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O Tomismo é incompatível com o marxismo

Conferência proferida pelo

Professor Dr. Alexandre Correia,

no Colégio Pedro II.

Professor Emérito da Universi·

dade de São Paulo e tradutor da Suma Teológica, de Santo Tomás de Aquino. ,

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CONFERI!NCIA DO PRQF. ALEXANDRE CORREIA

Prezadíssimos ouvintes:

A muita amizade, a velha amizade que nos prende ao eminente Diretor-Geral desta Casa, Professor Van­dick Londres da Nóbrega- teve o condão de nos trazer de São Paulo para termos o prazer de conviver con­vosco durante alguns rápidos momentos.

Conheço-o há mais de trinta anos e nele sempre vimos o mesmo homem reto, o mesmo católico, que apli­ca na administração os princípios do cristianismo. E precisamente por isto tem sido ele combatido, rude e injustamente atacado e até caluniado p:;los �ue vêem na sua presença um empecilho à disse o do co­mumsmo e aos que azem os co res pu 1cos uma onte de riqueza.

Por isto, não poderíamos recusar o convite que ele nos fez para refutar a série de impropriedades contidas numa conferência proferida, na Universidade de Chi­cago, pelo Arcebispo de Olinda e Recife sobre "o que fa­ria Santo Tomás de Aquino diante de Karl Marx"

Como a nossa despretenciosa palestra pode con­tribuir para esclarecer a juventude, tão envenenada pelos inimigos do cristianismo e pelos materialistas e pode ajudar o ilustre Diretor-Geral na sua corajosa e patriótica luta em defesa de nossas instituições cristãs, do atual regime, lutando às vezes sozinho porque lhe faltam o apoio e o estímulo de algumas autoridades, que se deixam seduzir por infâmias urdidas para afas­tar da linha de combate um valoroso batalhador, resol­vemos suspender o nosso retiro em nossa biblioteca, em São Paulo, e aqui estamos para atender ao convite, que, nas condições atuais do País, recebemos como uma convocação patriótica.

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22 ALEXANDRE CORREIA

Queríamos agradecer as autoridades presentes, como o Diretor-Geral já agradeceu, e, em particular, ao Senhor Bispo, que representa sua Eminência o Cardeal Dom Eugênio Sales a quem pedimos tenha a bondade de apresentar nossos agradecimentos.

Não vamos fazer uma conferência, senão apenas ter convosco, por alguns instantes, uma conversa amistosa. Por isso mesmo não escrevemos o que vos iremos dizer, ficando assim mais livre na expressão do nosso pen­samento .

Infelizmente é algo de desagradável o assunto que nos trouxe à vossa presença: opor, a pedido do nosso grande e muito prezado Prof. Vandick da.Nóbrega, emi­nente DiJ;etor-ÇXeral deste Colégi<;>, uma -e<?ntradita a uma confer�nc�a- do Senhor Arce.}?ispo: _de O linda e Re­cife, aparecido num 9rgão de publicida�e.

Na exteriorização das suas idéias duplamente se manifesta subversivo o seu autor: contra o seu superior hierárquico, o Papa Paulo VI e contra a nossa autori­dade civiL Pois manifesta-se nesse artigo o Arcebispo como; simpatizante de idéias comunistas-marxistas. Ora, no atinente aos seus superiores eclesiásticos, não só ao·.�ant� Padre Paulo VI, càmo aos Pontífices que o

antecederam,. é·formal a condenação do comunismo ma­terialist� e ateu, sob qualqu�:c forma, que se manifeste. Permitam-nos indicar-vos aqui algumas dessas condena-:-

-çoes.

Leão XIII diz do comunismo, que é ·"uma peste mo­ral, que atáca a medula''mesma da espécie humana, com o fito-·cte·:anfqúilá�ra� haüct praetermi�'imus ·zethijeram pestem, qüáe·per artu$.in�i11iós humanae soc{etatis ser­pit eaftüjue. in: · eJ;tfeinu.m dtscrimen adducit - Enc. Quod apostolici de�2'8'/f2/1878 .. -

·

"i�_• ' I

Pio XI, na alocução .ao mundo inteiro de 10/12/24; na encíclica Miserentissimus Redemptôf de 8/5/28: na encíclica de Pio XI Quadragesimo anno de 15/5/31; na

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encíclica Oaritate Christi de 3/5/32; na encíclica Acerba I

animi de 29/10/22; na encíclica Dilectissima nobis de 3/6/33, e sobretudo na encíclica Divini Redemptor·is de 19/3/37. Em 1949, sob o pontificado de Pio XII, um de­creto do Santo Ofício tomava medidas disciplinares con­tra católicos que praticavam certos atos em relação com o comunismo. Na encíclica Divini Redemptoris se lê: "o comunismo é por natureza anti-religioso e considera a religião ópio do povo, porque os princípios religiosos re­ferentes à vida de além túmulo impedem o proletário de buscar, nesta terra, a religião do paraíso soviético".

Ora, o senhor arcebispo de Olinda e Recife manifesta-se em rebeldia subversiva contra a dou­trina da Igreja e dos Pontífices tanto passados como o atual, que condenam abertamente, ·como aca­bamos de demonstrar, o comunismo materialista e ateu. E isso se colhe pela simpatia incisiva pelo marxismo, como ressuma de todo o artigo da referida tevi�ta'. E essa simpatia vai a ponto de querer uma efetiva cola­boração entre o comunismo materialista de Marx. e a filosofia de Santo Tomás de Aquino. Referindo-se aos festejos realizados pela Universidade de Chicago (onde fez uma conferência cujo transunto está no referido artigo) para comemorar o sétimo centenário da morte do Doutor Angélico, chega a escrever o seguinte: "Já que (note-se expressão depreciativa já que e· logo no iní­cio do artigo já havia dito, com mesmo pouco caso: A primeira v'ista não é fácil entender e aceitar que nos Estados Unidos, em ple1i"o· século XX, a Universidade de ChicagO' u gaste· tempo'� (o grifo é nosso) para comemo­rar o 7.0 centenário da morte de Santo Tomás de Aqui­no)". Acha portanto que já. não vale a pena estar a gen­te a perder tempo" ocupando-se com o pensamento do mestre medieval. E entretanto logo a seguir, na seqüên­cia do período se contradiz, dizendo: "No entanto vossa Universidade tem razão: Santo Tomás tem lições imo:-

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portantíssimas a transferir aos homens de hoje e aos homens de todos os tempos". Destrói na segunda parte do período o que afirmava na primeira! Tal é o homem.

