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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Mestrado em Direito Empresarial A SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO NO ÂMBITO DO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO Margherita Coelho Toledo Nova Lima/MG 2009

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

Mestrado em Direito Empresarial

A SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO NO ÂMBITO

DO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO

Margherita Coelho Toledo

Nova Lima/MG

2009

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Margherita Coelho Toledo

A SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO NO ÂMBITO

DO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação Strictu Sensu em Direito, da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do grau de mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial. Orientador: Prof. D.r Jason Soares de Albergaria Neto.

Nova Lima/MG

2009

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TOLEDO, Margherita Coelho T649 s A sociedade de propósito específico no âmbito do direito empresarial

brasileiro./ Margherita Coelho Toledo – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2009

92 f. enc. Orientador: Prof. Dr. Jason Soares Albergaria Neto

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos

Bibliografia: f. 85 - 91

1. Sociedade de Propósito Específico. 2. Parceria Público – Privada. 3.

Recuperação Judicial. 4. Holding Company. 5. Project Finance. 6. Securitização. I. Albergaria Neto, Jason Soares II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título

CDU 347. 72 347.725

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

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Faculdade de Direito Milton Campos - Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada “A Sociedade de Propósito Específico no Âmbito do Direito Empresarial Brasileiro” de autoria de Margherita Coelho Toledo, para exame pela banca constituída pelos seguintes professores:

_______________________________________ Prof. D.r Jason Soares de Albergaria Neto

Orientador

_______________________________________

_______________________________________

Orientador

_______________________________________

Nova Lima, ______ de _____________________ de 2009.

Alameda da Serra, 61- Bairro Vila da Serra - Nova Lima/MG.

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Aos meus pais, Nivaldo e Odeti, e à minha avó, Eugênia,

que, desde que eu era bem pequena, me ensinaram a importância do estudo.

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RESUMO

Esta dissertação aborda a utilização da Sociedade de Propósito Específico no

Direito Brasileiro. A Sociedade de Propósito Específico está prevista no Artigo

número 981, parágrafo único, do Código Civil de 2002 e tem como principal

característica restringir sua existência à realização de um negócio determinado. A

utilização da Sociedade de Propósito Específico nas parcerias público-privadas foi

expressamente contemplada no Artigo 9º, da Lei número 11.079, de 30 de dezembro

de 2004. Nesta hipótese, o parceiro público e o parceiro privado formam a

Sociedade de Propósito Específico, e ambos deverão implantar e gerir o

empreendimento objeto da parceria. A Lei número 11.101, de 09 de fevereiro de

2005, previu a utilização da Sociedade de Propósito Específico na recuperação

judicial de empresas (inciso XVI, do Artigo número 50). A Sociedade de Propósito

Específico é constituída para adjudicar, em pagamento dos débitos, os ativos do

devedor, ficando encarregada de honrar o passivo da empresa em recuperação

judicial. A Sociedade de Propósito Específico pode, ainda, ser utilizada como holding

company, em Project Finance, na securitização de recebíveis ou no financiamento

para a construção e comercialização de imóveis. O conceito e a utilização das

Special Purpose Companies no Direito Norte-Americano são similares àqueles da

Sociedade de Propósito Específico, no Direito Brasileiro.

Palavras-chave: Sociedade de propósito específico. Parceria público-privada.

Recuperação Judicial. Holding Company. Project Finance. Securitização.

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ABSTRACT

The present dissertation comprises the utilization of the Special Purpose Company

according to the Brazilian Law. The Special Purpose Company is regulated by the

Article Number 981, sole paragraph, of the Brazilian Civil Code of 2002 and is mainly

distinguished for having its existence attached to the performance of a particular

transaction. The utilization of a Special Purpose Company in public-private

partnerships was expressly mentioned in Article 9th of the Law number 11,079, of

December 30th, 2004. The Special Purpose Company will then have a public-partner

and a private-partner to jointly establish and manage the partnership object. The Law

number 11,101, of February 9th, 2005 alludes to the use of the Special Purpose

Company in the reorganization of business entities (item XVI of Article 50). The

Special Purpose Company is, therefore, created to award debtor assets as debt

payment, being responsible for honoring all debt of the business entity subject to

reorganization. The Special Purpose Company can also constitute the holding

company in transactions such as Project Finance, receivables securitization or real

state construction and commercialization financing. The definition and the utilization

of the Special Purpose Companies according to the North-American Law are similar

to those of the Special Purpose Company according to Brazilian Law.

Key words: Special Purpose Company. Public-private partnership. Reorganization.

Holding company. Project Finance. Securitization.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABS Asset-Backed Securities

BLT Build, Lease and Transfer

BOOT Build, Own, Operate and Transfer

BOT Build, Operate and Transfer

BRT Build, Rent and Transfer

BTO Build, Transfer and Operate

CBO Collateralized Bond Obligations

CC/2002 Código Civil de 2002

CGP Comitê Gestor de Parcerias Público-Privadas

CPE Companhia de Propósito Específico

CVM Comissão de Valores Mobiliários

DBFO Design, Build, Finance and Operate

DCMF Design, Construct, Maintain and Finance

EPE Entidade de Propósito Específico

IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

LLC Limited Liability Company

LLP Limited Liability Partnership

PPPs Parceiras Público-Privadas

SPC Special Purpose Company

SPE Sociedade de Propósito Específico

SPV Special Purpose Vehicle

TAP Transportes Aéreos Portugueses

UPV Unidade Produtiva Varig

Variglog Varig Logística S/A

VEM Varig Engenharia e Manutenções S/A

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

Capítulo I A SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO

15

1.1 Conceito 15

1.2 Evolução de utilização no Direito Brasileiro 20

1.3 Enquadramento no vigente Código Civil 23

1.4 Formas societárias 24

Capítulo II A UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO NAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

32

2.1 Previsão legal 32

2.2 Formas de utilização 39

2.3 Vantagens da utilização 42

Capítulo III A UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS

46

3.1 Previsão legal 46

3.2 Formas de utilização 53

3.3 Vantagens da utilização 56

Capítulo IV OUTRAS POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO

58

4.1 Holding companies 58

4.2 Project Finance 61

4.3 Securitização de recebíveis 65

4.4 Financiamento de empreendimentos 67

Capítulo V A SPECIAL PURPOSE COMPANY

69

5.1 Conceito segundo o Direito Norte-Americano 69

5.2 Principais utilizações no âmbito do Direito Norte-Americano 72

CONCLUSÃO 79

REFERÊNCIAS 85

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INTRODUÇÃO

O comércio, como fato econômico e social, sempre buscou a melhor

forma de circular a riqueza, com o intuito de aumentar, em maiores proporções, o

que foi produzido. E, em tal busca, as regras atinentes aos negócios humanos

evoluíram da mesma forma que a rudimentar economia fundamentada no escambo

evoluiu para as transações econômicas mais elaboradas. Ou, nas palavras de

Requião (2003):

a economia de troca (economia de escambo) evoluiu para a economia de mercado (economia monetária). O produtor já não mais produz para a troca, visando o imediato transpasse de sua mercadoria em contraposição com a aquisição da de outro, com quem opera. Passa a produzir para vender, em novo ciclo de produção. Pode, assim, o produtor especializar-se numa só linha de produção, para a qual se considera mais hábil ou que melhor proveito lhe proporciona. Aparelha-se, desta forma, o comércio para desempenhar a sua função econômica e social, unindo indivíduos e aproximando os povos, tornando-se elemento de paz e solidariedade, numa intensa ação civilizadora (p. 4).

O desenvolvimento econômico demandou a conjugação de esforços entre

pessoas para se buscar o fomento das atividades produtivas. Nas palavras do

Professor Fran Martins, o desenvolvimento das associações com a finalidade de

buscar o objetivo primordial de produzir e circular mercadorias e serviços de forma

mais eficiente e lucrativa é assim descrito:

Inicialmente um só indivíduo podia realizar os atos necessários para a circulação de mercadorias, servindo de intermediário entre o produtor e o consumidor. Desenvolvendo-se o tráfico de mercadorias, tornou-se indispensável a existência de mais de uma pessoa para a realização das atividades intermediárias, nascendo daí as “sociedades empresárias” em que, segundo a concepção primitiva dos Códigos, várias pessoas “negociavam em comum” (Código Comercial, art. 315); só mais tarde foi reconhecida a personalidade jurídica das sociedades, mas, ainda hoje, em alguns

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países (Alemanha, Inglaterra), certos tipos de sociedades (em nome coletivo, em comandita) não possuem personalidade jurídica, sendo os seus sócios considerados comerciantes que se agregam apenas para reunir maiores capitais, repartir encargos e usufruir lucros, mas cada um se caracterizando como um comerciante, ou seja, respondendo com seu patrimônio pelas obrigações assumidas. Por outro lado, dado o crescimento dos negócios, os comerciantes individuais e as sociedades empresárias passaram a necessitar de uma organização a que se unissem capital e trabalho, para atender às demandas do comércio. Nasceu, aí, a empresa comercial, organismo formado por uma ou várias pessoas com a finalidade de exercitar atos de manufatura ou circulação de bens ou prestação de serviços. A empresa já era conhecida no campo econômico, consistindo na organização de capital e trabalho com a finalidade de produção ou circulação de bens ou prestação de serviços (MARTINS, 2007, p. 13).

Constata-se, pois, que as sociedades empresárias, desde os seus

primórdios e ainda nas suas formas mais rudimentares, surgiram da necessidade de

certos indivíduos se agruparem para a consecução de certos objetivos comuns. Isto

porque tais objetivos somente são alcançados pelo esforço conjunto, não podendo,

pois, ser atingidos pelos indivíduos isoladamente.

Assim, os ordenamentos jurídicos trataram de conferir a este agrupamento de

indivíduos, com a finalidade de alcançar objetivos comuns, certas características para

viabilizar a relação entre tais indivíduos. Daí o surgimento das pessoas jurídicas,

dotadas de personalidade própria e alheia a dos indivíduos que as compõem.

As pessoas jurídicas possuem, portanto, capacidade de serem sujeitos de

direitos e obrigações, podendo, por conseguinte, praticar todos os atos necessários

para sua existência no mundo jurídico. A personalidade das pessoas jurídicas é, nas

palavras de Pereira (1997), consequência de requisitos que tornam possível a sua

existência no mundo jurídico.

As pessoas jurídicas que se constituem para o exercício de atividades

empresárias são denominadas sociedades empresárias, sendo conceituadas por

Mendonça (1953) como

a organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com a esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade (p. 552).

Também é válido trazer a lume o conceito de sociedade empresária de

Requião (2003):

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Denomina-se sociedade empresária a organização proveniente do acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho com um fim lucrativo. A sociedade pode advir de contrato ou de ato correspondente; uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se autonomiza, separadamente das pessoas que as constituíram. O Código Civil descortina o mesmo espírito, conforme artigo 982 do diploma normativo, porém só reconhece o caráter empresarial por meio de registro; sem a respectiva feitura ditas sociedades são consideradas em comum, a teor dos artigos 986 e seguintes do citado Códex. Diante da natureza do contrato plurilateral, típico das companhias, o Código intitula as sociedades anônimas empresárias, e as simples, ao lado das cooperativas, frente à natureza e sem a perspectiva específica do lucro, conquanto possam revestir forma comercial (p. 169).

No entanto, a despeito do aperfeiçoamento das associações de pessoas ter

resultado em sociedades empresárias organizadas sob as mais variadas formas, o

recrudescimento do comércio, inclusive transnacional, fomentou a formação de

associações entre os agentes econômicos.

A conjugação de esforços entre agentes econômicos resultou ou na

constituição de sociedades empresárias ou no surgimento de associações

fundamentadas por normatização específica. Em ambos os casos, a finalidade precípua

sempre foi a colaboração para consecução de objetivos comuns e específicos.

Nesse contexto desenvolveram-se, ao longo do tempo, além das sociedades

empresárias, negócios tais como: os contratos de agência e de distribuição, os

consórcios, as joint ventures, cada qual com suas peculiaridades.

O contrato de agência (também conhecido como contrato de representação

comercial autônoma) e o contrato de distribuição são, atualmente, regulados pela Lei

número 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil (“Código Civil

de 2002”), no Artigo número 7101.

A citada norma legal estabelece que, pelo contrato de agência, uma pessoa

assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de

promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios,

em zona determinada. Se a pessoa tiver à sua disposição a coisa a ser negociada,

estar-se-á diante de um contrato de distribuição.

Os contratos de representação comercial e de distribuição são essenciais

para a circulação de mercadorias produzidas e representam importante mecanismo

1 “Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos

de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada” (BRASIL, 2002).

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na comercialização de bens. Nas palavras de Bertoldi e Ribeiro (2006), dissertando

sobre os contratos de agência e distribuição:

Dentre um dos principais colaboradores do empresário, que desempenha a função de escoamento de seus produtos no mercado, cumprindo ofício essencial na cadeia de circulação de mercadorias ao lado do distribuidor, está o representante comercial, cuja atividade está devidamente regulada pela Lei 4.886, de 09.12.1965, que em seu art. 1º conceitua como a pessoa física ou jurídica, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios. No Código Civil, a exemplo do Código Civil italiano de 1942, esta espécie contratual é chamada de agência e está regulada, em conjunto com os contratos de distribuição, entre os arts. 710 a 721 (p. 712).

Os contratos de agência (representação) e distribuição constituem contrato

“consensual, pois para seu aperfeiçoamento basta o consentimento das partes; é

bilateral, na medida em que cria obrigações para ambos os contratantes; e é oneroso,

pois sempre será devida remuneração aos representantes pelos serviços prestados”

(BERTOLDI e RIBEIRO, 2006, p. 713).

O consórcio está disciplinado nos Artigos números 278 e 279, da Lei número

6.404, de 15 de dezembro de 19762 e é assim caracterizado por Borba (2004):

o consórcio, que também é um contrato entre sociedades, restringe-se à conjugação de empresas para execução de um

2 “Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir

consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo. § 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas

condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

§ 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio. Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não-circulante, do qual constarão:

I - a designação do consórcio se houver; II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio; III - a duração, endereço e foro; IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas; V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados; VI - normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver; VII - forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado; VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver. Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do

comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada” (BRASIL, 1976).

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empreendimento determinado. Os membros do consórcio serão quaisquer sociedades, não exigindo a lei que se achem ligadas por relações de participação. A aprovação do contrato de consórcio exigirá a simples manifestação do órgão da sociedade que tem competência para autorizar a alienação de bens do ativo permanente. Na prática empresarial, os contratos de consórcio vêm-se tornando bastante comuns, especialmente para realização de obras de grandes dimensões que, por isso mesmo, requerem esforço conjugado de várias empresas (p. 505).

Os contratos de joint venture pressupõem a constituição de uma sociedade,

organizada sob uma das formas societárias prescritas no Direito Brasileiro, por

outras empresas, com o objetivo de desenvolver negócios comuns, ou seja,

os contratos de joint venture são criados a partir de um acordo-base em torno do qual gravitam os contratos satélites, sendo seus objetivos realizados por um órgão de gestão e controle que pode ser uma pessoa física ou jurídica, mandatária, formal como uma sociedade por ações, ou informal, como o gerente de um consórcio (BAPTISTA, 1981, p. 42/39).

E, mais recentemente, a demanda por novas formas de associações, para o

desenvolvimento de projetos específicos, entre dois ou mais sujeitos, trouxe ao

cenário nacional a figura da Sociedade de Propósito Específico.

A utilização da Sociedade de Propósito Específico no Direito Brasileiro vem

evoluindo sob vários aspectos e em vários segmentos, sendo alguns deles melhor

desenvolvidos ao longo do presente trabalho.

Ressalte-se que a Sociedade de Propósito Específico, conhecida pela sigla

SPE3, teve como inspiração a forma de Special Purpose Company, adotada no Direito

Norte-americano. Nesse sistema jurídico, a Special Purpose Company também é

denominada de Special Purpose Entity, Special Purpose Vehicle ou Shell Company.

Conceitualmente, a SPE é aquela sociedade cujo objeto social é limitado a

um só fim específico, ou seja, a razão de existência dessa sociedade é justamente o

cumprimento desse propósito específico, findo o qual, a mesma será extinta.

Destaque-se que a aplicação da SPE, na qualidade de forma de associação,

que tem por objetivo o desenvolvimento econômico de negócios específicos, ocorre,

atualmente, nos mais abrangentes cenários. É, pois, a SPE utilizada sob a forma de

Project Finance, nas parcerias público-privadas, na viabilização de recuperação

judicial de empresas. Destarte, é crescente a utilização da SPE no cenário atual, em

3 A sigla SPE, doravante, será utilizada para nomear a Sociedade de Propósito Específico, ao longo

desta dissertação.

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diversos meandros. E, desde o advento do Código Civil de 2002, a SPE é agora

expressamente permitida no parágrafo único do Artigo número 981, do referido

diploma legal (cf. BRASIL, 2002).

Restou, pois, legalmente estabelecida que a atividade de uma sociedade

possa se restringir à realização de uma ou mais atividades determinadas, com vistas

à exploração de um só negócio.

Após essa introdução, que será a primeira parte do presente trabalho, o

Capítulo 1 conceituará a SPE, apresentando, também, a evolução de sua utilização no

Direito Brasileiro até o advento de seu enquadramento no Código Civil de 2002.

Também apresentará as formas societárias nas quais a SPE pode se revestir, já que a

SPE não constitui um novo tipo societário na ordem jurídica brasileira. Ela se organiza

sempre sob uma das formas societárias previstas pela legislação.

Após a caracterização da SPE, o Capítulo 2, à luz da previsão contida no

Artigo 9º, da Lei número 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (cf. BRASIL,

2004a), abordará a utilização da SPE nas parcerias público-privadas. Discorrer-

se-á, por conseguinte, a respeito do tratamento legal conferido à SPE nas

parcerias público-privadas, apresentando-se as formas de viabilização de tais

parcerias através da SPE e abordando-se as vantagens da implementação das

referidas parcerias por intermédio da SPE.

Já o terceiro capítulo, analisando o Artigo número 50, inciso XVI, da Lei

número 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (cf. BRASIL, 2005a), apresentará a

possibilidade de inserção da SPE na recuperação judicial de empresas,

demonstrando as formas de utilização, bem como as vantagens da utilização da

SPE em empresas que estejam em recuperação judicial.

O Capítulo 4 apresentará outras possibilidades de utilização da SPE, através

da formação de Holding Companies, da implementação de Project Finance, da

securitização de recebíveis e no financiamento para a construção e comercialização

de imóveis (cf. BRASIL, 2009).

Finalmente, o Capítulo 5 apresentará uma breve explanação da Special

Purpose Company, estabelecendo o respectivo conceito segundo o Direito Norte-

Americano e as principais utilizações de Special Purpose Company no âmbito de tal

sistema jurídico.

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Em suma, o presente trabalho discorrerá sobre a análise dos aspectos

jurídicos da SPE e de suas diversas aplicações no âmbito do Direito Brasileiro.

Melhor conhecer os aspectos da SPE ensejará o desenvolvimento e a sedimentação

da utilização da SPE no cenário nacional, na medida em que o tema proposto

pretende abranger os aspectos da SPE à luz do Direito Brasileiro, a sua utilização

prevista no ordenamento positivo pátrio, bem como outras utilizações possíveis,

ainda que não positivadas.

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CAPÍTULO I

A SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO

1.1 Conceito

As sociedades empresárias são organizações econômicas dotadas de

personalidade jurídica. São constituídas, em regra, por mais de uma pessoa e têm

como objetivo a produção ou comercialização de bens ou serviços, visando ao lucro.

Para ser considerada empresária, nas palavras de Lobo (2004),

é mister que a sociedade preencha o modelo imaginado por ASQUINI, segundo o qual a empresa é um fenômeno poliédrico, que representa quatro perfis: o perfil subjetivo; o perfil funcional; o perfil objetivo e o perfil corporativo, assim sintetizado por EVARISTO DE MORAES FILHO:

„a) subjetivo, empresa = empresário; b) funcional ou dinâmico, empresa = atividade do empresário (imprenditizia); c) patrimonial ou objetivo, empresa = patrimônio comercial e estabelecimento e d) corporativo, empresa = instituição‟.

Por isso, se a sociedade tem um ou mais sócios controladores (perfil subjetivo), dedica-se a uma atividade econômica (perfil funcional ou dinâmico), possui um patrimônio comercial ou estabelecimento (perfil patrimonial ou objetivo) e um contingente de empregados e prestadores de serviços (perfil corporativo), ela é empresária; se faltar um ou alguns desses elementos, a sociedade é simples (p. 31).

A constituição de uma sociedade empresária, em geral, dá-se por escrito,

através de um contrato social. Nas palavras do Martins (2007):

As sociedades empresárias, regra geral, se constituem por escrito, seja por instrumento público ou particular, a teor do Artigo 997 do Código Civil. No entanto a legislação brasileira admitia e reconhecia a existência de sociedade sem o instrumento específico, desde que os interessados tivessem meios de provar por todos os gêneros de provas admitidos em lei comercial, consoante Artigos 122 e 304 do Código Comercial, havendo presunção sempre que alguém praticasse atos societários próprios.

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Sobreditas sociedades, conquanto provadas, são consideradas de fato e não de direito, motivo pelo qual o Código Civil as denomina sociedade em comum (art. 986), desprovida de personalidade jurídica, por não se coadunar com a formação de sociedade empresária (p. 174).

