abraÃo de oliveira possibilidade de aplicaÇÃo do direito penal … · 2020. 3. 3. · o45p...
TRANSCRIPT
-
UniSALESIANO LINS
CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM
CURSO DE DIREITO
ABRAÃO DE OLIVEIRA
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO
NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
LINS/SP
2019
-
ABRAÃO DE OLIVEIRA
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Monografia apresentada ao curso de Direito do
UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação do Professor
Doutor Osvaldo Moura Junior como um dos
requisitos para obtenção do título de bacharel em
Direito.
LINS/SP
2019
-
Oliveira, Abraão O45p Possibilidade de aplicação do direito penal do inimigo no
ordenamento jurídico brasileiro / Abraão de Oliveira – – Lins, 2019. 74p. 31cm.
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Direito, 2019.
Orientador: Osvaldo Moura Junior
1.Direito Penal. 2. Evolução Criminal. 3. Expansionismo. 4. Inimigo. I Título.
CDU 34
-
ABRAÃO DE OLIVEIRA
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Monografia apresentada ao curso de Direito do
UniSALESIANO, Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium, sob a orientação do Professor
Doutor Osvaldo Moura Junior como um dos
requisitos para obtenção do título de bacharel em
Direito.
Lins, junho, 2019.
Professor Doutor........................................................................ Osvaldo Moura Junior
Professor Doutor.......................................................................... Pedro Lima Marcheri
Professor Mestre......................................................... Raphael Hernandes Parra Filho
-
Dedico este trabalho a minha mãe e ao
meu pai (in memoriam).
-
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois sem ele nada disso seria possível.
Agradeço em especial a minha mãe, que sempre foi uma mulher guerreira e
me ensinou a correr atrás dos meus sonhos, mesmo sem muito estudo, sempre teve
uma capacidade de resolver problemas e situações de uma maneira extraordinária,
não é a toa que é a pessoa mais incrível que conheço.
Agradeço aos meus irmãos, Thino e Hugo, os quais são a minha base e
segurança para conseguir focar nos meus objetivos, pois estão sempre cuidando da
nossa mãe desde o dia que sai de casa.
Agradeço a minha namorada que esteve ao meu lado em momentos difíceis,
e que não me deixou quando eu mais precisei. Agradeço aos meus amigos/irmãos
que moram comigo.
Agradeço a todos os meus amigos que direta ou indiretamente contribuíram
com o meu êxito nos estudos.
Agradeço ao meu Orientador Professor Doutor Osvaldo Moura Junior, por me
orientar e contribuir de maneira fundamental e decisiva na realização deste trabalho,
pois de maneira competente e profissional me instruiu para obtenção do sucesso.
-
A liberdade e os princípios libertários são
uma coisa que não se perde se não com a
vida.
José Bonifácio
-
RESUMO
A sociedade se encontra em constante mutação, com isso, o surgimento de novos crimes, decorrentes de uma sociedade de risco pós-moderna, partindo deste pressuposto, se criou a necessidade do direito penal acompanhar tal evolução e se adequar de maneira a proteger tal sociedade. O expansionismo penal através da mudança das políticas criminais se tornou uma necessidade. O direito penal do inimigo surge como uma resposta a essa evolução criminal, a essa transformação delitiva de crimes individuais para transindividuais. Com isso, se faz necessário avaliar a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, se adequando aos princípios constitucionais penais, se aliando a essa possibilidade está a mudança de paradigmas penais, e o anseio em combater a criminalidade pós-moderna. Para que isso se torne uma realidade é necessário fazer diversas comparações e estudos, tanto atuais, quanto da história do direito penal brasileiro, para se avaliar a adequação ao ordenamento jurídico constitucional brasileiro do direito penal do inimigo.
Palavras-chave: Direito penal. Evolução criminal. Expansionismo. Inimigo.
-
ABSTRACT
The society is constantly changing, as the result of new crimes arising from a postmodern risk society, based on this assumption, created the necessity to criminal law to follow this evolution and to adapt in a way to protect such society. Criminal expansionism through the shift of criminal policies has become a necessity. The enemy criminal law appears as a response to this criminal evolution, for the transformation from individual to transindividual crimes. Such that, it is necessary to evaluate its applicability in the Brazilian legal system, adapting to the criminal law constitutional principles, allying to this possibility, is the change of criminal paradigms, and the desire to combat the postmodern criminality. For it becomes a reality it is necessary to make several comparisons and studies, both current and the Brazilian criminal law history, to assess the adequacy of the enemy criminal law to the Brazilian constitutional legal order.
Keywords: Criminal Law. Criminal Evolution. Expansionism. Enemy.
-
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
Capítulo I - DIREITO PENAL BRASILEIRO E SUAS INFLUÊNCIAS .................... 13
1.1 - O Iluminismo e Beccaria ................................................................................ 14
1.2 - Teoria do Garantismo Penal .......................................................................... 17
1.3 – Direito penal mínimo ..................................................................................... 20
Capítulo II – MOVIMENTO DE POLÍTICAS CRIMINAIS E OS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS PENAIS .................................................................................. 24
2.1 – Movimento de políticas criminais ................................................................ 24
2.2 – Os princípios constitucionais penais .......................................................... 32
Capítulo III – DIREITO PENAL DO INIMIGO .......................................................... 41
3.1 – Direito penal do inimigo na concepção de Günther Jakobs ..................... 42
3.2 – O direito penal do inimigo no Brasil ............................................................ 45
3.3 – Direito penal do autor x direito penal do fato ............................................. 48
3.4 – Direito penal máximo .................................................................................... 50
3.5 – Velocidades do Direito penal ....................................................................... 52
3.5.1 – Primeira Velocidade ................................................................................... 53
3.5.2 – Segunda Velocidade .................................................................................. 53
CAPÍTULO IV – A APLICABILIDADE DO EXPANSIONISMO PENAL NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ............................................................ 55
4.1 – Expansionismo penal na visão de Silva Sanches ...................................... 55
4.2 – Sociedade de Risco ....................................................................................... 59
4.3 – Mudança de paradigma penal ...................................................................... 62
4.4 – Adequação ao Ordenamento Jurídico Constitucional Brasileiro ............. 64
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 70
-
9
INTRODUÇÃO
A evolução da sociedade brasileira em virtude da globalização e
principalmente do avanço tecnológico fez o âmbito econômico evoluir de maneira
avassaladora, a constante busca em se destacar na sociedade, e a frequente
mudança de hábitos e valores, fez aumentar a desigualdade de maneira
desproporcional, se não bastasse isso, o crime acompanhou toda essa evolução
tornando os meios de prevenção e combate arcaicos e desarrazoados.
Com isso, o modelo de política criminal brasileiro não se coaduna mais com o
direito penal clássico de inspiração iluminista, haja vista o surgimento de novos tipos
penais (transindividuais), e para que seja possível sua eficaz persecução é
necessário que o direito penal evolua de acordo com a evolução da sociedade e
principalmente destes crimes.
A política criminal brasileira vem sofrendo constantes alterações, conforme se
muda os hábitos e valores da população. O crime se desenvolve de acordo com o
desenvolvimento da sociedade como um todo, o modelo de política criminal
brasileiro visa a combater os crimes individuais do Código Penal de 1940, como isso
os delitos que vem surgindo não são combatidos de maneira eficiente, tornando
assim a atividade criminosa lucrativa e impune.
Nessa linha, visando combater essas impunidades e deficiências do direito
penal clássico surge uma segunda velocidade do direito penal, que se caracteriza
por um direito penal simbólico, tendo em vista que a pena de prisão, neste caso, é
deixada de lado, e, em regra se aplica a crimes de menor potencial ofensivo e que a
pena cominada seja menor de dois anos.
Mas isso passa longe de combater a criminalidade moderna, a qual está cada
vez mais desenvolvida e lucrativa, o crime passou a ser organizado, transnacional,
transindividual, não sendo mais possível o seu combate por um modelo de política
criminal que se baseia em tutelar, em regra, bens jurídicos individuais.
-
10
A insatisfação social com o modelo de política criminal clássico aumenta de
maneira indiscriminada, assim como a criminalidade, nesse caminho, a teoria do
direito penal do inimigo, que surgiu em 1985, liderada pelo alemão Gunther Jakobs,
começa a ganhar diversos seguidores e adeptos, pois visa inserir políticas públicas
de combate rigoroso ao crime e por punir o autor e não o fato, haja vista que se
aproveita de um discurso de prevenção do crime, para utilizar um maior rigor penal.
Partindo dessas premissas, no decorrer deste trabalho, procurou-se
responder alguns questionamentos: Quais são as influências do direito penal
brasileiro? Os movimentos de políticas criminais no Brasil se coadunam com a
Constituição? Em que compreende o direito penal do inimigo? O direito penal do
inimigo influenciou o expansionismo penal no Brasil?
A justificativa para a presente trabalho se encontra no aumento exponencial
da criminalidade que apavora a sociedade brasileira, a sensação de impunidade e
insegurança, que faz com que o cidadão de bem construa muros cada vez mais
altos, com cercas e câmeras, tornando-os mesmos reféns dentro de suas próprias
casas.
O objetivo do presente estudo é o direito penal do inimigo e a possibilidade de
sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro que se encontra carente de
políticas criminais que consigam combater o avanço dos crimes transindividuais.
