agricultoras de aroeiras cultivando arte510 ceara candeeiro 1689 dramistas obas

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1689 Junho/2014 Em Aroeiras, a receptividade e o bom humor sopram pelos troncos das carnaúbas e cajueiros, como os famosos ventos do Aracati, onde a comunidade está localizada, a 27 km da sede do município. Cerca de cem famílias povoam a localidade, sendo a maioria composta por agricultoras e agricultores familiares, que plantam macaxeira, feijão, milho, mandioca e beneficiam produtos do caju. Mulheres que lideram É nesse local que vivem as dramistas. Dona Eufrásia é a líder do grupo. Dos tempos em que lecionava aos tempos atuais, dona Eufrásia, hoje com 86 anos, traz muita história pra contar. Ela nasceu na comunidade Lagoa Escondida, que fica vizinha a comunidade Aroeiras. Por trinta anos, a professora aposentada lecionou em escolas municipais, e hoje não deixa de exercer duas atividades que tanto gosta: a agricultura e o drama. Sua casa é bem arejada, resultado dos enormes cajueiros, ateiras e mangueiras que nos convidam a armar uma rede e contemplar o canto dos passarinhos misturado ao ranger do antigo armador fincado no tronco da carnaúba. Nela a gente vê de tudo: o coentro, o pimentão e a cebolinha estão no canteiro; a manga, a ata, o mamão, o abacaxi e a acerola nos arredores da casa e o feijão, a melancia e o milho no roçado, ao redor da cisterna de enxurrada. Ela também é responsável por guardar os cadernos com as composições musicais do grupo, debaixo de sete chaves. “É que a gente participa de competições de Dramistas, aí a gente não quer que os outros grupos peguem as nossas músicas, né? A gente não é nem besta!” diz sorridente a artista. Dona Maria, que também faz parte do grupo, dispara sorrindo: “As músicas eram gravadas só no chip da cabeça”. As Dramistas demonstram preocupação com o futuro do grupo. “É que a juventude não tá querendo participar. A gente tem medo que ninguém bote o grupo pra frente”, diz dona Fátima com o olhar perdido. Contando com apenas um pandeiro, tocado por seu Francisco Ciriato, de 74 anos, o grupo não desanima. “A gente vai continuar tentando trazer os jovens pra cá. A gente não pode desistir”, completou dona Fátima, com um largo sorriso. Realização Apoio Agricultoras de Aroeiras cultivando Arte “Os olhos são os primeiros que anunciam o amor” Grupo de Dramistas de Aroeiras Dona Eufrásia Aracati ‘Dançamos nos compassos Na música de cada moda Olhando este palco Virando em linda roda...’ Trexo do Bailado ‘As Bonequinhas’

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Agricultoras da comunidade de Aroeiras em Aracati Ceará fazem arte através do Drama.

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Page 1: Agricultoras de Aroeiras cultivando Arte510 ceara candeeiro 1689 dramistas obas

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1689

Junho/2014

E m A r o e i r a s , a receptividade e o bom humor sopram pelos troncos das carnaúbas e c a j u e i r o s , c o m o o s famosos ventos do Aracati, onde a comunidade está localizada, a 27 km da sede do município. Cerca de cem famílias povoam a loca l idade , sendo a maioria composta por agricultoras e agricultores familiares, que plantam macaxeira, feijão, milho, mandioca e beneficiam produtos do caju.

Mulheres que lideram

É nesse local que vivem as dramistas. Dona Eufrásia é a líder do grupo. Dos tempos em que lecionava aos tempos atuais, dona Eufrásia, hoje com 86 anos, traz muita história pra contar. Ela nasceu na comunidade Lagoa Escondida, que fica vizinha a comunidade Aroeiras. Por trinta anos, a professora aposentada lecionou em escolas municipais, e hoje não deixa de exercer duas atividades que tanto gosta: a agricultura e o drama.Sua casa é bem arejada, resultado dos enormes cajueiros, ateiras e mangueiras que nos convidam a armar uma rede e contemplar o canto dos passarinhos misturado ao ranger do antigo armador fincado no tronco da carnaúba. Nela a gente vê de tudo: o coentro, o pimentão e a cebolinha estão no canteiro; a manga, a ata, o mamão, o abacaxi e a acerola nos arredores da casa e o feijão, a melancia e o milho no roçado, ao redor da cisterna de enxurrada.

