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CO N SI D ERAÇÕ ES SO BRE D ESCARTES Al exandr e Ko yr é CO N SI D ERAÇ õES s O BRE DESCARTES 2a edi ção Edi t or i al Pr esença

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CONSI DERAÇÕES SOBRE DESCARTESAl exandr e Koyr é

CONSI DERAÇõES sOBRE DESCARTES

2a edi ção

Edi t or i al Pr esença

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ul o or i gi nal ENTRETI ENS SUR DESCARTES ( cç) Copyr i ght Zdi t i ons Gal l i mard, 1963dução de Hél der Godi nho

er vados t odos os di r ei t os par a a l í ngua por t uguesa à Edi t or i al Pr esença, LDa.August o Gi l , 35- A - 1000 LI SBOA

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O MUNDO I NCERTO

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s sécul os - e que sécul os! - nos separam de Descar t es e do Di scurso doodo. Tr ês sécul os é mui t o t empo: par a a hi st ór i a, par a a ci ênci a, par a ani ca. Mui t o t empo para a vi da. E mui t o pouco para o pensament o f i l osóf i co.

oso a, con essamo- l o ‘ f az poucos «pr ogr essos». Ocupa- se de coi sas si mpl es,t o si mpl es. Ocupa- se do ser , do conheci ment o, do homem. Coi sas s i mpl es e

mpr e act uai s. Por i sso as r espost as dadas pel os grandes f i l ósof os a est asst ões t ão si mpl es permanecem i mpor t ant es durant e sécul os, e mesmo dur ant ehar es dê anos. A act ual i dade f i l osóf i ca vem de t ão l onge como a. pr ópr i aosof i a. E t al vez não haj a hoj e pensament o f i l osóf i co mai s act ual que o decart es. Se não f or o de Pl at ão.

a a gent e conhece o Di scur so: t odos o l emos. Temos a memór i a chei a das suasses descui dadas e encant adoras, chei as de bonomi a, de i r oni a e de sabedor i a.i as t ambém de «bom senso», daquel e «bom. senso» que, e

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car t es que não l eve a mal , ou, mai s exact ament e, de acordo com el e mesmo, é asa mai s r ara e mai s pr eci osa do mundo.

mbramo@nos de que «o bom senso é a coi sa mai s bem - par t i l hada do mundo, por quedos pensam possuí - I a t ant o que mesmo os mai s di f í cei s de - cont ent ar em t udo ot o não cost umam desej ar mai s que o que j á têm». Apreci ámos bem a i r oni a dest a

monst r ação. Sabemos que o que é i mpor t ant e «não é t er o

í r i t o bom mas. . . apl i cá- l o bem», e per gunt ámo- nos t odos como é que i sso er así vel . Recor damo- nos de que é pr eci so ser f i r me e r esol ut o - na acção. . .

mi t ando ni sso os vi aj ant es que, est ando per di dos nal guma f l or est a, não devemmi nhar em ci r cul o. . . mas andar sempr e o mai s di r ei t o que possam para o mesmo

o. - - - por que dest e modo, se não vão dar exact ament e aonde desej am, chegar ãompr e a

um sí t i o onde ver osi mi l ment e est arão, mel hor que no mei o de uma f l orest a»;«a l ei t ur a de t odos os bons l i vr os é como uma conver sa com as pessoas de bem

sécul os passados», e que «não se poder i a i magi nar nada de t ão est r anho e depouco cr í vel que não t enha si do di t o por al gum f i l ósof o».

de há t r ês sécul os que t odos somos, di r ect a ou i ndi r ect ament e, al i ment adoso pensament o car t esi ano, dado que, desde há t r ês sécul os j ust ament e, t odo osament o eur opeu, t odo o pensament o f i l osóf i co, pel o menos, se

ent a e se det er mi na em r el ação a Descar t es.

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i sso, é- nos ext r emament e di f í ci l dar mo- nos cont a da i mpor t ânci a e dai dade da obr a , de Descar t es: uma das mai s pr of undas revol uções i nt el ect uai s,

mesmo espi r i t uai s, que a

mani dade j á conheceu, conqui st a deci si va do espí r i t o por si pr ópr i o, vi t ór i ai si va na est r ada dur a e ár dua que l eva o homem à l i ber t ação espi r i t ual , à

er dade da razão e da ver dade. Ai nda mai s di f í ci l , senão i nt ei r ament eossí vel , é i magi narmos a i mpr essão pr oduzi da pel o Di scurso nos que o l i am- hás sécul os - pel a pr i mei r a vez.

s sécul os, di gamo- l o de novo, é mui t o. E embor a os probl emas f i l osóf i cosam de f act o et ernos, não é menos ver dade que os

er esses espi r i t uai s dos cont empor âneos de Descart es di f er i am pr of undament enossos

er esses espi r i t uai s. Por i sso, o que el es pr ocur avam nesse l i vr o er a umasa compl et ament e di f er ent e daqui l o que nós ai pr ocur amos.

rest o, o Di scurso do Mét odo que el es **p~uí am, o que sai u da i mprensa de J eanr e, em Ley e, no ‘ a 5 e J un o o ano e 1637, er a mu t o er ent e o quel ei - nos hoj e. O Di scurso do Mét odo não er a para el es o que é para nós.

a nós, o Di scurso do Mét odo é um l i vr i nho encant ador que cont ém sobr et udo ees de mai s uma aut obi ogr af i a espi r i t ual de Descar t es; as f amosas quat r oras de que não sabemos que f azer e de que ret emos nomeada-

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t e as passagens sobr e as «i dei as cl aras e

t i ntas», mandando- nos não t er por verdadei r o senão o que vemos evi dentement el o, e conduzi r as i dei as por ordem, começando pel as coi sas mai s si mpl es es f ácei s; um pequeno esboço de moral , bast ant e est ói ca e

oavel ment e conf or mi st a; um pequeno t r at ado de met af í si ca, bast ant e abst r uso,m o f amoso «penso, l ogo exi st o» e uma exposi ção - apai xonant e para ot or i ador mas mui t o aborr eci da para o homem de bem dos nossos di as - dequi sas ci ent í f i cas f ei t as e a f azer . Sabemos, sem dúvi da, que o Di scur sosuí a ai nda um apêndi ce compost o por t r ês ensai os: Di ópt r i ca, Met eor os,met r i a, que j á não l emos. As nossas edi ções cor r ent es, de rest o, j á não oszem.

a os cont er r âneos de Descar t es as

sas passavam- se de out r a manei r a. O Di scurso do Mét odo ou, par a usar mos oul o exact o, o Di scur so do Mét odo par a bem conduzi r a razão e pr ocur ar a

dade nas ci ênci as, mai s a Di ópt r i ca, os Met eoros e a Geomet r i a, que são osai os dest e mét odo, er a um vol umo eo - l i vro - 527 pági nas** i n- 4. O - quet i nha t r ês t r atados ci ent í f i cos de uma novi dade surpr eendent e e de umer esse capi t al : a Di ópt r i ca, ou sej a, um t r at ado de ópt i ca compr eendendo

meadament e uma teor i a da ref r acção da l uz que, pel a pr i mei r a vez, dava a sua

l ei do seno - , - assi m e~ um est udo dos novos i nst r ument os - o t el escópi o, ol o de

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ance - que acabavam de t r ansf ormar o nosso

heci ment o do Uni ver so; os Meteor os, ou sej a, um est udo dos f enómenos cel est esmai s exact ament e, at mosf ér i cas: as nuvens, a chuva e o gr ani zo, o ar co- í r i s

s **parél i os expl i cados pel os mei os mai s si mpl es e mai s nat ur ai s- o movi ment omatér i a que enche o espaço, a ref r acção f i a l uz nas got as de chuva. Enf i m, a

met r i a, ou sej a, um t r at ado de ál gebr a, que r evol uci onava a concepçãoebi da das ci ênci as mat emát i cas ao est abel ecer uma comuni dade ent r e domí ni osdi f er ent es como os do espaço - quant i dade cont í nua - e

númer o - quant i dade di scr eta. Est a Geomet r i a t r azi a uma t eor i a ger al dasações com uma not ação nova - a mesma que ai nda empregamos - e, ent r e out r assas, uma sol ução el egant e, por mét odos al gébr i cos, do cél ebr e pr obl emamét r i co de **Pa4ppus. Al ém di sso, o l i vr o cont i nha, compost o e mesmo pagi nadoar t e, um l ongo pr ef áci o, o Di scur so pr opr i ament e di t o que, al ém de umaosi ção e de um pr ogr ama de pesqui sas ci ent í f i cas ext r emament e sugest i vo,r eci a um esboço met af í si co mui t o cur i oso e ar r oj ado, um pequeno t r at ado deodo e, enf i m, uma aut obi ogr af i a espi r i t ual do aut or .

a os cont empor âneos de Descar t es, e

a o pr ópr i o Descar t es, o Di scurso do Mét odont r odução a uma ci ênci a nova, anúnci o de uma revol ução i nt el ect ual de que umaol ução , ci ent í f i ca ser á o f r ut o - é um pr ef áci o. Nós

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uecémo- l o. Não sem r azão, sem dúvi da, dado que os Ensai os ou t r at adosament e ci ent í f i cos que o vol ume cont i nha est ão i r r emedi avel ment er apassados, envel heci dos, caducos, enquant o o Di scur so mant ém ai nda a suascur a. No ent ant o, f oi aos Ema” que o Di scur so- pr ef áci o deveu - a f or t una, al uênci a e a reper cussão.

t r atados de mét odo não eram r aros na época cart esi ana. E o úl t i mo em data, oum Or ganum de Bacon 1, t r azi a, el e t ambém, um

todo» novo. Um método conduzi ndo a uma ci ênci a nova, ci ênci a act i va,erat i va», opost a por i sso mesmo à ci ênci a pur ament e cont empl at i va do passado.a ci ênci a nova, que devi a t r ansf ormar a condi ção humana e f azer do homem onhor e possui dor da nat ureza», Descar t es anunci ava- a i gual ment e. Mas não se

mi t ava a anunci á- l a: essa ci ênci a nova, el e t r azi a- a e dava- nos r esul t ados. O «mét odo» não er a desenvol vi do em abst r act o: r esumi a, f or mul ava, codi f i cavauso r eal ment e exper i ment ado. E er a o uso, a apl i cação concr et a, que

monst r ava o seu val or e, por sua vez, er a a úni ca coi sa que per mi t i ampr eender o sent i do verdadei r o e pr of undo das r egr as bast ant e vagas e banai s

o Di scur so dava.

m é que, com ef ei t o, j á al guma vez pôs em dúvi da que o f i l ósof o, e%quant o, não

ovum Or ganum Sci ent i ar um, Londi ni , 1620.

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esse submet er - se soment e à evi dênci a da razão? E quem é que - at é aos nossoss, pel o menos- al guma vez negou o val or super i or da i dei a cl ara sobr e acura? Ni nguém. Como ni nguém nunca contest ou o val or da ordem e a necessi dadecomeçar pel as coi sas mai s si mpl es e mai s f ácei s, e não, i nver sament e, pel ass di f í cei s e mai s compl i cadas. São l ugar es comuns da f i l osof i a. Mas qual éa cl areza que devemos procur ar ? Qual é essa

em que devemos segui r ? Quai s são essas c~ si mpl es e f ácei s pel as quai semos começar ?

a r espost a a est as per gunt as que consi st e a ref orma cart esi ana. E essapost a - ver dadei r a r evol ução - não é só no Di scurso mas t ambém nos Ensai os

a devemos procur ar .

pareci ment o do Di scurso do Mét odo f ez bast ant e barul ho ent r e os er udi t os. Porsa do seu cont eúdo, sem dúvi da. Mas t ambém por causa do aut or . O nome - dest eapareci a, é ver dade, na capa: Descar t es apr esent ava- se ao públ i co guardando

anoni mato or gul hoso. Mas os i ni ci ados, ou sej a, t odos os membr os da Repúbl i ca

Let r as, est avam bem ao cor r ent e. Toda a gent e sabi a que se t r at ava decar t es.

1637, Descar t es não er a, sem dúvi da, aqui l o em que se t ornou poucos anos -s t ar de: o gr ande, o cél ebr e f i l ósof o, o pr i mei r o espi r i t o do seu t empo. Ar vescênci a das i dei as ai nda

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t i nha começado nas al covas e não se di scut i am assunt os subt i s nos sal ões.er a, no ent ant o, pr opr i ament e um desconheci do.

mundo l i t erár i o e sábi o * er a mai s pequeno. As pessoas conheci am- se mel hor .car t es t i nha vi vi do em Par i s, f r equent ado os mei os ci ent í f i cos, onde ai nda se

mbr avam do homenzi nho , col ér i co e bi zar r o - não supor t ava a cont r adi ção,ant ava- se t ar de e det est ava as vi si t as -

se cost umava encont r ar em casa de Mersenne, de Bérul l e, de Gi bi euf . Sabi a- seel e t i nha br uscament e dei xado Par i s par a se i r ent er r ar em qual quer bur aco

Hol anda. Mas mant i ver a rel ações epi st ol ares com Mersenne, essa cai xa der ei o do mundo sábi o, segundo a qual i f i cação pouco amável de Huygens ( que nãoi a com el e) , ou, se se pr ef er i r , esse pr ocur ador - ger al da Repúbl i ca dasr as, como l he t i nha, mai s gent i l ment e, chamado Hobbes, que l he devi a mui t o. E. e Mersenne era o úl t i mo homem capaz de guardar qual quer coi sa só para si .ret udo uma novi dade. Ou uma car t a. E t oda a gent e sabi a que Descar t es er a umnde sábi o e um gr ande f i l ósof o, que pr eparava um Mundo ou Tr atado da Luz, quepar t i dár i o do movi ment o da t er r a, - que t i nha pr omet i do a Bal zac a hi st ór i a

seu i t i ner ár i o

as Conf er ênci as sobr e Descar t es, sábi o t r aduzi r á sempr e, desde que não haj ai cação em cont r ár i o, savant ( . X. T. )

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i r i t ual . Por i sso, esper avam- na cem, i mpaci ênci a.

i scur so do Mét odo, decer t o não desi l udi u as expect at i vas. A par t e ci ent í f i caobr a er a ver dadei r ament e mui t o bel a, or i gi nal e nova.

i sso, será di scut i da com cal or : os sábi os e os mat emát i cos da época, Fer mat

oí ber val , Beaugr an@d e Mydorge, obj ect am, di scutem, compar am, l ançam- sebl emas, desaf i os e i nvect i vas. Desenvol ve- se uma pol émi ca epi st ol ar . Tudoa gr ande al egr i a de Mersenne: est a al ma doce e cândi da do que. mai s gost ava

de uma boa zar agat a l i t er ár i a.

r ef áci o - o nosso Di scur so, - pr ovocou, t ambém, , um i nt er esse mui t o, vi vo. Emo, um cer t o espant o.

i t amos que nós est amos demasi ado acost umados ao Di scur so, a nel e ver umnde f i l ósof o cont ar - nos a hi st ór i a da sua vi da espi r i t ual . I sso par ece- nosur al e nor mal . E j á não vemos quant o, pel o cont r ár i o, é i nsól i t o, si ngul ar ,pr eendent e.

um sábi o ou um f i l ósof o, hoj e em di a, t endo f ei t o al gumas bol as descober t as,exponha os cami nhos e mei os, os métodos, que l he permi t i r am obt ê- l as é

ol ut ament e nat ur al e nor mal . Que um sábi o ou que um f i l ósof o, t endocober t o um mét odo de pesqui sa novo, no- l o exponha e nos dê, al ém di sso,uns exempl osmost r as - das suas possi bi l i dades, do seu

or , t ambém é absol ut ament e nat ur al e normal . Mas que nos cont e a essepósi t o a

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bi ogr af i a - ai est á o que ser i a sur pr eendent e.

gi namos Ei nst ei n ou de Br ogl i e a cont arem- nos a vi da - mesmo a vi da espi r i t ual

es de nos exporem a t eor i a da rel at i vi dade ou a mecâni ca ondul at ór i a? Não,

é ver dade? Or a, Descar t es f á- l o. Por que é ent ão que se

ga obr i gado a f azê- l o? Por que é que se nos conf essa? É ver dade que no- l o. Mas as r azões que nos dá não me parecem ser as ver dadei r as.

nos di z el e, com ef ei t o? Que t eve a

t e de descobr i r um «mét odo» que l he per mi t i u f azer gr andes pr ogr essos noudo das ci ênci as e que expõe a f i m de que os l ei t or es o possam apr ovei t ar .

