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Universidade Lusófona do Porto O Gótico Português História da Arquitetura Luís Afonso

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  • Universidade Lusfona do Porto

    O Gtico Portugus Histria da Arquitetura

    Lus Afonso

  • O Gtico

    Portugus 1

    Universidade Lusfona do Porto

    Contedo

    1 INTRODUO ....................................................................................................................................... 3

    1.1 Objeto de estudo ....................................................................................................................... 3

    1.2 Objectivo ..................................................................................................................................... 3

    1.3 Estrutura e Metodologia ............................................................................................................ 3

    1.4 Estado de arte............................................................................................................................. 3

    2 ENQUADRAMENTO ............................................................................................................................. 4

    2.1 A Reconquista ............................................................................................................................. 4

    2.2 A definio do territrio ............................................................................................................ 5

    2.3 O repovoamento e os seus modeladores ............................................................................ 6

    2.3.1 A poltica de defesa e consolidao dos territrios reconquistados - as Ordens

    Militares 7

    2.3.2 A poltica de repovoamento e a produo arquitetnica nos territrios

    reconquistados a ordem beneditina de Cister ....................................................................... 11

    2.3.3 A arquitetura de Cister como percussora do gtico portugus ............................ 13

    3 O GTICO .......................................................................................................................................... 13

    3.1 Histria ......................................................................................................................................... 14

    3.2 Caracterizao geral .............................................................................................................. 15

    4 O GTICO EM PORTUGAL ............................................................................................................... 17

    4.1 Na Arquitetura religiosa........................................................................................................... 17

    4.2 Na Arquitetura Militar ............................................................................................................... 19

    4.2.1 A nova arquitetura militar alteraes e inovaes ............................................... 20

    4.3 Na arquitetura Civil .................................................................................................................. 25

    5 O GTICO EM PORTUGAL - CARACTERIZAO ......................................................................... 26

    5.1 Introduo ................................................................................................................................. 26

    5.2 O Gtico inicial ......................................................................................................................... 26

    5.2.1 Das Ordens Monsticas tradicionais (Sc. XI e XII) ................................................... 27

    5.2.2 O Experimentalismo de origem militar ......................................................................... 30

    5.2.3 Das Ordens Mendicantes (Sc. XIII e XIV) ................................................................... 36

    5.3 Gtico Pleno .............................................................................................................................. 40

    5.4 O Gtico Final ........................................................................................................................... 48

    5.5 O Manuelino .............................................................................................................................. 52

    6 CONCLUSO...................................................................................................................................... 53

    7 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................................... 54

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    1 INTRODUO

    1.1 Objeto de estudo

    O Presente trabalho insere-se no mbito de estudo da disciplina da Historia da Arquitetura Portuguesa e que reflete uma anlise aos vrios perodos histricos da arquitetura, numa lgica nacional.

    O nosso estudo recaiu sobre um perodo da histria da arquitetura portuguesa que coincidiu com a afirmao territorial nacional e que se refletiu nesse perodo e nessa forma de fazer arquitetura.

    Esse perodo arquitetnico que nos foi reservado foi perodo Gtico da nossa arquitetura

    1.2 Objectivo O trabalho que nos propusemos desenvolver, visa atingir todo o perodo que reflete as influncias

    Gticas na arquitetura quer Religiosa, Civil e Militar em territrio Portugus Desde o perodo da Reconquista, at ao advento dos descobrimentos onde surge o estilo Manuelino

    que aqui consideramos um estilo Tardo Gtico de caractersticas exclusivamente nacionais, fomos tentando ligar a conquista do territrio, o seu repovoamento, com os diversas matizes que caracterizaram o Gtico Nacional, e explorar a relao deste com o territrio, as suas formas de repovoamento, e as influncias que as anteriores ocupaes deste exerceram nas caractersticas prprias da arquitetura Gtica nesses locais.

    Tambm objetivvamos perceber de que forma este perodo e as suas influncias foram determinantes para a criao de uma matriz caracterizadora de um saber fazer e de um saber criador, caracterizadores e individualizadores de uma feio Portuguesa.

    1.3 Estrutura e Metodologia

    Em Termos de estruturao o trabalho assentou, numa primeira fase na contextualizao do perodo histrico arquitetnico, o Gtico, no contexto histrico do pais, isto , na realidade politica, Social e religiosa.

    Numa segunda fase identificamos os elementos modeladores desta realidade, e os introdutores e percussores do estilo arquitetnico em estudo no territrio.

    Numa terceira fase caracterizamos o estilo Gtico e suas fundamentaes ao nvel internacional e numa quarta fase caracterizamos os diferentes aspetos e manifestaes do Gtico em Portugal nas vrias vertentes de aplicao arquitetnica, a religiosa, a militar e a civil.

    Numa ltima fase fizemos uma anlise caracterizadora dos mais importantes edifcios construdos neste perodo em Portugal, segundo os seus princpios de fundamentao estilstica.

    As metodologias adotadas foram, por um lado, a reviso e anlise de literatura relevante existente referente ao tema, a recolha de informao em fontes documentais (teses, dissertaes e artigos em revistas da especialidade), assim como o recurso a bases de dados de organismos ligados preservao do patrimnio arquitetnico, bem como a outras bases de dados disponveis quer na internet, quer em bibliotecas. Esta recolha seletiva era feita de forma a enquadrar-se na estruturao definida para o objetivo definido.

    1.4 Estado de arte

    So vrios os estudos e literatura que visam especificamente o Gtico, mais os de carcter generalista e internacional e menos os de caracter regional e especifico.

    Quase todos, estudos e literatura, enquadram-se dentro da rea da Historiografia da Arte. No plano da leitura histrica, especfica sobre o gtico nacional, destacam-se algumas publicaes

    especficas, quer sobre o estudo individualizado de monumentos, quer sobre a interpretao e anlise da ao dos diferentes atores que modelaram ou influenciaram de uma forma caracterizadora o Gtico

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    nacional, entre eles podemos referir aqueles que mais influenciaram a elaborao do nosso trabalho, quer em termos de referencial terico como na definio de conceitos:

    Mrio Tavares Chic e o seu estudo analtico e especfico sobre todas as construes de carcter

    gtico, bem como sobre o Mosteiro da batalha Carlos Alberto Ferreira de Almeida e Mrio Jorge Barroca, dois historiadores de arte com inmeros

    livros, dissertaes e artigos sobre vrios aspetos da arquitetura medieval, que vo desde a anlise s ordens, quer as monsticas, quer as militares, assim como os diversos estudos sobre a arquitetura militar medieval

    Maria Cristina Pimenta, pelos vrios estudos sobre a ao das ordens militares em Portugal Jos Custdio Vieira Silva, pelos estudos esclarecidos sobre uma fase de difcil caracterizao do estilo

    gtico O Tardo-Gtico e a sua caracterizao territorial.

    2 ENQUADRAMENTO

    2.1 A Reconquista A Ibria (pennsula Ibrica) sofre, nos incios do sculo IV, uma nova invaso, desta vez de povos

    germnicos, tendo-se fixado no espao peninsular os Suevos e os Visigodos, sendo estes ltimos dominadores finais, aps absoro do reino suevo em finais do sculo VI.

    Lentamente iniciado um novo processo de assimilao, facilitado pela cristianizao destes povos, pelas unies matrimoniais e pela adoo de um cdigo legislativo que combina o direito romano e o germnico. Esta nova miscigenao no causar, porm, significativas ruturas nos costumes, na lngua e na cultura material pr-existente, que se prolongar com uma certa estabilidade.

    No sculo VIII, a Pennsula sofrera de novo a ocupao, desta vez os Muulmanos (Srios, rabes e Berberes), avanam do Norte de frica para o Continente Europeu pelo Estreito de Gibraltar.

    Em escassos anos, de 711 a 716, a Pennsula Ibrica ficar controlada e submetida ao seu poder, resistindo apenas um pequeno Cristo, nas montanhas das Astrias.

    Desde ento, e a partir dessas terras a norte, iniciar-se- a longa saga de confrontos entre cristos e os ocupantes islmicos do Centro e Sul da Pennsula. Este movimento que se veste de diversas motivaes, poltico e religiosas, e a partir do sculo IX, assume-se como uma ao de reconquista.

    Desde ento, os reis asturianos, reclamando-se herdeiros dos Godos, assumem a obrigao de retomar e libertar as terras que lhes pertenciam e haviam sido usurpadas pelos muulmanos.

    neste esprito de recuperao das terras e de poder dos cristos, que se iro formar os reinos peninsulares.

    E precisamente na passagem do sculo XI para o sculo XII, que tambm o Condado e depois reino de Portugal, alcana a sua autonomia, atingindo a sua plena identificao territorial e definio de fronteiras, apenas no sculo XIII, permeabilizando-se as suas gentes, durante esse longo perodo, ao contacto com diversos povos.

    Desde logo, ao contacto com os muulmanos, a quem disputam o territrio, depois com todos os outros que j se encontravam instalados no territrio conquistado e ainda com todos aqueles a quem tiveram de recorrer, para alm dos seus limites fronteirios Galegos, stures, Castelhanos, Francos , de modo a povoar e colonizar as terras que iam conquistando.

    Foi neste amlgama de interao cultural que se forjou a humanizao das terras peninsulares e, mais concretamente, a identificao do territrio e das gentes portucalenses. esta multidimensionalidade de relaes culturais que sobressaem s formaes polticas e s comunidades humanas dos reinos cristos, em geral, e do reino de Portugal, em particular, evidenciam as interligaes culturais entre os homens, onde os contactos assduos e variados entre os diferentes povos e culturas e onde o relacionamento da populao crist com as minorias tnico religiosas judaico e muulmana permitiu percecionar alguns conceitos de interculturalidade e multiculturalismo, que nos explicam na Arquitetura de diferentes pocas, o contributo e a caracterizao desta multiculturalidade.

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    2.2 A definio do territrio

    A definio do territrio de Portugus e a sua existncia como entidade poltica independente no Ocidente peninsular, est intimamente ligada ao processo da Reconquista (Sculos VIII-XV).

    Cronologia da reconquista crist da Pennsula Ibrica (790 - 900 - 1150 - 1300). A verde, os territrios sob domnio muulmano, a amarelo a formao do territrio portugus, outros

    tons para os reinos cristos da Pennsula (Leo, Arago, Castela, Navarra). (Fonte: disponvel em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Al-Andalus_ (french).Png

    A Reconquista Crist reflete-se na formao do condado Portucalense em 1096, quando D. Afonso

    VI separou este territrio da Galiza para o conceder ao conde D. Henrique de Borgonha, que viera para a Pennsula para ajudar na luta contra os mouros. O condado foi concedido a D. Henrique a ttulo de dote hereditrio, pelo seu casamento com D. Teresa, filha de D. Afonso VI.

    Pode-se mesmo afirmar que Portugal um produto da reconquista crist. Quer a sua autonomizao poltica, quer o alargamento territorial do reino de Portugal, resultaram da luta contra os muulmanos que dominavam a Pennsula.

