m q u e el a é fruto
da
incompreensão , do d e s c o nh e c im e n t o q u e o e nun c i a d o r t e m d a r e g r a q u e p r e t e nd e
Alfa,
São
Paulo,
39 :
87-109,
1995
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i lustrar ; e m
s e gundo luga r ,
a i lustração
v o l un t a r i am e n t e i n a d e quada
q u e p o d e
cons t i tu i r - se
nu m a f or m a
d e
i ron ia .
Nes se ú l timo caso o
e nunc i a d o r
es tá
c onsc i en t e
de qu e e m p r e g a u m a es t rutura a r g um e n t a t i v a qu e c ons i s t e n u m j o go ent re do is
d i scu rso s : o
e nunc i a d o
e o
man i f e s t o ;
e l a é
p e r t i n e n t e t o d a
v e z qu e s e
p r e t ende
con t e s t a r o v a l o r d a r egra .
A l é m d o u s o d o s
p r o c e d im e n t o s
de a r gumentação o ra
ap r e s en t ados , ju l gam os
qu e é poss íve l a p r o x im a r out ra característica do d i s cur so d e M a q u i a v e l à noção de
ilustração
fo r jada , most rada
p o r
Pe r e lman
&
O lb r e ch t s -Ty t e ca .
Vár ios são os
le i t o res
que acusam
o
escr i t o r f lo rent ino
d e
fa ls if icar
o s
e x e m p l o s
q u e
ap r e s en t a
e m O
Príncipe. D e a co rdo c o m Pe r e lman & O lb r e ch t s -Ty t e ca e s s e é u m r e cur so u t i l i zado
t o d a v ez qu e se
pre tende es tabe lecer
um a l ig a ção
ma is d i r e t a
e incontes táve l em
relação à
r e g r a , emb ora ju l gu em
qu e e s s e
t i p o
de a r gum entação
ap r ox ima- s e ma is
d o
m o de l o ,
qu e
p r o p r i am e n t e
d a i lustração.
9
Co m
re lação ao
t e r c e i r o t i po
de a r gum entação , os
au t o r e s a f irma m
qu e
quando
se
t ra ta
d e c o ndu t a , u m c o m p o r t am e n t o par t i cu lar pode , n ão s omen t e s e r v i r pa r a
fundar o u
pa r a
i lustrar u m a
r egra gera l ,
m a s t a m b ém
pa r a
i n c i t a r
u m a
ação que se
insp i ra
ne le (1976, p .488 ) .
O
m o d e l o ,
então, é
c r i ado pa ra va lo r i za r u m
indiv íduo (ou
u m
g r u p o de indiv íduos ) , u m m e i o o u u m a época ; e sse t i p o de a r gum entação t e m p o r
o b j e t iv o i n d i c a r um a c o ndu t a
a
s e gu i r . Qua ndo u m
indiv íduo é
t o m ad o c o m o m o d e l o ,
c o l o cam-se
em ev idênc ia
d e t e r m inada s
características
ou a t o s , adap t an do sua
própria
i m a g e m o u s i tuação c om o propós ito de m e lh o r
in fluenc ia r
o enun ciatár io do d i s cur so .
M u i t o
c o m u m e n t e ,
os s e r es
c ons ide r ados supe r i o r e s , c om o deuses , m i t o s ,
t êm
suas
im ag e n s construídas a
part i r
d e suas qua l idades pos i t i v a s pa ra q u e pos sam s e r v ir d e
m o de l o
a s e r
s e gu ido , c op iado .
E m
opos ição ao
mode lo , Pe r elman
&
O lb r e ch t s -Ty te ca e s t abe l e c em
a ex is tênc ia
do an t imode lo c r i ado a
pa r t i r
d e u m e f e i to d e repu lsão. À p r im e i r a v i s t a , t u d o q u e f o i
d i t o a
r e spe i t o
d o
m o d e l o
p o d e
equiva le r
ao
a n t im o d e l o ,
se se
t oma r pe l o a spec t o
nega t i v o . Segundo
os
au t o r e s ,
po rém, há
u m
traço
i m p o r t a n t e
qu e
d i s t i n g u e um t i p o
d o o u t r o . Enquan t o p a r a o m o d e l o o su je i t o enunciatár io é i n d u z i d o a c op ia r u m a
c o n d u t a
d e t e r m inada ,
n o ca s o d o
a r g um e n t o p e l o a n t im o d e l o ,
e le é
i n c i t a d o
a s e
d i s t i ngu i r d o ind i v íduo qu e fun c i o na c o m o an t im o d e l o , s e m q u e s e pos sa infer ir d e l e
u m a
c ondu ta de t e rm inada . Somen t e
p or referência im plícita a
u m m o d e l o
é qu e
u m a
ce r ta de te rm inação da
c o n d u t a
a s e r
n e g ada
será poss íve l
(1976, p .493-4 ) .
E m
ou t r a s
pa la v r as , u m a n t im o d e l o só po de se r cons t ru ído quando e x i s te u m m o d e l o qu e a e le
se
oponha .
9
O
a u t o r
d a Rhéor i que à
erennius e x p l i c a
p o r q u e
j u l g a
p r e f e r í v e l
c o m p o r
e l e
m e s m o
o s
t e x t o s
q u e
d e v e m i l u s t r a r
s u a s r e g r a s d e r e tó r i c a a o in v és d e t om á - l o s e m p r e s t a d o s , c o m o f a z ia m o s g r e g o s , d o s g r a n d e s e s c r i t o r e s . O c a s o
f o r j a d o e s tá l i g a d o m a i s e s t r e i t a m e n t e à r e g r a q u e o c a s o o b s e r v a d o ; e l e i n d i c a m e l h o r q u e o r e s u l t a d o e s t á
c o n f o r m e
a
r e g r a
e e m q u e e l a
c o n s i s t e . E n t r e t a n t o
e s s a
g a r a n t i a
é , e m
p a r t e ,
i l u s ó r i a . Os c a s o s
f o r j a d o s
s ã o
s e m e l h a n t e s a u m a e x p e r iê n c i a m o n t a d a n u m l a b o r a t ó r i o e s c o l a r . M a s é p o s s ív e l q u e e l e s e j a f o r j a d o b e m m a i s
à m a n e i r a d e u m m o d e l o p r e s t i g i o so q u e c o m o a p l i c a ç ã o d a r e g r a q u e s u p ô s i l u s t r a r ( P e r e l m a n & O l b r e c h t s - T y
t e c a , 1 9 76 , p . 4 87 - 8 ) .