A metodologia trabalhada nesta monografia é o estudo descritivo-analítico, o
qual foi desenvolvido através de pesquisas bibliográficas, se fundamentando em
livros sobre o assunto, bem como artigos da internet, e pesquisas oficiais sobre a
criminalidade, que de maneira direta ou indireta abordem o tema em análise, que
terá como fim a ampliação dos conhecimentos, qualitativa, procurando desenvolver o
tema no ordenamento jurídico brasileiro, descritiva, haja vista que buscará
descrever, classificar e esclarecer o problema apresentado, com o objetivo de
aperfeiçoamento das ideias sobre o tema.
O procedimento metodológico fundou-se em pesquisas bibliográficas
fundamentadas em livros, artigos e pesquisas oficiais.
-
11
A tipologia da pesquisa foi à utilização de resultados, haja vista que foi
realizada com a intenção de ampliar os conhecimentos. Seguindo uma abordagem
qualitativa, apreciando a realidade moderna no diz respeito ao tema e sua aplicação
no ordenamento jurídico brasileiro.
Os objetivos da pesquisa são descritivos, explicativos e esclarecedores,
buscando aprimorar ideias e buscando mais informações sobre o assunto.
No primeiro capítulo, serão abordados as influencias do direito penal
brasileiro, desde o iluminismo tratado por Beccaria que trouxe ao direito penal
brasileiro a segurança jurídica e um de seus princípios mais importantes, o principio
da legalidade, a teoria do Garantismo penal que prega a diminuição do poder
punitivo do Estado e aumento das liberdades individuais e o direito penal mínimo
que visa diminuir a intervenção do direito penal para que verdadeiramente possa ser
chamado de ultima ratio.
No segundo capítulo, será analisado o movimento de políticas criminais e os
princípios constitucionais penais, os quais visam nortear as estratégias e métodos de
controle social dos comportamentos nocivos à sociedade, ela que traz a
possibilidade de apresentar propostas para alterações do direito penal, adequando-o
a realidade social que se encontra a sociedade que se pretende regular.
No terceiro capítulo, faz-se a apresentação do direito penal do inimigo, expõe-
se sua concepção e aplicação no Brasil, a sua concepção através de Günter Jakobs,
a diferenciação de direito penal do autor e direito penal do fato, demonstra-se o que
é o direito penal máximo e as velocidades do direito penal.
No quarto e derradeiro capítulo, explora-se a aplicação do expansionismo
penal no ordenamento jurídico brasileiro, esse expansionismo é analisado na visão
de Silva Sanches, analisa-se também a sociedade de risco do ponto de vista de
Ulrick Beck que traz as consequências do desenvolvimento cientifico e industrial, as
mudanças de paradigma penal ante aos novos riscos que surgiram com a
globalização e a adequação ao ordenamento jurídico constitucional brasileiro.
Assim, o trabalho busca aduzir alguns conceitos sobre direito penal clássico,
iluminismo, garantismo, política criminal, direito penal do inimigo, expansionismo
-
12
penal, verificando-se a possibilidade de aplicação do direito penal do inimigo no
ordenamento jurídico brasileiro, adiantando-se que já é aplicado, cabe esclarecer se
encontra harmonia constitucional.
-
13
Capítulo I - DIREITO PENAL BRASILEIRO E SUAS INFLUÊNCIAS
As principais escolas que influenciaram o Direito penal brasileiro para a
concepção que se tem hoje, foram as escolas clássica e positivista.
O Iluminismo, e a sua influência direta na escola clássica, foi um movimento
que deu origem a ideais de liberdade, tendo a humanização das penas, e a defesa
da individualidade como prioridade, afinal o Iluminismo valorizava a razão, o
questionamento, a crença nos direitos, dentre muitas outras características que
foram determinantes para a mudança de pensamento que ocorria a época, haja vista
que as penas eram extremamente cruéis.
Em consideração a importância de estar situado em uma das principais
influências para o Direito penal atual, tal assunto será explorado de maneira mais
aprofundada neste trabalho.
Já a escola positivista surgiu em contraste à clássica, pois a mesma visava
defender a coletividade contra o infrator, tinha por objetivo a defesa da sociedade em
prol da individualidade. Porém, isto não deve ser entendido com aplicar penas cruéis
novamente, mas sim, na efetiva resposta punitivista do Estado, dando uma
satisfação para a Sociedade. Insta salientar que o positivismo surgiu no final do
século XIX, período este de expansão da criminalidade.
Partindo dessas premissas, esclarecedor o que diz Moraes, sobre o tempo, a
sociedade e a adaptação do direito a essa evolução:
Assim como o tempo é uma instituição social antes de ser um fenômeno físico e uma experiência psíquica, o Direito é uma construção da vida em sociedade. Enquanto o tempo “é o árbitro supremo das épocas e das quadras históricas da sociedade humana”, o Direito é um perfeito “raio-x da ética social”. (MORAES, 2016, p. 23).
-
14
A escola clássica e positivista influenciou diretamente o Direito penal
brasileiro, haja vista que é inconteste a aplicação de ambas no Código Penal
Brasileiro de 1940, promulgado em 1942 e, vigente até os dias atuais, o qual pune
os crimes de natureza individual com penas humanizadas e ao mesmo tempo
protege a sociedade, em especial os crimes relacionados ao patrimônio.
1.1 - O Iluminismo e Beccaria
O Iluminismo ou século das luzes promoveu significativas mudanças do
pensamento à época, principalmente no que diz respeito à mudança política,
econômica e social. Tinha como fundamento os ideais franceses de liberdade,
igualdade e fraternidade.
A influência do movimento intelectual defendia a razão, esta, denominada
“luz”, que tem como objetivo a verdade e o conhecimento da história para que se
faça uma reflexão pessoal pautada pelo racionalismo, conhecimento da verdade e
humanidade.
Partindo da premissa que influenciou a sociedade como um todo, no presente
trabalho será explorada a influência do iluminismo no Direito penal, já que não havia
uma uniformização, tipificação de crimes, posto que vigorava o estudo de casos, ou
seja, a lei era aplicada conforme o caso. Não havia uma segurança jurídica na esfera
penal, haja vista que o aplicador da lei podia estender o seu entendimento e
interpretação e aplicar da forma que ele acreditava ser correto. (BECCARIA, 2001).
Inserido nesse contexto de luz, Beccaria defendia mudanças junto ao Direito
penal, por isso pregava importantes modificações, que serão exploradas no decorrer
deste capítulo.
Beccaria (2001) defendia que só as leis poderiam fixar penas, inegavelmente
estava a falar do princípio que se conhece hoje por legalidade. Princípio este que
traz “segurança jurídica”, pois como se poderia viver em sociedade sem conhecer
-
15
suas regras de convivência, as quais devem estar postas para que não seja objeto
de dúvidas, e muito menos que a sua aplicação no Direito penal, a ultima ratio, seja
a bel prazer e de forma indiscriminada pelo magistrado, que a época e pelo que
consta era aplicada conforme o julgador pensava, ou seja, se ele era mais severo, a
punição também seria rememorando que a lei autorizava o magistrado estender a
sua interpretação. Vejamos a sua concepção desse princípio:
A PRIMEIRA consequência desses princípios é que só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social. Ora, o magistrado, que também faz parte da sociedade, não pode com justiça infligir a outro membro dessa sociedade uma pena que não seja estatuída pela lei; e, do momento em que o juiz é mais severo do que a lei, ele é injusto, pois acrescenta um castigo novo ao que já está determinado. Segue-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão. (BECCARIA, 2001, p. 10).
E justifica a sua concepção:
Cada homem tem sua maneira própria de ver; e o mesmo homem, em diferentes épocas, vê diversamente os mesmos objetos. O espírito de uma lei seria, pois, o resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou penosa, da fraqueza do acusado, da violência das paixões do magistrado, de suas relações com o ofendido, enfim, de todas as pequenas causas que mudam as aparências e desnaturam os objetos no espírito inconstante do homem. Veríamos, assim, a sorte de um cidadão mudar de face ao passar para outro tribunal, e a vida dos infelizes estaria à mercê de um falso raciocínio, ou do mau humor do juiz. Veríamos o magistrado interpretar apressadamente as leis, segundo as idéias vagas e confusas que se apresentassem ao seu espírito. Veríamos os mesmos delitos punidos diferentemente, em diferentes tempos, pelo mesmo tribunal, porque, em lugar de escutar a voz constante e invariável das leis, ele se entregaria à instabilidade enganosa das interpretações arbitrárias. (BECCARIA, 2001, p. 12).
Nessa senda, Beccaria (2001) defendia que o Soberano à época, o qual hoje
se conhece por aqueles que representam o povo e dirigem o Estado, só podem criar
leis, não podendo julgar quem as viola. Por um simples motivo, aquele que está
-
16
acusando (Estado) é o mesmo que vai julgar o acusado pela suposta violação do
contrato social, ora não faz sentido, por isso a necessidade de um magistrado entre
ambos, que dirá se houve a violação ou não, sendo este vinculado a Lei (vontade do
povo). (BECCARIA, 2001).
O contexto à época vivido, a forte influência do Iluminismo no pensamento de
Beccaria, demonstra a racionalidade do mesmo, quando ele fala do cuidado que se
deve ter ao aplicar a ultima ratio, a importância de observar os preceitos legais, para
não continuar a cometer as mesmas barbáries que eram cometidas no tempo das
trevas, o qual o Iluminismo é totalmente contrário, haja vista que coloca a razão
como ponto central e não a teologia.