    Com efeito, foram as vitrias no campo de batalha contra o Islo, que deram a D. Afonso Henriques o prestgio e a autoridade necessrios para reivindicar, junto de Castela e do Papa, o direito de usar o ttulo de rei e ser aceite como soberano pelos seus sbditos.

    Foi ainda o sucesso militar que lhe permitiu obter um territrio suficientemente amplo para viabilizar a existncia de Portugal como reino independente. Alargando a sua fronteira para sul at linha do Tejo-Sado, Afonso Henriques conquista a cidade de Santarm em 1147. Esta Conquista abre caminho tomada de Lisboa, feito alcanado com a ajuda de Cruzados, em 14 de Outubro desse mesmo ano. Seguiram-se as conquistas de Sintra, Almada e Palmela, fortalezas importantes para a defesa de Lisboa, e mais tarde de Alccer do Sal (1158-1160).

    Ao mesmo tempo que se empenhavam no alargamento territorial para Sul, D. Afonso Henriques e os seus sucessores preocupavam-se tambm com o povoamento e a organizao administrativa, e econmica e social das reas conquistadas, elementos fundamentais para a consolidao das fronteiras e para a prpria sobrevivncia do Reino.

    Para atingir estes objetivos, foram concedidos inmeras cartas de Foral, criaram-se os primeiros rgos da administrao central e fizeram-se importantes doaes de terras e privilgios a Ordens religiosas e a Ordens militares.

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    A conquista por D. Afonso III, em 1249, das cidades e castelos do Algarve que ainda se encontravam nas mos dos mouros concretizava o grande objetivo de estender as fronteiras de Portugal at ao limite Sul do territrio, at ao mar.

    A definio do espao territorial portugus fica concluda em 1297 com a celebrao do Tratado de Alcanizes entre D. Dinis, de Portugal e D. Francisco IV de Castela.

    Fixava-se assim de forma praticamente definitiva, a fronteira oriental do Pas: O rei de Portugal assegurava a posse das praas tomadas na terra de Ribaca, juntamente com Olivena, Campo Maior, Ouguela e So Feliz de Galegos, assim como Moura e Serpa, j cedidas em 1295 mas no entregues, em contrapartida, desistia das suas pretenses relativamente a Aracena, Aroche, Ferreira, Esparregal e Aiamonte.

    Portugal estabelecia assim, ainda no sculo XIII, as fronteiras do seu territrio, que com pequenas alteraes posteriores, haveriam de permanecer at aos nossos dias.

    2.3 O repovoamento e os seus modeladores

    As formas de povoamento e de organizao das populaes no territrio Portugus refletem no s as caractersticas geogrficas mas tambm, as condies histricas em que se processou a definio desse mesmo territrio, concluda no sculo XIII.

    As diferenas morfolgicas e topogrficas entre as regies do Norte e do Sul, do litoral e do interior, condicionaram a forma como se processou o repovoamento populao.

    A geografia a Sul do Tejo, com a exceo a costa algarvia, era na altura, como hoje o , adversa a uma grande densidade populacional, pelo que concentrao populacional em cidades permitiu a algumas uma dimenso significativa.

    O norte e em especial a regio litoral, apresentava uma maior densidade populacional, mas os seus ncleos populacionais eram de menor dimenso e mais dispersos.

    Com efeito, no sculo XIII de norte e para sul, at ao vale do Tejo, apenas as cidades do Porto, Coimbra, Braga e Guimares apresentavam alguma dimenso para a realidade medieval. Os maiores aglomerados populacionais situavam-se a Sul, onde mantivera uma forte tradio urbana de influncias romana e muulmana e onde se destacavam, Lisboa e vora, entre outras cidades de menor dimenso, como Santarm, Elvas, Silves, Faro e Tavira.

    As condicionantes histricas resultantes da Reconquista Crist em direo ao Sul tero tido uma influncia mais marcante. A conquista e integrao destes territrios implicaram importantes movimentos e a fixao de populaes originrias do Norte, mais povoado, para as regies que iam sendo tomadas, o que veio a favorecer a coeso tnica e cultural do Pas.

    Esta tarefa de povoamento revelava-se fundamental para assegurar a defesa e promover a explorao econmica dos novos territrios, tendo sido incentivado, pelos Reis , com generosas doaes s ordens religiosas e s ordens militares, como contrapartidas pelo auxlio prestado na luta contra o Islo.

    Assim a ordem dos Templrios recebeu largos domnios na Beira Baixa e entre o Mondego e o Tejo; a dos Hospitalrios disps de terras no Alto Alentejo, Vale do Tejo e no Guadiana; a de Calatrava (depois conhecida como Avis) obteve a maior parte do Alto Alentejo; a de Santiago ficou com quase todo o Baixo Alentejo, a regio de Setbal e algumas terras no Algarve.

    Alm das ordens militares, tambm as ordens monsticas receberam importantes doaes: os Cnegos regrantes de Santo Agostinho, na zona Centro do Pas, os Cistercienses, sediados em Alcobaa, tambm no centro e na regio beir.

    Reis e Senhores (nobres e eclesisticos) concederam cartas de foral s vilas e cidades de Portugal, documentos de diversos que, definiam determinados conjunto de liberdades individuais e coletivas, formas de autogoverno e normas relativas ao sistema de impostos e administrao da justia. Foram desta forma criados muitos concelhos, sendo que em alguns casos, as cartas de foral mais no fizeram do que reconhecer a existncia a povoados cujas populaes j tradicionalmente se regiam segundo usos e costumes prprios.

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    2.3.1 A poltica de defesa e consolidao dos territrios reconquistados - as Ordens

    Militares

    Na organizao dos territrios conquistados durante a reconquista portuguesa, as ordens militares tiveram um papel fundamental, tanto na manuteno da sua defesa, com as suas foras disciplinadas e aguerridas, quer construindo ou mantendo uma cintura de castelos, quer promovendo o povoamento e agricultura de lugares ermos ou assolados pela guerra. Todas de origem estrangeira francesa ou peninsular , tomaram depois feio nacional, repartindo entre si, medida que as conquistas progrediam para o sul, vastssimas doaes territoriais e mltiplos privilgios, confirmados e alargados sucessivamente pelos diferentes reis.

    A presena da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo (mais tarde denominada por Ordem do Templo) em Portugal data de 1126, O historiador Andr Jean Paraschi, na sua Histria dos Templrios em Portugal, admite a possibilidade de doaes anteriores, referindo a oferta, por parte da rainha D. Teresa (me de D. Afonso Henriques), da vila de Fonte Arcada, perto de Penafiel, para alm de herdades, quintas e solares ofertados por outros proprietrios. Frei Bernardo da Costa, na sua Histria da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo publicada em 1771, refere, que foi na Fonte Arcada que os templrios instalaram a sua primeira sede em territrio portugus. Este facto coloca a possibilidade de, numa primeira fase, o seu principal papel no ser de carcter militar j que Penafiel ficava bastante longe da frente de combate contra os mouros.

    Em 1128, D. Teresa concedeu-lhes o castelo de Soure, como recompensa da sua ao guerreira. Esta doao reveladora do objetivo real, tanto mais que o seu objeto era um territrio parcialmente destrudo e despovoado, com poucas estruturas defensivas e onde as foras crists sediadas no vale do Mondego se encontravam a braos com um novo avano muulmano.

    Em 1145 a Ordem do Templo recebe alguns castelos na regio transmontana (Longroiva, Penas Roias e Mogadouro), que viria a entregar coroa no final do sculo XII, em troca de Idanha-a-Velha e da herdade da Aafa. Em 1147 participam, ao lado de D. Afonso Henriques, na conquista de Lisboa, recebendo como recompensa, os direitos eclesisticos de Santarm (o que, originou acesa disputa com o bispo de Lisboa, Gilberto de Hastings). Em 1157, nomeado Gro-Mestre Gualdim Pais, figura emblemtica que comandou a reconquista de Santarm e Lisboa, ao lado de Martim Moniz.

    Em 1169 D. Afonso Henriques faz uma importante doao Ordem do Templo, que se revelaria de crucial quer para a monarquia, como para os cavaleiros: entrega-lhes uma tera parte de todos os territrios conquistados, desde que as rendas que estes nelas obtivessem revertessem a favor da luta contra os muulmanos e ao servio da prpria monarquia.

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    Na dcada de 60 do sculo XII, os Templrios tinham j sua guarda um conjunto de castelos a Norte do Tejo, que lhes exigia um enorme esforo e responsabilidade, j que estes, constituam na altura a espinha dorsal defensiva do territrio portugus.

    Durante o governo de D. Gualdim, a Ordem do Templo vai construir vrios castelos (Pombal, Tomar, Almourol), promover obras de reparao noutros (Penas Roias e Longroiva, por exemplo) e conceder forais a vrias populaes (Redinha, Ferreira, Tomar, Pombal, Castelo de Zzere), demonstrando assim o interesse da milcia em regulamentar a vida local e em criar novos incentivos ao povoamento.

    Fruto das vrias doaes, os templrios dominam imensas zonas a sul do Mondego, nomeadamente as vias de acesso a Coimbra. A sua pretenso ao controlo do vale do Tejo, ancorada nos castelos da Cardiga e do Zzere e no territrio de Tomar que tinha aquele rio como limite sul, contrariada pelo rei atravs da criao do municpio de Abrantes, a quem este concede foraI em 1179, e da doao de Guidintesta ordem do Hospital, em 1194, retirando aos Templrios o domnio exclusivo do curso intermdio do Tejo.

    em Tomar que se encontra a maior concentrao de basties desta Ordem e tambm os maiores e mais inestimveis contributos para o nosso patrimnio arquitetnico. o caso do castelo de Tomar (tambm chamado dos Templrios), que estaria unido por passagens subterrneas Igreja de So Joo Baptista (santo venerado pela Ordem, que nos seus templos e capelas conta com inmeras representaes) e Igreja de Santa Maria do Olival, onde Gualdim Pais mestre da ordem se encontra sepultado.

    A deciso papal de extinguir a Ordem no seria bem acolhida e em 1311, o rei D. Dinis ordenou o levantamento de um processo, que decorreu em Salamanca, no sentido de averiguar a culpabilidade dos templrios da Pennsula Ibrica nas acusaes feitas ordem. Estes (os portugueses) seriam ilibados, tendo logo depois, D. Dinis obtido do papa Joo XXII, o renascimento dos Templrios, atravs do nascimento de uma nova ordem de cariz nacional, a Ordem de Cristo, cujo primeiro Gro-Mestre de que foi Gil Martins (em 15 de Maro de 1319). Os seus cavaleiros usavam um hbito idntico ao dos templrios, sendo que apenas uma cruz branca inscrita dentro da cruz vermelha (para assinalar a pureza da instituio ressurgida) os distinguia. Os antigos dignitrios da ordem Templria conservaram os seus lugares nesta nova Ordem, que absorveu tambm muitos templrios refugiados, de Frana e de outras naes europeias.

