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A QUESTÃO HABITACIONAL NO CAMPO DA HISTÓRIA NO
BRASIL NOS ANOS 1970-19801
Esse texto apresenta parte do levantamento bibliográfico e historiográfico, em
andamento, da questão habitacional no Brasil, em particular das relações entre movimentos
sociais, habitação e cidade, que busca subsidiar o desenvolvimento do projeto de pesquisa
Nova Rosa da Penha e as invasões urbanas na região da cidade de Vitória-ES nos anos 80,
cujo objeto da pesquisa é a configuração política que envolveu o processo de formação do
Bairro Nova Rosa da Penha em Cariacica-ES2 (1983-1986).
O debate sobre a cidade e a moradia, em particular, a moradia operária e popular (vilas
operárias, cortiços, favelas, mocambos, invasões, ocupações) e as ações coletivas em seu
entorno, ainda é um campo de investigação em expansão entre os historiadores brasileiros, ao
contrário dos geógrafos, arquitetos, urbanistas, advogados, assistentes sociais, antropólogos,
cientistas políticos, assistentes sociais, economistas e sociólogos, que se destacam por uma
tradição de reflexão, balanços bibliográficos e de inovações teórico-metodológicas3.
No campo da história, observamos diversas tentativas, como ilustram Carpintéro e
Cerasoli (2009)4, de “historiar” e de reconhecer a historicidade dos objetos e temáticas, mas,
muitas vezes, infelizmente, governadas pela busca das origens e das “dinâmicas de
transformações”, de modo que acabam mergulhadas numa ideia de história ainda cronológica,
linear, progressiva e homogênea5, em que o passado aparece como inventário de eventos,
1 Igor Vitorino da Silva. Mestrando em História/UFPR e professor de História Campus Pinhais/IFPR. 2 A região da cidade Vitória, capital do estado Espírito Santo, nos anos 80 era formada pelos municípios de Vila
Velha, Vitória, Cariacica, Serra e Viana. Ela viveu os efeitos do processo metropolização impulsionados pelo
desenvolvimento econômico, particularmente a implantação dos grandes projetos industriais. Em 1980, aqueles
municípios aglomeravam juntos 706.263 mil habitantes, sendo a cidade de Cariacica 189.099 mil habitantes, o
que era quase 27% da população da Região da cidade de Vitória. Já em 1991 a Região da cidade de Vitória
tinha 1.136.842 habitantes, tendo a cidade de Cariacica 274.532, representando 24 % da população. 3 CARPINTÉRO, M. V. T.; CERASOLI, J. F. A cidade como história. In: História: questões & debates,
Curitiba, n. 50, p. 61-101, jan./jun., 2009. 4 Idem. 5 Idem.
personagens e fatos (conhecido como gênero biografias urbanas6) ou campo de
experimentação de teorias.
Essa distância e o interesse fragmentado da investigação sobre cidade, habitação e
movimentos sociais dos anos 70 e 80, no campo histórico, pode ser explicada pela própria
emergência da questão urbana no Brasil, nos 1960 e 70, dentro do contexto do processo de
modernização econômica sob o Regime Militar. Esse processo sustentado por um intenso
fluxo migratório e um acelerado processo de urbanização, o que fazia dessa temática um
objeto inscrito no “tempo presente”, sendo, naquele período, “inapropriado” aos historiadores.
O urbano que se constituía nos anos 1970 e 80, principalmente nas grandes cidades,
reconhecido como processo de metropolização, marcado por desigualdades e diferenças
socioeconômicas profundas e pelo crescimento das favelas e das periferias, constituía-se em
objeto de investigação da geografia, sociologia, arquitetura e urbanismo, antropologia,
resultando inclusive na emergência das disciplinas especializadas tais como planejamento
urbano, geografia urbana, sociologia urbana e antropologia urbana7.
Além disso, em parte do debate acadêmico, aquecido pelos ares marxistas, colocava-se
a questão de compreender a lógica da constituição ditas (ou categorizadas políticas e
socialmente com) “populações marginais”, das quais a grande massa de migrantes e
moradores das favelas e periferias constituía uma expressão empírica. Desvelar esse universo
social, compreender suas conexões, as centralidades sociais e econômicas, marcaram as
grandes obras antropológicas e sociológicas do período8. Pereira e Peixoto (2014) ao
6 Segundo Luis Octávio da Silva a história urbana de linhagem anglo-saxônica e norte-americana buscou
nos anos 60 e 70 afastar-se do gênero biografia urbana, construindo estratégias metodológicas e epistemológica
para instituir o campo da história urbana e a cidade como objeto autônomo de pesquisa. SILVA, Luis Otávio da.
Cidade e História: um olhar epistemológico. In: Integração, abr./mai./jun., 2004, ano X, n. 37, p. 111-126. 7 Os textos indicados permitem compreensão panorâmica da emergência da questão urbana no Brasi nos
70l e diferentes incursos teóricas e acadêmicas para compreendê-la. SCHMIDIT, Benicio Vieiro. O Estado e a
política urbana no Brasil. Porto Alegre: EdUFRGS, 1983. FELDMAN, Sarah. 1959. A década de crença no
planejamento regional no Brasil. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 13, Florianópolis, 2009. Anais...