O contrato de constituição de sociedades empresárias é, por sua vez,

dotado de características essenciais aos contratos em geral e de características

particulares àqueles relativos às sociedades empresárias. Requião (2003),

dissertando sobre o contrato de sociedade empresária, desdobra-lhe as

características em:

(i) elementos comuns a todos os contratos: Os contratos, na sua formação, como negócios jurídicos que são, pressupõem consenso, objeto lícito e forma prescrita e não defesa em lei (p. 384). (ii) elementos específicos, que dizem respeito ao contrato típico de sociedade empresária: Além dos elementos que informam o contrato em geral, para os contratos sociais surgem requisitos específicos próprios das sociedades comerciais, de que podemos enumerar os seguintes: a) pluralidade de sócios; b) constituição do capital; c) affectio societatis; d) participação nos lucros e nas perdas (p. 387).

Deve também o contrato de constituição de sociedade empresária atender

aos requisitos previstos na legislação, sendo os requisitos essenciais previstos no

Artigo número 997, do Código Civil de 20021. A possibilidade de formação de SPE

está, por sua vez, prevista no parágrafo único do Artigo número 981, do mesmo

Código Civil de 20022.

A referida norma permitiu, expressamente, a criação de uma sociedade

empresária, cuja constituição dá-se por ato escrito, dotado de elementos comuns

1 “Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de

cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao

disposto no instrumento do contrato” (BRASIL, 2002). 2 “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir,

com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios

determinados” (BRASIL, 2002, grifo nosso).

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aos contratos em geral e de elementos peculiares aos contratos de sociedades

empresariais. O ato constitutivo da SPE deve, também, conter os requisitos

enumerados no Artigo número 997, do Código Civil de 2002.

A principal característica da SPE é a sua existência estar adstrita à

realização de um negócio determinado, mantendo, por conseguinte, a SPE

interesses próprios e absolutamente destacados dos interesses de seus

controladores. Conceitua-se, pois, a SPE como uma sociedade empresária

constituída única e exclusivamente para cumprir um negócio específico. Em

outras palavras, o surgimento e o fim de uma SPE está adstrito a um projeto ou

ação específico, cujo desenvolvimento está ligado à necessidade empresarial de

suas controladoras. Borba (2004), discorrendo sobre a SPE, afirma:

A S.P.E. não tem interesse próprio, não cumpre um objeto social próprio, não se destina a desenvolver uma vida social. Trata-se do que se poderia chamar uma sociedade ancilar, mero instrumento de sua controladora. A rigor, essas sociedades nascem para prestar um serviço a sua controladora, para cumprir uma simples etapa de um projeto, ou até mesmo para desenvolver um projeto da controladora. Normalmente, cumprido esse projeto, o seu destino é a liquidação. Nascem, normalmente, já marcadas para morrer (p. 518).

Assim, a SPE decorre da celebração de um contrato de sociedade, em

que a sociedade empresária, dotada de personalidade jurídica e autonomia

patrimonial, é constituída especificamente para uma ação ou projeto. Diz-se, pois,

que a SPE possui um objeto determinado, sendo que a determinação do objeto

pode ocorrer no aspecto temporal e funcional. No entanto, nem o aspecto

temporal, nem o funcional podem, isoladamente, caracterizar a SPE. Isto porque

o aspecto temporal, ou seja, a determinação do tempo de duração de uma SPE,

previsto, eventualmente, no seu contrato de constituição, pode ser

descaracterizada por possibilidade de prorrogação do contrato.

No âmbito da SPE, dependendo do objeto específico delineado, existe a

possibilidade e a necessidade de ser prever a possibilidade de extensão do

prazo inicialmente ajustado para duração da SPE. Tal possibilidade de

prorrogação do lapso temporal de duração da SPE é, por exemplo, prevista na

Lei número 11.079/2004, que versa sobre as Parcerias Público-Privadas3 (cf.

3 A previsão de utilização de SPE, tal como é abordada na referida Lei, será discutida adiante, neste trabalho.

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BRASIL, 2004). O Artigo Quinto4, da Lei número 11.079/2004 permite que os

contratos de parcerias público-privadas, os quais, de acordo com a mesma lei,

são antecedidos por uma SPE para estruturação de parcerias público-privadas5,

tenham prazo de vigência compatível com a amortização dos investimentos realizados.

4 “Art. 5

o. As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da

Lei no. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação; II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas; III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária; IV – as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais; V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços; VI – os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia; VII – os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado; VIII – a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3º e 5º do art. 56 da Lei no. 8.666, de 21 de junho de 1993, e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei no. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado; X – a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas. § 1o As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas

matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização.

§ 2o Os contratos poderão prever adicionalmente:

I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei no. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública; III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas” (BRASIL, 2004, grifo nosso).

5 “Art. 9

o Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito

específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1

o A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à

autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

§ 2o A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado.

§ 3o A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança

corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. § 4

o Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das

sociedades de que trata este Capítulo. § 5

o A vedação prevista no § 4

o deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do

capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento” (BRASIL, 2004, grifo nosso).

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Entretanto, tais contratos não podem ter prazo de vigência inferior a 5 (cinco) anos e

nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação.

Assim, uma SPE constituída para implantar e gerir o objeto da parceria pode

ter o seu prazo de duração inicial dilatado para acomodar determinada necessidade

decorrente da execução do objeto. Obviamente, que o prazo inicial da SPE não

poderá, ex vi legis, ser inferior a 5 (cinco) anos, mas poderá ser prorrogado até o

limite de 35 (trinta e cinco) anos, pois como a SPE implantará e gerirá projeto de

parceria público-privada deverá ter o mesmo prazo de duração do contrato que

estabeleceu tal projeto.

A função da SPE pode ser caracterizada a partir da atividade que será

desempenhada pela SPE. Ou, em outras palavras, função é o motivo de criação,

existência e encerramento de uma SPE. No entanto, a função da SPE não é seu

aspecto característico, eis que outras sociedades empresárias podem ter funções

similares a uma SPE e não serem caracterizadas como tal. Assim é que a junção de

vários aspectos (tempo de duração, função a ser exercida, local onde a SPE atuará e

partes que formam a SPE) caracteriza uma SPE.

Por outro lado, a impossibilidade de alteração do objeto é uma característica

intrínseca à SPE. É que, uma vez delimitado o objeto, o propósito, a finalidade da

SPE, não pode haver a alteração ou a ampliação de referido objeto da SPE, sob

pena de descaracterizá-la.

É certo que o direito empresarial tem como fundamento a vontade das

partes de se associarem, o que poderia, precipitadamente, ensejar que essa mesma

vontade das partes, da qual decorreu a criação da SPE, poderia ampliar ou alterar o

objeto de tal sociedade. Não obstante o respeito à vontade das partes, foram as

próprias partes que constituíram a SPE que, voluntariamente, determinaram que tal

sociedade teria um objeto específico e determinado. É assim que a impossibilidade

de alteração do propósito da SPE decorre da vontade das partes instituidoras, no ato

de criação da referida sociedade.

E, sendo a impossibilidade de alteração do objeto da SPE que enseja o

propósito específico de tal sociedade, tem-se que qualquer alteração ou ampliação

do propósito da SPE desnatura-a como tal.

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1.2 Evolução de utilização no Direito Brasileiro

As previsões legais de utilização da SPE, no Brasil, em diversas situações

ocorreram antes da menção expressa contida no Código Civil de 2002 (cf. BRASIL,

2002). Guimarães (2002) informa que

a primeira referência de uma norma cogente prevendo a criação de uma estrutura símile à SPE no Brasil se encontra consubstanciada na Portaria 107, emitida pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, a qual institui o chamado consórcio societário, determinando que a conjugação empresarial visando a venda, no exterior, das mercadorias ali elencadas se fizesse mediante a criação de um ente, dotado de “personalidade jurídica, revestindo a forma de sociedade comercial, organizada por instrumento público ou particular e com seus atos constitutivos arquivados na repartição ou órgão competente” (art. 11) (p. 135).

Verifica-se, pois, que a referida portaria, na verdade, dispôs sobre a criação

de um tipo societário assemelhado a uma SPE, ao regular sobre a venda de

madeiras para o exterior. Isto porque o chamado consórcio societário, dotado de

personalidade jurídica, revestindo a forma de sociedade comercial, previsto pela

mencionada portaria, não pode ser qualificado como consórcio, na acepção técnica.

Sabe-se, nesse sentido, que uma das principais características de um consórcio é

não ter personalidade jurídica. Na verdade, o consórcio é um contrato feito por uma

companhia com outras sociedades, para viabilizar um empreendimento, sendo que

cada consorciada responde pelas obrigações assumidas no referido contrato. Ou,

nas palavras de Martins (2007):

Consórcio é o contrato feito pela companhia e outras sociedades com a finalidade de executar determinado empreendimento. Deve esse contrato ser aprovado pelo órgão da sociedade que tiver competência para autorizar a alienação de bens do ativo permanente, e dele constarão a designação do consórcio, se houver, o empreendimento que constituir o seu objeto, a duração, o endereço e foro, as obrigações e responsabilidades e as prestações específicas de cada sociedade consorciada. [...] O consórcio não tem personalidade jurídica; as consorciadas respondem apenas pelas obrigações assumidas, sem presunção de solidariedade (pp. 400-401).

Também a Lei número 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, ao disciplinar a

concessão e a permissão de serviços públicos estabelecidos no Artigo número 175,

da Constituição Federal, facultou ao órgão público concedente que determinasse

aos concessionários e permissionários que estabelecessem uma sociedade

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especificamente para contratar com o ente concedente6. Tal sociedade, tendo como

propósito específico a concessão e/ou permissão outorgadas pelo Poder Público,

nada mais seria que uma SPE.

Constata-se, ainda, no Decreto número 3.000, de 26 de março de 1999, que

estabelece o Regulamento do Imposto de Renda, que há menção expressa à SPE

constituída pelos Estados, Municípios ou Distrito Federal para contribuir para o

saneamento das finanças dos respectivos controladores. Destarte, o Artigo número

4327, do aludido Regulamento do Imposto de Renda, ao dispor sobre a tributação de

ganhos de capital decorrentes de alienação de participações acionárias em

sociedades criadas por Estados, Municípios ou Distrito Federal, no âmbito de

Programas de Privatizações, especificamente se referiu à SPE.

Também é cabível citar a Instrução Normativa CVM número 408, de 18 de

agosto de 2004, na qual a Comissão de Valores Mobiliários prevê expressamente a

existência de SPE no âmbito de controle de companhias abertas. Tal Instrução

Normativa prevê a existência de entidades de propósito específico – EPE, que

estejam sob o controle, societário ou econômico, de uma companhia aberta8.

Além das referências legislativas já referidas, deve-se mencionar a expressa

referência à SPE na sobredita Lei número 11.079/2004, que dispõe sobre as

parcerias público-privadas (cf. BRASIL, 2004a) e na Lei número 11.101/2005, que

6 “Art. 20. É facultado ao poder concedente, desde que previsto no edital, no interesse do serviço a

ser concedido, determinar que o licitante vencedor, no caso de consórcio, se constitua em empresa antes da celebração do contrato” (BRASIL, 1995). 7 “Art. 432. Os ganhos de capital na alienação de participações acionárias de propriedade de

sociedades criadas pelos Estados, Municípios ou Distrito Federal, com o propósito específico de contribuir para o saneamento das finanças dos respectivos controladores, no âmbito de Programas de Privatização, estão isentos do imposto de renda (Lei nº 9.532, de 1997, art. 79).

Parágrafo único. A isenção de que trata este artigo fica condicionada à aplicação exclusiva do produto da alienação das participações acionárias no pagamento de dívidas dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (Lei nº 9.532, de 1997, art. 79, parágrafo único)” (BRASIL, 1999). 8 “Art. 1º. Para fins do disposto na Instrução CVM nº 247, de 27 de março de 1996, as demonstrações

contábeis consolidadas das companhias abertas deverão incluir, além das sociedades controladas, individualmente ou em conjunto, as entidades de propósito específico – EPE, quando a essência de sua relação com a companhia aberta indicar que as atividades dessas entidades são controladas, direta ou indiretamente, individualmente ou em conjunto, pela companhia aberta.

Parágrafo único. Considera-se que existem indicadores de controle das atividades de uma EPE quando tais atividades forem conduzidas em nome da companhia aberta ou substancialmente em função das suas necessidades operacionais específicas, desde que, alternativamente, direta ou indiretamente:

I. a companhia aberta tenha o poder de decisão ou os direitos suficientes à obtenção da maioria dos benefícios das atividades da EPE, podendo, em conseqüência, estar exposta aos riscos decorrentes dessas atividades; ou II. a companhia aberta esteja exposta à maioria dos riscos relacionados à propriedade da EPE ou de seus ativos” (BRASIL, 2004b).

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regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da

sociedade empresária (cf. BRASIL, 2005a)9.

Algumas outras normas legais, embora não expressamente mencionem a

SPE, podem ser citadas como referências que se aproximam da mesma. Assim é o

caso da Lei número 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece que empresas

participantes de determinada licitação sob a modalidade de consórcio, deverão, caso

sejam vencedoras do certame, constituir um consórcio operacional10. E, muitas das

vezes, o órgão licitante, com espeque nas normas previstas pela Lei número 9.074,

de 7 de julho de 199511, que disciplina a outorga e prorrogações das concessões e

permissões de serviços públicos e dá outras providências, prevê a constituição,

pelas empresas consorciadas que venceram a licitação, de um consórcio

empresarial, que, como se viu acima, nada mais é que uma SPE. Isto porque,

segundo Carvalhosa (2003a),

9 As referências à SPE contidas nas aludidas Leis números 11.079/2004 e 11.101/2005 serão

discorridas alhures no presente trabalho 10

“Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:

I - comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados; II - indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no edital; III - apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei; IV - impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente; V - responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato. § 1

o No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá,

obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o disposto no inciso II deste artigo. § 2

o O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a

constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo” (BRASIL, 1994, grifo nosso). 11

“Art. 21. É facultado ao concessionário incluir no plano de conclusão das obras, referido no inciso I do artigo anterior, no intuito de viabilizá-la, proposta de sua associação com terceiros na modalidade de consórcio empresarial do qual seja a empresa líder, mantida ou não a finalidade prevista originalmente para a energia produzida.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo aos consórcios empresariais formados ou cuja formação se encontra em curso na data de publicação desta Lei, desde que já manifestada ao poder concedente pelos interessados, devendo as concessões ser revistas para adaptá-las ao estabelecido no art. 23 da Lei no. 8.987, de 1995, observado o disposto no art. 20, inciso II e no art. 25 desta Lei” (BRASIL, 1998).

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é mais interessante para o Poder Público que a exploração do objeto da licitação seja feita por uma nova sociedade especificamente constituída. Nesta, a fiscalização e a garantia dos credores são mais amplas que as do consórcio, em que não se presume solidariedade. Essa Exigência (SPE) tanto mais se justifica no caso das “concessões” (Lei n. 9.074, de 1995), tendo em vista o seu longo prazo (geralmente vinte anos) e a complexidade das relações das concessionárias com o Poder Público (agências reguladoras) (pp. 400-401).

1.3 Enquadramento no vigente Código Civil

Uma das maiores vantagens de uma SPE, que enseja a sua crescente

utilização no âmbito nacional, para efeitos de captação e implementação de

investimentos, está no fato de permitir um perfeito isolamento das outras atividades

comerciais dos acionistas controladores e um acesso direto e menos complicado

aos ativos e recebíveis do empreendimento pelos agentes financiadores, nos casos

de inadimplência. Este é, a princípio, o principal mote de utilização da SPE no

cenário jurídico brasileiro.

A possibilidade de formação de SPE está, como se viu, prevista no

parágrafo único do Artigo número 981, do Código Civil de 2002 (cf. BRASIL, 2002).

A referida norma permitiu, expressamente, que, em um contrato de sociedade,

celebrado entre pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir, com bens ou

serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos

resultados, a atividade social possa se restringir à realização de um ou mais

negócios determinados.

No entanto, o Código Civil de 2002 não estabeleceu à SPE, por si só, a

qualidade de sociedade mercantil. Isto porque, a despeito da previsão legal

expressa no Código Civil de 2002 da possibilidade de constituição da SPE, para que

tenha a qualidade de sociedade mercantil, a SPE deverá adotar umas das formas

societárias previstas em lei.

É, pois, o tipo societário eleito para constituir a SPE que determinará as suas

principais características, devendo ser seguidas as normas legais atinentes à

constituição de cada tipo societário. Se a SPE constituir-se como uma sociedade

limitada ou como uma sociedade em conta de participação, deverão ser respeitadas

as regras ínsitas no Código Civil de 2002, relativas a tais tipos societários. Já se a

SPE se constituir sob a forma de uma sociedade anônima, deverão ser observadas

as regras previstas na Lei número 6.404/1976 (cf. BRASIL, 1976).

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E, uma vez constituída sob uma das formas societárias previstas em lei, a

SPE passará a ser dotada de personalidade jurídica própria, podendo, pois, ser

sujeito de direitos e obrigações.

A relação da SPE no âmbito interno – entre os seus sócios ou acionistas – e no

âmbito externo – capacidade de se obrigar – será regulada pelo ato constitutivo

(contrato social ou estatuto social). As responsabilidades dos sócios da SPE também

serão determinadas de acordo com o tipo societário que foi eleito para constituí-la.

1.4 Formas societárias

Guimarães (2002), ao tecer considerações sobre a SPE estruturada entre

particulares, esclarece que “à SPE, em si, não se pode conferir a qualidade de

sociedade mercantil. Ela, na realidade, estará insculpida dentro de uma das formas

societárias existentes no direito brasileiro” (p. 134). Pode, pois, a SPE adotar a

forma de uma sociedade em conta de participação, prevista no Capítulo II, do Título

II, do Subtítulo I, do Livro II, do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).

A sociedade em conta de participação forma-se por um contrato, não

estando submetida às formalidades de constituição a que estão submetidas as

sociedades personificadas. Tal sociedade não possui personalidade jurídica, pelo

que alguns doutrinadores sustentam não se tratar de uma sociedade, mas de um

contrato participativo ou de associação12. Tais autores negam, pois, à sociedade em

conta de participação a natureza de sociedade no sentido técnico do termo.

Entretanto, deixando-se de lado a discussão acerca da natureza jurídica da

sociedade em conta de participação – pois, o Código Civil de 2002 a qualificou como

sociedade não-personalizada –, algumas considerações hão de ser feitas a respeito

do referido tipo societário.

As atividades decorrentes do objeto social da sociedade em conta de

participação são exercidas pelo sócio ostensivo. O sócio ostensivo exerce as

atividades sociais em seu nome individual, carreando para si a exclusiva

responsabilidade pelo exercício social. Trata-se, pois, de sociedade

despersonificada, na qual os sócios são pessoalmente credores e devedores

perante terceiros, não possuindo firma, razão social, sede ou domicílio. Tal

sociedade não tem existência perante terceiros, sendo uma reunião de pessoas

12

Cf. CAMPINHO, 2000, p. 01 (nota 01).

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(físicas ou jurídicas) para a busca de um resultado comum, que é operacionalizado

através de um ou mais sócios ostensivos. Nas palavras de Requião (2003), “é uma

sociedade interna, oculta, entre o comerciante ou uma sociedade comercial e o

sócio ou sócios que não se destacam, permanecendo ocultos e anônimos” (p. 422).

Admite-se a coexistência de vários sócios ostensivos e vários sócios

participantes ou ocultos. Se houver pluralidade de sócios ostensivos, caberá ao

contrato da sociedade definir a participação de cada qual no empreendimento, o que

não lhes retira a responsabilidade solidária e ilimitada perante terceiros.

A natureza jurídica da sociedade em conta de participação é de relação

obrigacional entre os sócios que a constituíram, posto que não se trata de sociedade

com personalidade jurídica para contrair obrigações e responder perante terceiros.

E, tendo em vista a ausência de personalidade jurídica, a sociedade em

conta de participação nada mais é do que um contrato envolvendo os sócios e

somente oponível entre os mesmos, na medida em que somente o sócio ostensivo

se obriga perante os terceiros que contratam com a sociedade.

O sócio oculto ou participante, que aporta o capital, apenas tem interesse

nos resultados decorrentes da exploração do objeto social, não assumindo os riscos

do insucesso do empreendimento perante terceiros. Os riscos assumidos pelo sócio

oculto ou participante são restritos à prestação pela qual se obrigou junto ao sócio

ostensivo, nos estritos termos contratualmente dispostos.

Decorre da principal característica da sociedade em conta de participação –

a ausência de personalidade jurídica – outra estampada no parágrafo único do

Artigo número 991, do Código Civil de 2002: somente o sócio ostensivo obriga-se

perante o terceiro, e, exclusivamente perante o sócio ostensivo, o sócio participante.

Assim, tal sociedade somente existe entre os sócios e não é oponível a terceiros,

posto que, perante a estes, a sociedade não existe (cf. BRASIL, 2002). A despeito

de tais características, a sociedade em conta de participação poderá ter um objeto

específico e se revestir na forma de uma SPE.

Constata-se, dessa forma, que a principal característica da sociedade em

conta de participação é o fato de não possuir personalidade jurídica capaz de torná-

la sujeito de direitos e obrigações, o que não a impede de ter um objeto específico.

