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THIAGO BITENCOURT
ALTERNÂNCIA ENTRE CONCORRÊNCIA E MONOPÓLIO EM MARX, SCHUMPETER E NA ESCOLA AUSTRÍACA
FLORIANÓPOLIS, 2008
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THIAGO BITENCOURT
ALTERNÂNCIA ENTRE CONCORRÊNCIA E MONOPÓLIO EM MARX, SCHUMPETER E NA ESCOLA AUSTRÍACA
Monografia submetida ao curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Bacharelado.
Orientador (a): João Rogério Sanson
FLORIANÓPOLIS, 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
A Banca Examinadora resolveu atribuir nota 7,5 ao aluno Thiago Bitencourt na Disciplina CNM 5420 – Monografia, pela apresentação deste trabalho.
Banca examinadora:
_____________________________________ Professor João Rogério Sanson
Presidente
_____________________________________ Professor Celso Leonardo Weydmann
Membro
_____________________________________ Professor Eraldo Sérgio Barbosa da Silva
Membro
FLORIANÓPOLIS, 2008
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à minha família pelo apoio e carinho. Em seguida, agradeço
ao professor João Rogério Sanson pela orientação e pelos ensinamentos. Por fim, gostaria de
mostrar gratidão por todos os meus colegas de curso, especialmente a minha grande amiga
Giseli Arêas.
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Sempre o sonho
Para encantar os círculos da Vida É ser tranqüilo, sonhador, confiante, Sempre trazer o coração radiante,
Como um rio e rosais junto de ermida.
Beber na vinha celestial, garrida Das estrelas o vinho flamejante E caminhar vitorioso e ovante
Como um deus, com a cabeça enflorescida.
Sorrir, amar para alargar os mundos Do Sentimento e para ter profundos Momentos e momentos soberanos.
Para sentir em torno à terra ondeando
Um sonho, sempre um sonho além rolando Vagas e vagas de imortais oceanos.
Cruz e Sousa
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RESUMO
O tema da concorrência é uma questão controversa na literatura econômica. A forma de organização de um mercado pode variar desde o alto grau de concorrência, passando pelo oligopólio e chegando até o monopólio, que é o tipo de mercado que apresenta o mais alto grau de concentração. Este trabalho busca explicar a questão da concorrência dentro da Ciência Econômica, utilizando como base as interpretações de Marx, de Schumpeter e da Escola Austríaca. A importância desta monografia está em apresentar abordagens alternativas aos modelos de concorrência tradicionais, possibilitando uma visão mais abrangente da natureza de funcionamento dos mercados. O objetivo principal da pesquisa é comparar as diferentes abordagens do processo competitivo e a sucessão entre a concorrência e o monopólio na teoria econômica, relacionando as semelhanças e divergências entre os autores. Além disso, este trabalho pretende investigar como as empresas obtêm poder de mercado e qual o papel do empresário no processo competitivo. Marx, Schumpeter e os austríacos enxergam a concorrência como um processo dinâmico entre empresários rivais, que tende a enfraquecer o monopólio e o poder de mercado no longo prazo, eliminando os lucros extraordinários. Por mais distantes que estes autores estejam ideologicamente, eles chegam a conclusões semelhantes. De acordo com as teorias pesquisadas, as estruturas de mercado mais concentradas, como oligopólios e monopólios, tendem a desaparecer diante da concorrência. Apesar de o capitalismo contemporâneo ser marcado pela concentração industrial e pela presença de grandes empresas, as diferentes abordagens confirmam a tese de que os setores monopolistas ou oligopolistas não são capazes de obter taxas médias de lucro permanentemente superiores às taxas de lucro dos setores competitivos. Finalmente, cabe destacar que as três abordagens apresentadas neste trabalho contribuem para uma interpretação mais realista dos mercados e do sistema econômico. Palavras-chave: Concorrência. Monopólio. Poder de mercado. Lucros. Empresário.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................8 1.1 Problemática.................................................................................................................8 1.2 Objetivos.......................................................................................................................9 1.3. Metodologia.................................................................................................................9 2 A CONCORRÊNCIA EM MARX .................................................................................11 2.1 O processo de acumulação de capital...........................................................................11 2.2 A competição capitalista .............................................................................................14 2.3 Tendência decrescente da taxa de lucro .......................................................................16 2.4 Concentração e centralização do capital ......................................................................18 3 A TEORIA SCHUMPETERIANA DA CONCORRÊNCIA...........................................21 3.1 Dinâmica capitalista e desenvolvimento econômico ....................................................21 3.2 Concentração industrial e poder de mercado................................................................23 3.3 O processo competitivo e a destruição criadora...........................................................25 3.4 O empresário inovador ................................................................................................27 4 A ABORDAGEM AUSTRÍACA...................................................................................30 4.1 O processo de mercado ...............................................................................................30 4.2 A dinâmica da concorrência........................................................................................33 4.3 Poder de monopólio e lucros extraordinários...............................................................36 4.4 A atividade empresarial ...............................................................................................38 5 COMPARAÇÃO ENTRE OS TRÊS PARADIGMAS...................................................41 5.1 Critica à abordagem de equilíbrio................................................................................41 5.2 Concorrência e monopólio ..........................................................................................42 5.3 Obtenção de poder de mercado....................................................................................43 5.4 Lucro normal vs lucro puro .........................................................................................44 5.5 O papel do empresário.................................................................................................45 6 CONCLUSÃO...............................................................................................................47 REFERÊNCIAS...............................................................................................................50
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1 INTRODUÇÃO
1.1 Problemática
A questão da concorrência na economia de mercado é um tema relevante no debate
econômico atual. O modelo neoclássico de competição total é alvo de grandes críticas dentro
da teoria econômica1. De fato, suas hipóteses são questionáveis. A concorrência perfeita não
corresponde à maioria das situações reais. O que se observa na prática é que prevalecem
estruturas de mercado imperfeitamente competitivas.
Com o surgimento de monopólios e oligopólios, as leis da livre-concorrência
desaparecem e as firmas utilizam o seu poder de mercado. Assim, os produtores passam a
influenciar o preço das mercadorias que vendem. O poder de monopólio e a existência de
barreiras à entrada de potenciais concorrentes são observados na maioria dos mercados.
O capitalismo moderno é marcado pela concentração industrial e pela presença de
grandes corporações. De fato, as firmas adotam práticas restritivas à concorrência com o
objetivo de obter lucros extraordinários. A questão controversa dentro da teoria econômica é
se os setores altamente concentrados são capazes de obter taxas médias de lucro superiores às
taxas dos setores competitivos de forma persistente ao decorrer do tempo. A partir daí, surge a
seguinte questão: como as teorias de Marx, Schumpeter e da Escola Austríaca explicam a
competitividade entre os agentes econômicos e quais as suas implicações sobre o
funcionamento do mercado no longo prazo?
A existência ou não de um processo de equalização da taxa de lucro no longo prazo é
uma questão debatida regularmente na literatura econômica, e para compreender este
problema é preciso analisar como ocorre o processo concorrencial, quais as estruturas de
mercado existentes e se há relação entre o grau de concentração do mercado e a rentabilidade
das indústrias.
Através da investigação do problema de pesquisa, este trabalho busca o
1 O modelo de concorrência perfeita é uma forma extrema de estrutura de mercado. Segundo Pindyck e Rubinfeld (2002, p. 250), o modelo de competição total baseia-se em três suposições básicas: aceitação de preços, homogeneidade de produtos e livre entrada e saída de empresas. A teoria neoclássica apresenta diversos modelos de concorrência, porém a discussão a seguir é restrita ao modelo de competição total.
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aprofundamento teórico do tema da concorrência e também procura contribuir com o debate
acadêmico, abrindo horizontes para a compreensão da realidade econômica.
1.2 Objetivos
O objetivo geral desta monografia é discutir a natureza da concorrência na teoria
econômica e a alternância entre o alto grau de concorrência e o alto poder de mercado,
particularmente na literatura da Escola Austríaca, de Schumpeter e de Marx, estabelecendo as
semelhanças e diferenças conceituais e metodológicas entre as doutrinas econômicas
apresentadas.
Os objetivos específicos são comparar os principais elementos das teorias de
concorrência de Marx, de Schumpeter e da Escola Austríaca, explicar como os diferentes
autores descrevem o processo de obtenção de poder de mercado e também examinar o papel
do empresário em cada teoria econômica apresentada.
1.3 Metodologia
A função da metodologia é mostrar qual será o caminho da pesquisa para se chegar
ao fim proposto. A metodologia deve também tornar explícitos os instrumentos que serão
utilizados no trabalho de pesquisa. Ao contrário das ciências exatas, a economia não exibe
uma unidade de métodos técnicos e científicos. A ciência econômica engloba diversas escolas
de pensamento que adotam proposições metodológicas diferentes e que, portanto, entram em
choque.
Quanto aos objetivos, este trabalho irá utilizar a pesquisa exploratória. Este tipo de
pesquisa se caracteriza pela consideração dos mais variados pontos de vista acerca do fato
estudado, neste caso a concorrência dentro da teoria econômica. A alternância entre
concorrência e monopólio pode ser analisada sob várias teorias econômicas. Por isso esta
pesquisa irá envolver levantamento bibliográfico, buscando a compreensão do problema em
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análise. A pesquisa bibliográfica será desenvolvida principalmente com base em livros e
artigos científicos. Através desta pesquisa serão examinadas e comparadas as obras de Marx,
de Schumpeter e da Escola Austríaca, com a finalidade de entender o processo concorrencial e
também a obtenção de poder de monopólio por parte das empresas.
Este estudo irá investigar as contribuições à teoria da concorrência feitas pelos
diferentes autores, as suas obras e o debate entre eles. Os objetivos específicos serão
cumpridos a partir do levantamento bibliográfico dos autores em questão, sendo que será
dedicado um capítulo para cada abordagem e o capítulo final irá comparar as diferentes
noções de concorrência. Cada teoria tenta explicar como funcionam os mercados a partir da
interação entre agentes econômicos que rivalizam entre si, destacando a função do empresário
dentro deste processo competitivo.
O segundo capítulo irá apresentar a teoria da concorrência capitalista a partir da
concepção de Karl Marx, utilizando como base a sua obra O Capital e também outros autores
que analisam o paradigma marxista. Em seguida, será abordado o trabalho de Joseph
Schumpeter, economista que estudou a dinâmica do sistema econômico e o processo
competitivo. Em seu livro intitulado Teoria do desenvolvimento econômico, Schumpeter
destaca o papel das inovações tecnológicas e do empresário empreendedor. No quarto capítulo
será analisada a concepção de concorrência dentro da Escola Austríaca de Economia,
representada por autores como Mises, Hayek, e Kirzner. Na teoria austríaca, cabe destacar o
importante estudo de Kirzner sobre a competição e a atividade empresarial. Ao final da
pesquisa, será possível traçar os pontos em comum e também as divergências entre os autores
estudados, contribuindo desta forma para o debate acadêmico e para a compreensão da
concorrência dentro da teoria econômica.
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2 A CONCORRÊNCIA EM MARX
Karl Marx foi e continua sendo um dos pensadores mais influentes da ciência
econômica (CARNEIRO, 1997, p. 97). Neste capítulo, serão examinados os principais
elementos da concorrência na visão de Marx. Em sua principal obra econômica - O Capital -
Marx fez uma análise elaborada sobre o capitalismo. Segundo ele, em uma sociedade
capitalista há duas classes opostas e em constante luta: a classe burguesa e a classe proletária.
A partir daí, manifestam-se uma série de relações sociais, como a exploração dos
trabalhadores (proletários) pelos capitalistas (burgueses). Para Marx, o elemento decisivo para
compreender o sistema capitalista é a exploração da força de trabalho. A partir daí surgem os
lucros capitalistas. Mas com a concorrência intercapitalista a rentabilidade tende a cair, o que
dá origem a uma taxa de lucro “equalizada” ou “normal” no longo prazo.
2.1 O processo de acumulação de capital
Nesta seção será examinada a natureza do capital e a origem do lucro para Marx.
Segundo Araújo (1986, p. 70), “a força motriz do sistema capitalista é a acumulação de
capital” . Dentro deste sistema existem duas classes sociais antagônicas: os burgueses, que são
os proprietários dos meios de produção, e os proletários, que são os trabalhadores que vendem
a sua força de trabalho. O modo de produção (base econômica da sociedade) capitalista se
caracteriza pela apropriação do excedente econômico por parte de um grupo minoritário: a
classe burguesa. Quanto ao incessante impulso do capitalista em acumular, a teoria marxista
define que:
Apenas como personificação do capital, o capitalista é respeitável. Como tal, ele partilha com o entesourador o instinto absoluto do enriquecimento. O que neste, porém, aparece como mania individual, é no capitalista efeito do mecanismo social, do qual ele é apenas uma engrenagem. Além disso, o desenvolvimento da produção capitalista faz do contínuo aumento do capital investido numa empresa industrial uma necessidade e a concorrência impõe a todo capitalista individual as leis imanentes do modo de produção capitalista como leis coercitivas externas. Obriga-o a ampliar seu capital continuamente para conservá-lo, e ampliá-lo ele só o pode
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mediante acumulação progressiva (MARX, 1996, tomo II, p. 225).