ANPUR: Florianópolis, 2009. VILLAÇA, F. J. M. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no
Brasil. In: DEAK, C.; SCHIFFER, S. R. (Org.). In: SHIFFER, Sueli Ramos et al. O processo de urbanização
no Brasil. São Paulo: Edusp, 1999. p. 169-244. 8 No campo intelectual que discutiu a questão urbana no Brasil sob seus aspectos habitacional e
movimentos sociais destacando-se as obras aqui listadas, que se constituem na historiografia do campo e, muitas
outras obras, em referencial teórico de várias áreas. São obras significativas para o desenvolvimento de nossa
pesquisa, pois o engajamento social dos seus escritores e sua contínua participação na “agenda pública” da época
permite perceber a circularidade social e política das ideias produzidas nesse contexto, principalmente quando
analisamos os manuais e cartilhas, panfletos e periódicos divulgados pelos movimentos populares, especial
movimento de moradia ligados a Igreja Católica e assessorias da FASE – Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional: VALLADARES, Lícia do Prado. Estudos recentes sobre a habitação no Brasil: resenha da
literatura. In: VALLADARES, Lícia do P. (Org.). Repensando a habitação no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1983. p. 21-77. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio
comentarem sobre a historiografia dos anos 70 argumentam sobre emergência da história
urbana no Brasil:
A história era resgatada na medida em que permitia compreender a natureza do
artefato urbano, entendido como obra humana, e com tal dotada de sentidos que se
formam em temporalidades diversas. O espaço construído começava a ser entendido
como um suporte privilegiado para a leitura destas inscrições de sentido e a história
permitia captar a diversidade no tempo e complexidade dos laços que unem objeto
urbano e práticas sociais9.
Observa-se que, com a erupção de movimentos sociais reivindicatórios de contestação,
as condições de vida urbana precária impostas nas grandes cidades nos anos 70, o debate
acadêmico nas ciências humanas voltou-se à discussão sobre a constituição dos sujeitos
sociais10 tendo como foco, não as relações produção e espaço da fábrica, mas as relações
sociais e o espaço social como campo da produção da consciência de classe. De outro lado,
buscou-se perceber o quanto essas ações coletivas rompiam com a cultura política tradicional
brasileira, chegando, muitas vezes, a enquadrá-las em programas ideológicos políticos pré-
estabelecidos, como bem evidenciou Doimo (1995) nas discussões sobre a teoria dos
movimentos sociais11.
O mais importante desse período dos anos 1980 foi que as categorias cotidiano e
de Janeiro: Zahar Editores, 1981. VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de
remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. VALLADARES, Licia. Propostas
alternativas de intervenção em favela: o caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1985.
VALLADARES, Lícia do Prado; MEDEIROS, Lídia. Pensando as favelas do Rio de Janeiro: 1906-2000: uma
bibliografia analítica. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2003. PERLMAN, Janice. O mito da marginalidade:
favelas e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ZALUAR, A. A máquina e a revolta: as
organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1985. LEEDS, A.; LEEDS E. R. A
sociologia do Brasil urbano, Rio de Janeiro, Zahar, 1978. DURHAM, Eunice. A caminho da cidade. São Paulo:
Perspectiva, 1978. CALDEIRA, Teresa P. R. A política dos outros - o cotidiano dos moradores de periferia e o
que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo, Brasiliense, 1984. 9 PEREIRA, Margareth da Silva Pereira; PEIXOTO, Priscilla Alves. O passado como construção: perfis
da historiografia sobre o Rio de Janeiro - temas e problemas (1978-1992). In: PEIXOTO, Elane Ribeiro;
DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO, Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo (Orgs.). Tempos e escalas da cidade
e do urbanismo. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO, 13, Brasília, 2014.
Anais... Brasília, DF: Universidade Brasília- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2014. Disponível em:
<http://www.shcu2014.com.br/content/passado-como-construcao-perfis-da-historiografia-rio-janeiro-temas-e-
problemas-1978-1992>. Acesso em:10 jul. 2016. 10 Os historiadores Sidney Chalhoub e Fernando Teixeira da Silva comentam essa ginada interpretativa
dos anos 1980: “as transformações nas formas e práticas de participação política e na experiência do trabalho
entrelaçam-se de modo historicamente particular desde o contexto dos anos 1980, reverberando na produção
acadêmica em diálogo contínuo[...]por mais separados que estivessem em seus nichos institucionais específicos,
historiadores sociais sempre souberam que compartilhavam com seus pares a ênfase nos modos de os sujeitos
históricos dominados — ou oprimidos, subordinados, subalternos, segundo o pedantismo teórico de cada um —
lidarem com as estruturas de reprodução de injustiças e desigualdades às quais, via de regra, não podiam
escapar”. CHALHOUB, Sidney & SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL, v.14, n.26, 2009, p.44-45. 11 DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil
pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995.
cultura emergiram como campo fundamental para pensar a formação da classe operária e as
ações coletivas. No caso dos estudos marxistas, houve uma grande diversidade téorico-
metodológica, destacando-se tanto as obras dos marxistas estruturalistas, como Cristian
Topolov, Jean Lojkine e Manuel Castells, em que a cidade é pensada a partir da lógica
estrutural do capital, os seus sujeitos e suas dinâmicas derivadas12, quanto investigações no
campo da antropologia, sociologia e história, já sob inspiração da história social inglesa, em
que a formação dos sujeitos sociais são pensadas a partir dos contextos de lutas e experiências
dos sujeitos13.