A SPE também pode se revestir sob a forma de uma sociedade limitada,

prevista no Capítulo IV, do Título II, do Subtítulo II, do Livro II, do Código Civil de 2002.

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A principal característica da sociedade limitada é a restrição da

responsabilidade dos sócios ao valor de suas quotas, sendo, entretanto, que todos

os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social, consoante

previsão legal contida no Artigo número 1.052, do Código Civil de 200213.

Não se pode entender, pois, que a responsabilidade solidária dos sócios

para integralização do capital possa ser exigida pela sociedade em relação aos

referidos sócios, na hipótese de falta de integralização de parcela do capital social

por qualquer dos sócios. Isto porque, a responsabilidade solidária pela integralização

de quotas é exigível por credores da sociedade como garantia do cumprimento de

obrigações societárias e como supedâneo da limitação da responsabilidade dos sócios

às quotas do capital social por eles detidas. Nas palavras dos atualizadores da obra

“Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada”, de Egberto Lacerda

Teixeira, ao comentar a responsabilidade dos sócios na sociedade limitada, em cotejo

com as regras que regiam as sociedades por quotas de responsabilidade limitada:

Continuam válidas as mesmas regras básicas de responsabilidade apontadas pelo autor (i) nas sociedades limitadas, a responsabilidade dos sócios perante terceiros alcança todo o montante não integralizado do capital social, independentemente da participação de cada sócio (art. 1052); (ii) nas sociedades anônimas, a responsabilidade de cada acionista é limitada ao preço de emissão de suas ações (art. 1º da Lei 6.404/76 – “Lei das S.A.”). A prática demonstrou ser rara a cobrança, por parte de credores, dos montantes não integralizados pelos sócios de limitada. Do ponto de vista teórico, é perfeita a posição do autor sobre o momento em que se opera a responsabilização, ou seja, quando da falência da sociedade. Afinal, a responsabilidade nesse caso é subsidiária, exigindo, portanto, a liquidação prévia dos ativos da sociedade (TEIXEIRA, 2006, p. 30).

Restou, também, consignado no Artigo número 1.053, do Código Civil de 2002

que a sociedade limitada rege-se, quando forem omissas as normas ínsitas no capítulo

que regula a sociedade limitada, pelas normas atinentes às sociedades simples. O

mesmo artigo facultou, ainda, a aplicação subsidiária das normas das sociedades

anônimas à sociedade limitada, quando houver previsão no contrato social14.

13

“Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social” (BRASIL, 2002). 14

“Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima” (BRASIL, 2002).

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Tal disposição legal difere daquela existente no Artigo número 18, do

Decreto número 3.708, de 10 de janeiro de 191915, que regulavas as antigas

sociedades por quotas de responsabilidade limitada até a entrada em vigor do

Código Civil de 2002. Isto porque, o referido Artigo número 18 determinava a

aplicação supletiva da legislação de regência das sociedades anônima às

sociedades limitadas, enquanto que o Código Civil de 2002 estabelece a aplicação

subsidiária, às sociedades limitadas, das normas relativas às sociedades simples e a

aplicação supletiva e facultativa das normas referentes às sociedades anônimas,

quando houver previsão no contrato social (cf. BRASIL, 2002). Sobre tal aspecto,

assim dissertam os atualizadores da obra de Teixeira (2006):

Outro ponto que permanece fundamental e controvertido é a regência supletiva da sociedade limitada. Uma das questões enfrentadas pelo autor foi a aplicação de fonte supletiva ao contrato social ou à própria lei das limitadas. Tal questão mudou de figura no CC/2002, que não mais menciona as omissões do contrato, mas, sim, as da lei. Isso decorre inclusive do regime menos flexível agora vigente, que não confere tanta liberdade às partes na elaboração do contrato social. [...] Dois aspectos essenciais devem ser considerados atualmente nessa matéria: a interação entre a regência supletiva pelas normas da sociedade simples ou da sociedade anônima e o limite do conceito de omissão. O Artigo 1.053 estipula: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. § único: O contrato social poderá reger a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”. A forma de organização do artigo (regras separadas no caput e no parágrafo único) poderia gerar dúvida de que, mesmo havendo previsão de regência supletiva pela lei das sociedades anônimas, ainda assim valeriam de alguma forma as normas da sociedade simples. Entendemos, contudo, que tal interpretação seria equivocada. A regra que parecia obrigatória no caput do artigo na verdade não é, posto que é imediatamente flexibilizada no parágrafo único como possibilidade de estipulação diversa no contrato social. Tanto o caput quanto o parágrafo único do artigo 1.053 dispõem sobre exatamente a mesma matéria, não podendo conviver as duas regras em uma única sociedade. O que existe é apenas uma diferença na forma de redação dos dispositivos. O caput utiliza a linguagem das omissões no capítulo das limitações, enquanto que o parágrafo único menciona diretamente a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima. Nos dois casos, entretanto, trata-se de quais serão as normas supletivas aplicáveis nas hipóteses de omissão das normas principais. Assim, parece-nos que a escolha das normas da sociedade anônima para suprir as omissões do

15

“Art. 18. Serão observadas quanto ás sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte applicavel, as disposições da lei das sociedades anonymas” (BRASIL, 1919).

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capítulo das limitadas afasta inteiramente a aplicação das normas da sociedade simples. [...] Até em aspectos práticos seria inviável a aplicação obrigatória das regras das sociedades simples nas omissões das limitadas, guardando-se as regras da sociedade anônima como uma terceira fonte de consulta. Estaria, sem dúvida, instalando o caos no direito societário. Aliás, mesmo quando tal tese é defendida, não temos visto nenhuma aplicação razoável de como se daria essa escala de aplicação normativa. Muitas vezes seriam misturados conceitos antagônicos ou de difícil conciliação (pp. 31-33).

A sociedade limitada constitui-se através do contrato social, levado a

arquivamento no Registro de Comércio16, e tem o seu capital estruturado em quotas,

indivisíveis em relação à sociedade, nos termos do Artigo número 1.056, do Código Civil

de 200217. Ela é gerida por administradores designados em contrato ou em ato

separado18. É o tipo societário mais utilizado atualmente, por permitir a segregação do

patrimônio dos sócios do alcance de credores, no caso de fracasso da atividade

empresarial, posto que a responsabilidade dos sócios, como já explanado, restringe-se

ao valor das quotas pelos mesmos detidas. Nas palavras de Coelho (2003):

A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais pode parecer, à primeira vista, uma regra injusta, mas não é. Como o risco de insucesso é inerente a qualquer atividade empresarial, o direito deve estabelecer mecanismos de limitação de perdas, para estimular empreendedores e investidores à exploração empresarial dos negócios. Se o insucesso de certa empresa pudesse sacrificar a totalidade do patrimônio dos empreendedores e investidores (pondo em risco o seu conforto e de sua família, as reservas para futura educação dos filhos e sossego na velhice), é natural que eles se

16

“Art. 998. Nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede.

§ 1o O pedido de inscrição será acompanhado do instrumento autenticado do contrato, e, se

algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da respectiva procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade competente.

§ 2o Com todas as indicações enumeradas no artigo antecedente, será a inscrição tomada por termo

no livro de registro próprio, e obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades inscritas. Art. 999. As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime.

Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada, cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente” (BRASIL, 2002). 17

“Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte.

§ 1o No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser

exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido. § 2

o Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem

solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização” (BRASIL, 2002). 18

“Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.

Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade” (BRASIL, 2002).

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mostrariam mais reticentes em participar dela. O prejuízo seria de todos nós, já que os bens necessários ou úteis à vida dos homens e mulheres produzem-se nas empresas (p. 157).

Também pode a SPE adotar a forma de sociedade anônima, sendo aquela

cujo capital está dividido em ações, sendo regulada pela Lei número 6.404/1976.

Nas palavras de Borba (2004),

pode-se afirmar que a Lei n. 6.404/76 oferece cinco linhas básicas de orientação, quais sejam: 1ª) a da proteção dos acionistas minoritários; 2ª) a responsabilização do acionista controlador; 3ª) a da ampla diversificação dos instrumentos postos na lei, à disposição dos acionistas, para serem, ou não, adotados pela sociedade; 4ª) a da diferenciação entre companhia aberta e fechada; 5ª) a da definição dos interesses fundamentais que a sociedade anônima representa [...] (p. 135).

É uma sociedade de capital, cujo capital social é fracionado em ações19. Os

títulos representativos do capital social são livremente negociados, inclusive no

mercado de valores mobiliários, sendo neste último caso denominada sociedade

anônima de capital aberto, em oposição à sociedade anônima da capital fechado,

cujos valores mobiliários não são negociados no mercado de valores mobiliários20.

19

“Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o capital social e estabelecerá se as ações terão, ou não, valor nominal.

§ 1º Na companhia com ações sem valor nominal, o estatuto poderá criar uma ou mais classes de ações preferenciais com valor nominal.

§ 2º O valor nominal será o mesmo para todas as ações da companhia. § 3º O valor nominal das ações de companhia aberta não poderá ser inferior ao mínimo fixado

pela Comissão de Valores Mobiliários” (BRASIL, 1976). 20

“Art. 4o. Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários

de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 1o Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de

Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 2o Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será efetivada no mercado sem

prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001) § 3

o A Comissão de Valores Mobiliários poderá classificar as companhias abertas em

categorias, segundo as espécies e classes dos valores mobiliários por ela emitidos negociados no mercado, e especificará as normas sobre companhias abertas aplicáveis a cada categoria. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 4o O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá

ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4

o-A. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 5o Terminado o prazo da oferta pública fixado na regulamentação expedida pela Comissão

de Valores Mobiliários, se remanescerem em circulação menos de 5% (cinco por cento) do total das

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Na sociedade anônima, a responsabilidade dos acionistas é limitada ao

preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas21. Carvalhosa (2003b) aponta

as principais características da sociedade anônima:

Para designar a sociedade anônima usam-se expressões sinônimas: “sociedade anônima” ou “companhia”. O seu capital divide-se em partes que não são iguais quanto ao seu valor, permitindo a emissão de ações com valor nominal igual à emissão de ações sem valor nominal. A responsabilidade patrimonial dos subscritores ou acionistas, no momento da subscrição, será correspondente ao preço de emissão das ações subscritas. As ações são negociáveis na forma da lei, e não mais representadas por certificados. O colégio de acionistas pode ser total ou parcialmente substituído ou modificado pela simples transferência das ações. Daí ser anônima uma sociedade unicamente de capitais e não de pessoas. Constitui por subscrição pública ou particular. Pode constitui-se com apenas dois acionistas (art. 80). Por força da lei é sempre comercial, mesmo que os fins sejam civis; sua comercialidade advém da forma e não do objeto. O objeto deve ser definido de modo preciso e completo no estatuto (art. 2º), dispensada a indicação dos fins da companhia na denominação. Seu fim é lucrativo, havendo obrigação de distribuir lucros aos acionistas (art. 202). Possui necessariamente três órgãos: a Assembléia Geral, a Diretoria e o Conselho Fiscal, sendo os dois primeiros de funcionamento permanente e o último, conforme dispuserem os estatutos (art. 161). Os acionistas têm obrigações de caráter patrimonial e pessoal perante a sociedade. Patrimonialmente, obrigam-se a integralizar as ações subscritas pelo seu preço de emissão. Não são condôminos do patrimônio social, tendo direito apenas ao que remanescer dele, no caso de liquidação da sociedade. Pessoalmente, todo acionista deve abster-se do abuso do direito de voto e de interferir nas decisões em que tenha conflito de interesses com a sociedade. Enquanto controladores, os acionistas têm deveres de lealdade para com a comunidade, a companhia, os demais acionistas e os empregados (art. 116). Os administradores, que poderão ou não ser acionistas, não respondem com o seu patrimônio pessoal pelas obrigações da sociedade, em

ações emitidas pela companhia, a assembléia-geral poderá deliberar o resgate dessas ações pelo valor da oferta de que trata o § 4

o, desde que deposite em estabelecimento bancário autorizado pela

Comissão de Valores Mobiliários, à disposição dos seus titulares, o valor de resgate, não se aplicando, nesse caso, o disposto no § 6

o do art. 44. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

§ 6o O acionista controlador ou a sociedade controladora que adquirir ações da companhia

aberta sob seu controle que elevem sua participação, direta ou indireta, em determinada espécie e classe de ações à porcentagem que, segundo normas gerais expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes, será obrigado a fazer oferta pública, por preço determinado nos termos do § 4

o, para aquisição da totalidade das ações

remanescentes no mercado. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)” (BRASIL, 1976). 21

“Art. 1º. A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas” (BRASIL, 1976).

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virtude de atos regulares de sua gestão, arcando, no entanto, com os abusos que cometerem no exercício de sua função (arts. 153 a 159). O princípio da publicidade prevalece para todos os demonstrativos de resultados econômicos e financeiros de cada exercício social, bem como para todas as reformas estatutárias e decisões da assembléia geral. O princípio da publicidade também informa os negócios de transferência de controle da companhia. Prevalece o mesmo princípio para a constituição de grupos de sociedades (pp. 5-6).

Em suma, pode-se afirmar que são as principais características da

sociedade anônima, sociedade estritamente de capital e tipo societário no qual se

pode revestir a SPE: (i) o capital social é dividido em partes denominadas ações; (ii)

a responsabilidade dos acionistas limita-se ao preço de emissão das ações

subscritas ou adquiridas, não podendo ser responsabilizados por terceiros em

decorrência de obrigações contraídas pela companhia; (iii) as ações são livremente

negociadas pelos acionistas, inclusive no mercado de valores mobiliários; e (iv) o

capital social poderá ser subscrito através de subscrição pública.

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CAPÍTULO II

A UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO NAS

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

2.1 Previsão legal

O crescimento econômico e o desenvolvimento social brasileiros,

experimentados no início da década de 1990, ensejaram a necessidade de revisão

do papel do Estado nacional. Tais fenômenos decorreram do desenvolvimento da

economia mundial, da intensificação das relações comerciais entre as nações, da

mudança do regime político e da queda das barreiras protecionistas que, muitas

vezes, alijavam o país do cenário de comércio internacional.

O início da estabilidade econômica e a necessidade de se abandonar o

conceito de Estado monopolista deram início à era das privatizações, das

regulamentações das atividades exercidas por particulares por meio de concessões

e das desregulamentações das atividades econômicas. Nas palavras do ex-Vice-

Presidente da República brasileira, Marco Maciel:

Ao nos livrarmos da inflação, não apenas estamos dando estabilidade à economia, criando condições para ter um desenvolvimento sustentado, como também estabelecendo, se assim se pode dizer, uma nova ética na sociedade. Uma ética do trabalho em detrimento da ética da especulação, uma ética que se volta para melhorar a qualidade do processo de desenvolvimento, fazendo com que desenvolvimento não signifique apenas crescimento econômico, mas signifique também e sobretudo a busca da justiça social (MACIEL, apud WALD, 1996, p. 22).

Chegou-se, pois, à conclusão, à época, a exemplo de experiências bem

sucedidas em outros países da Europa e nos Estados Unidos, que a mudança

legislativa no setor de concessões públicas, com maior participação de particulares

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na execução de obras públicas, principalmente de infra-estrutura, seria crucial para

se afastar o papel monopolista que o Estado, até então, exercia.

Em relação ao início do marco regulatório das políticas de concessões,

ocorrido nos anos 1990, assim se manifestou o Professor Arnoldo Wald (1996):

Embora a concessão de obras não constitua, propriamente, um remédio milagroso, nem uma panacéia para todos os problemas, pode atender às necessidades brasileiras de desenvolvimento e modernização da infra-estrutura nos casos e condições seguintes: - obras de alta ou razoável rentabilidade assegurada, que admitam o autofinanciamento; - garantia de manutenção das tarifas contratualmente fixadas reajustadas; - compatibilidade entre essas tarifas e a capacidade financeira do usuário; - garantia da não modificação das regras do jogo (eventuais tratados ou acordos de garantia dos investimentos); - manutenção do risco econômico por conta do concessionário, que é o empresário, mas assunção pelo Estado dos riscos políticos e sociais (eventual compensação pelo Estado de tarifas reduzidas no interesse social); - possibilidade de agrupar concessões distintas numa mesma licitação, para que os recursos decorrentes de uma delas possa constituir o funding da outra. Para que se torne factível a implementação das parcerias com o setor privado, o próprio Governo terá de rever a forma de relacionamento com a iniciativa privada, nos projetos de infra-estrutura, de retomada de obras paralisadas e de investimento na modernização dos serviços, deixando de assumir uma postura burocrática, para colocar-se ao lado do parceiro, com vistas à escolha da melhor fórmula, sempre objetivando o mais eficaz atendimento ao interesse público envolvido. A recente edição da lei disciplinadora de concessões de obras e serviços públicos (Lei 8.987/95), ao lado da disciplina legislativa da prorrogação das concessões e da reestruturação dos serviços públicos (Lei 9.074/95), representa um primeiro passo decisivo na retomada imediata dessa nova concepção cooperativa das concessões (p. 84)1.

Destarte, como já exposto anteriormente, a Lei número 8.987/1995, dispôs

sobre a concessão e a permissão de serviços públicos estabelecidos no Artigo

número 175, da Constituição Federal, podendo ser considerada um dos marcos

regulatórios acerca da parceria entre o Estado e o particular (cf. BRASIL, 1995).

Rememore-se, ainda, que tal diploma legal facultou, no Artigo número 20, ao

órgão público concedente, determinar aos concessionários e permissionários que

estabelecessem uma sociedade especificamente para contratar com o poder

concedente, o que nada mais seria do que uma SPE. Wald (1996), comentando o

referido artigo, justifica a previsão legal:

1 Cf. também JUSTEN FILHO, 2005.

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pelo fato de que a organização societária oferece como vantagem a estabilidade maior nas relações internas entre as diversas consorciadas, que passarão a ser sócias, e, igualmente entre o poder concedente e a sociedade (que consolida os direitos interesses e obrigações de todos os consorciados), tornando, ainda, desnecessário o recurso da previsão da solidariedade, para a responsabilização civil pelas faltas cometidas pela prestação do serviço, cuja reparação será havida diretamente da empresa concessionária (p. 136).

Também a já mencionada Lei número 9.074/1995, que disciplina a

outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos, foi

pioneira ao estabelecer as regras de consecução de projetos envolvendo o Poder

Público e o particular (cf. BRASIL, 1998).

Relembre-se, também, que o Artigo número 21, do mencionado diploma

legal, prevê a constituição, pelas empresas consorciadas que venceram a licitação,

de um consórcio empresarial, que, como também se viu anteriormente, é uma SPE.

No ano de 2004, veio à baila um diploma legal específico para regular a

relação iniciada, como se viu, no início da década, entre a Administração Pública

federal2 e o empresário privado. Trata-se da Lei número 11.079/2004 (“Lei das

PPPs”), que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-

privada no âmbito da administração pública federal.

Cumpre citar o comentário de Valle (2006) sobre o cenário no qual o novel

diploma legislativo acerca das parcerias público privadas foi lançado:

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, a estratégia governamental para implantação da infra-estrutura necessária como suporte ao desenvolvimento é um desafio permanente e, infelizmente, não tem sido sempre bem-sucedida. Existem exemplos de decisões equivocadas tomadas pelo Governo brasileiro, como aquela de deixar de investir na construção de ferrovias que repercutiram negativamente na integração das regiões mais remotas do País. Por outro lado, na última década do século passado, o Governo brasileiro, após um levantamento das necessidades em infra-estrutura, concluiu pela necessidade de implantação de novos modelos de desenvolvimento, precedendo, com sucesso, à privatização de algumas áreas, entre elas, a do setor de telecomunicações.

2 Alguns Estados brasileiros, antes da promulgação da Lei 11.079/2004, já haviam instituído, através

de diplomas legais próprios, normas de cooperação entre o Estado e o Particular. Podem-se citar, a título exemplificativo, os Estados de Minas Gerais – com a Lei n. 14.868, de 16.10.2003 (MINAS GERAIS, 2003) –, São Paulo – com a Lei n. 11.688, de 19.05.2004 (SÃO PAULO, 2004) –, Santa Catarina – com a Lei n. 12.930, de 04.02.2004 (SANTA CATARINA, 2004) –, Goiás – com a Lei n. 14.910, de 11.08.2004 (GOIÁS, 2004) – e o Distrito Federal – com a Lei n. 3.418, de 04.08.2004 (DISTRITO FEDERAL, 2004).

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Entretanto, ultrapassada a fase dos grandes projetos, que houve um afluxo substancial de investimentos estrangeiros ao Brasil, o desenvolvimento de novos planos viu-se refreado pelo enxugamento dos recursos financeiros em todo o Mundo, sendo importante a criação de novos instrumentos e de um ambiente legal capaz de estimular novamente a realização de obras de infra-estrutura no País. A Lei das Parcerias Público-Privadas, recentemente editada, resultou de iniciativas conjuntas de diversos setores do Governo e da iniciativa privada visando, justamente, possibilitar a criação dessa nova etapa de desenvolvimento do país (p. 91).