rest o, aqui vai o t ext o: «Penso que t i ve mui t a sor t e em me t er encont r adode a j uvent ude em cer t os cami nhos que me conduzi r am a consi derações e a

i mas com as quai s f ormei um Mét odo pel o qual me par ece que t enhosi bi l i dade de aument ar gradual ment e * - meu conheci ment o e l evá- l o ao mai so pont o * que a medi ocr i dade do meu espí r i t o e a cur t a dur ação da mi nha vi daer ão per mi t i r - l he chegar ; [ . . . ] j á t i r ei del e t ai s f r ut os que, embor a nozo que f aço de mi m pr ópr i o t r at e sempr e de me i ncl i nar par a o l ado daconf i ança mai s que para o da pr esunção, e que, ol hando com ol hos de f i l ósof odi ver sas acções e empresas de t odos os homens, não haj a quase nenhuma que nãopareça vã e i nút i l , não

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i xo de r eceber uma ext r ema sat i sf ação dos pr ogr essos que penso j á t er f ei t opr ocur a da verdade e de conceber t ai s esper anças para o f ut ur o que, se ent r eocupações dos homens pur amente homens houver al guma que sej a sol i damente boamport ant e, ouso crer que é a que eu escol hi . » Mas, no f i m de cont as, pode- se enganado e t er t omado cobr e e vi dr o por di amant es e our o. Por i sso, di z-: <0 meu desí gni o não é ensi nar aqui o Mét odo que cada um deve segui r par a

m conduzi r a sua r azão, mas soment e f azer ver de que modo t r at ei de conduzi r aha . . . não pr oponho est e escr i t o senão como uma hi st ór i a, ou, se pr ef er em,mo

f ábul a, na qual , ent r e al guns exempl os que se podem i mi t ar , se encont r arávez t ambém vár i os out r os que se f ar á bem não segui r , » E Descart es acrescent a:per o que el e ( est e escr i t o) venha a ser út i l a al guns, sem ser

i vo para ni nguém, e que t odos apr eci arão a mi nha f r anqueza . . . »

modést i a comovent e e encant adora! Or a, se é cer t o que a sol i ci t ude, que oej o , de aj udar os seus cont emporâneos, a humani dade i nt ei r a, é um dos mot i vos

s poderosos, e na mai or par t e das vezes menospr ezado, da act i vi dadeosóf i ca de Descar t es - não é uma l ei , e mesmo a l ei supr ema da moral , essaal da generosi dade que Descar t es nos ensi na, «que nos obr i ga a pr ocur ar t ant ont o de nós depende o bem de t odos os homens» ? - , ’ se é

ct o que a descober t a do «mét odo» f oi con-

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erada por el e como uma «sor t e», senão como uma graça, não é menos ver dade quemodést i a - nunca f oi o def ei t o pr i nci pal de Descar t es, desse homem que nuncagou t er apr endi do, e mesmo

er apr ender , f osse o que f osse com al guém, desse homem que se propuser aazer sozi nho o si st ema do mundo e subst i t ui r Ar i st ót el es nas escol as da

st andade.

nt o às razões que al ega, parecer ão r eal ment e suf i ci ent es? Pessoal ment e, j ul gonão. Di r - me- ão, sem dúvi da, que Descart es, no f i m de cont as, sabi a mel horni nguém aqui l o que f azi a, e porquê; que er a mesmo o úni co a ver dadei r ament e

aber . Com cer t eza. Mas Descar t es é um homem pr udent e e di ss i mul ado que pensaque di z e não di z o que pensa. Ou, pel o menos, t udo o que pensa. Não escr eveunas suas Cogi t at i o- nes pr i vat ae: l ar vat us prodeo, cami nho mascarado? E, a

senne, um dos doi s ou t r ês homens em quem t i nha pl ena conf i ança: bene vi xi tbene l at ui t *.

l he l evemos a mal t omar precauções. A aventura de Gal i l eu é ai nda mui t o

ent e, e Descar t es não t em qual quer desej o de a ver r enovar - se à sua cust a., a mensagem que el e t r az ao mundo é bem mai s per i gosa - e Descar t es dá- set a di sso - que a do mat emát i co f l or ent i no. A ci ênci a nova, essa ci ênci a deos **Emai os nos t r azem amost r as, não se ** conBean vi veu quem bem se ocul t ou.T. )

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t a com t i r ar o homem, e i a Ter r a, do cent r o do Cosmo: esse Cosmo, quebr a- o,t r ói - o, , ani qui l a- o ao abr i r em seu l ugar a i mensi dade sem l i mi t es do espaçomi t ado. E quant o ao Mét odo, empr eendi ment o de revi são si st emát i ca e cr í t i catodas as nossas i dei as, que t~ são - chamadas por el e a j ust i f i car em- se di ant et r i bunal da r azão, Descar t es por mai s que quei r a - mui t o si ncerament e, semi da rest r i ngi r - l he o al cance, por mai s que nos assegur e que nunca qui s f azer

r a coi sa senão ref or mar as suas pr ópr i as i dei as, com as quai s, no f i m det as, é l i vr e de f azer o que l he apet ecer , não pode dei xar de se dar cont a queba de aper f ei çoar a mai s f ormi dável máqui na de guerr a - guerr a cont r a aor i dade e a t r adi ção - que o homem al guma vez possui u. E que os t emper ament osnf l i t uosos e i nqui et os» não l i gar ão nenhuma às suas r est r i ções del e,car t es, e que, apr opr i ando- se da ar - ma que acaba de f or j ar , não se det er ão

m di ant e da aut or i dade da I gr ej a, nem di ant e da real i dade do Est ado: doi sor es t r adi ci onai s que el e bem t er i a quer i do sal vaguar dar . Por i sso, não t emosnos basear na «f r anqueza» de Descar t es que, de r est o, a apr egoa demasi ado.

ão, o pr obl ema cont i nua i nt act o. Por que é que nos cont a a vi da ? Pr obl emave e que t oca no pr ópr i o f undo do pensament o de Descar t es.

i o, por mi m, que el e o f az por r azões mui t o pr of undas. Exact ament et r ár i as, ai nda

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azes de di st i ngui r o ver dadei r o do f al so do que al guns out r os pel os quai sem ser i nst r uí dos, devem pr ef er i vel ment e cont ent ar - se com segui r as opi ni õesses. out r os em vez de pr ocur ar em el es pr ópr i os mel hor es», o exempl ot esi ano não convém de manei r a nenhuma. Só poder i a ser - l hes prej udi ci al ,que « se al guma vez t i vessem t omado a l i ber dade de duvi dar dos pr i ncí pi os queeber am e de se af ast ar - do cami nho comum, nunca ser i am capazes de se mant er

at al ho que é pr eci so t omar par a se i r a di r ei t o e per manecer i am per di dosant e t oda a vi da». Or a, «o mundo quase que é só compost o por [ est as] duaséci es de espí r i t os . . . » Não é par a el es, não é par a a mul t i dão que Descart esr eve, mas par a os que t i ver em as f or ças necessár i as e f or em capazes de oui r at é ao f i m. Também não er a para a mul t i dão que Pl at ão compunha os seusl ogos e que Sant o Agost i nho escr evi a a sua hi st ór i a: a hi st ór i a da suaver são a Deus. Por que se no Di scur so, essas Conf i ssões car t esi anas, Descart escont a a hi st ór i a da sua vi da espi r i t ual , a hi st ór i a da sua conver são ao

í r i t o, não o f &z par a no- l a dar a conhecer no ; que el a t em de i ndi vi dual , desoal , de si ngul ar . Cont a- no- l a, pel o cont r ár i o, par a nos

er r ef l ect i r ser i ament e, par a nos f azer ver

sa hi st ór i a i ndi vi dual , pessoal , o r esumo, a expr essão da si t uação essenci alhomem do seu t empo, E para nos l evar a real i zar ; com el e, os act osenci ai s, os úni cos que per mi t em

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homem super ar e vencer o mal do seu t empo. E do nosso.

e mal do seu t empo, essa si t uação exi st enci al , podemos expr i mi - l os em duasavr as: i ncer t eza e conf usão.

ados de al ma que se expl i cam, de r est o, f aci l ment e pel a hi st ór i a da época que

cede Descar t es.

écul o Xvi f oi uma época de i mpor t ânci a capi t al na hi st ór i a da humani dade, umaca de um enr i queci ment o prodi gi oso do pensament o e de uma t r ansf ormaçãof unda da at i t ude espi r i t ual do homem; uma época possuí da por uma ver dadei r axão da descobert a: descobert a no espaço e descober t a no t empo; pai xão pel oo e pai xão pel o ant i go. Os seus er udi t os desent er r ar am t ol dos os text oser r ados nas vel has bi bl i ot ecas monást i cas. Ler am t udo, est udar am, t udo,t ar am t udo. Fi zer am r evi ver t odas as dout r i nas esqueci das dos vel hosósof os da Gr éci a e do Or i ent e: Pl at ão e Pl ot i no, o est oi ci smo e o epi cur i smo,ept i ci smo e o pi t agor i smo, o her met i smo e a cabal a. Os seus sábi os t ent aramdar uma ci ênci a nova, uma f í si ca nova e uma nova ast r onomi a; os seus

j ant es e avent ur ei r os sul car am os cont i nent es e as mar es, e os r el at os dass vi agens l evaram à concepção de uma geogr af i a nova, de uma nova etnogr af i a.

r gament o sem i gual da i magem hi st ór i ca, geogr áf i ca, ci ent í f i ca do homem e dodo.

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vi l hament o conf uso e f ecundo de i dei as novas e de i dei as r enovadas.asci ment o de um mundo esqueci do e nasci ment o de um mundo novo. Mas t ambém:t i ca, abal o, e enf i m di ssol ução e mesmo dest r ui ção e mor t e pr ogr essi va dasi gas cr enças, das ant i gas concepções, das ant i gas ver dades t r adi ci onai s quevam ao homem a cer t eza do saber e a segur ança da acção. De rest o, uma coi saõe a out r a: o pensament o humano é, na mai or par t e dos casos, pol émi co. E as

dades novas est abel ecem- se, quase sempr e, sobre o t úmul o das ant i gas.

a qual f or , de r est o, a val i dade dest a t ese ger al el a é ver dadei r a par a oul o xvi . Que , t udo abal ou, t udo dest r ui u: a uni dade pol í t i ca, r el i gi osa,i r i t ual da Eur opa; a cer t eza da ci ênci a e a da f é; a aut or i dade da Bí bl i a e a

Ar i st ót el es; o pr est í gi o da I gr ej a e o do Est ado.

amont oado de r i quezas e um amont oado de escombros: t al é o resul t ado dest ai vi dade f ecunda e conf usa, que t udo demol i u e nada soube const r ui r , ou, pel oos, acabar . Por i sso, pr i vado das suas nor mas t r adi ci onai s de j uí zo e deol ha, o homem sent e- se perdi do num mundo que se t ornou i ncer t o. Mundo onde

a é segur o. E onde tudo é possí vel .

, pouco a pouco, a dúvi da i nst al a- se. Por que se t udo é possí vel , é que nada édadei r o. E se nada é segur o, só o er r o é cext o.

sou eu quem t i r a est a concl usão pessi -

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t a do esf or ço magní f i co da Renascença. Três homens, t r ês cont emporâneos,ara~a ant es de mi m: Agr i ppa, Sanchez e Mont ai gne.

de 1530, depoi s de t er passado em

vi st a todos os domi nos do saber humano, Agr i ppa pr ocl ama a i ncer t eza e a

i dade das ci ênci as 2. Ci nquent a anos mai s t arde, depoi s de t er submet i do ame cr í t i co a humana f acul dade de conhecer , Sanchez r ei t era, e mesmo, agr ava,ul gament o: Não se sabe nada, , . Nada se pode conhecer . Nem o mundo, vem nóspr i os. Enf i m, Mont ai gne acaba e f az o bal anço: o homem nada sabe, porque o

mem não é nada.

aso de Mont ai gne é mui t o par t i cul ar ment e i nst r ut i vo e cur i oso: est e gr andet r ui dor só o é, na r eal i dade, cont r a sua vont ade.ue el e quer i a demol i r não er a, de i ní ci o, senão a super st i ção, o pr econcei t oer r o, o f anat i smo da opi ni ão par t i cul ar que se f az passar por ver dadei r a e

j ul ga t al sem r azão. Não é por cul pa sua se a sua cr i t i ca l he dei xa as mãosi as: de f act o, nada é mai s que «opi ni ão» num mundo i ncer t o.

t ai gne tent a ent ão a manobr a socr át i ca, a manobr a cl ássi ca da f i l osof i a emesper o.

f . HENRI CI CORNELI I AGRI PPA DE NETTESHI BI M: De I ncer t i t udi ne et vani t at eenf l ar um et ar t i um. - - - Col oni ae, 15SO.

Cf . PP- kNOI SOI SANCHEZ: Tr act at us phi l osophi cus: Quod ni hi l sc@t ur . . , ,duni , 1581,

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que a f i l osof i a t ent a sempr e dar - nos uma

post a à dupl a quest ão: «o que é que é?» e

e sou eu?» ou, se se pr ef er i r : «onde est ou eu?» e «que sou eu?», eu que meho est a per gunt a. Nas épocas f el i zes, cl ássi cas, el a co-

a por aqui l o que é, pel o Mundo, o Cosmo, e é a par t i r do Cosmo que t ent aponder à pergunta «que sou eu?» procur ando o l ocal , o l ugar que o homem ocupa«gr ande cadei a do ser», na ordem hi er árqui ca do r eal . Mas nas

cas «cr í t i cas», épocas de cr i se, em que o Ser , o Mundo, o Cosmo se t ornaer t o, se desagr ega e est i l haça, a f i l osof i a vol t a- se par a o

mem. Começa ent ão pel o «que sou eu?», i nt er r oga aquel e que põe as quest ões.

ust ament e o que f az Mont ai gne. Abandonando o mundo ext er i or ( obj ect o i ncer t oopi ni ão i ncer t a) , t ent a dobr ar - se sobr e si pr ópr i o e encont r ar em si o

dament o da cer t eza, os pr i ncí pi os f i r mes do j uí zo. Do j uí zo, ou sej a, docer ni ment o do ver dadei r o e do f al so.

st a a r azão pel a qual el e se est uda, se descr eve, se anal i sa, se esquadr i nha:seu ser psí qui co «I nconst ant e e di ver so» pr ocur a o núcl eo f i r me e sól i do ondei ar a norma do j uí zo. Repi t amos que não é cul pa sua se, t ambém ai , nãoont r a nada. Nada senão i ncer t eza e vazi o. Nada senão f i ni t ude e mort al i dade.

nt e desse vazi o, que f ará ent ão Mont ai gne? Não f ará absol ut ament e nada.mi t e o f r acasso. Acei t a@se tal qual é, t al qual a sua anál i se o r evel ou a sipr i o.

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provas poT n o va em na a, sem v a. Em cont r apar t a, as provas cont r a n om i gual ment e val or . Assi m, em f ace da i ncer t eza da r azão nat ur al , Char r onue a cer t eza sobr enat ur al da f é 4.

i deí smo cépt i co de @Char r on t eve, é pr eci so conf essá- l o, mui t o pouco sucesso.ue é - compr eensí vel : o « sent i ment o rel i gi oso» é uma

sa quase desconheci da na sua época. O Deus do sécul o não é um Deus sent i do -cal ai nda não o i nvent ara - é um Deus provado. Or a, t al como mai s t arde di r ácar t es na sua Epí st ol a aos Dout ores da Sor bonne, «emboTa sej a absol utament edade que é pr eci so acre-

ar que há um Deus por que assi m é ensi nado na Sagr ada Escr i t ur a e, por out r oo, que é pr eci so acr edi t ar na Sagr ada Escr i t ur a porque el a vem de Deus () não se poder i a, t odavi a, **pr opí 541o aos i nf i éi s [ ou sej a, aos cépt i cos e

er t i nos] que poder i am achar que se comet i a com i sso o er r o que os Lógi cos

mam um

h4cuI o». Por i sso, a Sagesse de Charr on não det ém o movi ment o cépt i co: pel ot r ár i o, t or na- se o seu br evi ár i o.

r r on é um homem. da I grej a. Bacon é um homem de Est ado. O que o preocupa anão é a cert eza rel i gi osa, o dest i no et er no do homem no al ém: é o pr ogr essoci ênci as

I er RE CHARRON: Les Troi s Vér i t és, Par i s,3; De I a sagesse, Par i s, 1601.