Nesse contexto, os estudos que tomam as relações entre cidade, habitação e
movimentos sociais no campo da História no Brasil ainda são diminutos. Tal situação pode
ser explicada pela própria dinâmica política do campo que tendia, como já comentamos, a ser
dominada pela tradição disciplinar que privilegiava objetos recuados no tempo. Cabe lembrar
que ainda nos anos 1980 e 1990 a história do tempo presente não havia florescido no país
(apesar de a história oral já ter predominância). Além disso, a própria subordinação às
temáticas que envolviam a história social e a história econômica, como escravidão, classe
operária e cidade moderna, em que a questão da habitação e seus movimentos sociais
correlatos podiam aparecer como ilustração ou subtema14.
12 Esses são teóricos do urbano que influenciaram o debate teórico no Brasil: TOPALOV, Christian. La
urbanizacion capitalista. Cidade do México: Ed. Edico, 1979; CASTELLS, M. A questão urbana. São Paulo:
Paz e Terra, 1983; LOJKINE, Jean. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981;
LÉFÈBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: EDUFMG, 2004. 13 Nos anos 1980, houve um grande empreendimento, principalmente de campos teóricos filiados ao
marxismo, para instituir a noção de classes populares, que tentavam compreender os processos e estratégias de
constituição de sujeitos políticos no interior de “uma sociedade” constituída pela heterogeneidade social. Trata-
se, ainda, de descobrir os sujeitos da história, o que no caso de muitas análises políticas e social significava
reconhecer a capacidade dos “novos movimentos” de imporem uma transformação social, os textos que seguem
são testemunhos desse debate: PAOLI, M. C.; SÁDER, E. Sobre 'classes populares' no pensamento sociológico
brasileiro (notas de leitura sobre acontecimentos recentes)". In: CARDOSO, R. (Org.). A aventura
antropológica. Teoria e pesquisa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. p. 39-67. SADER, Eder. Quando novos
personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80).
2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 11. 14 Os textos selecionados seriam exemplos do exposto, neles se tece uma história da moradia popular, dos
espaços da pobreza e dos pobres em contraste aos processos de modernização e buscam “disciplinarização e
normalização” do espaço urbano e da vida urbana. FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano (1880-1924). São Paulo:
EDUSP, 2001; PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século
XIX. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001; BRESCIANI, Stella. Londres e Paris no séc. XIX: o
espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1994; PINTO, Maria Inês Machado Borges. Cotidiano e
sobrevivência: a vida do trabalhador pobre na cidade de São Paulo, 1890-1914. São Paulo: USP, 1984. 303 p.
Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, 1984. SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na
metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. RAGO,
Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil: 1890-1930. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997. GOMES, Flávio dos Santos et al. Cidades negras: africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil
escravista do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006. A historiografia inglesa e francesa publicada nos 1980,
também, tocava a discussão sobre a moradia a partir das condições de vida da classe trabalhadora das quais se
Na realidade, o campo da história urbana no Brasil privilegiou a investigação da
emergência da cidade moderna nos trópicos tendo como pano de fundo as experiências
urbanas, transformações sociais e culturais e intervenções sociais e políticas, tendo como
objeto de investigação cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e
outras15. Nessas investigações desponta-se a “questão da moradia popular” no contexto da
política de medicalização da cidade apresentando-se como elas eram vistas social e
politicamente pelos “modernizadores urbanos e pelas elites” e as práticas sociais que lhes
eram dirigidas [estigmatização, despejos, remoção], como sugere a historiadora Margareth
Rago (1997):
A preocupação que sustenta toda a discussão sobre o problema da moradia dos
pobres está centrada muito mais na vontade de regenerar as classes populares
decaídas, segundo a representação imaginária do poder, do que no sentido de
responder funcionalmente ao problema habitacional16.