O capitalismo é essencialmente um processo de acumulação de capital. Segundo a
interpretação marxista, capital “é trabalho passado acumulado, não só instrumento de
produção; é fonte de geração de lucro de uma classe social no capitalismo” (FEIJÓ, 2001, p.
210). O capital tem o poder de criar lucros para a classe social burguesa:
O capital não pode, então, ser visto como coisas (mercadorias) ou mera soma de valor (dinheiro), mas como relação social, específica a uma determinada organização social na qual alguns indivíduos detêm o controle dos meios de produção e outros, somente a sua capacidade de trabalho (GREMAUD, 2006, p. 90).
Marx aponta que existem dois tipos de capitais: o capital constante e o capital
variável. O primeiro refere-se à parte do capital investida em máquinas, equipamentos e
matérias-primas. Já o segundo tipo é destinado aos salários, à compra da força de trabalho.
Segundo Delfaud (1987, p. 27), “o modo de produção capitalista caracteriza-se
fundamentalmente pela produção de mercadorias” . Neste sentido, cabe apresentar o conceito
de mercadoria. “Para Marx, mercadoria não é a mesma coisa que produto ou bem. Mercadoria
é o produto que se destina à troca no mercado” (ARAÚJO, 1986, p. 55). No capitalismo, os
trabalhadores são obrigados a vender sua força de trabalho. Desta forma, são explorados pelos
detentores dos meios de produção, os capitalistas. “A força de trabalho é, por si só, uma
mercadoria comprada e vendida no mercado; é o que o capitalista precisa para obter lucro”
(BRUE, 2006, p. 179).
Agora, para se chegar à essência do modo de produção capitalista, é preciso examinar
o esquema de circulação do capital industrial. O ciclo começa com capital sob a forma de
dinheiro. O capitalista compra com o seu dinheiro (D) matérias-primas, instrumentos e força
de trabalho, mercadorias (M) necessárias para a produção. Em seguida vem o processo
produtivo (P). Após a produção, o capitalista vende as mercadorias resultantes deste processo
(M’), recebendo em troca dinheiro (D’). Este mecanismo de circulação do capital industrial
tem como finalidade manter e ampliar a riqueza do capitalista, isto é, transformar o dinheiro
inicial (D) em uma soma maior (D’). No sistema capitalista, a forma de circulação do capital
é definida então como D - M...P...M’ - D’ . Isto significa que o capital aumenta ao circular na
esfera da produção. As mercadorias são apenas “meio de valorização. O capital as produz
para obter dinheiro” (CARNEIRO, 1997, p. 100). Dentro da análise marxista, “dinheiro e
mercadorias transformam-se em capital quando se tem, na esfera de circulação, a presença da
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força de trabalho como mercadoria” (GREMAUD, 2006, p. 89).
Outro conceito fundamental dentro da teoria marxista é a mais-valia. Dado o circuito
de acumulação apresentado anteriormente, onde D’ é maior que D, a diferença entre as duas
somas de dinheiro é chamada de mais-valia. Portanto, a origem da mais-valia é em P, na
esfera da produção:
É aqui, no chão de fábrica, que Marx vê a gênese do lucro. Na visão dele, o lucro está na capacidade dos capitalistas de pagar pela força de trabalho - pela capacidade produtiva da mão-de-obra - menos que o valor real dos trabalhadores acrescentarão às mercadorias que ajudam a produzir. Desse modo, o lucro - a diferença entre D e D’ - está essencialmente no trabalho sub-remunerado (HEILBRONER; THUROW, 2001, p. 43).
A mais-valia é, portanto, fonte do lucro capitalista. Assim, não poderia haver lucro
sem tirar proveito da força de trabalho, pois os lucros são baseados na exploração. É
importante ressaltar que somente o capital variável (destinado à compra da força de trabalho)
produz mais-valia. Buchholz (2000, p. 154) sustenta que “o valor extra (lucro) é obtido
pagando aos trabalhadores menos do que o valor que eles produzem”. A respeito do conceito
de mais-valia, podemos definir que:
A fonte da mais-valia é a diferença entre o valor da força de trabalho, ou trabalho potencial, como mercadoria e o valor da mercadoria produzida que incorpora o trabalho concretizado, ou o valor de uso consumido da força de trabalho. A força de trabalho é a única mercadoria que gera valor em seu consumo ou uso (FEIJÓ, 2001, p. 215).
É através da exploração dos trabalhadores (extração da mais-valia) que os capitalistas
obtêm lucro. “À mais-valia, ou seja, àquela parte do valor total da mercadoria em que se
incorpora o sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, eu chamo lucro” (MARX, 1996,
tomo I, p. 104). Schumpeter (1970, p. 42) explica que “a taxa de mais-valia é definida pela
razão entre a mais-valia e o capital variável (salários)” . Sendo assim, a taxa de mais-valia
mede o grau de exploração (ou grau de espoliação) da força de trabalho. Já a taxa de lucro “é
a relação entre a mais-valia e o capital individual total (soma do capital variável com o capital
constante)” (MARX, 1996, tomo I, p. 44).
O capitalista obtém lucro por ser o proprietário do capital. Ele reinveste uma grande
parcela deste lucro para ampliar o seu capital e obter um lucro ainda maior num período
posterior. Em seguida, o capitalista volta a reinvestir para ampliar novamente o seu capital, e
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assim por diante (HUNT; SHERMAN, 1992, p. 98). Esta é a dinâmica do processo de
acumulação capitalista.
2.2 A competição capitalista
Nesta segunda seção, será feita a análise do capital no processo de competição. Marx
adota uma visão de concorrência baseada na mobilidade de capitais. Esta capacidade de
movimentação do capital cria uma tendência à equalização da taxa de lucro no longo prazo.
Segundo Carneiro (1997, p. 101), “a concorrência coloca uma tendência à formação de uma
taxa média de lucro” . A rentabilidade média decorre da competição industrial:
Na análise de Marx, a concorrência atua no sentido de estabelecer uma taxa de lucro uniforme entre as diferentes indústrias. A existência de diferenciais interindustriais de rentabilidade provoca uma transferência de capitais de indústrias com baixa rentabilidade para aquelas onde as taxas de lucro estejam mais elevadas. Esse fluxo de capital entre as indústrias reduz (relativamente) a oferta de produtos e, por conseguinte, eleva os preços e as taxas de lucro dos setores de baixa rentabilidade e aumenta a oferta dos setores mais lucrativos, resultando, pois, numa redução dos preços e das taxas de lucros desses setores (MALDONADO FILHO, 1989, p. 253).
A equalização das taxas de lucro entre as diferentes indústrias ocorre em virtude do
processo competitivo. “Se, por exemplo, em decorrência de uma conjuntura favorável, a
acumulação ocorre de modo especialmente intenso em determinada esfera da produção, sendo
aí os lucros maiores do que os lucros médios, capital adicional acorre para lá” (MARX, tomo
II, p. 269). A competição funciona como um mecanismo de ajustamento, eliminando os lucros
extraordinários. Estas taxas de lucro elevadas são na verdade ganhos temporários. Com o
movimento do capital de setores que apresentam baixa lucratividade para os setores com
lucros maiores, ocorre a equalização da taxa de lucros entre os diferentes setores industriais.
“Essa concorrência por certo nivela as diferentes taxas de lucros das diversas indústrias, ou
seja, as reduz a um nível médio, porém jamais pode determinar esse nível, ou a taxa geral de
lucro” (MARX, 1996, tomo I, p. 89).
Ainda sobre a noção de concorrência dentro da abordagem marxista, podemos
acrescentar que:
Competição é um processo no qual o capital enfrenta-se a si mesmo, assumindo
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formas agressivas. A atividade social de produção, que pretende obter e realizar mais-valia, é concluída por muitos capitalistas individuais. O resultado de todas essas atividades produtivas colidirão na esfera da circulação. Em competição, na qual o capital é colocado contra si mesmo, esse processo aparece como disputa entre os capitalistas. De fato, Marx faz uma analogia com a guerra, em que a melhor arma é diminuir o custo de produção por meio de novos métodos de produção, que aumentam a produtividade do trabalho. Por meio de métodos mais indiretos de produção, esses resultados são atingidos: um aumento no capital fixo em proporção ao trabalho (aumentando sua produtividade) e ao produto (reduzindo custos) (GREMAUD, 2006, p. 94).
A concorrência, entendida como rivalidade entre os capitalistas, obriga o
reinvestimento dos lucros na obtenção de novas máquinas e equipamentos que possam elevar
a produtividade do trabalho. O acúmulo incessante de capital é uma exigência do sistema. O
capitalista assim o faz para se manter no mercado, pois os competidores também reinvestem
seus lucros em novos e melhores métodos de produção (FUSFELD, 2001, p. 97). É uma
questão de sobrevivência:
No esquema geral de Marx, a evolução social é propelida por uma força imanente ou necessariamente inerente à economia do lucro. Esta força é a acumulação: sob a pressão da concorrência, a firma individual é compelida a investir o máximo possível de seus lucros em seu próprio aparelhamento produtivo; e é compelida a investi-los primordialmente no capital tecnológico, naturalmente procurando sempre máquinas de tipos cada vez mais novos. Isto não beneficia permanentemente os “capitalistas” como uma classe pois, [...], qualquer ganho supernormal é rapidamente eliminado pelo fato de os competidores adotarem cada melhoramento tecnológico. Todavia, a vantagem temporariamente auferida por aquele que se move em primeiro lugar dá-lhe uma liderança na corrida: lançando-se por curvas decrescentes de custos médios e aniquilando (“expropriando” ) os mais fracos no processo, as empresas capitalistas, crescendo individualmente em tamanho, constroem vastas forças de produção que, eventualmente, rompem a estrutura da sociedade capitalista (SCHUMPETER, 1964, p. 356).
O esforço para conseguir lucros acima do normal (supernormais) e a luta contra a
concorrência levam o capitalista a desenvolver novos métodos de produção, e isso contribui
para o progresso tecnológico. O capitalista é “um proprietário-empreendedor engajado em
uma corrida sem fim contra seus companheiros empreendedores; ele tem de lutar pelo
acúmulo de riqueza, pois no ambiente competitivo em que opera, quem não acumula é
esmagado por quem o faz” (HEILBRONER, 1997, p. 150). Neste sentido,
[...] Marx vê o capitalista confrontando com a competição. Se uma empresa expande a sua escala de produção, ela pode produzir com mais eficiência. A empresa inovadora força as suas concorrentes a expandir. Elas contratam mais trabalhadores. Mas isso faz subir o salário além da subsistência. O que fazem os patrões? Eles substituem equipamento por trabalho. Se não fizerem, os lucros caem, pois o
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pagamento mais alto detém a exploração. A competição os força a substituir (BUCHHOLZ, 2000, p. 156).
Por necessidade e também por pressão dos concorrentes, o capitalista sempre busca
novas oportunidades de investimento lucrativo e mercado para novos produtos (TAYLOR,
1965, p. 387). Através da introdução de novas tecnologias, os capitalistas podem transformar
capital variável em capital constante, ou seja, substituir homens por máquinas. Cresce então o
desemprego tecnológico e amplia-se o “exército industrial de reserva” , termo marxista que
designa a grande parcela de trabalhadores fora do mercado e que não consegue emprego. As
conseqüências desta mecanização do processo produtivo serão vistas logo a seguir.
2.3 Tendência decrescente da taxa de lucro
Nesta parte do trabalho, examinaremos a relação entre a mecanização e os lucros dos
capitalistas. No capitalismo, o processo de acumulação é seguido por uma crescente
introdução de máquinas na linha de produção de mercadorias. “De acordo com Marx, a taxa
de lucro recebida pelos capitalistas tenderá a cair com o decorrer do tempo. O motivo é a
pressão em relação ao aumento da eficiência por meio da mecanização e das invenções, que
reduzem o uso da mão-de-obra” (BRUE, 2006, p. 184).
Conforme vimos na seção anterior, o capitalista promove a mecanização e reduz o
número de trabalhadores com o objetivo de cortar custos e baratear as suas mercadorias,
mantendo-se competitivo no mercado e enfrentando os seus concorrentes de forma eficaz.
Marx (1996, tomo II, p. 39) argumenta que “durante esse período de transição, em que a
produção mecanizada permanece uma espécie de monopólio, os lucros são, por isso,
extraordinários” . A utilização crescente de novas máquinas é uma tentativa de manter as taxas
de lucro elevadas. Porém, ao reduzir a quantidade de trabalhadores no processo produtivo, o
capitalista não percebe que está criando dificuldade para comercializar as suas mercadorias.