A sua simpatia pelo comunismo materialista de Marx toma-o, o irrequieto arcebispo nordestino, tam­bém subversivo contra o governo de nossa Pátria, que é aberta e declaradamente anticomunista, como se sabe.

O artigo, depois de uma tiraQ.a semi-lírica das mi­sérias do mundo presente, concernente à má distribui­ção �as riquezas e dos bens materiais (o que não é no­vidade para ninguém ... ) desfecha nisto: "temos o di­reito de sugerir-lhe (à Univ. de Chicago) que como a melhor das maneiras de comemorar o centenário do autor da Suma Teológica e da Suma contra os gentios, tente fazer, hoje, com Karl Max o que Santo Tomás fez com Aristóteles" Ora o que foi que Santo Tomás fez com Aristóteles? Aqui o engano do arcebispo semi­marxista é total. Pensa ele que Santo Tomás "não teve medo" (como se em filosofia se pudesse falar em medo: ) "teve a coragem" (em filosofia não há cora­gem nem falta de coragem! ) de lidar com Aristóteles, considerado em seu tempo (seu de quem? de Aristóte­les? ... de Santo Tomás? ... ) "como um pagão, um pen­sador perigoso" (estranha linguagem: em filosofia não há perigos e nem são os filósofos, uns perigosos e ou­tros "não perigosos"), "amaldiçoado" {por quem? ... ). Santo Tomás foi um "corajoso" (para usar a expressão arcebispal) porque teses fundamentais do pensamento aristotélico contraditavam pontos essenciais do Cristia­nismo" - Aqui, na linguagem do artigo, pululam as inexatidões, resultantes ou da má-fé ou da ignorân­cia. Para não nos alongarmos demasiado enumeran1os resumidamente.

1 - Santo Tomás é teólogo antes de tudo; basta ver o esquema da Summa Theologica, a mais importante de suas obras, para nos convencermos da nossa afirma­ção. Como teólogo, a sua intenção é expor o dogma, fun-

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dado na Revelação. Ora, tal não faz, é claro, sem racioci­nar. Não que Santo Tomás queira erigir o dogma em um conjunto de ensinamen� racionais; longe � . O que ele pretende é servir-sé de princípios füosóficos que o ajudem a ·esclarecer a dogmática cristã. Para isso ser­viu-se de verdades filosóficas, não só de· Aristóteles, mas ainda de Platão, de Santo Agostinho e até de filósofos árabes (p. Ex. Avicena) e judeus (p. ex. Moisés Mai.­mônides). Quanto a Aristóteles (de que ele muito se

serviu) é cheio de inexatidões o chamar-lhe o arcebispo um "pagão" (que queria ele que Aristóteles fosse? ... ), um "materialista?"; como poderia Aristóteles deixar de cair em certos erros - como p. ex. a matéria eterna e outros dos quais só a R�velação poderia tê-lo livrado? Pois hoje não vemos Marx, o predileto do arcebispo em plena Revelação cristã, afirmar-se brutalmente ma­terialista? Aliás, a teoria do conhecimento, entre muitos ensinamentos de Aristóteles, nada tem de materiali�­mo. O articulista acoima Aristóteles de "pensador peri­goso e maldiçoado" Engraçado! quais os perigos que há no estagirita? ... Quem o "amaldiçoou"? Algum Papa? Também não sabemos em que se apóia o ar­ticulista para afirmar que Santo Tomás enfrentou "combates terríveis e maldições''. Maldições- de novo - de quem? Que houve lutas é certo, &em nada de "combates terríveis"; oposições sempre as haverá entre pensadores adeptos de sistemas filosóficos diversos, sem nenhumas "terribilidades" Tomás envidou todos os es­forços pela verdade, "que andava", segundo parece, "pri­sioneira e até enlouquecida": Já se viu tal coisa! A ver­dade "presa e\louca'": Hoje, articula o autor, "não fal­tam pensadores que representam desafios (o grifo é nosso) , no gênero de Aristóteles... olhem só: Aristóteles metido em "desafios" ... Marx também desafia "porque é materialista, ateísta militante, agitador, subversivo, anti-cristão". Ainda bem que o eclesiástico nordestino o proclama. � se felicita, porque hoje "a Igreja não tem mais poperes contra os hereges e os anti-cristãos"

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Já não há a inquisição, nem já o Santo Ofício con­dena obras anti-religiosas e anti -cristãs.

Liberdade completa dentro da Igreja! Cada bispo é senhor soberano d_entro de sua diocese, onde nem mesmo é obrigado a p_ermanecer continuadamente; pe­queno Papa, pode sair a correr o mundo como um na­babo sem levar em conta o elevado preço das viagens. Mas não condenem esses prelados itinerantes: ora aqui, ora acolá, falando; conferenciando, democrati­zando, marxistizando ... São apóstolos, receberam do alto a graça do apostolado, angariando, nos quatro ven­tos do mundo, auxílio para os indigentes de regiões de­soladas das suas dioceses, que continuam sempre cada vez mais· pobres . . � Mas tenham confiança, porque o prelado viajante não os esquece ... , administrantes, lá diz São Paulo, sicut boni dispensatores multiformes gra­tiae dei !Vias nas suas andanças tais pontífices I em­bram -se sempre de uma possível aliança de Santo To­más com Marx. No tomismo descobrem - como em Marx - uma direita e uma esquerda, que os tomistas até agora ignoram. "Para a direita, observa o ínclito eclesiástico, Tomás era um traidor de Cristo e da Igre­já. Para a esquerda. era um tímido, que parava no meio do caminho po� preconceitos e por medo da Igre­ja" . Viram? ... Novidade essa que sem dúvida será in­troduzida nas futuras histórias da filosofia medieval..· Compreende-se pois que São Boaventura ditasse acursos contra Santo Tomás" I Por certo esse grande e santo teólogo, amigo íntimo e inseparável de Tomás era·-.. . "da direita" e andava de candeia às avessas com seu amigo.