Gasparini (2006) assim conceitua parceria público-privada:

Num sentido amplo, parceria público-privada é todo ajuste que a Administração Pública de qualquer nível celebra com um particular para viabilizar programas voltados ao desenvolvimento socioeconômico do país e ao bem-estar da sociedade, como são as concessões de serviços, as concessões de serviços precedidas de obras públicas, os convênios e os consórcios públicos. Em sentido estrito, ou seja, com base na Lei federal das PPPs, pode-se afirmar que é um contrato administrativo de concessão por prazo certo e compatível com o retorno do investimento privado, celebrado pela Administração Pública com certa entidade particular, remunerando-se o parceiro privado conforme a modalidade de parceria adotada, destinado a regular a prestação de serviços públicos ou a execução de serviços públicos precedidos de obras públicas ou, ainda, a prestação de serviços em que a Administração é a usuária direta ou indireta, respeitado sempre o risco assumido. O art. 2º da lei federal define sucintamente a parceria público-privada como contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa (p. 36).

O Artigo Segundo3, da Lei das PPPs, conceitua parceria público-privada, ao

passo que o Artigo Quarto, do mesmo diploma legal, estabelece as diretrizes para a

contração de parcerias público-privadas por todos os entes da federação,

cumprindo-se transcrever as referidas diretrizes, in verbis:

3 “Art. 2

o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade

patrocinada ou administrativa. § 1

o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas

de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa

cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2

o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a

Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

§ 3o Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a

concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro

de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 4

o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:

I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública” (BRASIL, 2004a, grifo nosso).

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I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; V – transparência dos procedimentos e das decisões; VI – repartição objetiva de riscos entre as partes; VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

Constata-se que as diretrizes elencadas nos incisos I, III, IV e V, do

mencionado Artigo 4º, reafirmam a função do Estado, ao passo que as diretrizes

positivadas nos incisos II, VI e VII garantem ao particular a atratividade na

associação com Estado, na medida em que são privilegiados o respeito aos direitos

do parceiro particular, a distribuição equânime dos riscos, a sustentabilidade e a

vantagem econômica do empreendimento (cf. BRASIL, 2004a).

Embora a Lei das PPPs não determine que tipos de empreendimentos

podem ser objetos de parceria público-privada, o Decreto Federal número 5.385, de

04 de março de 2005, instituiu o Comitê Gestor de Parcerias Público-Privadas

(CGP), cuja atribuição é definir os serviços prioritários para execução sob o regime

de parceria público-privada e os critérios para subsidiar a análise sobre a

conveniência e oportunidade de contratação sob tal regime4.

Já o parágrafo quarto, do Artigo 2º, da Lei das PPPs, estabelece as

seguintes vedações à celebração de parceria público-privada: (a) contrato cujo seja

inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); (b) período de prestação do

serviço cujo prazo seja inferior a 5 (cinco) anos; ou (c) projeto cujo objeto único seja

o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a

execução de obra pública.

A Lei das PPPs estabeleceu duas modalidades de parcerias: (a) concessão

patrocinada5 e (b) concessão administrativa6. Na primeira modalidade tem-se a

concessão de serviços ou obras públicas, na qual, além da tarifa cobrada do usuário, o

parceiro público entrega ao parceiro particular uma prestação pecuniária, tendo, nesta

4 “Art. 3º. Compete ao CGP:

I -definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada e os critérios para subsidiar a análise sobre a conveniência e oportunidade de contratação sob esse regime; [...]” (BRASIL, 2005b).

5 Art. 2º, parágrafo primeiro da Lei n. 11.079/2004 (cf. BRASIL, 2004a).

6 Art. 2º, parágrafo segundo da Lei n. 11.079/2004 (cf. BRASIL, 2004a).

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hipótese, a aplicação supletiva à Lei das PPPs da Lei número 8.987/1995. Já na

segunda modalidade, há um contrato de prestação de serviços públicos ou de interesse

público, podendo envolver a execução de obras ou o fornecimento ou instalação de

bens, para uso direto ou indireto da Administração Pública. As concessões

administrativas, além serem regidas pelas normas ínsitas da Lei das PPPs, também o

são pelas normas das Leis números 8.987/1995 e 9.074/1995.

Uma vez definidos, sucintamente, os aspectos básicos das parcerias público-

privadas, passa-se à normatização da utilização da SPE nas referidas parcerias.

O Capítulo IV da Lei das PPPs dispõe, em um Artigo (9º) sobre a utilização

da SPE no âmbito das parcerias público-privadas7. Verifica-se, portanto, da análise

do Artigo 9º, da Lei das PPPs, que é obrigatória, na implantação e gestão de um

projeto de parceria público-privada, a constituição e a manutenção de uma SPE.

Embora o texto legal não seja claro acerca da identificação dos sócios da

SPE, da interpretação do diploma legal ressai que a composição societária da SPE

será, em princípio, entre o parceiro público e o parceiro privado. Tais parceiros serão

associados em decorrência da conclusão de processo licitatório8 ou da

inexigibilidade ou dispensa de licitação e terão como papel a implantação e gestão,

por intermédio de uma SPE, do empreendimento.

O parágrafo quarto do sobredito Artigo 9º veda que a maioria do capital

votante pertença ao parceiro público, ressalvada a possibilidade de tal ocorrer no

caso de eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito

específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público, em caso de

inadimplemento de contratos de financiamento.

7 “Art. 9º Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico,

incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1º A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à

autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

§ 2º A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado.

§ 3º A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento.

§ 4º Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo.

§ 5º A vedação prevista no § 4º deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento” (BRASIL, 2004a). 8 “Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de

concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: [...]” (BRASIL, 2004a).

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Faculta-se, também, a constituição da SPE através de companhia aberta,

com valores mobiliários negociados no mercado, admitindo-se, por conseguinte, o

ingresso de outros sócios na sociedade, com aporte de capital.

O parceiro privado pode, também, ex vi legis, transferir o controle da SPE

para terceiro, conquanto que haja prévia e expressa autorização do parceiro público

e tal possibilidade esteja prevista no edital de licitação e no próprio contrato de

parceria público-privada. Ademais, deve ser observado o disposto no Artigo número

27, da Lei número 8.987/19959.

Independentemente da forma societária adquirida, a SPE, relativa a projetos de

parcerias público-privadas, deve cumprir as regras de governança corporativa, adotando

demonstrações financeiras padronizadas, conforme venha a ser estabelecido em

regulamento. Rigolin (2008), ao comentar tais exigências, assim se posiciona:

O § 3º, aqui fora de ordem em face de sua matéria, e por fim neste art. 9º, estabelece em duplo comando: a) que a SPE deverá obedecer a padrões de governança corporativa, e isso significa que esteja enquadrada em alguma forma ou espécie de sociedade disciplinada e fiscalizada por entidade fiscalizadora de exercício profissional, como ordens ou conselhos, ou dizendo de outro modo, integrante de algum ramo suficientemente disciplinado como corporação, com regras específicas de atuação e sob controle igualmente disciplinado, e b) que a SPE adote contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas conforme regulamento, e tal previsão tem eficácia contida até que seja editado o regulamento a que se refere, ou, se já existente, sempre na sua restrita conformidade deve ser realizada a contabilidade das SPEs. Regulamentos de contabilidade privada são matéria para conselhos de contabilidade, seja o federal, seja os estaduais, que são os entes autárquicos controladores da profissão de contabilista, e de empresas desse ramo. O que ressalta é que, sendo empresas as SPEs, sua contabilidade é privada e nunca pública, como é pública a dos entes

9 “Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia

anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. § 1º Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente

deverá: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.196, de 2005) I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor. § 2º Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a

assunção do controle da concessionária por seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

§ 3º Na hipótese prevista no § 2º deste artigo, o poder concedente exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos previstos no § 1o, inciso I deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

§ 4º A assunção do controle autorizada na forma do § 2º deste artigo não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)” (BRASIL, 1995).

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que integram a administração pública direta e autárquica. A lei das PPPs, quanto a isso, passou longe de pretender inovar (p. 20).

2.2 Formas de utilização

Restou exposto acima que a parceria público-privada é o contrato

administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, cujo

objetivo é atrair investimentos privados para a realização de obras e para a

prestação de serviços na área de infra-estrutura.

Também foi explanado que o contrato de parceria público-privada deverá ser

precedido da constituição de uma SPE, que será a responsável pela implantação e

gestão do empreendimento objeto do referido contrato.

A utilização da SPE, previamente à celebração de um contrato de parceria

público-privada, decorre da necessidade de se dissociar o patrimônio e as

obrigações dos sócios que compõem a SPE (órgão da administração direta ou

indireta da esfera municipal, estadual, do Distrito Federal ou federal e parceiro

privado) do patrimônio e das obrigações da SPE, constituída para implantar e gerir o

empreendimento decorrente do contrato de parceria público-privada. Em outras

palavras: a utilização da SPE nas parcerias público-privadas tem por objetivo isolar o

patrimônio, a gestão e as obrigações da empresa, que, como já se viu, pode adotar

quaisquer das formas societárias previstas no ordenamento jurídico brasileiro, do

patrimônio, da gestão e das obrigações dos sócios, público e privado.

E, para evitar qualquer confusão entre o objeto da parceria público-

privada e a concessão de serviços públicos ou de obras públicas, ou, ainda, entre

tal objeto e a prestação de serviços em que a Administração Pública figura como

usuária direta ou indireta, a SPE é constituída, sendo o parceiro privado detentor

da maioria do capital votante.

Tal determinação, prevista no quarto parágrafo do Artigo 9º, da Lei das

PPPs, pretende, inclusive, desvincular a SPE de uma possível confusão com as

sociedades de economia mista, sendo estas últimas pessoas jurídicas de direito

privado, que têm por objeto a prestação de serviços públicos ou a exploração de

atividade econômica que confira maior eficiência à gestão pública (cf. BRASIL,

2004a). Entretanto, nas sociedades de economia mista, o controle societário

pertence, necessariamente, à Administração Pública.

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Acerca do controle societário na SPE assim se posicionam Rovai e Bonnetti

(2006), em artigo cujo título é “Da necessidade de constituir Sociedade de Propósito

Específico, segundo as regras dispostas nos arts. 1.039 a 1.092 do novo Código Civil”:

As SPEs estão submetidas às regras de licitação e têm por principal característica o controle nas mãos da iniciativa privada. Inclusive fala o art. 9º, § 4º, que é vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante, porque assim assumiria a forma de sociedade de economia mista, cujo regime jurídico é diferente das SPEs. A referida lei somente excetua o caso de sua eventual aquisição por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento do contrato de financiamento. A Lei nº 11.079/94 (sic) trouxe normas gerais para a licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a serem obedecidas por órgãos da Administração Pública. Desta forma, podemos entender que estes contratos de PPP devem ser celebrados entre os órgãos públicos com pessoas de direito privado, que após constituírem uma sociedade de propósito específico, com natureza jurídica escolhida dentre as previstas pelo novo Código Civil, serão adjudicadas, após processo licitatório, com objetivo de prestar serviços, empreender e executar atividades de interesse público (pp. 292-293).

No entanto, alguns autores defendem que a vedação à Administração

Pública a ter a maioria do capital votante na SPE constituída nas parcerias público-

privadas não impede o parceiro público de ter o controle da SPE através de acordos

de acionistas ou do mecanismo das golden shares.

A respeito de tal posição – vedação do parceiro público deter a maioria do

capital votante –, assim dissertam Ribeiro e Prado (2007), em comentário ao Artigo

9º, da Lei de PPPs:

O dispositivo evita, em parte, que uma PPP – a qual implica serem as decisões de gestão da concessão tomadas por excelência pelo parceiro privado – se transforme, disfarçadamente, numa empresa pública ou sociedade de economia mista, gerida pelo Poder Público. Entretanto, embora seja vedado à Administração ser titular da maioria do capital votante, nada impede que por outros meios – como, por exemplo, por acordo de acionista – o parceiro público venha a deter o controle da concessionária. Por isso, parece-nos que teria sido mais feliz a redação se tivesse vedado ao Poder Público controlar, sob qualquer forma, a SPE, e não apenas por meio de maioria do capital votante. Melhor seria que se tivesse vedado à Administração assumir o controle nos termos do art. 116 da Lei 6.404/1976. Por certo não se trata de deslize do legislador, eis que um conhecimento perfunctório do direito societário permite identificar a conclusão acima apontada. Não há, pois, que se buscar uma interpretação extensiva do dispositivo. Temos para nós que o objetivo da norma é evitar apenas o controle da concessionária por

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meio de maioria do capital votante. Assim, além de acordo de acionistas, poderá, ainda, a Administração utilizar o mecanismo de golden share para ter direitos próprios de controlador em situações específicas, especialmente para vetar determinados atos. Apesar disso, por uma interpretação teleológica da Lei de PPP, não se pode admitir que a Administração Pública passe a gerir sistematicamente a concessionária, por se tratar de absoluto descompasso com o espírito de uma PPP. Seria um desvirtuamento completo do instituto. Desde 1995, com o advento das Leis 8.987 e 9.074, restou claro que a Administração Pública não poderia mais tratar as concessionárias como um mero terceirizado, o que soia acontecer com as concessionárias entre as décadas de 30 e 80 do século passado (p. 251).

Assim, uma das formas de utilização da SPE nas parcerias público-privadas

decorre da obrigação legal de se manter o controle e a gestão da sociedade nas

mãos do parceiro privado, ainda que o parceiro público possa ter o direito de veto

em determinadas decisões estratégicas da vida social, por meio de acordos de

acionistas ou pela instituição de golden shares.

A utilização da SPE nas parcerias público-privadas, através da adoção da

forma societária de companhia aberta, é uma das maneiras de possibilitar a

captação de recursos externos para o empreendimento a ser gerido pela SPE. Isto

porque, a permissão da SPE, preliminar à celebração de contratos de parcerias

público-privadas, de adotar a forma de uma companhia aberta10, permite que a

companhia tenha acesso a recursos em circulação no mercado de capitais, que,

sabidamente, possuem custos inferiores aos captados em instituições financeiras.

Ademais, a atratividade do empreendimento a investidores é patente, visto que o

fato da SPE ter como um dos sócios a Administração Pública traz como vantagem a

certeza de que o interesse público na manutenção da parceria público-privada

ensejará boas probabilidades de sucesso no empreendimento.

Cretella Neto (2005a), ao comentar o Artigo 9º, da Lei das PPPs, é partidário

de que a utilização da SPE nas parcerias público-privadas deveria ser através da

constituição uma companhia de capital aberto, in verbis:

Enquanto o caput do art. 9º autoriza da SPE a assumir qualquer forma societária legal, o § 2º do art. 9º menciona especificamente que a empresa adote a forma da S/A de capital aberto, regida, portanto, pela Lei nº 6.404/76. Essa menção parece soar como uma recomendação. Parece-nos melhor mesmo, que a SPE adote a forma de uma S/A de capital aberto, pelas seguintes razões: 1. os negócios jurídicos a ser supervisionados e administrados são de grande monta, acima de R$ 20 milhões;

10

Art. 9º, parágrafo 2º, da Lei das PPPs (cf. BRASIL, 2004a).

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2. a S/A aberta permite maior transparência na administração da empresa, além de prestação pública de contas; 3. uma S/A aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado, é mais facilmente capitalizável; 4. um mercado acionário mais dinâmico é ferramenta necessária em toda economia moderna, para dinamizá-la e movimentar recursos, e o mercado brasileiro de ações é, ainda, primitivo, se comparado aos dos países industrializados. Uma entrada de novas empresas na Bolsa de Valores certamente teria o condão de contribuir para o desenvolvimento de um mercado acionário mais robusto (p. 76).

2.3 Vantagens da utilização

Verificou-se que a implementação e gestão do empreendimento objeto da

parceria público-privada são feitos por uma SPE, formada pela Administração

Pública e pelo parceiro privado.

A principal vantagem da utilização da SPE decorre da segregação do

empreendimento objeto da parceria público-privada, do patrimônio ou de outras

atividades de seus sócios, da Administração Pública e do parceiro privado.

Ao abordar tal vantagem de constituição de uma SPE em parcerias público-

privadas – segregação de riscos e dissociação do empreendimento de outros de

seus sócios – Ribeiro e Prado (2007) assim prelecionam:

Os objetivos principais de se exigir a constituição de uma SPE são a segregação de riscos e a ampliação da transparência da gestão. Uma mesma empresa atua, não raramente, em mais de um setor da economia. E, num mesmo setor, é provável que esteja à frente de negócios bastante diferentes entre si. Há um risco sério de governança. Isso porque riscos de negócios distintos da concessão poderiam vir a contaminá-la. [...] Também sob o ângulo do parceiro privado, quanto à gestão de riscos, a constituição de uma SPE apresenta-se conveniente. Muitas vezes o licitante vencedor é um consórcio, constituído por diversas empresas. A SPE permite organizar os interesses dos sócios e, ainda mais importante, torna sua responsabilidade limitada ao capital subscrito. Os demais negócios dos controladores da SPE não são afetados, em tese, pelos resultados da concessão. Diz-se “em tese” porque muitas vezes os financiadores e o próprio Poder Público exigem que os controladores se comprometam juntamente com a SPE, evitando que a responsabilidade permaneça limitada. Em todo caso, cumpre ressaltar a maior transparência de gestão viabilizada por meio da utilização de SPEs. A publicação de balanços específicos e a gestão separada dos demais negócios dos controladores permitem ao Poder Público, aos financiadores e à sociedade em geral visualizar com muito mais facilidade as condições econômico-financeiras da concessionária ao longo de toda a duração do contrato. A capacidade de fiscalização é, assim, bastante superior.

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Com a constituição de uma SPE é mais simples verificar a origem dos recursos e saber se são suficientes para a realização dos investimentos previstos. Ademais, na ausência de uma SPE seria muito mais complexo – para não dizer, mesmo, impossível – o cumprimento de algumas regras da Lei de PPP, como os limites de financiamento do art. 27 ou o mandamento de repartição dos ganhos com a redução do risco de crédito (p. 244).

Pode-se apontar como outra vantagem, decorrente da constituição da SPE

nas parcerias público-privadas, a repartição dos riscos do investimento entre a

Administração Pública e o parceiro privado, prevista no Artigo 4º, inciso VI11 e no

Artigo 5º, inciso III12, da Lei das PPPs.

Acerca da repartição de riscos na parceria-público privada, principalmente

através da constituição da SPE, assim se posiciona Oliveira (2007):

O alto preço e remuneração do capital vertido como investimento do parceiro privado na PPP depõe contra uma avaliação positiva da economicidade do projeto e pode refrear a atratividade da parceria público-privada. Esse custo decorre não apenas da taxa de juros praticada pelo mercado financeiro (como no caso do brasileiro), mas especialmente da configuração peculiar dos riscos de projetos complexos e inovadores e de regra sem auto-sustentabilidade, cujos contratos têm longo prazo de vigência. A isso acresce um custo público compensado pela diminuição do risco econômico envolvido na PPP (representado pela contraprestação adicional à tarifa pelo parceiro público), o que é compatível com a ausência ou a inadequação de políticas públicas sem adaptação à dinâmica da parceria público-privada. A partilha de riscos pugnada pelo sistema de parceria público-privada pressupõe que a possibilidade de cumprimento satisfatório do contrato de PPP aumente à proporção que os parceiros distribuam as diversas espécies de riscos envolvidos na PPP para o parceiro que detiver condições mais bem municiadas de suportá-lo. Há dois dispositivos fundamentais na Lei de PPP acerca da redistribuição dos riscos. O primeiro consiste na diretriz do art. 4º, inc. VI, que qualifica a repartição dos riscos como objetiva. Pretende-se que o contrato de PPP seja formatado sobre a distribuição calibrada e claramente definida de atribuições entre os parceiros. Para tanto, os riscos devem ser expressamente atribuídos entre os parceiros, cuja decisão sobre assumir determinado risco deve ser demonstrada por apuração de dados concretos. Essa transferência de riscos deve depender da habilidade de cada um dos parceiros dos setores público e privado a atenuar cada risco com eficiência. É preciso fornecer uma vantagem em nível ótimo aos usuários, ao mesmo tempo em que os

11

“Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: [...] VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;” (BRASIL, 2004a).

12 “Art. 5º As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da

Lei no. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: [...] III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;” (BRASIL, 2004a).

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riscos e as recompensas são imputados apropriadamente ao parceiro mais apto a absorver e a atenuar os custos a eles inerentes. Tal prática é inversa à qual não se consideram todos os custos reais associados a um serviço e se transferem os riscos a apenas um dos pólos contratuais, ordinariamente ao concessionário. O segundo situa-se no art. 5º, inc. III, que inclui como realocáveis os riscos referentes a “caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária”. O serviço público prestado sob concessão comum é desempenhado por conta da Administração e risco do concessionário – diga-se, apenas o risco ordinário. O risco do empreendimento de concessão de serviço público classifica-se como risco ordinário (ou normal) e risco extraordinário. O ordinário é o risco inerente ao próprio negócio, que depende da cobrança de tarifas em volume suficiente para prestar o serviço (e construir obras, sendo o caso), amortizar o investimento, produzir lucro e remunerar os investidores. A delimitação teórica do risco extraordinário, por outro lado, emerge de dispositivos da Constituição e da Lei nº 8.666 e da Lei nº 8.987 (pp. 167-169).

Por fim, o Artigo Quinto, parágrafo segundo, inciso I13, da Lei das PPPs,

prevê que o contrato de parceria público-privada estabeleça os requisitos e as

condições da transferência do controle da SPE a seus financiadores, no caso de

inadimplemento no financiamento. Busca-se promover a reestruturação financeira da

SPE e assegurar a continuidade da prestação dos serviços

E, para viabilizar tal transferência, com o intuito de preservar o

empreendimento decorrente da parceria público-privada, também o parágrafo

quarto, do Artigo 9º, da Lei das PPPs, estabelece a possibilidade do Poder Público

passar a deter a maioria do capital votante da SPE, através de instituição

financeira controlada pelo Poder Público, em caso de inadimplemento de contratos

de financiamento (cf. BRASIL, 2004a). Tal dispositivo também garante que

eventual inadimplemento do parceiro privado não ensejará a descontinuidade do

empreendimento.