Esta dificuldade passa a existir na medida em que o desemprego aumenta, fazendo a demanda
cair e reduzindo o número de potenciais consumidores. Como todas as empresas estão
fazendo a mesma coisa, o lucro total diminui. Na ânsia de manter a taxa de lucro elevada, o
capitalista intensifica a mecanização. O resultado é a depressão econômica. “A crise é, pois,
para Marx, uma conseqüência do desequilíbrio verificado entre a produção e o consumo”
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(HUGON, 1986, p. 219).
Quando o capitalista substitui homens por máquinas,
[...] ele está obedecendo ao seu impulso de acumular e de tentar manter-se à frente dos competidores. Quando os salários sobem, ele tem de introduzir máquinas economizadoras de tempo-trabalho para cortar os custos e recuperar os lucros - se não conseguir, seu vizinho conseguirá. Mas se ele tem de substituir trabalhadores por máquinas, é obrigado também a reduzir a base de onde extrai seus lucros. É uma espécie de drama grego no qual os homens são obrigados a lutar contra o destino e no qual todos colaboram sem querer com a própria destruição. Os dados estão lançados. À medida que os lucros encolhem, cada capitalista irá redobrar os esforços para instalar novas máquinas economizadoras de trabalho e redutoras de custos em sua fábrica. Ele está apenas dando um passo à frente na marcha que pensa estar desenvolvendo em direção ao lucro. No entanto, uma vez que todos estão fazendo exatamente a mesma coisa, a relação entre trabalho vivo (portanto da mais-valia) e a produção total sofre novo encolhimento. A taxa de lucro cai mais e mais. A ruína está logo adiante. Os lucros são reduzidos a ponto de a produção já quase não valer a pena. O consumo se reduz quando as máquinas desempregam trabalhadores e o número de empregados não consegue acertar o passo com a produção. Seguem-se as falências. Sobrevém uma confusão e as mercadorias inundam o mercado; no processo, as empresas menores quebram. A crise capitalista sobrevém. (HEILBRONER, 1997, p. 153).
Esta crise provocada pelo subconsumo mostra que no longo prazo os lucros tendem a
cair na economia capitalista. “A acumulação produz tendência inevitável à diminuição da taxa
média de lucro” (ROLL, 1977, p. 275). A depressão econômica surge da seguinte maneira:
Quando a economia prospera, as firmas proporcionam ganhos de mais-valia para seus donos, que os reinvestem para aumentar a produção. Mas a demanda, por fim, fica para trás, em parte porque os trabalhadores não são pagos por todo o valor de seu trabalho, em parte porque os investimentos em capital elevam a capacidade produtiva. Mais cedo ou mais tarde, um excesso de mercadorias não vendidas aparece no mercado. A produção é, então, reduzida e os preços caem: o desemprego aumenta, os lucros declinam e depois desaparecem, e a acumulação de capital fraqueja (FUSFELD, 2001, p. 86).
Devemos recordar da seção anterior que somente o capital variável (destinado aos
salários) é capaz de produzir mais-valia e gerar lucros para os proprietários privados dos
meios de produção. Portanto, quando os capitalistas deixam de investir em capital variável
(compra da força de trabalho) e passam a investir em capital fixo (máquinas e equipamentos),
cai a taxa de mais-valia e conseqüentemente a lucratividade. “A pressão em torno do uso de
mais capital reduz a taxa de lucro; os trabalhadores são a fonte de todo o valor, incluindo a
mais-valia e, quando menos trabalhadores são utilizados, a taxa de lucro cai” (BRUE, 2006, p.
184). Esta tendência do sistema capitalista pode ser resumida assim:
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A taxa de lucro apresenta uma tendência inerente para declinar. Isso ocorreria, e realmente com muita plausibilidade, em virtude da importância relativa de parte do capital constante nas indústrias de bens-trabalho: se a importância relativa das instalações e equipamentos aumentasse nessas indústrias, como ocorre no curso da evolução capitalista, e se a taxa de mais-valia, ou grau de espoliação, permanecesse inalterada, a taxa de lucro sobre os capitais totais declinaria geralmente (SCHUMPETER, 1970, p. 45).
Devido a esta tendência, os capitalistas buscam a todo custo aumentar a mais-valia
para conter a queda da taxa de lucro e evitar a derrota para os concorrentes. Assim, segundo a
doutrina marxista, uma elevação na taxa de mais-valia significa um acréscimo no grau de
exploração dos trabalhadores e também a piora das condições de vida do proletariado como
um todo.
2.4 Concentração e centralização do capital
Nesta última seção do primeiro capítulo, serão examinados dois fenômenos
econômicos que ocorrem no capitalismo: a concentração e a centralização do capital. “Marx
previu, com inteira clareza, a tendência da transição inevitável da concorrência ao monopólio.
Tendência que deduziu do curso da acumulação capitalista por meio de dois processos
principais: o da concentração e o da centralização dos capitais” (MARX, 1996, tomo I, p.
65). O capitalismo moderno confirma a tese de Marx:
A análise do desenvolvimento das sociedades capitalistas fundamenta-se na observação do crescente processo de concentração do capital, que implicou a elevação do tamanho médio da unidade produtiva e em crescente oligopolização das firmas. Esse processo conduziu a uma visão sobre as estruturas de mercado que se diferencia da teoria microeconômica marginalista tradicional. Entender a moderna teoria da estrutura oligopólica é observar as raízes dessa concentração de capital. Marx foi um dos primeiros estudiosos a esmiuçar esse processo de concentração, e seus conceitos foram a base para a crítica e posterior desenvolvimento das idéias sobre o funcionamento dos mercados capitalistas (KON, 1994, p. 47).
O termo concentração, empregado por Marx, designa um processo onde “certos
capitais individuais se incrementam mais depressa pelo ganho de superlucros e pela
reprodução ampliada em condições mais favoráveis” (MARX, 1996, tomo I, p. 65). O
processo de concentração dos meios de produção é explicado por Gremaud (2006, p. 93) da
seguinte maneira: “o aumento da riqueza material, que deverá funcionar como capital por
19
meio da acumulação, produz um aumento na massa dos meios de produção, ampliando a base
da produção capitalista para operar em larga escala” . Este processo é também uma forma de
ampliar a acumulação:
A concentração de capitais é explicada pelo crescimento de capitais individuais, à medida que os meios sociais de produção e subsistência são transformados em propriedade privada de capitalistas. É considerada pelo autor como situando-se na base de produção de mercadorias, que só na forma capitalista pode sustentar a produção em larga escala. A contínua retransformação de mais-valia em capital apresenta-se como grandeza crescente do capital que entra no processo de produção para uma escala ampliada de produção (KON, 1994, p. 48).
Já a centralização do capital pode ser entendida como o fenômeno na qual “as
empresas melhor sucedidas na competição absorvem suas concorrentes, o que ocorre com
maior freqüência nas fases de crise e depressão do ciclo econômico” (MARX, 1996, tomo I,
p. 65). De acordo com Brue (2006, p. 186), “a dinâmica do acúmulo de capital e a tendência a
recorrentes crises comerciais centralizam a propriedade do capital e concentram a riqueza nas
mãos de menos pessoas” . A centralização também pode ser descrita da seguinte maneira:
As leis dessa centralização dos capitais ou da atração de capital por capital não podem ser desenvolvidas aqui. Basta uma indicação sumária dos fatos. A luta da concorrência é conduzida por meio do barateamento das mercadorias. A barateza das mercadorias depende, coeteris paribus, da produtividade do trabalho, esta porém da escala da produção. Os capitais maiores derrotam portanto os menores. Recorde- se ainda que com o desenvolvimento do modo de produção capitalista cresce o tamanho mínimo do capital individual que é requerido para conduzir um negócio sob suas condições normais. Os capitais menores disputam, por isso, esferas da produção das quais a grande indústria se apoderou apenas de modo esporádico ou incompleto. A concorrência se desencadeia aí com fúria diretamente proporcional ao número e em proporção inversa à grandeza dos capitais rivais. Termina sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos capitais em parte se transferem para a mão do vencedor, em parte soçobram (MARX, 1996, tomo II, p. 257-258).
Heilbroner e Thurow (2001, p. 43) argumentam que “a cada crise, as pequenas
empresas vão à falência e seus ativos são comprados pelas empresas sobreviventes. A
tendência das grandes empresas é, portanto, uma parte integrante do capitalismo”. Segundo
Kon (1994, p. 48), a centralização do capital “resulta da luta da concorrência em busca do
barateamento das mercadorias que, por sua vez, depende do aumento da escala de produção e
da produtividade”. A crise econômica torna mais intenso o fenômeno da centralização:
Dados a competição intercapitalista, o desenvolvimento do capital financeiro e o aumento das escalas mínimas de produção, defrontamo-nos com um processo de
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centralização de capital. Este processo é reforçado nas crises de superprodução, nas quais os menores capitalistas sofrem mais do que os grandes, tendo em vista o maior poder de mercado bem como a maior capacidade de mobilização de recursos destes últimos (KUPFER; HASENCLEVER, 2002, p. 404).
Em outros termos, podemos definir o processo de centralização como a reunião de
dois ou mais capitais, que se juntam e formam um só capital. Isto ocorre principalmente em
momentos de crise econômica, seja através de fusões, aquisições ou incorporações de
empresas. “A centralização ocorre através da mudança na distribuição de capitais existentes,
crescendo em uma mão até formar massas grandiosas, porque é retirado de muitas mãos
individuais” (KON, 1994, p. 49).
Na interpretação marxista, existe uma tendência à formação de estruturas de mercado
concentradas, sejam monopólios ou oligopólios:
O progresso da acumulação multiplica a matéria centralizável, isto é, os capitais individuais, enquanto a expansão da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os meios técnicos, para aquelas poderosas empresas industriais cuja realização se liga a uma centralização prévia do capital. Hoje, portanto, a força de atração recíproca dos capitais individuais e a tendência à centralização são mais fortes do que em qualquer ocasião anterior (MARX, 1996, tomo II, p. 258).
Mas este processo de centralização do capital é também contraditório: os novos
métodos de produção que permitem o aumento da escala de produção e da produtividade
tendem a generalizar-se por todo o ramo industrial, fazendo com que a competição entre os
capitalistas se torne mais acirrada e os superlucros desapareçam. “A concorrência obriga os
rivais a adotarem novos métodos de produção, e quando o fazem, desaparecem os superávits
individuais. Isso se traduz num constante incentivo para o capitalista aumentar a
produtividade” (ROLL, 1977, p. 262). A vantagem competitiva de uma empresa, baseada em
progresso tecnológico, é transitória. Embora a centralização de capital resulte em situações de
monopólio e oligopólio, as estruturas de mercado concentradas são temporárias devido à
rivalidade entre os capitalistas. Hugon (1986, p. 235) sustenta que “a concentração das
empresas, segundo os setores e as atividades de produção, é muito diferente e muito variável.
Sua tendência é muito evidente; sua realização está ainda longe de ser total e absoluta” . Em
suma, a concorrência na concepção marxista funciona como um mecanismo que elimina os
diferenciais de lucro intersetoriais no longo prazo, impedindo que indústrias obtenham lucros
supernormais de forma persistente. “Mesmo no capitalismo moderno, o processo competitivo
tende a equalizar as taxas de lucro entre as indústrias” (MALDONADO FILHO, 1989, p.
21
257).
3 A TEORIA SCHUMPETERIANA DA CONCORRÊNCIA
Joseph Schumpeter foi um dos mais ilustres economistas da sua época e seu
pensamento marcou a ciência econômica contemporânea de forma definitiva (NAPOLEONI,
1979, p. 49). Sua concepção da economia capitalista é apoiada na idéia de inovação. Ele
enxerga o desenvolvimento como um processo dinâmico, no qual as inovações introduzidas
pelos empresários provocam mudanças no sistema econômico, destruindo as estruturas
existentes e dando origem a novas estruturas. O sistema capitalista é, segundo Schumpeter,
marcado pela instabilidade e por mudanças estruturais. Desta forma, está sujeito a ciclos de
expansão e retração. Quanto ao problema da concorrência, Schumpeter observa que atividades
com grau de lucratividade muito elevado atraem concorrentes que irão imitar as inovações
originais. Assim, com o decorrer do tempo, o lucro tende a cair e volta ao nível considerado
normal.
3.1 Dinâmica capitalista e desenvolvimento econômico
A teoria schumpeteriana do ciclo econômico é o assunto desta primeira seção do
terceiro capítulo. Segundo esta abordagem, a instabilidade econômica é inerente ao sistema
capitalista. Schumpeter (1997, p. 75) descreve o processo de desenvolvimento como “uma
mudança espontânea e descontínua nos canais do fluxo, perturbação do equilíbrio, que altera e
desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente” .