Nessa perspectiva, destaca-se a obra Cidade Febril, de Sidney Clhoulb, que nos mostra
as estratégias políticas e sociais, apoiadas numa rede de saberes especializados, que levaram à
remoção dos cortiços da cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX17. Assim como
Paulo César Garcez Marins18 no texto “Habitação e vizinhança: limites da privacidade no
surgimento das metrópoles brasileiras”, ao destacar a articulação entre políticas
segregacionistas das elites políticas republicanas do final do século XIX e início XIX e o
intenso investimentos das elites econômicas em espaços urbanos com vizinhanças
homogêneas, revela-nos o lugar e as condições socioeconômicos destinadas as camadas mais
pobres da população.
descatam: PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988; HOBSBAWM, Eric. Os trabalhadores: estudos sobre a história do operariado. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1981;THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa, v. I, A árvore da liberdade. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987 THOMPSON, E. P.. A formação da classe operária inglesa, v. II, A maldição de
Adão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; THOMPSON, E. P.. A formação da classe operária inglesa, v. III, A
força dos trabalhadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; 15 Essa abordagem historiográfica aponta Carpinteiro e Carasoli, ainda, “apreende a cidade como cenário,
panorama, ou depositária de uma trajetória histórica” 2009. p. 97. 16 RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: A utopia da cidade disciplinar: Brasil: 1890-1930. 3. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 189. 17 CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999. p. 23. 18 MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das
metrópoles brasileiras. In: NOVAIS, Fernando A. (Coord.); SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida
privada no Brasil, v. 3 - República: da Bélle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998,
p. 131-214.
Maria Stella Martins Bresciani19 em “As sete portas da cidade”, ao listar as diferentes
formas de abordagem de pesquisa em relação à cidade na historiografia brasileira, destaca a
porta pelo viés da questão social, no que se encaixa as obras citadas, em que, às vezes, como
tema central, ou outra, como ilustração, aparece a questão da moradia. Carpinteiro e Carasoli
(2009) ao realizarem, também, um balanço da história da cidade no campo da história
afirmam:
Inicialmente, as chamadas histórias de cidades, como narrativas evolutivas desde as
origens; nas décadas de 1960 a 80, a história econômica e social, sobretudo de
matriz teórica marxista, que apreende a cidade como lugar de engendramento das
forças capitalistas e de tensões sociais e políticas; por fim, na década de 1990, a
história cultural, que “veio proporcionar uma nova abordagem do fenômeno
urbano”20.
No artigo “História e Historiografia das cidades, um percurso”, a historiadora
Bresciani (1998), ao resenhar as possibilidades de investigação da cidade, a partir de sua
materialidade urbana, ressaltando a moradia como temática, tece as relações políticas e de
poder que envolvem os saberes sobre o urbano, em especial o urbanismo, colocando entre
parêntesis sua retórica de neutralidade. A autora, também, apresenta como ideia de progresso
permeia e alimenta as representações e práticas sobre a cidade moderna, fazendo sua
expressão estética o elemento regulador, ordenador e avaliador de sua organização e
funcionamento da vida urbana21.
O historiador Ronald Ramielli (1997)22, ao discutir a constituição do campo da história
urbana, arrola as distintas abordagens teóricas e metodológicas que estruturam o debate sobre
a cidade no Brasil e na historiografia internacional, ressaltando o avanço na ampliação das
fontes históricas e a problematização da história urbana a partir das relações sociais, o que se
desdobrará com a emergência da história urbana cultural. Aliás, Ronald Ramielli faz uma dura
crítica à tendência, na época da produção de seu artigo, de investigar as cidades brasileiras a
partir dos modelos europeus, tendo como referencial teórico e metodológico, quase exclusivo,
a obra filosófica e histórica de Walter Benjamin.
Nesses dois balanços historiográficos, percebe-se o quanto cidade, moradia e luta por
19 BRESCIANI, Maria Stella Martins. As sete portas da cidade. Espaço & Debates. Cidade e História, n.
34, ano XI, neru, 1991. BRESCIANI, Stella. História e historiografia das cidades um percurso In: Historiografia
brasileira em perspectiva. FREITAS, Marcos César (Org.). São Paulo, Contexto, 1998, 237-258. 20 CARPINTÉRO; CERASOLI, Ob. Cit., 2009, p. 88. 21 BRESCIANI, Stella, Ob. Cit.,1998, p. 239. 22 RAMINELLI, Ronald. História urbana. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.).
Domínios da História: ensaios de teoria e método. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. p.185-202.
moradia, ainda, encontram-se como temas periféricos nos investimentos de grupos de
pesquisas no campo da História. Dos trabalhos produzidos, desde os anos 80, buscando
produzir uma história da habitação, em especial da moradia popular e das políticas públicas de
habitação, grande parte foram produzidos por geógrafos, arquitetos, urbanistas e sociólogos23.
O historiador Lucas Eduardo Gaspar (2015)24, em recente revisão historiográfica,
apresenta um pequeno número de teses e dissertações envolvendo cidade, moradia e luta por
moradia, ligadas à produção do Programa de Pós-graduação em História da UFU e do
Programa de Pós-graduação em História da Unoeste. Tais obras se destacam por capturar
processo de apropriação do espaço, a partir das lutas por moradia (ou direito à cidade), tendo
como fontes históricas principais depoimentos orais e as fontes jornalísticas25. Há uma
23 Todas as obras aqui levantadas são referências historiográficas do debate da habitação no Brasil,
entretanto, quase todas, foram produzidas por especialistas não historiadores, distantes das abordagens teóricas e
metodológicas do campo histórico: AZEVEDO, Sérgio. A crise da política habitacional: dilemas e
perspectivas para o final dos anos 90. In. AZEVEDO, Sérgio de; ANDRADE, Luis Aureliano G. de (Orgs.). A
crise da moradia nas grandes cidades – da questão da habitação à reforma urbana. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1996. PECHMAN, Robert M.; RIBEIRO, Luiz C. de Queiroz. O que é questão da moradia. Coleção
Primeiros Passos, n. 92. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983. SACHS, C. São Paulo – Políticas públicas e
habitação popular. São Paulo: Edusp, 1999. SILVA, M. O. S. Política habitacional brasileira: frente e verso.