    Vrias tm sido as datas apontadas no que respeita implantao da Ordem do Hospital no nosso pas. apenas de 1232 o primeiro documento que atesta de forma inequvoca a sua presena no reino, se bem que haja uma opinio unnime de que esta dever ter tido lugar em data bastante anterior. Os documentos deixam entrever que numa primeira fase, e tal como aconteceu em Jerusalm, os hospitalrios dedicaram-se essencialmente a funes assistenciais, e s a partir da dcada de 80 do sculo XII que surgem provas seguras da sua participao em atividades militares nomeadamente na conquista de Silves, em 1189.

    Em 1140, D. Afonso Henriques d carta de couto ao estabelecimento hospitalrio de Lea e, sete anos mais tarde, os cavaleiros recebem do mesmo rei, logo aps a conquista de Santarm, a igreja de S. Joo de Alporo, que viria a ser o centro de uma das mais importantes comendas da Ordem em territrio portugus. Entretanto, tinham j recebido um hospital dedicado a doentes e peregrinos em Braga.

    A primeira grande doao rgia, de cariz militar, feita a esta Ordem, data apenas de 1194, altura em que, como acima referimos a propsito dos templrios, a zona de Guidintesta lhes dada por D. Sancho I, com a condio de a construrem o castelo de Belver. Esta doao parece demonstrar que o rei pretendia (ou acreditava) que os hospitalrios tinham ento capacidade de interveno militar e portanto de defesa do reino, tanto mais que se tratava de uma zona fronteiria. A fortaleza ento construda ter respondido ao que lhe era solicitado, j que Belver vai ser um dos locais de depsito de parte do tesouro real em 1210. As relaes entre D. Sancho e os hospitalrios iam, no entanto, alm das necessidades militares e de povoamento, j que a eles que o rei confia o censo anual prometido por seu pai Santa S e que foi entregue em 1198. Tal como acontecera com os templrios, no perodo que antecedeu o reconhecimento de Portugal como reino independente, a escolha destes cavaleiros como intermedirios entre Portugal e o Papado no ser alheia ao facto de se tratar de uma instituio internacional e ao prestgio granjeado pelos seus membros enquanto defensores dos peregrinos. A confiana do monarca encontra-se igualmente expressa nos seus dois testamentos: no primeiro, datado de 1189, D. Sancho manda restituir aos cavaleiros (assim assim como aos templrios) uma determinada soma de dinheiro que se encontrava em Santa Cruz e que lhes pertencia.

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    Em 1211, ao dispor definitivamente as suas ltimas vontades, D. Sancho nomeia o Prior do Hospital como um dos testamenteiros rgios, ao mesmo tempo que confia Ordem uma avultada quantia em dinheiro destinada a ser distribuda pelos descendentes do monarca.

    Para alm das milcias internacionais, os nossos primeiros monarcas contaram tambm com a colaborao de ordens militares nascidas na Pennsula Ibrica, nomeadamente Santiago e Calatrava.

    No que respeita primeira destas Ordens, conhece-se a presena do seu mestre junto da corte de D. Afonso Henriques dois anos aps a sua fundao no reino de Leo (1172). nesta altura que D. Afonso Henriques doa Ordem de Santiago em Portugal, nas pessoas do seu mestre e do Conde D. Rodrigo lvares de Srria (sobrinho do monarca) e de todos os seus sucessores, a vila de Arruda com seus termos e direitos reais, e, alguns meses mais tarde, o castelo de Monsanto, situado perto de Idanha. Estas doaes revestem-se da maior importncia, sobretudo se as associarmos do castelo de Abrantes, ocorrida um ano mais tarde, j que visavam fazer frente, na linha do Tejo, a um avano muulmano, ento eminente. importante, contudo, referir que as liberalidades do monarca apresentam (claramente num caso, implicitamente nos outros) algumas condies que parecem querer demonstrar que o Conquistador s entregava aos espatrios estas praas, assim como Almada e Alccer, porque as alternativas que possua, frente a uma presso Almoada cada vez mais forte, se limitavam Ordem do Templo, j que, como vimos, por esta altura os hospitalrios ainda s se dedicariam assistncia aos doentes e peregrinos.

    Efetivamente, na doao de Monsanto exigiu que o comendador que fosse colocado no comando da fortaleza deveria ser portugus (isto , no poderia ser de alterius terrae) e deveria estar sempre disponvel para o servio, em tempo de paz e de guerra, a D. Afonso Henriques e a todos seus descendentes. Ou seja, de uma forma muito clara, o monarca aceitava uma Ordem oriunda de um reino estranho, mas exigia a lealdade da fortaleza.

    Quando em 1179 D. Sancho derrotado por Fernando II de Leo (que contou com a ajuda a ordem de santiago), so confirmadas as reservas de D. Afonso Henriques, quando condicionou as doaes referi.

    Dito por outras palavras, o rei no tinha a certeza da hierarquia de lealdades da Ordem de Santiago face aos diferentes monarcas peninsulares. Esto ainda por apurar as razes que levaram a Ordem a trair o monarca portugus.

    Como no conhecemos outros diplomas outorgados por D. Afonso Henriques em benefcio de Santiago at sua morte, e dado que estes s possuam as referidas praas de iure (isto , no de uma forma efetiva), de supor que a Ordem viu muito reduzidas as suas possesses em territrio portugus: Alccer, Almada e Arruda s voltaro posse de facto da ordem, aps a defesa de Santarm em 1184, na qual estes cavaleiros tambm participaram. Um novo avano das foras muulmanas por volta de 1191 provocou a queda de Alccer, Palmela e Almada, tendo os castelos destas duas ltimas localidades sido destrudos.

    Seguiu-se a perda, por parte dos cristos, de Silves, que entretanto havia sido reconquistada com auxlio dos Cruzados. Para a Ordem de Santiago, a situao era, portanto, extremamente desfavorvel: a perda dos castelos acima referidos significava a amputao de uma parte considervel do seu territrio no nosso pas.

    Ser neste contexto que D. Sancho faz, em 1193, a doao de bens em Santarm, acima referida: a Ordem precisava de rendimentos que lhe permitissem prosseguir as atividades militares e o consequente restauro das fortalezas. Tambm a doao feita em 1194 da casa e herdade de Santos, em Lisboa, deve ser enquadrada nestes termos, no sendo contudo de excluir a importncia das relaes pessoais entre o prprio mestre de Santiago (D. Sancho Fernandes) ou mesmo D. Soeiro Rodrigues (comendador-mor de Portugal) e o monarca.

    Os Reis Portugueses contaram tambm com uma outra milcia, esta de fundao nacional, e que se veio a ligar Ordem de Calatrava, do reino de Castela: referimo-nos Milcia dos Freires de vora, chamada Ordem (de S. Bento) de Avis depois de 1211 aps a doao do lugar assim chamado por D. Afonso II.

    A Milcia de vora ter surgido entre Maro de 1175 e Abril de 1176 num contexto de avano almada e do abandono por parte de Geraldo Sem Pavor das hostes crists. No sabe se a ideia da criao da milcia partiu de D. Afonso Henriques, que na altura no podia contar com o apoio dos templrios que tinham j a incumbncia da defesa das fortalezas da linha do Tejo, ou se ter partido da sugesto do seu primeiro mestre, D. Gonalo Viegas de Lanhoso. D. Afonso Henriques outorga-lhe, em Abril de 1176, o castelo de Coruche e umas casas e vinhas no alccer velho em vora, bem como umas casas em Santarm.

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    Os motivos aduzidos na doao so a utilitatem christianis et defensionem regni, o que aponta desde logo para a colaborao dos cavaleiros de vora nas atividades militares do monarca.

    Em 1187 para que a Milcia de vora recebe os castelos de Alcanede e de Juromenha (este quando fosse conquistado), bem como a vila de Alpedriz. A posse destes domnios significa que nos dez primeiros anos da sua existncia, a Milcia de vora se desenvolveu, em termos humanos, o suficiente para poder assegurar a manuteno destas praas. Por esta razo, no deixa de ser estranho o reduzido nmero de diplomas rgios relativos aos cavaleiros durante este perodo.

    J no reinado de D. Sancho, para alm dos castelos de Alpedriz e Juromenha, a Milcia de vora vai receber o castelo de Mafra (em1193) e provavelmente tambm Albufeira (referido na bula de 1199, o que leva a supor a participao dos cavaleiros eborenses na conquista de Silves, ter sido premiada com a doao do castelo. Em todas estas doaes expresso de uma forma clara que a milcia deveria servir fielmente o rei e os seus sucessores.

    A participao da Milcia de vora em Alarcos, em 1195, onde D. Gonalo Viegas perdeu a vida, prova-nos que ela continuava a participar ativamente na Reconquista, no s em territrio nacional, mas tambm no reino vizinho.

    No reinado de D. Afonso II, o prestgio granjeado pelos freires de vora era j suficiente para particulares lhe fazerem doaes e os seus bens em quantidade suficiente para gerar rendimentos que os cavaleiros aplicaram na compra de vrias propriedades. Este rei, alm de confirmar as doaes dos seus antecessores, vai ser o autor do documento que ter sido talvez o mais importante outorgado aos freires at ento. Referimo-nos doao da zona de Avis, ocorrida em 1211, com a condio de os freires a construrem um castelo e povoarem o lugar, o que havia sido j cumprido em 1215.

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    2.3.2 A poltica de repovoamento e a produo arquitetnica nos territrios

    reconquistados a ordem beneditina de Cister

    A presena cisterciense em territrio portugus teve como grande pressuposto o repovoamento de regies ermas, implantando polos de cristianizao e de manuteno da Reconquista.

    Alm dos aspetos polticos existem os aspetos culturais em torno do estabelecimento dos cistercienses nessas regies. A Ordem de Cister tinha, nesse momento uma proposta totalmente nova de monaquismo, possua tambm uma srie de inovaes tcnicas com relao aos processos produtivos, agrcolas e pastoris, alm de estar, na figura de So Bernardo, envolvida com todos os assuntos relativos cristandade ocidental.

    A arte cisterciense afirmou-se como o elemento de ligao que marca a passagem do perodo romnico para o gtico.

    A presena desta ordem na pennsula ibrica, mais especificamente no reino portugus, revelar-se-ia da maior importncia na manuteno do processo de Reconquista, com proeminncia nos aspetos social, cultural e poltico.

    O mosteiro de Cister nasceu em oposio opulncia atingida pelos mosteiros cluniacenses e alguns mosteiros beneditinos. Cister foi fundada em 1098 quando Roberto de Molesme, que era abade de um mosteiro beneditino, partiu para as proximidades de Lyon com a inteno de fundar um cenbio e retornar aos primitivos ideais evanglicos. Aps de alguns anos de estagnao, os Cistercienses comearam a receber numerosas vocaes, e no fim do sculo XII espalharam-se por toda a Europa em centenas de mosteiros masculinos e femininos.