O desenvolvimento econômico e a expansão industrial ocorrem a partir da realização
de novas combinações de recursos e fatores de produção. O conceito de novas combinações
engloba cinco casos: a introdução de um novo bem, a introdução de um novo método de
produção, a abertura de um novo mercado, a conquista de uma nova fonte de matérias-primas
e o estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria (SCHUMPETER, 1997,
p. 76).
As inovações tecnológicas surgem de forma descontínua e criam instabilidade no
22
sistema capitalista, levando à mudança da estrutura econômica:
O impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista (SCHUMPETER, 1961, p. 110).
O processo de inovação tecnológica é incessante e as mudanças são descontínuas. As
inovações são o motor do processo de mudança e causam as flutuações econômicas (ciclos).
Inovações “são caracterizadas como mudanças endógenas. Não são reações a mudanças
externas, mas sim forças intrínsecas ao sistema econômico que promovem o progresso”
(CARNEIRO, 1997, p. 65). Elas são essências do capitalismo.
Quanto à explicação dos ciclos econômicos na abordagem shumpeteriana, podemos
distinguir as seguintes fases:
Em geral, as inovações consistem no trabalho de pioneiros, disse Schumpeter, mas embora a liderança fosse rara e difícil são muitos os seguidores. Nos calcanhares do inovador vem um enxame - este termo é de Schumpeter - de imitadores. A melhoria original é, desta maneira, generalizada por toda a indústria, e uma corrida aos empréstimos bancários e gastos com investimentos dão origem a um boom. Mas a própria generalização da inovação remove sua vantagem diferencial. A competição força os preços para baixo, para mais perto do novo custo de produção; os lucros desaparecem à medida que a rotina vai se estabelecendo. À medida que os lucros declinam, o mesmo acontece com os investimentos. Na verdade, pode até ocorrer uma contração quando parte do enxame acaba realizando investimentos mal planejados (HEILBRONER, 1997, p. 274).
Segundo esta interpretação, o ciclo inicia a partir das inovações introduzidas pelos
empresários empreendedores. Durante o período de prosperidade (boom), os empresários
concorrentes investem recursos buscando imitar as inovações. Aumentam os investimentos e
a oferta de emprego. Ainda durante esta fase, há o aparecimento em massa de empresários
rivais e um forte processo inovativo. Na fase seguinte ocorre a desaceleração do ciclo: as
inovações tecnológicas difundem-se e se generalizam por todo o mercado. Os investimentos
cessam e o desemprego aumenta. Podemos perceber que o sistema capitalista é marcado pela
instabilidade:
A inovação deflagra um processo de destruição das estruturas econômicas existentes e de criação de novas estruturas. O desenvolvimento capitalista é marcado, assim, por rupturas, desequilíbrios e descontinuidades. A inovação é, portanto, a causa última da instabilidade nas economias capitalistas. Segundo Schumpeter, os ciclos econômicos são reflexo inevitável das tensões provocadas pelo processo de
23
desorganização/reorganização das estruturas, induzido pelas inovações. Em outras palavras, nas economias capitalistas o desenvolvimento está irremediavelmente associado à instabilidade e assume forma cíclica (CARNEIRO, 1997, p. 60).
A análise schumpeteriana é dinâmica: o processo de mudanças é descontínuo e o
desenvolvimento econômico é caracterizado pela instabilidade. “O desenvolvimento
capitalista decorre de um processo de destruição criadora, pelo qual novas combinações
substituem antigas combinações” (KUPFER; HASENCLEVER, 2002, p. 404). As inovações
tecnológicas levam à expansão industrial, e nesta fase expansiva do ciclo surgem grupos de
empresários imitadores. Os empresários concorrentes tentam imitar os inovadores para
obterem os mesmos lucros, porém a concorrência entre os agentes provoca o desgaste do
processo de desenvolvimento e conseqüentemente a crise econômica. Quando as inovações se
esgotam e viram rotina, a economia entra em recessão. Isto provoca a falência das empresas
menos eficientes e o desaparecimento de empresários que não conseguem acompanhar o
ritmo do progresso tecnológico. Após a depressão econômica “o sistema tende ao equilíbrio,
exceto que as inovações sempre quebram essa tendência” (BRUE, 2006, p. 466). Assim, é
necessária uma nova onda de inovações para retomar o ciclo.
3.2 Concentração industr ial e poder de mercado
Podemos dizer que uma indústria é concentrada quando há um número pequeno de
grandes firmas dominando o mercado. Já o poder de mercado está relacionado com a
capacidade da empresa em controlar o preço de venda do produto. Assim, na medida em que
for alto o coeficiente de concentração de um mercado, menor é o grau de concorrência entre
as firmas e mais intenso é o poder de mercado. A relação entre o poder de monopólio das
empresas e o grau de concentração na visão de Schumpeter é a proposição que vai ser tratada
nesta seção.
Na análise schumpeteriana, são essencialmente as grandes empresas que introduzem
as inovações, já que estas detêm uma posição privilegiada no mercado. Isto porque as
atividades de pesquisa e desenvolvimento exigem uma soma muito elevada de recursos:
No sistema schumpeteriano, as grandes empresas, que dominam os mercados no capitalismo contemporâneo e, em geral, têm poderes monopólicos ou oligopólicos
24
nestes mercados, são as principais responsáveis pela realização de inovações e mudanças estruturais. Por conseguinte, as grandes empresas têm o papel mais importante na expansão industrial e no processo geral de crescimento econômico através do progresso técnico (KUPFER; HASENCLEVER, 2002, p. 405).
As firmas de grande porte têm um papel significativo no progresso tecnológico. Elas
ajudam a impulsionar a economia e a promover o desenvolvimento. Schumpeter não condena
as formações monopolísticas e oligopolísticas. Ele reconhece que estas estruturas
concentradas propiciam às empresas certo controle sobre o mercado, patrocinando a
realização de novas combinações e também a expansão industrial:
Schumpeter reconheceu a importância da grande empresa e da concentração da produção para o progresso técnico. A relação entre oligopólio e progresso técnico foi considerada mútua: por um lado, o processo de diferenciação do produto conduzia a expansão e a criação de novos mercados oligopolistas. Por outro, os altos custos de P&D, necessários para a sobrevivência das empresas nos mercados dinâmicos, exigiam a presença das grandes empresas. Embora a teoria schumpeteriana não tivesse o reconhecimento das correntes principais do pensamento econômico, sua contribuição influenciou progressivamente as teorias da firma, até serem plenamente incorporadas pelo evolucionismo (TIGRE, 1998, p. 85).
Schumpeter considera que as empresas buscam incessantemente a diferenciação com o
objetivo de firmar vantagens competitivas dentro do mercado. As inovações tecnológicas
tendem a gerar monopólios provisórios para as empresas inovadoras. A partir deste processo
de obtenção de poder de mercado, as firmas podem obter lucros de monopólio (ainda que
estes sejam temporários). Monopólios e oligopólios não são permanentes devido às constantes
inovações tecnológicas promovidas pelas empresas rivais:
Na opinião de Schumpeter, o governo não precisa colocar um fim ou restringir um monopólio já existente, porque o monopólio é parte do processo competitivo dinâmico a longo prazo. Todos os monopólios são temporários, a menos que o governo os proteja (BRUE, 2006, p. 470).
Quanto ao papel do governo como regulador da concorrência, Schumpeter considera
desnecessária a legislação antitruste. As estruturas monopolísticas são o resultado natural de
novas combinações bem sucedidas, não sendo consideradas pelo mesmo como
anticompetitivas. O monopólio deve ser tolerado, ele faz parte do processo competitivo. Na
concepção de Schumpeter, “o monopólio é resultado do processo de concorrência, e não seu
oposto. A busca de posições monopólicas não constitui em si uma prática danosa à
concorrência, mas o seu móvel principal” (TIGRE, 1998, p. 101). Por fim, Skidelsky (2008)
25
acrescenta que “a inovação precisa de recompensa, daí a economia dinâmica permitir enormes
lucros ao inovador” . O monopólio se justifica a partir da obtenção de lucros. Estes, por sua
vez, são fundamentais para incentivar o empresário a investir, promovendo assim o
crescimento da economia. “O monopólio temporário é a forma de a natureza permitir que os
inovadores ganhem com suas invenções. A desigualdade de curto prazo é o preço do
progresso no longo prazo” (SKIDELSKY, 2008).
3.3 O processo competitivo e a destruição cr iadora
Quanto mais concentrado é um setor industrial, menores são as condições de
concorrência dentro deste setor. No sistema capitalista contemporâneo, marcado pelo
monopólio e pela concentração industrial, a competição não ocorre somente via preços, mas
também através de inovações tecnológicas. A firma que deseja manter-se competitiva dentro
do mercado deve obrigatoriamente inovar, sob o risco de ser superada pelas empresas rivais.
A posição de mercado de uma empresa é constantemente ameaçada pelas firmas
concorrentes devido às constantes inovações tecnológicas. As situações de monopólio ou
oligopólio dentro de um ramo industrial não são eternas, elas tendem a enfraquecer com o
decorrer do processo competitivo:
Posições de monopólio estabelecidas por inovadores tendem a se desgastar ao longo do tempo, de um modo similar ao vencimento das patentes. Há duas razões para isso. Uma é que eventualmente os competidores conseguem copiar a inovação. A outra é que inovadores mais recentes lançam produtos que tornam a inovação original obsoleta (KRUGMAN, 2007, p. 456).
As estruturas de mercado monopolizadas ou oligopolizadas geralmente são
transitórias, pois as constantes inovações tecnológicas introduzidas pelas empresas rivais
acabam aumentando o grau de concorrência e anulando o poder de mercado das outras firmas.
Isto ocorre em virtude do processo de destruição criadora, conceito desenvolvido por
Schumpeter e que será abordado em seguida. A abordagem schumpeteriana se diferencia dos
modelos de concorrência neoclássicos:
26
Schumpeter tinha uma visão mais ampla sobre a concorrência e o monopólio. Ele enfatizava que a concorrência é um processo a longo prazo em que as empresas competem desenvolvendo totalmente novos produtos e processos. O monopólio não pode se manter por longos períodos porque seus preços e lucros criam um incentivo poderoso para que os empresários concorrentes produzam novos produtos e descubram novos métodos de produção. Conseqüentemente, essa inovação empresarial resulta em destruição criativa: ela simultaneamente cria novos produtos e métodos de produção e destrói a força do monopólio existente (BRUE, 2006, p. 470).
Dentro da teoria schumpeteriana, a concorrência é vista como “um processo de
interação de empresas voltadas à apropriação de lucros” (KUPFER; HASENCLEVER, 2002,
p. 421). Enquanto o monopólio se justifica para fomentar o desenvolvimento tecnológico, a
concorrência no sistema capitalista é caracterizada pela rivalidade entre empresas que
desenvolvem novos produtos ou novos métodos de produção. Estas firmas se confrontam no
mercado e adotam estratégias de diferenciação. “Nessa concepção, concorrência implica o
surgimento permanente e endógeno de diversidade no sistema econômico capitalista, também
como convém a um processo evolutivo” (KUPFER; HASENCLEVER, 2002, p. 419). Por
fator endógeno, entende-se aquele que é gerado internamente pelo próprio sistema.
A dinâmica concorrencial e a realização de inovações alteram a estruturas econômicas.
Schumpeter chama este processo de mudanças descontínuas em que novas estruturas tomam o
lugar das antigas de destruição criadora:
A abertura de novos mercados, estrangeiros e domésticos, e a organização da produção, da oficina do artesão a firmas, [...], servem de exemplo do mesmo processo de mutação industrial - se é que podemos usar esse termo biológico - que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos. Este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver (SCHUMPETER, 1961, p. 110).
O fenômeno econômico é bastante dinâmico, e Schumpeter o compara ao processo
evolutivo. As empresas não podem manter-se em um estado estacionário, muito pelo
contrário: a concorrência obriga a realização de constantes inovações. Os empresários rivais
estão sempre tentando criar novas combinações, sejam produtos novos, processos produtivos
ou estratégias melhores. As inovações tecnológicas de hoje serão destruídas e substituídas por
novas tecnologias. A necessidade de inovar para manter a competitividade é um fato concreto
no mercado atual. “A concorrência, como indutora de inovações e geradora de assimetrias
entre agentes econômicos, é o ponto de partida, na abordagem evolucionista, para a
construção de um referencial alternativo ao de equilíbrio neoclássico" (CARNEIRO, 1997, p.
27
62). Na medida em que considera a mudança tecnológica como um fator de modificação
estrutural do sistema econômico, Schumpeter substitui a noção microeconômica convencional
de equilíbrio por um movimento de evolução. A concorrência passa a ser abordada como um
processo dinâmico, e não mais como uma situação estática. “A dinâmica do mercado ocorre
mediante um processo de seleção natural, ou seja, os produtores que não conseguem
acompanhar a velocidade e a direção do progresso técnico são expulsos ou incorporados pelos
concorrentes” (OLIVEIRA, 2001, p. 7). Devemos salientar que o capitalismo tem um caráter
evolutivo e não estacionário, portanto o modelo neoclássico de concorrência baseado no
equilíbrio não se aplica à maioria dos mercados no mundo real.