Não'· se saóia desse antagonismo ; descoberta valio­sa que alterará pará o futuro a exposição da teologia �de Boaventura . . . Se E. Gilson tivesse sabido, ele qu� escreveu um 'grosso volume sobre S. Boaventura . . .

� \.. .

A-cha .o articulista que os erros de Aristóteles s_ã.e '�conseqüência de insegurança no uso da razão" ;·-mas·

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que "a visão ·aristotélica da· realidade dava para assus­tar (o grifo é nosso) sem·contat" na impropriedade da expressãó-: "assuslar"; quem?, Más enfim�Santo Tomás longe de assustar-se "apanhou os princípios de Aris­tóteles (tão inseguros . . . ) aprofundou-os e supe­rou-os .. .' -."Diàrite ae Aristóteles, Tomás není tomou a posiÇão ·de desconfiança impotente, nem de adesão ir­respon.sá vel e desmedida"; não se assustou·. . . E faz o autor um ligeiro apanhado cheio de inexatidões do aris­totelismo para afinal chegar a Marx que' também, como Aristóteles dá para assustar. . .

·

Sem dúvida o prelado é assustadiço . . . ; e Marx com o seu ateísmo radical" aflige (grifo é nosso) os fi­lósofos_ ·criStãos" '�pesar de haver verdade a redesco­brir e:-a valorizar rio"·marxismo, não obstante considerar a religião '"c·omo forÇa alienada e alienante'·'; mas não há lugar para ''sustos", porque "há pontos do sistema de Marx que sã:o ver�ades cr1stãs"; .porque o·marxismo ''parece intrinsecamente anti.;;.religivso e anticristão"; parece, mas não é, pois "o próprio ·método marxista de prax-is foi vivido, por antecipaçâo, por Santo Tomás"; vi­ram?! Pois já antes de Marx, Santo Tomás era marxis­ta ... De tudo isso (e ainda de outras inexatidões de que pulula o artigo em apreço) conclui o homem que "já que" (note-se o tom depreciativo como já observam) já que a Universidade de Chicago assumiu a responsabili­da�e de festejar o 7.0 centenário de Santo Tomás de t\q�jnq, t�mos o direito de sugerir-lhe que, com a me­lhot' das maneiras de comemorar o Centenário do Autor da Suma Teológica e dá "Suma contra os gentios", a

Univ�rsiq�çl,� te.nte fazer, hoje, com Karl l\4arx, o que Sài)tq Toq1ás fez com Aristóteles". Ora, o que foi que San.to Tomã.s fez com Aristóteles? Detenhamo-nos neste '' ' ' .. , I ' � r·�. I ' : r " • • '

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porito e vej�fn:Õs Si; .é po�sível conciliar· o Aquinense com o materialista· Karl Marx.

Santo· TomáS é· ·antes de tudo teologo; mas para explicar o ·-dj)gllla tinhàrheée·ssídatlé dé �récor�� "·a argu­mentos de·· natureza rfilosófica,· e·, esses argumentos ele

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os estribou em várias doutrinas de Aristóteles, que se prestavam, pelo bom senso que as caracteriza, à sua intenção; mas não tinha ele nenhum fito de cristianizar a filosofia do estagirita como pensa o articulista.

Santo Tomás teólogo é filósofo per accidens, como poderíamos dizer; e há mesmo grave risco de, separan­do o pensamento filosófico da sua teologia, falseá-lo na suaaplicação à teologia . E Gilson pôs isso bem em evi­dência quando tratou da noção de Philosophie Chréti­

enne.

Aliás, como já assinalamos, Santo Tomás não se

apóia em Aristóteles, mas ainda em Santo Agostinho, nos árabes Avicena e Averróis e no judeu Moisés Mai­mônides. É pois uma idéia muito falsa a de supor que Sant.o Tomás cristianizava a Aristóteles. Mas, suposta essa errônea afirmação, pretende o conferencista de Chi­cago que se cristianize, ou melhor que se tomistize (di­gamos assim) Marx. Isso é o mesmo que querer um

círculo quadrado, porque, no tomismo, não há lugar para filosofia que lhe é diametralmente oposta. Pois, ao passo que o tomismo é por essência espiritualista e cris­tão, Marx é materialista ateu. Como encaixar num to­mismo o pensamento marxista que lhe é totalmente oposto? Senão vejamos.

Para o comunismo, marxista, leninista ou_ sob qual­quer forma, que se manifeste, adverte a encíclica Di­vini Redemptoris, que só há uma realidade, a matéria com suas forças cegas: a planta· o animal, o homem, !"e&ultados da sua fatal evolução. A sociedade outra coisa não é senão uma aparincia ou uma forma da ma­téria que evolve segundo suas leis próprias; por uma necessidade inelutável ela tende, através de um perpé­tuo. conflito de forças, para a síntese final: uma socie­dade sem classes (cf. a excelente obra de Jean Ives Cal­vez, La Pensée de Karl Marx. Paris, Éditions du Seuil, 1956, págs. 584-5). Assim, não há, evidentemente, Deus, nem criação, nem ordem divina do mundo: s6 há a ma-

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téria eterna. Basta isso para se concluir a impossibili­dade visceral de um tal monstruoso sistema ter en­tendimento com o tomismo. O fato de encontrarmos em Marx certas e ocasionais afirmações de algumas ver­dades de puro bom senso cristão, em nada infirma o que acabamos de diz er. Vejamos, pois, para pôr em evi­dência a oposição radical entre essas duas atividades d� pensamento, uma rápida síntese do pensamento to­mista.

A matéria, elemento puramente passivo, não é eter­na como pretende Marx; mas que o mundo começou, começando com ele o tempo, não o sabemos senão pela fé.