Assim, os conceitos e justificativas para punir alguém relacionados à
metafísica, divindades, crenças, dentre outros, começaram a ser deixados de lado,
para que se pudesse aplicar a “luz”.
Essa razão que o século das luzes pregava, serviu de fundamento para
Beccaria pregar sua teoria de humanização das penas impostas pelo Estado, haja
vista a crueldade das mesmas.
Neste sentido, assim disserta Bitencourt:
A pena deve ser proporcional ao crime, devendo-se levar em consideração, quando imposta, as circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo do delinquente (2004, p. 32).
Levando-se em consideração a influência do iluminismo e as lições de
Beccaria ora apresentados, tem-se a razão como ponto central no direito penal,
sobretudo em relação à aplicação das penas. Desse modo, torna-se evidente o
iluminismo como base para o surgimento das teorias garantistas.
-
17
1.2 - Teoria do Garantismo Penal
A proteção dos direitos e garantias fundamentais conjecturado no artigo 5º da
Carta Política de 1988 da República Federativa do Brasil encontra especial proteção
na Teoria do Garantismo Penal, teoria esta, que visa proteger o direito do individuo,
em regra não podendo colocar o direito social acima e nem mesmo equiparado a
este, estando assim o direito individual em posição privilegiada com relação a
qualquer outro direito.
Entretanto, isso não quer dizer retirar o poder punitivo do Estado ou qualquer
expressão congênere, mas sim, diminuir ao máximo necessário o poder de punir do
mesmo e aumentar as liberdades do individuo asseguradas pelo texto
Constitucional.
O Garantismo Penal é uma teoria onde há a diminuição do poder restritivo do
Estado e o aumento das liberdades individuais, sendo estas regradas. Ora, não se
tem aqui um modelo extremo, senão estar-se-ia diante de algo abolicionista o que
traria total insegurança ao Estado Democrático de Direito. (FERRAJOLI, 2002).
O Garantismo demonstra de forma cristalina que os direitos humanos são
utilizados em sua totalidade como limites no Estado Democrático de Direito no qual
se vive atualmente.
Ferrajoli (2002, p. 75) em seu livro elenca as premissas que o Direito penal
deve seguir, para que o mesmo consiga estar sempre em harmonia com a
Constituição da República, nesse ponto importante citar o que aduz o autor a
respeito, vejamos:
Dez axiomas do Garantismo Penal: o sistema garantista SGDenomino garantista, cognitivo ou de legalidade estrita o sistema penal SG, que inclui todos os termos de nossa série. Trata-se de um modelo-limite, apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização resulta da adoção de dez axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma tradição escolástica, com outras tantas máximas latinas:
-
18
A1 Nulla poena sine crimine
A2 Nullum crimen sine lege
A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate
A4 Nulla necessitas sine injuria
A5 Nulla injuria sineactione
Ad Nulla actio sine culpa
A7 Nulla culpa sine judicio
A8 Nullum judicium sine accusatione
A9 Nulla accusation sine probatione
A10 Nulla probatio sine defensione
Denominam-se estes princípios, ademais das garantias penais e processuais
por eles expressas, respectivamente: 1) princípio da retributividade ou da
consequencialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade, no
sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou da economia do
Direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da
materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da
responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionariedade, também no sentido lato
ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação;
9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou
da defesa, ou da falseabilidade. (FERRAJOLI, 2002, p. 75).
Conforme o texto supramencionado, observam-se as “regras do jogo”. Esse é
o modelo garantista de direito, o qual foi elaborado sob os ideais dos pensamentos
jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, com influencia do iluminismo, ou seja, a luz
(razão) como farol para que seja possível fazer uma reflexão com humanidade.
Os dez axiomas são garantias penais e processuais que visam assegurar os
direitos e garantias fundamentais, tornando o processo justo e imparcial para que
traga a sensação de segurança que a sociedade clama e cause o mínimo possível
de dano ao infrator, haja vista que todos os demais direitos a ele continuam
-
19
assegurados, pois em regra o Direito penal trata da constrição de liberdade daquele
que comete o delito. (FERRAJOLI, 2002).
Tais axiomas são de vital importância para o Estado de Direito, pois não há
que se admitir ou até mesmo falar em um Estado autoritário e arbitrário que venha a
abolir ou restringir direitos e garantias fundamentais sem o devido respeito ao
processo legal e aos direitos da pessoa humana.
A ideia do Garantismo Penal visa combater e proteger o direito individual do
delinquente até mesmo do clamor social, ele não permite utilizar este clamor como
fundamento para censurar direitos e garantias fundamentais, ou seja, aqui o direito
do individuo está acima do social.
Com isso, fica claro que essa teoria trata do direito penal do fato e não do
autor. Direito penal do autor é defendido pelo Direito penal do inimigo, direito este
que está em dissonância com a Teoria Garantista.
O Direito penal do autor na visão garantista é algo desarrazoado, pois para
ele o Estado punir alguém com base em critérios subjetivos do individuo, por
questões sociais e culturais, ou pela suposição de possibilidade de nova prática
delitiva é de um contrassenso imensurável. Estar-se a falar então daquilo que o
Garantismo visa combater de forma veemente que é o Estado autoritário/arbitrário
ou sistema penal autoritário/arbitrário/desarrazoado.
A Teoria Garantista preocupa-se em realizar os objetivos de um Estado
evidentemente Democrático, o qual os direitos e garantias fundamentais devem ser
preservados e tutelados, senão estar-se-ia a falar de um Estado autoritário.
O Garantismo traz em sua essência que a Lei deve ser a garantidora dos
direitos fundamentais para assegurar a dignidade da pessoa humana, e que sua
validade está relacionada diretamente ao respeito dos direitos e garantias que a
Constituição da República garante aos seus cidadãos.
Respeitar esses direitos é uma garantia social dos cidadãos, como bem aduz
Ferrajoli (2002), ademais, os mesmos foram conquistados com muita luta, que quer
dizer exercê-lo de maneira constante, e defendê-lo de maneira firme de qualquer
-
20
ameaça para que seja garantida a sua posse e conseguinte valorização da
dignidade da pessoa humana, pois um direito não exercitado e não defendido está
condenado a caducar e se perder, ou seja, direito não é uma concessão, mas sim
resultado do seu incessante exercício, muitas vezes através de árduas conquistas.
Ferrajoli salienta essa garantia social, vejamos:
É precisamente esta garantia social a condição de efetividade de todo o ordenamento e de seu sistema normativo de garantias jurídicas e políticas. A sua definição mais eficaz é aquela oferecida pelo art. 23 da Constituição francesa do ano I: "la garantie sociale consiste dansl'action de tous pourassurer à chacun la jouissance et la conservation de ses droits; cette garantie repose sur La souveraineté nationale”. O seu fundamento pode ser identificado pelo sentimento que têm quaisquer dos próprios direitos fundamentais: que quer dizer o sentido da própria identidade de pessoa e da própria dignidade do cidadão. Este "amor próprio" equivale à assunção subjetiva daqueles valores da pessoa que pusemos na base dos direitos fundamentais. E constitui, com paradoxo aparente, o pressuposto cultural do sentido da igualdade, como também da solidariedade e do respeito civil de outras identidades da pessoa. O sentimento dos próprios direitos fundamentais - toda outra coisa, como visto, dos próprios "direitos-poderes" - equivale, justamente pelo seu caráter universal, igualitário e indivisível, ao sentimento dos direitos fundamentais de outros, e por esta razão ao reconhecimento dos outros como pessoas, dotadas do mesmo valor associado à própria pessoa. (2002, p.755).
A Teoria do Garantismo Penal é aquela que tem como limite a dignidade da
pessoa humana para o exercício do poder punitivo do Estado, não sendo admitidos
autoritarismo e arbítrios, a fim de que sejam os direitos e garantias fundamentais
assegurados a todos os cidadãos, isto é, não se está a falar de impunidade, e sim de
punições justas e humanas para o delinquente.
1.3 – Direito penal mínimo
O Direito penal mínimo tem como proposta diminuir ao máximo a intervenção
do Estado através do Direito penal, e apenas o fazer quando o dano causado ao
bem jurídico tutelado, que foi objeto do crime não tenha reparação por nenhum outro
-
21
ramo do Direito. A partir dessa premissa, de forma verdadeira e fiel, utilizar a
expressão ultima ratio legis para o Direito penal Brasileiro. (FERRAJOLI, 2002).
Essa teoria defende que a intervenção do Estado deve ser feita quando há um
risco efetivo à sociedade. Não se fala aqui de abolicionismo penal, mas sim que
existem diversas outras maneiras de se efetivar a justiça.
O Direito penal é o último recurso e deve ser utilizado como tal, não devendo
assim, ser utilizado como arma de coação do Estado para com seus cidadãos, pelo
contrário, deve ser a arma garantidora da paz social e de garantia do Estado
Democrático de Direito.
A regra da carta política do Brasil é a liberdade, os direitos e garantias
fundamentais, e a dignidade da pessoa humana norteiam seus princípios e
fundamentos.