    Simultaneamente, desenvolveram a sua prpria espiritualidade mstica, que se expressava tanto nas obras dos grandes telogos cistercienses quanto na arquitetura das suas igrejas e at na gesto econmica das comunidades.

    Em 1112 entra nesta comunidade So Bernardo, que viria a ser o autntico pilar da ordem: dois anos depois fundaria Claraval (Clairvaux), de que seria abade at a sua morte em 1153, altura em que a ordem cisterciense contava j com 343 casas repartidas por toda a Europa, das quais 160 haviam sido fundadas pelo prprio S. Bernardo.

    So Bernardo foi, sem dvida uma das maiores personalidades da sociedade europeia da primeira metade do sculo XII, no s no campo monstico e espiritual, mas tambm na vida religiosa e civil de seu tempo. A sua fama de santidade e os seus escritos tornaram-no conhecido, assim como o seu empenho em resolver conflitos de ordem religiosa, ou em apaziguar conflitos no campo civil, tendo inclusive pregado uma Cruzada.

    Contribuiu, tambm graas sua veia polmica, para a reforma de Cluny e da Abadia de Saint Denis, marco da arquitetura gtica.

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    Relacionou-se com as mais importantes personalidades de seu tempo, com as outras Ordens Religiosas, algumas das quais ajudou, tendo escrito um tratado para os Templrios, em crise de identidade

    A Ordem de Cister, assentava os seus princpios, nos ideais de So Bernardo de Claraval, que se fundamentavam na recusa do conforto e do luxo em contraposio ao que vigorava noutras ordens monsticas do seu tempo. Assim os seus mosteiros instalavam-se em zonas rurais e isoladas, sendo construes despojadas de toda decorao suprflua, obedecendo sempre a um mesmo modelo tpico, que garantia a uniformidade da Ordem.

    Os trs elementos fundamentais da reforma cisterciense assentavam, na orao do ofcio divino, na leitura espiritual (meditao) e no trabalho manual. Pretendia-se a eliminao da vida monstica de tudo o que parecesse excessivo ou suprfluo, estando, por disposio geral de 1134, decretado a necessidade de que as novas fundaes evitassem os lugares prximos de ncleos urbanos, sendo preferidos os locais afastados, onde a solido pudesse contribuir para a pureza da ordem; uma pureza simbolizada na troca do hbito negro beneditino pelo branco.

    Esta aberta oposio ao mundo, este afastamento da vida secular, buscava a paz espiritual, em que o encontro com o divino era alcanado, atravs da pobreza, da leitura das Escrituras e do trabalho fsico. Este novo posicionamento trouxe importantes consequncias para o pensamento teolgico, para o movimento monstico e tambm para a esttica religiosa.

    Nesta busca da austeridade e simplicidade, a Arte Cisterciense iniciou a remodelao dos paradigmas romnicos introduzindo na arquitetura, a esttica gtica que se comeava desenvolver.

    A lgica, tendia, portanto para a supresso dos elementos suprfluos, o que impunha a utilizao de modelos e processos arquitetnicos mais funcionais e baratos.

    Surge assim, consequentemente, uma arquitetura onde se d primazia as solues construtivas mais utilitrias, sem prejuzo da solidez e da adequao ao fim que se perseguia.

    Por outro lado, a existncia de uma Regra comum por que se regem todas as casas, e a estreita dependncia das novas fundaes em relao casa matriz de onde saram os monges fundadores, so aspetos sobre os quais assentam as bases de uma uniformidade extremamente caracterstica.

    O mosteiro cisterciense configurava um plano tipo que se repetia com certa uniformidade, embora, como lgico, as influncias locais viessem a determinar algumas variantes. O modelo que servia de base constava de uma baslica, ou seja, uma igreja de trs naves, com a central mais larga e alta, cruzeiro com

    zimbrio e cabeceira que em alguns casos, por arcasmo, segue modelos romnicos com o altar-mor em frente abside na qual termina a nave central.

    Geralmente o modelo consubstanciava-se na utilizao das solues adotadas nas casas-matriz de Cister e Claraval, na qual se destacava a adoo de deambulatrio por trs do altar-mor.

    O mosteiro organizava-se em volta de um claustro, que habitualmente se situava no lado meridional da igreja. O claustro cisterciense distingue-se por organizar cada galeria, em tramos cobertos, com abbadas de ogivas, que se abriam para o jardim mediante um arco agudo, que ao mesmo tempo, servia de enlace para os contrafortes que davam para o mesmo jardim.

    Para o claustro dava, na mesma direo que a capela-mor, a sala capitular; a qual se acedia por uma grande porta ladeada por outros dois vos; o seu espao quadrado era distribudo em nove tramos

    Planta tipo cisterciense 1- Igreja 2- Porta do cemitrio 3- Coro dos conversos 4- Sacristia 5- Claustro 6- Fonte 7- Sala

    Capitular 8- Dormitrio dos monges 9- Dormitrio dos novios 10- Latrinas 11- Caldarium 12- Refeitrio 13- Cozinha 14- Refeitrio dos conversos

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    mediante quatro colunas ou pilares centrais. Tambm davam para o claustro o refeitrio, a cozinha e a biblioteca.

    . O mosteiro completava-se com os dormitrios e as demais dependncias para a vida monstica, assim como com a parte produtiva agrcola: silos, armazns, etc. Todo o recinto era rodeado por uma cerca que abrangia os terrenos de cultivo e trabalho.

    Outro dos traos fundamentais da arquitetura monstica cisterciense residia na eliminao de toda a decorao figurada, em particular a de carter fantstico, contra a qual clamava S. Bernardo por consider-la intil, ocasio de irreverncias, de esquecimento das Escrituras sagradas e de esbanjamentos suprfluos. Assim, as arquivoltas das portadas no se decoravam, desapareciam os tmpanos com esculturas e os capitis deixam-se lisos ou, quando muito, com decorao vegetal.

    2.3.3 A arquitetura de Cister como percussora do gtico portugus

    A arquitetura cisterciense em Portugal revela de forma exemplar o quanto um sentido de espiritualidade pode marcar uma forma de construir, neste caso, o sentido de rigor e de rebuscada simplicidade, como foi a de S. Bernardo. Este esprito da regra foi marcante e fez escola tanto na verso estilstica romnica como na gtica.

    Era no rigoroso sistema de fundao de novos mosteiros, sempre baseado na filiao abadia me que se obrigava a enviar para cada uma das novas fundaes, um abade e dez monges, que eram habitualmente, os mestres e os grandes obreiros das prprias construes foram determinantes no favorecimento e expanso dos formulrios arquitetnicos consagrados nas suas primeiras abadias da Borgonha, e, assim, na existncia de uma linguagem internacional de construir cisterciense.

    Este estilo cisterciense, considerado por alguns autores como proto gtico, um meio-termo entre o romnico e o gtico, sendo corrente verem-se, ainda hoje nas suas igrejas, de gramtica de base romnica, elementos estruturais e tcnicas construtivas de caracter gtico, caracterizados por arcos ogivais, rasgados janeles (frestas), porm, com ausncia de vitrais, refletindo-se tambm uma maior altura dos templos.

    Em Portugal a primeira abadia desta ordem foi a de S. Joo de Tarouca, perto de Lamego, filiada em Claraval, em 1144. Conserva-se bastante bem a sua antiga igreja, iniciada em 1152 e consagrada em 1169. Com cabeceira de trs capelas quadrangulares, escalonadas, largo transepto, ampla nave central com abbada quadrada e colaterais de cobertura transversal, notando-se bem, na ordenao geral do edifcio, a clssica proporo cisterciense de 1:2, a romnica, austera e pesada igreja de Tarouca um bom exemplo da extenso do plano Bernardino de Claraval II.

    Dentre as trs dezenas de outros mosteiros cistercienses, geralmente transformados, e que foram muito importantes para a introduo da linguagem gtica entre ns, o destaque vai para Santa Maria de Alcobaa, um dos maiores e mais conseguidos programas desta ordem em toda a Europa e, em certos aspetos, o mais europeu de todos os nossos conjuntos monumentais.

    3 O GTICO

    "A caracterstica decisiva do novo estilo no a abbada de cruzaria de ogivas, o arco quebrado ou o arcobotante. (...) Nem a crescente altitude o aspeto mais caracterstico da arquitetura gtica. (...) H, no entanto, dois aspetos da arquitetura gtica que no tm precedente nem paralelo: o uso da luz e a relao nica entre estrutura e aparncia. Pelo uso da luz entendo mais especificamente a relao da luz com a substncia material das paredes. Numa igreja romnica a luz algo distinto e contrastante com a pesada, sombria, tctil substncia das paredes. A parede gtica parece ser poderosa: a luz filtrada atravs dela, penetrando-a, fundindo-se com ela, transfigurando-a. (...) Os vitrais do gtico substituram as paredes vivamente coloridas da arquitetura romnica; estruturalmente e esteticamente, eles no so aberturas na parede para admitir luz, mas paredes transparentes. (...) Neste aspeto decisivo, o gtico pode ser, por conseguinte, descrito como uma arquitetura difana, transparente. (...) A nenhum sector do espao interior era permitido permanecer na escurido (...). As naves laterais, os trifrios, o deambulatrio e as capelas do coro, tornaram-se mais estreitos e menos profundos, as suas paredes exteriores, perfuradas por fileiras contnuas de janelas. Finalmente, surgem como uma concha superficial e transparente rodeando a nave e capela-mor, enquanto as janelas, se vistas do exterior, deixam de ser distintas. Parecem fundir-se, vertical e horizontalmente, numa esfera contnua de luz, uma barreira luminosa por detrs de todas as formas tcteis do sistema arquitetnico. (...) A segunda caracterstica surpreendente do estilo gtico a nova relao entre funo e forma, estrutura e aparncia. (...) a ornamentao est inteiramente subordinada ao motivo produzido pelos elementos estruturais, as abbadas de cruzaria de ogivas e fustes de suporte; o sistema esttico determinado por estes. (...) a estrutura adquire na arquitetura gtica uma dignidade esttica que

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    fora desconhecida em tempos mais remotos. A maravilhosa preciso com que, por exemplo, cada bloco individual era talhado e assente na abbada gtica - no deixando juntas desajustadas que tivessem de ser dissimuladas - sugere no s perfeita tcnica artesanal (...) mas tambm um novo gosto e apreo pelo sistema tectnico para o qual o romnico, em geral, parece no ter tido olhos. A pintura mural gtica nunca oculta, antes salienta, o esqueleto arquitetnico. At mesmo os vitrais se submetem em crescendo, na composio e no desenho, ao padro da armadura de pedra e metal em que se acham encaixilhados."