Mundum non semper juisse sola jide tenetur, et demonstrative probari non potest (S. Th. I. 46, a, 2, c. ) Não devemos recorrer ao modo de falar errôneo e sem sentido, que Deus "criou o mundo do nada", pois, do nada nada se faz. A expressão correta é: Deus, eterno, cria eternamente o mundo; o que não significa seja a matéria eterna. Deus é o criador do mundo e o gover­na. O governo divino do mundo é o ao que Santo Tomás chama a lex aeterna, a lei eterna que ele assim definê: lex aeterna nihil aliud est quam ratio divinae sapientiae, secundum quod est directio omnium actuum et motio­num (Ia IIae p. XCII a. I c�· f).

Da lex aeterna deriva a lei natural ou o direito na­tural, que não é mais que uma participação da lei eter­na pela criatura racional: participatio legis aeternae in rationali creatura lex naturalis dicitur (S. Th. 1. 2 g. 1. 2 . c o ) o Ora como é possível inserir estas noções, que são fundamentais no tomismo, numa doutrina que, sendo por essência materialista, exclui, não só Deus,

'

mas qualquer conceito de uma lei espiritual a que o uni-verso, material e humano está sujeito?

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Mas .não é só, .o_ .. as.pecto anti-divino do marxismo; no comunismo de Marx não há lugar para as noções de propriedade e de família.

A PROPRIEDADE PRIVADA - A leitura menos ; f

atenta de alguns ltW;ares isolados da obra de Santo To-más poderia conduzir à conclusão, que ele não admite a propriedade privada dos bens materiais como institui­ção de direito natural. Mas um exame aprofundado le­vará ao contrário.

Em síntese, a questão pode resolver-se do modo se­guinte . Consideradas as coisas materiais em si mesmas e absolutamente, na própria essência delas, não sendo criação nem feitura do homem e, portanto, não man­tendo com ele qualquer adequação natural, nenhuma razão há de pertencerem antes a um que a outro. Que direito assiste a um, com exclusão de outro,' de se apro­priar de um campo e dizer�: é meu? Debaixo· desta razão, pois, não podemos· corisidérar de direito nàtural a pro­priedade privada. d�s- bens deste munÇio : sec'lj,ridum ius

,. t .. " ' . ' . � �-� ... A naturale rton est distinctio possessionum·.- -Todos _tem,

. . .. , r- A • -· , 1ndistintament�,. direito ao uso deles; a· comu:{lidaq� dos bens é á postúlàda pelo dir�ito ·natural .. �q�él�,. _pqis, que em imin��t� perigo de vida, � apód�r�s� .manifes-

• \ •i>�"(. ' I • ·.. ' ... \

ta. ou ocultamente de coisas a:tpe�as, ,CQin,G ,supremo e único meio de salvação, não cometeríã. ·furto 'nem roubo - nec '4oc proprie habet t:ationetn jurti vel ra­pinae. A n�essid�e coqstitui ·nos.so:o de·.que nos apro­priamQs para.

·manutenção da -vida·-.. � E nisso o homem

procede �QllÍ.O:·qualqu.et�·a:tÍimal ·irracional. Ora, é pre­cisamente · � · ea..mwUdade· .de :natureza;� .que. o assimila

. .

ao bruto, o· fun_d�!Jlento�.do ._direite: na.t;ural � quiJd, �na .. tura otnnia antmal� docUit·;; E�_Santo:Tmnárço�lui: quanto ao uso das coisas .-exteriores· o:-. homem não as deve possUir como -próprias, mas, como· co�uns: 1&0ft

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debet homo habere res· exteriores ut proprias, sed ut communes1•

Mas, adverte, a comunidade de bens o direito na­tural a institui antes de modo negativo, que positiva­mente: não dita que tudo deva ser possuído em comum

e nada em particular; mas, não introduzindo discrimi--nações de propriedades, deixa-as ao uso comum . A co­munidade de bens é natural, ·no mesmo sentido em que dizemos ser o homem nu, por natureza, porque esta não instituiu o vestuário, invento da civilização e da arte. É natural ainda, como o é a liberdade: a natureza não consagrou a escravidão, contrária à liberdade, nem a

propriedade particular, contrária à com unidade de bens.

A propriedade privada não é, assim, contrária ao direito natural-non est contra ius naturale, mas não tendo sido instituída por ele, s6 o·pode ter sido pelo di­reito positivo�secundum huinanum conditu;ni, ... . quod pertinet ad ius positivum. Só este· justifica o· poder de aquisição e de disposição, que o homem tem sobre as causas materiais. Pois considerado um campo em si mes�o, não há razão para ser propriedade de um, com exclusão de· outro; mas, quanto à oportunidade de cul­tivá-lo e ao seu uso pacífico, haverá certa razão propo.rcional de pertencer a este e não àqueÍe' .- secun­dum hoc habet quamdam commensurati,oncm ad hoc quod sit unius et non alter{us. � é funç�o do direito posit�vo - per ad�nve�tionem ratjonis humanae - es­tabelecer essa commensuratio, verdadeiro acréscimo fei­to ao d�r��t.o nattiral .. -. iuri naturáli superadditur •.

Tiustraç.ão ao que já· dissemos,_ quando, tratando do di­reito natur�l, explicamos como' Santo Tomás, com admi­rável senso da realidade, admite-lhe variações já pol'

(1) Tudo o que ficd afirmado se funda nos lugares seguintes, con­forme a ordem da exposição supra: S. Th. 2.2. 66. 1. c; 2.2.57. 3.c; 2. 2. 66. 2. c e ad lum, .ad 2um.; Poltt. U lect 4 e 8; S. Th., 2. 2. 88. 7. c. e ad lum.; 2. 86. 2. c.

(2) S. Th., 1. 2. 94. 5. ad Imo..; 2.2. 86. 2. c.; .2. 2. 57. 3. c.

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subtração, já por acréscimo. Este último é comparável, em relação à lei natural, ao vestuário, em relação à nu­dez primitiva.