Na visão de Schumpeter, as inovações tecnológicas geram mudanças no ambiente
econômico e funcionam como um instrumento concorrencial. Os lucros acima do normal são
obtidos através das inovações, mas com ingresso de novos participantes no mercado
(empresários imitadores), alteram-se as condições competitivas e estes ganhos tendem a
desaparecer ao longo do tempo. Quando as novas combinações se tornam amplamente
difundidas (viram rotina), cessam os lucros de monopólio. Assim, o processo concorrencial
apresenta ganhadores e perdedores.
3.4 O empresár io inovador
A função empresarial para Schumpeter é o assunto apresentado a seguir. O empresário
inovador é a figura central na teoria schumpeteriana do desenvolvimento: ele é o agente
econômico que realiza as novas combinações. A função característica do empresário é
introduzir inovações tecnológicas. Dentro desta concepção, os empresários são “pessoas com
excepcionais habilidades, que aproveitam ao máximo as oportunidades que passam
despercebidas por outras ou que criam oportunidades por meio da ousadia e da imaginação”
(BRUE, 2006, p. 466). Para Schumpeter, o empreendedor é um agente econômico
“desequilibrador” :
O elemento motriz da evolução é constituído pelas inovações, fontes de combinações novas das forças produtivas realizadas pelo empresário e que, ao se propagarem, vão provocar desequilíbrios. Estes pelo mecanismo dos ciclos, tendem a novos equilíbrios em níveis mais elevados e esta prosperidade engendra o lucro, recompensa por seu trabalho de inovação que recebe o empresário (HUGON, 1986,
28
p. 417)
Na análise de Schumpeter, os lucros têm origem nas inovações. Eles não são
simplesmente a recompensa do risco, como já defenderam outros economistas. Na verdade
quem corre o risco é o dono do capital - o capitalista. Dentro da ótica schumpeteriana, é
preciso fazer a distinção entre empresário e capitalista. Heimann (1976, p. 229) define o
empresário “no sentido novo e específico de pessoa que não produz simplesmente as coisas
desejadas tradicionalmente pelos consumidores, mas que concebe novos produtos, novos
métodos de produção e novas indústrias” . Já o capitalista é o agente que fornece crédito para a
realização de inovações, é o indivíduo que detém a posse do capital e suporta o risco do
empreendimento. O empresário schumpeteriano também não pode ser confundido com o
gerente, o inventor ou o diretor industrial. Schumpeter (1997, p. 86) sustenta que “alguém só
é um empresário quando efetivamente levar a cabo novas combinações” . Ele afirma ainda que
“os empresários são um tipo especial, e o seu comportamento um problema especial, a força
motriz de um grande número de fenômenos significativos” (SCHUMPETER, 1997, p. 88). O
empreendedor tem um papel crucial no desenvolvimento econômico:
Schumpeter analisou a função do empreendedor na criação do progresso e do avanço econômico. A economia de iniciativa privada sempre oferece grandes recompensas para novos produtos, novos métodos produtivos ou novos sistemas organizacionais. Auferirá lucros elevados a primeira pessoa que oferecer ou custos mais baixos ou novos produtos que despertem o interesse do consumidor. O empreendedor é esta primeira pessoa e suas contínuas inovações geram o crescimento e a mudança característicos da sociedade capitalista moderna (FUSFELD, 2001, p. 224).
A empresa e o empresário são fatores-chave para o desenvolvimento econômico. “O
empresário inovador é o agente capaz de realizar com eficiência as novas combinações,
mobilizar crédito bancário e empreender um novo negócio” (LIMA, 2002). O empresário é
também um elemento dinâmico da economia. Na lógica do sistema schumpeteriano, o
resultado da atividade empresarial é o lucro:
Uma inovação implica na existência de um inovador - alguém que é o responsável por combinar os fatores de produção de novas formas. Este não é, evidentemente, um homem de negócios “normal” , que segue as rotinas pré-estabelecidas. A pessoa que introduz mudanças na vida econômica é um representante de outra classe ou, mais precisamente, de outro grupo, porque os inovadores não vêm necessariamente de nenhuma classe social específica. Schumpeter pegou uma antiga palavra do léxico econômico e a usou para descrever estes revolucionários da produção. Ele os chamou de empreendedores. Empreendedores e sua atividade inovadora são, assim, a fonte de lucro no sistema capitalista (HEILBRONER, 1997, p. 274).
29
O lucro é o motor da atividade empreendedora. Mas Schumpeter “trata o lucro não
como a simples remuneração do capital investido, mas como o ‘ lucro extraordinário’ , isto é, o
lucro acima da média exigida pelo mercado para que haja novos investimentos e
transferências de capitais entre diferentes setores” (JOSEPH, 2008). A função empresarial tem
como finalidade descobrir novos produtos e métodos de produção mais eficientes. Os
empresários, enquanto empreendedores, visam obter lucro a partir dos seus investimentos.
Em uma situação hipotética de perfeito equilíbrio no mercado, a função empresarial
deixaria de existir, pois neste estado não há mudanças que perturbem o “ fluxo circular” , ou
seja, não há inovações nem empreendedores. Sandroni (1999, p. 547) aponta que “sem
empresários audaciosos e suas propostas de inovação tecnológica, a economia manter-se-ia
numa posição de equilíbrio estático, num ‘círculo econômico fechado’ de bens, nulos o
crescimento real e a taxa de investimento”.
Os empresários são dotados de um espírito dinâmico e de habilidade para implantar
novidades. Ao introduzirem inovações, os empreendedores causam o rompimento do
equilíbrio, ou seja, desestabilizam o sistema econômico. As novas combinações buscam criar
situações de monopólio temporárias para que o empresário obtenha lucro puro. Os novos
produtos podem eliminar outros mais antigos e estabelecer um novo paradigma tecnológico
(processo de destruição criadora), causando perdas para outros empresários. As empresas
buscam lucros extraordinários, porém no longo prazo (devido ao efeito imitação) a
competição possibilita apenas lucros normais.
Contudo, Schumpeter acredita na obsolescência da função empresarial. Segundo ele,
“a importância da categoria empresário deve diminuir” (SCHUMPETER, 1997, p. 92). A
função do empresário tende a desaparecer, pois o progresso irá tornar-se despersonalizado, ou
seja, não individualizado. A mudança deixa de ser individual para ser feita em equipe, como é
o caso dos departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das grandes corporações. As
empresas substituem a figura do empresário inovador, burocratizando a atividade da inovação
e tornando-a uma tarefa interna. Desta forma, a figura do empresário é gradativamente
arruinada dentro do sistema econômico.
30
4 A ABORDAGEM AUSTRÍACA
A Escola Austríaca, fundada por Carl Menger e tendo como grandes expoentes
Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, propõe uma teoria econômica baseada no subjetivismo,
no individualismo metodológico, na liberdade econômica e na análise de processo. O capítulo
a seguir irá discutir os princípios fundamentais da concorrência dentro da Escola Austríaca de
Economia. Dentro desta abordagem, o mercado e a concorrência são vistos como um
processo, sendo que o empresário tem uma atividade essencial neste contexto. Para os
teóricos austríacos, a atividade empresarial tem como finalidade descobrir oportunidades de
lucro até então inexploradas e aproveitá-las. Desta forma, os empresários atuam como
agentes coordenadores do mercado e acabam produzindo uma tendência de equilíbrio nos
preços.
4.1 O processo de mercado
Nesta seção serão abordadas as principais contribuições dos economistas austríacos
para a interpretação do mercado, destacando as idéias de Ludwig von Mises, Friedrich Hayek
e Israel Kirzner. Estes teóricos explicam o mercado como um processo dinâmico, e esta noção
de processo é fundamental para entender a natureza da concorrência dentro da teoria
austríaca, que é um dos objetivos deste trabalho.
Para Kirzner (1986, p. 7), “o mercado compõe-se, durante qualquer período de tempo,
da interação das decisões de consumidores, empresários-produtores e proprietários de
recursos” . Em um sentido amplo, o mercado pode ser definido como o ambiente onde os
agentes econômicos interagem e efetuam as trocas. Sob o enfoque austríaco, a característica
principal deste ambiente é a incerteza. Outra característica do mercado é que os agentes têm
conhecimento limitado, ou seja, a informação nunca está completa. Por isso o sistema de
preços é essencial para o funcionamento do sistema econômico, pois é ele quem transmite as
31
informações para o mercado, atuando como um mecanismo de coordenação dos planos
individuais e do processo econômico como um todo.
Na visão da Escola Austríaca de Economia a ação econômica se dá em um ambiente
de incerteza e desconhecimento parcial, e o mercado é caracterizado como um processo
dinâmico de aquisição de conhecimentos e descoberta de informações. Os agentes, ao
interagirem no mercado, adquirem experiências e ampliam os seus conhecimentos,
modificando o próprio sistema econômico. Este é, portanto, um processo constante de
descoberta e aprendizado, baseado em conhecimentos subjetivos:
Para a Escola Austríaca, o mercado é um processo de permanente descoberta, o qual, ao amortecer as incertezas, tende sistematicamente a coordenar os planos formulados pelos agentes econômicos. Como as diversas circunstâncias que cercam a ação humana estão ininterruptamente sofrendo mutações, segue-se que o estado de coordenação plena jamais é alcançado, embora os mercados tendam para ele (IORIO, 1997, p. 67).
Os austríacos consideram o processo de mercado algo dinâmico por natureza. O
conhecimento humano é imperfeito, isto é, não há uma perfeita simetria de informações. É
através das ações individuais e das interações entre os agentes que o conhecimento é criado e
ampliado constantemente. Esta noção de dinâmica se contrapõe à teoria concorrencial
neoclássica de equilíbrio geral. A teoria austríaca do processo
[...] está preocupada com a seqüência de eventos que ocorrem no mercado, que pode levar ou não a um estado de equilíbrio. Investiga-se sob que condições podemos esperar a existência de uma tendência ao equilíbrio, num processo no qual a ignorância dos agentes sobre a realidade que os cerca e os erros advindos dessa ignorância exercem papel predominante da análise. Como veremos, fora do equilíbrio, os “dados” do problema de alocação, como preferências e preços, não são de fato dados, mas sua descoberta é fruto do próprio processo competitivo (BARBIERI, 2001, p. 10-11).
Ao contrário da tradição neoclássica, a Escola Austríaca de Economia enxerga o
mercado como um processo em constante movimento. Enquanto a teoria da concorrência
neoclássica apresenta as características do equilíbrio, os austríacos discutem o processo rumo
ao equilíbrio. Em outras palavras, Mises, Hayek e Kirzner dão ênfase no processo e não no
estado final de repouso. Estes autores interpretam o mercado como um processo de
coordenação, que embora tenda ao equilíbrio, não o alcance jamais.
Kirzner em particular faz uma crítica aos modelos concorrenciais neoclássicos,
afirmando que estes sofrem de grandes limitações como meio de compreender a economia.
32
(KIRZNER, 1986, p. 2). Ele afirma ainda que a teoria microeconômica tradicional está
equivocada ao analisar o mercado estritamente sob uma condição estática. Vale ressaltar que
embora exista uma tendência ao equilíbrio, ele não é atingido plenamente. Feijó (2000, p.
138) acrescenta que “a hipótese de equilíbrio só se concretizaria se os agentes tivessem
conhecimento perfeito, mas tal hipótese contradiria as limitações da mente humana”.
Como visto anteriormente, os agentes econômicos experimentam seus planos no
mercado e adquirem conhecimento num processo de tentativa e erro. A partir daí fica evidente
a importância do sistema de preços dentro do processo econômico. O sistema de preços
coordena de forma espontânea o mercado e o resultado é a eficiência econômica. Os
austríacos defendem que o livre mercado é o único sistema capaz de alocar os recursos de
maneira eficiente. É o mecanismo de preços quem define o quanto produzir e o quanto
consumir, ou seja, ele auxilia os agentes econômicos a fazerem suas escolhas. Nesse contexto,
os preços são parâmetros de informações e decisões. Iorio (1997, p. 68) explica que os preços
têm o “papel de emitir sinais para que os diversos participantes do processo de mercado
possam coordenar seus planos ao longo do tempo”.
Dentro desta concepção, o mercado funciona melhor quando o Estado tem uma
atuação mínima. Por isso os austríacos defendem a economia de mercado e a liberdade
econômica, condenando a intervenção estatal no sistema econômico. Hayek argumenta que o
livre mercado é superior a qualquer forma de planejamento estatal da economia e condena
veementemente o controle de preços:
Ninguém tem poderes para controlar os preços de maneira eficiente. Os preços são sinais sobre coisas que ainda não conhecemos. Não se pode, enfim, corrigir um sinal do qual não se sabe o que está assinalando. O controle de preços termina por desorientar a produção, conduz à escassez e esta ao planejamento central. O fim dessa linha é o socialismo, e o socialismo é um equívoco (VEJA, 2003).