Trata-se, pois, de uma vantagem de utilização da SPE no âmbito das

parcerias público-privadas, pois, o inadimplemento junto a instituições financeiras,

garante, no âmbito da SPE, o chamado step-in right, ainda que a instituição

financeira beneficiária de tal direito seja controlada pelo Poder Público.

13

“Art. 5º As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: [...]

§ 2º Os contratos poderão prever adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;” (BRASIL, 2004a).

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O direito de assunção de controle da SPE pelo financiador, o step-in right,

não somente atenua o risco de crédito, mas assegura a continuidade do

empreendimento, atendendo, em última análise, ao interesse público, que é o mote

da constituição de parcerias público-privadas.

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CAPÍTULO III

A UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO NA

RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS

3.1 Previsão legal

A Lei número 11.101/2005 regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a

falência do empresário e da sociedade empresária (cf. BRASIL, 2005a),

substituindo as normas até então vigentes, preconizadas no Decreto-Lei número

7.661, de 21 de junho de 1945 (cf. BRASIL, 1945). Coelho (2003) sintetiza, de

forma objetiva, o principal objetivo do direito falimentar, na seguinte passagem de

seu Manual de Direito Comercial:

Sabe-se que a garantia dos credores é o patrimônio do devedor. [...] Quando, porém, o devedor tem, em seu patrimônio, bens de valor inferior à totalidade de suas dívidas, quando ele deve mais do que possui, a regra da individualidade da execução torna-se injusta. Isto porque, não dá aos credores de uma mesma categoria de crédito as mesmas chances. Aquele que se antecipasse na propositura da execução possivelmente receberia a totalidade de seu crédito, enquanto os que se demorassem – até porque, eventualmente, nem tivessem ainda vencido a respectiva obrigação – muito provavelmente não receberiam nada, posto encontrarem o patrimônio do devedor já totalmente exaurido. Para se evitar essa injustiça, conferindo as mesmas chances de realização do crédito a todos os credores de uma mesma categoria, o direito afasta a regra da individualidade da execução e prevê, na hipótese, a obrigatoriedade da execução concursal, isto é, do concurso de credores (antigamente denominada “execução coletiva”). Se o devedor possui em seu patrimônio menos bens que os necessários ao integral cumprimento de suas obrigações, a execução destes não poderá ser feita de forma individual, mas coletivamente. Ou seja, abrangendo a totalidade de seus credores e a totalidade de seus bens, todo o passivo e o todo o ativo do devedor (pp. 303-304).

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Consta-se, pois, que o direito falimentar visa disciplinar as relações entre o

credor e o empresário que possui patrimônio inferior às suas dívidas e se encontra

em situação econômica crítica. Pacheco (1980), ao estudar a liquidação de

empresas, assim considera o processo falimentar:

1.1. Pode a falência ser considerada – e no curso de sua história o tem sido – sob vários ângulos. A título meramente exemplificativo, sem qualquer intuito de exaustividade, poderíamos compreendê-la sob os aspectos: I - Econômico e social, como objeto dos estudos relativos à Economia e Sociologia, tendo em vista as causas ou circunstâncias cíclicas que a determinam ou acompanham, bem como as conseqüências no meio social. II - Jurídico, como objeto de estudo do direito comercial, econômico, penal, internacional privado (direito material) e processual civil; III - Jurídico, como objeto de estudo do direito econômico ou empresarial e do direito processual (pp. 1-3).

Verifica-se, por conseguinte, que o processo de liquidação de empresas, que

ocorre quando a empresa possui patrimônio de valor inferior às dívidas contraídas,

é, nas palavras de Pacheco (1980), acima transcritas, um fenômeno social. Assim,

as regras atinentes à regulação das relações entre o credor e a empresa cujo

patrimônio está aquém das dívidas contraídas sempre estarão em consonância com o

momento social e econômico da realidade que buscam normatizar.

É, pois, na esteira de tal raciocínio, que se depreende que o

desenvolvimento econômico e empresarial experimentado no Brasil, a partir da

década de 1960, tornou as normas ínsitas no Decreto-Lei número 7.661/1945

distantes da realidade que o mesmo buscava regular (cf. BRASIL, 1945). Isto

porque, o referido decreto-lei visava unicamente a liquidação de empresa que

estivesse em situação econômica crítica, sem priorizar a sua preservação.

Não obstante, a importância da empresa como organização social passou

a ser patente na novel legislação, que priorizou o salvamento e a recuperação da

entidade empresarial em dificuldades financeiras, em detrimento de sua simples

liquidação. Assim é que a Lei número 11.101/2005 teve como inovação a

preservação da empresa, em perfeita sintonia com o moderno direito falimentar,

que é conduzido pelo princípio da função social da entidade empresarial (cf.

BRASIL, 2005a). Nas palavras de Simionato (2008):

Em termos gerais, o direito falimentar tem como novas características: o paralelo que existe entre a empresa e o princípio

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da preservação; correlação entre efeitos econômicos e função social da empresa; dissociação entre a sorte da empresa e do empresário; interferência ou não do Estado no plano de reorganização; a desconsideração da fase liquidatária no caso da viabilidade econômica do plano de reorganização; obrigatoriedade de cumprimento de plano por parte do devedor; responsabilidade dos sócios, acionistas controladores e diretoria; nova forma de pagamento e classificação para recebimento dos créditos. O que se espera é que a Lei esteja em condição para fornecer elementos objetivos concernentes à preservação da atividade produtiva e na obtenção do interesse social da empresa em si. No direito falimentar fica em segundo plano o interesse particular dos administradores. O interesse coletivo no direito falimentar é a regra, principalmente para não ter liquidada uma empresa, a qual é fonte de riqueza, e que atende ao princípio funcional da atividade empresarial organizada (pp. 10-11).

E a orientação da preservação da função social da empresa, preconizada

pela Lei número 11.101/2005, visa evitar, de todas as maneiras, a “morte” da

entidade empresarial em situação crítica e suas consequências. Cretella Neto

(2005b) elenca algumas consequências da liquidação de empresas:

Hoje, tem-se clara a noção de que a morte de uma empresa implica, dente outras, pelo menos nas seguintes conseqüências:

perda de empregos e da renda gerada por eles;

aumento no número de desempregados, em decorrência do item anterior – já relativamente elevado, no Mundo todo – com as seqüelas sociais, econômicas e psicológicas que o desemprego acarreta;

diminuição na arrecadação de tributos;

rompimento de um ou mais elos da cadeia produtiva a que a empresa pertence, por vezes dos mais importantes;

potencial diminuição da concorrência, pela saída do mercado em que atuava a empresa que encerra as atividades, acarretando, não raro, abuso de posição dominante, pelos concorrentes que permaneceram;

aumento de preços praticados, relativos aos produtos/serviços oferecidos pela empresa extinta, quando sua saída de cena implicar em concentração de mercado, transformando-o em oligopólio ou monopólio (p. 9).

Assim, na vigência do Decreto-Lei número 7.661/1945, a concordata era o

instrumento legal posto à disposição do empresário insolvente para evitar a

liquidação de sua empresa, após a decretação de sua falência (cf. BRASIL, 1945).

Era, basicamente, um acordo entre determinados credores e o empresário devedor

para evitar a falência.

A concordata era regulada no Título Décimo do Decreto-Lei de número

7.661/1945 e era dividida, conforme estabelecida no texto legal, em concordata

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suspensiva1 e preventiva2, sendo esta a que era requerida pelo devedor para evitar

a declaração da falência e aquela a que era requerida para suspender a falência. A

finalidade essencial da concordata era a concessão de prazos e melhores condições

para que o devedor pudesse solver suas obrigações, através de um processo formal e

permeado por prazos inflexíveis. Porém, a concordata não envolvia todos os credores

do empresário, mas, apenas, os credores quirografários anteriores ao pedido de

concordata3. E, mesmo na categoria dos credores quirografários, nem todos eram

admitidos à concordata. Ficavam, pois, de fora do processo concordatário, os débitos

fiscais, trabalhistas e aqueles garantidos por direito real. Fonseca (1992), em artigo

intitulado “Da recuperação da empresa em crise”, apontava os problemas do instituto da

concordata como forma de recuperação empresarial:

sérias distorções, plasmando regras que podem favorecer, indistintamente, tanto os honestos como os menos escrupulosos. Alcançando tão-só os créditos quirografários, a concordata deixa desprotegidos muitos credores que não têm força econômica para exigir garantias reais. O deferimento da concordata se fundamenta em aspectos formais, não se apurando a culpa dos administradores e controladores da empresa (p. 70).

O instituto da concordata, como meio de se evitar a liquidação da empresa,

deixou de existir na Lei número 11.101/2005 (cf. BRASIL, 2005a). A atual legislação,

visando preservar a função social da entidade empresarial, consoante já visto,

estabeleceu o instituto da recuperação (judicial ou extrajudicial) de empresas.

1 “Art. 177. O falido pode obter, observadas as disposições dos artigos 111 a 113, a suspensão da

falência, requerendo ao juiz lhe seja concedida concordata suspensiva. Parágrafo único. O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por

saldo de seus créditos, o pagamento mínimo de: I - 35%, se fôr a vista; II - 50%, se fôr a prazo, o qual não poderá exceder de dois anos, devendo ser pagos pelo menos dois quintos no primeiro ano” (BRASIL, 1945).

2 “Art. 156. O devedor pode evitar a declaração da falência, requerendo ao juiz que seria competente

para decretá-la, lhe seja concedida concordata preventiva. § 1° O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por saldo de seus

créditos, o pagamento mínimo de: I - 50%, se fôr à vista; (Redação dada pela Lei nº 4.983, de 18.5.45) II - 60%, 75%, 90% ou 100%, se a prazo, respectivamente, de 6 (seis), 12 (doze), 18 (dezoito), ou 24 (vinte e quatro) meses, devendo ser pagos, pelo menos, 2/5 (dois quintos) no primeiro ano, nas duas últimas hipóteses. (Redação dada pela Lei nº 4.983, de 18.5.45) § 2° O pedido de concordata preventiva da sociedade não produz quaisquer alterações nas

relações dos sócios, ainda que solidários, com os seus credores particulares” (BRASIL, 1945). 3 “Art. 147. A concordata concedida obriga a todos os credores quirografários, comerciais ou civis,

admitidos ou não ao passivo, residentes no país ou fora dêle, ausentes ou embargantes” (BRASIL, 1945).

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O instituto de recuperação visa preservar e reorganizar as atividades da

empresa em situação de insolvência, em perfeita sintonia com os ditames da atual

realidade sócio-econômica.

A definição de reorganização empresarial, dada pelo The World Bank, em

2001, em trabalho objetivando “distillation of international best practice on design

aspects” (THE WORLD BANK, 2001, p. 1) em sistemas que regulam a insolvência

do empresário e os direitos de credores, sintetiza o que se pretende, modernamente,

com a recuperação de empresas em situação financeira crítica:

Rehabilitation: The process of reorganizing (restructuring) an enterprise‟s financial relationships to restore its financial well being and render it financially viable. This process may include organizational measures and the restructuring of business and market relationships through debt forgiveness, debt rescheduling, debt-equity conversions and other means. It can also involve selling the business as a going concern, in which case the procedure may be equivalent to similar sales under a liquidation proceeding (p. 86).

A recuperação judicial de empresas está disciplinada no Capítulo III e a

recuperação extrajudicial está regulada no Capítulo VI, ambos da Lei número

11.101/2005.

A recuperação extrajudicial “é um procedimento concursal preventivo que

contém uma fase inicial de livre contratação e uma etapa final de homologação

judicial” (FAZZIO JR. 2005, p. 116).

Fazzio Júnior (2005), dissertando sobre a recuperação judicial, estabelece o

escopo de tal instituto, a saber:

reorganizar a empresa em crise financeira;

preservar as oportunidades de emprego;

implementar a valorização da massa próxima da insolvência;

dilatar as possibilidades de negociação para solução de passivo;

envolver a maior parcela possível de credores e empregados do devedor;

fixar os efeitos da desaprovação ou descumprimento do plano;

regular a conversão da recuperação em falência;

especificar o conteúdo mínimo e a justificativa do plano;

fixar mecanismos de alteração do plano;

estabelecer os limites da supervisão judicial da execução do plano; e

regulamentar o elenco de atribuições dos órgãos administrativos do plano (p. 127).

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Logo, o processo de recuperação judicial da sociedade empresária tem por

objetivo o prosseguimento da atividade empresarial, a qual poderá ser viabilizada

através de alguns meios estabelecidos em lei.

O Artigo número 50 da Lei número 11.101/20054 estabelece alguns meios

possíveis de recuperação judicial de empresas, sendo que a eleição de um ou mais

de tais meios, decorre de proposta do devedor5 e de acordo dos credores, inclusive

na Assembleia-Geral de Credores6. Nas palavras de Beneti (2005):

4 “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso,

dentre outros: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. § 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição

somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia. § 2º o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como

parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial ” (BRASIL, 2005a). 5 “Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de

60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo; II – demonstração de sua viabilidade econômica; e III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o

recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei” (BRASIL, 2005a). 6 “Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo

de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei.

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A escolha do meio de recuperação judicial é deixada pela lei em aberto para a proposição do devedor e negociação com os credores na assembléia. Veja-se que, ao dispor sobre essa relevantíssima matéria, o art. 50 da Lei nº 11.101, de 9.2.2005, realiza enorme esforço exemplificativo, ao expor, didaticamente, em dezesseis itens, o que deve ser objeto de cogitação pelo devedor e pelos credores, como que exibindo um mostruário de produtos jurídicos para a escolha dos interessados, e, ainda, prudentemente, esclarece que esses meios são apenas exemplificativos, ao dispor que são eles apenas alguns meios de recuperação “dentre outros” – de modo que a lei deixa à imaginação negocial criadora o campo aberto para a consecução do objetivo de recuperação, não podendo, lembre-se, diante de algum insucesso específico, culpar a lei pelo fato negativo (p. 225).

Dentre os meios de recuperação judicial estabelecidos no Artigo número 50,

da Lei número 11.101/2005, o inciso XVI do referido artigo faculta a constituição de

uma SPE para adjudicar, em pagamento dos créditos devidos, os ativos do devedor

(cf. BRASIL, 2005a).

Assim, no âmbito de recuperação geral de uma empresa, uma SPE pode

ser constituída e receberá, através de dação em pagamento, bens, a serem

vertidos para seu ativo. A SPE, nesta hipótese, ficará encarregada de honrar o

passivo da empresa em recuperação judicial, negociando independentemente

com os credores remanescentes.

Caberá, por conseguinte, à SPE a recuperação econômica da empresa em

processo de recuperação judicial, sendo sua existência findada com a alienação de

participações societárias a terceiros e a finalização do plano de recuperação judicial.

Parágrafo único. Caso, na data da publicação da relação de que trata o caput deste artigo,

não tenha sido publicado o aviso previsto no art. 53, parágrafo único, desta Lei, contar-se-á da publicação deste o prazo para as objeções. Art. 56, da Lei nº 11.101/2005. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

§ 1º A data designada para a realização da assembléia-geral não excederá 150 (cento e cinqüenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.

§ 2º A assembléia-geral que aprovar o plano de recuperação judicial poderá indicar os membros do Comitê de Credores, na forma do art. 26 desta Lei, se já não estiver constituído.

§ 3º O plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações na assembléia-geral, desde que haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes.

§ 4º Rejeitado o plano de recuperação pela assembléia-geral de credores, o juiz decretará a falência do devedor. Art. 57, da Lei nº 11.101/2005. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional” (BRASIL, 2005a).

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3.2 Formas de utilização

Conforme acima ressaltado, a utilização da SPE como um dos meios

disponíveis para a recuperação judicial de empresas pressupõe a adjudicação de

parte ou da totalidade dos bens do ativo da sociedade empresária em

recuperação para a SPE.

A SPE adquire os bens que são vertidos para o seu ativo, passando a

empreender atividades que gerarão meios de honrar o passivo da empresa em

recuperação judicial, negociando, independentemente com cada credor.

A utilização da SPE como forma de recuperação judicial de sociedade

empresária pressupõe a aceitação de proposta apresentada aos credores pelo

devedor, de transferência, total ou parcial, dos ativos da referida empresa para uma

SPE a ser constituída. E a SPE ficará encarregada de honrar, total ou parcialmente,

o passivo da empresa em recuperação judicial.

Assim, tem-se: (i) a aceitação da proposta de constituição da SPE como um

dos meios de recuperação judicial da empresa; (ii) a versão, total ou parcial, de

ativos da empresa em recuperação judicial para a SPE; (iii) o desenvolvimento das

atividades da SPE com o consequente pagamento, total ou parcial, do passivo da

empresa em recuperação judicial.

Os credores da sociedade empresária em recuperação judicial terão direito à

participação societária na SPE e não direito aos ativos transferidos à SPE pela

devedora. E a duração da SPE assim constituída está intrinsecamente ligada à

satisfação dos direitos dos credores da empresa em recuperação judicial. Há de se

salientar, ainda, que as atividades da empresa em recuperação judicial são mantidas

concomitantemente com a criação e operação da SPE, sendo que aquela continuará a

exercer suas atividades, a despeito da existência da SPE. Verifica-se, também, que, na

recuperação judicial através da constituição de SPE, a adjudicação, em pagamento dos

créditos, de ativos do devedor ocorre na pessoa de terceiro (a SPE) e não dos credores.

Destaque-se, ainda, que, caso o meio ou um dos meios escolhidos para

recuperação da empresa em dificuldades seja a constituição de uma SPE, conquanto

que o seja aprovado pela Assembleia-Geral de Credores7, será aplicável a eventuais

credores que não tenham aprovado o plano de recuperação judicial. Destarte, caso um

7 “Art. 35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:

I – na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; [...]” (BRASIL, 2005a).

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ou mais credores não tenham concordado com a constituição da SPE, a despeito de

plano aprovado pela maioria de credores8, aqueles que discordaram poderão ser

compelidos a participar da SPE para satisfação de seus créditos. Isto porque, sendo

soberana a decisão da Assembleia-Geral de Credores que deliberar que a

recuperação judicial da empresa processar-se-á através da constituição de uma

SPE para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor, não restará

alternativa ao credor discordante senão a participação na SPE. Trata-se de forma de

empresa que não dependerá, necessariamente, da vontade das partes constituintes

da SPE de se associarem.

Por último, embora não prevista na Lei número 11.101/2005, há a

possibilidade do próprio empresário em recuperação judicial organizar uma SPE

para saldar as suas dívidas. Não se trata, assim, da SPE prevista no inciso XVI, do

Artigo número 50, da Lei número 11.101/2005.

Na SPE constituída pelo empresário em recuperação judicial, bens ou

direitos da sociedade em situação crítica são vertidos para uma SPE, que passa a

ter, por óbvio, personalidade jurídica distinta da empresa em crise. A SPE passará,

então, a exercer algumas atividades que auxiliarão na recuperação judicial da

sociedade cujos ativos lhe foram vertidos, mormente se se considerar que a SPE

não terá a mácula de má situação financeira e poderá ter acesso a linhas de créditos

e a prazos de pagamentos.

Pode, ainda, a SPE, nesta situação adquirir os recebíveis da sociedade em

recuperação judicial, o que se sucedeu em caso emblemático da Arapuã, ocorrido

antes da regulação da SPE no Código Civil de 2002 (cf. BRASIL, 2002) e na Lei

número 11.101/2005 (cf. BRASIL, 2005a). Foi constituída, nessa época, uma

companhia de propósito específico (CPE), cujo objetivo estatutariamente definido

era (i) a aquisição de direitos creditórios decorrentes de bens vendidos ou de

prestação de serviços realizados pelas Lojas Arapuã S/A; e (ii) a cessão dos

8 “Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores

referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta. § 1º Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta

deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

§ 2º Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

§ 3º O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito” (BRASIL, 2005a).