Quando porém Santo Tomás se refere à proprie­dade privada como instituição da convenção humana - humanum condictum, i. é. do direito positivo, não é o direito civil, no sentido do direito romano, que tem em vista, mas o direito das gentes, ius gentium, na acep­ção de Gaio. Pois, conforme já elucidámos, considera o ius gentium e o ius civile subdivisões do ius positi­vum'

Ora, o ius gentium se diferencia do ius naturale, se­gundo vimos, por ser este na expressão do jurisconsulto romano, aceita por Santo Tomás, omnibus animalibus commune; e aquele solis hominibus inter se. O ius gentium é, como também já o sabemos, o direito natural especificamente humano: quod naturalis ratio inter omnes homines constituit, diz Gaio.

Ora, para Santo Tomás o direito das gentes, con­fonne deixamos explanado, deriva por umas quase con­clusões, do direito natural. Isto é, por via de compara­ção, cousa de que o animal é incapaz. Por onde, a pro­priedade privada, ius procurandi et dispensandi, e não a comunidade de bens, é que é de direito positivo, em­bora, imediatamente, de direito natural. Nem há mis­ter qualquer especial instituição do legislador, non in­diget ali'qua speciale institutione, porque as institui­ções do direito das gentes, ea quae sunt iuris gentium, é a própria razão natural que as dita - ipsa naturalis ratio ea institut 4• Lesam, portanto, um direito natural humano toc;las as legislações que suprimem a proprie­dade privada.

(3) S. Th., 1.2.95. 4. c.: dl.tdttur lua postttvum In lua PD­tlum et lUB clvlle, secundum duoa modoa qUlbua aUquld derln.tur a lege naturae. ·

(4) 8. Th., 2. 2. 57. S. ad 3um.

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TOMISMO INCOIIP,f.TtVBL COM O MARXISMO 33

Mas isto não 'impede consideremos as couaaa ma­

teriais como, de certo modo, de uso comum - quod /ill/t&t communes aliquo modo quantum ad usum. O exemplo da extrema necessidade, supra aduzido, bem o fará com­preender. Determinar outros casos semelhantes per­tence à providência do bom legislador - 1uJc pertinet providentiam bani legi8latoris •.

/

Como se poderá conciliar tudo isto cqm a eliminação completa da propriedade privada, esse direito inaliená­vel do homem, imprescindível à sua vida sobre a terra, impedindo usufrua o fruto .do seu trabalho? para nos referirmos unicamente a esse justo título da proprie­dade. Talvez o ínclito arcebispo nordestino no-�o possa explicar e estabelecer um diálogo marxista-tomista.

Da negação da propriedade privada resulta por via de inevitável consequência a destruição �família. Senão atente o leitor à doutrina tomista.

A ORGANIZAÇAO DA F AMILIA: - O matrimônio dará lugar a um$ segunda aplicação da teoria tomista do direito natural. �Duas questões relativas a ele se im­põem ao nosso exame: se é de direito natural; se de�e ser monogâmico, poliândrico ou poligâmico.

(5) Cf. S. Th. me. e Suppl. 65. ad 4um. Polit. 4 - ct sobre toda esta matéria: LOTI'IN: Lol morale etc; id., pgs. 45. 57 CATHREIN, Moralphilosophie, n pg. 17 e segs; DEPLOIGE COsflet ...

355-8. Adverte DEPLOIOE muito a propósito que na sua preferência pela propriedade privada, ao comunismo dos bens, ce qui est essenttel 4 retenir, c'esl d'abord que satnt THOMAS ne se prononce en tavear d'un régi� économtque qu'à raison de ses avantages à la méthode 'observatton (grifo é nosso). Boa refutação do comunismo de bens, em Polftic. IIlect 2, 3; Zect. 4.,:1!: interessante o seguinte lugar na Summa. Theologica (Ifl., 9. 98 1:... ad 3um, subordinado à epígrafe: Utrum in statu fnnocenttae fuisset generatw): ad tertfum dicendum quod in sata statu tsto, màltfpZicatts ãominf.s, necesse est ttert devtaWnem ut Phtlosophus dicit tn 2 Poltt, caJ). 3. Sed tn statu tnnocenttae ju.issent voluntates hominum sfc ordinatae, quod absque omnt pertcuzo dtscordia.e oommuntter Uri jVJissent, secundum quod untcut­que eorum competeret, rebus quoe eorum domtnio subdebclntur, cum hoc ettGm modo apud multGi bonos vtroa C?bsenatur.

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O matrimônio é, antes de tudo, de direito naturál, strictissimo modo, no sentido de Ulpiano - quod omnia animalia docuit '. Mas além disso, no sentido ple­no da expressão, é de direito natural humaho, pois se o homem é um animal politico, mais verdadeiramente ainda poderíamos denominá-lo animal conjugal7• A sociedade doméstica é a primeira onde se encontra, e é por isso anterior à sociedade civil, e mais necessária que esta 8•

r Mas como, no sentido humano, lex naturalis est aliquid per rationem constitutump, e o homem tem uma inclinação natural a proceder racionalmente -

naturalis inclinatio cuilibet homini ad hoc quod agat secundum rationem 10, conforme já vimos, busca á. socie­dade conjugal, não somente por um ato instintivo, mas ainda refletido. E a esta luz o matrimônio é de direito na­tural humano: et hoc modo matrimonium est naturale

I

(6) Polit. I 1: Inventtur aliquid in hom�ne quod'est commune et et 4Zfts et hutus e8t #merare. Hoc compettt ei secundum ratfonem com munem stb!i et antmaltbus et et'iam plantis. - s. 'i'h. lllea Suppl .. communem siõt et antmalibus et etfam plantis. - S. Th.lllea Suppl .. natura hoc animalfa docutt. - :1 a segunda das lncllnações naturais ao homem a que visa a conservação da espécie: Secundo tnest homtni tncztnatfo cut altqua magi8 speciali4 secundum hoc dicuntur et esse nctturaU quae natura omnw animalia d.Ocuit, ut est comtctio marlJB et teminae et educatfo ltberoru.m est simüia. - s. Th., 1. 2. 94. 2 .

Ct. ainda: Id. 3ae. sup. 65. 1; EthJic. vm, 12; $ent. IV, d. 33. 9. 1. a 1.

(7) Ethic., Vttl, 12: Homo est animal naturaliter politicum; et multo magia est in natura hominf-8 q1.10d. 8it animal conjugctle.