Ela também é responsável por guardar os cadernos com as composições musicais do grupo, debaixo de sete chaves. “É que a gente participa de competições de Dramistas, aí a gente não quer que os outros grupos peguem as nossas músicas, né? A gente não é nem besta!” diz sorridente a artista. Dona Maria, que também faz parte do grupo, dispara sorrindo: “As músicas eram gravadas só no chip da cabeça”.

As Dramistas demonstram preocupação com o futuro do grupo. “É que a juventude não tá querendo participar. A gente tem medo que ninguém bote o grupo pra frente”, diz dona Fátima com o olhar perdido. Contando com apenas um pandeiro, tocado por seu Francisco Ciriato, de 74 anos, o grupo não desanima. “A gente vai continuar tentando trazer os jovens pra cá. A gente não pode desistir”, completou dona Fátima, com um largo sorriso.

Realização Apoio

Agricultoras de Aroeiras cultivando Arte “Os olhos são os primeiros que anunciam o amor”

Grupo de Dramistas de Aroeiras

Dona Eufrásia

Aracati

‘Dançamos nos compassos

Na música de cada moda

Olhando este palco

Virando em linda roda...’

Trexo do Bailado ‘As Bonequinhas’

Page 2: Agricultoras de Aroeiras cultivando Arte510 ceara candeeiro 1689 dramistas obas

Articulação Semiárido Brasileiro – CearáBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Sentada à mesa que seu pai fabricou para que ela pudesse ensinar as crianças, jovens e adultos da comunidade, dona Eufrásia nos conta: “Mas não foi fácil, não. Todo o pessoal mais velho daqui foi m e u a l u n o . E u e n s i n e i o m e u marido a ler e a escrever depois de adulto”. Junto com seu Zé Maria, de 72 anos, seu marido e companheiro de luta, e la fa la da sua trajetória: “A gente sabia plantar porque nossos pais levavam a gente pro roçado pra aprender vendo. Ninguém nos ensinava a não colocar fogo no roçado, a não usar veneno. Hoje tá diferente. Tem muitos meios de não estragar a terra”. O que o casal relembra são as dificuldades com a água. “Hoje tá mais fácil conseguir um

bom plantio. Com essas cisternas, a gente tem mais t e m p o p r a aprender formas de cuidar da terra, diferente do que a gente fazia naquele tempo”, anunciou dona Eufrásia. “ Q u a n d o a s famílias aqui não tinha cisterna, dava e r a c o n f u s ã o quando o carro-pipa vinha colocar água no tanque ali do lado da casa de farinha”, afirmou a agricultora, que

lava suas roupas à sombra de um cajueiro do lado da casa. “A água já tá garantida na cisterna. Eu tenho tempo pra fazer outras coisas, e eu ainda participo do grupo de dramistas”.

É muito Drama

“Eu sou a vida força monitoraEspalho a luz pelo mundo aforaQuem me criou foi a mãe AuroraQue lá no céunos dirige agora...”

O Grupo de Dramistas de Aroeiras conta hoje com 11 mulheres e 2 homens. Dona Eufrásia está no grupo desde a década de 40, quando ainda era menina. “A gente estudava em Aracati e quando era nas férias, a gente vinha à pé pra cá. Cada Dramista fazia sua roupa e a gente ensaiava pra se apresentar

aqui nas redondezas...”Dona Fátima Lima, 60 anos - nos conta a história. “O Drama é uma espécie de teatro, só que é todo dançante, como um musical. É um tipo de arte que veio dos portugueses e está aqui desde os meus avós”. O Drama do grupo é dividido em 32 atos, e tem vários personagens como as floristas, a cigana chique, a baianinha e os matutos. O Drama pode ser apresentado em qualquer época, diferente do Pastoril, que só é apresentado na época do Natal.Sem contar com nenhum apoio, e sem acessar nenhuma política pública, o grupo ainda não tem sede própria. As roupas, cenários e adereços são guardados na casa de dona Fátima.

Trecho do Bailado dos Astros,

música cantada pelo grupo de

Dramistas de Aroeiras

Dona Eufrásia e seus ex-alunos e alunas

Dona Fátima, organizadora do Grupo de Dramista