100
Alfa,
São
Paulo, 39: 87-109,1 995
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E m O Príncipe d e
M a q u i a v e l
h á
u m a
utilização
c ons t an t e
d a a rgum entação
p e la
i lustração.
Obse r vando
o
t e x t o t o d o ,
é poss íve l
encon t r a r ma is
d e
dua s
d e z enas d e
casos e m q u e
d e t e rm inad os enunc iados a s sum idos c omo r e g r as
são
i lu s t r ados
p o r
fatos p a r t i cu l a r es . A l g u m a s
de s sas i lustrações são
ma is s imp le s
e
l ige i ras ,
ou t r a s ,
m a i s
m inu c i o s a s e l o n g a s. U m e x e m p l o d o p r im e i r o t i p o p o d e s e r e n c o n t r a d o já no ca pí tu lo
n
quando
o
enunc iad o r , pa r a
just i f icar
su a
af irmação
s ob r e
o s
p r i n c i p ad o s
heredi tár ios
- q ue são
m a i s
fáceis de
m an t e r p o is
são afe içoado s à famí lia d e se u pr ínc ipe - , c i ta,
l o g o e m s e gu ida , o c a s o do D u q u e d e Ferrara qu e res i s t iu a o s a taques d o s venez ianos
em 1484
e ao s d o Papa Júlio n em
1510, exata me nte pe lo fa to
d e s e r
a n t i g o
o dom ín io
de su a família naque l e Es t ado .
U m
e x e m p l o
do caso da a r gumentação
pe la
i lustração que se
e s t ende
n a
narração de d e t a lhe s p o d e s er e n c o n t r a d o n o capí tu lo D I, e m q u e o e nunc i a d o r
t rata
dos p r inc ipado s m is t o s . Pa ra mos t r a r c omo um
pr ínc ipe
a t e n t o
a o s
ma le s
qu e
p o d e m
afligir
s eu
território
c onqu is t ado p r ocu ra s empr e
s e
an t e c ipa r
ao s
a con t e c im en t os pa ra
ass egura r po r ma is t empo sua p ossessão , c i ta o caso de Lu í s
XI I
da França, qu e i n vad iu
e
m an t e v e
o domínio de vár ias reg iões
i t a l i anas
p o r
b a s t an t e t e m po . E nquan t o
o
enunc iado r
v a i
n a r r ando
os
a con t e c im en t os , ana l i s a
as ações
cor re tas
e
in co r r e t a s
des envo l v idas po r aque l e monar ca , c on f i rmand o e até e x p a n d i n d o a re g r a in i c i a lm en t e
propos ta .
No capí tu lo vm o
e nunc i a d o r
e s t abe l e c e
duas f o rmas
d e
c o nqu i s t a r
u m
p r in c ip ado s e m o a t r i bu t o d a f o r tuna ou do mér i to . A p r im e i r a f o rma cons i s t e e m
chegar
a o
p r i n c i p ad o p e l a m a l d ad e ,
p o r
m e i o
d e
a tos
de v io lênc ia e
r a p a c i d ad e ;
a
s egunda ,
e m
valer-se
d o s
favores
d e
seus
conter râneos ,
is to
é, ser
e le i t o pe lo pov o .
Para
i lustrar
a
p r i m e i r a
f o rma d e c onqu is t a p r opõe mos t r a r
um
e x e m p l o d a An t i güi dade
Clássica e
o u t r o m o d e r n o .
A
p r im e i r a
i lustração é a de Ag átoc les
S ic i l iano ,
qu e
m a t o u
todos o s senadores e hom ens ma is r icos d e S iracusa para tornar -se re i daque la c ida de ;
a
s e gunda
é a de
O l i v e r o t t o ,
q u e ,
para tornar -se senhor
d e
Fermo, assass inou
s e u
próprio
pad ras t o
e
t odos
o s
homens in f luen t e s
d a
c id a d e du r an t e
u m a
g ran de fes ta
oferecida e m s u a hom enag em . Pa ra
i lustrar
a s e gunda f o rma d e c o nqu i s t a d e u m
p r in c ip ado ,
pe lo favor
dos conc idadãos ,
M a q u i a v e l
c i ta o caso de Náb is , p r ínc ipe
espar tano ,
qu e só
c onsegu iu supo r t a r
o
l o n g o
asséd io d o exé r c ito
r o m ano p o r qu e
e r a
am i g o d o povo .
A o
l o n g o
d e
t o d o
o
t e x t o , ou t r o s
casos de i lustração se
r epe t em , u t i l i zando
sempre o m e s m o e s qu e m a . I n i c i a lm e n t e u m a a fi rmação é fe ita e , em s e gu ida , o
enunc iado r ap r e s en t a um fa t o o co r r ido duran t e
o pe r íodo da Ant i gü idad e C lássi ca e
outro
du r an t e
su a épo ca , qu e
s e r v em pa ra c on f i rmar
o conteúdo de
v e r d ad e
d a
r egra
por e le e nunc i a d a . O efe ito d e s en t ido qu e as i lu s t rações de u m a m e s m a r e g r a p o r
me io
d e
fatos
d o
m u n d o a n t i go
e d o
m o d e r n o c r i am
é o de que a
v e rdade
d o
h o m e m
renascen t i s t a
e s tá n a sua r e lação co m o
h u m a n i s m o
da Ant i gü idade C lássi ca e não
no t e o c en t r i smo d a I dade Méd ia .
Oxiapítulo
IV ,
po rém,
ap r es en t a um p r oc ed im en t o d i f e r en t e
d o
p r e d o m i n a n t e
n a
argumentação do d i s cur so d e M aqu i a v e l ; e le c o r r e sponde a u m a r g um e n t o p e l o
Alfa,
São
Paulo,
39 :
87-109,
1995
101
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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e x e m p l o
e não
p e la
i lustração. No capítulo
TH
o
e nunc i a d o r v i nha m o s t r ando
a s vár ias
fo rmas
d e
c onqu is t a
e manu t enção d e u m
Es t ado .