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as i nvenções út ei s, o dest i no t emporal do homem aqui em bai xo. Não é àt i t ude que aspi r a: é ao bem- est ar . Por i sso, não é no passado mas no f ut ur opr ocur a um r emédi o para os mal es do pr esent e.

on acei t a a cr i t i ca do cépt i co. Ni nguém mel hor que el e cl assi f i cou os er r osmanos; ni nguém mel hor do que el e r evel ou a sua or i gem, si mul t aneament e nat ur al

oci al ; ni nguém t em menos conf i ança que el e nas f or ças espont âneas e pr ópr i asr azão.

azão - a r azão t eór i ca - est á, sem dúvi da, doent e, i mpot ent e, chei a demeras e de er r os. Bacon t oma então uma deci são. O que l he i mpor t a, o que,undo el e, i mpor t a ao homem não é a teor i a, a especul ação, mas a

ão, por que o homem é agent e ant es de ser pensament o. Por i sso, é na acção, nat i ca, na exper i ênci a que se encont r am, para o homem, as bases segur as et as do saber . A r azão t eór i ca é a l ouca da casa. Per de- se, l ogo que dei xa aer i ênci a. O que é pr eci so, ent ão, é não a dei xar à sol t a. É pr eci so dar - l hel ast r o, t r avá- l a com r egr as numer osas e pr eci sas, t r azê- l a à f or ça ao sol o

me do uso empí r i co. ,

xper nc a - aqui est á o r emédi o de Bacon. O Novum Or ganum não t em out r aal i dade: à i ncer t eza da razão ent r egue a si mesma opor a cer t eza daer i ênci a or denada.

on j ul ga t er si do bem sucedi do, e o l i vro , ar dent e sobr e A Di gni dade e ogresso das

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nci as, r esponde, at é pel o t í t ul o, - ao l i vr o desi l udi do, de Agr i ppa.

ol ução de Bacon t eve um sucesso enorme. Sucesso purament e l i t erár i o, det o. Por que est a ci ênci a nova - ci ênci a act i va, empí r i ca e

t i ca- de que os seus l i vros anunci avam o

ent o, el e não a t i nha post o em pr át i ca. E ni nguém o f ez depoi s del e. Pel ampl es r azão de que er a i mpossí vel . O empi r i smo pur o não l eva

ada. Nem mesmo à exper i ênci a. Porque t odaxper i ênci a supõe uma t eor i a pr évi a. I nt er r ogação da nat ur eza, a exper i ênci al i ca uma l i nguagem na qual sej a f ormul ada. E f oi por não o t er compr eendi do et er quer i do «segui r a or dem das coi sas e não a das r azões», t al como di sse

cart es, que a r ef or ma baconi ana f oi um f r acasso. Foi por o t er compr eendi do esegui do o cami nho i nver so que a revol ução car t esi ana, que l i ber t a a r azão emde a ent r avar , f oi um sucesso.

a br eve di gr essão hi st ór i ca par ece- me necessár i a par a f i xar o l ugar hi st ór i co

Di scurso, o pano de f undo sobr e que é pr eci so pr oj ect á- l o para o poder mosmpreender . Cr ei o, com ef ei t o, que se compreende mal o Di scurso, e mesmocar t es, se não se vi r que sobr e

Cf . F. BACON: On t he Pr of i ci ency and Advancement of Learni ng, London, 1605;l at i m: De di gni t at e et augment i s sci ent i ar wn, Londi ni , 1623.

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s se est ende a sombr a poderosa de Mont ai gne. Os adversár i os de Descar t es são,m dúvi da, Ar i st ót el es e a escol ást i ca. Mas não são, t odavi a, os seus úni cos

er sár i os, t al como demasi adas vezes f oi di t o, t al como out r or a eu pr ópr i o ose (a est es t r at a- se de os subst i t ui r e não de os combat er ) : o adver sár i o é

mbém, e t al vez sobr et udo, Mont ai gne. Or a, Mont ai gne é, - ao mesmo t empo, odadei r o mest r e de Descar t es.

br a dest r ui dor a e l i ber t ador a de Mont ai gne - a l ut a cont r a as «super st i ções»,«pr econcei t os», as «opi ni ões f ei t as», a f al sa r aci onal i dade escol ást i ca -car t es prol onga- a e l eva- a at é ao f i m. A dúvi da t r ansf ormada em mét odo,i ada na cer t eza da ver dade r econqui st ada, t orna- se nas suas mãos uma pedr a deue, um poder oso i nst r ument o de cr í t i ca, um mei o de di scerni ment o dodadei r o, e do f al so. A i nver são socr át i ca, a vi r agem par a si mesmo -cart es segue Mont ai gne, ul t r a- passa- o e l eva a anál i se at é ao f i m. A at i t udet i ca de Mont ai gne- Descar t es combate- a, l evando- a, t ambém a el a, até ao f i m.

ni sso, nesse radi cal i smo i nf l exí vel e f i xo do seu pensament o - vi r t ude mui t oa e que exi ge mui t o mai s que si mpl es qual i dades i nt el ect uai s, por mui t o

ndes que el as sej am, vi r t ude que exi ge audáci a, cor agem, que supõe aer mi nação de não se dei xar f i car pel o cami nho, ant es per sever ar nel e cust e ocust ar , não obst ant e os obst ácul os, não obs-

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t e os absurdos aparent es - é ni sso que consi st e a gr andeza de Descar t es.

or que f oi em t udo at é ao f i m, pôde sal var - se do l abi r i nt o do er r o e dai da, e onde Mont ai gne não t i nha sabi do encont r ar nada, nada al ém de vazi o ef i ni t ude, el e soube, el e, Descar t es, descobr i r a cl ar eza da l i ber dadei r i t ual , r eencont r ar a cer t eza da ver dade i nt el ect ual e encont r ar Deus. É

a a ver dadei r a t ar ef a do Di scur so: r eencont r ar - se a si pr ópr i o, e, par a al émdúvi da que ar r ui na a «opi ni ão r aci onal », most r ar o cami nho para a natur eza ea a cer t eza do conheci ment o i nt el ect ual .i scur so responde aos Ensai os. À hi st ór i a espi r I t ual de Mont ai gne, Descar t ese a sua

pr i a. Ã hi st ór i a de uma der r ot a, o rel at o de uma vi t ór i a.

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O COSMO DESAPARECI DO

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i scur so. . . que poder í amos chamar I t i ner ar i um ment i s i n ver i t at em, i t i ner ár i oespi r i t o para a ver dade, gost ar i a bem de poder coment á- l o pági na por pagi na,

mesmo f r ase por f r ase. Não ser i a demasi ado, de t al modo são r i cas e densas,i as, de subst ânci a e de sumo. Gost ar i a bem. . . só que demorar i a mui t o - t empo.

corr amos rapi dament e as pági nas I do pr i nci pi o, onde Descar t es nos cont a. a

t ór i a da pr i mei r a das suas cr i ~ espi r i t uai s: cr i se de j uvent ude ao sai r daol a. Cr i se de dúvi da e de decepção.

i st o o que nos di z mai s ou menos: desde a i nf ânci a f oi «al i ment ado pel asr as»; est eve numa das mel hores escol as da cr i st andade: o gr ande col égi oul t a de La Rèche; t eve os

hor es prof essor es; f oi um excel ent e al uno; apr endeu t udo, t udo o que é -t ume apr ender - se par a se- ser «r ecebi do ent r e os erudi t os»; l eu t odos osr os que vi er am par ar - l he às mãos; é «mai t r e és ar t s»; l i cenci ado em di r ei t o

ei s que nota, aos vi nt e anos, que tudo i sso não val e nada, ou, pel o menos,nde coi sa.

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t e- se port ant o desi l udi do e enganado. Ti nham- l he ensi nado que er a pr eci soender as

r as e as ar t es, por que «por mei o del as se podi a adqui r i r um conheci ment or o e segur o de t udo oque é ú t i l à vi da». Acr edi t ou- o. Or a, ei - l o que se vê

mbar açado de dúvi das e de er r os» e obr i gado a r econhecer «que não havi a

huma dout r i na no mundo que f osse conf or me ao que anter i or ment e l he t i nhamt o esper ar ».

coi sas que l he t i nham f ei t o apr ender não er am, decer t o, i nt ei r ament e semor . Assi m: «as l í nguas. . . são necessár i as par a a i nt el i gênci a dos l i vr osi gos. . . a gent i l eza das f ábul as avi va o espí r i t o. . . as acções memor ávei s dast ór i as f or t al ecem- no e. . . sendo l i das com di scer ni ment o, aj udam a f or - mar ozo. . . a El oquênci a possui f or ças e bel ezas i ncompar ávei s. . . a Poesi a t emi cadezas e doçur as mui t o encant adoras; a Mat emát i ca t em i nvenções mui t ot i s. . . a Teol ogi a ensi na a ganhar o céu. . . a Fi l osof i a f or nece o mei o par a sear ver osi mi l ment e de t odas as coi sas e par a nos f azer mos admi r ar pel os menosi os. . . a J ur i spr udênci a, a Medi ci na e as out r as ci ênci as t r azem honr as e

uezas àquel es que as cul t i vam . . . »

o i st o, sem dúvi da, não dei xa de t er a sua ut i l i dade. Mas enf i m, t i nham- l hemet i do out r a coi sa: t i nham- l he pr omet i do conheci ment os cl ar os e cer t os;ham- l he anunci ado um saber i ndi spensável par a poder , sem er r o, j ul gar e

duzi r - se na vi da. Ti nham- l he, em suma, pr o-

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i do uma ci ênci a e uma sabedor i a ( sagesse) . E não l he t i nham dado nem uma nemr a.

que, de t udo o que l he t i nham ensi nado, nada er a. i ndi spensável . Nem mesmol . E nada, al ém da mat emát i ca, er a cer t o. A l ei t ur a dos vel hos - - l i vr os, dasul as, das hi st ór i as. . . or nament a o espí r i t o, sem dúvi da. Mas pode t ambém

uzi - l o em er r o, por que «as f ábul as f azem crer possí vei s vár i os acont eci ment oso não são», e «as hi st ór i as mai s f i éi s» nunca cont am as coi sas como el asam. Não podem, por t ant o, aj udar - nos a f or mar o j uí zo. Bem pel o cont r ár i o,nas t endem a

er - nos conf undi r «o ver dadei r o com o f al so». A El oquênci a e a Poesi a são,t ament e, coi sas mui t o bel as. Mas nem uma nem out r a se apr endem. Trat a- se des do espí r i t o e não de f r ut os do est udo. E para per suadi r as pessoas éci so f al ar - l hes cl ar ament e a f i m de que vos possam compr eender , em vez de asf undi r com as f i gur as de r et ór i ca.

uant o à Teol ogi a que ensi na a ganhar o

. . . não é el a uma «ci ênci a» compl et ament e supér f l ua, uma vez que «o cami nhoest á menos aber t o aos mai s i gnor ant es que aos mai s @dout os»? Não é el a, na

dade, uma pseudo- ci ênci a compl et ament e i mposs í vel , dado que «as

dades r evel adas que a el a conduzem. . . est ão aci ma da nossa i nt el i gênci a» e, vi si vel ment e, «par a empr eender exami ná- l as, e ser ni sso bem sucedi do ser i aessár i o t er al guma assi st ên-

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ext r aor di nár i a do céu e ser mai s que homem» ?

a Mat emát i ca merece al gum f avor aos al hos de Descar t es «por causa da cer t e- - a

evi dênci a das suas r azões». Um f avor de rest o mui t o rel at i vo, poi s que, não

mpreendendo a sua essênci a o o seu ver dadei r o uso ( que é al i ment ar a al ma comer dade e abr i r - l he o conheci ment o do Uni ver so) , j ul gando que el a só ser vi aa as ar t es mecâni cas, o

do pr é- car t esi ano não t i nha consegui do const r ui r nada sobr e f undament os nãot ant e ‘ f i r mes e sól i dos.

f i ca por t ant o nada, ou quase nada, da ci ênci a escol ar . O que se compr eende,r est o.

as as ci ênci as, com ef ei t o, vão buscar os seus pr i ncí pi os à f i l osof i a. Or a, éa que, pr i mei r ament e, é conf usa, i ncer t a e duvi dosa. Ass i m, do desmoronament o

suas pr i mei r as cer t ezas, Descar t es apenas sal var á as que não dependem daosof i a: a cr ença em Deus e na mat emát i ca.

emos i sso. n bast ant e i mpor t ant e. Com ef ei t o, a met af í si ca de Descart est ar á l i gar essas duas cert ezas e apoi ar uma na out r a.

mbém nada f i ca da sabedor i a humani st a. Uma sabedor i a separada da ci ênci a não és acei t ável para Descar t es que uma ci ênci a separada da sabedor i a.

car t es chegou por si mesmo ao est ado , de i ncer t eza e de dúvi da que o Di scurso

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ca? 2 possí vel . Ter á - sof r i do a i nf l uênci a dos l i vr os que l he t i nham i doar às mãos? I @ mui t o pr ovável . A do mei o de «pessoas de bem» no qual i ngr essasai r da escol a?

@ cer t o. Pouco i mpor t a, de r est o.

st ado de espí r i t o que Descar t es descr eve é o est ado de espí r i t o da época. O

homem de bem que l eu Pedr o Ramus e Montai gne, Pomponazzi e Car dan, Agr i ppa eon, que est á f ar t o das «subt i l ezas escol ást i cas», que despr eza a «ci ênci aci al » do seu t empo. Vi r a- l he as cost as e Descart es f ar á como el e: «Assi m quedade me per mi t i u sai r da - suj ei ção aos

s pr of essores, dei xei i nt ei r ament e o est udo das l et r as; e r esol vendo- me a nãocur ar out r a ci ênci a senão aquel a que poder i a encont r ar - se em mi m mesmo ouão no gr ande l i vr o do mundo [ é Mont ai gne em est ado pur o] , empr eguei o rest omi nha j uvent ude a vi aj ar , a ver cor t es e exér ci t os, a cont act ar com pessoasdi ver sos humor es e condi ções, a r ecol her di ver sas exper i ênci as, aer i ment ar - - - me a mi m mesmo nos encont r os que a f or t una me pr opunha, e poro o l ado a f azer r ef l exões sobr e as coi sas que se me apr esent avam de modo a

er t i r ar del as qual quer pr ovei t o. . . E t i nha sempr e um ext r emo desej o deender a di st i ngui r o ver dadei r o do f al so, par a ver

ro nas mi nhas acções e cami nhar em segur ança nest a vi da 1.

ubl i nhado meu.

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uest o as v agens e Descar t es o out r or a mu t o scut a. Par a o r anc sei r o do sécul o passado, para o homem de l et r as que não podi a i magi nar quese possí vel vi ver f or a de Par i s, est a pr i mei r a vi agem de Descar t es que, aost e anos, vai par a a Hol anda par a se al i st ar num exér ci t o est r angei r o, par eci at o est r anha. Por i sso, pr ocur avam- l he as causas, as r azões prof undas el t as. Bem err adament e, como o sabemos hoj e.

vi agens f ormam a j uvent ude» - est e adági o não dat a de ont em. E a vi agem, at a à Eur opa f or mava uma par t e i nt egrant e da educação do «homem. de bem» daca de Descar t es. Sem t er vi aj ado, f r equent ado os

r ci t os e as cor t es, obser vado os paí ses est r angei r os, - não se pode, comi t o, adqui r i r «a exper i ênci a», «a pr át i ca do mundo» que di st i nguem o «homem,bem».

Descar t es t enha i do j ust ament e para a Hol anda - t ambém ni sso não há nada deant oso. A Hol anda, gr ande potênci a mar í t i ma da época, al i ada da França,ava chei a de f r anceses. Prof essor es, est udant es, sol dados, j ovens nobr es que

i am par a apr ender o of í ci o mi l i t ar no exér ci t o de Maur í ci o de Nassau, omei r o capi t ão do seu tempo. Descar t es, si mpl esment e, é um del es: pequenareza e

r eza de t oga, sem dúvi da. Mas nobr eza à mesma, que Descar t es f ará val erndo um

me nobr e: s- i eur du Per r on.

i agem, pel o menos a pr i mei r a vi agem de

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car t es, é o segui ment o natur al e normal da escol a: é a escol a da vi da. E oel e del a ret i r a é o mesmo que toda a gent e: as vi agens abal am as suas

i mas cer t ezas, ou sej a, os seus úl t i mos pr econcei t os, mas dão- l he em t r oca umco mai s de aber t ur a de espi r i t o: «Apr endi a, di z- nos, a não acr edi t ar com

masi ada f i r meza em nada que não me t i vesse si do i ncul cado senão pel o exempl o eo cost ume; e assi m me l i vr ava pouco a pouco de mui t os er r os que podem of uscar

ossa l uz nat ur al e t ornar - nos menos capazes de escut ar a razão. »

aqu t u o port ant o. nat ura e norma . E a s t r a e Descar t es a ea um dos seus l ei t ores, de cada l ei t or «homem de bem»: t al como no- l a cont a,si nt et i za e r esume o

ado de al ma do seu t empo.

ta- se da cr i se de uma cul t ur a. Não de uma cr i se pessoal de Descar t es.

aqu est amos em Mont a gne. E Descar t es pr op e- se, um bel o di a, comot ai gne, est udar dai em di ant e em si mesmo e empr egar t odas as f orças do seu

i r i t o a escol her os cami nhos que devi a segui r . É ent ão que a

t ur a se dá.

est ava ent ão 2 na Al emanha, cont a- nos, aonde a ci r cunst ânci a das guerr asai nda não acabar am me t i nha chamado» - t oda a

u- Vant e o I nver no de 1619- 162Q.