São Paulo: Cortez, 1989. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do
inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: estação liberdade, 2004. RODRIGUES, Arlete Moysés.
Moradia nas cidades brasileiras. 5. ed. São Paulo: Contexto, 1994. SANTOS, Milton. A urbanização
brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993; BLAY, E. A. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São
Paulo. São Paulo: Nobel, 1985. MARICATO, Ermínia (Org.) A produção capitalista da casa e da cidade no
Brasil industrial. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1982; BOTELHO, Adriano. O urbano em fragmentos. A
produção do espaço e da moradia pelas práticas do setor imobiliário. São Paulo: Annablume Fapesp, 2007;
ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo:
Studio Nobel: Fapesp, 1997. BLAY, Eva Alterman. A luta pelo espaço: textos de Sociologia Urbana. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1979; SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 7. ed. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2007. SHIFFER, Sueli Ramos et al. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Edusp, 1999.
MARICATO, Ermínia. Habitação e cidade. Série Espaço & Debate. 3. ed., São Paulo: Atual Editora, 1997.,
VALLA, V (org). Educação e favela: políticas para as favelas do Rio de Janeiro, 1940-1985. Rio de Janeiro, Ed.
Vozes, 1986, PERLMAN, Janice. O mito da marginalidade: favelas e políticas públicas no Rio de Janeiro.
3ªed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002 24 GASPAR, Eduardo Lucas. Cidade, moradia e trabalhadores. In: Revista SURES, n. 6, p. 176-190, jul.,
2015. Disponível em: <https://ojs.unila.edu.br/ojs/index.php/sures>. 25 Os textos indicados Gaspar (2015, p. 184-190); BOSI, Antônio de Pádua. Reforma urbana e luta de
classes: Uberabinha (1888 a 1922). São Paulo: Xamã, 2004. PETUBA, Rosângela Maria Silva. Pelo direito à
cidade: experiências de luta dos ocupantes de terra do bairro D. Almir- Uberlândia (1990-2000). Dissertação
(Mestrado em História) - Uberlândia: UFU, 2001.; SILVA, Rosane Marçal da. Trabalhadores e luta por
moradia em Santa Helena – PR (Décadas de 1990 e 2000). Dissertação (Mestrado em História) Marechal
Cândido Rondon: UNIOESTE, 2011; FREITAS, Sheille Soares de. Buscando a cidade e construindo viveres.
Relações entre o campo e a cidade. Dissertação (Mestrado em História) - Uberlândia: UFU, 2003. GONZALEZ,
Emilio. Memórias que narram a cidade: experiências sociais na constituição urbana de Foz do Iguaçu.
Dissertação (Mestrado em História) - São Paulo: PUC, 2005; GONZALEZ, Emilio. Cidade, experiência,
memória: aspectos sociais na constituição urbana de Foz do Iguaçu; alguns elementos teóricos. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina, 2005. Anais... ANPUH, Londrina, 2005. Esses textos já foram
coletados e estão sendo lidos, fichados e analisados com parte da revisão biográfica em construção. Ainda, foram
coletados: LIMA, Gisele Oliveira de. Movimento baixa do Marotinho: a luta pela moradia em Salvador (1974-
1976). 2009. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências
dispersão de trabalhos envolvendo a temática da questão urbana, especificamente a habitação,
produzidos por outras pós-graduações em História, que precisam ser identificados,
categorizados e resenhados, muitos sequer foram publicados – esforço, esse, impossível para
uma dissertação de mestrado.
Tendo como foco a urbanização e a habitação no governo Costa e Silva (1945-50), o
historiador Alberto Gawryszemwski (2012)26, a partir de uma diversidade de fontes primárias
(documentos oficiais, músicas, periódicos e outras), reconstrói o cenário social e político da
crise da moradia no Rio de Janeiro (Distrito Federal). O pesquisador o jogo político e
econômico que estruturavam as reivindicações populares por moradia e formulação de
soluções para a crise habitacional (remoção, Lei do Inquilinato, criação da Fundação da Casa
População, primeira instituição brasileira para formulação de política habitacional e produção
de moradias). Seu trabalho destaca-se ao chamar a atenção do leitor para os conflitos que
estruturavam a organização da cidade, criticando a imagem mítica dos espaços populares
como lugares da solidariedade, tutela e da apatia (meros reféns dos políticos populistas):
Manifestações coletivas várias foram descritas neste trabalho. Invasões de terreno
para construções de barracos, usuários organizando-se para terrenos consertarem as
linhas de trem; quebra-quebra de trens, bondes e estações demonstrando
descontentamento pelos serviços; “memoriais”, abaixo-assinados dirigidos às
autoridades federais e municipais, poderes Executivos e Legislativos, imprensa etc.