U m d os
a spec t o s abo rdados
é a
d i f i cu ldade qu e
u m
p r ínc ipe po de
encon t r a r pa r a mant e r u m r e ino
r e cém-conqu is tado
quando e s t e fala u m a lín gua e t e m c o s tumes d i f e ren t e s d o s seus . Par t indo d o c a s o
espec í f ico d e
A l e x and r e ,
qu e
c o nqu i s t o u
o
r e ino
d e
Da r i o , mo s t r a c omo
e sse
p r o b l e m a
fo i
c o n t o r n ad o
e
c om o a inda , mo r t o es t e,
o po v o não s e
r ebe lou c on t r a
s e u
sucessor .
Na verdade , n e s s e caso, o e nunc i a d o r não ap r e s en t a u m a r e g r a pa ra , e m s e gu ida ,
ilustrá-la;
pa r t e
d e
u m
caso esp ec í fico
pa r a chega r
a
um a r e g r a .
A o
e laborar
su a
r egra ,
p o r
ou t r o l ado , u t i l i za - s e novamen t e
d o
r e cur so
d a
i lustração,
po i s pa r a just i f icar
o êx ito de
A l e xan dr e , e xp l i c a
q u e u m
Es t ado
e m q u e
os m in i s t r o s do pr ínc ipe s e j am como qu e seus s e r vos é m a i s fa c i lm e n t e m a n t i d o d o
que aque le
em qu e o p r ín c ip e d e v e d i v i d i r s e u
pode r
c o m ba rõ e s. O
p r im e i r o t i p o
é
i l u s t r ado
através do grão- turco e o s e gundo , através do r e inado da França . O que
podemos pe r c ebe r
é
u m a
hierarquização de
e squemas a r gum enta t i v o s
e m q u e
duas
i lustrações aux i l i am o u s o d e
u m a
exempl i f icação.
O t e r c e i r o t i po de fundamentação p e l o caso par t i cu lar , a a r gumentação pe lo
m o d e l o ,
t ambém pod e s e r
encon t r ado
n o
d i s cur so
ma qu iavél ico .
Essa
última
m o d a
l i dade a r gumenta t i v a apa r e c e
n o capí tu lo
v n ,
e m q u e o
au t o r
t ra ta d o s
p r i n c i p ad o s
novos qu e se c o nqu i s t am c o m a rmas e v i r t udes d e o u t r e m . Ness e ca pí tu lo , o
e nunc i a d o r
va l e - se da
f igura
d e César Bórgia
( chamado pe lo
p o v o
du que V a l e n t i n o ,
e m função do t í tu lo de d u q u e d e Va l en t ino i s c onced ido pe l o r e i da França ) pa r a
const ru i r o
m o d e l o
de pr ínc ipe
idea l , capaz
d e c u m p r i r c o m
m a i o r
e f icác ia seu
propós i to de
c o nqu i s t a
e manu tenção do
p o d e r
e m
um Es t a d o .
A desc r i ção de
suas
qua l idades rea l iza-se n o decor rer d a na r r a t i v a d e suas ações c o m o c o nqu i s t a d o r d e
novos Es t ados ,
qu e
d em ons t r a , s e gundo
o
au t o r , e x t r ema hab i l i dade na
condução dos
ne góc i o s d e
in te resse
d e
s eu Es t ado .
César Bórgia é
a m a d o
e
t em ido , duas qua l idades
que , n o en t ende r d e M aqu i a v e l , são impresc ind íve is a u m p r í n c i p e .
1 0
Em bo r a e n t e nda q u e César Bórgia t e nha c o m e t i d o u m g ran de er ro a o apo ia r a
e l e i ção do Papa Jú l i o n , que , no
pas sado ,
t i nha
s ido
s eu
i n i m i g o ,
n ão
d e i x a
d e
r e conhece r
s eu
g r ande va lo r
e
t a l en t o c omo gov e rnado r . Segun do M aqu ia v e l ,
n ão é
poss íve l a c r e d it a r c o m p l e t am e n t e qu e u m e x - in i m i g o n ão possa , e m a l g um m o m e n t o ,
t en t a r
v i n g a r
a
o fensa so f r id a .
1 1
M u i t o s l e i t o re s
d e
M aqu i a v e l c o s t u m am d i z e r qu e ,
a o
im a g i n a r u m p r ínc i p e capaz d e un i f i car a Itália, o escr i t o r f lo rent ino n ão
t i nha
e m
10 N a s a ç õ e s d o d u q u e , d a s q u a i s e s c o l h i a s q u e e x p u s a c i m a , n ã o e n c o n t r o m o t i v o d e c e n s u r a ; p a r e c e - m e , p e l o
c o n t r á ri o , q u e s e d e v e p r o p ô - lo
c o m o e x e m p l o
a
t o d o s
o s q u e p o r
f o r t u n a
e c o m as
a r m a s
d e
o u t r e m a s c e n d e r e m
a o p o d e r .
.. .
P o r t a n t o ,
s e
j u l g a s
n e c e s s ár i o, n u m
p r i n c i p a d o n o v o , a s s e g u r a r - t e c o n t r a
o s
i n i m i g o s , c o n q u i s t a r
a m i g o s , v e n c e r o u p e l a f o r ça ou p e l a as túc ia , f a ze r - t e a m a d o e t e m i d o d o p o v o , s e r s e g u i d o e r e s p e i t a d o p e l o s
s o l d a d os , e x t i n g u i r
o s q u e
p o d e m
o u
d e v e m o f e n d e r , r e n o v a r
a s
a n t i g a s
i n s t i t u i çõ e s p o r
n o v a s l e i s ,
s e r s e v e r o e
g r a t o , m a g n â n i m o e l i b e r a l , d i s s o l v e r a m i l í c i a
i n f i e l ,
c r i a r u m a n o v a , m a n t e r a m i z a d e s d o s r e i s e d o s p r í n c i p e s ,
d e m o d o
q u e t e
s e j a m
s o l í c i to s n o b e n e f í c i o e
t e m e n t e s
d e
o f e n d e r - te , r e p i t o
q u e n ã o e n c o n t r a r á s
m e l h o r e s
e x e m p l o s q u e a s a ç õ e s d o d u q u e ( M a q u i a v e l , 1 9 8 7 , p . 3 2) .
1 1 E n g a n a - s e q u e m a c r e d i t a r q u e n a s g r a n d e s p e r s o n a g e n s o s n o v o s b e n e f í c i o s f a z e m e s q u e c e r a s a n t i g a s in júr ias .