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te conhece o f amoso epi sódi o do «quar t o aqueci do» de Descar t es, mas não quer oavi a pr i var - me do pr azer de o ci t ar - «e quando vol t ava da cor oação doer ador para j unt o das t r opas, o começo do I nver no obr i gou- me a f i car nummpamento onde, não havendo nenhuma conver sa que me di ver t i sse e não tendo, det o, f el i zment e, nenhuns cui dados ou pai xões que me per t ur bassem, f i cava t odoi a f echado sozi nho num quar t o bem aqueci do onde t i nha t o- do o t empo para me

r et er com os meus pensament os: ent r e os quai s, um dos pr i mei r os f oi r epar armui t as vezes não há t ant a per f ei ção nas obr as compost as por vár i as peças et as pel a mão de di ver sos mest r es como naquel as em que um só t r abal hou». Ecart es concl ui dai : t al como uma casa const r uí da por um só ar qui t ect o ser ás bel a que aquel a na qual vár i os const r ut ores t r abal haram, t ambém uma ci dadest r uí da por ger ações sucessi vas não t em t ant a or dem como a que f oi const r uí dauma só vez. . . do mesmo modo t ambém as ci ênci as t endo si do const r uí das pouco aco não possuem nenhuma cer t eza e não ensi nam a or dem ver dadei r a das coi sas.i sso, ser i a pr eci so que al guém empr eendesse, de uma vez par a sempr e,

onst r ui - l as, e pô- l as em or dem.

nos i l udamos. 2 uma ver dadei r a r evol ução ci ent i f i ca que as f r ases r et i cent es

r udent es do Di scurso, nos anunci am. Trata- se, mui t o si mpl esment e, de f azerua r asa de

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o o que se t i nha f ei t o at é ent ão, de começar de novo, de f i l osof ar «como seguém o t i vesse ai nda f ei t o» , e de r econst r ui r , ou mai s exact ament e dest r ui r , pel a pr i mei r a vez, e de uma vez por t odas, o si st ema ver dadei r o dasnci as.i st ema ver dadei r o do Uni ver so.

resa de tal modo gr andi osa que f i camos per pl exos di ant e da audáci a decar t es.

Descar t es prossegue t r anqui l ament e: «E assi m eu pensava que porque t odosmos cr i anças ant es de ser mos homens e nos f oi preci so dur ant e mui t o t empomos gover nados pel os nossos apet i t es e pel os nossos precept ores, que er amt as vezes cont r ár i os uns aos out r os, e que nem uns nem out r os nosnsel havam sempr e tal vez o mel hor , é quase i mpossí vel que os nossos j uí zosam t ão pur os ou t ão sól i dos como t er i am si do se t i véssemos t i do i nt ei r o usonossa razão desde o nasci ment o e nunca t i véssemos si do senão conduzi dos por. »

m dúvi da, ser i a mui t o bom se, desde o

ci ment o, f i cássemos de posse da razão, de t oda a nossa razão. Não da que deto possuí mos, hoj e, na i dade madur a, e que est á chei a de er r os, deconcei t os e de i dei as f ei t as, mas da que t er í amos possuí do ent ão, da razão

mpl et ament e pur a, compl et ament e per f ei t a, da razão essenci al , t al como aer í amos t er t i do, t al como a t er i a t i do um homem que, como Adão, t i vesse si doado adul t o, com uma r azão di r ect ament e sal da das mãos da nat ur eza, ou

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Deus 8. Sem dúvi da que então nunca a dei xar í amos cai r no er r o e nenhumconcei t o vi r i a of uscar a l uz nat ur al do nosso espí r i t o.

dei a não é nova. Vem de Ci cer o que, segundo t odas as pr obabi l i dades, a. f oicar a al guém. Mas nenhum dos que a expr i mi r am, nem mesmo. Bacon que acabavaa r epr oduzi r , al guma vez a t omou a sér i o. Quer o di zer : ni nguém f ez dest a

t al gi a pl at óni ca um pr ogr ama de acção. Ni nguém, sal vo Descar t es que, o mai si ament e possí vel , empr eendeu devol ver ao nosso espí r i t o a pur eza e af ei ção «nat i vas» ( e assi m l evar a nat ur eza humana ao seu mai s al t o gr au def ei ção) . E par a i sso, para o desobst r ui r e desembaraçar das escór i as que ol ham, par eceu- me, di z- nos, «que, em r el ação a t odas as opi ni ões a que at éra eu t i nha dado cr édi t o, mel hor - não podi a f azer que empr eender , uma vez poras, af ast á- l as, a f i m de em segui da pôr , no seu l ugar , ou out r as mel hor es oumesmas, depoi s de as t er aj ust ado ao ní vel da razão».

ol ução i nt el ect ual , ou mel hor , r evol ução espi r i t ual que subt ende e queor t a a r evol ução ci ent i f i ca e que, com um r adi cal i smo e uma audáci audi t os, pr ocl ama o val or , a f or ça, a aut ocraci a absol ut a da razão.

m dúvi da, est a aut ocraci a que acaba de

odos os “l ógi cos, desde Gr egór i o de Ni za, são **coneof f i es em af i r mar af ei ção da i nt el i gênci a de Adão ant es da queda,

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cl amar , Descar t es pr ocur ar á rest r i ngi - l a, t or ná- l a i nof ensi va. Sem dúvi da- nos- á, e mui t o si ncer ament e, que a cr i t i ca da razão não deve e não poder cer - se sobr e as ver dades r el i gi osas - as ver dades r evel adas - dado que el as,a sua pr ópr i a essênci a, são super i or es à r azão. Sem dúvi da t ent ar á l i mi t ar osr agos e l avar as mãos de t odas as consequênci as desagr adávei s que poder i am, evão, pr oduzi r - se. Descar t es não t em nada de r evol uci onár i o pol í t i co e é

t o si ncer ament e que se

or t a com a t r anqui l i dade e com a or dem públ i cas: necessi t a del as par a poderssegui r as suas i nvest i gações ci ent í f i cas. I mpor t a- se sobr et udo com a suapr i a t r anqui l i dade. E não ser ei eu a censur á- l o por i sso. Er a f áci l par asuet chamar - l he: «o demasi ado caut el oso f i l ósof o». Bossuet não ar r i scavaa. E não t r azi a gr ande coi sa. Descar t es t al vez não ar r i scasse gr ande coi sa.t r azi a um t esour o. Não sur pr eende, poi s, que pr ocur e a segur ança’ . Por i sso

ant eci pa: prova mani f est a de que, mel hor que ni nguém, compreendi a o al cancever sal do seu mét odo.

é o Est ado, di z- nos, que quer r ef or mar ; nem as grandes i nst i t ui ções

l i cas; nem

mo «a or dem das ci ênci as», ou sej a, os progr amas das escol as. Nada di sso l her espei t o. «Eu não poder i a, di z- nos, apr ovar de f orma nenhuma esses

mperament os conf l i t uosos e i nqui etos que, não sendo chamados nem pel oci ment o nem pel a f or t una à condução

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negóci os públ i cos não dei xam de, em i dei a, est ar em sempr e a i nt r oduzi r nel es- uma nova ref orma; e se eu pensasse que nest e escr i t o havi a a mí ni ma coi saa qual pudesse ser suspei t o dessa l oucur a, l ament ar i a mui t o t er consent i do napubl i cação. » Mas, no f i m de cont as, as suas i dei as, os seus pensament os,

t encem- l he e el e est á no seu di r ei t o de f azer del es o que qui ser . Descar t es- nos que não quer de modo nenhum i r mai s al ém. Nem mesmo quer r ef or mar as

i as dos out r os: é às suas, e às suas soment e, que se at ém. «Aquel es para quems f oi mai s gener oso na di st r i bui ção das suas gr aças, t er ão t al vez desí gni oss al t os» -

nt o a el e, Descar t es, o seu bast a- l he.

m dúvi da. Ref ormar , ou mel hor , cr i ar compl et ament e uma l ógi ca, uma f í si ca emet af í si ca - t odo um mundo - chega par a est e homem t ão modest o.

enhamo- nos aqui um i nst ant e, por que est amos no moment o deci si vo. 2 aqui quemeça a f i l osof i a. Pel o menos segundo Descar t es: é por aí que começam asi t ações. O homem, t em necessi dade, uma vez na vi da ( e sem dúvi da a humani dade

m i gual ment e essa necessi dade, e mai s do que uma vez) de se desf azer de t odasi dei as ant er i or es e r ecebi das, de dest r ui r em si t odas as crenças e t odas asni ões, para as submet er t odas ao cont r ol o e ao j ul gament o da razão.

f azer - se das i dei as, dest r ui r em si as

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nças: não é t ambém l i ber t ar - se del as? E submet ê- l as ao j ul gament o da r azãoé af i r mar , I mpl i ci t ament e, a sober ani a absol ut a - e a l i ber dade, não menos

ol ut a- dest a?

, é i esse o mét odo e o r emédi o car t esi ano.mét odo, ou sej a, a vi a que conduz à ver dade. E o r emédi o que nos cur a da

eci são e da ‘ dúvi da.

ci samos de nos desf azer de t odas as i dei as, de t odas as cr enças r ecebi das, oua, l i ber t ar mo- nos de t odas as t r adi ções, de t odas as aut or i dades , seser mos uma vez r eencont r ar a pur eza nat i va da nossa r azão, chegar à cer t ezaver dade. Com ef ei t o, o **~i wuer o di zer : Mont ai gne - t em r azão em duvi dar . Não se def r ont a el e comni ões i ncer t as, duvi dosas, e mesmo f al sas? Pode acont ecer que, por vezes, nãoha razão, que ent r e as

sas de que duvi da se encont r em i gual ment e, al gumas ver dadei r as. Mas comoer i a el - e, - e

MO ser i a possí vel sabê- l o? Ser i a pr eci so poder j ul gá- l as, quer di zer ,cer ni r o ver dadei r o e o f al so. E como poder i a f azer - se i sso, com a

t eza de não haver engano, enquant o permanecer no espi r i t o qual quer ‘ i dei a ouni ão que, não t endo ai nda si do exper i ment ada, poder i a bem ser f al sa e vi ci ari m o j uí zo?

há um mei o de sai r di sso: esvazi ar compl et ament e o espi r i t o. Como Descar t es oá um di a ao Padr e Bour di n: «Se t i ver um cest o de maçãs das quai s vár i as est ãor es e, por ‘ i sso, envenenam o r est o, que f azer senão esva-

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- - l o t odo e retomar as maçãs uma a uma para vol t ar a pôr as boas no cest o et ar as más par a o l i xo . . . »

emos que a oper ação se desenrol a em doi s t empos: começa- se por esvazi ar ot o; t odavi a, el e não f i ca vazi o, por que se vol t a a pôr l á maçãs, aquel ast ament e que não est ão podr es.

, como e por que mei o as vamos exper i ment ar , a essas opi ni ões que ser áci so r ej ei t ar ou mant er , segundo se aj ust em ou não «, ao ní vel da razão»? Masci sament e por mei o dessa mesma r azão, essa l uz nat ural que, desembar açadaui em di ant e de t odas as i dei as que a at r avancam, t er á reencont r ado

ua per f ei ção natur al e ser á por i sso mesmo capaz de di scerni r o ver dadei r o eal so.

omo se pr ocederá? Também não é di f í ci l : nós duvi dámos das i dei as em queemos di vi sar al guma coi sa de conf uso e de obscuro. I nver sament e, as i dei as

poderemos pôr em

vi da cont er ão cer t ament e al guma coi sa de conf uso e de obscuro. Por i sso,mos exper i ment á- l as pel a dúvi da. P, a pr ópr i a dúvi da que ser á a nossa pedr a deue: t oda a i dei a que est e **&ci do, di ssol vent e puder cor r oer , most r ar - se- á,i sso mesmo, i dei a f al sa, ou pel o menos de uma nat ur eza ou de um t í t ul o

er i or es. Maçã podr e. Dei t o- a port ant o f or a, conservando apenas as que «seesent assem t ão cl ar a e t ão di st i nt ament e ao meu espí r i t o que eu não t i vessei vo al gum par a as pôr em dúvi da».

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v a a pe r a e t oque - da **ve~e, o áci do que **dí s, sc>l ve os er r os. Poro, ser - nos- á necessár i o tor ná- l a tão f or t e quant o possí vel e duvi dar de tudompr e que possí vel Só ent ão teremos a cer t eza de apenas conser var o our o pur over dade.

épt i co ser á venci do pel as suas própr i as ar mas. Duvi da. . . Poi s bem! Vamos,

i nar - l he a duvi dar . A nossa dúvi da não será um est ado - est ado de umaer t eza negl i gent e- ser á uma acção, um act o, l i vr e, Vol Unt ár i o, e quear emos às ul l t i mas consequênci as. Dúvi da- est ado, dúvi da- acção: a rupt ur a éf unda. E, no f undo, a Vi t ór i a - em pr i ncí pi o - est á j á al cançada. Por que ai da, o cépt i co e Mont ai gne sof r em- na. Descart es exer ce- a. Ao exer cê- l ai vre~e domí n<>u- a. E assi m se l i ber t ou del a,

sui ndo um cr i t ér i o, um ní vel , «uma regr a» ( que Mont ai gne não t i nha) , poder át i ngui r o ver dadei r o e o f al so e no seu l ugar as i dei as que f or mar ão over so do **eOPI r i t o. Poder á exer cer uma cr í t i ca, ou sej a, UM j uí zo, e umaol ha.

quai s são essas i dei as de t al modo cl aras e di st i nt as, ou mai s exactament e,queer o rest o da pági na- por um 5et Q t i vre, que nos@deel di nws a «duvi dar», a «suspendei r o j uI zo» e acusar o cr@&, di t o» às i dei as que se nos c%l j pr esentem. n l i ~ment e que nosci di mos à r evi sãi o c@i í t i ea di as nossas Mel as. A f i l osof i a começa por t ant oumi a af i r mação, ef ect i va da l i ber daI d@e_ : e pr essupõe- i aa.

