a tardinha - sonhos

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SALVADOR, SÁBADO, 17 DE MAIO DE 2014 4e5 Guia de sobrevivência do sono Sonhar é que nem viver em um filme onde a criação é sempre sua. Entenda o que acontece quando você dorme Foto Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE / Ilustrações Aziz DARLAN CAIRES Depois de fechar os olhos e chegar o sono, o filme começa. História repetida ou inédita, pode não fazer sentido, acabar no meio ou ter um início igual com um final surpreendente. É você quem cria, mas não tem controle. E, por mais triste que seja, não dá para lembrar sempre de tudo. São muitos, todos os dias. Ninguém tem memória de elefante. Para explicar os sonhos, o neurologista Raimundo Nonato lembra de como o criador do desenho Peter Pan os definiu. É como se a mamãe entrasse na cabeça da gente e encontrasse roupas sujas, amassadas e bagunçadas por todo lugar. Daí, imediatamente, ela começa a lavar, limpar e guardar em gavetas no cérebro para que, no outro dia, possamos usar. Por mês, dormimos uma média de 240 horas – o que equivale a dormir por 10 dias seguidos. Parece perda de tempo, mas é necessário. Para que possamos ter energia, uma noite de descanso é essencial. “O sonho permite ter mais atenção na sala de aula e melhora nossa atenção e memória”, ensinou Raimundo. QUEM DEU AS INFORMAÇÕES: o neurologista Victor Andrade (Hospital São Rafael); a psicóloga e autora do livro Aprendendo com os sonhos (Paulos, 2003), Marion Gallbach; o vice-coordenador do Departamento Científico do Sono da Academia Brasileira de Neurologia, Raimundo Nonato, e a tese de mestrado A psicanálise do olhar, escrita pela psicóloga Liliane Camargos. Recado do sonho Sonhar com gato preto significa que vai se ter azar? Não. Segundo Marion Gallbach, sinais pré-fabricados como esse são mitos. “Às vezes, até atrapalham entender o real sentido do sonho”, explicou a psicóloga. Os sonhos podem dizer algo. Mas, para entender o recado, é preciso prestar atenção aos detalhes – onde se passa, as personagens. Outra forma de entender é contar aos amigos e fazer associações com o que se está vivendo. Neurônios da imitação Alguém boceja e, de repente, você boceja também. A ciência explica. Nos anos 1990, foram descobertos os neurônios-espelho. Eles causam um comportamento imitativo. E, por isso, ao vermos alguém bocejando, lá vamos nós imitar. Ao contrário do que se Sonhos de quem nunca viu Quem nunca enxergou também sonha? Sim. É que os sonhos não são feitos só do que vemos, mas do que sentimos. “Em vez de ver imagens, pessoas com deficiência visual podem sonhar com claro e escuro, sensações de ventos se movimentando, subidas e descidas”, disse o vice-coordenador do Departamento Científico do Sono da Academia [ passando de fase ] O sono se divide em duas fases: uma com movimentos rápidos dos olhos (chamada sono REM) e outra sem (NREM). Somente mamíferos e aves, como homem, macaco, baleia, cachorro, apresentam sono REM, e é nesse estágio que 70% a 80% dos sonhos acontecem. Se você sonhar seis vezes em uma noite, quatro deles serão produzidos nessa fase. Todos os dias, temos de quatro a seis sonhos. Infelizmente, 90% deles são esquecidos. Se tivermos cinco sonhos, esquecemos quatro. “Em geral, só lembramos aqueles que nos acordam no meio da noite ou dos que temos perto de acordar”, disse a psicóloga Marion Gallbach. [ o segredo ] Brasileira de Neurologia, Raimundo Nonato. A montagem do sonho tem a ver com experiências do real e os pensamentos. A psicóloga Liliane Camargos escreveu em sua pesquisa que para o cego ver no sonho será preciso criar um sentido próprio das coisas. Por exemplo, ele pode saber coisas que outros personagens do sonho não sabem e, assim, criar a lógica de enxergar. pensa, o bocejo é um jeito de o organismo mostrar que precisamos ficar acordados. Abrimos a boca daquele jeito porque, quando começamos a dormir, a respiração muda e perde-se oxigênio. Por isso, criamos uma entrada grande, abrindo um bocão para entrar mais ar. Os irmãos Pedro, 7 anos, e Lucas, 9, sonham com coisas que desejam ter ou com aquilo de que sentem medo Ana Beatriz Nascimento, 11, já sonhou que voava pelas ruas de Salvador. “Eu via todo mundo embaixo, espantado com as minhas asas. Só eu podia fazer aquilo”. Agora, ela tem vontade de passear pelas nuvens. “Ainda não andei de avião. Quero muito”, confessou. Está explicado. É que, quando se quer muito alguma coisa, é normal sonhar. Pedro Cardoso, 7, sonhou que viajava para o sul do país. “Lá, eu encontrava um monte de pinguins. Desses normais, que são preto e branco. Fazia muito frio e eu estava todo agasalhado” . E quando dá medo? Aí é pesadelo. Lucas Mateus Cerqueira, 9, já teve um. “Eu corria e fugia. No quintal, encontrei um lobisomem. Quando ele estava me pegando, acordei”. A psicóloga Marion avisa: “Sonhos ruins são reflexo dos nossos medos. De vez em quando, tudo bem. Mas vários seguidos merecem atenção. Tem que ir ao psicólogo”. Do bem e do mal

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Jornal A Tarde: suplemento infantil A Tardinha publicado em 17/05/2014

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Page 1: A Tardinha - Sonhos

SALVADOR, SÁBADO,17 DE MAIO DE 2014 4e5

Guia de sobrevivência do sonoSonhar é que nem viver em um filmeonde a criação é sempre sua. Entendao que acontece quando você dorme

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Depois de fechar os olhos echegar o sono, o filme começa.História repetida ou inédita,pode não fazer sentido, acabarno meio ou ter um início igualcom um final surpreendente. Évocê quem cria, mas não temcontrole. E, por mais triste queseja, não dá para lembrarsempre de tudo. São muitos,todos os dias. Ninguém temmemória de elefante.