O d u q u e e r r o u , p o i s , n e s s a e l e i çã o , e f o i e l e m e s m o o c a u s a d o r d e s u a ru í n a d e f i n i t i v a ( M a q u i a v e l , 1 9 8 7 , p . 3 3 ).
102
Alfa,
São
Paulo, 39: 87-109,
1995
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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m e n t e out ra p e s s o a que não ésar Bórgia. Com su a m or te , e le passou a ser a referência
mod e lar que dever ia ser observada pe lo
príncipe
qu e
e s t i v e s s e
d i spos t o a em pr eende r
a
formação
do Es t ado
i ta l i ano ,
im a g i n ada p o r M aqu i a v e l .
A
argumentação
p e la
fundamentação analógica o b e d e c e
a u m p r oc e s so de
raciocínio lógico em que s e r e l a c i onam e l emen t os c o l o cados em qua t r o pos ições : A
está
pa r a B as s im com o C
está
para D. Os do is pr ime iros
estão
c o l o cados n o p lano
hor izon ta l super ior e os do is
últimos,
no in fe r io r . Pere lman & Olbrech ts-Tyteca (1976,
p.501) propõem c h am a r t e m a thème) as un idad es A e B, que cor res pon dem à
conc lusão,
is to é , ao verdade iro sent ido a que se pre tende chegar quando se
u t i l i za
u m a
ana log ia , e supor te (phore) as un idad es C e D, encar regad as d e apo ia r o
rac ioc ínio , is to é , de func ion ar com o e lem ento cata l isador que , por u m processo de
seme lhanças ,
l e va o in t e r l o cu t o r a pe rc ebe r o t em a .
A i n d a s e gundo o s au t o r e s , o t ema e o supo r t e de v em e s t a r d i spos t o s numa
relação
assimétrica,
ao mes mo t e mp o em que de v em pe r t ence r a
domínios
d i s t in t o s .
Qu ando o s do i s e l emen t os que se c on f r on t am pe r t en cem ao mesm o
domín io ,
e
p o d e m s er s ubm e t i d o s a um a es t rutura c o m um , a ana lo g ia dá luga r a u m raciocínio
pe lo e x emp lo ou pe la
i lustração,
t em a e supo r t e f o rnec em do i s
c asos
pa r t i cu la r e s de
u m a
m esm a regr a (Pere lman & Olbrech ts-Tyteca , p .502) . Pelo fa to de e x is t i r u m a
diferença
tão
específica
ent re o processo
analógico
d e um lado e o e x em p lo e a
ilustração
de
ou t r o ,
o s au t o r e s c ons ide r am que
m u i t a s vezes
as
p e s s o a s
se c o n fund e m
o u
d e i x am
f lutuar essa
distinção.
Para
i lustrar , po rém,
c om o en t endem os o p r o c es so
analógico
e xpos t o pe l o s
au t o r e s, c i t a r emos u m t r e cho do d i s cur so
maquiavélico
que empr ega a ana lo g ia em
sua construção
pa r a de t e rm ina r o t ema e o su po r t e .
Obse rv e -s e
a s e gu in t e passagem
que apa r e ce na ca r t a po r me io da qua l Ma qu iav e l
o ferece
O
Príncipe
pa r a o
príncipe
Lor enzo de Med ic i :
N e m q ue r o q u e s e r e p u t e presunção o fa t o d e u m h o m e m d e b a i x o e ínfimo e s t a d o d i s c o r r e r
e r e g u l a r s ob r e o g o v e r no d o s
p r í n c i p e s ;
p o i s o s qu e d e s e n ham o s c on t o r n o s d o s países s e c o l o c a m
n a planície p a r a c ons i d e r a r a na tu r e z a d o s m on t e s , e p a r a c ons i d e r a r a d a s planícies a s c e n d e m
a o s m o n t e s , a s s i m também p a r a c onhe c e r b e m a na tu r e z a d o s p o v o s é necessário se r
p r í n c i p e ,
e
p a r a
c onhe c e r a d o s príncipes é necessário s er do povo . ( 1 987 , p .3-4 )
Como s e
p o d e
observar , o processo
analógico
e m M aqu i a v e l é b a s tan t e c o m
p l e xo , po i s no t r e cho ac ima r ep r oduz ido podemos pe r c ebe r uma ana lo g ia ma t r i z
c omp le t ada po r duas ana lo g ia s secundár ias . C o m e c e m o s a examiná- las , porém, d e
ba ixo para c ima, is to é , das
secundárias
pa r a a
p r inc ipa l .
P r im e i r am e n t e
diríamos
que o s do i s t e rmos c o r r e sponden t e s ao supo r t e da
pr ime i r a
ana lo g ia s e r i am
p r ínc ipe
e pov o ( t e rmos C e D ) que se r e l a c i on am
s ime t r i c amen t e c om s eu t ema , que p o d e se r expresso pe la oposição en t r e supe r i o
r idade e in fe r io r ida de ( t e rmos A e B).
Obter íamos,
a s s im , o s e gu in t e e squema : o
Príncipe está
pa r a o
P o v o ,
a s s im como a Supe r i o r idade
está
para a In fe r io r idade .
Obv i am e n t e essa ana log ia , como todas e las , expressa uma posição ideológica d o
su je i to
que a
constrói.
Alfa, São Paulo, 39: 87-109,1995
103
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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A o lado dessa ana log ia , po rém, podem os pe r c ebe r um a ou t r a qu e s e e s t r u t u r a
através do supo r t e Car tógrafo e M apa ( t e r m o s C e D ) qu e r e v e s t e o t e m a
M a q u i a v e l
e O Príncipe
( t e rmos
A e B ) . Nesse
s e n t i d o o b t e m o s
o
s e gu in t e
e squema :
o Cartógrafo está
pa r a
o
M a pa a s s im c o m o M aqu i a v e l
está
p a r a
O Príncipe.