(8) Id . fb. : sooietas domestica est prior. quam societas civUts. Est etiam magis necessaria quta societCZ�s domesttca ordinatum a4 actus necess4rios vitae, 18'fcflfcet generatfonem et nutrttionem.

(9) S. T�. 1. 2. 94. 1. I

(10) Id. ib., 94. 3. �. interessante o -segundo lugar da Summa 'l'heologica {ll�to, p. 98 a. 1 ad 3um. subordinado à epigrafe: Utrum f1r. statu. tnnocenttae /'fl.isset genercttúJ): Ad tertium dfcendum quod tn ttatu. tsto, multtpUcatis d.omints, nece&se est !feri diV'tsionem posses­atonum; quia commun#as possess1oni.s e est occ481o cltscorttii;Je, ut P1&1í148ophus, dfctt tn 2 Polit." �ap. 3. Sed stcr.tu innocentia.e t�ent

Ent4tes homlnum Bic ordlnattJe, tl1UHf ablque omni perlculD tUscor­

. ...... oommunft� usi fuluent, secundf.i.m quod unfcufque eorum com­. , rebus quae eorum domtnium subdebantur, · cum hoc ettcJm

modo ��� ..muztôs bónos �ríls observetut;.

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TOMISMO INCOMPAT1VEL COM O MARXISMO 35

quia rtit-io tuiturali& ad ipsum inclinat 11• Incliilaçid eS­�Ífica da ·naturezà htrmana, diStinta assim da pti­

meira, puramente animal e genérica 12•

Tem duplo fim: um principal - a procriação e a

educação, o bem da prole, educatio, bonum prolis; ou­tro secundário- a sociedade conjugal,viri ad mulierem associatio u. Procriação, educação �os filhos, sociedade conjugal- tal é a tríplice finalidade imposta pela na­tureza. ao matrimônio. A primeira:, totalmente comum ao homem e aos animais; a segunda, enquanto criação, também participa dessa comunidadé; mas já como educação é, com a terceira, especificamente humana 14•

J Como se coordenará isto com a doutrina marxista?

- Destruição da família, negação da propriedade privada, a luta de classes, base da ditadura absoluta do proletariado, como todas essas aberrações do marxismo poderão enxertar-se no monolito espiritualista do to­

mismo, de que tocamos aqui apenas em alguns pontos fundamentais?

Sobre a questão social e as vindicações da classe operária, nada há de bQm o marxismo comunista que

--·---

(11) 3ae. sup'. 41. 1. c.

(12) Id. ib., ad 1um.

(13) Id. tb. c. - Ethtc. vm, 12: amricitta contugalis tn hom4-ntbus � solum est naturalis sicut 'in alifs animaltõus� utpote or­dfnata a4 opus na.turae quoã est generatw� seã etiam est eco­monica, utpote ordinata, ad Ofl'ltB naturae quod generatw, ser etfttm eit econom.icti, utpote ardinatia ad suffi,ctentfam vUae domesttcae -

s. Th. 3ae. sup. 41. e. : matrimonium ut naturale. . . primo quczn­f:lml. a4 prlncif'� efus finem. qui· est bonum proZis. Nem �tm tt�ten­dU natura solum generatfonem prOlfs, sed dfam traducHonem etPro­motfonem üs'crue ,. pdlectum status. . . ,ecundO, quontum dd aecun­dtuium finem matrtmonti� qu� est mutuu.m obsequiu li!M G comugt� bu8 in rebus � lmpenns. - Cf. Id., 1b., 61 1 e 85; za,., 49 21; In P,.ole non .duM tntellltjttur ptocreaffo prolts, sed etiam educo� t1o tpsifl48 . tb' 59 . 2 - lb . 1 . 98. � �

_(14) wnt . . 3ae. 8up. 88. 1: Jrl4trtmonium lutbet pro ttne secun­darto .tn ho?itmtbu.s JOJiB commu� operum qua.e sunt/ ne-tfo ipnu., 1b 59. 2,- lb. 1. 98. 1. ·

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38 ALE�DRE CORREIA

já não tenha sido ensinado o magistério da Igreja. De­masiado longo seria expor agora o que os Sumos Pon­tffices teriam ensinado em inúmeras encíclicas. Aqui nos cingimos apenas à imortal encíclica de Leão xm sobre a condição dos operários, a magistral Rerum 00-varum; de 1891; citamos o texto da tradução portuguesa publicada em S. Paulo em 1932 pelas Escolas Profissio­nais Salesijlnas.

Começa o Pontífice por expor como. as transforma­ções sociais dos últimos séculos que tiveram repercus­são profunda na ordem econômica onde a alteração das relações entre operáriQS e patrões, a afluência das ri­quezas nas mãos de um pequeno número ao -lado da indigência da multidão .. . sem falar na corrupção dos costumes, tudo isso deu em resultado um terrível con­flito; e, pouco a pouco os trabalhadores isolados e sem defesa, têm-se visto com o decorrer do tempo, entre­gues à mercê de senhores e à cobiça de uma concorrên­cia desenfreada . . . Uma usura voraz veio agravar ainda o mal de homens ávidos de ganância e �uma insaciá­vel ambição . A riaueza concentrada nas mãos de um pequeno número de ricos e de opulentos impõe "um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários'·'

Os socialistas - cqmunistas - marxistas preten­dem a abolição de todas as propriedades privadas, tor!. nadas comuns, como remédio às injustiças sociais que vitimam o proletariado. Ora, semelhante teoria, longe de auxiliar, prejudicaria, posta em prática, o operariado por ser sumamente injusta, por violar_ os direitos legí­timos dos proprietários vicia as funções do Estado e tende a subverter completamente o edifício social. Teo­ria falsa, como é fácil compreender, por desconhecer o trabalho como fonte do direito de propriedade; pois o operário usa o fim imediato de possuir como próprio o resultado de seu trabalho - um bem imóvel - um ter­reno, uma casa, ou um .bem móvel, que lhe torne possí­vel uma vida humana e digna. Não vê, ou. não quer ver

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TOMISMO INCOYPATfVEL COII O MARXISMO 3'1

o marxismo, que neg8ndo a propried�e p�vada a pretexto de qtJe tudo é de tódos (já vimos antes eomo Santo Tomás responde a esse desvario mental), despoja o homem do fruto do seu trabalho. "Ora pergunta a encíclica que vamos analisando - a justiça sofreria que um estranho viesse então atribuir-se esta terrà ba­I)hada pelo suor de quem a cultivou?"- Assim, o di­reito de propriedade, como já o vimos em Santo Tomás, se funda proximamente na lei civil que, por sua vez, se radica na lei natural e esta na eterna, cou� todas essas que colidem diametralmente com o marxismo materia­lista. Destruindo a propriedade uri_vada. do� bP.n� mate­riais, o marxismo comunista logic.amente, destrói tam­bém a família, como já deixamos assinalado.