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referidos direitos creditórios. Abaixo se encontra breve histórico da constituição da

CPE no caso Arapuã:

19.5.6) mesmo após a impetração da concordata, os controladores têm envidado todos os esforços no sentido de recuperá-la, propiciando o cumprimento de obrigações em relação aos seus credores e evitando os graves problemas sociais que adviriam no caso de seu desaparecimento, em conformidade com o preceituado no artigo 116 da lei societária; 19.5.7) nesse sentido, em 29.03.99, foi apresentada uma nova proposta de acordo aos credores da Arapuã (fls. 34 a 61); 19.5.8) essa proposta, baseada em estudo elaborado pelo Unibanco, consistia em reunir os credores que aderissem ao projeto em uma companhia de propósito específico (CPE), visando proteger a operacionalidade do Negócio Arapuã, de modo que a sua sobrevivência atendesse aos interesses de seus credores, empregados e acionistas; 19.5.9) a CPE seria uma sociedade anônima fechada com capital social de valor simbólico cujos ativos seriam os créditos contra o Negócio Arapuã e os passivos debêntures emitidas no valor do endividamento da Arapuã entregues aos credores em troca dos créditos correspondentes; 19.5.10) os detentores das debêntures com participação nos resultados deteriam também ações preferenciais de classe especial da CPE com poder de veto de modo a impedir certas alterações estatutárias e a exigir a aquiescência prévia e expressa para alienação dos ativos relevantes da nova companhia; 19.5.11) as ações ordinárias seriam subscritas por 11 profissionais indicados pelos controladores e demais interessados, cabendo até 5 aos credores; 19.5.12) entretanto, ante o processo de concordata, os fornecedores temiam novos prejuízos, não permitindo o aumento do volume das vendas nem a concessão de prazos mais dilatados, o que comprometeria a rentabilidade do Negócio Arapuã; 19.5.13) por essa razão, seria criada a Arapuã II, subsidiária quase integral da Arapuã, que passaria a ser titular dos pontos comerciais, iniciando uma operação totalmente nova e com a necessária transparência dos negócios futuros para todos os credores, vez que o Negócio Arapuã dependia do apoio dos fornecedores para que, com o aumento de vendas e dos prazos de pagamento, as mercadorias pudessem ser adquiridas com custos competitivos; 19.5.14) por sua vez, a Arapuã deteria, além das ações da Arapuã II, os recebíveis remanescentes, demais bens do ativo permanente e passivos fiscal, previdenciário e trabalhista; 19.5.15) ademais, da referida proposta de acordo constava a possibilidade dos credores adquirirem o Negócio Arapuã pelo valor da avaliação judicial, podendo utilizar os créditos da CPE contra a Arapuã para efetuar o pagamento; 19.5.16) ressalte-se que não seria efetuado qualquer pagamento aos credores parceiros antes de desaparecerem as obrigações decorrentes do princípio de igualdade entre os credores; 19.5.17) entretanto, essa proposta de acordo não obteve êxito, pois, apesar da adesão dos credores representantes de 90% do

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total do crédito, a Evadin não a aceitou, inviabilizando-a; [...] (BRASIL, 2003).

A título ilustrativo é cabível mencionar que as Lojas Arapuã tiveram a sua

falência decretada em junho de 2009, ocasião em que o juiz da 1ª Vara de Falências

e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo rejeitou o pedido de

recuperação judicial9.

3.3 Vantagens da utilização

A principal vantagem de utilização da SPE na recuperação judicial de

empresas está no fato de a referida sociedade ter sua existência totalmente

dissociada da empresa em crise. Isto porque, a “„SPE‟ adquire os bens que lhe

convenha, e o devedor continuará a manter a propriedade ou titularidade dos direitos

sobre os demais” (ALONSO, 2005, p. 298). E, tendo a SPE a sua existência distinta

da empresa em recuperação judicial, as oportunidades de créditos e negócios não

mais lhe fogem, como poderia ocorrer com aquela.

Eventual investidor ou instituição financeira concedente de crédito não ficará

vinculado à empresa em situação crítica, mas, auxiliará a recuperação de tal empresa. As

operações da SPE não serão maculadas pela pecha de quase-insolvente, existente

em relação à empresa que lhe verteu os ativos.

A satisfação de créditos, através da SPE, decorre da constituição de uma

empresa sem problemas cadastrais e sem dívidas, o que propiciará a consecução

de atividades cujo “produto” poderá ser o diferencial para a salvação da sociedade

empresária em recuperação judicial.

É quase certo que os ativos da empresa em dificuldades, vertidos para a

SPE, caso fossem utilizados outros meios recuperação judicial da empresa, não

tivessem a mesma capacidade de contribuir para a efetiva recuperação. Cite-se, a

título exemplificativo, a utilização da SPE na polêmica recuperação judicial da Varig.

O histórico do caso Varig pode assim ser sintetizado, deixando-se de lado os

detalhes e a cronologia dos eventos que não são reputados necessários para a

presente ilustração: em final de 2005 foi aprovada a criação de uma SPE, congregando

a Varig Engenharia e Manutenções S/A (“VEM”) e a Varig Logística S/A (“Variglog”),

9 Cf. JUSTIÇA PAULISTA decreta falência da Arapuã. Revista do Consultor Jurídico, São Paulo, 12 jun

2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-jun-12/justica-sao-paulo-decreta-falencia-varejista-arapua>. Acesso em: 31 ago 2009.

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empresas ligadas à Varig, sendo a participação societária na SPE alienada para

terceiros. Tal proposição estava contida nas premissas do plano de recuperação judicial

da Varig, aprovado na Assembleia-Geral de credores realizada, à época, sendo que os

valores apurados com a alienação da SPE seriam revertidos para a Varig. A TAP

(Transportes Aéreos Portugueses) se interessou por adquirir a participação societária

que controlasse a SPE que seria constituída (cf. RODRIGUES, 2005). O contrato de

aquisição foi firmado através da Aero-LB Participações S/A (“Aero-LB”), SPE criada, no

Brasil, pela TAP e seus sócios no país.

Em início de 2006, o Fundo Matlin Patterson, através da empresa Volo do

Brasil S/A (“Volo”), adquiriu 95% das ações da Variglog, pertencentes à Aero-LB.

Apesar das ações da Variglog pertencerem, à época, à Aero-LB, como o valor ofertado

pelo foi superior ao pago pela TAP, o referido fundo adquiriu as ações da Variglog. O

controle acionário da VEM permaneceu com a Aero-LB10. Posteriormente, a Variglog e

a Volo adquiriram a Unidade Produtiva Varig (“UPV”), através da VRG Linhas Aéreas

S/A (“VRG”)11. No entanto, o fundo Matlin Patterson começou a ter dificuldades na

manutenção das operações da VRG, cujas acionistas eram a Variglog e a Volo do

Brasil S/A, controladas pelo referido fundo. Como consequência, a VRG foi alienada,

em 2007, para a GTI S/A, subsidiária integral da GOL Linhas Aéreas Inteligentes S/A ,

holding que controla a GOL Transportes Aéreos S/A12.

10

Cf. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006a. 11

Cf. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006b. 12

Cf. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2008.

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CAPÍTULO IV

OUTRAS POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE

PROPÓSITO ESPECÍFICO

4.1 Holding companies

As holding companies podem ser caracterizadas como sociedades que detêm

participações societárias de outras empresas, controlando (ou não) tais empresas.

Pode-se tomar emprestada a caracterização de uma holding company feita pelo

autor português Antunes (1993), para quem uma holding company

poderá ser virtualmente titular activo de um vasto leque de situações de coligação intersocietária, desde as relações de grupo propriamente ditas (através de participações totalitárias que lhe assegurem o domínio total das participadas), até as relações de domínio (máxime, através de participações maioritárias) e as próprias relações de simples participação (que abrangem participações oscilando entre os 10% e 50%), ou mesmo encabeçar relações de participações irrelevantes do ponto da aplicação da disciplina especial das sociedades coligadas (pp. 63-64).

O termo inglês holding é corriqueiramente utilizado no Brasil para definir a

uma sociedade que controla outras empresas, tendo seu significado oriundo do

verbo to hold, ou seja, manter sob controle1. Ademais, a tradução para o vernáculo,

da expressão, ora utilizada nesta parte de presente trabalho, holding company, pode

ser assim feita: uma empresa que detêm participação societária de uma ou mais

sociedades, podendo, ainda, controlá-las2.

As holding companies são sociedades empresárias, posto que, indubitavelmente,

exercem atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de

serviços, nos termos do Artigo número 966, do Código Civil de 2002. Deverão, pois, na

1 hold v. held, held, hold . ing v t. (…) 4. To keep under control; restrain; also, to retain possession

(FUNK & WAGNALLS, 1980, p. 306). 2 holding company A company that invests in the stocks of one or more other corporations, which it

may thus control (FUNK & WAGNALLS, 1980, p. 306).

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qualidade de sociedades empresárias, as holding companies adotar as formalidades

de constituição, com arquivamento de seus atos constitutivos no Registro de

Comércio no prazo determinado em lei.

As holding companies podem adotar quaisquer das formas prescritas em lei,

incluindo, mas não se limitando, às formas de sociedade limitada, sociedade

anônima, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita por ações.

Podem ser classificadas como holdings puras ou holdings mistas, conforme

o objeto social adotado. Especificamente no caso das holding companies

constituídas sob a forma de sociedades anônimas, a Lei número 6.404/76 cuida de

distinguir o que seja holding pura (“a companhia pode ter por objeto participar de

outras sociedades”) ou holding mista (“ainda que não prevista no estatuto, a

participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se

de incentivos fiscais”)3.

Entretanto, tais conceitos (holding pura ou holding mista), positivados na Lei

número 6.404/76, podem ser estendidos às holdings formadas sob outros tipos

societários, pois, o que importa é a abrangência do objeto social da holding e não o

tipo societário sob o qual ela é constituída.

Assim, as holdings mistas são sociedades empresárias, estruturadas sob

qualquer dos tipos societários prescritos em lei, que, além de deter participação

societária (majoritária ou não) em outras sociedades, desenvolvem outras atividades

empresariais próprias. Elas também são conhecidas como holdings operadoras,

pois, conjugam as atividades empresariais operacionais com a participação

societária em uma ou mais sociedades.

Já as holdings puras possuem como única finalidade social a participação

em outras sociedades, controlando-as ou não. Não são exercidas outras atividades

sociais que não a administração de investimentos decorrentes de participações

societárias, pela holding pura, em outras empresas.

Castellães (2008), citando José Edwaldo Tavares Borba e discordando

parcialmente da classificação deste último sobre as espécies de holdings, assim

as distingue:

3 “Art. 2º da Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à

ordem pública e aos bons costumes. [...] § 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista

no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais” (BRASIL, 1976).

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Com efeito, Tavares Borba, entre outros, advoga a sua classificação em duas distintas classes, a saber: a holding pura e a holding mista. No rol das chamadas holdings puras, portanto, e ainda segundo o autor por último citado, seriam classificadas aquelas companhias cujos objetos sociais se limitam ao exercício do poder de controle sobre outras sociedades, ao passo que dentre da classe das holdings mistas, deveriam ser incluídas aqueloutras companhias, que além de exercerem o poder de controle sobre outras sociedades, desempenham atividades de natureza diversa (comercial, industrial), ou seja, operam diretamente uma empresa propriamente dita. Parece, contudo, e muito embora isso seja freqüente, que a noção de companhia holding não se encontra indissociavelmente ligada ao poder de controle. Assim, talvez seja de mais rigor associar o seu objeto social simplesmente à gestão de uma carteira de participações societárias, de modo que, conforme o caso, poderá, ou não, exercer o poder de controle entre as sociedades junto às quais detenha essa participação (p. 72).

Há de se fazer ainda outro reparo à caracterização das holdings puras feita

por José Edwaldo Tavares Borba e citada por Castellães (2008): a restrição do objeto

social da holding pura à participação societária em outras empresas, não a desnatura

como empresa, posto que a caracterização de empresa, nos termos do acima citado

Artigo número 966, do Código Civil de 2002, pressupõe o exercício de atividade

econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (cf.

BRASIL, 2002). E, a atividade exercida pela holding pura é econômica, sendo

organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Assim, vistas,

sucintamente, as características da holding company, há de analisar a sua utilização

sob a forma de SPE.

Como já foi analisado anteriormente, a principal característica da SPE é sua

existência estar adstrita à realização de um negócio determinado, mantendo, por

conseguinte, interesses próprios e absolutamente destacados dos interesses de

seus controladores.

Constituem-se holding companies sob a forma de SPE para que tais

sociedades tenham como objeto social único e específico a participação, seja sob a

forma de controle ou não, em outras sociedades. As holding companies constituídas

sob a forma de SPE são holdings puras, posto que o seu objeto social cumpre única

e exclusivamente um negócio específico: deter e administrar a participação

societária em outras empresas.

Destarte, caso a holding pura, constituída sob a forma de SPE, deixe de

deter uma ou mais participações societárias como o seu único e exclusivo objeto, a

referida holding deixará de existir. Em outras palavras, o surgimento e o fim de uma

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holding pura constituída sob a forma de SPE está adstrito a manutenção das

participações societárias que constituem o seu objeto.

4.2 Project Finance

O Project Finance pode ser entendido, de forma sucinta, como uma

modalidade de financiamento no qual o próprio empreendimento se auto-financia.

Pode-se citar, como conceituação mais precisa e completa, a elaborada por Hoffman

(2001), in verbis:

The term “project finance” is generally used to refer to a nonrecourse or limited recourse financing structure in which debt, equity, and credit enhancement are combined for the construction and operation, or the refinancing, of a particular facility in a capital-intensive industry, in which lenders base credit appraisals on the projected revenues from the operation of the facility, rather than the general assets or the credit of the sponsor of the facility, and rely on the assets of the facility, including any revenue-producing contracts and other cash flow generated by the facility, as collateral for the debt (pp. 4-5).

Azúa (2002) apresenta uma visão geral da definição e dos conceitos básicos

de Project Finance:

O Project Finance é uma estrutura de financiamento empregada pela primeira vez na América Latina no começo da década de 90. Na sua versão mais ortodoxa, trata-se de um financiamento que permite ao patrocinador do projeto (sponsor) obter créditos sem necessidade de registrá-los no seu passivo. Parte-se do princípio que o projeto a ser financiado será altamente lucrativo, o que leva o agente financiador a confiar que será pago, exclusivamente, com os lucros do mesmo projeto, sem necessidade de garantias por parte dos patrocinadores (sponsors). Os supostos de um Project Finance são: a) um projeto exclusivo, que tenha um valor intrínseco independentemente de todos (sic) as outras atividades do patrocinador; b) uma grande previsão de lucros permanentes; c) um enquadramento contratual que garanta os bons andamentos da construção, da manutenção e da operação. O Project Finance começou a adquirir notoriedade nos Estados Unidos no começo da década de 80, após a sanção em 1978, da Public Utility Regulatory Policies Act, dando incentivo à iniciativa privada para desenvolver projetos de energia elétrica. Esta modalidade de financiamento exige a criação de uma empresa, com finalidade única e específica (Special Purpose Company), que é a forma legal de obter financiamento sem direito de regresso (non recourse) ou direito de regresso limitado (limited recourse). Com isto o patrocinador garante que os credores estarão seguros de qualquer reclamação legal que tenha origem em causas alheias ao projeto (pp. 20-21).

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Verifica-se, pois, que o Project Finance é forma de financiamento cuja

atratividade de investimentos é a capacidade do empreendimento de gerar receitas

e se financiar, independentemente das partes que os constituíram.

São partes no Project Finance: os patrocinadores (sponsors) e os

financiadores. Podem, também, ser partes no Project Finance: agentes fiduciários,

seguradores e o Poder Público.

Os patrocinadores (sponsors) do Project Finance são as pessoas físicas ou

jurídicas que idealizam e implantam o empreendimento a ser auto-financiável. Enei

(2007) designa os patrocinadores como

a sociedade ou sociedades que tomam a iniciativa de implementar uma operação de financiamento de projetos, reunindo em torno do empreendimento os demais participantes, como os agentes financeiros provedores de financiamento externo, fornecedores de matéria-prima e compradores do produto final (pp. 27-28).

Prossegue o mesmo autor, informando que

durante a implementação do financiamento de projetos, todavia, outros acionistas poderão ser chamados, por meio de ofertas públicas ou privadas. Nesse caso, esses acionistas não serão, tecnicamente, reconhecidos como patrocinadores do projeto, mas como mero provedores de recursos, na forma de aumento de capital, à sociedade do projeto (p. 28).

Já os financiadores do Project Finance são terceiros que aportam

recursos financeiros ao empreendimento. Enei (2007) designa os financiadores

do Project Finance como “financiadores externos” ou “mutuantes”, esclarecendo,

ainda, que os referidos financiadores externos não são, necessariamente,

instituições financeiras. Confira-se:

Para evitar confusões, buscaremos referir-nos aos entes provedores de crédito no financiamento de projetos preferencialmente pela expressão “financiadores externos”, ou, alternativamente, “mutuantes”, “agentes financeiros” ou “bancos”, em vez de simplesmente “financiadores”, termo este que nem sempre permitiria distinguir a figura do referido mutuante ou credor da figura do patrocinador ou outro acionista, que, em um sentido mais amplo, também prevê o financiamento à sociedade do projeto na forma de capital. Ressalve-se, contudo, que o financiador externo não necessariamente será um banco, podendo ser, observadas as restrições quanto ao exercício da atividade financeira, caso essa possa ser caracterizada, um fundo de pensão, uma outra instituição financeira ou a ela equiparada, ou ainda sociedades não financeiras e indivíduos que adquiram em ofertas públicas ou privadas valores

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mobiliários representativos de dívida. Da mesma forma, embora o vínculo jurídico principal estabelecido entre o financiador externo e a sociedade do projeto seja normalmente um contrato de mútuo, poderá ser também um valor mobiliário, título de crédito ou contrato de outra natureza, como um leasing (p. 27).

Conforme se depreende do conceito de Project Finance estabelecido por

Hoffman (2001), o nível de garantias aos financiadores pode ser nonrecourse

financing structure ou limited recourse financing structure. A modalidade

nonrecourse financing structure significa que os financiadores não terão direito a

quaisquer garantias dos patrocinadores ou a quaisquer recursos contra estes. Já as

garantias decorrentes de limited recourse financing structure significam que os

financiadores terão limitado direito a garantias dos patrocinadores ou limitados

recursos contra estes.

Agentes fiduciários podem ser partícipes de Project Finance, constituindo

parte sem qualquer relação com os patrocinadores (sponsors) ou financiadores, cujo

papel é a administração de recursos decorrentes do empreendimento financiado, de

forma a torná-lo viável. Também pode haver a participação de seguradoras no

Project Finance, fornecendo seguros de crédito (financial guaranty insurance)4 ou

seguros contra risco político (political risk insurance)5.

4 Financial guarantee insurance. A form of insurance that first appeared in the 1930s as mortgage

guaranty insurance and returned in the 1970s in several different forms (municipal bond guaranty insurance, limited partnership investor bond insurance, residential value insurance, etc.). Today, most states exclude mortgage guaranty and consumer-oriented credit insurance from their definition of financial guaranty insurance. It is a descendant of suretyship and is generally recorded as surety on the annual statement that insurers file with regulators. Loss may be payable in any of the following events: the failure of an obligor on a debt instrument or other monetary obligation to pay principal, interest, purchase price or dividends when due as a result of default or insolvency (including corporate or partnership obligations, guaranteed stock, municipal or special revenue bonds, asset-backed securities, consumer debt obligations, etc.); a change in interest rates; a change in currency exchange rates; or a change in the value of specific assets, commodities or financial indices. These contracts usually involve sophisticated insured’s, and therefore rates may be exempt from general statutory standards. (HARPER RISK, 2008b, s/p). 5 Political risks insurance. A firm may be exposed to loss from three broad categories of political

risk: seizure of assets, currency inconvertibility, and interference with contractual performance. Through programs of political risk insurance underwritten by specialty companies, confiscation, expropriation, nationalization, deprivation and, in some cases, terrorists and war risk coverage’s may be written. Companies that export can protect themselves against a range of political risks that may prevent or delay payment. This arises when payment is not received as a direct result of a war in the buyer’s country, cancellation of a contract by the government of the buyer’s country, or when a government implements regulations which either prevent the export or import of the goods or prevent or restrict the transfer of hard currency from the buyer’s country. Organization can also buy coverage for loss arising from confiscation or expropriation of property by a foreign government and loss due to a devaluation of currency. Joint venture political risk insurance is available to protect a corporation participating in a joint venture in a foreign country against political risks. Political risk insurance can be provided by private insurers or governmental agencies. (HARPER RISK, 2008a, s/p).

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Pode, ainda, o Poder Público ser parte de um Project Finance em parcerias

público-privadas, com objetivo, como já visto neste trabalho, de implementar um

empreendimento, decorrente da junção de capital público e privado. Nas palavras de

Oliveira (2007):

O project finance constitui uma técnica de formatação da parceria público-privada strictu sensu. Cada projeto específico de parceria público-privada adapta-se ao financiamento sob medida concebido pelo project finance, que pondera a capacidade de endividamento e de assunção de riscos de cada qual dos parceiros para direcionar sua atribuição ao mais apto a exercer controle sobre esses encargos sem colocar em perigo o êxito da execução do projeto (pp. 107-108).

Após breves noções do Project Finance, passa-se à análise da possibilidade de

utilização da SPE na estruturação de tal modalidade de financiamento de projetos.

Como já foi salientado, em mais de uma oportunidade, a característica

primordial da SPE é a finalidade específica de seu objeto, característica essa que se

amolda às peculiaridades do Project Finance, que, também, conforme se viu é a

forma de se constituir um empreendimento auto-financiável.

Os patrocinadores podem constituir uma SPE para implantar e gerir

determinado empreendimento estruturado sob a forma de Project Finance. O

patrimônio da SPE, destacado que é do patrimônio de seus sócios, é, em regra,

constituído por aportes de capitais dos patrocinadores, na qualidade de sócios, ou,

de terceiros, como são os financiadores.

A tomadora de recursos para viabilização do empreendimento será a SPE,

sendo que os financiadores poderão ter garantia limitadas (nonrecourse financing

structure) dos sócios da SPE, ou, mesmo, não terão garantias (limited recourse

financing structure) de tais sócios.

A SPE terá o propósito específico de implantar e explorar diretamente o

projeto objeto do financiamento, estando a duração da referida sociedade adstrita à

conclusão do empreendimento planejado para ser auto-financiável.