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i cada pal avr a tem a sua i mpor t ânci a, essas I dei as que se apr esent am aoí r i t o de uma manei r a t ão cl ar a e t ambém t ão di sf i nt a, que j á não há razãoa as pôr em dúvi da? Essas i dei as onde o espí r i t o nada descobr e de obscuro nemconf uso, i dei as que est ão, de al l gum. modo, por si mesmas, «aj ust adas aoel da razão» e que, por i sso, f or mar ão o model o, a regr a, o «ní vel » a que oí r i t o dever á «aj ust ar » t odas as out r as? E qual é a razão que vai pr oceder a

e «, aj ust ament o»?

e as o scur as e con usas que azem nascer a v a e que s o, por sua vez,t r uí das: pel a dúvi da são as que nos vêm da t r adi ção e dos sent i dos. Quant o àsr as, às ver dadei r as, são ant es de t udo as i dei as mat emát i cas. E a razão deest amos a t r at ar é i gual ment e a razão mat emát i ca. Porque é excl usi vament e na

emát i ca que o espí r i t o humano chegou à evi dênci a e à cer t eza - e consegui ust i t ui r uma ci ênci a, uma di sci pl i na ver dadei r a, na qual pr ogr i de, em or dem e

m cl ar eza, das coi sas mai s si mpl es par a, as const r uções mai s **~l i ' ~- . Poro o método cart esi i ano, esse método que Descar t es nos di z t er **o~o t omando o

havi a de mel hor nas «t r ês ar t es ou ci ênci as que est udara um pouco quando er ao» - a Lógi ca, - a Anál i se dos Geómet r as e a ál gebr a - será essenci al ment e

enado a par t i r da mat emát i ca.

m dúvi da, não se t r atará de i r buscar à matemát i ca os seus modos de r aci ocí ni opl i -

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l os, t al qual , a out r os domí ni os e a ~os obj ect os. Por que, embora «ent r eos os que at é agora pr ocur aram a ver dade nas ci ênci as, só os mat emát i coseram achar al gumas demonst r ações, ou sej a, al gumas r azões cer t as edentes», não é - menos ver dade que os seus mét odos, ou mai s exact ament e i ass t écni cas, permanecem est r i t ament e apr opr i adas às suas matér i as - «matér i ast o abst r act as e que parecem não t er qual quer ut i l i dade@e» - e que «no, que

pei t a à Anál i se dos Ant i gos, e à ál gebr a dos Moder nos ( . . . ) , a pr i mei r aá sempr e tão l i mi t ada à consi deração, das f i gur as que não pode exer cer oendi ment o sem

i gar mui t o a i magi nação; e, quant o à **úhi ma, houve uma t al suj ei ção a cer t asr as e a cer t os cál cul os que se f ez del a uma ar t e conf usa e obscura quearaça. o espí r i t o em vez de uma ci ênci a que o cul t i ve». Ser á ent ãoessár i o, ant es de mai s, r ef ormar a pr ópr i a matemát i ca gener al i zando os semodos ou, se se pr ef er i r , apr eender a pr ópr i a essênci a do raci ocí ni oemát i co, o espí r i t o que ani ma o desenr ol ar «dessas l ongas cadei as de razões

mpl es e f ácei s de que os geómet r as cost umam s~- se par a chegar às suasmonst r ações mai s ‘ di f í cei s. »

a essênci a, esse espí r i t o dó r aci ocí ni o mat emát i co - mui t o di f er ent e doi ocí ni o pur ament e si l ogí st i co ou l ógi co- consi st e no f act o de o mat emát i co,i squer que sej am os obj ect os par t i cul ar es do seu est udo, uma

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ação al gébr i ca ou uma const r ução geomét r i ca, t ent ar est abel ecer ent r e el esações ou

por ções pr eci sas e r el i gá- l os por sér i es de r el ações or denadas.

enção de rel ações e de uma or dem ent r e as r el ações, é est a a essênci a do

sament o mat emát i co, desse pensament o para o qual «r azão» mai s não si gni f i capr oporção ou r el ação; pr oporção ou r el ação que, por si mesmas, est abel ecemor dem, e por si mesmas se desenvol vem, em sér i e. E são as l ei s desse

sament o que as r egr as do Di scur so nos ensi nam, pel o menos as t r ês úl t i mas 5,que nos convi dam: «a di vi di r cada uma das di f i cul dades ( . . . ) **@um t ant w-cel as quant o f or possí vel e r equer i - do par a mel hor as r esol ver » [ o queni f i ca «di vi di r » toda a r el ação ou pr opor ção compl exa em t ant as r el ações oupor ções si mpl es quant as f or em possí vei s] ; a «, conduzi r por or dem os meussament os começando pel os obj ect os mai s si mpl es e mai s f ácei s de - conhecer ,a subi r pouco a pouco, - como por degraus at é ao conheci ment o dos mai so~t os. [ o que si gmi f i ca começar pel as r el ações eu equações mai s s i mpl es, aspr i mei r o gr au, e daí subi r por degr aus e por or dem at é às r el ações ou

ações de gr aus super i or es] , pressupondo mesmo uma

pr i mei r a r egr a, a que nos prescr eve <nunca

mar nenhuma coi sa por ver dadei r a que eu não reconheça evi dent ement e como tal »,. , expr i me as exi gênci a da cat ar se da razão pel a dúvi da.

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em ent r e os que não pr ocedem nat ur al ment e um do out r o i - ou sej a, i nt er cal ando- mos ent r e os t ermos ext r emos da sér i e e supondo t odos os t ermosaci onávei s ent r e si por uma

i e] ; e, enf i m, a «f azer em t odo o l ado enumer ações t ão compl et as e revi sõesger ai s que me assegur em de nada omi t i r » [ ou sej a, t er cui dado em não dei xar

dos t ermos ou uma das i ncógni t as do probl ema não r el aci onados com os out r os,ão escr ever menos equações que i ncógni t as] .

á f ora de dúvi da que est e método, , que est as r egr as que Descar t es pr etendeconcebi do no seu quar t o aqueci do, só o f oram, de f act o, mui t o mai s t ar de,vez que apenas r esumem, e de manei r a um pouco obscur a, - os modos de

i ocí ni os ut i l i zados pel a Di ópt r i ca@ e pel a Geomet r i a, mui t o par t i cul ar ment e ani ca de pôr em equação um pr obl ema al gébr i co. Mas a ál gebr a nova, e ai cação da ál gebr a à geomet r i a que- t orna est a i ndependent e da i magi nação ensf orma assi m o espaço numa

i dade pl enament e i nt el i gí vel é, par a o pr ópr i o Descar t es, par a os seus

t empor âneos e sucessores - pensemos em Mal ebr anche e Espi nosa - e para nós, amai or conqui st a i nt el ect u&l , aquel a que t or na possí vel a const i t ui ção de umai ca t ~a, que per mi t e a Descar t es r esponder vi t or i osament e às cr i t i cas dest ót el es e passar o - ob~l o que det i ver a Pl at ão.

Descart es, di ga el e o que di sser , most r a- nos a rot a que é pr eci so segui r , eaquel a,

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i a de desvi os e de i mPasses, que el e pr ópr i o segui u. Que i mpor t a, de rest o,as suas descobert as t enham si do cl arament e f ormul adas em 1628 ou em 1636? Oger me, a pr i mei r a i nt ui ção f ul gur ant e, o pr i mei r o sonho de uma ci ênci a que

a uma sabedor i a, dat a cer t ament e de 1619, da época em que, sozi nho no

quart o aqueci do, se ent r et i nha com os seus pensament os.

m ef ei t o, quando no i ni ci o do I nver no de9 Descar t es se 1**~m no seu quar t h aqueci do, não t em apenas at r ás de si anosvi agens e de f r equent ação o do mundo. Tem por det r ás **cl &e doi s anos de -bal ho e de descobert as. Não t i nha perdi do t empo na Hol anda. Se apr endeu,undo par ece, pouca coi sa do of í ci o mi l i t ar , descobr i u, em cont r apar t i da, , umodo de **eU, eul l o que anunci a j á o cál cul o i nt egr al e apl âcou- o aos probl emasf í si ca: **phyó- @co- mat hemat i cus consumado, chama@l he, desde essa al t ur a, oami go Beeckmann. El aborou um

odo de anál i se, de i ni ci o purament e geomét r i co, do género do de **~nat . Porm, est i mul ado por Beeckmann, que o exor t a a dei xar de se ocupar de mat emát i ca

i cada e a consagr ar as f orças do seu espí r i t o à mat emát i ca pur a, concebe ai a de gener al i zar os mét odos da, geomet r i a e de apl i car os mét odos de anál i sel gebr a ( i dei a de onde sai r á, mai s t ar de, a geomet r i a al gébr i ca, ou, como ée chamada, a geomet r i a anal í t i ca, de Descar t es) . Cert ament e que são apenasai os, t ent at i vas, e

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a que r esul t em Descart es preci sará de r ef or mar t oda a ál gebr a, a suar ut ur a e as suas notações. No quart o aqueci do, Descar t es est á ai nda l onge deonsegui r . Mas as duas i dei as mest r as que domi narão a sua ci ênci a e a suaosof i a, a i dei a da uni dade di a mat emát i ca, e aquel a, mai s pr o- f unda e mai sort ant e ai nda, da uni dade das ci ênci as, de t odo o saber humano, f oi ent ão,

m qual quer dúvi da, que as concebeu.

vou segui r aqui passo a passo a hi st ór i a do desenvol vi ment o pr ogr essi vo dosament o de Descar t es. Vou segui r - l he o exempl o e apr esent á- l o t al comorece na época do Di scur so. A uni dade da mat enát i ca der i va do f act o de osmos métodos - os métodos al gébr i cos- se apl i car em em geomet r i a e em

t mét i ca, ao número t al como ao espaço. M~os mét odos: i sso quer di zer mesmossos do espi r i t o. E i st o por sua vez most r a- nos que o que é i mport ant e não sãoobj ect osúmeros ou l i nhas - mas j ust ament e os passos, as acções, as operações doi r i t o que l i ga ent r e si esses obj ect os, est abel ece - ou encont r a - r el ações,compar a umas com as out r as, as mede umas pel as out r as e assi m as or dena em

i es. Or dem f ecunda e vi va - or dem di nâmi ca opost a à or dem est át i ca dosén~F, e das espéci es da l ógi ca es, ~@ca - , ordem de pr odução e não dessi f i cação, ordem na qual cada t er mo depende do que o pr ecede, e det er mi na,sua vez, aquel e que o segue. Mi as se

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m é, se, como j á o di ssemos, é a or dem e a r el ação que f or mam o f undo, apr i a essênci a da matemát i ca, poder - se- á ent ão t r aduzi r não s 6 qual queração numér i ca em r el ação espaci al , mas t ambém qual quer r el ação, espaci al emação numér i ca, t r ansf or mar númer os em l i nhas, l i nhas em númer os. Poder - se- ágar a uma ci ênci a mui t o mai s ger al , ci ênci a j ust ament e das r el ações e daem. Ci ênci a pur ament e r aci onal e absol ut ament e cl ar a par a o espí r i t o, poi s

nel a o espí r i t o nada mai s est uda que as suas pr ópr i as acções, as suaspr i as oper ações, as suas pr ópr i as r azões.

so consi st i r á a matemát i ca ver dadei r a, essa ál gebr a nova que Descar t esst i t ui r á à anál i se dos ant i gos e à ál gebr a dos moder nos. E o espí r i t o’er á, dor avant e, desenr ol ar sem f i m «essas l ongas cadei as de r azões si mpl es eei s» - equações ou r el ações- , uni - I as e combi ná- l as, e const r ui r - assi m numaem nat ur al e per f ei t a r el ações, ou sej a, obj ect os, cada vez mai s compl i cadosada vez mai s r i cos. ,

, se assi m é, se t oda a per f ei ção e t oda a f ecundi dade da matemát i ca pr ovêmf act o de o espí r i t o ai est abel ecer e combi nar r el ações e uma or dem ent r e os

ment os - números ou l i nhas, pouco i mport a- não s- e t orna cl aroar a Descart es é- o - que sej a ni sso que consi st e o model o, e a essênci a, del quer ci ênci a humana, que é una como o espí r i t o é uno, porque a ci ênci a mai sé que o espí r i t o humano di ver sament e apl i cado aos obj ect os?

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se o esp r t o que cont a, e e mane ra nen uma os o ect os , r cu ossi f i car e

i di r as ci ênci as segundo os seus obj ect os. E par a const r ui r o mundo do saberr eci so por t ant o - e i sso bast a - est abel ecer ou encont r ar uma or dem e r el açõesel i gí vei s e **el ar &s ent r e as mai s si mpl es i dei as do espí r i t o. E dai

ender , por ordem, às coi sas mai s compl i cadas. Por que «t odas as coi sas queem f i car ao al cance do conheci ment o dos homens r el aci onam- - se da mesmaei r a e ( . . . ) contant o soment e que nos abst enhamos de r eceber pordadei r a al guma que o não sej a e que mant enhamos sempre a or dem. necessár i aa as deduzi r umas das out r as, não pode haver nenhumas t ão af ast adas - a quei m não se acabe por chegar , nem t ão escondi das que não se descubram». E éi m- começando pel as i dei as do espí r i t o e não pel a percepção das coi sas,eguànd<) a or dem de composi ção i manent e ao espí r i t o e às suas i dei as- que seont r ar á a - or dem ver dadei r a. das ci ênci as, essa or dem que agor a est á ocul t a ecarada, e que se poderá ver desenvol ver - se a ár vor e do saber , essa árvor e dea f i l osof i a é a r ai z, a f í si ca o t r onco e a mor al ) f r ut o.

oi pr ovavel ment e por t er ent r evi st o est as consequênci as espant osas quecar t es anot ara no seu di ár i o í nt i mo que no di a 10 de Novembro de 1619 seheu de um gr ande entusi asmo e começou a «compreender os f undament os danci a mar avi l hosa», dessa ci ên-

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absol ut ament e geral , mat emát i ca uni ver sal do saber de que acabo de expor aão. Quai s eram, no ent ant o, esses «f undament os»?

go, pel o meu l ado, que Descar t es no- l o di z numa out r a passagem das SuasI TATI ONES PRI VATAE: sunt i n nobi s semi na sci ent i arum. M sement es das ci ênci asão em nós: o que quer di zer que a nossa r azão nã o é vazi a, não é «t ábua

a» que deva r eceber t udo de f or a, como o j ul gam Ar i st ót el es e a escol ást i ca,mei o da i magi nação e dos sent i dos; pel o cont r ár i o, t emos em nós mesnwser i al par a f azer a ci ênci a, t r azemos em nós os pr i ncí pi os do saber , e o nossosament o, r emer gul hado, em si mesmo e r est i t uí do a si pr ópr i o, poder á ent ão,ur o de sí , desenvol ver , sem sai r del e pr ópr i o, essas l ongas cadei as de r azõesque nos f al a o Di scur so.

sement es das ci ênci as est ão em nós: ei s porque é que a empr esa car t esi ana nãoui mér i ca; ei s porque é que se pode, e se deve, t ent ar desembaraçar a razão deo o que l he vei o do ext er i or , de t udo o que el a pÔde adqui r i r e receber naa.

as **~ei nhes das ci ênci as», ou, como Descar t es as chamará mai s t arde,ncont r ando assi m a pr of unda concepção de Pl at ão, i dei as i nat as», «ver dadesr nas», «ver dadei r as e i mut ávei s nat ur ezas, », essêndi as, pur ament eel i gí vei s e i nt ei r ament e i ndependent es da cont r i bui ção da per cepção sensi vel ,ões que a ascese r i gorosa da dúvi da met ódi ca, vol un-

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i a, r adi cal , r evel ar á na nossa al ma, ei s os f undament os, segur os e sól i dos -Mont ai gne não soube descobr i r - em que o homem poderá apoi ar o seu j ui zo.

escar t es, chei o de al egr i a, quer , sem perca de t empo, anunci ar ao mundo a boaa da cer t eza reencont r ada. «Por vol t a da Páscoa penso acabar o meu vol ume,r eve a Beeckmann, e ent ão pr ocur arei o i mpr essor ».

e vol ume nunca vei o à l uz. Ter á chegado a ser escr i t o? Ter á Descar t es i douma vez al ém do t i t ul o - St udi um bof t ae ment i s- e das poucas pági nas doci o? DuVi do mui t o. Por que, t al como di z Bai l I et , seu pr i mei r o bi ógr af o,car t es depr essa compr eendeu que não era empr esa f áci l dest r ul i r em sí t odasI dei as r ecebi das, que era mui t o mai s f áci l quei mar uma casa, ou mesmo ar r asarci dade. Quant o a r econst r ui r , Sem dúvi da, o Di scur so di z- nos que é f áci l :

t a começar pel así dei as mai s s i mpl es. . . Mas quai s são essas i dei as mai smpl es, mai s cl ar as e mai s f ácei s, essas ver dadei r as e i mut ávei s nat ur ezas,as ver dades et er nas, el ement os absol ut os do uni ver so do espí r i t o? Ei s umast ão que est á l onge de ser si mpl es. É mesmo a mai s di f i ci l de t odasDescar t es,bel o di a, conf essá- l o- á: se é segur o e cer t o que as nossas i dei as cl ar as são

as ver dadei r as, é mui t o di f í ci l saber quai s são ao cer t o, essas i dei as.

al hanço dest a pr i mei r a t ent at i va não det ém Descart es. Pensa: Sou j ovem,ar á

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a mai s t ar de. E, f azendo da necesi dade vi r t ude, vol t a a par t i r em vi áagem.

vi agens de Descar t es dur am sei s anos. Sei s anos sobre que não se sabe quasea. Em 1622 encont r amo- l o em Fr ança; em 1621 em Veneza e depoi s em Roma. Em6 vol t a a Par i s.

f ez el e dur ant e esses sei s anos? Sem dúvi da que cont i nuou a i nst r ui r - se, aervar os usos e cost umes, a f azer por t odo o l ado ref l exões út ei s. E semi da que pr ossegui u a sua gr ande t ar ef a: l i mi t ar a razão e pr ocur ar essassas si mpl es e f ácei s por onde será pr eci so começar .