    Otto von Simon, A catedral gtica. Origens da arquitetura gtica e o conceito medieval de ordem, Lisboa, Editorial Presena, 1991, pp. 27-40

    3.1 Histria Em 1144 realiza-se a cerimnia religiosa de consagrao da nova igreja da Abadia de Saint Denis, perto de

    Paris, com a presena do rei Lus VII, de muitos nobres e de todos os bispos. Tratava-se do mosteiro mais importante por ser a necrpole rgia, lugar de sepultura dos monarcas franceses, alm de guardar tambm o corpo e as relquias de Saint Denis, o apstolo evangelizador da Frana e o santo protetor do reino.

    Foi por isso que o seu abade, Suger (1081-1151), promoveu a remodelao arquitetnica da igreja, para que a qualidade do seu edifcio correspondesse ao prestgio de um mosteiro que era, ainda, o principal centro de peregrinao de toda a Frana.

    Em comparao com o modelo romnico, a estrutura que resultou das obras efetuadas entre 1137 e 1144, bastante diferente:

    A fachada passou a ser ladeada por duas torres e provida de trs amplos portais; por detrs da entrada principal, o nrtex possui dois tramos e trs naves no nvel trreo, e trs capelas por cima destas, sendo ambos os pisos cobertos por abbadas de cruzaria de ogivas. O cruzeiro, na interceo da nave principal com o transepto, muito mais amplo e o centro luminoso da igreja, recebeu os relicrios ornados de ouro e pedras preciosas, de forma a estarem visveis aos olhos de todos. A cabeceira passou a ter duplo deambulatrio, de onde saam as capelas radiantes, separadas apenas por finos pilares que deixavam passar a luz, fundindo-se assim num s; a cobertura era constituda por uma abbada de cruzaria de ogivas, sendo que todo o peso da construo passou agora a ser projetado para o exterior e a suportado por contrafortes, usando-se mais tarde os arcobotantes, para que o interior no necessitasse de tantos suportes e adquirisse maior amplitude espacial e verticalidade; por fim, para que se libertasse as paredes da sua funo de suporte, as janelas foram ampliadas de forma a ocuparem quase toda a superfcie parietal.

    Todas estas inovaes tcnicas geralmente associadas arquitetura gtica (arco quebrado ou ogival, abbada de cruzaria de ogivas, arcobotante) no foram, na verdade, elementos totalmente novos, pois haviam j sido usados pontualmente nas construes romnicas, sendo que a novidade foi o facto de surgirem pela primeira vez combinados num mesmo edifcio, para concretizarem um objetivo teolgico e esttico.

    O que surgiu como absolutamente novo, e que as futuras catedrais vo reproduzir, :

    Primeiramente o uso da luz, ou seja, a necessidade de ampliar o interior da igreja e libert-lo de obstculos passagem da luminosidade, remetendo sobretudo para o exterior as estruturas de suporte de toda a construo; o objetivo era inundar a igreja com luz, identificada com o esprito de Deus e a luz criadora do universo.

    Em seguida, a nova relao entre funo e forma, estrutura e aparncia, ou seja, a importncia dada perfeita relao entre as diferentes partes da igreja, em termos de propores: a harmonia, baseada na geometria, como fonte de toda a beleza; se a nova arquitetura resulta dos progressos tcnicos e da engenharia, que tornaram possvel a construo de abbadas mais altas e mais eficientes os respetivos suportes, permitindo suprimir as grossas paredes do romnico, tais progressos estiveram subordinados a consideraes de forma (beleza, harmonia, equilbrio), em que todo o esqueleto arquitetnico tem uma dimenso esttica; por essa razo h vrios elementos que exprimem uma funo que no cumprem, caso das colunas embebidas que parece transmitirem o peso das abbadas ao pavimento da igreja, mas na realidade so apenas decorativas.

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    Estes dois aspetos mais marcantes da arquitetura gtica resultaram da interpretao que Suger fez da obra teolgica de S. Denis, o qual identificava Deus com a luz. A catedral (de cathedra, o trono onde se sentava o bispo), construda com base nesta ideia, ento concebida como a materializao do imaterial (a luz ou esprito divino), a concretizao da realidade sobrenatural, o lugar de passagem para a eternidade, a casa de Deus. Por volta de 1150 a nova arte, ento designada por opus modernum (obra moderna) e opus francigenum (obra francesa), ainda limitada regio de Paris, mas um sculo depois estende-se j por toda a Europa, comeando a declinar a partir de 1450.

    No sculo XVI, Giorgio Vasari (1511-1574), arquiteto e tratadista do Renascimento, fascinado pelos cnones da Antiguidade Clssica, popularizou o termo gtico para designar, em sentido negativo, a arquitetura das catedrais, relacionando-a, pejorativamente, com os Godos.

    3.2 Caracterizao geral A estrutura arquitetnica da catedral gtica nasce do modelo inicial da Abadia de Saint Denis,

    aperfeioado com os progressos tcnicos a partir da verificados; tambm a rivalidade entre as cidades e respetivos bispos estimulou os arquitetos a elevar cada vez mais as naves das catedrais, tornando a verticalidade o seu aspeto mais caracterstico.

    Os elementos essenciais desta nova tcnica construtiva do gtico so:

    Arco quebrado - formado por dois segmentos de crculo que se intersectam e, por ter maior verticalidade, faz com o peso exercido seja menor que o do arco de volta perfeita do estilo romnico;

    Abbada de cruzaria de ogivas - formada por dois arcos quebrados que se cruzam na diagonal e transmitem o impulso a quatro pontos, funcionando como um esqueleto de pedra que pode ser preenchido com materiais mais ligeiros, fazendo com que a abbada gtica seja menos pesada que a romnica e dando-lhe maior flexibilidade;

    O peso da abbada descarregado nas nervuras e conduzido aos pilares (no interior) e aos arcobotantes (no exterior);

    Arcobotante - arco de descarga que transmite o peso da abbada para o exterior, apoiado no contraforte ou botaru, permitindo construir naves mais altas sem pr em perigo a estabilidade do edifcio.

    Tal como no romnico, a catedral gtica adota a planta de tipo basilical em cruz latina, com a cabeceira virada a Este (para a cidade santa de Jerusalm) e o corpo principal dividido em 3 ou 5 naves. Em relao ao modelo anterior registam-se, contudo, transformaes significativas.

    A nvel interno:

    O transepto torna-se muito mais largo e pouco saliente, e a cabeceira mais complexa, ocupando cerca de 1/3 da rea total da igreja; por detrs do altar-mor e do coro, o deambulatrio prolonga-se at ao transepto, na continuidade das naves laterais;

    Os pilares das arcadas aumentam em nmero mas so mais delgados e muito mais altos, acentuando a verticalidade do edifcio, para o que contribua tambm a proporo entre a altura e a largura da nave principal;

    As paredes laterias e as que se erguiam acima da arcada central obedecem a uma nova ordenao: inicialmente com quatro nveis de aberturas (arcadas, galerias, trifrio e clerestrio), passam a ter apenas trs a partir do sculo XIII, com a supresso da galeria, permitindo o alongamento das arcadas e das janelas do clerestrio, sublinhando as linhas verticais; as paredes so quase integralmente substitudas por vidro, e as rosceas da fachada tornam-se imponentes e revestidas por coloridos vitrais.

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    Estas alteraes contriburam para eliminar as barreiras fsicas e visuais entre as diferentes partes do interior da igreja, definindo uma nova conceo do espao, que se torna mais amplo, e evidenciando todo o esqueleto construtivo.

    . A nvel externo:

    As entradas da catedral tornam-se monumentais em todas as fachadas (a principal, de portal triplo, e as do transepto);

    Os portais encontram-se talhados num corpo saliente da fachada, e ladeados por torres sineiras que imprimem maior verticalidade ao conjunto, podendo estar tambm adossadas ao transepto;

    As torres terminavam em telhados cnicos ou em flechas rendilhadas, e prolongavam-se em pinculos e agulhas que acentuam os elementos verticais da construo. Tambm no exterior se concentrava a abundante decorao escultrica, contrastando com a maior sobriedade do interior.

    Do ponto de vista tcnico o gtico utiliza o arco ogival e as nervuras nas abbadas (permitem

    coberturas mais altas e mais leves), dando origem a: Complexificaco dos sistemas de suporte -> os pilares tornam-se compostos, neles se agrupando

    diversas colunas, colunelos ou pilares em feixes, dispondo-se alguns destes elementos diagonalmente, de forma a poderem receber as descargas das nervuras. O arco ogival pode agora alargar-se. So estes sistemas de suporte que nos permitem rotular um edifcio de "gtico".

    Este facto permitiu: A libertao das grandes presses exercidas nas paredes, levando ao seu adelgaamento

    (sobretudo quando se inventa a descarga lateral atravs de contrafortes separados dos panos parietais, unidos a estes apenas por arcos de descarga = arobotantes). Assim, as paredes aparecem extremamente finas.

    As frestas das velhas e grossas paredes do lugar a janeles muito largos. preenchidos por vitrais, permitindo que o edifcio fosse banhado pela luz.

    A arquitetura gtica distancia-se do antigo modelo basilical por vrias questes, entre as quais a prpria liturgia e as determinantes simblicas, mas com consequncias tcnicas.

    A diviso do espao interior de um edifcio gtico distinguia-se radicalmente do modelo romnico por :

    Verticalidade na marcao dos panos de parede atravs de pilares compsitos embutidos e lanados at grande altura;

    Unificao dos espaos interiores pelas novas abbadas, que levam a uma percepo unitria do espao;

    Diviso e subdiviso das paredes em andares (com galerias superiores, cornijas, trifrios e clerestrio, ou seja, bandas de abertura e janelas dando directamente para a nave);

    Iluminao lmpida, criada pelos janeles e pelas paredes, mais rasgadas e menos compactas que nunca.

    Os fatores ideolgicos e teolgicos parecem tambm ter desempenhado um papel essencial na criao do estilo gtico, sendo a luz a presena visvel de Cristo segundo as Escrituras, ela assumiu-se como elemento fundamental da "Esttica da elevao" do terreno para o espiritual. Para o entender, tal basta ler os textos escritos pelo abade Suger, sobre as obras de remodelao que mandou efectuar na igreja da Abadia de Saint Denis, que demonstram bem a importncia da teologia da luz como conceito base para as suas propostas arquitectnicas; destacam-se dois excertos desta associao entre Deus e Luz, e a igreja como o espao de materializao dessa luz, ou seja, da divindade:

    "Uma vez unida a nova parte posterior parte da frente, toda a igreja resplandecer com a sua parte intermdia, a nave, iluminada.

    Pois luminoso aquilo que luminosamente se liga ao luminoso. E luminoso o nobre edifcio que a nova luz penetra."

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    "Quem quer que sejas, se queres prestar homenagem a estas portas no admires o ouro, nem a despesa, mas o trabalho e a arte. A

    nobre obra brilha, mas brilha com nobreza: que ela ilumine os espritos e os conduza para verdadeiras luzes, para a verdadeira luz de que Cristo a verdadeira porta."