Quanto aos problemas enfrentados pelos favelados, cabe destacar os embates entre
estes e os donos (falsos e verdadeiros) dos terrenos em que estavam localizados os
barracos. A historiografia sobre a questão, em aspecto ligado ao aluguel do terreno
e/ou do barraco. Perlman (1977), por exemplo, que estudou favela carioca na década
1960, afirmou que a moradia era de graça. Afirmamos que para a década de 1940 tal
fato não foi realidade, dado que redimensiona a questão. Assim faz-se necessária
uma nova abordagem historiográfica para se entender o processo de mudanças
ocorridos nas favelas cariocas27
.
As observações de Alberto Gawryszemwski sobre as lutas internas e sua capacidade
Humanas, Salvador, 2009; OLIVEIRA, Samuel. Política urbana e movimento de favelas em Belo Horizonte
(1947-1964). Saeculum – Revista de História, n. 24, p. 39-54, jan. /jun., 2011; OLIVEIRA, Samuel Silva
Rodrigues de. Movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964). Rio de Janeiro: Epapers, 2010.
MONTE, Regianny Lima. Vidas Incertas: o processo de modernização e segregação urbana de Teresina na
década de 1970. Teresina,PI:IFPI,2017; LIMA, Antônia Jesuíta de. Favela COHEBE: uma história de luta por
habitação popular. Teresina: EDUFPI, 1996; NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo:
modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves,
2002. 26 GAWRYSZEMWSKI, Alberto. Agonia de morar: urbanização e habitação na cidade do Rio Janeiro
(DF) – 1945/50. Lodrina: Eduel, 2012. 27 Idem, p. 350.
de organização e articulação política dos favelados28 coadunam-se com as análises feitas por
Doraci Alves Lopes (1997)29, em Marginais da História, que problematizam o impacto da
teoria e do imaginário da marginalidade urbana sobre os moradores de favelas de Campinas-
SP. A autora acabou construindo a história da luta pela terra daquela localidade, desde anos
50 até os anos 80, navegando entre atas, jornais e panfletos, e demonstrando os movimentos
favelados que se organizaram em torno da Assembleia do Povo que questionava as habitações
provisórias e os despejos, exigindo a fixação das favelas nos lugares que já estavam e
instituíndo, mesmo que de modo tenaz e provisório, um espaço de interlocução com poder
local. A socióloga comenta sobre esse processo:
Assim sendo, os favelados foram enfrentando as discriminações enquanto
produziam as mudanças possíveis para sobreviver na realidade urbana do país.
Algumas favelas mudaram mais, outras menos, mas passaram a não se submeter a
qualquer tipo de projeto habitacional, sem discussões coletivas prévias. O poder
público, por sua vez, foi obrigado a adaptar-se à existência dos movimentos
favelados pela posse da terra e criar novos mecanismos administrativos para
negociar como os seus moradores, debatendo certas demandas jurídicas e
urbanísticas30.
Observa-se, também, dentro dessa perspectiva analítica, a coletânea A conquista da
Cidade: Movimento Populares em Brasília31 organizada por Aldo Paviani (1998), em que os
movimentos populares em Brasília que emergem contra a remoção (movimento pró-fixação e
urbanização Núcleo Bandeirante, nos anos 60) e de uma ocupação (Vila Paranoá e Ceilândia)
constituem intensa rede política, dando visibilidade pública as suas demandas sociais,
influenciando nas tomadas de decisão do Poder Público e conquistando um lugar no
ordenamento urbanístico da capital federal.
Recentemente, historiadores cariocas, num contexto de política de preservação e
28 SANTOS, Carlos Nelson F. dos. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio, Zahar, 1981;
ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta. SP: Brasiliense, 1985. 29 LOPES, Doraci Alves. Marginais da História? O movimento dos favelados da Assembleia do Povo.
Campinais, SP: Editora Alínea, 1997. 30 Idem, p. 179. 31 Na segunda parte da coletânea estão os textos referentes aos movimentos populares em Brasília com
enfoque históricos, escritos por urbanistas, sociólogos e geógrafos: JACCOUD, Luciana. Lutas sociais:
populismo e democradia:1960/1964. In: PAVIANI, A. (Org.). A conquista da cidade – Movimentos populares
em Brasília. 2. ed. Brasília: Ed. UnB, 1998. p.145-168; SOUSA, Nair H. Bicalho. O movimento pró-fixação e
urbanização Núcleo Bandeirante: a outra face do populismo janista. In: PAVIANI, A. (Org.). A conquista da
cidade – Movimentos populares em Brasília. 2. ed. Brasília: Ed. UnB, 1998. p. 169-208; RESENDE, Mara.