Ensina, além disso, o marxismo como condição es­pecial para seu triunfo a desbragada luta de classe.s, produto aliás do materialismo-ateu.

O erro capital na questão presente, continua a en­cíclica "é julgar que os ricos e os pobres são classes des­tinadas a se digladiarem mutuamente". A essa Obser­vação opõe a verdade de simples bom senso: a da har­monia e a coadjuvação das duy classes- o patrão e o operário. "Elas têm \imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho ne� tra­balho sem capital. E a Igreja, com toda a economia das verdades religiosas, de que é guarda e intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres lembrando-lhes os seus deveres próprios e, princlp�­mente os derivados .da justiça. O operário deve forne­cer integral e fielmente todo o trabalho a que livremen­te se obriga, não devendo lesar o patrão nem nos seus bens nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de vio�cia. "Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respei­tar nele a qignldade de homem realçada ainda pela a de cristão: é pois desumano usar do operário como vil instrumento de lucro. O dever primordial do patrão é

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38 AL�lCANDRlt CORR�U.

d8.1" a cada um dos sens operários· um salário adequadq à jU$ta remuneração do trabalho prestado. ''De maneira geral não esqueçà o rico p�trão que explorar a pobres: �- • ,miséria e 'especular com a indigência sãO coisas ig\lalrp�n� :r�provadas pelas leis divinas e humanas" Deve �bster-se de toda manobra usur�ia que atenta CQn�ra � e<;onomia do pobre. Ri�os e pobres, segundo � 4��t�a <la �greja, não somente·devem entender-se, mas 1mir-se por mútuas relações e amizades. A ·luta de claSses proclamada pelo marxistno é uma aberração, nem é possív�l énxertar esse grito de guerra no corpo da filosOfia tomista, essencialme;nte pacífica, como pre­tende o prelado de Recife.

A desigualdade social resulta da natureza mesma do homem; é impossível lima utópica igualdade; mas desigualdade não é sinônimo de luta, ' deve redundar

· em beneficio de todos, pois a vida social requer um or­ganismo mui variado e funções diversas. Mas não basta a simples amizade entre patrões e operários; "se .. se obe­decer aos preceitos do cristianismo será no amor fra­terno que a união se operará; união fundada na comum filiaç�o divina de todos os homens base da fraternidade humana". A Igreja desenvolve e desenvolveu sempre grande atiyidade em tratar das almas e em proporcio­nar auxílio aos miseráveis; múltiplas instituições cris­tãs coHmam o- objetivo de dirimir a pouco e pouco até eXtingui-lo de todo, os conflitos entre ricos e prole­tários. Elfl emprega todos' os esforços em- arrancar a cla8se dos trabalhadores· à miséria e possibilitando-lhes uma sor� amena. Comprime "o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que frequentes vezes lançam a amargura e o desgosto no seio mesmo da opulência.

Al�qt disso a Igreja provê t3nlbém diretamente à "'Uci�e 4as cl�Uj&eS deser4adas �._ função de insti­�çõp próprias *" all$,1--Ule,s a �;, � �ess.e teor �·� IJQ���o fi� � ��p que Ql • pi"ÓJ}riol � �,·1Ji� "têDl dfr,d.p ��QIJ�.

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TOMISMO. INCOMPA'J'IVEL COM Q MARXISMO 2ft

Surge agora a questáp de saber-se qual qeva ser a ip�rv�pç�� t:l9 ��o �e�ta IU��ritl,

· �t��4�P4D-� ppr Estado "tpdo goveru.o qUe corresponde aos pr�eitos da razão natural e dos ensinos divinos, .ensinos que nós Ple�J�os expusemps en1 a nPSSa. Carta Enc.íclica sobre a constituição cristã das sociedades". Por onde, "entre os graves e numerosos deveres dos governantes, que que­rem prover, como convém, ao bem público, o principal dever que domina todos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as cl� de cidadãos, observando rigosamente as leis da justiça chaníada distributiva"­Ora, uma sociedade harmonicamente constitUída não pode subsistir sem, de c�rto modo, a riqueza de beJUJ exteriores; e a fonte fecunda e necessária de todos os bens é principalmente o trabalho do operário, o tra­balho dos campos ou da oficina. Mais a�da: nesta ordem de cousas, o trabalho tem tal fecundidade e efi­cácia que se pode afirmar sem receio de engano, que ele é a fonte única donde procede a riqueza das nações. A equidade manda pois que o Estado se preocupe dos

\ trabalhadores, .e proceda de modo qqe de todos os bens, que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que pos­sam viver à custa de menores penas e privações.

Donde result$, que o Estado deve favorecer tudo o que de perto ou de longe pareça de natureza a melhorar a sorte deles. Esta solicitude,. longe de prejudicar al­gqém, tornar-se-á ao con4'ário em proveito de todos, pQrque importa SQ]:)er�ente à nação que homens, que �o para ela o princípio de bens tã9 indispensáveis, não se encontrem contín�amente a b�açQS com os horrores da miséria!