A r e lação de dependênc ia qu e se e s tabe l e ce en t r e esses do i s e squemas n o s
parece levar
a
t o m a r
o
p r im e i r o c om o s upo r t e
e o
se g undo c o m o t e m a
d e
u m a
re lação
analóg ica
en t r e ambos ,
qu e
d e s i gnamos como an a lo g ia ma t r i z . As s im ,
o q u e
es tar ia
po r ba ixo d e t o d o e sse j og o ana lóg ico ser ia
u m
a r g u m e n t o através d o q u a l o e nun c i a d o r
esta r ia
mos t r ando - s e pa ra
s eu enun ciatár io
c o m o u m a
p e s s o a q u e
c onhece~ t an t o
o
povo , p o r s e r d e o r i g em s imp le s (não nob r e ) , quan t o as ques tões do pode r , e m
decorrênc ia de suas exper iênc ias à f r ente d o g o v e rno d e Sode r in i . Esses p r e c eden t e s ,
p o r t a n t o , torná-lo-iam
ap t o
a
p r o d u zi r u m m a p a
(O Príncipe) qu e
pode r ia o r i en t a r
o
pr ínc ipe n as d i r eções qu e d e v e r ia t om ar pa ra alcançar seus p r opós itos . E s sa a r g u
mentação é
p lane jada c omo f o rma
d e
levar
seu dest inatário a
ace i tar
u m
c on t r a t o .
Nesse
s en t ido , con fo rme p r ocuram os mos t r a r
n o
s u b i t e m an ter io r ,
a
c a r t a
d e
M a q u i a
v e l a Lorenzo n func iona c om o o instan te e m qu e s e ins taura o processo d e ma nipu lação
do
destinatário
pa r a
levá- lo a u m fazer .
Essa
é também a
r e spost a , po r t an t o ,
a o
fato
que l e van t amos n o i t em an t e r i o r desse capí tu lo quando v e r i f i c amos q u e e m t o d a
ed ição de O Príncipe, t a n t o em por tuguês quan t o em francês e i t a l i ano , e ssa car ta
apa r e c e s empr e c omo
u m a espéc i e de in t rodução do
t e x t o
m aqu iavé li co . E la e o
capítulo XXV I
i n d i c a m
a n arrativ ização d a enun ciação a qu e éstá i n t e r l i gado , c on fo rme
já
d e m o ns t r am o s ,
o
d i s cur so enunc iado
n os 25 capí tu los d o
t e x t o
m aqu iavé li co .
A
ana lo g ia
é,
c on fo rme p r e t endem os m os t r a r a c ima ,
u m
e x c e l en t e e xped i en t e
a r gu m en t a t i v o , n a
m e d i d a
e m
que ,
a l ém d e p e rm i t i r a ve icu lação de
u m p e n s am e n t o ,
c h a m a
a atenção
pa r a
a expressão l ingüística po r
m e i o
d a
qua l
e le é
man i f e s t ado .
O
Príncipe d e
M a q u i a v el
é
um t e x t o c o nce i t ua i que ,
a l ém de d i s cu t i r
u m te m a d e t e r m i
nado , ocupa-se também das es tr a tég ias d i s cur s i v as , qu e são l ingüíst icas p or exce lên
c ia ,
para es tabe lecer sua
b a s e
p r o p o s i c i o n a l:
a força d o
a r gum ent o pe la pa la v r a .
Con fo rme a f i rmam Pe r elman & Olbrech ts-Tyteca (p .535) , a ana lo g ia é a ba s e
sobre
a
qua l
s e
c r ia
a m etáfora.
Para
o s
autores , es ta
última
c ons i s t e numa ana lo g ia
condensada , r e su l t an t e
da fusão de u m
e l emen t o
d o
supo r t e
c o m u m
e l e m e n t o
d o
t e m a . É ne s s e s en t ido qu e podem os en t ende r q u e o r e su l t ado d o e s qu e m a a r g um e n
t a t i v o n o
t r e c h o
d a
c a r t a
q u e p r e c e d e O Príncipe,
an t e r i o rm en t e r ep r odu z ido , s e r ia
a
construção de u m a metáfora: a fusão dar -se- ia ent re o s t e r m o s B e D , O Príncipe é
i gua l a
M ap a .
É poss íve l
d e s t a ca r a inda mu i t o s ou t r o s tr e chos
d o
d i s cur so
d e
O Príncipe
q u e
fazem uso d o r e cur so a r gum enta t i v o da ana lo g ia . A l g un s são s imp le s ana lo g ia s , ou t r o s
têm a metáfora
c om o f ina l idade . Pa ra mos t r a r a l guns , c i ta r emo s s emp re
o
t e x t o
n o
o r i g i na l e m
i t a l i ano , po i s , m u i t a s
v e z e s , u m a t radução po de
d e s t ru i r
e sses
r ecursos
a r gu m en t a t i v o s ,
e m bo r a ,
a
nosso
v e r ,
u m a
b oa t r adução
se ja aquela
qu e
p r e s e r va
o
recurso l ingüíst ico d e um t e x t o , m e s m o q u e , para isso , pre c ise adaptá- lo à es t rutura
da língua pa r a a qua l o t e x t o está s endo t r aduz ido .
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Alfa,
São
Paulo,
39 :
87-109,
1995
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(1) [uno nomo pm dentel fare come li aicieri piudenti, a' quali, paiendo el loco dove
disegnano feriie troppo lontano, e conoscendo fino a quanto va la
virtú
dei loro arco, pongono la
mira
assai
piú alta che il loco destinato, non per aggiugnere con la loro freccia a tanta altezza, ma
per potere, con lo aiuto di si alta mira, pervenire al disegno loro.
( s . d . p . 7 6 )
1 2
(2) Dovete, adunqu e, saperecomo sono dua generazione di comba ttere: 1'uno con le leggi;
1'altro
con la forza; quel primo è próprio dello
uomo,
q uel secondo è delle bestie: ma perche il primo
molte volte non basta, conviene ricorrere a l secondo... Sendo, dunque, uno príncipe necessittato
sapere bene usare la bestia, debbe di quelle pigliare la golpe e ü lione; perche il lione non si defende
da'lacei, la golpe non si defende da'lupi. Bisogna, adunque, essere golpe a conoscere e lacei, e
lione a sbigottire e lupi.
( s . d . , p . 1 36-7 )
1 3
(3) E assom iglio quella lia fortuna] a uno di questi fiumi rovinosi, che, quando s'adirano,
allagano epiani, ruinano li alberi e li edifizii, lievano da questa parte terreno, pongono da queW altra;
ciascuno fugge loro dinanzi, ognuno cede alio ímpeto loro, sanza potervi in alcuna parte obstare.