Movimentos de moradores: a experiência dos inquilinos de Ceilândia. In: PAVIANI, A. (Org.). A conquista da
cidade – Movimentos populares em Brasília. 2. ed. Brasília: Ed. UnB, 1998. p. 209-203; IWAKAMI, Luiza
Naomi. Vila Paranoá: a luta desigual pela posse da terra urbana. In: PAVIANI, A. (Org.). A conquista da
cidade – Movimentos populares em Brasília. 2. ed. Brasília: Ed. UnB, 1998. p. 231-256.
valorização das “comunidades faveladas”, de emergência da violência urbana, dos impactos
políticos dos megaeventos, das obras do PAC intervindo na configuração urbana da metrópole
carioca (nova onda de remoção, especulação imobiliária etc), tomaram as favelas e periferias
cariocas como objeto de investigação32, ao problematizar suas origens, as relações entre a
cidade e as favelas, o ativismo social e político e as estratégias de sobrevivência, resistências e
negociações33.
Dentre eles, destaca-se o historiador Linderval Augusto Monteiro, que ao discutir a
formação da Baixada Fluminense no Rio de Janeiro, operacionaliza o conceito de colonização
proletária e de rede de soluções práticas ao mostrar como a população, em sua maioria
migrantes, largados à sua própria sorte (“cidadão-só”, como afirma o historiador), foram
produzindo a localidade instituindo estratégias e práticas para solucionarem seus problemas
diários prementes num contexto de intensa precariedade, instabilidade e ausência do poder
público. Esse trecho ilustra o que foi assinalado:
A Baixada Fluminense é um mundo em constante crise, uma vez que para ali se
destinaram indivíduos oriundos do interior do Brasil, socialmente invisíveis e quase
integralmente esquecidos pelas diversas esferas do poder público: cidadãos-só, em
suma. Estabeleceu-se na Baixada Fluminense uma estrutura de carências capaz de
alimentar as condições adversas já existentes desde os momentos iniciais da
ocupação34.
32 VALLADARES, Lícia do P. A gênese da favela carioca: a produção anterior às ciências sociais. In:
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 15, 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n44/4145.pdf>. Acesso em: jan. 2006; VALLADARES, Lícia do P. (Org.).
A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005. 33 Lista-se obras encontradas escritas por historiadores que buscam construir uma história da habitação,
em especial das favelas, e dos movimentos de luta pela moradia (aqui os movimentos de favela) na cidade do
Rio de Janeiro: MELLO, Marco Antonio da Silva et al. Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro:
Garamond, 2012; GONCALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro: história e direito. Rio de Janeiro:
Pallas/PUC-RJ, 2013; SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas cariocas, 1930-1964. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2005. ALVITO, Marcos. As cores de Acari: uma favela carioca. Rio de Janeiro: FGV, 2001;
BRUM, Mario Sergio. Cidade Alta: história, memórias e estigma de favela num conjunto habitacional do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012; PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mario. A favela fala:
depoimentos ao CPDOC. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003; SILVA, Jailson S. Um espaço em busca de seu
lugar: as favelas para além dos estereótipos. Tese (Doutorado em Geografia) - Niterói: PPGEO-UFF/AGB,
2002; Amoroso, Mauro. Nunca é tarde para ser feliz: a imagem das favelas pelas lentes do Correio da Manhã,
Editora CRV, Curitiba, 2011; AMOROSO, Mauro. Caminhos do lembrar: a construção e os usos políticos da
memória no Morro do Borel. Rio de Janeiro: Ponteio, 2014. 34 MONTEIRO, Linderval A. Para além do “voto de sangue”: escolhas populares e liderança política
carismática na Baixada Fluminense. O caso Joca. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Rio de Janeiro,
n. 2, p.121-152, jul., 2013. Deve-se compreender Colonização proletária como processo de ocupação e
construção trabalhadores, formais e informais, dos bairros e favelas que formavam a Baixa Fluminense e por
rede de soluções práticas as ações populares que buscavam substituir “minimamente” ausência do poder público
nas resoluções de conflitos e problemas da localidade, que envolviam desde prover a infraestrutura urbana,
construir residências (mutirões), prestar serviços assistências auxiliar à práticas de justiçamento popular. Ver:
MONTEIRO, L. A. Andando pelo vale da sombra da morte: a trajetória política de Joca, primeiro prefeito de
Belford Roxo. Revista Universidade Rural: Série Ciências Humanas, Seropédica, RJ: EDUR, v. 29, n 2, p.
Também, a rediscussão do ativismo popular, em especial do favelado, no contexto da
cidade do Rio de Janeiro, numa perspectiva histórica, tem contribuído para problematizar a
ideia das favelas (e, também, dos bairros periféricos) teleguiadas e conduzidas pelo
clientelismo político e por políticos populistas. Novos trabalhos historiográficos apontam as
particularidades das mobilizações dos favelados, estratégias para constituição de suas
associações e federações, as suas complexas redes de relação entre sindicatos e partidos
políticos e os impactos na estruturação do espaço público da cidade35.