Par i s vol t a a encont r ar a at mosf era de out r ora. Que se agr avou mesmo,r et ant o.omem de bem é, doravant e, f r ancament e cépt i co. J á não r espei t a nada. Troça deo. n l i ber t i no. Deí st a. Mer senne acha- l o mesmo ateu e cont a ci nquent a mi l emi s. O per i go é gr ande. Por i sso, t odas as f or ças da f é são mobi l i zadas par a aa. Garasse 6, Mer senne 7@

. P. FRANÇOI S GARASSE: La Doct i - me cur i euse de@s beaux espr i t s de ce t emps,4. , , pp. 10,Par i s, 1624; La Somme t héol ogi que des vér i t és capi t al es de I a rel i gi on

est i enne, i n- f ol . , pp. LXXI I , 973, Par i s, 1625,

. MARI N MERSENNE: Quaest i ones cel eber r i mae i n Genesi m. - - - i n- f ol . , p. 956,i s, 1623; L' I mpi ét é des déi st es, i n- 8. 1, 2 vol . de 834 e 506 pági nas, mai sas l i mi nar es, Par i s, 1624; La Vér i t é des sei ences cont r e l es scept i ques our honi ens, i n- S. , , XC8 pági nas, mai s peças l i mi nar es, Par i s, 1625.

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duvi dar ». Cr ê que há f ora dos mi st ér i os sagr ados da r el i gi ão revel ada - umadade r el i gi osa per f ei t amemt e acessí vel à razão humana: - a exi st ênci a de Deusa al ma; e que, el a pode e deve ser pr ovada. Um bel o di a, est i mul ado poruI l l e e Gi bi euf , i i nspi r ado pür Sant o Agost i nho, f á- l o- á.

como poder i a censur ar os cépt i cos e os

er t i nos ( por não se dei xar em! convencer pel as pr ovas e pel os argument os quedespej ados sobr e el es? Porque ( essas pr ovas não val em nada. I sso sabe- ocar t es. É o úni co, t al vez, que ver dadei r ament e o sabe. Os déf emsor es da f é

o sabem. E o que el es f azem não t em, por i sso mesmo, qual quer espéci ê deor .

que é que el es f azem, na r eal i dade? Que f az, por exempl o, Mersenne? É mui t ompl es. Recol hem t odas as pr ovas que os homens al guma vez i nvent ar am. Pr ovams por t odos os mei os: pel a l ógi ca, pel a f í si ca e pel a met af í si ca. Ref er emas as t r adi ções, t odos - os f act os «maravi l hosos» que demonst r em, a,st ênci a de uni sobr enat ur al . Mas esses f act os e essas t r adi ções são vi st os àz de um espí r i t o- cr í t i co? De manei r a nenhuma. El es ( não são apenas cr ent es:

, ai nda mai s, cr édul os. Or a, Descar t es sabe bem que o pr i mei r o dos dever es doí r i t o é j ust ament e j ul gar , medi r , cr i t i car t odos esses **«f - aot es» e t odasas t r adi ções. E si e o f i zer , se - os «aj ust ar ão ní vel da r azão», nada f i cam de f ábul as. A r azão, com ef ei t o, não pode admi t i r o que é cont r ár i o i a el ama.

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nt o às provas l ógi cas, f í si cas e met af í si cas, t ambém não val em nada. Sãoas, ou quase t odas, caducas. Por que se basei am t odas, ou quase t odas, nai ga l ógi ca, na ant i ga f í si ca e na ant i ga, concepção do “mo.

, Descar t es dest r ui u quer a ant i ga l ógi ca, quer a ant i ga f í si ca, quer ai ga concepção do Cosmo.

m ef ei t o, à ant i ga l ógi ca dedut i va de Ar i st ót el es, l ógi ca da cl assi f i cação econcei t o, l ógi ca do f i ni t o, el e acaba de opor , nas

s Regr as par a a di r ecção do espí r i t o, uma l ógi ca nova, i nt ui t i va, l ógi ca daação e do j uí zo, baseada na pr i mazi a i nt el ect ual do i nf i ni t o.

nt i ga f í si ca, que se basei a nos dados i medi at os dos sent i dos, na nossacepção quot i di ana do mundo col or i do e sonor o, o ~do do senso - comum no qualemos, que nunca o úl t r apassa nos seus r aci ocí ni os abst r act i vos e quemanece em t udo necessar i ament e l i gada às noções de qual i dade e de f orça, est ávi as de subst i t ui r uma f í si ca dos i dei as cl ar as, f í si ca mat emát i ca que bane

mundo r eal qual quer dado sensí vel , que del e el i mi na qual quer «f orma»,l quer f ~ e qual quer qual i dade, e que apr esent a uma i magem ( ou uma i dei a?)a do Uni ver so, de um, uni ver so est r i t a e uni cament e mecâni co, i magem mul t os est r anha e mui t o menos cr í vel que t udo o que os f i l ósof os al guma vezer am i nvent ar . Mui t o mai s est r anha e menos ver osí mi l . E, no ent ant o,t ament e ver dadei r a.

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nto ao Cosmo, ao Cosmo hel éni co, o Cosmo de Ar i st ót el es, e da ~e Médi a, essej á abal ado pel a ci ênci a moder na, por Copér ni co, Gal i l eu e Kepl er , Descart est r ôi - o i nt ei r ament e.

sei se t oda a gente se dá cont a do que est a descober t a, ou mai s exact ament eas descober t as, por que el as f or mam um f ei xe e const i t uem j unt as o que se

mou - a r evol ução car t esi ana, si gni f i cam par a a consci ênci a do homem do seumpo. E t al vez, si mpl esment e, do homem.

osmo hel éni co, o Cosmo de Ar i st ót el es e da I dade médi a, é um mundo or denado ei t o. Or denado no espaço, do mai s bai xo para o mai s al t o em f unção do val or ouper f ei ção. Hi er ar qui a per f ei t a, em que os pr ópr i os l ugar es dos seresr espondem aos graus da sua per f ei ção. Escal a que vai da matér i a para Deus.

e Cosmo é mui t o bel o. De uma bel eza esbél t i ca que desl umbra a al ma do Gr ego edi zer ao Sal mi st a que o céu e a ter r a cl amam a gl ór i a do Et er no e l ouvam o

bal ho das suas mãos. A sabedor i a di vi na respl andece nest e mundo, onde t udoá no seu l ugar , onde tudo est á o mel hor possi vel .

em per f ei t a, hi er ar qui a per f ei t a que a ci ênci a descobr e e r evel a. Por quese Cosmo todas as coi sas t êm o seu l ugar ( det ermi nado segundo o grau deor ) e est ão todas ani madas de uma t endênci a para o pr ocur arem

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el e r epousarem. Descobr i r essas t endênci as nat ur ai s, é do que a f í si ca sepa.

m di sso - par a o cr i st ão, pel o menos, se não par a o f i l ósof o - esse Cosmo, dea t er r a f orma o cent r o, est á t odo const r uí do para o homem É para el e que ose l evant a e que gi r am os pl anet as - e os ~. , E é Deus, f i m úl t i mo e -

mei r o motor , o cume da escal a hi ~quí ca**, que i nsuf l a a vi da, o movi ment o aomo.

m t al mundo, f ei t o para si , senão compl et ament e à **ww medi da, o homemont r a- se na sua moradi a. E a esse mundo penet r ado de razão e de bel eza, omem admi r a- o. Pode mesmo adorá- l o.

esse mundo, esse Cosmo, a f í si ca de Descar t es dest r ói u- o i nt ei r ament e.

põe el a em seu l ugar? A bem di zer , quase nada. Ext ensão e movi ment o. Ouér i a e movi ment o. Ext ensão sem l i mi t es e = f i m. Ou matér i a sem f i m nem

mi t es: para Descar t es, é est r i t ament e a mesma coi sa 10. . E movi ment o sem t om

m som, movi ment os ~ f i nal i dade nem f i m. Dei xa de haver l ugares pr ópr i os paracoi sas: t odos os l ugar es, com

i t o, se equi val em per f ei t ament e; t odas as

Par a Descar t es, com ef ei t o, a di st I nção ent r e o espaço e a mat ér i a que oher i a é um er r o baseado na subst i t ui ção da razão pel a i magi nação. A ext ensãot esi ana, geomet r i a r ei f i cada, é, ao mesmo t empo, espaço e matér i a.

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i sas, de r est o, se equi val em i gual ment e. São t odas apenas mat ér i a ei ment o. E a t er r a j á não est á no cent r o do mundo. Não há cent r o. Não hándo». O Uni ver so não est á ordenado para o homem: não est á sequer «or denado»Não exi st e à escal a humana, exi st e à escal a do ~r i t o. É o mundo ver dadei r o,o que os nossos sent i dos i nf i éi s e enganadores nos most r am: é aquel e que a

ão pura e cl ara que não se pode enganar r eencont r a em si mesma.

asci ment o da ci ênci a car t esi ana é sem dúvi da uma vi t &i a deci si va do espi r i t o.t odavi a, uma vi t ór i a t r ági ca: nest e mundo i nf i ni t o da ci ênci a nova j á não háar nem para o homem nem para Deus.

mesmo modo, j á não é no Mundo - esse

ênci o et er no dos espaços i nf i ni t os - mas na

ma que preci samos de pr ocurar Deus. É no

udo da al ma que a f i l osof i a vai dor avant e basear - se.

est r ut ur a do mundo não i mpl i ca qual quer f i nal i dade e não se expl i ca por umm. Resul t a das l ei s matemát i cas do movi ment o.

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O UNI VERSO REENCONTRADO

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pr eocupaç es met a s cas, apar ecem ast ant e t ar e no pensament o, e Descar t esno

ant o ( . . . ) noi ve anos passar am, di z- nos, ant es que eu t i vesse t omado al gumt i do em r el ação às di f i cul dades que cost umam. ser di scut i das ent r e os dout os,começando a pr ocur ar os f undament os de uma f i l osof i a mai s cer t a que a

gar ».

ensament o de Descart es segue a or dem cl ássi ca: depoi s da l ógi ca, a f í si ca.oi s da f í si ca, a met af í si ca, que r esponde ent ão a uma

l a exi gênci a do seu pensament o: necess i dade de cer t eza r el i gi osa, necessi dadecer t eza ci ent i f i ca. **Neoe~ade de cer t eza r el i gi osa. O Uni ver so car t esi anoesent a ao homem ur na i magem desesper ant e: Uni ver so i nt ei r ament e mecâni co,do compost o uni cament e de ext ensão e de movi ment o, mundo onde j á não há l ugar

m

a o homem nem pi ara Deus.

, Descar t es é um homem pr of unda e si ncer ament e rel i gi oso. Ter nos uma sér i e det os seus mi l i t o cur i osos. Vej amos, por exempl o, um

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t o da j uvent ude, da época do quar t o aqueci do. Tr i a mi r abi l i a f eci t Domi nus,r eve nas

I TATI ONES PRI VATAE: Res ex ni hi l o, l i ber um arbi t r i um et Homi nem- Deum.er í amos coment ar l ongament e est a passagem, a escol ha cur i osa das coi sasavi l hosas f ei t as por Deus: a coi sa a part i r do nada, o Homem- Deus e o l i vre

í t r i o. Poder í amos obser var que est as t r ês coi sas mar avi l hosas, ou sej a, essess f act os i r r aci onai s ou, mai s exact ament e, supr a- r aci onai s, cont êm al gumasa em comum: um encont r o do i nf i ni t o e do f i ni t o.ct o cr i ador de Deus, que põe o mundo a uma di st ânci a i nf i ni t a, d' El e mesmo,ce a i nf i ni t a di st ânci a que separa o Nada do Ser ; u Encar nação une ai ni dade di vi na à f i ni t ude humana; enf i m, a l i ber dade é uma r eal i zação doi ni t o no f i ni t o. . .

amos um t ext o da i dade madur a. À pr i ncesa El i sabet h, Descar t es escr eve ( 15- 9-5) : «A pr i mei r a e a pr i nci pal [ das i dei as i nat as] é que há um Deus de quemas as coi sas dependem, - cuj as per f ei ções são i nf i ni t as, cuj o poder é i menso,os decr et os são i nf al í vei s . . . »

emo- l o bem: a i dei a de Deus é uma i dei a i nat a, uma i dei a que per t ence àpr i a natur eza do homem e é seu i nami ss í vel apanági o. Com ef ei t o, segundocar t es poder- se- i a def i ni r o homem como: o ser que possui uma i dei a de Deus.

amos um t ext o qui nze anos ant er i or . Ao seu ami go Mersenne, Descar t es escr eve

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de Abr i l de 1630: «. . . j ul go que t odos aquel es a quem Deus deu o uso da razãoobr i gados a empr egá- l o pr i nci pal ment e em t r atarem de o conhecer e de se

hecer em a el es mesmos. Foi por aí que t r at ei de começar oss est udos. »

ant o Agost i nho pur o: Deum et ani mam sei r e cupi o. . . Mas Descar t es não é um

mpl es cr ent e, é um cr ent e f i l ósof o. Não se cont ent a com acr edi t ar em Deus. Coma a sua época, el e acha que a exi st ênci a de Deus pode e deve ser pr ovada., a f í si ca car t esi ana dest r ui u a pr ópr i a base das pr ovas t r adi ci onai s- acepção t r adi ci onal do Cosmo hi er ár qui co. E a l ógi ca car t esi ana dest r ui u ar ut ur a l ógi ca dest as pr ovas, baseadas t odas naossi bi l i dade de uma sér i e act ual ment e i nf i ni t a 1. 2 pr eci so pr ocur ar out r asa, encont r ar provas novas ou ent ão r et omar mesmo al gumas provas ant i gaspoi s de as t er mos aj ust ado ao ní vel da razão».

i sso que Descar t es vai dedi car o seu esf or ço, est i mul ado, di z- nos, pel ot o de «que al guns f azi am j á cor r er o boat o de que eu j á o consegui r a. Nãoer i a di zer , acrescent a

odas as pr ovas ar i st ot él i cas e t omi st as - a

va pel o pr i mei r o mot or ou pel o f i m úl t i mo, a pr ova pel as gr aus di a per f ei çãocorno a pr ova pel os gr aus do ser - são baseadas na pr etensa necessi dade dêdet er mos, quer di zer , na i mpossi bi l i dade real de uma sér i e **act u) aJ ni ent e

i n i t a .