    4 O GTICO EM PORTUGAL

    A Arte Gtica surgiu em Portugal, em poca final da reconquista, acompanhando a consolidao da monarquia e o seu to auspicioso reconhecimento papal.

    A arquitetura gtica em Portugal instalou-se, tardiamente, em relao aos pases europeus, devido a variadas particularidades contemporneas. O forte enraizamento da arte Romnica nas tradies arquitetnicas do nosso territrio originaram singularmente uma avulta quantidade de igrejas portuguesas em que dois estilos, Romnico e Gtico, se misturavam e confundiam.

    Teoricamente os dois estilos no possuam muitas solues de continuidade entre si . Assim em Portugal, as primeiras formas gticas foram introduzidas, adossadas s inmeras Igrejas

    Romnicas (Salzedas, Tarouca e Alcobaa). Contrariamente ao romnico, uma arquitetura de caracter defensivo e virada para interior, o gtico ao

    resultar, tambm, de alguma trgua militar e social, renasce na sua verticalidade perseguidora do divino. Esta nova arquitetura refletia a nova imagem e alma do povo, assim como os novos tempos de acalmia que se adivinhavam.

    Devido maior segurana, a ento ainda debilitada sociedade, passa a gozar de uma liberdade operativa, fora de muralhas, onde fomentao e a sedimentao dos povoados, da economia interna, da agricultura, e do comrcio foi sendo desenvolvida.

    Mais uma vez e ao contrrio do Gtico do norte europeu, uma arte episcopal e urbana, o Gtico Portugus permanecia uma arte monstica e rural.

    A situao nacional instvel, sobretudo de guerra, e os parcos recursos que o reino dispunha para investir numa arte to cara e sofisticada como a arte gtica impediu tambm o seu surgimento mais cedo.

    Os primeiros reis, carecidos de recursos materiais e de gentes recorreram com frequncia s ordens religioso-militares para defesa do territrio, desenvolvimento agrcola, recebendo amplos poderes administrativos judiciais e fiscais pelo papel de elevado valor no territrio e grande papel colonizador. Foi a mando dos abades e monges das ordens mendicantes que se construram os primeiros edifcios gticos do territrio as igrejas monsticas que serviam os seus mosteiros e conventos.

    Os primeiros edifcios gticos, seguindo os princpios tcnicos e estticos internacionais, caracteristicamente, registam uma maior simplicidade e pobreza. Apresentam-se sempre com dimenses mais modestas, onde a verticalidade menos acentuada.

    Com estruturas planimtricas e volumtricas mais simples, muitas vezes aproveitadas do romnico devido lentido dos processos construtivos e ao modo de financiamento das obras, que tal como o romnico dependia de doaes.

    As janelas apresentam-se mais pequenas e em menor numero (tanto mais que a pequenez das dimenses e a prtica das coberturas em madeira, mais baratas, tornaram inteis os arcobotantes, mantendo-se, quase sempre os contrafortes romnicos.

    A aberta oposio ao simbolismo figurativo da decorao escultrica do perodo romnico, a arquitetura gtica apresenta uma menor ostentao e uma decorao menos rica e exuberante remetida aos interiores (capiteis das arcadas das naves).

    4.1 Na Arquitetura religiosa A Arquitetura Religiosa do gtico inicial (sc. XIII-XIV), em Portugal, semelhana do resto da Europa,

    revelou-se a mais rica de toda a poca. Em Portugal as primeiras edificaes totalmente gticas, foram erigidas, entre os finais do sculo sc. XII e os incios do sc. XIII.

    A presena de construtores de origens estrangeira conferiu a estas obras alta qualidade tcnica, sendo que estas sob ponto de vista formal e plstico correspondiam a um mimetismo do gtico europeu.

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    O exemplo mais antigo o da Igreja Abacial do Mosteiro de Alcobaa num estilo depurado e asctico muito semelhante casa-me dos cistercienses, a abadia de Claraval, em Frana. Um segundo exemplo, notvel tambm, o claustro da S velha de Coimbra, sob direo de mestres castelhanos ou leoneses (Oriundos de reas estilsticas mais avanadas), sendo este claustro muito semelhante ao claustro do Mosteiro de Iranzu, na Catalunha.

    Estes mestres estrangeiros, de Alcobaa e de Coimbra devem ter deixado influncias entre os pedreiros e artfices nacionais que com eles trabalhavam.

    Assim em meado sc. XIII, nos reinados de D. Afonso II e D. Dinis, Portugal vivia tempos de estabilidade militar (conseguida pela conquista do Algarve, pela paz com Castela e pela fixao das fronteiras no tratado de Alcanizes- 1297. nesta altura que as ordens mendicantes ou militares comeam a erguer igrejas conventuais gticas de criao inteiramente local.

    De referir uma exceo notvel, a S de vora, uma das poucas igrejas catedrais do gtico portugus. De uma forma genrica, construtivamente, a arquitetura religiosa, definida, at finais do sc. XIV, por

    uma planta basilical em cruz latina com transepto saliente. O corpo principal dividido em 3 naves de 5 tramos cobertos por armao de madeira e separadas por arcadas de arco quebrado apoiado em pilares finos. Nas naves centrais verifica-se um sentido de verticalidade, onde os espaos interiores se caracterizam como mais amplos e melhor iluminados.

    Exteriormente a peculiaridade dos exteriores compactos onde ainda predomina a horizontalidade e os contrafortes romnicos, sem arcobotantes.

    Plasticamente o estilo gtico portugus era muito depurado, com pouca decorao, predominando as formas naturalistas e genricas, com fachadas austeras no corpo central elevado e roscea aberta sobre o portal, que surgia singelo com arquivoltas de arco ogival.

    A partir do sc. XV, o rei D. Joo I mandou erguer o Mosteiro de Santa Maria da Vitria (Mosteiro da Batalha), como smbolo de afirmao da independncia portuguesa perante Castela e legitimao da nova dinastia.

    Um verdadeiro instrumento de propaganda rgia e smbolo de esplendor do novo reino. Nascido como resultado de um voto feito a quando da batalha de Aljubarrota e entregue, pelo mesmo rei, aos monges dominicanos que to bem assumiram a defesa da sua causa nas cortes de 1385.

    Este grandioso mosteiro, pela fundao, tambm, da sua grande escola de mestres pedreiros, teve uma grande influncia nas novas obras gticas nacionais procedentes e inclusivamente em Portugal insular, Arquiplago dos Aores e da Madeira.

    No norte de Portugal, devemos realar a Colegiada de nossa senhora da Oliveira (iniciada em 1397), em Guimares (uma construo de carcter tradicional onde se destaca a decorao mural figurativa e simblica, sobretudo no portal de autoria de Joo Garcia) a restaurao da s da Guarda (finais do sc. XIV tendo sido terminada no sc. XVI).

    No centro de Portugal realamos a Igreja da nossa senhora da graa, em Santarm e em Lisboa a igreja do convento do Carmo.

    A sul de notar o exemplo da restaurao da s de Silves, cuja abobada central e a abside, denotam influncias da Batalha.

    Genericamente pode-se caracterizar o estilo gtico portugus nomeadamente, no aperfeioamento das coberturas abobadadas, que passaram a apresentar complexos sistemas de nervuras com perfis variados dando-se tambm, o achatamento das abobadas, no refinamento dos pilares de suporte, cada vez mais finos e desmultiplicados e no aparecimento do arco contracurvado, sobretudo como decorao. A simplificao estrutural dos alados. A acentuao da decorao mural quer dos portais quer dos capitis, que passa ser feita de finos rendilhados de recorte flamejante, para os botarus, cornijas, pinculos, flechas e outros elementos estruturais exteriores. O alastramento da decorao vegetalista concentrada, que nos capiteis se torna bem definida e envolvente. O retorno figurao alegrica e narrativa, em zonas concentradas como portais, (tmpanos, colunelos e capiteis) arcadas interiores e claustros. A acentuao do uso da herldica (real e nobilirquica) como elemento decorativo.

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    4.2 Na Arquitetura Militar

    Em Portugal, a arte gtica foi contempornea dos tempos difceis da reconquista, bem como da posterior manuteno das fronteiras contra o vizinho de Castela, sendo que as construes defensivas em todo o territrio se revelavam de grande importncia.

    At ao sc. XIII a arquitetura militar portuguesa (castelos cercas e simples torres) estava grandemente enraizada nas tradies romnicas de defesa passiva.

    Enquanto isso, A arquitetura militar europeia sofria, ao longo do Sc. XIII, uma srie de transformaes que alteraram profundamente o perfil das construes e ditaram modificaes radicais nas tticas militares de ataque e de defesa de um castelo. Essas inovaes, que melhoraram os meios de defesa dos castelos, dotando-os de novos mecanismos para responder aos cercos de forma mais eficiente, permitiram que se passasse de um conceito de "defesa passiva" (que podemos considerar como tpico dos castelos romnicos) para um conceito de "defesa ativa" (tpico dos castelos gticos). Este salto qualitativo da arquitetura militar, que se revestiu de diferentes cronologias consoante as zonas da Europa, pode ser genericamente enquadrado dentro do Sc. XIII

    1

    Tero sido os Templrios na segunda metade do Sc. XII e durante o mestrado de D. Gualdim Pais, os primeiros responsveis pela introduo de algumas novidades na arquitetura militar portuguesa, as quais eram j o prenncio, da chegada dos novos sistemas da "defesa ativa" aos nossos castelos. Com os Templrios foram introduzidos nos castelos portugueses, o Hurdcio e o Alambor, inovaes trazidas por D. Gualdim Pais, possivelmente da Terra Santa, no quadro da sua participao na 2 Cruzada, na qual tomou parte no cerco de Antioquia e na conquista de Escalona (1153).

    Este sentido renovador na nossa arquitetura militar manteve-se ainda nos fina do Sc. XII, nomeadamente durante o reinado de D. Sancho I, com a melhoria do sistema defensivo de Coimbra, com a construo da Torre Quinaria (1198) e da Torre de Belcouce (1211), e com a construo do castelo de Belver (1194) pelos cavaleiros os Hospitalrios, no rescaldo da incurso de Abu Yusuf Ya'qub al-Mansur (1190).

    Mas todo este sentido de renovao da nossa arquitetura militar seria interrompido nos meados do sc. XIII por um conjunto de circunstncias que retardaram em cerca de meio sculo o aparecimento das reformas gticas nas nossas fortificaes. De entre estas circunstncias podemos referir a srie de maus anos agrcolas de 1189-1197, 1200-1202, 1224-1226, 1232, 1237-38, a presso Almohada dos finais do Sc. XII e dos incios do Sc. XIII, onde se contam os sucessos militares de Abu Yusuf Ya'qub al-Mansur, bem como os problemas internos do reino (a instabilidade social que se fez sentir durante o reinado de D. Afonso II e que terminaria no perodo de anarquia dos anos 30 e na Guerra Civil de 1245-48).