O direito penal mínimo está intrínseco na Constituição, com isso, o Direito
penal deve se adequar a ordem constitucional vigente, surgindo assim à
necessidade de uma política criminal que diminua a aplicação do Direito penal,
sendo este aplicado quando o bem jurídico tutelado sofra uma lesão que não seja
possível à reparação por outros ramos do direito, e, além disso, seja um choque a
sociedade, ai sim estaria autorizado à aplicação da ultima ratio legis, que em regra
seria a constrição da liberdade do cidadão que veio a delinquir. (FERRAJOLI, 2002).
O direito penal mínimo tem como base o Garantismo Penal, pois se
fundamenta na intervenção mínima do Estado e se baseia nos direitos e garantias
fundamentais da Constituição da República.
Têm-se então as regras do jogo, mas aqui essas regras são ainda mais
humanizadas e despenalizadas para garantir a efetivação plena do que garante a
Constituição aos seus cidadãos.
De maneira simples fala-se em efetivar a justiça através de outros ramos do
direito, como civil, administrativo, dentre outros. Tem que mudar esta visão arcaica
de ver a justiça apenas no Direito penal, têm-se muitas outras formas de efetiva-la.
-
22
Deve-se deixar o último recurso para àqueles crimes e condutas que realmente
causem um dano efetivo a sociedade.
O direito penal mínimo está condicionado aos limites imposto não pela Lei
Penal, mas sim pela Constituição Federal, especificamente pelo principio de
dignidade da pessoa humana. Ferrajoli ilustra bem o Direito penal mínimo, e a forma
de garantir os direitos fundamentais do cidadão:
Está claro que o Direito penal mínimo, quer dizer, condicionado e limitado ao máximo, corresponde não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, mas também a um ideal de racionalidade e de certeza. Com isso resulta excluída de fato a responsabilidade penal todas as vezes em que sejam incertos ou indeterminados seus pressupostos. Sob este aspecto existe um nexo profundo entre garantismo e racionalismo. Um Direito penal é racional e correto à medida que suas intervenções são previsíveis e são previsíveis; apenas aquelas motivadas por argumentos cognitivos de que resultem como determinável a "verdade formal", inclusive nos limites acima expostos. Uma norma de limitação do modelo de Direito penal mínimo informada pela certeza e pela razão é o critério do favor rei, que não apenas permite, mas exige intervenções potestativas e valorativas de exclusão ou de atenuação da responsabilidade cada vez que subsista incerteza quanto aos pressupostos cognitivos da pena. A este critério estão referenciadas instituições como a presunção de inocência do acusado até a sentença definitiva o ônus da prova a cargo da acusação, o princípio in dúbio pro réu, a absolvição em caso de incerteza acerca da verdade fática e, por outro lado, a analogia in bonam partem, a interpretação restritiva dos tipos penais e a extensão das circunstâncias eximentes ou atenuantes em caso de dúvida acerca da verdade jurídica. Em todos estes casos teremos certamente discricionariedade, mas se trata de uma discricionariedade dirigida não para estender, mas para excluir ou reduzir a intervenção penal quando não motivada por argumentos cognitivos seguros. (2002, p. 84)
O Estado Democrático de Direito deve ser mantido através de uma
intervenção mínima do poder estatal, com fundamento nos princípios constitucionais,
realizando uma verdadeira efetivação da preservação dos Direitos Humanos, para
que o seu controle social através do Direito penal seja justificável e plausível, pois a
dignidade da pessoa humana deve ser tutelada em qualquer esfera ou fase do
direito, principalmente do Direito penal. (FERRAJOLI, 2002).
A proposta do direito penal mínimo é fortalecer o Direito penal para que
realmente seja o último recurso, haja vista que é a forma mais violenta de
-
23
intervenção estatal, por isso a proposta de aplicá-lo a crimes que o dano causado ao
bem jurídico tutelado não tenha reparação por nenhum outro ramo do Direito.
Partindo desta premissa, quando este for instado a ser aplicado, deve ser feito de
forma célere, justa para a verdadeira efetivação da Justiça.
-
24
Capítulo II – MOVIMENTO DE POLÍTICAS CRIMINAIS E OS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS
2.1 – Movimento de políticas criminais
A Constituição traz os fundamentos de validade às normas jurídicas
positivadas. A vinculação do Direito penal para com o Direito constitucional não se
pode negar e nem contestar, de tal ponto que as normas penais não podem
subverter a ordem constitucional, chocando-se assim com a Carta Política.
(ARAÚJO, 2018).
Araújo (2018) leciona que os valores fundamentais que devem ser tutelados
pelo direito penal estão consagrados na Constituição Federal. O que a doutrina
denomina de teoria constitucionalista do bem jurídico. Além disso, o direito penal
deve respeitar a os preceitos constitucionais não podendo atuar em contraste com
os mesmos.
Destaca-se,
A Constituição procura encontrar o necessário equilíbrio no Direito penal, afastando, por um lado, os excessos punitivistas (quando, por exemplo, traz as garantias individuais) e, de outro, a leniência punitiva. Com efeito, o texto constitucional traz mandados de criminalização. Mandados constitucionais de criminalização são determinações dirigidas ao legislador ordinário, para que transforme determinada conduta em criminosa ou recrudesça o tratamento penal de determinadas condutas criminosas já existentes. É o que ocorre, por exemplo, no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal de 1988: “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (ARAÚJO, 2018, p. 64).
Nessa senda, a importância da política criminal de estar sempre à frente em
relação ao direito penal, “vez que, enquanto ciência de fins e meios, sugere e orienta
-
25
reformas a legislação positivada” (CUNHA, 2015, p. 4). A finalidade da política
criminal é formular estratégias e métodos de controle social dos comportamentos
nocivos à sociedade, ela que traz a possibilidade de apresentar propostas para
alterações do direito penal, adequando-o a realidade social que se encontra a
sociedade que se pretende regular, pois está em constante evolução, devendo a
política criminal ter por baliza os princípios constitucionais, em especial, os princípios
constitucionais penais.
A necessidade de proteção frente às novas realidades sociais e a gama de
valores nela difundidos, trouxe como missão a necessidade de tutela dos bens
jurídicos coletivos pelo direito penal, assim como este, tutela os bens individuais.
(TURESSI, 2015).
O movimento de políticas criminais começa a ganhar força, pois o controle
desse risco passa a ser uma opção política. Assim, o direito penal passou a incidir
para regular comportamentos que apresentem periculosidade maior do que as
socialmente permitidas. Nessa senda, Turessi aduz:
Destacam-se aqui, dentre outros segmentos sociais, o setor financeiro, aqui compreendida a lavagem de dinheiro promovida pelo narcotráfico e pela criminalidade organizada, o setor de telecomunicações e, ainda, o da biotecnologia. (2015, p. 192).
A modernização do direito penal depende do estabelecimento de uma política
criminal que esteja voltada aos setores sociais, que a partir do final do século
passado, foram especialmente desenvolvidas e renovadas pelo avanço tecnológico.
O risco que antes era causado por fenômenos naturais, passou a ser fruto de
comportamentos humanos. (TURESSI, 2015).
Importante destacar,
No limiar do novo século o crime deixou de ser, exclusivamente, a violação de Caio contra Tício ou Mévio e passou a ser, também, o lucrativo
-
26
narcotráfico internacional, a corrupção eleitoral e a corrupção econômica, aqui compreendida a lavagem de dinheiro, as irrecuperáveis devastações ambientais com fins de exploração comercial, e, ainda a título exemplificativo, o quase invisível abraço promovido pelos tentáculos da criminalidade organizada nas cinturas das instituições, públicas e provadas, que, de maneira devastadora, ameaça e desestabiliza a segurança da sociedade e, em última análise, do próprio regime democrático. (Turessi, 2015, p.190-191).
Nesse contexto, tem-se o que Bozza (2015), caracteriza como sociedade de
risco, pois quando estes e suas consequências dominam o debate político, público e
privado, as instituições passaram a legitimar os perigos que não podem controlar.
Com essa evolução cristalino é que o direito penal tradicional não dispõe mais
dos meios adequados à tutela difusa.
Turessi (2015) expõe que o direito penal não pode ser engessado, pois
estaria atuando fora da realidade social em que se vive. Pois com a modernidade
tudo está mudando, surgindo daí a necessidade de identificar os novos bens
jurídicos que merecem a tutela penal, pois os puramente individualizados, não
subsistem mais, está a falar de interesses universais que, violados ou colocados em
perigo de lesão, colocam em risco a sociedade como um todo.
O movimento de política criminal no Brasil que se amolda a essa evolução
que caracterizou o que Beck chama de sociedade de risco, é indubitavelmente o
punitivista.
Neste momento urge o que Turessi (2015) chama de Direito penal
prospectivo, aquele que trabalha a precaução em matéria penal, que lança os olhos
sobre o futuro para tentar diminuir os riscos causados pela sociedade em que se
vive hoje, riscos estes que são resultados de atitudes do homem, que busca o
progresso a todo custo, não respeitando e nem obedecendo às regras do direito
penal tradicional, pois ele não se enquadra nestas regras e consegue burlar as
mesmas. O seu potencial em causar lesão à bem jurídico coletivo e individual é
altíssima. Nesse cenário,
O Direito penal clássico, voltado à proteção de bens individuais e à verificação do resultado naturalístico, assim como o próprio direito civil e o
-
27
direito administrativo sancionador são postos à prova. Outrora não percebidos como fenômenos característicos da já superada sociedade industrial, a imprevisibilidade, o surgimento de novos centros de agressão, a globalização econômica e o incremento da criminalidade organizada, cada vez mais atrelada e disfarçada pela prática de atividade licitas, marcas indeléveis desta nova conformação pós-moderna, fomentam, agora, a necessidade de novas respostas para novos conflitos de interesses. (Turessi, 2015, p.195).