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est ament e - em que é que baseavam essa

ni ão; e se cont r i buí al guma coi sa par a i sso com os meus di scur sos, deve t ero ao conf essar aqui l o que eu i gnorava mai s i ngenuament e do que cost umam f azerque est udaram al guma coi sa, e t al vez t ambém ao f azer ver as r azões que t i nhaa duvi dar de mui t as coi sas que os out r os achavam cer t as, mai s do que por me

ar de al guma dout r i na».

emos pr eci sar as i nf ormações que o Di scurso nos dá. Os boat os t ão l i sonj ei r oscorr i am acer ca de Descar t es não er am i nt ei r ament e sem f undament o. Sem

i da, el e ai nda não el aborara a sua met af í si ca. Mas desde há al gum t empo queá a esboçar o pr ogr ama. Met af í si ca, mai s, l i vre, menos di scur si va que a

escol a; met af í si ca pr eocupada sobr et udo com. , a i nt ui ção i nt el ect ual dosncí pi os; met af í si ca que pr ocur ar á Deus na al ma, t al como out r or a o t i nhat o Sant o Agost i nho; e que se esf or çar á por ut i l i zar a gr ande descober t At esi ana da pr i mazi a i nt el ect ual do i nf i ni t o. E não é uni cament e par a nãoment i r a boa opi ni ão que os ami gos t êm del e que Descar t es vai l ançar- se ao

bal ho. Os ami gos obr i gam- no a i sso. A segui r a uma reuni ão em casa do núnci opapa, o cardeal Bagni , em que Descar t es pr onunci a uma conf er ênci a, Bér ul l e, o

dador do Gr at ór i o, i nt i ma- o f ormal ment e a col ocar - se dor avant e sob oandar t e de Deus.

sabemos, exact ament e, o que di sseram Bérul l e e Descar t es. Mas podemos supor ,m

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ande r i sco de er r o, que não se l i mi t aram a conver sar sobr e as vant agens que aosof i a nova podi a t r azer à ci ênci a e à medi ci na, t al - como no- l o cont ai l et , mas t ambém, sobr e os servi ços que podi a pr est ar à rel i gi ão. É ver o-

mi l que t enham est ado de acor do acer ca do carácter caduco da apol l ogét i car ent e, achado que a al i ança com Ar i st ót el es f oi um desast r e e que er a pr eci so

avant e vol t ar at r ás e, par a al ém do t omi smo e da escol ást i ca, vol t ar * Sant ost i nho.

cart es si nt oni za com o t om da época: * r et or no a Sant o Agost i nho est á naem do di a. Depoi s do agost i ni smo da Ref orma, de Lut er o e de Cal vi no, umnde movi ment o agost i ni ano cat ól i co est á em pr eparação. Est amos em vésper as dot ór i o e de Por t - Royal .

ar ent esco ent r e o pensament o de Descar t es e o de Sant o Agost i nho sempre f oiado pel as agost i ni anos. Desde a época, de Descar t esembr emo- nos de Ar naul d e de Mal ebr anche - at é aos nossos di as. A oposi çãor e os doi s pensador es f oi - o i gual ment e.

m ef ei t o, ser i a per f ei t ament e i nexact o f azer de Descar t es um si mpl es di scí pul oSant o Agost i nho, o por t a- voz l ai co de Bér ul l e. Por que a f r ase de Sant ost i nho que ci t ei há pouco - Deum et ani mam sei r e cupi o - t er mi na - por umt o: ni hi l ne ~r Ni hi l omn@no: nada mai s? Absol ut ament e nada. E a passagem dat a de Descar t es a Mer senne, de que ci t ei o pr i ncí pi o: «j ul go que t odosel es a quem

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s deu o uso da r azão são obr i gados a empr egá- l o pr i nci pal ment e em t r atarem deonhecer e de se conhecer em a el es mesmos», cont i nua: «f oi por aí que t r ateicomeçar os meus est udos; e, di r - vos- ei ' que não t er i a sabi do encont r ar osdament os da f í si ca se não os t i vesse pr ocur ado por est a vi a. »

anto Agost i nho bast a conhecer o seu

s e a sua al ma. Mas i sso de manei r a nenhuma bast a a Descar t es: preci sa de umai ca, um conheci ment o do mundo para poder agi r e conduzi r - se na vi da, para darhomem o poder de or denar e det er mi nar , l i vrement e, a sua exi st ênci a, e é parasegui r ar r anj ar uma que f az uma met af i si ca e se vol t a para Deus.

o l eva- nos à segunda exi gênci a do pensament o cart esi ano que menci onei háco: necessi dade de cer t eza ci ent í f i ca. Necessi dade de f undament ar ,af i si cament e, as bases da ci ênci a nova.

o, à pr i mei r a vi st a, pode par ecer est r anho. A ci ênci a, a ci ênci a moder na pel oos, não é opost a à met af í si ca? Não est á el a j us- ‘ t ament e or gul hosa da suaonomi a e, mesmo, da sua aut ocr aci a? Não o af i r mou el a desde a sua or i gem? E

car t es não é um dos seus cr i adores? Or a, mui t o l onge de pr ocl amar aependênci a absol ut a da ci ênci a, Descar t es ensi na- nos exact ament e o cont r ár i o.- nos que a ci ênci a tem necessi dade de uma met af í si ca. E até, o que é ai ndas gr ave, di z- nos que el a deve começar por est a.

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mai s grave porque com i sso Descar t es l ançava por t er r a j ust ament e essa «ordemci ênci as» na qual nos di ssera não quer er t ocar .

m ef ei t o, não er a assi m que se pr ocedi a nas escol as: a met af í si ca er a ooament o - e não o i ní ci o dos est udos. Pr i mei r a em si , er a, por i sso mesmo,i ma par a nós.

l é a r azão dest a nova r evol ução cart esi ana? O desej o de i novar? Ou o f actosegui ndo a or dem das r azões e não a dasmat ér i as, e sabendo «que t odas as

nci as vão buscar os seus pr i ncí pi os à f i l osõf i a», Descar t es ent ender deverduzi r as suas i dei as j ust ament e segundo essa or dem? Sem dúvi da. Por que osament o de Descar t es, ou - o que quer di zer a mesma coi sa - o pensament o, par acar t es, deve ser pr ogr essi vo e não regr essi vo. Vai das i dei as às coi sas e -das coi sas às i dei as; vai do si mpl es ao comt pl exo; avança, ao concr et i zar -da uni dade dos pr i ncí pi os par a a mul t i pl i ci dade das di ver si f í cações; cami nha

t eor i a par a a apl i cação, da m, et af í si , ca par a a f í si ca, da f í si ca par a ani ca, para a medi ci na, para a moral . Não part e, como o de Ar i st ótel es e o daol ást i , ca, de um di ver so e de um Uni ver so dados, par a remont ar daí à uni dade

pr i ncí pi os e das causas que é o

f undament o. Par a o pensament o’ car t esi ano, o dado é j ust ament e o obj ect ompl es, da i nt u: i ção i nt el ect ual , não os obj ect os compl exos da sensação,

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ex st e, a m sso, uma r az o ma s pr ec sa e que me par ece que não per deuo * val or @

m ef ei t o, como é que Descar t es ef ect uou * sua r evol ução ci ent í f i ca, bani ndo dol l as qual i dades, as f or mas e as f or ças, as al mas veget at i vas, as pot ênci asai s, et c. , da f í si ca medi eval , e af i r mou no mundo ( f í si co) o r ei no uni ver sal

mecani smo? Excl ui u da ci ênci a, r ecor de- se, t udo o ; que não er a «i dei a el ara»,ue quer di zer , par a el e, qual quer : i dei a «abst r act a» do sensi vel , qual queri a com a sua

ca. Só é cl ar o, quer di zer , i nt ei r ament e acessi vel ao espí r i t o, aqui l o que ael i gênci a - con-

e sem nenhum concurso da i magi nação e

sent i - dos. O que, pr at i cament e, quer di zer : só é cl aro o que é matemát i copel o menos, mat emat i SáVel 2

que di r ei t o t e- mos nós de avançar da i dei apara a coi sa, como pr etende ai ca car t esi ana? A cl ar eza de uma - i dei a conf er e- nos esse di r ei t o? Poder i a, nom de cont as, t er apenas um val or subj ect i vo, e a i dei a cl ar a, cl ar a par a nós,er i a mui t o bem não t er com a r eal - i dade, a r eal i dade t al qual é nel a mesma,ão uma rel ação mui t o l ongí nqua, ou não t er mesmo nenhuma. Sobret udo s- e,

i dei a de vi da, não sendo cl ar a e di st i nt a, não t em l ugar na ci ênci a e apr i a vi da não t em, por co- nsequênci a, l ugar pr ópr i o no uni ver so car t - esi ano.r e o pensament o e a ext ensão não há nada.

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mo Descart es no- l o af i mi a, é no seu pr ópr i o f undo que o espí r i t o a encont r a.f i m de cont as, a cl areza de uma i doi a é uma coi sa,xi st ênci a r eal do seu obj ect o é out r a 3.

ar eza e uma e a st ngue- a par asa r azão. Mas como poderemos est ar se-

os de que o ser r eal se conf orma às suas exi , gA- n@ci as? E se, por acaso, ol f osse j ust ament e obscwo, i r r aci onal , i ncompr eensí vel e

enet r ável para a razão?

, é em vi r t ude do pr i vi l égi o das i dei as cl ar as que Descart es excl u@i do mundol , do mundo tal como exi st e em si mesmo, i ndependentement e de nós e da nossaão, qual quer qual i dade sensí vel , qual quer f oTça vf t al , qual quer f or maur al , em r esumo, t udo o que não é mecâni co, e o reduz a não ser r nai s queensão e movi ment o. Ter á esse di r ei t o? Não é uma quest ão supéf f l ua. Nem mesmot r apassada. Trata- se do pr obl ema do j ust o di r el t o do mãt emat i smo. Um pr obl ema

est á bem na ordem do di a.

amos: Descar t es ensi na- nos que, par a bem conhecer o r eal , o r eal f í si co t almo se

Podemos mui t o bem t er i dei as, r n~ cl aras, de coi sas que, no ent ant o, nãost em, e mes~ de

sas que não podem exi st i r . Assi m, par a não f al ar dos obj ect os da geomet r i a,t r i ângul os, dos cí r cuI @os e das

has, não t em@os nós uma i dei a mui t o cl ara do @movi ment o r ect i l i neo? Or a,

cl ui - se daí que t ai s movi ment os exi st em, no mundo r eal ?

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ont r a em si i mesmo, t al qual se encont r a f ora de nós, pr eci samos ant es deo de re-

ar qual quer cont r i bui ção e qual quer i nf ormação que nos venham, ou nos par eçam, de f or a, ou sej a, qual quer cont r i bui ção e qual quer i nf or mação que nosham da per cepção sensí vel , que só nos poder i am i ncl uzi r em er r G; que

ci samos de f azer t ábua r asa do nosso mundo habi t ual - o senso comum, aí est á omi go - e excl ui r do real t udo o que, comumment e, nos parece p@er t encer - l h, e:or , o cal or , e mesmo a dur eza e o peso.

a conhecer o real pr eci samos de começar por f echar os ol hos, t apar asl has, r enunci ar ao t act o; pr eci samos, pel o cont r ár i o, ‘ de nos vi r ar par a nósmos, e pr ovur ar , no n~o ent endi ment o, i dei as que sej am cl aras para el e. Assi mencont r am os f undament os da ci ênci a natur al e se deocobr e a l i nguagem que aur eza f al a. E é nessa l i nguagem - a da matemát i ca- que a natur eza r esponder áper gunt as que, nas suas exper i ê nci as, a ci ênci a poder á ‘ f azer- l he. Não é umado est r anho? E mesmo ext r emament epouco cr í vel e par adoxal ?

é de admi r ar que nenhum ser de bom senso t enha podi do adm) I t i - 4o. Sobr etudost ôt el es. Er a pr e! c: i so ser Deocar t es, Gaf i l eu ou Pl at ão. Decer t o nuncaguém pôs em dúvi da, ser i ament e, o val or e a ver dade i nt r í nsecos daemát i , ca, da geomet r i a. Toda a gent ecomeçar por Ar i st ót el es - sempr e admi - t i u

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eu r i gor e a sua cer t eza. Esse r i gor e essa cer t eza i mpl i cam, no ent ant o, quel ei s da geomet r i a sej am t ambém as do mundo f í si co? E que se deva começar asi ea, quer di ze- r , o est udo da nat ur eza, pci o da geomet r i a?

manei r a nenhuma. Ar i st ót el es di z- nos mesmo: pel o cont r ár i o.

i gor e a exact i dão da geomet r i a expl i cam- sepr ecâsament e pel o f act o de essanci a só se ocupar de seres abst r act os, de seres de r azão. Os cí r cul os e ast as não são ser es f í si cos. E o espaço eucl i di ano, es; se espaço i nf i ni t o, é@t ament e um espaço i r r eal , que só exi st e no nosso espí r i t o.

mesmo modo, para a t r adi ção - A@i úst ót el es e a escol ást i ca - a geomet r i a nãoi sa de uma ci ênci a «abst r acta». Abst r aí da do r eal que não é nem pr eci so nemct o, mas que é, em cont r apar t i da, r i co e chei o de t odas as qual i dades que ost f f i os ai apr eendem. Por i f f i o, a geomet r i a não poder á nunca expl i l car ol . As suas l ei s não domi nam o mundo f í si co: pel o cont r ár i o, não se l hei cam, nem bem nem mal . E mai s mal que bem. O est ado da geomet r i a não pr ecedei m o da f í s i ca. Vem a segui r .

ci ênci a do t i po ar i st ot él i co, que par t e do senso comum e se f undament a nacepção sensí vel , não t em necessi dal de de se apoi ar numa met af í s, i ) ca. Con@duzl a, em vez de par t i r del a. Uma ci ênci a do t i po car t esdano, que post ul a oor r eal do mat emat i smo, que cons-

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i uma f í si ca geomét r i ca, não pode di spensar uma met af i si ca. E t em mesmo demeçar por el a. Descar t es sabi a- o. E Pl atão, que f ora o pr i mei r o a esboçar umanci a desse t i po, sabi a- o i gual ment e.

esquecêmo- l o. A nossa ci ênci a avança sem se pr eocupar mui t o com os seuspr i os f undament os. O sucesso bast a- l he. At é ao di a em que uma «cr i se» - uma

í se de pr i ncí pi os» - l he revel e que l he f al t a quai l i quer ooása: nomeadament e,mpreender o que f az.

, Descar t es é um f i l ósof o. E compr eender o que f az i mpor t a- 4he aci ma de t udo.ent ão tent ar f undament ar a sua f í si ca, a sua ‘ l ógi ca, o seu «mét odo». E par a

o, par a poder t r abal har t r anqui l ament e na sua met af i si ca, par t e de novo29) para a Hol anda.

metaf i si ca é a ci ênci a, do que é. E também do nosso conheci ment o do que é.a se

er const r uí - I a, e par a, f undament ar assi m a f i si ca, como ci ênci a do r eal ,

ci samos de descobr i r um ponto - pel o menos um- onde o nosso saber se apoderer eal ou, mel hor ai nda, um pont o onde o nosso saber , o nosso j ui zo, coi nci dam o r eal . E par a i sso é necessár i o r et omar o mét odo da dúvi da, t or ná- l o, ai ndai s sever o, e mai s vi r u- l ent o, que da pr i mei r a vez.

sa pr i mei r a vez, quando tent ámos f azer uma : r evi são, ger&l de t odas as nossasi as, det i veni o- nos di ant e das «i del i as cl ar as e di s-

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t a. s». A matemát i ca encont r ou f avor es aos nossos al hos. Agor a, i r emos mui t os l onge. A dúvi da engl obará a pr ópr i a matemát i ca.

mos proceder com o mai s ext r emo, com o mai s i mpí edoso r i gor : um caso, mesmosi mpl es possi bi l i dade de er r o, f ar - nos- á condenar t odo um domí ni o do saber .

mos condenar os sent i dos, vi st o que os sent i dos nos enganam al l gumas vezes. E

de par t e, de um modo geral , a sua pr etensão de apreenderem, ‘ de per ceberem ol , vi st o que a l oucur a ( a al uci nação) e o sonho i nf i r mam. o val or ger al dest at ensão. ,

mos condenar o raci ocí ni o e a pr ópr í a i nt ui ção i nt el ect ual , - dado que pores nos enganamos nas adi ções, nos cUcul os e nas demonst r ações da geomet r i a.m nos engana uma vez, bem poder i a enganar - nos seni pre! E vamos r ecusar at ensão das i dei as Ol ar as e di st i nt as a um val or r eal , por que é essa a

st ão que j ust ament e est á em j ogo.

mos r etomar t odos os vel hos argument os, dos cépt i - cos, e mesmo i nvent ar r azões

as para duvi dar ; pôr a hi pótese quase mani queí st a de um espí r i t o mal i gno eer oso que nos

anar i a sempr e e por t odo o l ado. E, notêi no- 4o bem, é vol unt ar i &ment e,rement e, que admi t i mos est a hi pót ese; é vol unt ar i ament e, l i vrement e, que nosi di mos a duvi dar .

o di sse, mas não é i , nút @l r epet i 4o: é por uma deci são l i vre, é por um act ol i ber dade que a f i l osof i a car t esi ana começa. É por o

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mem ser l i vr e que pode di zer não à t endênci a natur al que o l eva a cr er no quee ouve; que pode recusar - se a segui r a i mpr essão poder osa do sensí vel ;ancar - se ao

mí ni o do seucorpo, dos seus hábi t os, da sua

ur eza, numa pal avr a.

oso a e Descar t es n o emonst r a a er a@ e a vont a e umana.ssupõe- na e

ova- a» pel a sua pr ópr i a exi st ênci a. Como out r or a Di ógenes «pr ovava» o r r . -ment o camí nhando,

que é uni cament e por qer mos l i vres que podemos, l i ber t ando- nos do er r o,ngi r - l i vr ement e- a cl ar eza supr ema do espí r i t o i nt ei r ament e r est i t uí do a simo. É, para i sso, j ust ament e, que nos ser ve, a ascese, a negação dot i ci smo absol ut o.

m ef ei t o, l evemos a dúvi da e a negação oépi t hea às úl t i mas consequênci as.mGs admi t i r que um espí r i t o mal i gno e poderoso nos

ana sempre e por t odo o l ado, , ou, o que é o mesmo, que nós nos enganamosmpr e e em t odo o l ado.

enf i m, mesmo se eu me engano se -

e em t odo o l ado, em t odos os meus j ui zos e em t odas as mi nhas i dei as, éol utament e necessár i o que eu, eu que penso e, por t ant o, que me engano, eua ou exi st a, j ust ament e para poder enganar - me. E, por out r o l ado, admi t i ndo

mo que as mi nhas i l dei as sej am t odas f al sas, é absol ut ament e cer t o que euho essas i dei as.

