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7º Encontro Paulista de Professores de Jornalismo Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Bauru 20 e 21 de maio de 2016 1 A reportagem multimídia interativa como reflexo de transformações na indústria da mídia e a sua relevância no ensino de graduação 1 Liliane de Lucena ITO 2 (Unesp, Bauru, SP) Resumo O cenário de convergência midiática e cultural acarreta transformações na indústria de mídia; mais especificamente, no caso das empresas jornalísticas de grande porte, percebe-se investimentos de ordem financeira, de tempo e de formação profissional no intuito de se manter a relevância da imprensa, além de expandir a atuação nos meios digitais e, consequentemente, chegar à monetização e novos modelos de negócio. Desse movimento, emergem formatos jornalísticos até então inéditos, com potencialidades de linguagem que podem ser abordadas, inclusive, em sala de aula. Um desses formatos é o da reportagem multimídia interativa, que será apresentada neste trabalho e é objeto da pesquisa em nível de doutorado da autora. Faz-se também reflexões sobre a necessidade de inserção do tema aos alunos já na graduação, como preparo para o mercado. Palavras-chave Reportagem multimídia interativa; jornalismo; reportagem digital; ensino de jornalismo. Introdução Durante a primeira e segunda gerações do jornalismo digital, havia mais limitações do que libertaçõesem termos de possibilidades de inovação na apresentação da informação jornalística. Naqueles tempos, não tão distantes assim, a experimentação já existia, mas era barrada por entraves de ordem técnica, tanto no polo emissor (como a inexistência de certas possibilidades de programação hoje corriqueiras) quanto no receptor (cujo acesso, feito via internet discada, por exemplo, impossibilitava uma navegação perfeita em um ambiente interativo feito em Flash). Assim, as transposições da primeira geração e as adaptações da segunda geração do jornalismo digital (PAVLIK, 2001) são justificadas mais por motivos técnicos do que pela ausência de visão de negócio das empresas de mídia apesar de que este também pode ser apontado como um motivo para o investimento tardio da maioria das empresas 1 Trabalho apresentado no GP Produção Laboratorial Eletrônicos, do 7º Encontro Paulista de Professores de Jornalismo, realizado na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em 20 e 21 de maio de 2016. 2 Pesquisadora bolsista Capes e doutoranda em Comunicação pela Unesp. Jornalista e mestra também pela Unesp. E-mail: [email protected]

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7º Encontro Paulista de Professores de Jornalismo

Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Bauru

20 e 21 de maio de 2016

1

A reportagem multimídia interativa como reflexo de transformações

na indústria da mídia e a sua relevância no ensino de graduação1

Liliane de Lucena ITO2 (Unesp, Bauru, SP)

Resumo O cenário de convergência midiática e cultural acarreta transformações na indústria de mídia; mais especificamente, no caso das empresas jornalísticas de grande porte, percebe-se investimentos de ordem financeira, de tempo e de formação profissional no intuito de se manter a relevância da imprensa, além de expandir a atuação nos meios digitais e, consequentemente, chegar à monetização e novos modelos de negócio. Desse movimento, emergem formatos jornalísticos até então inéditos, com potencialidades de linguagem que podem ser abordadas, inclusive, em sala de aula. Um desses formatos é o da reportagem multimídia interativa, que será apresentada neste trabalho e é objeto da pesquisa em nível de doutorado da autora. Faz-se também reflexões sobre a necessidade de inserção do tema aos alunos já na graduação, como preparo para o mercado. Palavras-chave Reportagem multimídia interativa; jornalismo; reportagem digital; ensino de jornalismo.