Partindo dessa perspectiva, qual seja o surgimento efetivo de novos riscos
que se caracteriza por uma evolução tecnológica demasiadamente acelerada e uma
gigantesca transformação socioeconômica (SANCHEZ, 2002, p. 28 e 29), começa
um movimento de expansão do Direito penal, agravando os tipos penais já
existentes e a criação de novos, além de uma nova leitura dos fundamentos e
garantias do Direito penal e do Direito Processual Penal, já que, nessa alteração, se
passou a destacar não mais a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, campo
originário de autuação do Direito penal, mas sim a prevenção do dano.
No contexto retrocitado se tem o principio constitucional penal da prevenção,
onde sua aplicação pode ser vista em julgados no Superior Tribunal de Justiça1.
Vislumbra-se neste momento, que condutas tipificadas como crime para
proteger bens jurídicos coletivos são em sua grande maioria, condutas de proteção
antecipada. (Turessi, 2015).
Dentro do principio da prevenção e da precaução, cita-se diversos diplomas
normativos como: Ato da Poluição do Ar (1974), na Declaração do Rio de Janeiro
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e, também, no Protocolo de
Cartagena sobre Biossegurança (2000). Em território nacional, se tem a Lei de
Biossegurança (Lei nº 11.105/05), que incorporou de forma expressa o princípio da
precaução como diretriz para a gestão de riscos decorrentes de ações que tratem de
organismos geneticamente modificados. (Turessi, 2015).
Neste contexto,
1 STJ. AgRg em REsp 1418795/SC. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. Quinta Turma. j. 18.06.2014.
-
28
Quando se maneja o princípio sub examine, a grande dificuldade que se apresenta é justamente a de mensurar, diante do risco desconhecido, a intensidade e a extensão da medida de precaução, sobretudo quando, para o seu gerenciamento, se lança mão de medidas de cunho penal. Toma-se como exemplo, aqui, o impacto provocado pela biotecnologia no Direito penal. Por um lado à norma penal, como instrumento de gerenciamento do risco, não pode deixar de atender à demanda social de tutela do ser humano diante de possível excesso experimentais, e, por outro lado, não pode obstar o próprio desenvolvimento cientifico ou impedir o curso da trajetória da humanidade. Nessa quadra, a principal crítica que se dirige à tese que propugna a possibilidade da antecipação do risco em matéria penal é justamente a de que a indeterminação das descrições utilizadas para a caracterização da proteção coletiva abriria porta a uma criminalização ilimitada. (Turessi, 2015, p. 199).
O direito penal ao definir leis como as já citadas neste capitulo escapa do
princípio da tipicidade, pois definiu de modo pelo que parece definitivo, que pessoa
jurídica pode ser responsabilizada penalmente por delitos que vier a praticar, embora
se tenha penas de punição na legislação civil e administrativa.
Sanchez (2002) assevera que a criação de novos "bens jurídico-penais",
ampliação dos espaços de riscos jurídico-penalmente relevantes, flexibilização das
regras de imputação e relativização dos princípios político-criminais de garantia, não
seriam mais do que aspectos dessa tendência geral, à qual cabe referir-se com o
termo “expansão”.
A exemplo desse movimento expansionista tem-se a Lei de crimes Hediondos
(Lei nº 8.072/90), a qual proibiu a progressão de regime para os crimes hediondos,
sendo a mesma declarada inconstitucional pelo STF em 2006, pois se encontrava
em contraste com o principio de individualização da pena, conforme o HC: 82959/SP
impetrado no Supremo Tribunal Federal2.
Tendo em vista o resultado do julgamento retro, no ano seguinte, 2007, foi
promulgada a Lei nº 11.464/07, que regula a progressão de regime de crimes
hediondos, estando assim em conformidade com o artigo 5º, inciso XLVI, da
Constituição Federal (Princípio da individualização das penas).
2 STF - HC: 82959 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 23/02/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510
-
29
Ademais, como um forte exemplo também do expansionismo punitivista tem-
se a Lei nº 10.792/03 que introduziu na Lei de execução Penal o Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD), em seu art. 52. Gomes aduz:
O RDD é uma sanção disciplinar mais drástica, e medida extrema que é deve ser excepcional. Pois, vale ressaltar que tal medida não se presta para o cumprimento da pena tão somente. Isso porque alguns doutrinadores vêm entendendo o RDD como um "regime fechadíssimo", tomando-se nesta oportunidade, definição de Luiz Flávio Gomes (2004, p. 20).
Gomes (2004) defende a inconstitucionalidade desse regime, para ele é algo
desarrazoado, desproporcional que fere diversos princípios constitucionais penais
como presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, do devido processo
legal, e do non bis in idem, este não expresso na Constituição da República, mas
trazido de tratados internacionais, princípios estes que serão tratados mais adiante
neste capítulo.
Por outro lado, tem-se que defenda a constitucionalidade da norma penal,
de tal maneira que chega a definir como “hipocrisia” inconstitucional, vejamos:
Proclamar a inconstitucionalidade desse regime, fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil é, com a devida vênia, uma imensa contradição. Em lugar de combater, idealmente, o regime disciplinar diferenciado questionando sua constitucionalidade, pensamos ser mais ajustado defender, por todas formas possíveis, o fiel cumprimento as leis penais e de execução penal, buscado implementar, na pratica, os regimes fechados, semiaberto e aberto, que, em muitos lugares, constituem meras ficções.” (NUCCI, 2015, p. 378-379).
Para Nucci (2015), o regime disciplinar diferenciado, não é inconstitucional,
deve-se fazer a ponderação de valores, garantir os bens jurídicos das pessoas.
Situações extremas o RDD é necessário no estado democrático de direito.
-
30
Para Sanchez (2002) esse movimento expansionista punitivista do direito
penal deixa de lado seus fundamentos constitucionais, para provocar uma temerosa
mudança na política criminal e por consequência na legislação penal, tendo um
caráter meramente simbólico, acolhendo demandas irracionais sem qualquer
reflexão, utilizando-as ainda para alimentar o populismo.
Encerrando esse item de direito penal com exclusividade para o autor, tem-se
claramente a visão de um direito penal mais efetivo, menos garantista, que não seja
só simbolismo.
[...] é importante considerar que, apesar da capacidade crítica das teorias criminológicas discutidas, que elas são legitimantes do controle social, operando da seguinte maneira: a Criminologia racionaliza o esquema prioritário do Estado de substituir a política social pelo controle do crime, é dizer, o sistema capitalista em vez de trabalhar com fomentos sociais, opera com custos sociais. Isto é, não são aptos a denunciar uma estrutura de poder simbólico, ao revés, funciona como a própria dogmática justificacionista, com a mesma função, cuja diferença é que as vertentes criminológicas baseiam seus discursos numa ordem baseada no social, e não no legal.” (Machado, 2016, p.116).
Em contraposição ao movimento de política criminal punitivista, tem-se o
movimento de política criminal minimalista, que defende um Direito de intervenção, a
utilização de outros ramos do direito e a utilização do direito penal realmente como
ultima ratio. “O rechaço à expansão do direito repressivo ganha voz através do
chamado discurso de resistência”. (TURESSI, 2015).
Prendendo-se de forma ampla aos princípios penais capitulados na
Constituição Federal, a evolução e modernização do direito penal não se prendem a
eles, representando, necessariamente, um retrocesso as conquistas liberais.
Luis Gracia Martin apud Turessi (2015, p. 182) em sua obra, resume sua
crítica ao expansionismo punitivista como: “o Direito penal atual possui um caráter
antigarantista; pois aquilo que realmente torna moderno é justamente sua ruptura
com as garantias penais do modelo liberal”.
-
31
Nesse sentido, Turessi (2015) traz Hassemer, defensor de um direito penal
intervencionista, que leciona o Direito penal de Intervenção,
“... salvaguarda o Direito penal das novas “intempéries”, expondo-o silente e (praticamente) imóvel na torre de marfim dos seus traços clássicos de tutela, atirando para outros discursos punitivos, não-penais, portanto (leia-se, v.g. direito administrativo), ou até para meios de intervenção não jurídicos a resposta aos novos desafios inerentes à sociedade de risco.” (Turessi, 2015, p. 183).
A política minimalista ao trazer um Direito de Intervenção pretende não
confundi-lo com um direito penal brando ou mesmo com outros ramos do direito,
mas sim que ele ganhe estrutura através da integração de normas sancionadoras de
ramos diversos do Direito. (Turessi, 2015).
Oliveira (2012, p.46) aduz que o direito de intervenção situa-se,
“... entre o Direito penal e o Administrativo, entre o Direito Civil e o Direito Público, com regras e garantias processuais mais flexíveis, com vistas a tornar a investigação mais eficiente, desde que, em contrapartida, deixe-se de prever penas restritivas de liberdade, equilibrando-se garantias com consequências penais.”