    1 Mrio Jorge Barroca, " D. Dinis e a Arquitetura Militar Portuguesa, Revista da Faculdade de Letras, pp. 801-802.

    Livro das Fortalezas do escudeiro real portugus Duarte de

    Armas

    Exemplo de Alambor no Castelo de Tomar (Fonte: http//castelosportugal.blogspot.com)

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    Ser j durante o reinado de D. Afonso III, que esteve em Frana, durante dcada e meia, que ser introduzida, uma nova inovao, no velho sistema defensivo portugus, a qual indiciava novos sinais de mudana.

    assim que no seu reinado, construdo o mais antigo exemplo portugus de um balco com mataces, sobre a porta da muralha de Melgao. De notar que foram estes balces, com mataces, um dos principais sinais da adaptao dos velhos castelos de origem romnica, aos novos conceitos gticos de defesa ativa.

    Esta ao renovadora do reinado de D. Afonso III estender-se-ia ainda a Caminha (1260), Estremoz (1261) e Melgao (1263).

    Mas foi no reinado de D. Dinis que foram feitas as primeiras e grandes remodelaes de variadssimas fortificaes (maioritariamente nas zonas raianas e no sul), nas quais se veio refletir assim a arte gtica neste tipo de arquitetura.

    4.2.1 A nova arquitetura militar alteraes e inovaes

    A primeira grande alterao deu-se ao nvel das prprias muralhas, com o seu crescimento em altura (no menos de 10 m e frequentemente acima dos 15 ou 20 m) e a uma multiplicao do nmero de torrees adossados a estas, os quais apresentavam entre si afastamentos mdios entre os 8 e os 15 metros, permitindo uma melhor defesa atravs do tiro flanqueado.

    Na maioria das construes nacionais, estes torrees apresentavam plantas com ngulos retos, reflexo possvel do fraco poder ofensivo das foras inimigas devida escassa utilizao de mquinas de guerra.

    A exceo verifica-se no Alentejo, nas zonas onde a pedra utilizada apresentava uma menor qualidade e o aparelho de construo se tornava mais irregular e mido, iro surgir os torrees semicirculares, reflexo tambm da influncia muulmana (Castelos de Redondo, Vila Viosa, Veiros, Serpa, etc.).

    Alguns destes torrees, principalmente aqueles que se elevavam acima da cota do adarve, apresentavam-se abertos pela gola, com o objetivo de evitar assim o entrincheiramento de foras inimigas (como, se pode ver por exemplo no castelo de Terena e em Mouro).

    Tambm no interior dos castelos, se fizeram notar melhorias, as quais visavam, o resguardo fsico e uma melhor operacionalidade das foras que o defendiam.

    Assim os adarves ou andaimos (os caminhos de ronda que se apoiam no alto das muralhas e que servem de espao de defesa) sofreram igualmente melhorias quer nas suas condies de defesa, quer nas de circulao, atravs do seu alargamento. Tambm o sistema de acesso a estes foi melhorado, abandonando o sistema de pedras fincadas ou as escadas includas na espessura do muro, passando a ser feito por escadas adossadas ao mesmo.

    No coroamento das muralhas a novidade foi a adoo de ameias ou merles deitados, que se apresentavam, relativamente aos Romnicos, mais baixos e mais largos, com espao de abertura menor, com o intuito de melhor protegerem os defensores.

    Comearam tambm a surgir os merles compostos, que abrigavam dentro do seu espao, seteiras, tendo-se em algumas fortificaes difundido a utilizao de manteletes, peas de madeira basculantes que eram suspensas entre as ameias (havendo vestgios da sua utilizao no Castelo de Guimares e nas muralhas dionisnas desta cidade).

    Tambm as Torres de Menagem (implantadas em Portugal, nos meados do Sc. XII, pela mo dos Templrios) sofreram inovaes, tendo surgido os primeiros exemplares de planta poligonal (sobrevivem ainda hoje os exemplos de Algoso, Sabugal, Castelo Branco, Dornes e Monsaraz, do reinado de D. Dinis e ainda a "Torre do Galo" em Freixo de Espada-a-Cinta, possivelmente do reinado de D. Fernando). Atravs de Duarte d'Armas sabemos tambm que existiriam igualmente nos castelos de Penha Garcia e Idanha-a-Nova, e nos castelos de Piconha e de Portelo.

    Este tipo de Torres de Menagem, demonstrava j um grande conhecimento, ao nvel da arquitetura militar, refletindo no s o conhecimento das vantagens deste tipo de plantas sobre as plantas quadrangulares, mas igualmente, novas formas de pensar os espaos, revelando tambm um domnio construtivo, mais perfeito das tcnicas de cobertura, sempre mais complexas em plantas no esquadriadas.

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    Ponte da Ucanha (Fonte/autoria): Luiz Pinto, disponvel http://olhares.aeiou.pt/aldeia-

    vinhateira-de-ucanha-foto1139709

    Machicoulis na Torre de menagem do Castelo de Melgao (Fonte: IHRU/DGEMN)

    A segunda novidade, ao nvel das Torres de Menagem, foi o seu deslocamento para junto das muralhas, abandonando, a habitual localizao romnica de centralidade no ptio (como em Guimares, em Faria, em Moreira de Rei, em Marialva, em Sortelha, em Pombal, em Almourol, em Belver) e de isolamento das muralhas, tal quais organismo autnomo no interior do castelo, que funcionava como um ltimo reduto deste.

    Este deslocamento objetivava, a aproximao s zonas do castelo, onde a defesa era mais sensvel e difcil, tendo-se verificado, de forma mais comum, o seu deslocamento para a proximidade da porta de acesso, j que esta se apresentava do ponto de vista defensivo, a mais difcil de defender (como bons exemplos desta nova filosofia temos os castelos do Lindoso, Montalegre, Arnoia, Lanhoso, etc.).

    Esta nova tcnica de localizao das Torres de

    Menagem revelava tambm uma maior confiana nas novas tcnicas e mecanismos defensivos dos castelos, sendo que a demonstrao desta confiana verificvel, nas Torres que comearam a ser erguidas, fora do circuito amuralhado do castelo, adossadas ao pano de muralha, pelo seu exterior, ou junto da porta de entrada do castelo, as Torres Albarrs, (como no Sabugal, em Vilar Maior, em Castelo Rodrigo, em Freixo de Espada--Cinta, no Alvito, em Silves, em Vila viosa, em Terena e em Monsaraz) opo impensvel na logica da arquitetura militar romnica.

    Finalmente, a adoo de mecanismos de tiro vertical, com a construo (j referida), de balces com mataces (como em Montalegre, Beja, Estremoz, Chaves e Sabugal) e ou machicoulis, (galerias suportadas por modilhes ou cachorros que rematavam as torres e apresentavam o cho perfurado que permitia o tiro vertical na zona de alicerce) (como em Melgao ou Freixo de Espada--Cinta) posicionados sobre as entradas do castelo e ou das torres de menagem, ou sobre zonas de defesa mais sensvel, sendo que estes ltimos mecanismos (machicoulis), se revelaram estruturas mais raras e excecionais de encontrar devido sua dispendiosa construo.

    O efeito destes balces seria mais tarde potenciado, com a construo de barbacs extensas, (como no Castelo de Santiago do Cacm) a rodear a totalidade das fortificaes ou barbacs de porta ou parcial, (como no castelo de Terena) a abranger apenas a zona de acesso e que passaram juntamente, com as portas de barbac (neste caso das barbacs extensas) rasgadas fora do alinhamento das portas de acesso aos castelos, que obrigavam as foras inimigas a itinerrios de envolvimento atravs de estreitas lias, controladas por tiro vertical.

    A arquitetura militar deste perodo tambm se traduziu em pontes fortificadas com torrees para defesa dos rios e controlo das entradas pela cobrana de portagens. Neste sentido existem trs exemplos documentados, as j extintas Ponte da Barca e Ponte de Lima e a ainda existente Ponte da Ucanha.

    Por ultimo devemos referir, que este movimento de renovao dos castelos portugueses a partir de 1288 ter sido realizado por arquitetos ou mestres

    construtores cujo saber arquitetnico elaborado, assentaria num conhecimento quer

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    das tticas defensivas e ofensivas utilizadas para submeter e/ou defender uma fortificao, quer dos apetrechos militares e as suas formas de utilizao, associados a tais aes. Contrariamente aos seus predecessores do perodo romnico que parecem ter assentado o seu esforo construtivo num saber emprico, resguardando a memoria do seu esforo construtivo no anonimato dos seus nomes, estes novos mestres dotados de conhecimentos tcnicos, especializados, fizeram questo de deixarem, pela primeira vez na histria da arquitetura militar portuguesa, inscries que nos revelaram os seus nomes como arquitetos responsveis pelas obras militares: do Castelo do Alandroal, Mestre Galvo, um Alarife mouro (1294-98); do Castelo de Albuquerque, Mestre Pedro Vicente (1306); do Castelo de Veiros, Mestre Pedro Abrolho (1308)

    36; do Castelo de Estremoz, Mestre Anto (1320), todos durante o reinado de D. Dinis Antes

    destes nomes durante o reinado de D. Dinis apenas se conhecia um exemplo durante o reinado de D. Afonso III, no Castelo de Melgao, onde surge o primeiro balco com mataces, da responsabilidade de Mestre Fernando (1263).

    Percebe-se pois que um castelo gtico j no uma construo feita por curiosos, antes o resultado do conhecimento de mestres experientes, que aplicam um conjunto de regras de construo relativamente rgidas, assentes em conhecimentos especializados. Podemos pois, eleger o reinado de D. Dinis como um momento de viragem na histria da nossa arquitetura militar, onde o triunfo em Portugal do castelo gtico e dos conceitos de defesa ativa ficam sem dvida associados ao nome do Rei Lavrador.

    Planta do Castelo do Sabugal, rodeado por fosso e barbac com mais de 3 dezenas de troneiras. (Autoria/Fonte: Duarte de Armas, escudeiro real portugus, Livro das Fortalezas)

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    Cpula da Torre de Menagem do Castelo de vora (Autoria/Fonte: Mrio Novais, Biblarte - Biblioteca de Arte-Fundao Calouste Gulbenkian)

    Com o aparecimento na pennsula Ibrica das armas de fogo, na quarta dcada do sculo XV, a adaptao da arquitetura militar Portuguesa s mesmas, s se verificou no ltimo quartel do mesmo sculo

    Estas reformas traduziram-se, inicialmente, na introduo das Troneiras ou bombardeiras, orifcios circulares nas muralhas ou torres, adaptados s bocas dos trons ou das bombardas e que consistiam em aberturas encimadas por uma ranhura em cruz ou em T para facilitar a viso e a mira dos artilheiros nos castelos, procurando adapt-los difuso das armas de tiro. Numa segunda fase j fora da nossa poca de estudo sero as prprias estruturas defensivas a sofrer remodelaes para se adaptarem ao fogo inimigo, transformando-se em fortalezas abaluartadas em forma de estrela Vauban

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    Castelos Portugueses na Idade Mdia (Autoria/Fonte: Joo G. Monteiro, Os Castelos Portugueses dos Finais da Idade Mdia, Lisboa, Colibri, 1999, p. 152-153)

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    4.3 Na arquitetura Civil

    difcil identificar a arquitetura civil desta poca havendo escassas referncias, devido a sucessivas reformas, nomeadamente em habitaes comuns, ou em casas mais aprimoradas de nobres ou burgueses dentro dos permetros urbanos.