Para explicar os sonhos, oneurologista Raimundo Nonatolembra de como o criador dodesenho Peter Pan os definiu.É como se a mamãe entrassena cabeça da gente eencontrasse roupas sujas,amassadas e bagunçadas portodo lugar. Daí,imediatamente, ela começa alavar, limpar e guardar emgavetas no cérebro para que,no outro dia, possamos usar.

Por mês, dormimos umamédia de 240 horas – o queequivale a dormir por 10 diasseguidos. Parece perda detempo, mas é necessário. Paraque possamos ter energia, umanoite de descanso é essencial.“O sonho permite ter maisatenção na sala de aula emelhora nossa atenção ememória”, ensinou Raimundo.

QUEM DEU AS INFORMAÇÕES: o neurologista VictorAndrade (Hospital São Rafael); a psicóloga eautora do livro Aprendendo com os sonhos (Paulos,2003), Marion Gallbach; o vice-coordenador doDepartamento Científico do Sono da AcademiaBrasileira de Neurologia, Raimundo Nonato, e atese de mestradoA psicanálise do olhar, escrita pelapsicóloga Liliane Camargos.

Recado do sonhoSonhar com gato preto significa que vai seter azar? Não. Segundo Marion Gallbach,sinais pré-fabricados como esse são mitos.“Às vezes, até atrapalham entender o realsentido do sonho”, explicou a psicóloga. Ossonhos podem dizer algo. Mas, paraentender o recado, é preciso prestar atençãoaos detalhes – onde se passa, as personagens.Outra forma de entender é contar aos amigos efazer associações com o que se está vivendo.

Neurônios da imitaçãoAlguém boceja e, derepente, você bocejatambém. A ciência explica.Nos anos 1990, foramdescobertos osneurônios-espelho. Elescausam um comportamentoimitativo. E, por isso, aovermos alguém bocejando,lá vamos nós imitar.

Ao contrário do que se

Sonhos de quem nunca viuQuem nunca enxergoutambém sonha? Sim. Éque os sonhos não sãofeitos só do que vemos,mas do que sentimos. “Emvez de ver imagens,pessoas com deficiênciavisual podem sonhar comclaro e escuro, sensaçõesde ventos semovimentando, subidas edescidas”, disse ovice-coordenador doDepartamento Científico doSono da Academia

[ passando de fase ]O sono se divide em duas fases: uma

com movimentos rápidos dos olhos(chamada sono REM) e outra sem (NREM).Somente mamíferos e aves, como homem,macaco, baleia, cachorro, apresentam sonoREM, e é nesse estágio que 70% a 80% dos

sonhos acontecem. Se você sonhar seisvezes em uma noite, quatro deles

serão produzidos nessa fase.

Todos os dias, temos de quatroa seis sonhos. Infelizmente, 90%

deles são esquecidos. Se tivermoscinco sonhos, esquecemos quatro.“Em geral, só lembramos aqueles

que nos acordam no meio da noiteou dos que temos perto deacordar”, disse a psicóloga

Marion Gallbach.

[ o segredo ]

Brasileira de Neurologia,Raimundo Nonato.

A montagem do sonhotem a ver com experiênciasdo real e os pensamentos.A psicóloga LilianeCamargos escreveu em suapesquisa que para o cegover no sonho será precisocriar um sentido própriodas coisas. Por exemplo,ele pode saber coisas queoutros personagens dosonho não sabem e, assim,criar a lógica de enxergar.

pensa, o bocejo é um jeitode o organismo mostrarque precisamos ficaracordados. Abrimos a bocadaquele jeito porque,quando começamos adormir, a respiração mudae perde-se oxigênio. Porisso, criamos uma entradagrande, abrindo um bocãopara entrar mais ar.

Os irmãos Pedro, 7 anos, eLucas, 9, sonham com coisasque desejam ter ou comaquilo de que sentem medo

Ana Beatriz Nascimento, 11, já sonhouque voava pelas ruas de Salvador. “Euvia todo mundo embaixo, espantadocom as minhas asas. Só eu podia fazeraquilo”. Agora, ela tem vontade depassear pelas nuvens. “Ainda não andeide avião. Quero muito”, confessou. Estáexplicado. É que, quando se quer muitoalguma coisa, é normal sonhar.

Pedro Cardoso, 7, sonhou que viajavapara o sul do país. “Lá, eu encontravaum monte de pinguins. Desses normais,que são preto e branco. Fazia muito frioe eu estava todo agasalhado” .

E quando dá medo? Aí é pesadelo.Lucas Mateus Cerqueira, 9, já teve um.“Eu corria e fugia. No quintal, encontreium lobisomem. Quando ele estava mepegando, acordei”. A psicóloga Marionavisa: “Sonhos ruins são reflexo dosnossos medos. De vez em quando, tudobem. Mas vários seguidos merecematenção. Tem que ir ao psicólogo”.

Do bem e do mal