Esse caminho apresentado seria uma alternativa a necessidade de flexibilizar
garantias e princípios formadores do direito penal. Hassemer responsável por propor
esse direito de intervenção, aduz que a solução dos problemas do direito penal é
retirar parcialmente a sua modernidade, para ele,
De maior importância é que os problemas, que mais recentemente foram introduzidos no Direito penal, sejam afastados dele. O Direito dos ilícitos administrativos, o Direito Civil, o Direito Público e também o mercado e as próprias precauções da vítima são setores nos quais muitos problemas, que o moderno Direito penal atraiu para si, estariam essencialmente melhores tutelados. Recomenda-se regular aqueles problemas das sociedades modernas, que levaram à modernização do Direito penal, particularmente,
-
32
por um “Direito de Intervenção”, que esteja localizado entre o Direito penal e o Direito dos ilícitos administrativos, entre o Direito Civil e o Direito Público, que na verdade disponha de garantias e regulações processuais menos exigentes que o Direito penal, mas que, para isso, inclusive, seja equipado com sanções menos intensas aos indivíduos. Tal direito “moderno”, seria não só normativamente menos grave, como seria também faticamente mais adequado para acolher os problemas especiais da sociedade moderna. (Turessi, 2015, p. 184).
Seguindo essa lógica do direito de intervenção se olvida, pois, que a
preocupação com o futuro das gerações cabe ao direito penal, tem-se como
exemplo,
“... o meio ambiente, bem jurídico essencial para a sobrevivência da humanidade, e a tecnologia da informação. [...] Com efeito, o crescente número de crimes patrimoniais praticados pela via eletrônica, como clonagens de cartões de crédito e compras fraudulentas pela internet, além de inúmeras fraudes tributárias, lavagem de dinheiro, formação de cartéis, e o surgimento de delitos informáticos ditos puros, praticados exclusivamente no âmbito telemático, merecem a atenção do Direito penal”. (Turessi, 2015, p. 185).
Não pode haver qualquer tipo de dúvida e tratar as medidas do direito de
intervenção com direito administrativo, haja vista que as autoridades administrativas
não possuem poder necessário para aplicação de penalidade dessa natureza.
Certamente, seria plausível a criação desse novo ramo do direito (Direito de
intervenção) para combater a criminalidade moderna, tendo como objetivo o risco e
não o dano, de sorte que deve ser de eficácia preventiva e célere, já que os
eventuais danos podem ser de grande dimensão, a título de exemplo os danos
causados ao meio ambiente.
2.2 – Os princípios constitucionais penais
-
33
A política criminal seja ela no movimento punitivista ou no movimento
minimalista não pode se afastar dos princípios constitucionais penais, que devem ser
os norteadores de ambos os movimentos, haja vista que eles darão o caráter de
validade às normas que surgirem a partir desses movimentos. Nessa senda, Luiz
Regis Prado (2014) expõe,
Os princípios penais constituem o núcleo essencial da matéria penal, alicerçando o edifício conceitual do delito - suas categorias-, limitando o poder punitivo do Estado, salvaguardando as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo, orientando a política legislativa criminal, oferecendo pautas de interpretação e de aplicação da lei penal conforme a Constituição e as exigências próprias de um Estado democrático e social de Direito. Em síntese: servem de fundamento e de limite à responsabilidade penal. (p. 105).
O direito penal tem como base determinados princípios fundamentais,
próprios do Estado Democrático, entre os quais se sobressai primeiramente o
princípio da legalidade dos delitos e das penas, que encontra seu fundamento
constitucional no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal de 1988, estando
aduzido no artigo 1º do Código Penal de forma expressa. (PRADO, 2014).
Com isso, tem-se que não há crime sem lei anterior que o defina isso implica
dizer que a criação de tipos incriminadores e suas consequências penais estão
submetidas à lei formal anterior. “Compreende, ainda, a garantia substancial ou
material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (Lex scripta Lex
praevia et lex certa)”. (PRADO, 2014, p. 106).
No primeiro momento, com o pensamento ilustrado, emerge portador de um significado político de limitação ao poder punitivo estatal, visto que lhe cabe proporcionar ao sistema penal seu “mais puro sentido garantista“. (PRADO, 2014, p. 106).
A proteção de valores como a segurança jurídica, liberdade e igualdade são
sua base para garantir que seja o legislador quem tome as decisões a respeito do
assunto, excluído assim a arbitrariedade do poder punitivo do Estado, assegurando
o tratamento adequado da lei e na aplicação da execução da lei.
-
34
Decorre do princípio da legalidade uma série de outros princípios não menos
importantes que são principio da reserva legal, princípio da irretroatividade da lei e
sua exceção, princípio da determinação ou da taxatividade.
Delimitando mais ainda o poder estatal, tem-se o princípio da dignidade da
pessoa humana, que passar a considerar o homem não apenas como cidadão, mas
como pessoa, independente de qualquer ligação política ou jurídica, ao reconhecer o
valor do homem implica o surgimento de prerrogativas que o Estado não pode deixar
de reconhecer. (Prado, 2014).
A dignidade da pessoa humana é valor fundamental da Constituição Federal
de 1988, artigo 1º, inciso III.
Daí por que toda lei que viole a dignidade da pessoa humana deve ser reputada como inconstitucional. Assim, pode-se afirmar que, "se o Direito não quiser ser mera força, mero terror, se quiser obrigar a todos os cidadãos em sua consciência, há de respeitar a condição do homem como pessoa, como ser responsável”, pois, "no caso de infração grave ao princípio material de justiça, de validade a priori, ao respeito à dignidade da pessoa humana, carecerá de força obrigatória e, dada sua injustiça, será preciso negar-lhe o caráter de Direito”. (Prado, 2014, p.111).
Ademais, este é um princípio que se expande para todos os demais princípios
e toda ordem jurídica, pois o mesmo alicerça os demais princípios penais
fundamentais.
No ordenamento jurídico brasileiro, encontrando seu agasalho na Constituição
Federal, mais especificamente no princípio supracitado, se tem um princípio
moderno, o princípio da culpabilidade, que além de encontrar seu respaldo no
princípio retro, é corroborado pelos artigos 4º, inciso II (prevalência dos direitos
humanos), artigo 5º, caput (inviolabilidade do direito à liberdade), e 5º, inciso XLVI
(individualização da pena) todos da Constituição da República. Conecta-se, ainda,
ao princípio da igualdade, que veda tratamento igual ao culpável e ao inculpável.
(Prado, 2014).
-
35
A responsabilidade penal subjetiva ou da imputação subjetiva, se depreende
do princípio da culpabilidade, haja vista a impossibilidade de se responsabilizar
alguém criminalmente por uma ação ou omissão quem tenha atuado sem dolo ou
culpa (artigos 18 e 19, CP).
Por fim e em resumo, podem ser elencadas algumas garantias decorrentes do princípio de culpabilidade penal em sentido amplo: exigência de imputação subjetiva (dolo/culpa); individualização da pena (referida ao fato próprio); necessidade de ponderação das circunstâncias pessoais do autor; e pena adequada à magnitude culpável da conduta do autor. (Prado, 2014, p. 113).
No direito penal também reside à proteção de bens jurídicos, estes essenciais
ao indivíduo e a toda sociedade, dentro do quadro axiológico constitucional de
Estado Democrático de Direito, tem-se o princípio da exclusiva proteção de bens
jurídicos, que abrange a ideia de ofensividade ou lesividade, haja vista a
necessidade da se pressupor uma lesão ou perigo de lesão a determinado bem
jurídico. (Prado, 2014).
Prado (2014) aduz,
O bem jurídico, como bem do direito, conjuga o individual e o social (de natureza material ou espiritual) e tem suficiente importância para manter a livre convivência social. O conceito material de bem jurídico reside na realidade ou experiência social, sobre a qual incidem juízos de valor, primeiro do constituinte, depois do legislador ordinário. Trata-se de um conceito necessariamente valorado e relativo, isto é, válido para determinado sistema social e em um dado momento histórico-cultural. Para defini-lo, o legislador ordinário deve sempre ter em conta as diretrizes contidas na Constituição e os valores nela consagrados, em razão do caráter limitativo da tutela penal. Portanto, encontram-se na norma constitucional as linhas substanciais prioritárias para a incriminação ou não de condutas. O fundamento primeiro da ilicitude material deita, pois, suas raízes no texto magno. Só assim a noção de bem jurídico pode desempenhar uma função verdadeiramente restritiva. (p. 114).
Nesse caminho, “resta precisar o conceito de bem jurídico-penal, como sendo
um ente (dado ou valor social) material ou imaterial extraído do contexto social, de
-
36
titularidade individual ou metaindividual, considerado essencial para a coexistência e
o desenvolvimento do homem”. (Prado, 2014, p. 115).
Ainda nesse caminho, se tem que “o direito penal só deve atuar na defesa de
bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não pode
ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa”, tem-se o princípio da
intervenção mínima e da fragmentariedade. (Prado, 2014, fls. 116).
O uso excessivo do direito penal não garante maior proteção aos bens
jurídicos, pelo contrário, traz malefícios a todo sistema penal, pois este passa a ter
uma função meramente simbólica. Nestes termos, tem-se que a intervenção penal
só poderá ocorrer quando for realmente necessária para a comunidade, como ultima
ratio legis ficando assim, reduzida a algo mínimo, o qual deverá fazer quando for
capaz de ter eficácia, e não passar de mero simbolismo. (Prado, 2014).
No caminho do princípio da intervenção mínima se tem a tutela seletiva do
bem jurídico “limitado àquela tipologia agressiva que se revela dotada de indiscutível
relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa”. (Prado, 2014).