Ludwig von Mises, outro grande expoente da Escola Austríaca de Economia,
demonstrou teoricamente a impossibilidade de cálculo econômico no sistema socialista. Ele
argumenta que sem as forças de mercado e conseqüentemente sem um sistema de preços livre,
não é possível identificar as preferências subjetivas dos consumidores nem alocar
eficientemente os recursos escassos dentro da economia. Segundo Mises (1990, p. 549), “a
noção de uma economia de mercado sem preços de mercado é absurda” e o “resultado é o
caos” econômico.
Em suma, o sistema de preços leva à coordenação das atividades individuais, cabendo
33
ao governo meramente a função de manter um arcabouço jurídico-institucional para garantir o
funcionamento da economia. De acordo com Zanella (1993, p. 173-174) “o mercado existe
para, através de preços livres, coordenar as informações dispersas na sociedade sobre as
necessidades subjetivas de milhões e milhões de agentes” . O resultado do processo de
mercado é a alocação eficiente dos recursos e a coordenação do processo econômico como
um todo.
4.2 A dinâmica da concorrência
O assunto abordado nesta seção é a relação de disputa entre os agentes que participam
do mercado e o significado da concorrência dentro da Escola Austríaca. Assim como o
mercado, a concorrência também é vista como um processo de descoberta nesta abordagem.
“A teoria austríaca enxerga a concorrência como um processo de descoberta de novas e
melhores maneiras de se organizar recursos, uma maneira que pode até ser cheia de erros, mas
que está constantemente sendo aperfeiçoada” (ROCKWELL, 2008). Mais uma vez os
austríacos se distanciam da concepção neoclássica, e criticam a teoria da competição total
baseada no modelo de equilíbrio.
O modelo de concorrência perfeita pressupõe elevado número de produtores e
consumidores, homogeneidade de produtos, livre entrada e saída de empresas e firmas como
tomadoras de preços. Além disso, a noção neoclássica de competição total considera que
todos os participantes do mercado têm pleno conhecimento, hipótese totalmente descartada
pelos teóricos austríacos, conforme visto na seção anterior. Sobre o modelo de concorrência
perfeita, Iorio (1997, p. 82) lembra que “ foram os austríacos os primeiros a afirmar que esse
modelo não corresponde ao mundo real, em decorrência do irrealismo de suas hipóteses” . O
modelo neoclássico de competição total é criticado justamente por não ter bases apoiadas na
realidade concreta. A maioria dos mercados da economia não pode ser descrita pelo modelo
estático de livre concorrência. Com relação aos outros modelos de estruturas de mercado,
Zanella (1993, p. 184) observa que “os austríacos criticam outros estereótipos de mercado,
como a concorrência monopolística, o monopólio e o oligopólio, tal são como apresentados
pela teoria neoclássica” .
No que diz respeito à natureza do processo competitivo dentro da teoria austríaca:
34
O que mantém os processos de mercado é a competição, não a concorrência perfeita em termos de ajustes de preços e quantidades, mas a competição entre firmas rivais que procuram aumentar os seus lucros oferecendo melhores produtos e serviços que aqueles existentes. A condição necessária para manter essa competição não é a existência de um grande número de rivais, mas sim a liberdade de fluxos de capitais, associada à inexistência de barreiras de entrada significativas nas indústrias (VASCONCELOS; CYRINO, 2000, p. 30-31).
O que se observa na prática é que nem sempre os mercados são competitivos, algum
grau de concentração está presente na maioria deles. Há uma grande diversidade de mercados
no mundo real, variando desde a concorrência considerada normal (onde o grau de
concentração é baixo), passando pelo oligopólio e chegando até o monopólio, que representa
o mais alto nível de concentração. A causa principal desta concentração está relacionada com
as barreiras à entrada, que dificultam a entrada de novas empresas em um setor industrial, isto
é, impedem a livre mobilidade de capitais.
Outro ponto importante no processo competitivo sob a perspectiva austríaca é, mais
uma vez, o problema do conhecimento. A competição pode ser entendida também como um
processo de descoberta, onde os agentes rivalizam no mercado através de suas tentativas.
Considerando que o conhecimento dos agentes é imperfeito, o processo competitivo leva a
alterações nos planos destes agentes. A dinâmica concorrencial possibilita a correção de erros,
gerando um aprendizado e alterando as expectativas equivocadas dos participantes do
mercado. A concorrência, sob a análise austríaca,
[...] é um processo incontrolável, gerado por ações individuais tomadas em resposta às informações obtidas no próprio mercado. Os planos e decisões empresariais reagem a informações geradas pelo mercado, alimentando-o de volta com inovação e mudanças. A ordem emerge da função coordenadora do mercado dentro de um processo contínuo de mudança e progresso (FUSFELD, 2001, p. 267-268).
Nesse contexto, a concorrência atua no sentido de alocar os recursos de maneira
eficiente e promover o bem-estar econômico geral. O processo competitivo é também
dinâmico: as firmas rivais competem para melhor atender as demandas dos consumidores e
também para ganhar espaço no mercado. Mas a competição não leva ao equilíbrio, ela apenas
tende ao equilíbrio. Esta tendência rumo ao equilíbrio ocorre a partir do sistema de preços.
Como já foi mostrado, os preços funcionam como sinais econômicos, orientando produtores e
consumidores a tomar decisões de compra e venda. “Graças aos preços flexíveis apontados
em cada mercado, os agentes conseguem identificar erros em suas expectativas e rever seus
planos na direção adequada” (FEIJÓ, 2000, p. 167-168).
35
O processo de mercado é competitivo por natureza, pois cada agente econômico deve
aproveitar as melhores oportunidades, considerando também as expectativas e planos dos
concorrentes. Um empresário, por exemplo, ao decidir investir deve levar em conta não só as
preferências dos consumidores, mas também as possíveis escolhas e planos de ação dos outros
participantes do mercado, que são os empresários rivais. A concorrência é marcada pela
interação entre os agentes econômicos que executam seus planos no mercado:
À medida que o processo de mercado se desenrola, então, com um período de ignorância de mercado seguido por outro no qual a ignorância foi um pouco diminuída, cada comprador ou vendedor revê suas ofertas e as faz à luz dos seus conhecimentos recém adquiridos a respeito das oportunidades alternativas que aqueles a quem ele espera vender, ou de quem ele espera comprar, podem esperar encontrar à sua disposição alhures no mercado. Nesse sentido, o processo de mercado é inerentemente competitivo (KIRZNER, 1986, p. 9).
Como a atividade competitiva envolve um processo de aprendizagem por parte dos
agentes, não é possível prever o resultado final, nem quem serão os ganhadores e os
perdedores (vale lembrar que o mercado é um ambiente marcado pela incerteza). Ao final do
processo competitivo, os participantes do mercado que fizeram os melhores planos de ação,
baseados em expectativas mais realistas, obterão lucro. Por outro lado, os participantes que
fizeram previsões equivocadas terão prejuízo. Num sistema de mercado competitivo, os
lucros e prejuízos desempenham duas funções importantes (BRUE, 2006, p. 404). A primeira
delas é que os ganhos e perdas servem como um mecanismo de seleção, recompensando
aqueles empresários que melhor atenderam as necessidades dos consumidores. A segunda
função é corrigir expectativas otimistas e ambiciosas demais, tornando os planos dos
empresários mais realistas.
Numa situação de coordenação completa das expectativas (estado de equilíbrio) a
concorrência não faria sentido, pois os agentes econômicos saberiam previamente o resultado
e não haveria um processo de descoberta baseado em tentativas e erros. Dentro desta situação
hipotética, não existiriam ganhos e nem perdas. Mas, conforme o paradigma austríaco, esta
posição de coordenação plena não é atingida. Iorio (1997, p. 69) explica que o equilíbrio
jamais “é alcançado, na medida em que as divergências entre as expectativas que cada
participante no mercado formula subjetivamente tendem a gerar transformações
permanentes” .
Em resumo, a rivalidade entre as empresas existe no sentido de descobrir as
preferências dos consumidores e também na descoberta de oportunidades. A competição no
36
mercado serve para testar os planos individuais e também como um processo de aprendizado,
no propósito de corrigir expectativas para evitar perdas futuras. Esta é a dinâmica do processo
competitivo.
4.3 Poder de monopólio e lucros extraordinár ios
Antes de analisarmos a relação entre lucros e grau de concentração do mercado a
partir da perspectiva austríaca, que é o tema desta seção, cabe apresentar alguns conceitos
importantes. O poder de mercado, ou poder de monopólio, está relacionado com a capacidade
da firma em aumentar o preço acima do nível da competição. Segundo a teoria
microeconômica tradicional, quando há muitas empresas competindo no mercado fica difícil
para uma firma isoladamente influir no preço da mercadoria que vende. Mas quando o
mercado é concentrado e a concorrência é restrita, empresas com poder de mercado utilizam
com freqüência esta capacidade para elevar os seus preços, colocando-os acima do nível
concorrencial.
Outro conceito importante é o de lucro. Convencionalmente, podemos distinguir o
lucro normal (ou mínimo) do lucro extraordinário (ou puro). Para Gremaud (2006, p. 194) o
lucro considerado normal “ inclui a remuneração do empresário, seu custo de oportunidade”,
enquanto o lucro extraordinário “é resultado dos fatores que criaram a situação de monopólio,
e que permitem ao monopolista auferir um lucro acima do normal” . De fato, a firma detentora
de monopólio obtém um lucro maior em função de seu poder de mercado. Mas os lucros
extraordinários tendem a desaparecer pela competição. A possibilidade de obter lucros
maiores atrai novas empresas competitivas, o que elimina os lucros puros no longo prazo.
A noção de lucro a partir da abordagem austríaca se contrapõe a idéia tradicional de
que o lucro é simplesmente o retorno sobre o empreendimento. Para os teóricos austríacos o
lucro está relacionado com a capacidade dos agentes em descobrirem oportunidades:
Em um processo de mercado, que deve caracterizar uma economia livre e competitiva, a ética dos lucros empresariais é justificada pelo êxito de cada empresário, que, necessariamente, deve assumir todos os riscos inerentes ao processo de descoberta de oportunidades inexploradas: aquele que tiver êxito nesse processo satisfará melhor os desejos dos consumidores e receberá destes um prêmio, que se refletirá em lucros; aquele que falhar em atender à demanda dos consumidores, será punido com prejuízos (IORIO, 1997, p. 39).
37
Numa economia de mercado onde prevalece a competição, os lucros são obtidos pelos
empresários que correram riscos e através do processo de descoberta conseguiram conquistar
da melhor forma as preferências individuais dos consumidores. Por outro lado, os empresários
que não atingirem as expectativas, terão perdas. O processo de mercado, através dos lucros e
prejuízos, acaba selecionando os empresários: premia os concorrentes que obtiveram sucesso
com seus planos de ação e penaliza aqueles que fracassaram em suas tentativas. E além de
atuar como um processo de seleção, o mecanismo de lucros e prejuízos ajuda também a
economizar recursos escassos. Murray Rothbard, teórico da Escola Austríaca, afirma que em
um mercado livre os agentes econômicos são recompensados em função do seu êxito em
satisfazer os desejos e necessidades dos consumidores (GORDON, 2008). Sob esse ponto de
vista, o lucro
[...] representa as rendas do empreendedor, obtidas por meio da descoberta de novas fronteiras de produtividade e do estabelecimento de situações de monopólio temporário. [...]. As firmas obtêm lucros por meio da descoberta de oportunidades e da mobilização pioneira de recursos operada pelos empreendedores (VASCONCELOS; CYRINO, 2000, p. 30-31).
Os economistas austríacos distinguem dois tipos de monopólio: os artificiais e os
naturais. O monopólio artificial é visto como uma concessão estatal. Assim, a manutenção do
monopólio artificial ocorre por meio de leis governamentais e pela existência de privilégios.
Não é o processo competitivo que gera este poder de mercado, é o Estado que cria o
monopólio. Quando o governo concede a uma empresa ou indivíduo o direito de vender um
bem ou serviço de forma exclusiva, ele está dando origem a um monopólio. As patentes e os
direitos autorais são exemplos de monopólio criados pelo governo.
O monopólio natural, ao contrário do artificial, é conquistado através da concorrência,
do processo competitivo. Neste caso, o monopolista obteve poder de mercado por ser mais
eficiente do que os seus rivais, e o lucro representa o mérito pela sua atuação. Uma forma de
obtenção de poder de monopólio, segundo a tese austríaca, é o controle exclusivo sobre os
insumos necessários à produção de uma mercadoria. Com base nesta restrição, o empresário
monopolista impede a entrada de concorrentes potenciais.