Podem ser apontadas como as principais vantagens da constituição da SPE

em Project Finance:

a) a captação de recursos pode ser feita diretamente pela SPE,

evitando-se o comprometimento do patrimônio de seus sócios e a

obrigatoriedade de prestação de garantias destes a mutuantes;

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b) as ações ou quotas representativas do capital social da SPE podem

ser dadas em garantia ao credor mutuante;

c) os recebíveis decorrentes do empreendimento gerido pela SPE podem

servir de garantia para tomada de recursos perante terceiros;

d) a SPE pode captar recursos no mercado financeiro, através de

admissão de novos sócios, alheios aos quadros sociais dos

patrocinadores, ou, ainda, através do lançamento de debêntures e

bônus de subscrição;

e) os riscos do empreendimento são suportados pela SPE, estando

dissociados de seus sócios; e

f) eventuais obrigações fiscais, trabalhistas ou cíveis de sócios da

SPE não são exigíveis da SPE e, tampouco, podem afetar o

empreendimento decorrente do Project Finance.

4.3 Securitização de recebíveis

A securitização de recebíveis é assim definida por Caminha (2007):

Do ponto de vista financeiro, a securitização em sentido estrito é uma operação por meio da qual se mobilizam ativos – presentes ou futuros – que, de outra maneira, não teriam a possibilidade de se autofinanciar ou gerar renda presente. A possibilidade de se emitirem títulos ou valores mobiliários a partir de uma operação de cessão ordinária é uma forma de se mobilizarem créditos gerados nas mais diversas operações, ainda que tais créditos só venham a ser realizados no futuro. Com a securitização, o agente econômico que origina créditos pode diluir os riscos de sua carteira de recebíveis, mesmo que ela seja futura, e adiantar receitas a ela referentes ou financiar projetos, pela emissão de títulos lastrados nessa carteira. Assim, a função econômica da securitização pode ser resumida em três aspectos: mobilizar riquezas, dispersar riscos e desintermediar o processo de financiamento. Sob a ótica jurídica, a securitização pode ser definida como a estrutura composta por um conjunto de negócios jurídicos – ou um negócio jurídico indireto, como se verá adiante – que envolve a cessão e a segregação de ativos em uma sociedade, ou um fundo de investimento, que emite títulos garantidos pelos ativos segregados. Esses títulos são vendidos a investidores e os recursos coletados servem de contraprestação pela cessão de ativos (pp. 38-39).

Assim, na operação de securitização, certos ativos são segregados do

patrimônio da pessoa que os originou, sendo, ulteriormente, emitidos títulos

representativos do conjunto de ativos. Assim, o lastro para os títulos a serem emitidos,

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na operação de securitização, são os ativos que foram dissociados do patrimônio do

originador, assim denominada a pessoa que originou o patrimônio vertido.

Na securitização de recebíveis, o lastro para emissão dos títulos que serão

adquiridos pelos investidores são obrigações futuras, a serem solvidas em favor da

empresa ou fundo para os quais tal ativo foi vertido pelo originador. Ela pode ocorrer

através da instituição de uma SPE, que gerirá o ativo que lhe será transferido pelo

originador. O originador constitui uma SPE e lhe transfere ativos, que podem ser

representados, parcial ou totalmente, por direito creditórios futuros, decorrentes de

recebíveis. A SPE pode emitir títulos lastreados nos recebíveis que lhe foram aportados,

captando, no mercado financeiro, recursos decorrentes da emissão de tais títulos.

A SPE pode ter como propósito específico unicamente a captação de

recursos decorrentes da securitização de recebíveis, ou, ainda, tê-la conjuntamente

com a gestão e implementação de um Project Finance, que se auto-financiaria com

a captação de tais recursos. A análise das vantagens da securitização de recebíveis

através de uma SPE é assim feita por Caminha (2007):

A característica mais marcante e, ao mesmo tempo, uma das maiores vantagens da operação de securitização é a segregação do lastro dos títulos emitidos num veículo distinto do originador dos créditos. Essa característica apresenta-nos como vantagem tanto para os originadores quanto para os investidores. Para os primeiros, por permitir-lhes uma operação que, em princípio não será registrada em suas demonstrações financeiras e que, por não incorporar os riscos de uma empresa operacional, poderá ter melhor classificação de risco, em comparação com o próprio originador, e, por conseguinte, menor exigência de taxas por parte dos investidores e prazo mais longo para financiamento da dívida. Para os investidores, o menor risco significa maior segurança em investimentos, que, em tese, serão mais rentáveis que aqueles tradicionalmente apresentados no mercado (pp. 108-109).

Assim, os riscos decorrentes da captação de recursos, através da

securitização de recebíveis, por intermédio de uma SPE, são bem mensurados,

tanto pelo tomador de recursos quanto pelo credor. Isto porque, o credor tem suas

garantias, em relação aos créditos futuros da SPE, dissociadas de obrigações

assumidas pelos sócios da SPE perante outros credores. Já a SPE, tomadora de

recursos, contrai suas obrigações, ficando preservado o patrimônio de seus sócios

de eventuais obrigações não adimplidas perante os credores exclusivos da SPE.

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4.4 Financiamento de empreendimentos

A Lei número 11.908/2009, autorizou o Banco do Brasil S.A. e a Caixa

Econômica Federal a constituírem subsidiárias, para aquisição de participação em

instituições financeiras sediadas no Brasil (cf. BRASIL, 2009). O referido diploma

legal, através de seu Artigo 1º, facultou ao Banco do Brasil S.A. e à Caixa Econômica

Federal constituírem subsidiárias integrais ou controladas, com vistas ao cumprimento

de atividades de seus respectivos objetos sociais.

O Artigo 2º do referido diploma legal facultou ao Banco do Brasil S.A. e à

Caixa Econômica Federal, diretamente ou por intermédio de suas subsidiárias, a

aquisição de participação em instituições financeiras, públicas ou privadas, sediadas

no Brasil. Incluem-se no conceito de instituições financeiras, públicas ou privadas, as

empresas dos ramos securitário, previdenciário, de capitalização e demais ramos

descritos nos Artigos número 17 e 18, da Lei número 4.595, de 31 de dezembro de

1964, além dos ramos de atividades complementares às do setor financeiro, com ou

sem o controle do capital social, observado o disposto no inciso X do caput do Artigo

número 10, daquela lei.

Entretanto, quando a realização dos negócios definidos nos Artigos 1º e 2º,

da norma legal acima citada, ocorrer com sociedades do ramo da construção civil,

deverá ser constituída uma SPE para a execução de empreendimentos imobiliários,

sendo facultada a emissão de debêntures conversíveis em ações6.

Assim, o referido diploma legal, sensível ao momento de crise econômica pelo

qual passava o país, à época de sua edição, e como forma de manter a produção e

empregos ligados à construção civil, estabeleceu mecanismos de “socorro”, pelos

bancos controlados pelo governo (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), às

empresas ligadas à construção civil. Dentre tais mecanismos está a possibilidade de

aquisição de participações societárias em empresas no ramo da construção, através da

aquisição de participação societária em SPE.

Tal norma visa impedir a assunção, pelas referidas instituições financeiras,

de qualquer risco decorrente de passivos relativos às empresas do ramo da

construção civil, constituintes da SPE. Como os direitos e obrigações da SPE são

6 “Art. 3º. A realização dos negócios jurídicos mencionados nos arts. 1º e 2º desta Lei poderá ocorrer sob

qualquer forma de aquisição de ações ou participações societárias previstas em lei. Parágrafo único. Os negócios jurídicos referidos no caput deste artigo com sociedades do

ramo da construção civil serão realizados com empresas constituídas sob a forma de Sociedades de Propósito Específico – SPE para a execução de empreendimentos imobiliários, inclusive mediante emissão de debêntures conversíveis em ações” (BRASIL, 2009).

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dissociados de empresas do ramo da construção civil que venham a constituí-la, não

haverá qualquer risco dos bancos investidores serem obrigados a honrar as

obrigações daquelas.

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CAPÍTULO V

A SPECIAL PURPOSE COMPANY

5.1 Conceito segundo o Direito Norte-americano

O aumento da utilização da Special Purpose Company (doravante designada

“SPC”), no Direito Norte-Americano, ocorreu no início da década de 1970, quando o

Government Mortgage Association (Ginnie Mae) passou a utilizar a SPC para

securitização das hipotecas garantias pelo governo norte-americano. A Special

Purpose Company também é referida como Special Purpose Entity ou Special

Purpose Vehicle ou Shell Company.

A partir do início dos anos oitenta, a SPC passou a ser largamente utilizada

pelo sistema bancário, com o objetivo essencial de converter recebíveis em recursos

à vista, através da securitização de recebíveis, em método similar ao já explanado

neste trabalho e que será abordado, de forma sintética, a seguir.

A SPC, também no Direito Norte-americano, pode ser conceituada como um

veículo estabelecido para conduzir um propósito especificou ou limitado. A SPC é

criada pelo instituidor, que pode ser uma ou mais, pessoas físicas ou jurídicas. O

instituidor é chamado de sponsor.

A SPC pode adotar quaisquer das formas societárias permitidas, como, por

exemplo, corporation, partnership, limited liability company, trust ou joint venture. A

forma societária adotada deve estar em consonância como o propósito ou objetivo

que SPC venha a adotar. É cabível fazer breve conceituação das formas societárias

previstas no Direito Norte-americano, que também podem ser utilizadas para

constituição da SPC, a saber:

Corporation: an artificial person or legal entity created by or under the authority of the laws of a state or nation, composed, in some rare instances, of a single person and his successors, being the incumbents of a particular office, but ordinarily consisting of an

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association of numerous individuals, who subsist as a body politic under a special denomination, which is regarded in law as having a personality and existence distinct from that of this several members and while is, by the same authority, vested with the capacity of continuous succession, irrespective of changes in its membership either in perpetuity or for a limited term of years, and of acting as a unit or single individual in matters relating to the common purpose of the association, within the scope of the powers and authorities conferred upon such bodies by law (BLACK, 2008, p. 273).

Partnership: a voluntary contract between two or more competent persons to place their money, effects, labor and skill or some or all of them, in lawful commerce or business, with the understanding that there shall be a proportional sharing of the profits and losses between them. […] [Uma “limited partnership” é definida como] a partnership consisting of one or more general partners, jointly and severally responsible as ordinary partners, and by whom the business is conducted, and one or more special partners, contributing in cash payments a specific sum as capital to the common stock, and who are not liable for the debts of the partnership beyond the fund so contributed (BLACK, 2008, p. 277).

Limited Liability Company (“LLC”): a limited liability company is a separated legal entity formed under state law. […] As the name suggests, an LLC‟s key feature is limited liability for its members. This feature distinguishes the LLC form a partnership where at least one member has unlimited liability. LLCs are, by far, the most popular limited liability entity. An LLP [Limited Liability Partnership] is simply a general partnership that has elected LLP treatment. It operates in the same way, and under the same rules, as any normal general partnership. There is one key difference, however. The LLP‟s members are protected from liability for some or all of the debts of or claims against the LLP. The extent of liability protection differs from state to state (HUMPHREYS, 2003, pp. 1-4).

Trust: a definition of the term trust might run as follows: A trust is created where the absolute owner of property (the settlor) passes the legal title in that property to a person (the trustee) to hold that property on trust for the benefit of another person (the beneficiary) in accordance with terms set out by the settlor. There are three legal capacities to bear in mind in the creation of a trust: the settlor, the trustee, and the beneficiary (HUDSON, 2003, p. 32).

Joint venture: a business undertaking by two or more persons engaged in a single project. The necessary elements are (i) an express or implied agreement; (2) a common purpose that the group intends to carry out; (3) shared profits and losses; and (4) each member‟s equal voice in controlling the project (GLOVER & WASSERMAN, 2003, pp. 1-6).

A similaridade dos objetivos da criação da SPC em relação à criação da SPE,

no âmbito do Direito Brasileiro, pode ser identificada no trecho abaixo transcrito:

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Firms have used SPEs [Special Purpose Entities] to do a number of things. Some of the more common things SPEs are used for include selling or transferring assets do the SPE, all sorts of leasing activities, borrowing money, issuing one type of equity to the SPE that is converted into another type of security, creating research and development vehicles, and as heading devices. […] While SPEs assumes many shapes for many different activities and goals, Exhibit 6.1 shows a generic SPE.

Exhibit 6.1 Generic Special-Purpose Entity

Assume that the firm or business enterprise acts as the sponsor and creates the SPE. At its genesis, the SPE receives some assets from the corporation. Simultaneously, the SPE receives cash from a set of investors and passes some or all of the cash on to the business enterprise. In turn, the investors receive asset-backed securities (ABS), which are securities that are backed by the assets of the SPE. On other words, the asset passed by the company to the SPE acts as collateral to cover any losses sustained by the investors. Investors become interested in the SPE because it provides a well-defined set of cash flows to them. The business enterprise usually provides a variety of credit enhancements that make the investment very safe. The firm typically writes the contract in such a way that it declares corporate bankruptcy, the assets in the SPE cannot be used to pay the firm‟s debts. Doing this obviously protects the investors in the SPE because they will not lose any funds if such dire circumstance unfolds. Another credit enhancement is for the firm to include more assets in the SPE than cash received (KETZ, 2003, pp. 126-127)

A SPC é classificada, de acordo com a sua estrutura, em pass-through ou

pay-through, conceitos a seguir explanados:

SPEs are often classified as either pass-through or pay-through structures. Pass-through structures pass through all of the principal and interest payments of assets to the investors. Pass-through structures are therefore generally passive tax vehicles and do not attract tax at the entity level. Pay-through structure allow for reinvestment of cash flows, restructuring of cash flows, and purchase additional assets. For example, credit card receivable transactions use pay-through structures to allow reinvestment in new receivables so bonds of a longer average life can be issued (TAVAKOLY, 2003, p. 47).

As vantagens de utilização da SPC no Direito Norte-americano assemelham-se

àquelas já informadas em relação ao Direito Brasileiro. A primeira e mais importante

vantagem da utilização da SPC é a segregação de ativos em um veículo específico, o

que facilita a tomada de recursos no mercado financeiro. A segunda vantagem de

Business Enterprise

SPE

Investors

Asset

Cash

ABS

Cash

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utilização da SPC, embora não abordada no presente trabalho em relação à SPE, é a

consumação de planejamentos tributários. Os seguintes trechos de obra dissertando

sobre as vantagens de utilização da SPC ilustram o que foi afirmado:

The first legitimate reason for utilizing an SPE is that the firm obtains credit at a cheaper price. The credit enhancements reduce the riskiness of the investment, so the interest rate required by the creditors is less than it otherwise would be. An example, discussed more fully later, concerns securitizations, which involve amassing certain (usually financial) assets and creating securities that are paid off with cash flows produced by the pool of assets. What the business enterprises gains from a securitization that makes use of an SPE is a lower interest rate on the debt. A second legitimate application of SPEs deals with corporate tax planning. With certain types of arrangements, a business enterprise will be able to decrease is tax income liability. A synthetic lease, which is described more fully later in the chapter, provides a mechanism that allows business enterprises to treat leases as operating leases for financial reporting purposes but as capital leases for tax purposes. The former treatment raises all the problems mentioned in Chapter 4 because managers hide the lease obligation from financial statements readers. Regarding leases as capital leases for tax purposes, however, permits firms to deduct depreciation expense in their tax forms and thereby increase their tax deductions. Thus, the synthetic lease helps managers to reduce the taxes that the business entity owes to government (KETZ, 2003, p. 127).

Em algumas situações (principalmente na estruturação de Project Finance),

a SPC possui sua participação societária detida por um charitable trust1 e é dirigida

por administradores profissionais, oriundos de sociedades que prestam serviços de

formação e administração de empresas. Tal forma de administração pretende

dissociar os administradores da SPC do sponsor. A SPC é, nesta situação,

denominada “orphan” company2.

5.2 Principais utilizações no âmbito do Direito Norte-Americano

A utilização da SPC no âmbito do Direito Norte-americano é similar à

utilização da SPE no Direito Brasileiro. Será apresentada, doravante, sucintamente,

1 “A charitable trust is similar to a private trust in that a trustee holds and manages the property not for

the benefit of specified individuals but for certain defined purposes that are considered to be of benefit to the public at large. The Restatement (Second) of Trusts [§ 348] defines a charitable trust as follows: [A] charitable trust is a fiduciary relationship with respect to property arising as a result of a manifestation of an intention to create it and subjecting the person by whom the property is held to equitable duties to deal with the property for a charitable purpose. This definition indicates the specific elements required by law for the creation of a charitable trust and the nature of the legal duties of the trustee that the law will enforce” (FREMONT-SMITH, 2004, p. 133.). 2 “Orphan Company – A company which has no identifiable shareholder / owners – e.g. an SPV [Special

Purpose Vehicle] owned by a charitable trust. A device normally used to avoid consolidation of the SPV with any entity” (KHOTARI, 2006, p. 51).

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a utilização da SPC no Direito Norte-americano em securitização de recebíveis, em

Project Finance e em parcerias público-privadas (cf. KRAVITT, 2004).

A securitização de recebíveis é, como explanado anteriormente, a operação

pela qual certos ativos são segregados e transferido do patrimônio da pessoa que o

originou, para ulterior emissão de títulos com lastro em tais ativos, dissociados do

patrimônio do originador. No Direito Norte-americano, a securitização de recebíveis

pode ser também feita através da criação de uma SPC, para o qual os ativos que

irão lastrear os títulos representativos dos recebíveis serão transferidos. A utilização

de SPC na securitização de recebíveis é assim descrita:

Special purpose corporations (SPCs) are used for a variety of purposes, including structured risk management solutions. In securitizations, the SPE [special purpose entity] houses the asset risk either through the purchase of the assets or in synthetic form. The assets are then used as collateral for notes issued by the SPE. SPSs are powerful structured finance tools. SPSs can be either onshore or offshore. […] For securitization of cash assets, the key focus is on nonrecourse (to the originator/seller) financing. The structures are bankruptcy-remote so that the possible bankruptcy or insolvency of an originator does not affect the investor‟s right to the cash flows of the vehicle assets. The originator is concerned about accounting issues, especially that the structure meets requirements for off-balance sheet treatment of the assets, and that the assets will not be consolidated on the originator/seller‟s balance sheet for accounting purposes. For bankruptcy and accounting purposes, the structure should be considered a sale. This is represented in the documentation as a true sale at law opinion. The sale is also known as conveyance. The structure should be a debt financing for tax purposes also known as a debt-for-tax structure. Tax treatment is independent of the accounting treatment and bankruptcy treatment. An originator selling assets to an SPE will want to ensure that the sale of assets does not constitute a taxable event for the originator. The securitization should be treated as a financing for tax purposes, that is, treated as a debt of the originator for tax purposes. This is represented in the documentation in the form of a tax opinion (TAVAKOLY, 2003, pp. 47-48).

A criação da SPC tem como escopo principal a segregação do risco da nova

entidade criada, cujo propósito específico é a securitização de certos recebíveis, em

relação àquele que verteu o patrimônio3.

3 “Securitizations are often undertaken by Banks which want to reduce their regulatory capital charge.

This is a percentage charge for assets held by the bank, and for which the bank needs to hold funds in a designated account with its supervisor. The rationale is that by assigning assets to a special purpose vehicle (SPV) in a true sale securitization, or transferring the credit risk thereof in a synthetic deal, the regulator may recognize this as a transfer of credit risk of the relevant assets, as a result of which the capital charge of those assets would no longer apply. The originator is then able to apply the „freed up‟ capital for other, more profitable purposes” (ROBBEÉ, 2008, p. 4.).

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A segregação do risco, através da SPC, é assim descrita por Robbée (2008):

The first building block of virtually all securitizations is the establishment of a special purpose vehicle (SPV). The primary purpose of an SPV in a securitization is to insulate the note holders from the credit risk of the originator. In doing so, it allows the notes issued by such SPV to be rated higher (provided the quality of the asset pool so allows) than the credit rating of the originator. However, this purpose would be undone if the SPV would be subjected to insolvency proceedings as easily as any other company. To avoid that feat, the SPV is structured as a bankruptcy remote entity […]. In other words, it is vital to the analysis of rating agencies that the risk of the SPV going insolvent com be almost entirely removed. Sale and Risk Transfer Transfer Figure 1. The SPV as Intermediary between the Originator and Investors (p. 15).

Há, ainda, a securitização de recebíveis por intermédio da SPC no modelo

Collateralized Bond Obligations (CBO), pelo qual a SPC utiliza recursos captados

pela emissão de títulos para aquisição de recebíveis. Assim,

the CBO model involves a securitization vehicle or Special Purpose Vehicle (SPV) using cash proceeds raised from the issue of securities to investors, to fund the acquisition of debt securities (including corporate bonds, municipal bonds and sovereign bonds, as well as the securities issued in other securitizations). Investment returns are generate through either the capture of the excess spread between securities issued by the SPV and the securities acquired by the SPV or from capital gains on the active trading of securities. As is the case with the investors in a managed fund the investors in CBO receive returns derived from the financial performance of the assets which the SPV invested in (ROBBÉE, 2008, p. 335).