:JmpQ� �'r' q�e ��o faça reinar por toda a � a·Qr4�JP �·, r•�· que tudo seja regulado segundo os· mandamentos 43 lei 4� Deus e da lei natural; que, peJá Juati�; �49 -.. ·��ÇIL '�'!'� ��� �� a outra . Seridp riecelllirio, p �o ��rrerá à f�

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40 ALEXAND�E CORREIA

contra as greves que subvertem a tranquilidade púbUea, -� impedir os patrões de esínagarem os trabaJbadores sob o peso de· ônus iníquos impondo-lhes trabalhos excessi­vos superiores ao que a idade e o sexo podem suportar. Todavia na proteção dos direitos particulares deve o Estado preocupar-se de maneira especial dos fracos e dos indigentes"

"A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de --baluarte e tem menos necessidade de tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a po­nham a coberto élas injustiças conta· principalmente com a proteção do Estado. Que o Estado se f�ça pois, sob um particularíssimo título, a providência dos traba­lhadores, q�e em geral pertencem à classe pobre." É dever do Estado garantir ao operário o repouso dorili­nical e férias fundadas em leis, num limite razoável, subtraindo o poder operário "à desumanidade de ávidos especuladores que abusam, sem nenhuma discrição das pessoas como das cousas", embrutecendo o operário pelo excesso de fadiga .

Voltando à questão do salário, combinado entre as partes, não deve pensar-se que o patrão, pagando-o, c�priu todos os seus compromissos e a mais não está obrigado; como o operário não estará obrigado senão a prestar estritamente serviço a que se obrigou. Só se as partes não cumprirem o pro�etido, então o Estado intervirá . Este modo de ver é errôneo por não encarar todos os aspectos da questão e omite um deveras impor-tante. O trabalho se apresenta sob duplo cunho: é

soal e ,por propr1e a e e quem o exerce· e nec o ao sus n o a Vl a. ra, encar o o salário: apenas_jiêlo seu iãdo pessoal�,..não há dúvi� que o ope­rário pode estabelecer a seu talento a quantia a lhe ser paga. Mas a questão 8.SS11IDe outro aspecto se, ao seu caráter pefiS08l ajuntarmos o da sua necessidade; fa­çam pois as partes os ajustes como entenderem, acima da vontade de ambos está uma lei de' justiça natural,

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TOMISIIO INCOMPATIVEL COJI O IIARXISMO 41 /

mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado". E assim, é sofrer uma vio-­lência contra a qual a justiça protesta se, pelas duras contingências da sua vida, não pode o operário deixar de aceitar as extorsivas condições impostas pelo patrão. E se em tais casos seja inoportuna, por motivos parti­culares a intervenção do Estado, o remédio preferível seria que as dificuldades inerentes ao caso fossem resol­vidas por corporações ou sindicatos, mesmo com o auxi­lio e apoio do poder público. Mas seja qual for a solução dada, a presente dificuldade não poderia ser eficazmente resolvida se se não começasse por estabelecer como princípio fundamental a inviolabilidade da propriedade particular. Importa, pois, que as leis favoreçam o espí­rito de propriedade, e o reanimem e desenvolvam tanto quanto possível entre as -massas populares . Uma vez obtido este resultado, seria ele a fonte dos mais preci­osos benefícios e, em particular, de uma repartiçãó dos bens mais eq�itativa . A violência das revoluções polí­ticas dividiu o corpo SQCial em duas partes, e cavou entre elas um abismo, de um lado a onipotência da opulência, uma facção que, senhora absoluta da indústria e do co­mércio, torce o custo das riquezas e faz correr para o seu lado todos ps mananciais; facção que aliás tem na S'Qa mão mais de um motor de administração pública. Do outro, a fraqueza da indigência : uma multidão com a alma ulcerada, sempre pronta para a desordem . Dai, as vantagens da concórdia entre patrões e operários . Antes de tudo dessa concórdia resulta a maior produ­tividade do solo trabalhado por operários que têm cada um uma parcela do mesmo, �is o homem é assim feito, que o pensamento de que trabalha em um terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação . Mas para o aumento da produção é também necessário não seja a proprtedade particular esgotada por um excesso de en�gos e de impostos; o Estado obra contra a justiça quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega desme­didamente os bens dos particulares.

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A encíclica reconhece, continuandp, que são de grand�ima vantag�m as a,9Sociações de mútuo socorro destinadas a prover à$ necessidades nos infortúnios, das viúvas e dos filhqs; igualmente, as instituições de pa­tropatos par� meninos e meninas, e de proteção para WOÇQS e veÍbos. Principalmente são recomendáveis as assOciações operárias, livremente consentidaa e que não devem ser governadas por chefes ocultos, hostis aO- nome

• - I

criStao e que - "D�pois de terem açambarcado t�das as empresas, se há operários que se recusem a entrar em seu seio, fazem-nos expiar a sua recusa pela miséria. Nem deve o Estado intrometer-se no �governo interior d� associações, desde que não colidam com a ordem públlca e a legislação vigente. Nem devemos esquecer -.. premente necessidade visada pela Igreja, de costumes cristãos de que se �evem rev�tir os operários, sem o que �os os outros recurs«?S para alcançar a desej ada coo­peração entre operários e patrões lograrão pouco ou nenhum efeito" E enfim, terminando, recomenda o Pontífice aos sacerdotes estimulem em todos, além dos deveres de justiça, os da caridade, "a rainha de todas as mais virtudes"

Tal a visão da ordem social que ressalta da imortal encíclica Rerum novarum do grande e sempre lembrado Leão XIII, o Papa por excelência da questão social .

Os Pontífices que se lhe seguiram inspiraram-se na ��m� ordem de pensamentos; por ocasião do 40.0 �­versário da encíclica Rerum novarum (15 de maio de 1931) , Pio XI renovou-lhe e completou-lhe os ensina­mentos na notável encíclica Quadragesimo anno "spbre "' :ft$tauração da ordem social, em plena conformidade com os preceitos do ·Evangelho'\· E ai se acentua a ab-101� impoasibilidade de coopera�o çom o comunismo

·, o sP,Cia]jsmo. !fão há, pois, nenhtima necessidade, p� .� ·ae�� da questão, social, de recorr�r ao marxismo -� e ateu, neJll t:le tentar, enten<Ume�to entre li�_

_ . e o �é1.1cP Dou_ tor cpm.p é ��jo do mo­�tàélo prelado· �deDJe.