E
benché
sieno cosi fatti, no
resta
però
che li uom ini, q uando sono tem pi qu ieti, non vi potessino
fare prowediementi e con ripari e argini, in modo che, crescendo poi, o egli andrebbano per uno
canale, o
1'impeto
loro non sarebbe né si licenzioso né si dannoso. Similmente interviene delia
fortuna; la quale dimonstra la sua potenzia dove non è ordinata virtú a resisterle; e quivi volta e s ua
im pe ti dove la sa che non sono fatü li argini e li ripari a tenerla. ( s . d ., p . 1 7 2 - 3 )
1 4
E m
( 1 ) o enunc iado r
e s tabe l e c e
uma ana lo g ia en t r e o
fazer
do arque iro e o do
pr ínc ipe .
Es t e
último d e v e
s er p rude n t e c o m o aque le para
alcançar
s eus ob je t ivos . Da
m esm a m ane ira que o arque iro faz sua
m i r a
u m pouco ac im a do a l v o a s er a t ing ido ,
M aqu i a v e l a c o n se l h a o
príncipe
a que p r o c ur e
fazer além
do que hav ia p lane jado p a ra
consegu i r , ma is s e guram en t e , a t ing i r s eu ob j e t i v o .
E m
(2) ocor rem d uas ana log ias que , in te r l igad as , dão or ige m a um a te rce i ra . A
p r i m e i r a
r e l a c i ona o ho m em e o s an ima is ; o p r ime i r o
d e v e
c omba t e r s e gu indo l e i s po r
e le me sm o es tabe lec idas , e nqu anto o segun do só
s a b e
c o m ba t e r u s ando d a
força.
Poderíamos
r eduz i r a p r im e i r a
relação analógica
à s e gu in t e
expr essão :
o Ho m e m
está
pa ra a Le i c o m o o A n i m a l está pa r a a Força.
12 [um homem prudente ] procede como os sete iros pruden tes que, querendo at ing ir um ponto m uito d is tante , e
conhecendo a capac idade do arco, fazem a
mira
em
altura
superior à do pon to visado. Não o fazem, eviden teme nte,
para que a flecha atinja t a l
al tura: valem-se
d a mi ra e levada apenas para ferir com segurança o lugar des ignado
mui t o mais abaix o (Maqu iavel, 1987, p.23).
13 Deve is saber, porta nto , que existem duas formas de se com bater: u ma pelas leis, outra , pela
força.
A pr imeira é
própria do homem ; a segunda, dos animais . Como,
porém,
mu i tas
vezes
a prim eira não seja suficiente , é preciso
recorrer à segunda (...)
Sendo,
por tanto , um
príncipe
obr igado a bem serv ir -se da natureza da besta,
deve
dela
tirar as qualidades da raposa e do
leão,
pois
este
não tem
defesa
a lguma contra os
laços,
e a raposa, contra os
lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos (Maqu iavel, 1 987, p.73).
14 Comparo-a [a for tuna] a um desses r ios impetuosos que, quando se encoler izam, alagam as
planícies,
destroem
as
árvores,
os
edifícios,
ar rastam montes de ter ra de um lugar para outro : tudo foge d iante de le , tud o
cede
ao seu
ímpeto,
sem poder obstar-lhe e, se bem que as coisas se passem ass im, não é menos verdade que os hom ens,
quando vol ta a calma, podem
fazer
reparos e barragens, de modo que , em outr a cheia, aqueles r ios correrão por
u m can al e o seu ímpeto não será tão l iv re nem tão danoso. Do mesmo modo a con tece c om a fortuna; o seu poder
é manifesto onde não existe resistência organizada, dir igindo ela a sua violência só para onde não se fizeram
diques e reparos para contê-la (Maqu iavel, 1987, p.103).
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A s egunda ana l o g i a r e l a c i ona o leão e a r apo sa ; o p r im e i r o s im b o l i za a força, a
segunda ,
a
e spe r t eza .
Essa ana log ia
po de se r então
r eduz ida
à
s e gu i n t e
ex pr essão : o
Leão está p a ra a Força c o m o a Raposa está p a ra a Esperteza .
O r e su l t ado d e s s e s d o i s p r o c e s s o s analóg icos c o n d u z à conc lusão de que o
homem, pa ra me lho r comba te r , p r ec i sa t an to da s caracter ís t icas própr ias d a n a tu reza
h u m a n a
qu a n t o d a a n im a l . Po r ou t ro l a do , ao se a sseme lha r c o m o s an ima i s , a dqu i r e
t a n t o
a e spe r t eza qu a n t o a força, qua l i d ad es e ssas meta fo r izadas n a f i gu ra d a r apo sa
e d o
leão,
r e s p e c t i v a m en t e . Nesse s en t i d o , o con se lh o d e M a qu i a v e l c o n s i s te em faze r
o pr ínc ipe
p e r ceb e r que , p a ra p oder d e r ro ta r
o
i n im igo , n ecess i t a
se r
e sp e r t o
n o u s o
das le is e d e s t em i d o no u s o da f o r ça .
15
N e s s e p r o c e s s o a r gu m en t a t i v o , a m etáfora é
o su p o r t e d o p r o c e s s o analóg ico f undamen ta l .
E m (3) o p r o c e s s o a r gu m en t a t i v o é o contrár io do que o co r r e em (2 ) . A g o r a
de s e n v o l v e - s e
u m a c ondensação da
ana l o g i a d ando o r i g em , segu ndo Pe re lman
&
Olb rech ts -Ty t eca , à m etáfora; u m it e m d o supo r t e é idênt ico a o u t r o d o t em a . A s s im ,
essa ana l o g i a p o d e s e r d esc r i t a d a s egu in t e m ane i ra : a F o r t u n a é tão V i o l en ta quan to
u m R io que ex t ra va sa em função de u m a ch e i a (A está p a ra B
c o m o
C está p a ra B).
A metáfora expressa em (3 ) é amp l i a da , ma i s ad i an t e , p o r um a ou t r a q u e con s i s t e
em re l a c i ona r a Itália à f o r tuna . N e s s e s en t i d o , o enunc iado r es tar i a cons t ru ind o s eus
a r gu m en t o s , qu e s e f o rm a m p o r m e i o d a uti l ização retór ica d a l i n gu age m , pa ra d i z e r
qu e a Itália está
c o m o
u m r io qu e ex t ra va sou n a ch e ia , co r r endo s e m r u m o , s e m
direção. É p r ec i so qu e u m p r ínc ip e p r o p o n h a a construção de d iques para cana l iza r
suas águas, r eo rgan i zando , a ss im , o E s tado i t a l i ano .