Conforme foi exposto neste trabalho, o Project Finance é uma forma de

financiamento cuja atratividade de investimentos é a capacidade do

empreendimento de gerar receitas e se financiar, independentemente das partes

que o constituiu. A utilização do Project Finance pode ser descrita como se segue:

Under project finance banks provide finance for a single project and take a large part of the risk of the success or failure of that project. The project may be an oil and gas field; a mine; a mobile telephone or cable network; a toll tunnel, bridge or highway; a refinery, power station or pipeline; or offices or shops, or any other venture involving

Originator

SPV

Note Holders

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construction or engineering. The amount of finance required for large projects may run to several billion US dollars. Project finance illustrates the most fundamental and beneficial objective of money and banks and other than the use of money as a medium of exchange. Banks gather together the money of the people and then channel it into the creation of new and productive edifices so that when we switch the light, the light comes on because there is a power station and a grid which have been financed by banks out of the money of the people (WOOD, 2007, p. 4).

Assim, como no Direito Brasileiro, no Direito Norte-americano,

patrocinadores constituem uma SPC para implantar e gerir determinado

empreendimento estruturado sob a forma de Project Finance.

No caso do Project Finance4, sob a ótica do Direito Norte-americano, a tomadora

de recursos para viabilização do empreendimento será a SPC. São, por conseguinte,

apontadas pela doutrina norte-americana, características do Project Finance:

Some typical characteristies of project finance are:

It is provided for a “ring-fenced” project (i.e., one which is legally and economically self-contained) through a special purpose legal entity (usually a company) whose only business is the project (the “Project Company”).

It is usually raised for a new project rather than and established business (although project finance loans may be refinanced).

There is a high ratio of debt to equity (“leverage” or “gearing”) – roughly speaking, project finance debt may cover 70-90% of the cost of a project.

There are no guarantees from the investors in the Project Company („non-recourse‟ finance), or only limited guarantees („limited-recourse‟ finance), for the project finance debt.

Lenders rely on the future cash flow projected to be generated by the project for interest and debt repayment (debt service), rather than the value of its assets or analysis of historical financial results.

The main security for lenders is the project company‟s contracts, licenses, or ownership of rights to natural resources; the project company‟s physical assets are likely to be worth much less than the debt if they are sold off after a default on the financing.

The project has a finite life, based on such factors as the length of the contracts or licenses or the reserves of natural resources, and therefore the project finance debt must be fully repaid by the end of this life (YESCOMBE, 2002, pp. 7-8).

No Project Finance, o patrimônio da SPC é constituído por aportes de capitais

dos patrocinadores, na qualidade de sócios ou de terceiros, no caso de financiadores.

Os patrocinadores poderão ser entidades públicas ou privadas. O patrimônio da SPC é 4 “The term project finance is often misused, owing to a general misunderstanding of the term. In

some circles, it refers to raising funds to pay the costs of a project – any project. In others, the term is used to describe a hopeless financial situation remediable only with extreme financing options” (HOFFMAN, 2001, p. 4).

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dissociado do patrimônio dos sócios que a constituíram. Há, por conseguinte, a

segregação do risco do empreendimento na SPC, de forma que o patrimônio do

patrocinador não responde pelo insucesso, consoante a seguir descrito:

Financing for a project can be obtained from public or private sources, or a combination thereof. Public sources of finance include grants or loans from the government, foreign aid, export credit agencies or multilateral agencies such as the World Bank. Privately financed projects can be bilateral or undertaken directly by the private companies with strong balance sheets, either by self-financing or through corporate borrowing. However, these sources of finance can be expensive or otherwise undesirable, therefore the private company may prefer to use project finance techniques. By using such techniques, the investors can reduce substantially both their financial investment (through debt injection) and exposure to project liability by creating a special purpose vehicle, called the project company, which finances, designs, builds and operates the project. Project financing involves the financing of an infrastructure project through this special purpose vehicle to which non- or limited recourse loans are made. The lenders rely on the cash flow of the project for repayment of the debt, security for the debt is primarily limited to the project assets; therefore the lenders will bear some portion of the project risk (DELMON, 2005, p. 58).

Já foi abordado neste trabalho que a parceria público-privada tem por

objetivo atrair investimentos privados para a realização de obras e para a prestação

de serviços na área de infra-estrutura.

No Direito Norte-americano, as public-private partnerships5 também

possuem o mesmo objetivo de aliar capitais privados e públicos, para execução de

5 “The term „public private partnership‟ (PPP) has no precise meaning but is used to describe many

forms of arrangements between the public and private sectors for providing public services. These include the following:

The contracting out of services. Where the private sector is contracted to provide services on behalf of the public sector for a given period and for an agreed contract price, without the private sector being required to assume any financing demand or risk.

Joint Ventures. Where the public and private sectors assume joint responsibility for the financing and implementation of the public service facilities.

Leasing. Where all or a substantial part of the risks associated with funding, developing and operating the facilities are assumed by the private sector, with the public sector entity taking the facilities on lease.

Build, operate and transfer (BOT) projects. Where the private sector has the primary responsibility for financing, developing and operating the facilities for a fixed period of time, which should be sufficient to enable the private sector entity to repay the financing and achieve the required rate of return on its investment. At the end of that period, the project is transferred to the public sector. This is perhaps the most familiar form of PPP and the basic concept has been employed (with some variations) in many different ways, including:

build, own, operate and transfer (BOOT); build, lease and transfer (BLT); build, rent and transfer (BRT); build, transfer and operate (BTO); design, build, finance and operate (DBFO), and

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obras e disponibilização de serviços, prioritariamente na área de infra-estrutura à

população (cf. AKINTOYE, BECK & HARDCASTLE, 2003). A origem, a utilização e

os principais elementos das public-private partnerships, nos Estados Unidos, são

assim explicados:

The term “public-private partnership” appears to have originated in the United States, initially relating to joint public-and private-sector funding for educational programmes, and then in the 1950s to refer to similar funding for utilities (cf. § 17.6.2), but came into wider use in the 1960s to refer to public-private joint ventures for urban renewal. It is also used in the United States to refer to publicly-funded provision of social services by non public-sector bodies, often from voluntary (not-for-profit) sector, as well as public funding of private-sector research and development in fields such as technology. In the international-development field the term is used when referring to joint government, aid agency and private-sector initiatives to combat diseases such as AIDS and malaria, introduce improvements in farming methods, or promote economic development generally. Most of these can be described as “policy-based” or “programme-based” PPPs. (…) PPPs as defined here have the following key elements:

long-term contract (a “PPP Contract”) between the public-sector party and the private-sector party;

for the design, construction, financing and operation of public infrastructure (the “Facility”) by the private-sector party;

with payments over the life of the PPP Contract to the private-sector party for the use of the Facility, made either by the public-sector party or by the general public as users of the Facility; and

with the Facility remaining in public-sector ownership, or reverting to public-sector ownership at the end of the PPP Contract (YESCOMBE, 2007, pp. 2-3).

Há também a utilização de SPC em public-private partnerships, sendo a

SPC a responsável pela implantação e gestão do empreendimento objeto do

mencionado projeto. A estruturação da SPC em public-private partnerships pode, de

forma sintética, ser assim descrita:

A PPP [Public-Private Partnership] is an organizational structure that brings together a number of parties for an infrastructure investment, typically in the form of a “special purpose vehicle” (SPV) created specifically for the project. The main participants are:

the public sector procurer (the government, local governments and agencies, state-owned entities);

design, construct, maintain and finance (DCMF).

Build, own and operate. Where the private sector develops the facilities and retains the ownership and control of them but has the responsibility for making the facilities available for a fixed period. There is no transfer of the facilities at the end of the fixed period back to the public sector” (DENTON WILD SAPTE LLP, 2006, p. 1).

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the sponsors who as equity investors normally create a special purpose vehicle (SPV or project company) through which they contract with the public procurer, and the principal subcontractors;

financier;

subcontractors, and

other involved parties such as advisers (legal, financial, technical), insurers, rating agencies, underwriters, tec. In a project each retains its own identity and responsibilities. They combine together in the SPV on the basis of a clearly defined division of tasks and risks. Special purpose vehicle An SPV is simply a separate legal entity, generally a company, established to undertake the activity defined in the contract between the SPV and its client, in this case the public procurer. Execution of the activity generally requires the involvement of a number of parties, and the SPV enters into subcontracts with a number of organizations for the execution of this activities. SPVs are used in PPPs for the following reasons:

to allow lending to the project to be non-recourse to the sponsors by virtue of the limited liability nature of the SPV;

to enable the assets and liabilities of the project not to appear on the sponsors‟ balance sheets, by virtue of no sponsor having more than 50 per cent of the shares in the SPV and the application of normal consolidation principles when preparing the group accounts; and

for the benefit of the project lenders, to help to insulate the project form a potential bankruptcy of any of the sponsor (“bankruptcy remoteness”) (GRIMSEY & LEWIS, 2007, pp. 108-109).

Verifica-se, pois, que a utilização da SPC em public-private partnerships

também decorre da necessidade em se dissociar o patrimônio e as obrigações dos

sócios que compõem a SPC (entidade governamental e parceiro privado) do patrimônio

e das obrigações da SPC, constituída para implantar e gerir o empreendimento.

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CONCLUSÃO

A crescente utilização da SPE no âmbito do Direito Brasileiro foi apresentada

neste trabalho, que procurou sintetizar os seus vários aspectos peculiares.

Constatou-se que, a despeito da expressa previsão legal da formação de

SPE somente ter ocorrido no Código Civil de 2002 (Artigo número 981, parágrafo

único), a SPE já vinha sendo utilizada anteriormente, sob a égide de outros diplomas

legais. E, após o Código Civil de 2002, a SPE foi, posteriormente, prevista em outras

normas legais (cf. BRASIL, 2002).

Coube ao Código Civil de 2002 permitir, expressamente, a criação de uma

sociedade, através de ato escrito dotado de elementos comuns aos contratos em

geral e de elementos peculiares aos contratos de sociedades empresariais,

especificamente para uma ação ou projeto.

É a principal característica da SPE ter sua existência restrita à realização de

um negócio determinado, tendo, por conseguinte, seu surgimento e seu fim

vinculados a um projeto específico. No entanto, o aspecto temporal da SPE não

constitui sua característica essencial, pois, podem os sócios ajustar a possibilidade

de prorrogação do prazo de existência da referida sociedade. Tal possibilidade de

prorrogação do lapso temporal de duração da SPE é, por exemplo, prevista no

Artigo 5º da Lei das PPPs, conforme já visto, quando houver determinada

circunstância decorrente da execução do projeto (cf. BRASIL, 2004a).

É, pois, a conjugação de vários aspectos (tempo de duração, função a ser

exercida, local onde atuará e partes) que caracteriza uma SPE. Não obstante isto, a

imutabilidade do objeto é uma característica intrínseca da SPE, já que estabelecido

o seu propósito, não pode haver a alteração ou a ampliação. Tal característica

decorreu da vontade das partes instituidoras da SPE no ato de sua criação.

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A qualidade de sociedade mercantil atribuída à SPE decorre do tipo

societário eleito para constituí-la. A SPE pode constituir-se como uma sociedade

limitada ou como uma sociedade em conta de participação, cujas regras estão

previstas no Código Civil de 2002, ou, ainda, sob a forma de uma sociedade

anônima, cujas regras foram estabelecidas na Lei número 6.404/1976 (cf. BRASIL,

1976). A SPE, constituída, necessariamente, sob uma das formas societárias

previstas na legislação brasileira, passará a ser dotada de personalidade jurídica

própria, sendo sujeito de direitos e obrigações.

Verificou-se, neste trabalho, que a utilização da SPE nas parcerias público-

privadas foi expressamente prevista na Lei das PPPs (Artigo 9º). Tem-se, pois, a

utilização da SPE no curso no contrato administrativo de concessão, na modalidade

patrocinada ou administrativa, como forma de implantação do empreendimento objeto

da parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada. Trata-se de modalidade de

concessão na qual as funções do Estado são preservadas, sendo ao particular

garantido o respeito aos seus direitos, como parceiro particular, a distribuição equânime

dos riscos e a sustentabilidade e a vantagem econômica do empreendimento. A

instituição e a manutenção da SPE são obrigatórias, na implantação e na gestão de um

projeto de parceria público-privada (cf. BRASIL, 2004a).

Serão sócios da SPE, em princípio, o parceiro público e o parceiro privado,

este último como corolário da conclusão de processo licitatório ou da inexigibilidade

ou dispensa de licitação. Tais sócios deverão implantar e gerir, por intermédio de

uma SPE, o empreendimento objeto da parceria.

A maioria do capital votante da SPE constituída em parcerias público-privadas

não pode pertencer ao parceiro público, a menos que ocorra eventual aquisição da

maioria do capital votante da sociedade por instituição financeira controlada pelo Poder

Público, em caso de inadimplemento de contratos de financiamento.

A SPE, oriunda de parcerias público-privadas, pode ser constituída sob a

forma de companhia aberta, com valores mobiliários negociados no mercado, sendo

que outros sócios podem ingressar na SPE, mediante aporte de capital, em

decorrência da aquisição de tais valores mobiliários.

Faculta-se, ainda, a transferência do controle da SPE pelo parceiro privado a

terceiro, mediante prévia e expressa autorização do parceiro público, conquanto que

tal possibilidade esteja prevista no edital de licitação e no próprio contrato de

parceria público-privada.

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A SPE relativa a projetos de parcerias público-privadas, não importando a

forma societária de sua constituição, deve cumprir as regras de governança

corporativa. A utilização da SPE, nas parcerias público-privadas, é motivada pela

necessidade de se segregar o patrimônio e as obrigações dos sócios que compõem

a SPE (parceiro público e parceiro privado) do patrimônio e das obrigações da SPE,

constituída para implantar e gerir o empreendimento decorrente do contrato de

parceria público-privada.

Pode-se apontar, como principal vantagem da utilização da SPE nas

parcerias público-privadas, a segregação do empreendimento objeto da parceria

público-privada do patrimônio ou de outras atividades de seus sócios (a

Administração Pública e o parceiro privado). Há, ainda, a repartição dos riscos do

investimento entre a Administração Pública e o parceiro privado (Artigo 4º, inciso VI e

Artigo 5º, inciso III, da Lei das PPPs).

Constatou-se, também, que a Lei número 11.101/2005 previu a utilização da

SPE na recuperação judicial de empresas. A referida lei priorizou o salvamento e a

recuperação da empresa em dificuldades financeiras, em detrimento de sua simples

liquidação, pelo que estabeleceu meios de recuperação judicial e extrajudicial (cf.

BRASIL, 2005).

A recuperação judicial de empresas tem por objetivo o prosseguimento da

atividade empresarial, através de alguns meios estabelecidos em lei. Um dos meios

de recuperação judicial, estabelecidos no inciso XVI do Artigo número 50, da Lei

número 11.101/2005, é constituição de uma SPE para adjudicar, em pagamento dos

créditos devidos, os ativos do devedor. A SPE, nesta hipótese, ficará encarregada

de honrar o passivo da empresa em recuperação judicial, negociando

independentemente com os credores remanescentes. Será a função da SPE, neste

caso, a recuperação econômica da empresa em processo de recuperação judicial,

sendo sua existência encerrada com a alienação de participações societárias a

terceiros (cf. BRASIL, 2005).

A utilização da SPE, como forma de recuperação judicial de empresa,

pressupõe a aceitação de proposta, ofertada pelo devedor aos credores, de

transferência, total ou parcial, dos ativos da empresa em recuperação, para uma SPE.

A SPE constituída ficará encarregada de honrar, total ou parcialmente, o passivo da

empresa em recuperação judicial, sendo que os credores terão direito à participação

societária na SPE e não direito aos ativos transferidos à SPE pela devedora.

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Embora não prevista na Lei número 11.101/2005, há a possibilidade do

próprio empresário em recuperação judicial organizar uma SPE para saldar as suas

dívidas. A SPE exerceria algumas atividades que auxiliariam a recuperação judicial

da sociedade cujos ativos lhe foram vertidos (cf. BRASIL, 2005).

É apontado como a principal vantagem de utilização da SPE na recuperação

judicial de empresas o fato de a SPE ter sua existência totalmente dissociada da

empresa em crise. Assim, os ativos da empresa em dificuldades, transferidos para a

SPE, caso fossem utilizados outros meios recuperação judicial da empresa, não

teriam a mesma capacidade de contribuir para a recuperação.

Analisou-se, também a utilização da SPE como holding companies, ou seja,

como sociedades que detêm participações societárias de outras empresas,

controlando-as ou não. Nesta situação, as holding companies constituídas sob a

forma de SPE têm como objeto social, único e específico, a participação societária,

seja sob a forma de controle ou não, em outras sociedades. Tratam-se, pois, estas

últimas de holdings puras, posto que o seus objetos sociais cumprem, única e

exclusivamente, um negócio específico: deter e administrar a participação societária

em outras empresas.

Há também a possibilidade de se utilizar a SPE em Project Finance, ou seja,

em modalidade de financiamento no qual o próprio empreendimento se auto-

financia. Os patrocinadores, no Project Finance, constituem uma SPE para

programar e gerir determinado empreendimento. Nesta hipótese, o patrimônio da

SPE é dissociado do patrimônio de seus sócios, sendo o patrimônio da SPE

constituído por aportes de capitais dos patrocinadores, na qualidade de sócios, ou,

de terceiros, na qualidade de financiadores. Caberá à SPE tomar recursos para

viabilização do empreendimento. Terão os financiadores garantias limitadas

(nonrecourse financing structure) dos sócios da SPE, ou mesmo, não terão

quaisquer garantias (limited recourse financing structure) de tais sócios. É o

propósito específico da SPE no Project Finance a implantação e a exploração

direta do projeto objeto do financiamento, estando a duração da referida

sociedade vinculada à conclusão do empreendimento planejado para ser auto-

financiável. A principal vantagem de constituição da SPE em Project Finance é a

absoluta segregação do patrimônio da SPE, em relação ao patrimônio de seus

sócios e patrocinadores do projeto.

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A SPE pode ser utilizada na securitização de recebíveis, ou seja, em

operações nas quais certos ativos são segregados do patrimônio da pessoa que os

originou, sendo, ulteriormente, emitidos títulos representativos do conjunto de ativos.

Na securitização de recebíveis, através da instituição de SPE, esta gerirá o ativo que

lhe será transferido pelo originador, a quem cabe a constituição da SPE. Ela, neste

caso, poderá emitir títulos lastreados nos recebíveis que lhe foram aportados,

captando, no mercado financeiro, recursos, decorrentes da emissão de tais títulos.

Em relação ao propósito específico da SPE na securitização de recebíveis, o

mesmo poderá ser unicamente a captação de recursos, ou, sê-lo-á conjuntamente

com a gestão e implantação de um Project Finance. Os riscos inerentes à captação

de recursos através da securitização de recebíveis, por intermédio de uma SPE, são

mensurados tanto pelo tomador de recursos quanto pelo credor. O tomador contrai

suas obrigações, preservando o patrimônio de seus sócios de eventuais obrigações

não adimplidas perante os credores exclusivos da SPE. Já o credor tem suas

garantias, em relação aos créditos futuros da SPE, dissociadas de obrigações

assumidas pelos sócios da SPE.

Recentemente a Lei número 11.908/2009 autorizou o Banco do Brasil S.A. e

a Caixa Econômica Federal a constituir subsidiárias e a adquirir participação em

instituições financeiras sediadas no Brasil (cf. BRASIL, 2009). Quando forem

realizados os negócios, definidos na norma legal acima citada, com sociedades do

ramo da construção civil, deverá ser constituída uma SPE, para a execução de

empreendimentos imobiliários.

Viram-se, por fim, neste trabalho, breves considerações sobre a figura das

Special Purpose Companies no Direito Norte-americano. Trata-se a SPC, assim

como a SPE, de um veículo estabelecido para conduzir um propósito especificou ou

limitado, criado pelo instituidor (sponsor).

A constituição da SPC no Direito Norte-americano pode adotar quaisquer

das formas societárias permitidas (i.e. corporation, partnership, limited liability

company, trust ou joint venture). A vantagem de utilização da SPC no Direito Norte-

americano assemelha-se àquela já informada em relação ao Direito Brasileiro, ou

seja, a segregação de riscos em um veículo específico.

Dentre as principais utilizações da SPC, no Direito Norte-americano, estão a

securitização de recebíveis, a implantação de Project Finance e o estabelecimento

de parcerias público-privadas.

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Na securitização de recebíveis cria-se uma SPC, para a qual os ativos que

irão lastrear os títulos representativos dos recebíveis serão transferidos. A criação

da SPC tem como objetivo a separação do risco na nova entidade criada, em

relação àqueles que verteram o patrimônio.

Já no âmbito do Project Finance, da mesma forma que no Direito Brasileiro,

no Direito Norte-Americano, os patrocinadores constituem uma SPC para implantar e

gerir determinado empreendimento. No Project Finance, a tomadora de recursos,

para viabilização do empreendimento será a SPC, sendo o patrimônio da SPC

constituído por aportes de capitais dos patrocinadores, na qualidade de sócios, ou,

de terceiros, no caso de financiadores. O patrimônio da SPC é, por conseguinte,

segregado do patrimônio dos sócios que a constituíram, o que enseja a manutenção

do risco do empreendimento na SPC.

No Direito Norte-americano, as public-private partnerships também têm

como objetivo a junção de capitais privados e públicos, para execução de obras e

disponibilização de serviços à população. A SPC, em public-private partnerships, é a

encarregada da implantação e gestão do empreendimento objeto da parceria. As

características e as formas de utilização da SPC no Direito Norte-americano

assemelham-se e aproximam-se das características e formas de utilização da SPE

no Direito Brasileiro.

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