De acordo com Kirzner (2008), “uma situação é competitiva se nenhum participante
possui privilégios que o protejam contra a possível entrada de novos competidores no
mercado”. Como visto na seção anterior, a competição é um processo e não um estado de
equilíbrio. Caso não exista uma barreira à entrada de novos competidores, o mercado
38
permanece competitivo. A competição está intimamente relacionada com a liberdade dos
agentes em entrarem no mercado e fazerem as suas escolhas dentro dele. Os teóricos
austríacos criticam a regulação estatal e o intervencionismo, ao mesmo tempo em que exaltam
as vantagens de um sistema baseado na liberdade econômica. Segundo eles, o Estado
prejudica a ordem espontânea do mercado. Sobre as políticas antitruste adotadas pelo
governo, a teoria austríaca defende que
[...] nós devemos confiar no processo empresarial competitivo para revelar como o consumidor pode ser mais bem atendido. [...]. Ao impedir ou obstruir os passos empresariais que foram dados, mas que não se encaixam no modelo “perfeitamente competitivo” da falta de poder universal e absoluta – mesmo se essa obstrução ou prevenção nascem das melhores intenções para com os consumidores – o governo está, necessariamente, tendendo, em uma escala maior ou menor, à paralisação do que é verdadeiramente o processo competitivo (KIRZNER, 2008).
Para os austríacos, o monopólio não é o problema real: o governo é que deve ser
contestado ao impedir a livre concorrência e a liberdade de escolha. A intervenção do Estado
no livre mercado acaba gerando as chamadas “ falhas de governo” . Cabe então ao mercado
alocar os recursos econômicos escassos e o Estado, por sua vez, tem a função de manter os
direitos de propriedade privada.
4.4 A atividade empresar ial
Esta última seção do capítulo dedicado à Escola Austríaca examina a atuação do
empresário, que tem um papel crucial no processo de mercado. A obra de Kirzner intitulada
Competição e atividade empresarial concedeu uma grande contribuição ao arcabouço teórico
austríaco, especialmente no que diz respeito à função do empresário. A teoria austríaca da
atividade empresarial é assim apresentada:
Emerge, assim, a importância da função empresarial, cuja essência é um estado de permanente alerta, no sentido de conseguir captar oportunidades de lucro não descobertas anteriormente. Tais oportunidades, que se revelam nos mercados através de diferenciais entre preços, são descobertas gradualmente pelos empresários que, ao explorá-las, tendem a corrigir desequilíbrios anteriores e, com isso, a promover a maior coordenação entre os planos individuais e, portanto, a gerar uma tendência de equilíbrio nos preços. (IORIO, 1997, p. 69).
39
O que caracteriza a atividade empresarial é um estado de alerta constante. Mais uma
vez, a noção de subjetivismo aparece na análise austríaca: o empresário faz as suas escolhas
baseadas no seu conhecimento. O papel do empresário como agente econômico é descobrir e
explorar as oportunidades de lucro. Isto é possível graças ao sistema de preços, que sinaliza os
desajustes que estão ocorrendo na economia. Este sinal emitido pelos preços faz com que o
empresário atue no sentido de realocar os recursos escassos, gerando uma tendência de
equilíbrio nos preços. Zanella (1993, p. 178) explica que “a competição entre os empresários
fará com que a disparidade de preços, que proporciona o lucro, diminua e, assim, participantes
marginais passam a ser excluídos do mercado”. A competição pode ser entendida como
rivalidade entre os empresários. Sendo assim, cabe ao empresário “descobridor” competir
com os rivais em busca das melhores oportunidades:
A natureza sistemática do processo de mercado deriva, segundo a ótica austríaca, da interação entre as ações de seres humanos empreendedores. Os empreendedores agem de forma criativa e imaginativa, buscando identificar e capturar as oportunidades de lucro oferecidas no mercado (geradas por limitações nas visões empresariais anteriores). Em decorrência da interação entre esses atos empresariais, os preços dos produtos e as quantidades de produtos oferecidos para venda tendem a ser sistematicamente levados na direção da configuração preço/qualidade que melhor se adeqüe ao mercado (KIRZNER, 2008).
O empreendedorismo é essencial em uma economia de mercado. A origem da
atividade empresarial é a incerteza. Devemos lembrar que o mercado é um ambiente de
ignorância e conhecimento imperfeito. Assim, para que a atuação empresarial seja bem
sucedida, é fundamental ajustar os planos de ação individuais e corrigir as expectativas de
acordo com as condições do mercado que estão em um processo de mudança contínua.
Segundo a análise de Kirzner, o mercado funciona como um processo equilibrador
(BARBIERI, 2001, p. 88). Isto porque a atividade empresarial coordena as atividades
econômicas e as ações individuais, criando uma propensão ao equilíbrio. O empresário é o
agente econômico responsável por esta coordenação, através da descoberta de oportunidades
de lucros inexploradas e da realocação dos recursos:
A análise do processo de mercado [...] parte do reconhecimento da ignorância dos agentes, que com suas atividades empresariais, geram um processo de experimentação dos planos. A interação no mercado revela aos agentes que seus planos foram excessivamente otimistas ou pessimistas. Para que esse processo de revisão de planos ocorra, na eliminação de erros de pessimismo, fez-se uso do elemento empresarial. Aqui entra em cena o conceito de “estado de alerta a oportunidades inexploradas” como atributo dos empresários que garantiria que os
40
agentes aprendam e conduzam o processo rumo à maior coordenação das atividades (BARBIERI, 2001, p. 90).
A atividade empresarial só faz sentido em uma economia de livre mercado, pois é o
processo de descoberta de oportunidades para melhor atender as necessidades e preferências
dos consumidores. Sob uma economia centralmente planejada o papel do empresário não faz
sentido, já que a atividade empresarial é essencialmente competitiva.
A existência de lucros acima do normal em alguns setores da economia acaba
despertando o estado de alerta empresarial e motivando a entrada de novos concorrentes, que
procuram imitar e superar os demais. Os empresários pioneiros na descoberta de
oportunidades, que antes detinham uma posição privilegiada dentro do mercado, são testados
pelos rivais. O processo competitivo acaba reduzindo a lucratividade, isto é, a concorrência
elimina o lucro extraordinário. Vale ressaltar que a competitividade entre os agentes deixa de
acontecer somente quando houver obstáculos à entrada de novos participantes.
41
5 COMPARAÇÃO ENTRE OS TRÊS PARADIGMAS
Neste capítulo será realizado o confronto entre as teorias de concorrência da Escola
Austríaca, de Marx e de Schumpeter. Desta forma, serão estabelecidas as diferenças e
semelhanças entre as diversas interpretações do processo concorrencial.
5.1 Cr itica à abordagem de equilíbr io
O primeiro ponto a ser destacado é que todas as abordagens examinadas no decorrer
da pesquisa consideram a concorrência um processo dinâmico, em oposição à teoria de
concorrência baseada em modelos de equilíbrio e que tem uma visão estática da concorrência.
Tanto Marx, Schumpeter, quanto os austríacos, enxergam o mercado como um processo em
constante movimento, abandonando os modelos estáticos e propondo uma análise dinâmica da
economia.
A teoria econômica apoiada no equilíbrio supõe que a técnica produtiva (tecnologia)
seja constante, ou seja, que ela não esteja sujeita a mudanças ao longo do tempo. Marx,
Schumpeter e os austríacos mostraram que esta hipótese está equivocada. Dentro da teoria
schumpeteriana, por exemplo, as inovações tecnológicas têm uma importância fundamental.
A teoria marxista considera a mudança da base técnica uma das características do capitalismo:
É importante notar que Marx também tinha uma percepção aguda da concorrência como um mecanismo permanente de introdução de progresso técnico, capaz de tornar endógena à economia capitalista a capacidade de mudança estrutural via inovações - na sua linguagem, de tornar o “desenvolvimento das forças produtivas” uma “ lei de movimento” básica da economia capitalista (KUPFER; HASENCLEVER, 2002, p. 417).
Marx, assim como Schumpeter, reconhece que a introdução de tecnologia no processo
produtivo altera de forma significativa a estrutura econômica. As empresas que desejam
manter a sua rentabilidade devem recorrer ao uso da tecnologia, ou seja, devem incorporar
novas técnicas produtivas. Dentro desse contexto, podemos observar que:
42
Não é por acaso que o capitalismo industrial data da Revolução Industrial, pois, como Marx deixou claro, o progresso tecnológico não é simplesmente um acompanhante do capitalismo, mas um ingrediente vital dele. Os negócios precisam inovar, inventar e experimentar se quiserem sobreviver; os negócios que param, satisfeitos com suas conquistas passadas, não servem para este mundo empreendedor (HEILBRONER, 1997, p. 157).
Outro ponto em comum entre os três enfoques discutidos é a consideração de que o
sistema econômico não é estacionário, ele está em constante evolução. Marx tinha uma “visão
do capitalismo como um sistema sob tensão e em processo de contínua evolução em
conseqüência dessa tensão” (HEILBRONER; THUROW, 2001, p. 46). Schumpeter segue o
mesmo raciocínio. Segundo a ótica schumpeteriana, o capitalismo “não se desenvolve de
maneira contínua e uniforme, mas ocorre através de uma sucessão periódica de ciclos”
(NAPOLEONI, 1979, p. 59). “O único predecessor de Schumpeter a defender esse conceito
dinâmico, embora o abordasse de ângulo diferente, foi Marx” (HEIMANN, 1976, p. 230). Os
austríacos, por sua vez, também consideram a existência de flutuações econômicas.
5.2 Concorrência e monopólio
No que diz respeito à concorrência, embora cada autor ressalte características distintas
do funcionamento dos mercados, as abordagens apresentam resultados muito parecidos. É isto
que veremos a seguir.
Marx compreende a concorrência como uma disputa entre os capitalistas. No processo
competitivo ocorre a transferência de capitais de indústrias com baixa rentabilidade para
aquelas onde a rentabilidade é alta, ou seja, a concorrência é caracterizada pelo deslocamento
de capitais. “Na análise de Marx, a concorrência atua no sentido de estabelecer uma taxa de
lucro uniforme entre as diferentes indústrias” (MALDONADO FILHO, 1989, p. 253). A
concorrência na ótica marxista funciona como um mecanismo de ajustamento, nivelando as
taxas de lucro e eliminando os lucros extraordinários (ou supernormais).
Schumpeter descreve a concorrência como a rivalidade entre empresas que
desenvolvem novos produtos ou novos métodos de produção. Estas firmas se confrontam no
mercado e adotam estratégias de diferenciação. Dada a capacidade de imitação dos
concorrentes, ocorre a difusão das inovações no mercado e isso causa uma queda da taxa de
lucro. “Uma vez que ocorra o lucro num ponto do sistema, a condição que lhe deu origem,
43
isto é, a inovação, generaliza-se o processo concorrencial, tendendo a relacionar os preços aos
custos, determinará o desaparecimento do próprio lucro” (NAPOLEONI, 1979, p. 53).
Na abordagem austríaca, a concorrência é vista como um processo de descoberta, onde
as firmas rivalizam no mercado com a finalidade de descobrir as melhores oportunidades e
também no sentido de oferecer melhores produtos e serviços aos consumidores. É também um
processo de rivalidade empresarial. Com a entrada de concorrentes no mercado, que
receberam sinais através do sistema de preços e são dotados de alerta empresarial, as posições
privilegiadas no mercado desaparecem, assim como o lucro puro (acima do normal).
Assim, cada abordagem destaca um ponto diferente da concorrência, mas o desfecho
do processo competitivo é o mesmo: no longo prazo, as posições monopolísticas e
oligopolísticas não se sustentam, e a concorrência elimina o lucro extraordinário existente
nestas estruturas de mercado.
5.3 Obtenção de poder de mercado
Nesta seção, serão examinados os fatores que propiciam a existência de monopólios,
de acordo com o enfoque de cada abordagem. O poder de mercado, também chamado de
poder de monopólio, “está associado à capacidade de restringir a produção e aumentar preços
de modo a, não atraindo novos competidores, obter lucros acima do normal; é definido como
poder de fixar preços significativa e persistentemente acima do nível competitivo” (KUPFER;
HASENCLEVER, 2002, p. 496).
Segundo a teoria marxista, o poder de mercado está associado à utilização de novas e
melhores técnicas de produção, que permitem aos capitalistas reduzirem o custo dos produtos.
A mecanização permite aumentar a produtividade do trabalho e baratear as mercadorias. As
empresas que primeiro utilizam essas novas técnicas produtivas ganham espaço no mercado,
diferenciando-se dos concorrentes. Mas, conforme salienta Roll (1977, p. 269), “a maior
produtividade, causa do superlucro, tende normalmente a tornar-se geral” . Sendo assim, a
competição entre os capitalistas tende a “remover continuamente os superlucros igualando o
preço de mercado e o preço de produção” (ROLL, 1977, p. 269). Embora a centralização do
capital seja uma tendência do capitalismo moderno, a concorrência impede que os setores
oligopolistas sejam capazes de obter lucros extraordinários no longo prazo (MALDONADO
44
FILHO, 1989, p. 263).