Ou t ro
r ecu rso r e tór ico qu e ve m a m p l i ar a ef icácia a r g u m e n t a t iv a d o d i s cu r s o d e
O
Príncipe
é o
qu i a sm o .
E m
d e t e rm in a d a s
p a s s a g e n s
cer tas ana log ias
o u metáforas
são re forçadas por m a i s esse exp ed i en t e . I sso p o d e s e r c l a r a m en t e o b s e r v a d o n o s
segu in t es t r echo s d e s eu t e x t o :
(4 ) E interviene di questa come dicono e
Ssici
dello ético, che, nel principio dei suo male,
è íacile a curare e difficile a conoscere, ma , nel progresso de i tempo, no n 1'avendo in principio
conosciuta né medica ta, diventa facile a conoscere e difficile a curare,
( s . d ,
p . 6 5 ) .
1 6
(5 ) E principali fondamenü che abbino tutti li stati, cosi nuovi come vecchi o misti, sono le
buone legge e l e buone arme. E perche e'nonpuò essere buonelegge dove no n sonobuone arme,
e dove sono buone a rme conviene sieno buone legge, io lascerò indrieto el ra0onare delle legge e
parlerò delle arme (M a c h i a v e l l i , s . d ., p . 1 1 0 ) .
1 7
.
15 É
possível
observar que essas analogias util izadas por Maqu iavel nâo sâo
or ig ina is.
Esopo
e
Fedro, era suas
fábulas,
já
hav iam re lacionado
o leão à força e a
raposa
à astúcia. Os
fabul is tas inc lus ive mostram co mo,
e m
determinadas
situações, vale
mais
a
esperteza
que a força.
16
D a tísica
dizem
os médicos
que,
a p rincípio, é fácil de
curar
e difícil d e
conhecer,
mas c om o
correr
d os
tempos,
se não foi
reconhec ida
e
medicada, torna-se
fácil de
conhecer
e difícil de
curar (Maquiavel, 1987, p.12).
17 E as pr inc ipais bases que os Estados têm, sejam novos, velhos o u mistos , s ão boas leis e boas armas. E
c o mo
não
podem exis t i r
boas
leis onde
não há
armas boas,
e
onde
há boas
armas
convém que
exis tam
boas
leis,
referir-me-ei apenas
às
arma s (Maquiavel, 1987, p.49).
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São
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Os recursos
retór icos,
t a i s c omo
a metáfora e o
qu ia smo , fa zem pa r t e
d o
e s qu e m a
a r g um e n t a t i v o
d o
t e x t o
d e
M aqu i a v e l ,
n a
m e d i d a
em que são r esponsáve i s
p e l o
e s t abe l e c imen t o
d e
d e t e rm in ados e f ei t os
d e
s en t ido .
A metáfora, que
c o n s is t e nu m
processo de cond ensa ção analóg ica, é responsáve l p e l o reforço, expresso n o e n u n c i a
d o , d e um a d e t e r m inada caracter ís tica qu e está na intersecção d o t e r m o subs t i tu i do r
c o m
o subst i tu ído.
As s im , d i z e r
qu e a f o r tuna é u m ri o qu e
e x t r a vasou
n a
c h e i a
e
d e s c e d e s t r u i nd o t ud o qu e encon t r a pe la f r en t e é u m a m ane i r a d e des tacar , d e
enfa t izar
a idé ia d e qu e a f o r tuna é a l go
qu e
não po de s e r
c on t r o lado
e
qu e
p o d e
causar
sérios
d ano s .
Po r
m e i o
d a ut il i zação dess e
r e cur so
retór ico, o
e nunc i a d o g anha
força
a r gu m en t a t i v a po rque t r a v e s t e d e u m a i m a g e m o c once i t o qu e p r e t ende
t ransmi t i r
pa ra o enun ciatár io .
Isso
é
u m a p ro v a
t ambém d e qu e o s
r e cur sos
retór icos
n u n c a
t êm
a função ingênua d e a d o r na r u m t e x t o .
O
qu ia smo , c omo p r e t endemos demons t r a r ,
é
um p r o c e d im e n t o a r g um e n t a t i v o
que ,
p or sua caracter ís t ica d e
c r u z am e n t o
d e
t e r m o s
n o
e nunc i a d o ,
t e m
com o e fe i to
de s en t ido reforçar u m con t r as t e e xp r e sso n o p l a n o do conteúdo .
E m ( 4 ), po r
e x e m p l o ,
o
enunc iado r pa r t e
d e u m a e s p éc i e d e
d i t ad o , is t o
é , de
u m
p e n s am e n t o qu e t e m a f o rma d e v e r d ad e c on s e n s ua l : u m m a l d e v e s e r e l im in ad o
l o g o n o seu in íc i o ,
po rque , depo i s
d e
p r o p a g ad o ,
t a l
empr e sa
p o d e
to rna r - s e impos
s í v e l . Ao invés de
d izer
c o m es s as
pa la v r as ,
po rém, seu
d i s cur so
v a i se
va le r
d e
u m a
construção l ingüística específ ica (o quiasmo) para enfa t izar como é i m p o r t a n t e q u e
u m pr ínc ipe
s e j a p ruden t e
n a s
suas
ações .
Pr ime i r amen t e ,
p o r
m e i o
d e
u m p r oc e s so
ana lóg i co , elege
c o m o m o d e l o
d e
m a l
a t í s ica ,
pa r a ,
e m
s egu ida , j o ga r c o m
o s
va lores
f a c i l i d a d e e d i f i c u l d ad e d e cu ra r e perceber , e m d i f e r en t e s moment os n o t e m po :
n o
início é fácil
cu ra r ,
m as d ifíc il
p e r c ebe r ;
c o m o
t e m p o ,
fácil
p e r c ebe r ,
m as di fí c il
cu ra r .