Ofensa a bem jurídico em regra é causado por pessoa, daí depreende-se os
princípios da pessoalidade e da individualização da pena, o primeiro garantindo que
só seja punido o autor da infração penal, tendo como fulcro o artigo 5º, inciso XLV,
da Constituição da República.
O princípio da pessoalidade ou personalidade da pena vincula-se estreitamente aos postulados da imputação subjetiva e da culpabilidade. A responsabilidade penal é sempre pessoal ou subjetiva -própria do ser humano-, e decorrente apenas de sua ação ou omissão, não sendo admitida nenhuma outra forma ou espécie (v.g., por fato alheio, por representação, pelo resultado etc.). (Prado, 2014, p. 116-117).
Dessa premissa, tem-se que a pena não é transmissível a terceiros, não
transcende a pessoa do infrator, a pena é determinada segundo autoria,
comportamento da pessoa em razão de sua própria culpa.
-
37
A individualização da pena obedece a três fases distintas, legislativa, judicial e
executória. Na primeira a lei fixa um tipo penal proporcional ao bem tutelado e a
gravidade da ofensa, na segunda, o julgador aplica a pena através dos fatores
previstos em lei, e a terceira fase, é de ordem administrativa, diz respeito ao
cumprimento da mesma. (Prado, 2014).
A pena deve estar proporcionada ou adequada à magnitude da lesão causada
ao bem jurídico tutelado, impondo assim verificar a compatibilidade entre o que é
empregado e os fins que busca atingir com a sanção penal, vislumbrando-se o
princípio da proporcionalidade.
Assim considerado, tem ele por função,
...determinar a medida da tutela penal que seja equivalente à afronta ao bem jurídico, de modo que o quantum da pena privativa de liberdade passe a conter, também, o significado de colocar a incriminação numa determinada posição hierárquica dentro do ordenamento. Ainda que sejam claros os limites a um juízo valorativo em que são confrontadas grandezas axiológicas diferentes, a Constituição indica alguns critérios lógicos a serem observados - o que possibilita a rejeição de dispositivos em flagrante desacordo com tais diretrizes. (Prado, 2014, p. 118-119).
Deve existir sempre uma medida de justo equilíbrio, abstrata (legislador) e
concreta (juiz), entre a gravidade do fato ilícito praticado, do injusto penal, e a pena
cominada ou imposta. Em síntese, a pena deve ser proporcional ou adequada à
extensão do dano causado ao bem jurídico tutelado e a medida de segurança
aplicada de acordo com a periculosidade criminal do agente. (Prado, 2014).
A pena aplicada além de proporcional e adequada deve ser humana, o
princípio da humanidade o qual encontra base no princípio da dignidade da pessoa
humana, bem como em diversos tratados internacionais, a exemplo Declaração dos
Direitos do Homem (1948) e o Pacto internacional dos direitos civis e políticos
(1966), dentre outros, veda que qualquer pessoa seja submetida à tortura, a penas
ou tratamentos cruéis, degradantes e desumanos. (Prado, 2014).
-
38
Para Prado (2014), “é justamente na dignidade humana que radica o
fundamento material do princípio da humanidade, visto que constitui “o último e
fundamental limite material à atividade punitiva do Estado”“.
O princípio da humanidade é a verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal,
o qual se relaciona com outros princípios aqui já aduzidos como culpabilidade e
igualdade. A constituição estabelece,
Como fundamento do Estado democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1.0, III, CF), dispondo, ainda, expressamente, que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" (art. 5.º, XLI, CF); "não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis" (art. 5.0, XLVII, CF); "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral" (art. 5.0, XLIX, CF). (Prado, 2014, p. 121).
Tem-se também o princípio da adequação social, Prado (2014) aduz que
“apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, ela não será considerada
típica se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada”.
O fundamento do princípio da adequação social está em estabelecer os
limites da liberdade de ação social, sendo sua característica primordial,
A necessidade de afetação a um bem jurídico, no sentido de que o legislador não considera com caráter geral tipicamente relevante uma ação que pretende alcançar uma utilidade social e para a qual é absolutamente necessária a afetação a um bem jurídico, conforme ao ordenado funcionamento da vida social" .63 Com efeito, nos casos de adequação social não se verifica um desvalor penal do resultado, ainda que possa existir um desvalor do estado de coisas-que não representa, porém, um resultado penalmente típico-, relevante para outros setores do ordenamento jurídico. A exclusão do resultado típico nessas hipóteses fundamenta-se em uma interpretação teleológico-restritiva dos tipos penais, na qual desempenham importante papel as concepções ético-sociais, jurídicas e políticas dominantes, dado que influem decisivamente na tutela dos bens jurídicos. (Prado, 2014, p. 122).
-
39
Tem-se a exemplo a lesão corporal causada por cirurgias, haja vista a
hipótese de efeitos colaterais não só pela cirurgia, mas também pelo consumo de
medicamentos, colocar brinco em crianças, fazer tatuagens. Esses são alguns
exemplos de conduta socialmente adequada.
O princípio da adequação social apresenta uma espécie de dano a bem
jurídico tutelado o qual é socialmente adequada e aceita. Já o principio da
insignificância traz o que se tem por ínfimo, ou seja, algo que minimamente afete um
bem jurídico tutelado é algo irrelevante que não justifica a imposição de uma sanção
penal, excluindo-se a tipicidade da conduta. (Prado, 2014).
Vale dizer “a irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a
imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em casos de
lesões de pouca gravidade ou quando no caso concreto seu grau de injusto seja
mínimo". (Prado, 2014, p. 125).
Entretanto, o principio da insignificância não deve ser aplicado com total falta
de critérios, ou se ramificar meramente da subjetividade do julgador, pelo contrario
deve ser uma análise aprofundada do caso, com o emprego de um ou mais vetores,
como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social
da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e
inexpressividade da lesão jurídica provocada, dentre vários outros. (Prado, 2014).
Este princípio tem relação direta com os princípios da lesividade, da
intervenção mínima e fragmentariedade, e também com o princípio da
proporcionalidade.
Limitando de maneira infranqueável o poder punitivo do Estado, o princípio do
non bis in idem impede que o indivíduo seja punido duas vezes pelo mesmo fato,
compreendendo tanto a pena aplicada como a agravante. Encontra seu fundamento
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa
Rica, o qual foi ratificado pelo Brasil. (Prado, 2014).
Na atualidade, o desenvolvimento acelerado da ciência e da tecnologia, que
permeia todos os setores da vida social, a segurança nas relações do homem é
necessidade básica, o princípio da segurança jurídica surge para repelir qualquer
-
40
imprevisibilidade ou incerteza no que diz respeito ao controle formal-legal que
se encontra submetido.
A segurança jurídica enquanto princípio constitucional penal manifesta-se
dentro dos diversos princípios já expostos neste capítulo, tais como da legalidade e
anterioridade penal (art. 5º, XXXIX, CF), a irretroatividade da lei penal, salvo em
benefício do réu (art. 5º, XL, CF); os princípios da pessoalidade, individualização e
humanidade das penas (art. 5º, XLV, XLVI e XLVII, CF, respectivamente), e na maior
parte das garantias processuais e de execução penal (v.g., art. 5º, LIV, LV, LVII,
XLIX, LXIII, LXIV, CF). (Prado, 2014).
Arte e ciência em conjunto, isso é Política criminal, cuja função prática é, em
último termo possibilitar a melhor estrutura das regras positivas, dar a elas
correspondentes linhas de orientação, tanto ao legislador que elabora a lei como ao
juiz que irá aplicá-la. (MACHADO, 2016, p.103).
-
41
Capítulo III – DIREITO PENAL DO INIMIGO
Fruto dos movimentos de políticas criminais, o conceito de direito penal do
inimigo só pode ser concebido para demonstrar, de forma precisa, o não direito
penal, ou seja, um direito penal meramente formal, não efetivo, incapaz de cumprir a
sua verdadeira função. (JAKOBS, 2012).
Estatísticas apontam que o Brasil encontra-se acima das médias mundiais
com relação aos crimes armados e homicídios 3, tais médias no Brasil crescem de
forma descontrolada e assustadora. Para Jakobs (2012), surge daí a importância de
se pensar no expansionismo do Direito penal, para preservar o Estado de Direito e
garantir o mínimo existencial aos verdadeiros cidadãos.
O Direito penal do Inimigo tem como base para sua aplicação, a evolução da
criminalidade, os movimentos de políticas criminais, pois estes demonstraram a
necessidade de aplicação de uma lei penal mais severa, haja vista que as atuais se
tornaram brandas em face dos crimes que vieram a surgir.
O Direito penal do Inimigo é uma solução apontada por alguns doutrinadores,
em foco Günter Jakobs, para estancar a hemorragia denominada caos social,
ocasionada especialmente por organizações criminosas, que causam verdadeiro
terrorismo nos Estados Membros do território brasileiro.