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er t eza o eu sou, a c ar eza o eu penso r es st em a t o os os es or ços ai da. Ei s, por t ant o, esse our o pur o que o &ei do não pode , cor r oer . O j uí zo eué ver dadei r o sempr e que eu o pr onunci e; t odas as vezes, i gual ment e, que eu

a um j ui zo, qual quer que sej a; t odas as vezes que eu duvi de ou me engane.que el e se encont r a i mpl i cado, ou mel hor , envcl vi do em t odos os meus j uí zos,t odos os meus pensament os, em t odos os meus act os ou est ados de consci ênci a.

ensament o i mpi l i , , ca o ser :

u &ou é, a consequênci a i medi &t ado. eu penso. Descar t es no- l o di z: «Penso,o exi st o. »

t ant o, penso e sou. Mas que sou eu? J ust ament e um ser que pensa, e quei da, e que nega. I sso bast a a Des! car t - es. Por que um ser que pensa e quei da é um ser i mper f ei t o e f i ni t o. E, al ém di sso, é um ser que o

e que se sabe i mper f e@t o, e f i ni t o.

, como poder i a el e sabêAl o, ou sej a, per ceber - e dI ar ament e - a sua pr ópr i a

i t ude essenci al e a sua i mper f ei ção, se não t i vesse, em si mesmo, uma i dei aúguma coi sa i nf i ni t a e per f ei t a, ou sej a, comoi ) oder i a el e compr eender - se aprópr i o sem t er ao mesmo t empo uma i dei a de Deus?

m ef ei t o, a l ógi ca car t esi ana ensi na- nos que a i dei a púsi l t i va e pr i mei r a, aei a que o

í r i t o concebe em si mesmo, não é, como j ul ga o vul l go, - e a escol ást i ca - ai a do f i ni t o mas, mui t o pel o cont r ár i o, a de i nf i ni t o. Não é negando a

mí t ação do f i ni t o que o

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í r i t o chega à noção de não- f i ni t ude. n, pel o , cont r ár i o, ao t r azer um l i mi t e,o uni a negação, à i del a da i nf i ni t ude que o espi r í t o chega à concepção doi t o .

ul go dei xa- @se enganar pel a l í ngua, que conf ere um nome negat i vo a uma i dei ai t i va ( e i nversament e) . Mas a l í ngua engana. É ao senso comum, de r est o, que

se di r i ge, como é também o senso comum que a f orma. Pl ara o senso comum, ea a i maf f i nação, o i hf i ni , t o é, sem dúvi da, i mpossí vel de apr eender .

i ni t o, par a esses, é dado pr i mei r o. O i nf i ni t o, em cont r apar t i da, nunca o é.

ni sso consi st e, j ust ament e, o er r o da ant i ga l ógi ca que vi , ci a t oda aosof i a ant er i or : a i gnor ânci a de um pensament o l i ber t ado dos ent r aves dagem; a i gnorânci a, em

ma, do úni co pensament o ver dadei r o. Par a est e, para a r azão car t esi ana, aação é i nver sa: concebe o per f ei t o ant es do i mper f ei t o, o i nf i ni t o ant es doi t o, a ext ensão ant es da f i gur a. . . Compr eende que a i dei a cl ar a do f i ni t o

l i ca e engl oba a de i nf i ni t ude.

se condl ui que - - - l embr emo- nos da passagem da car t a à pr i ncesa El i sabet h.ci t ei mai s aci ma- t emos ur na i dei a cl ara de Deus.

ul go negá- l o- á, sem dúvi da. E não est ará compl et ament e er r ado. Não t em, comi t o, i dei as cl aras, mas apenas uma mi st ur a conf usa de i magens e de noçõest r act as. Por i sso, l i ão t em uma i dei a cl ar a, de si pr ópr i o e não podeponder à pergunta: o que é que el e é?

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no ent ant o, essas i dei as, a de Deus como i a de si pr ópr i o - a da al ma - , el em- nas. Mas est ão obscureci das, r ecober t as dessa camada de noções conf usas que

«of usi cam» a r azão, desse amont oado de escór i as que a dúvi da met ódi ca t evet a- ment e a t ar ef a de kl est r ui r .

nto a nós, que passámos pel a ascese cat ár t i ca da dúvi da, sabemos que, somos e

mI bém o que somos: um ser i mper f ei t o e f i ni t o; um ser que pensa; e mesmo: umsament o exi st ent e, um ser cuj a nat ur eza i nt ei r a é pens, ar ; um ser que t em umai a ol ar a de si pr ópr i o e de Deus.

o bast a, pel o menos par a Descar t es. Po- ‘ der á, dor avant e, demonst r ar ast ênci a do seu Deus i nf i ni t o e - per f ei t o e de uma al ma i nt ei r ament ei r i tual .

posso est udar aqui a est r ut ur a têmi ca e as f ont es das provas car t esi anas dast ênci a de Deus. Fi - l o, há tempo, num l i vro de j uvent ude 1. n mui t o, demoradoast ant e compl i cado. E, , de r est o, sem mui t o i nt er esse. Por que , a base r ealsas provas, e o seu sent i do pr of úndo, é mui t o si mpI es - é o pr ópr i o Descart es

em o di z: a consci ênci a de si i ~ca a consci ênci a de Deus. O «eu p- enso»l i ca: «penso Deus». Tenho del e, port ant o, uma i dei a. E é

' I dée de Di eu et l es pr euves de son exi st ence chez Descart es, Par i s, 1923.

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smo uma i dei a i nat a, uma i dei a sem a qual somos í mpensávei s. Di sse- o háco: o homem, par a Descar t es, não é mai s que o ser que t em uma i dei a de Deus.a i dei a - é si mpl es , e cl ar a; a mai s cl ar a, a mai s si mpl es de t odas , as nossasi as. De tal modo cl axa, de tal modo ‘ l umi nosa que envol ve a pr ópi r i ast ênci a de Deus. Ser per f ei t o, i nf i ni t o, não pode ser con-

bi do como não sendo. E el l e, é em vi r t ude da sua i nf i ni t a per f ei ção - - , ,

a i dei a do ser per f ei t o, t ão espl êndi da e t ão r i ca, é de t al modo super i or aque não pode pr ovi r de nós própr i os que somos f r acos, f i ni t os, i mper f ei t os.pode pi r ovi r úe nenhum ser f i ni t o. Não nos pode vi r senão , de - Deus G.

, port ant o, uma segunda cer t eza, uma segunda i dei a cl ara que é post a f ora dei da, cuj o obj ect o, sem qual quer dúvi da, é r eal . Deus exi st e, por que eust o, eu que t enho uma i dei a de Deus.

mui t o si mpl es, mui t o cl aro, e mui t o segu@r o. E, no ent ant o, ext r emami ent ei ci l . Por - , que para a compr eender mos bem, a est a pr ova

exi st ênci a de Deus que se depreende da sua noção é mai s cer t a, segundocar t es, que a exi st ênci a do meu corpo e do mundo ext er i oi r . i O uma verdai deevi dent e, e mui t omai s cer t a que as mai s s i mpl es proposi ções ar i t mét i cas.

ão pode pr ovi r , t ambém, de nenhum ser i nt er m, edi ár i o e, a f or t i or i , doí r i t o mal i gno e enganador .

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o si mpl es, pr eci samos ant es de t udo de pur i f i car a raz@o e t or ná- l a capaz deeender as i dei as do espí r i t o. Enquant o o não t i ver mos f ei t o, enquant o a nossunat ur a, 1 est i ver ai nda «of uscada» por pseudo- i dei as que pr ovêm da t r adi ção,

uant o el a est i ver at r avaneada de noções conf usas e abst r act as do sen- , si vel ,uant o segui r a l ógi ca do f i ni t o, não poderá compr eender- se a à mesma e nãoá uma i dei a cl ara de Deus. Épor i sso que pr eci samos de passar pel a dúvi da,

dadei r o exer cí ci o espi r i t ual . Exer cí ci o mui t o demor ado e - mui t o di f i ci l ,ol ut am"t e comparável - e

mo anál ogo - ao do mí st i co, que pr ec*, sa- , mos de r epet i r mui t oquent ement e.

só agora, só depoás de t er demonst r ado a exi st ênci a de Deus, que est arnosei r ament e , l i ber t os da dúvi da. E da i ncer t eza. Deus exi st e, t emos a cer t eza., f ol el e que nos deu o ser , é del e que pr ovêm as nossas i dei as. Mas um serf ei t o, como Deus, não poder i a enganar - nos: as nossas i dei as ci l ar as e si mpl es- por t ant o ver dadei r as, ou sej a, podem f undament ar j uí zos de exi st ênci a e

mí t em passar da i dei l a ao obj eot o, As nossas i dei as cl ar as e si mpl es r evel am-

o r ea, l , como el e é, como Deus o cr i ou. Est a concordânci a ent r e o ser e ai a, podemos dor avante compreendê- l o: é de Deus que el a pr ovém. Cr i ador dai a e do , ser , Deus aj ust a uma ao out r o. l @ port ant o Deus que é o gr andeant e da ver dade das I dei as i nat as à - mi nha al ma, t al como do al , can. ' Ce real

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j uí zos que nel as basei o. A conf i ança raci onal na nossa r azão não - ) e basei a,a Des- cart es, senão naquel a, - i gual ment e r aci onal , que - t emos de Deus. Umu não poder i a t er est a , conf i ança, não poder i a est ar cer t o de ~, , não poder i at ant o f azer f í si ca. Quant o a

, cer t os de Deus e da nossa r azão, apoi ada na «veradi da& di vi na», p, , Aemos

rdenar as

i as e encont r ar oval or Pel l at i vo mesmo das que não são mui t o cl aras. Mesmoque, vi ndo do sensí vel , são f r ancament e i ndi st i nt as e conf usas. Podemos

mp~nder o seu papel e, assi m, pÔ- l as no seu l ugar . .

x st nc a e Deus gar ant e o va or as i dei as cl axas e si mpl es - as i dei as deensão e de movi ment o- pel as quai s começámos. A f í si ca, dor avant e, est ádament ada. E t ambém a consci ênci a de si . Por que o f acto de eu t er podi do,

mpmende~e no meu ser - e na mi nha essênci a sem nada conhecer ai nda do mundo-ensã o, demonst r a- me que o meu eu, ou a mi t h- a al ma, não depende do mundo-ensão. Não sou ext enso em mi m mesmo. Teni l i o um cor po, mas não sou um corpo.

a; l go de mui t o mai s per f ei t o que o espaço i nf i ni t o que a mi nha razão penet r aompr eende: por que eu sou l i ber dade e espí r i t o. Or a, o espi r i t o nada tem demum com a mat ér i a, ou sej a, com a ext ensão. Não há nada que o l i gue a est a. Emundo do espaço i nf i ni t o j á não nos f az medo, a par t i r de agora: pel ot r ár i o, r evel a a Descar t es o poder i nf i ni t o do seu Deus.

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gora, que rest a de t udo i sso, do esf orço sobr e- humano de um gél - ão? O, que seser : t udo ou nada. Nada da obr a concr et a de Descar t es. Tudb do espí r i t ot esi ano.

não r est a gr ande coi sa da m- etaf i si ca de Descar t es e as suas pr ovw dast ênci a de Deus t i ver am o mesmo dest i no que as pr ovas de Ar i st ót el es e de S.

más. E, no ent ant o, a gr ande descober t a car t esi ana, a descober t a da pr i mazi ael ect ual do i nf i ni t o, per manece ver dadei r a. Cont i nua a ser ver dade que osament o envol ve e i mpl i i ca o i nf i ni t o, cont i nua a ser ver dade que osament o f i ni t o - qual quer pensament o f i ni t o- não se pode apr eender nem

mpr eender senão a par t i r de uma ‘ i dei a i nf i ni t a. É ver dade que é l i vre e que éónomo.

a cont i nua de pé da f í si ca de Descar t es. Pôde escr @ever - se, há uns vi nt es, que a ci ênci a não segue o cami nho que el e nos t r açar a. Há uns vi nt e anos,o er a ver dade. Hoj e é- - o mui t o menos. Por que, sem dúvi da, a f í si ca act ual , ai ca ei nst ei ni ana não r epet e de ma-

r a nenhuma a f í si ca de Descar t es. Tal como est a não r epr oduzi a a f í si ca det ão.

o ent ant o, par a a hi st ór i a, a f í si ca de Descar t es f oi uma desf or r a de Pl at ão.í sàca de Ei nst ei n, que r eduz o r eal ao geométn. *I co, é, do mesmo modo, umaf or r a de Descar t es: pr ossegue, e em cer t a medi da real i za, o vel ho sonho decart es e de Pl at ão, o sonho, da redução do f í si co ao geomét r i co.

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e r est o por uma operação car t esi ana, por um vi r ar - se para si mesma, por umal i se cr í t i ca dos seus pr ópr i os pr i ncí pi os, submet i dos de novo à pr ova dai da, que a ci ênci a pôde sai r de um i mpasse. A nossa f i s- i ca j á não é a decar t es - é mai s car t esi ana que a

, é mai s car t es- i ana que nunca.

, não há dúvi da de que o mét odo de Descar t es, o mét odo das i dei as cl aras empl es não pôde t r azer ao homem a segurança da cer t eza que Descar t es esper ava- 4he. Não pôde r econst r ui r em or dem t odo o r eal . O r eal é mai s r i co do quecar t es j u, l gou. Não é senão ext ensão e movi ment o. Não exi st e num pl ano. Ét o. Do mesmo modo, censur a- se mui t as vezes aos Fr anceses o seu car t , esi ani smoi z- se- l hes f r equent ement e que o «pr econc! e@i t o» de cl areza e de di st i nção osa ao er r o e os f az menospr ezar as f orças t umul t uosas, obscuras e pr of undas daa. Di z- se- l hes i gual ment e que com a mani a das anál i ses cr i t i r as, com at i nação de t udo pôr em dúvi da, pr i vam o homem dos seus mai ores bens, da paz eoer t eza.

bsol ut ament e ver dade. O mét odo de Descar t es é mét odo de i nqui et ude e deor ço. A pr ocur a da cl ar eza é penosa, di f í ci l - e mui t o l onga, vi st o que éi ni t a. E, sem dúvi da, ar r ui na e dest r ói as ant i gas t r adi ções, as ant i gast ezas, os í dol os do nosso pensament o.pr eço que sepaga para at i ngi r o ver dadei r o.

m, sem dúvi da, a vi da é mui t o mai s com-

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exa que uma f órmul a al gébr i ca. Mas, enf i m, devemos submeter- nos às suasças prof undas e obscur as? Ou, pel o cont r ár i o, compr eendê- l as, penet r á- 4as dez, - de r azão, e êl evá- l as à @el ar eza do espí r i t o?

a mi nha par t e, j ul go quea i nj unção @car- t esi ana, que a mensagem cart esi anaca f oram t ão actu&i s como hoj e, Hoj e, quer di zer , numa época em que o

sament o humano, r enegando o seu val or e a sua di gni dade, se pr ocl ama si mpl esi f est ação do soci al , ou ai nda, si m- , pl es f unção da vi da; numa época em quem mundo que de novo se t or nou' i ncer t o, vemos o homem procur ar a t odo o preço

nova cer t eza, pagando- a al egr ement e com, a sua l i ber dade, e com a da suapr i a r azão; numa

ca ‘ de mi t o renascent e e de aut or i dade i nf al í vei s, pr eci samos mai s do qui eca de obedecer ao precei t o car t es`i ano que nos i mpede de admi t i r comodadei r o out r a coí sa que não sej a o que com t oda a evi dênci a vemos sê- l o; emanecer f i éi s à mensagem car t esi ana que, pr ocl amando o val or supr emo daão, e da verdade, nos i mpede que nos submet amos a uma aut or i dade qual quer ,

não sej a a razão e a verdade.

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D 1 C E

O MUNDO I NCERTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

O COSMO DESAPARECI DO . . . . . . . . . . . . . . . 35

O UNI VERSO REENCONTRADO . . . . . . . . . 69

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e l i vro acabou de se i mpr i mi r

1981

a a

TORI AL PRESENÇA, LDA.

r esa Gr áf i ca Fei r ense, Lda.

a da Fei r a