Para Schumpeter, o poder de monopólio aparece nas empresas a partir de inovações
bem sucedidas. Através da realização de novas combinações e do progresso tecnológico, os
empresários buscam criar situações de monopólio temporário para que obtenham lucro puro.
Mas este poder de mercado não é permanente devido às incessantes inovações tecnológicas
impulsionadas pelas empresas rivais.
No paradigma austríaco, existe uma baixa oportunidade para a empresa gerar poder de
monopólio. Mesmo assim, o poder de mercado pode ser originado pelo processo
concorrencial, através da descoberta de oportunidades inexploradas. Quando uma empresa é
pioneira na mobilização de recursos e detém o controle exclusivo de um insumo, por
exemplo, isto permite que ela obtenha poder de monopólio. Porém esta não é uma situação
permanente: novos competidores entram no mercado e diminuem esta vantagem.
Podemos perceber mais uma vez que as diferentes filiações teóricas têm resultados
semelhantes no que diz respeito ao processo concorrencial. Marx, Schumpeter e os austríacos
concordam que os monopólios e o poder de controle do mercado tendem a enfraquecer e
desaparecer durante o processo dinâmico da concorrência. Quando uma firma consegue obter
uma excessiva concentração de poder de mercado, as empresas rivais irão buscar tecnologias
alternativas para destruírem essa vantagem competitiva. O mercado, através do mecanismo da
concorrência, tende a diminuir o poder de monopólio das empresas dominantes e eliminar os
lucros extraordinários obtidos a partir desse poder.
5.4 Lucro normal vs lucro puro
A origem do lucro na teoria marxista está ligada à exploração da força de trabalho. O
lucro é resultado da apropriação da mais-valia, que é a diferença entre o valor que os
trabalhadores produzem e o que é efetivamente pago a eles. Schumpeter, por outro lado,
afirma que o lucro é obtido através de inovações tecnológicas realizadas pelo empresário
empreendedor. Os austríacos, por sua vez, consideram que os lucros “são conseqüências do
ajustamento da produção por parte dos empresários às preferências dos consumidores”
(ZANELLA, 1993, p. 178). Portanto, as três abordagens discordam sobre a origem do lucro.
No paradigma marxista, “o lucro é uma forma de manifestação da mais-valia,
resultante da apropriação, pelo empresário, de uma parte do valor criado pelos trabalhadores”
45
(SANDRONI, 1999, p. 356). Quanto à rentabilidade das indústrias, Marx considera que a
concorrência entre os capitais faz a taxa de lucro cair, originando no longo prazo uma taxa de
lucro “equalizada” . Marx acredita ainda numa tendência decrescente da rentabilidade, devido
à crescente mecanização da produção, o que reduz a mais-valia e conseqüentemente os lucros
dos capitalistas.
O lucro, para Schumpeter, incentiva a atividade empreendedora. Na análise de
Schumpeter, os lucros acima do normal são obtidos através das inovações. Ao realizar as
novas combinações, os inovadores adquirem vantagem sobre os seus rivais potenciais, o que
lhes permite ganhar uma posição de mercado privilegiada, ou seja, estabelecer posições de
monopólio temporário. Mas o lucro de monopólio atrai a entrada de novas empresas no
mercado, e estas tornam o mercado mais competitivo. Através da imitação e da busca por
novas tecnologias, as empresas rivais alteram a estrutura econômica e trazem os preços
novamente ao nível concorrencial.
Os austríacos consideram que as oportunidades de lucro são percebidas pelos
empresários, e a concorrência entre eles elimina os lucros puros no longo prazo. Quando as
firmas são lucrativas, novas empresas têm um incentivo para entrar no mercado. Esta
concorrência entre empresas pressiona para baixo os preços e os lucros no longo prazo.
Podemos perceber que a diferença na interpretação desses teóricos está na formação e
obtenção do lucro. De qualquer forma, as três abordagens compartilham a opinião de que
existe uma tendência à equalização das taxas de lucro no longo prazo. “Em outras palavras, os
diferenciais de rentabilidade não persistem ao longo do tempo, isto é, eles tendem a ser
equalizados pelo processo concorrencial” (MALDONADO FILHO, 1989, p. 252).
5.5 O papel do empresár io
As três abordagens interpretam a função empresarial de maneira distinta. Porém, antes
de apresentar cada ponto de vista, devemos entender o significado do empresário dentro da
teoria econômica tradicional:
O termo empreendedor é de origem francesa - entrepreneur. Originalmente, abrangia as funções do inventor, do planejador, do construtor, do administrador e do empregador, mas não as de provedor de capital, nem as de quem corre riscos. Somente com o surgimento do capitalismo liberal é que se estabeleceu uma
46
distinção clara entre aqueles que executavam funções técnicas e aqueles que se ocupavam de funções empresariais (ROSSETI,1982, p. 140).
Karl Marx não utiliza o termo “empreendedor” nem “empresário” , ele enxerga
somente o “capitalista” , aquele indivíduo que detém os meios de produção e é o proprietário
do capital. O capitalista tem como objetivo manter e ampliar a sua riqueza, e para isso explora
a força de trabalho. Tendo o instinto do enriquecimento, o capitalista acumula
progressivamente devido à pressão dos concorrentes.
Já na teoria schumpeteriana, o empresário é figura primordial. Cabe a ele realizar
novas combinações e introduzir inovações. Schumpeter faz a distinção entre empresário e o
capitalista, tendo o empreendedor um papel de destaque na criação do progresso e do avanço
econômico. Os empreendedores são “pessoas com excepcionais habilidades, que aproveitam
ao máximo as oportunidades que passam despercebidas por outras ou que criam
oportunidades por meio da ousadia e da imaginação” (BRUE, 2006, p. 466). As inovações
introduzidas pelos empresários modificam as estruturas econômicas, quebrando a tendência
ao equilíbrio do sistema.
Para os austríacos (especialmente Kirzner) o que caracteriza o empresário é um estado
de permanente alerta, no sentido de conseguir captar oportunidades de lucro não descobertas
anteriormente, realocar os recursos e corrigir desequilíbrios. “Os empresários tentam
antecipar o futuro; aqueles que têm maior capacidade de fazer previsões tendem a obter
grandes lucros” (BRUE, 2006, p. 404). A principal função do empresário, de acordo com esta
abordagem, é descobrir informações e oportunidades de lucro. Isto impulsiona a coordenação
entre o comportamento dos agentes que interagem no mercado
Quanto ao papel do empresário, as teorias de Schumpeter e da Escola Austríaca são
divergentes. Dentro da concepção schumpeteriana, o empresário atua como um agente
“desequilibrador” , introduzindo inovações de forma descontínua e originando os ciclos
econômicos. Em contrapartida, na teoria austríaca o empresário atua como um elemento
“coordenador” do sistema econômico, realocando recursos e corrigindo falhas.
47
6 CONCLUSÃO
As diferentes abordagens da concorrência na teoria econômica possibilitam uma visão
mais abrangente da natureza de funcionamento dos mercados. As teorias de Marx,
Schumpeter e da Escola Austríaca compartilham uma concepção dinâmica da concorrência. A
competitividade industrial é vista como rivalidade entre empresários ou entre firmas. O
mercado é o espaço onde ocorre esta “ luta” entre os agentes econômicos. Ainda que o
conceito de concorrência varie, as diferentes filiações teóricas discutidas neste trabalho
aceitam a hipótese de que a competição tende normalmente a nivelar as taxas de lucro. Em
outras palavras, o ajustamento competitivo elimina os ganhos temporários.
Estas contribuições teóricas são alternativas ao modelo de competição total, que sem
dúvida não explica de forma satisfatória como funcionam os mercados na realidade. Os
métodos de análise de Marx, Schumpeter e da Escola Austríaca são distintos. Cada autor traz
um enfoque diferente acerca da natureza da concorrência capitalista e da função empresarial,
embora as conclusões a respeito do processo competitivo sejam praticamente as mesmas.
Marx interpreta a concorrência como um movimento onde os capitais transferem-se
dos setores menos rentáveis para os mais rentáveis. Diante da disputa entre os capitalistas,
Marx explica que o poder de monopólio é obtido quando são introduzidas novas máquinas e
equipamentos no processo produtivo (mecanização), tornando possível reduzir custos e
baratear as mercadorias. Assim, a empresa ganha espaço no mercado e obtém vantagem sobre
as firmas concorrentes. Esta posição de monopólio temporário permite ao capitalista obter
lucros supernormais, porém com a concorrência intercapitalista a rentabilidade deve voltar ao
nível “normal” no longo prazo.
Schumpeter, assim como Marx, ressalta o papel da tecnologia para obtenção de poder
de mercado e também para a conquista de monopólios temporários. A inovação e o
empresário empreendedor são essenciais no processo concorrencial. As empresas competem
no mercado através do desenvolvimento de novos produtos ou métodos de produção. Os
empresários que introduzem inovações tecnológicas têm a vantagem de quem sai primeiro e
conquistam uma posição privilegiada no mercado, podendo obter lucros extraordinários. Mas
a inovação tende a generalizar-se diante do processo competitivo, fazendo com que o lucro
puro desapareça.
Os austríacos enxergam a concorrência como um processo de descoberta de
48
oportunidades, sendo que o elemento “equilibrador” do mercado é o empresário. As firmas
competem em um ambiente de conhecimento disperso, buscando satisfazer da melhor forma
os desejos dos consumidores. Através do mecanismo de preços, os empresários percebem as
oportunidades e executam os seus planos no mercado. As empresas que obtiverem sucesso
neste processo de mercado serão recompensadas com lucros. Porém, quando os empresários
rivais perceberem esta oportunidade de lucro, eles serão incentivados a entrar no mercado,
fazendo com que a concorrência se acirre e os lucros neste setor diminuam.
No que diz respeito ao papel do empresário, os autores em análise têm visões bem
diferenciadas. Para Marx o capitalista é um sujeito detestável, pois consegue obter lucro
somente através da exploração dos trabalhadores (apropriação da mais-valia). A sua riqueza e
o seu instinto de acumulação progressiva, segundo Marx, contrastam com a crescente miséria
do proletariado. Por outro lado, Schumpeter e os autores austríacos exaltam a figura do
empresário, justificando os lucros a partir do talento e da perspicácia do empreendedor. Na
teoria schumpeteriana, o empresário tem a função de introduzir as inovações tecnológicas que
modificam as estruturas econômicas e que também causam desequilíbrios no sistema
capitalista. Além disso, Schumpeter considera que o empresário ajuda na promoção do
desenvolvimento econômico e na expansão industrial. Já a Escola Austríaca destaca o papel
“coordenador” do empreendedor. Este indivíduo, dotado de alerta empresarial, descobre
oportunidades inexploradas de lucro e transfere recursos entre os diversos setores da
economia, contribuindo para criar uma tendência ao equilíbrio do sistema. Ainda que os
resultados da atividade empresarial para Schumpeter e para os austríacos sejam distintos,
estes autores reconhecem a importância dos empresários dentro do sistema capitalista,
diferente de Marx que critica estes agentes econômicos.
Em comum, todas as abordagens adotam um ponto de vista dinâmico. O sistema
econômico é caracterizado por mudanças permanentes e está em constante evolução. O
mercado não funciona apenas segundo as hipóteses da competição total. Existem também
estruturas monopolizadas ou oligopolizadas marcadas pela existência de poder de mercado
por parte das empresas. A competitividade industrial é um processo contínuo de mudança.
Para uma empresa manter a sua rentabilidade, ela deve buscar a estratégia de inovação
permanente, porém isto não garante uma taxa de lucro acima da média de forma persistente
no longo prazo.
Mesmo tão distantes do ponto de vista ideológico, Marx, Schumpeter e os austríacos
apresentam resultados em comum. Estas três abordagens compartilham a visão de que no
longo prazo as estruturas de mercado concentradas (monopólios e oligopólios) tendem a se
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enfraquecer diante do processo concorrencial. As empresas buscam maximizar os seus lucros,
porém a competitividade industrial atua no sentido de reduzir a lucratividade, isto é, a
concorrência acaba com os lucros extraordinários no decorrer do tempo.
Finalmente, embora o sistema capitalista moderno seja marcado pela presença de
grandes empresas e pela concentração econômica, as três abordagens pesquisadas neste
trabalho confirmam a tese de que os setores industriais com alto grau de concentração não são
capazes de obter taxas médias de lucro permanentemente superiores às taxas de lucro dos
setores competitivos. A concorrência, entendida como um processo dinâmico de rivalidade
entre os agentes econômicos, tende a eliminar o monopólio e o poder de mercado no longo
prazo.
50
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