Da m e s m a f o r m a ,
e m (5 ) ,
para de s tacar
a impor tânc ia da s
a r m a s
e m
u m Es t ado ,
o e nunc i a d o r a contrapõe às le is para const ru i r o qu i a s m o : s ó e x i s t em boas l e i s ond e
há
boas a rm as
e
o nd e
há
boas a rmas
é necessár io que
e x i s t am boas l e i s .
Conclusão
Para perseguir nosso ob je t ivo
p r i n c i p a l ,
qu e c o n s i s t i u e m e xp l i c i t a r c e r t o s
processos
de o r gan ização
d i s cur s i v a
d e u m
t ex to escr i t o , e laboram os
e s t e
t r aba lho
c o m d o i s
propós i tos .
E m
p r im e i r o luga r , p r e t endem os ap r e s en ta r
u m
p ano r am a
h i s tó r ico e m qu e se
d e u
a construção d o d i s cur so d e O Príncipe, po rque ac r ed i t amos qu e t odo t e x t o r e fl e t e,
d e um a fo r m a m a i s
o u
m e no s i n t e n s a ,
as formações
d i s cur s i v as
qu e
c o r r e s p o nd e m
às
formações ideo lóg icas
d o m i n a n t e s
n o
am b i e n t e
cu l tu ra l d e qu e e l e é fruto .
Essa
pos ição, po r t an t o , le va em cons ide ração a d imensão sóc io -h i s tór ica das con d ições de
produção d o
t e x t o .
E m s e gundo luga r , e s te t r a b a l h o p r opôs ve r i f icar os m e c an i s m o s d i s c u r s iv o s , a
m a n e i r a
c o m o
é
e laborada
a organização
na r r a t i v a
d o
t e x t o
maquiavé l ico
pa r a
a
Alfa,
S ão
Paulo,
39 :
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produção d o
m a n u a l
e os
re cu rso s a rgum en ta t i vo s u t i l i z ado s pa ra
a construção de
seu d iscurso .
D o p o n t o d e v i s t a da evo lução do p en sa m en t o o c i d en t a l , O Príncipe r ep resen ta
u m d o s idea is b ás icos do Renasc imen to , i s t o é , a recupera ção do p e n s a m e n t o pa gão
d a An t igüidade Cláss ica qu e está c en t rada n o h o m e m , c a pa z a té de human i za r sua s
d i v indades . I sso p o d e s er con s ta tado p o r m e i o d a p ropo s ta qu e M a q u i a v e l f a z em s eu
t e x t o d a fundação d e u m E s tado cu j o d i r i g en t e t en ha u m p od e r qu e não d e v e
submete r - se a o d a Igre ja . I sso não s ign i f i ca , po rém, qu e e le n e g u e os d o g m a s d a Igre ja
Católica; apenas d e f e nd e qu e o pr ínc ipe , p a ra conduz i r com au ton om ia s eu s ob je t i vos ,
n ão p o d e
submete r - se
a
n en h u m o u t r o po d e r m a i o r.
A rel igião
d eve r i a
c u m p r i r o
p ap e l
d e d i s c ip l i n ado ra do indiv íduo.
D o p o n t o d e v i s t a da sua o r gan ização t e x tua l , O Príncipe apresen ta -se n a f o rma
d e u m m a n u a l
de instrução qu e
t em po r ob j e t i vo f orn ece r
a seu en unciatário
u m saber
pa ra qu e e s t e rea l ize u m fa z e r. D i f e r en t emen te , po rém, dos m a n u a i s c o m u n s , c o m o
u m a r e ce i t a d e co z inha ou um t ex to q u e en s in e
c o m o
con s t ru i r d e t e rm inado apa re lh o ,
p o r ex emp lo , o d i s cu rso maqu iavé l ico p r ec i sa cons t ru i r s eu o b j e t o co gn i t i vo ( o sabe r )
pa ra convence r s eu enunc ia tár io de qu e e le d i z um a ve rdade . Para t an to d e s e n v o l v e
u m
p r o c e s s o
a r gu m en t a t i v o b a s t a n t e s im p l es qu e con s i s t e n a apr esentação de u m a
série de i lustrações para con f i rmar suas p r opos ições . Sua es t rutura , p o r t a n t o , é a de
u m t e x t o d o t i p o não-l iterário d e caráter d i s se r ta t i vo .
U m a úl t ima cons ideração que p o d e m o s fazer n es ta conc lusão r e fe r e - se a u m a
po ss ib i l i d ad e d e a b o r d a g em qu e não c h e g a m o s a d e s en v o l v e r a qu i , m a s que , fu tura
me n te , t en c i onam os r ea l iz a r. S egundo M a in gu ene au ( 1989) , o p r o c e s s o d e
c on s t i t u i
ção d e um d i s cu rso é s em p r e he te r ogêneo , i s t o é, t o do d i scu rso constró i-se em
opos ição a o u t r o . O c a m i n h o a
t r i l har
part i r ia d e u m l e v a n t am e n t o da s caracterís ticas
do d i scu rso d a I d ad e Méd ia p a ra , e m s egu ida , contrapô-las às de O Príncipe. Po r m e i o
do e x a m e d a h e t e r o g en e i d a d e c o n s t i t u t i v a d o d i s cu rso a c r ed i t amos q u e e s ta ri a m a i s
b em es tab e l ec id o
o e l o
en t r e
o a sp e c t o l ingüíst ico e o his tór ico na
p e r s p e c t i v a
d a
anál ise d o d i s cu rso .
CORTINA,
A . The h istoric cond it ions of generation o f The Prince by Niccolò Mach iavel l i and
it s discursive organization.
lf a (São Paulo),
v.39, p.87-109,199 5.
• ABSTRACT: The aim of this essay
is
to briefly present th e historic context in which
Niccolo
Machiavelli's
The Prince
w as
produced.
The
socio-economic aspect
of the
Italian cities during Renaiss ence
was
focused, in order to stablish
a
profile of t h e Renaissance person. Then, th e organization of Machiavelli's
text is presented, stressing tw o aspects: its characterization a s a manua l, aiming th e construction of a
knowledge,
and the
argumentative
and
rhetoric procedures of
its
discourse.
• KEY WOR DS: Discourse; text; enunciation; historic context; narrativity, argumentation.
108
Alfa, ao Paulo, 39: 87-109, 1995
8/17/2019 As condições históricas de produção de O príncipe de Maquiavel e sua organização discursiva.pdf
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Tese
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8 MAINGUENEAU,
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