Com isso, o combate para com ele deve ser diferenciado, importante citar o
que diz Fábio D’Àvila (2004):
A disparidade de tais universos apresenta-se de forma muito clara nos problemas enfrentados pela dogmática penal. São evidentes as inúmeras deficiências que vem atestando em sua tentativa de acompanhar a pretensão político-criminal nestes novos âmbitos de tutela, uma vez que preparada para atender uma demanda absolutamente diversa daquela que ora é proposta. O direito penal liberal elaborado tendo por base o paradigmático delito de homicídio doloso, no qual há marcante clareza na
3 https://super.abril.com.br/blog/contaoutra/o-brasil-tem-mais-assassinatos-do-que-todos-estes-paises-somados/
-
42
determinação dos sujeitos ativo e passivo, bem como do resultado e de seu nexo de causalidade, defronta-se com delitos em que o sujeito ativo dilui-se em uma organização criminosa, em que o sujeito passivo é difuso, o bem jurídico coletivo, e o resultado de difícil apreciação. Sem falar, obviamente, do aspecto transnacional destes novos delitos, em que tanto a ação como o resultado normalmente ultrapassam os limites do Estado Nação, necessitando, por conseguinte, da cooperação internacional para a elaboração de propostas que ambicionem uma parcela qualquer de eficácia.
Nesse jaez de aumento do caos social, é exigido do Estado à aplicação de um
Direito penal menos garantista e mais célere, haja vista o aumento da criminalidade.
Consequentemente, a perda de tradições liberais, com flexibilização das garantias
individuais e das regras de imputação, é o preço pago por Direito penal funcional,
com o fim de atender e aplacar o sentimento de insegurança social.
3.1 – Direito penal do inimigo na concepção de Günther Jakobs
O Direito penal do Inimigo busca a diferenciação das pessoas que devem ser
tratadas como cidadão, e aquelas que devem ser tratadas como inimigos do Estado,
com esta, está estabelecida uma relação de guerra e não de direito.
Jakobs (2012) assevera que mesmo em uma relação de guerra não será
excluído todos os direitos do cidadão que se tornou inimigo, mas também, não será
constringida apenas sua liberdade, ou seja, sua teoria afastasse do modelo clássico,
defendendo a constrição de diversos outros direitos de maneira a coagi-lo.
[...] O Direito penal do cidadão é o Direito de todos, o Direito penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar á guerra. Esta coação pode ser limitada em um duplo sentido. Em primeiro lugar, o Estado, não necessariamente, excluirá o inimigo de todos os direitos. Neste sentido, o sujeito submetido á custódia de segurança fica incólume em seu papel de proprietário de coisas. E, em segundo lugar, o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer, mas pode conter-se, em especial, para não fechar um posterior acordo de paz. Mas isso em nada altera o fato de que a medida executada contra o inimigo não significa nada, mas só coage [...]
-
43
Prossegue Jakobs (p. 40), aduzindo que:
[...] Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal não só não pode esperar ser tratado como pessoa, mas ainda o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas [...].
Moraes (2011, p. 197) descreve as principais características do direito penal
do inimigo tratadas por Jakobs:
a) ampla antecipação da punibilidade, ou seja, mudança de perspectiva do fato típico praticado para o fato que será produzido, como no caso de terrorismo e organizações criminosas;
b) falta de uma redução da penal proporcional ao referido adiantamento (por exemplo, a pena para o mandante/mentor de uma organização terrorista seria igual àquela do autor de uma tentativa de homicídio, somente incidindo a diminuição referente à tentativa) e
c) mudança da legislação de Direito penal para legislação de luta para combate à delinquência e, em concreto, à delinquência econômica.
Tem-se, portanto, que os criminosos sexuais, terroristas, criminosos
econômicos, criminosos organizados, e outras infrações penais perigosas, os
autores das mesmas são inimigos.
Pretende-se, assim, combater nestes casos, os indivíduos que em seu
comportamento, a exemplo os crimes sexuais, em sua vida econômica, a exemplo a
criminalidade econômica, a relacionada com as drogas e outras formas de
criminalidade organizada, ou mediante a incorporação a uma organização terrorista,
sempre no intento de delinquir, para ele esses indivíduos não apresentam uma
garantia mínima necessária para que sejam tratadas como pessoa, e possam viver
em sociedade.
-
44
A reação do ordenamento jurídico, frente a esta criminalidade, se caracteriza, de modo paralelo a diferenciação de Kant entre estado de cidadania e estado de natureza acabada de citar, pela circunstancia de que não se trata, em primeira linha, da compensação de um dano à vigência da norma, mas da eliminação de um perigo: a punibilidade avança um grande trecho para o âmbito da preparação, e a pena se dirige à segurança frente a fatos futuros, não a sanção de fatos cometidos. (JAKOBS, 2012, p. 34).
Sucintamente tem-se o seguinte, o individuo lesiona o outro, por seu estado
em ausência de legalidade (statu iniusto), ameaça constantemente causar dano a
bem jurídico tutelado, esse individuo não aceita adentrar a um estado de cidadania,
por este motivo não pode participar das benesses que o conceito de pessoa/cidadão
traz consigo, haja vista que o mesmo se encontra em um estado de natureza, com
ausência de normas, isto é liberdade excessiva, com isso vem a luta excessiva, e
quem ganha a guerra determina as normas e os perdedores devem submeter-se a
ela. (JAKOBS, 2012).
Jakobs (2012) traz como exemplo o atentado de 11 de setembro de 2001,
para dizer que não tratar o individuo perigoso da maneira que ele merece (inimigo),
qual seja, aquele que pratica condutas reiteradamente contrárias à norma, este se
finaliza no terrorista, tendo em vista que é uma denominação dada a quem rechaça
o ordenamento jurídico, pretendendo que essa ordem seja destruída.
Os inimigos devem ser tratados como tal, haja vista não estarem integrados
no estado de cidadania, o inimigo não tem direitos processuais, haja vista que não é
cidadão, logo não pode contar com os direitos que os cidadãos contam.
O Estado não deve reconhecer os direitos de cidadão ao inimigo, contra este
não há justificativa para que haja um procedimento penal de cidadão, mas sim um
procedimento de guerra. Pois não oferece segurança mínima de um comportamento
de cidadão, por isso não deve ser tratado como tal, sob pena de vulnerar o direito à
segurança dos verdadeiros cidadãos. (Jakobs, 2012).
A teoria de Jakobs tem como fundamento o pensamento de importantes
filósofos. Analisam-se algumas citações dos mesmos, fica claro que se sabe
exatamente do que eles estão falando, quem é o nosso verdadeiro inimigo, vejamos
o que falava os filósofos jus naturale:
-
45
[...] a) Rousseau: O inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em guerra contra ele; logo, deve morrer como tal; b) Fichte: quem abandona o contrato do cidadão perde todos os seus direitos ; c) Hobbes: em casos de alta traição contra o Estado, o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como inimigo; d) Kant: quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não aceita o "estado comunitário-legal", deve ser tratado como inimigo Com isso, fica claro a importância em analisarmos a aplicabilidade do Direito penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro. (MORAES, 2011, p. 159).
Jakobs (2012), tendo por base esses pensamentos retromencionados, aduz
que o inimigo não pode ser punido com pena, mas sim, com medida de segurança.
Que a punição é de acordo com a periculosidade do individuo e não com a sua
culpabilidade, por isso as medidas aplicadas contra o inimigo não observam o que
ele fez, mas sim o que ele poderá vir a fazer, é um direito penal prospectivo aplicado
ao mesmo, tendo em vista que inimigo não é sujeito de direito, por isso, com ele
aplica-se coação física, diferente do cidadão que após delinquir mantém o status de
pessoa, já o inimigo perde esse status, tendo em vista sua periculosidade.
O direito penal do cidadão mantém a vigência da norma, o direito penal do
inimigo combate perigos, através da antecipação da tutela penal, para que os atos
preparatórios sejam alcançados, mesmo que a pena seja desproporcional, ainda sim
ela se justifica. (Jakobs, 2012).
Do cidadão se espera que ele exteriorize um fato, ou seja, cometa um delito,
já o inimigo, deve ser interceptado antes, em razão da sua periculosidade. (Jakobs,
2012).
3.2 – O direito penal do inimigo no Brasil
No Brasil, implanta-se a um determinado tempo legislações voltadas a
combater os delitos transindividuais aduzidos na teoria de Jakobs, haja vista a
sensação de insegurança e impunidade vivenciada no país, como conseqüência da
evolução da sociedade. No entanto, utilizam de tal argumento como desculpa para
-
46
uma explosão de leis penais, as quais muitas são simbólicas, transmitindo assim,
uma falsa sensação de segurança e combate a criminalidade para a sociedade.
No intuito de não se confundir o direito penal simbólico com o direito penal do
inimigo, neste tópico será exposto às principais leis penais do direito penal do
inimigo no Brasil, para que não haja dúvida de como tal teoria vem sendo tratada no
ordenamento jurídico brasileiro.
Diversas novas legislações foram editadas no Brasil, as quais apresentam
mecanismos e parâmetros penais e processuais diversos do modelo liberal-clássico.
(Moraes, 2011).
Para Moraes, “a hipertrofia legislativa, símbolo da sociedade pós-industrial, no
Brasil é facilmente constatada por meio de um exercício meramente descritivo de
leis criadas, seja para atender as novas demandas penais, seja para o combate a
nova criminalidade organizada”. (2011, p.240).
Vejamos alguns exemplos:
Lei nº 6.368, de 21.10.1976 (Lei de Tóxicos); Lei nº 7.492, de 16.06.1986
(Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional); Lei nº 7.716, de 05.01.1989
(Preconceito Racial); Lei nº 8.072, de 25.07.1990 (Lei de Crimes Hediondos); Lei nº
8.078, de 11.09.1990 (Código de Defesa do Consumidor); Lei nº 8.137, de
27.12.1990 (Lei de Crimes Contra a Ordem tributária, econômica e con