    Assim as referncias edificao Civil misturam-se de alguma forma com a militar principalmente no seu baseamento.

    Referimo-nos adaptao dos Castelos a espaos residenciais, quer atravs das torres de menagem, com os seus vrios andares, com pisos de madeira e coberturas abobadadas em arco quebrado ou com nervuras ogivais nas zonas nobres, a denotarem j preocupaes de conforto, designadamente na criao, de um maior nmero de divises internas, de lareiras de aquecimento, assim como no aumento de equipamento de mobilirio, a serem muitas delas adotadas a habitaes dos alcaides e respetivas famlias.

    Alguns castelos transformaram-se mesmo em residncias senhoriais ou reais apalaadas, podendo-se referir no sc. XIV, os Paos rgios, de D. Dinis na alcova do castelo de Estremoz (cerca de 1320) ou de D. Fernando na alcova do castelo de bidos.

    A passagem do castelo fortificado para a residncia nobre, civil, dotada de maior conforto e luxo (palcios) sofre um impulso decisivo no sc. XV (sinal de riqueza, poder e ostentao), verificvel na multiplicao de paos nobres e reais nas principais cidades do pas, sendo de referir os casos do Pao Real de Sintra, Palcio Real de Estremoz, o Pao Episcopal de Braga, Castelo da Feira, Pao Ducal de Guimares, Pao Ducal de Barcelos, Castelo de Ourm, Pao acastelado de Porto de Ms.

    Paos do Duque de Bragana em Guimares (Autoria/Fonte: Nuno Gonalves)

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    5 O GTICO EM PORTUGAL - CARACTERIZAO

    5.1 Introduo Em Portugal, os elementos da nova arquitetura, foram aparecendo pela ordem seguinte:

    1. Metade do sculo XIII: lenta introduo do estilo gtico, casos do Mosteiro de Alcobaa e do claustro da S de Coimbra, provavelmente por construtores estrangeiros;

    2. Metade do sculo XIII e sculo XIV: perodo de maior estabilidade no territrio portugus, devido ao fim da guerra com os muulmanos e ao desenvolvimento econmico e urbano que se faz sentir, suscitando grande nmero de construes, por iniciativa dos reis ou dos nobres, e mesmo a remodelao de muitas igrejas romnicas; destacam-se a S de vora e templos ou mosteiros e conventos em Coimbra, Santarm, Tomar e Lisboa, alm de outros no Norte do pas;

    Sculos XIV e XV: a poca do florescimento do gtico em Portugal, correspondendo ao projeto do Mosteiro de Santa Maria da Vitria, na Batalha, a igreja de N. Sr. da Graa, em Santarm, as catedrais da Guarda e de Silves e o Convento de N. Sr. do Carmo, em Lisboa;

    Sculos XV e XVI: o gtico final ou manuelino, uma arte feita de muitas influncias (onde os elementos gticos, mouriscos e influncias renascentistas se mesclam), originando um sentido ornamental muito especfico, com elementos de herldica rgia aliada a formas naturalistas (fauna e flora martimas); na arquitetura, as estruturas gticas essenciais mantm-se, mas agora aliadas a novos conceitos de espao e iluminao com preferncia por igrejas de naves todas mesma altura ou por igrejas salo; surgem novos elementos formais, estruturais ou decorativos, sobretudo na diversidade de tipologias de arcos, abbadas e portais; gosto por uma decorao abundante e exuberante, com um caracter barroco mesmo, associada arquitetura, e cuja temtica decorativa tem como base motivos naturalistas de influncia marinha, vegetalista e de animais fantsticos, simbologia ligada expanso de Portugal (Descobrimentos) e herldica rgia (a esfera armilar, a cruz de Cristo, o escudo rgio), tendo assim um objetivo propagandstico do poder imperial do rei e do pas.

    5.2 O Gtico inicial

    A Norte, em algumas igrejas e capelas romnicas com a sua caracterstica decorao grosseira, rude, mas variada, consegue-se perceber a influncia de varias fontes de inspirao e entre elas a algumas da arte Gtica.

    Os portais tornam-se mais esguios e os capitis perdem a individualidade e comeam a adotar os motivos vegetalistas da gramtica decorativa do novo estilo. Por vezes, os arcos de volta perfeitos so substitudos por arcos quebrados, as molduras so mais finas, as arquivoltas menos profundas e aparece em todas elas a mesma decorao geomtrica.

    A variedade das intervenes torna difcil a datao destas transformaes, e a identificao de quais os primeiros monumentos em que as podemos verificar.

    Constituem pois um problema, que os os nossos conhecimentos atuais nos no permitem resolver. A Arte romnica revelou-se tardiamente em Portugal. Mesmo a norte na regio de predominncia, Entre Douro e Minho. h igrejas do

    sculo XIII, contemporneas da grande Abadia de Alcobaa e da Catedral de vora, que parecem terem sido edificadas pelo menos um sculo antes. Mesmo no sculo XIV, a arte romnica manifesta-se ainda nalgumas construes religiosas da mesma regio.

    Foi preciso que se erguessem os slidos muros da Abadia de Alcobaa e da Catedral de vora para que surgissem dois grandes monumentos em que a estrutura e a verticalidade gtica abriram um caminho amplo para a sua afirmao.

    CHIC, Mrio Tavares A Arquitetura Gtica em Portugal, 4 Edio, Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pg. 35

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    5.2.1 Das Ordens Monsticas tradicionais (Sc. XI e XII)

    Mosteiro de Santa Maria de Alcobaa

    Fachada Principal do Mosteiro de Alcobaa

    (Autoria/Fonte: Carlos Pedro, disponvel em http://olhares.aeiou.pt/mosteiro-de-alcobaca-foto940681.html)

    Fachada Principal do Mosteiro de Alcobaa

    (Autoria/Fonte: Carlos Pedro, disponvel em http://olhares.aeiou.pt/mosteiro-de-alcobaca-foto940681.html)

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    Abadia de Santa Maria de Alcobaa (fund. 1153) - Foi a 1 obra gtica erguida em solo portugus. inteno poltica juntaram-se razes de ordem espiritual. S em 1223 os monges se instalaram na

    nova abadia. Quase todos os mosteiros da Ordem de Cister obedeciam a modelos franceses, e a mo-de-obra era importada de Frana.

    Descrio:

    Estrutura de planta em cruz latina, com transepto desenvolvido e 3 naves com cabeceira com deambulatrio e 9 capelas radiais;

    O corpo da igreja possui naves de igual altura, sendo as laterais muito estreitas e verticais; A nave central dividida das colaterais por 12 pares de pilares de grande permetro; As naves so inteiramente abobadadas; A ornamentao , em todo o conjunto, bastante contida: so apenas apontamentos vegetalistas,

    que nunca escondem a estrutura dos suportes (antes a evidenciam) e se restringem a um geometrismo estilizado. No existem figuraes fantsticas ou temas doutrinrios na escultura ornamental em Alcobaa;

    - H um sistema regrador de propores cada lado da nave central composto por 12 pilares (24 ao todo). No transepto tambm so 12 os pilares, dispostos transversalmente: 12 so os Apstolos (pilares da Igreja segundo o simbolismo consagrado nos Evangelhos).

    O Abade do Claraval insurgia-se contra a profusa decorao (a seu ver monstruosa), quase sempre figurativa e fantstica, mas tambm contra os excessos em geral, o luxo ou o suprfluo, o ideal beneditino dirigia-se para uma beleza interior, valorizando o trabalho da alma.

    Enquanto o interior demonstra a existncia de um gtico avanado, o exterior exprime a austeridade cisterciense:

    No existem torres; As fachadas possuem apenas uma parede lisa, com empena triangular; As paredes so contrafortadas, exceto na cabeceira, onde surgem pela primeira vez os

    arcobotantes na arquitetura portuguesa; Exterior coroado com merles - solidez militar contrastante com a verticalidade e a transparncia

    do interior. Marcando toda a arquitetura gtica deste perodo caracterizada por um certo ar de secura e

    simplicidade, que vigorou at ao arranque do estaleiro da Batalha nos finais do sc. XIV, incios do sc. XV.

    Planta da Igreja do mosteiro de Alcobaa (Autoria/Fonte: SIPA - Sistema de Informao para o Patrimnio Arquitetnico)

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    Refeitrio e Transepto (Autoria/Fonte: Mrio Novais, Biblarte - Biblioteca de Arte-Fundao Calouste Gulbenkian)

    Dormitrio (Autoria/Fonte: Mrio Novais, Biblarte - Biblioteca de Arte-Fundao Calouste Gulbenkian)

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    5.2.2 O Experimentalismo de origem militar

    Entretanto, no centro do pas, fizeram-se 2 experincias fundamentais para a implantao do novo estilo: Igreja de S. Joo de Alporo (Santarm) e de Santa Maria do Olival (Tomar), ambas de c. 1250 e encomendadas por ordens militares. Estavam ambas na linha de combate ao Islo e essa superioridade/identidade podia demonstrar-se atravs da utilizao de um novo estilo artstico.

    Em ambos os casos estamos perante modelos nacionais, transformados em edifcios do novo estilo. Dos dois modelos, acabou por vingar o de Tomar, que durante a Idade Mdia serviu de modelo a

    dezenas de outras igrejas nacionais. Dele derivam, por exemplo, quase todas as igrejas dos mosteiros mendicantes e uma grande parte das paroquiais erguidas no sc. XIV e mesmo nos reinados de D. Joo II e D. Manuel I.

    S. Joo de Alporo

    A igreja de So Joo de Alporo constitui um caso nico na arquitetura medieval portuguesa. Produto hbrido estilisticamente, aqui coexistem solues filiadas em esquemas romnicos e outras j nitidamente gticas, caracterstica que confere a este templo um estatuto mpar no panorama arquitetnico de Santarm e at do pas, pelo elevado grau de experimentalismo, de "primeiro efeito de descontinuidade na arquitetura escalabitana" (PEREIRA, 1997, p.102) e, simultaneamente, de "primria ligao dos dois estilos" (SEQUEIRA, 1949, p. XVII).

    A sua fundao deve-se Ordem de So Joo do Hospital, cuja fixao na cidade situa-se entre 1159 e 1185 (CUSTDIO, 1994, p.17). No foral de 1179 pode depreender-se j a presena dos Hospitalrios no territrio (BEIRANTE, 1980) mas, at ao momento, a data exata de estabelecimento perma