Por fim, esse levantamento historiográfico, ainda incompleto, nos revela uma
compreensão mais complexa e atenta das relações entre cidade, movimentos populares e
habitação, impondo-nos a necessidade de discutir as tensões e estratégias políticas dos atores
sociais para conquistarem seus objetivos (no caso particular deste projeto, conquistar a terra,
conter a expansão das invasões urbanas) e a reconhecer que, no “tempo dos eventos”, emerge
um campo de autonomia e indeterminação frente uma rede de múltiplos interesses e projetos
sociais e políticos cujo resultado não pode ser antecipado por nenhum dos atores.
Assim, realça-se a importância da investigação sobre a configuração política (as redes
políticas) que envolveu a conquista da terra urbana e a formação do Bairro Nova Rosa da
Penha-Cariacica-ES em 1982, tendo como enfoque os diferentes interesses políticos e sociais
que articulavam os atores políticos (“invasores”, militantes esquerdas, religiosos, jornalistas,
políticos, autoridades públicas, funcionários públicos, sindicalistas, instituições públicas e
privadas, dentre outros).
A configuração política é aqui pensada como um emaranhado de relações sociais e
político que articulam atores políticos e interesses num dado espaço e tempo permitindo-os,
consensual ou conflitualmente, conquistar ou ter acesso ao benefício individual ou coletivo.
Essa noção preliminar ancora-se nas interpretações de Paulo Krischke (1984) sobre os
55-71, jul.-dez., 2007; MONTEIRO, Linderval Augusto. Baixada Fluminense, identidades e transformações:
estudo de relações políticas na Baixada Fluminense, 2001; MONTEIRO, Linderval Augusto. Invisibilidade
social e reação popular em uma favela da Baixada Fluminense: o caso Nova Jerusalém. Tempo, Niterói, v. 17, n.
31, p. 231-260, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
77042011000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28 maio 2016. 35 O historiador Paulo Fontes ao discutir a formação do região de São Miguel Paulista a partir dos
trabalhadores migrantes, oriundos do Nordeste, mostra, como Linderval A. Monteiro, as forças do laços sociais,
familiares e políticos acionado pelos trabalhadores para resolveram o problema da moradia via construção
enfrentando a lógica segregação(racial, social e espacial) imposta pela metropole paulista, apontando como essa
bairro constitui-se numa estratégia de afirmação identidade e reconhecimento daqueles trabalhadores, o nordeste
em São Paulo. FONTES, Paulo. Um nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista,
1945/1966.Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008.
movimentos sociais urbanos do período dos anos 80 quando aventa a formação de um “campo
popular que seria um território ou esfera de organização popular “decorrente da influência
recíproca e eventual cooperação entre múltiplas entidades e tendências que operam no âmbito
da comunidade e que resguardam a sua identidade”36(1983:87).
Os movimentos de bairros, nessa perspectiva, não se subordinariam à agentes externos
que o influenciavam, comenta o sociólogo:
A pesquisa revelou a importância da presença do PT e da igreja entre entidades de
que os representantes do MLC revelam participar. Não obstante, tal participação –
longe de significar um atrelamento eleitoral ou ideológico a uma ou outra linha de
participação – correlaciona-se positivamente com a adoção de métodos democráticos
e pluralistas de organização e de bem sucedida mobilização popular por parte do
movimento, e, portanto, com a sua crescente autonomia e capacidade de negociação
com o Estado37 (1983, p. 79).
Essa configuração política na qual se movia sujeitos em “busca de terra e moradia”
ganha relevância investigativa quando articulada ao pano de fundo o “tempo
transição”38(1974-1985), momento em que abertura política e “desmontagem” do Regime
Militar(1964-1985), em que a sociedade civil brasileira em suas diferentes expressões e
matizes políticas reorientava suas práticas politica e socialmente constituindo novas lutas e
estratégias de chegada e ocupação do poder, dais quais se destacam as lutas democráticas.
Assim, tecer a configuração política que envolveu a conquista da terra urbana e a
formação do Bairro Nova Rosa da Penha-Cariacica-ES em 1982, já sob o contexto das
primeiras eleições diretas para governador, pode-nos levar a compreender as articulações
políticas que marcavam a região da cidade de Vitória-ES e como as camadas populares se
movimentavam no interior, desvelando-nos a experiência urbana das transformações político-
partidárias imposta pela “Abertura Política” do Regime Militar.
36 KRISCHKE, Paulo J. Os loteamentos clandestinos e os dilemas e alternativas democráticas dos
movimentos de bairro. In: KRISCHKE, P. J. (Org.) Terra de habitação X terra de espoliação. São Paulo,
Cortez, 1984, p. 83. 37 VASCONCELOS, Eliane J. Godoy de.; KRISCHKE, Paulo J. Igreja, motivações e organização dos
moradores em loteamentos clandestinos. In: Terra de habitação x Terra de espoliação. KRISCHKE, Paulo J.
et al. São Paulo: Cortez, 1984. p.73. 38 ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A ditadura militar em tempo de transição (1974-1985). In:
MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (Org.) Democracia e ditadura no Brasil. Coleção Comenius. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 2006 p. 153-164.
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