Introdução

Durante a primeira e segunda gerações do jornalismo digital, havia mais

limitações do que “libertações” em termos de possibilidades de inovação na

apresentação da informação jornalística. Naqueles tempos, não tão distantes assim, a

experimentação já existia, mas era barrada por entraves de ordem técnica, tanto no polo

emissor (como a inexistência de certas possibilidades de programação hoje corriqueiras)

quanto no receptor (cujo acesso, feito via internet discada, por exemplo, impossibilitava

uma navegação perfeita em um ambiente interativo feito em Flash). Assim, as

transposições da primeira geração e as adaptações da segunda geração do jornalismo

digital (PAVLIK, 2001) são justificadas mais por motivos técnicos do que pela ausência

de visão de negócio das empresas de mídia – apesar de que este também pode ser

apontado como um motivo para o investimento tardio da maioria das empresas

1 Trabalho apresentado no GP Produção Laboratorial – Eletrônicos, do 7º Encontro Paulista de Professores de Jornalismo, realizado na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em 20 e 21 de maio de 2016. 2 Pesquisadora bolsista Capes e doutoranda em Comunicação pela Unesp. Jornalista e mestra também pela Unesp. E-mail: [email protected]

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jornalísticas nacionais numa melhor estrutura de seus sites e numa exploração

condizente das potencialidades do meio – hipertextualidade, interatividade,

multimidialidade, convergência – a fim de se apresentar narrativas jornalísticas que

traduzissem da melhor maneira possível a informação.

Tais limitações passaram a ficar para trás num curto espaço de tempo – cerca de

vinte anos – e estaríamos, atualmente, vivenciando a terceira geração do jornalismo

digital, em que:

Esse estágio é caracterizado por conteúdo noticioso original, desenhado especificamente para a Web como um novo meio de comunicação [...] com plena consciência e tratamento da Internet como um meio legítimo de entrega de notícias [...] com uma vontade de experimentar novas formas de contar histórias, tais como a narrativa imersiva, que permite que o leitor entre e navegue em toda uma reportagem em vez de simplesmente olhar para ela de forma linear [...]. Às vezes, essa narrativa é aumentada com nova tecnologia. Em qualquer caso, o resultado é uma notícia mais contextualizada. (PAVLIK, 2001, p. 43)

Pesquisadores como Barbosa (2008) defendem, entretanto, que os grupos

jornalísticos de vanguarda já estariam imersos em uma quarta geração do jornalismo

digital, em que elementos como mineração de dados, algoritmos, adoção de recursos da

web 2.0, sites dinâmicos, narrativas multimídia, equipes ultraespecializadas, entre

outros, fariam parte de projetos especiais ou até mesmo da maioria de suas publicações

on-line.

O fato é que passamos da fase do jornalismo industrial para um cenário em que

há uma variedade maior de formatos jornalísticos para a web. Estes, por sua vez,

encontram-se pulverizados num ambiente em que diversos atores – profissionais da

informação ou não – disputam a atenção e o tempo de permanência dos usuários.

Segundo o relatório Post Industrial Journalism: Adapting to the Present, a pluralidade é

algo inerente ao meio em questão e há, dessa forma, espaço tanto para notícias curtas,

instantâneas, breaking news quanto para a profundidade em formas narrativas maiores,

passando por uma ampla gama de possibilidades (ANDERSON; BELL; SHIRKY,

2014).

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Se não há grandes entraves de ordem técnica (que marcaram as primeiras

gerações do jornalismo digital), por outro lado, há uma penetração maior das

tecnologias digitais no dia a dia das pessoas. Apesar de ainda desconfiarem sobre muito

daquilo que leem na internet, o meio já ultrapassa o espaço dos veículos impressos

como meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros (42%), ficando atrás

somente da televisão (93%) e do rádio (46%), segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia,

publicada em 2015.

Neste cenário, a inovação é um diferencial importante que pode, inclusive,

implicar novos modelos de negócio, que significam uma melhor rentabilidade financeira

em tempos de queda nas vendas de formatos tradicionais, como o impresso. Tais

inovações estão relacionadas, em nível macro, a um processo de mutações no

jornalismo que, por alguns, são confundidas com a ideia de crise, mas, na verdade,

sinalizam que vivemos um tempo de mudanças estruturais (PEREIRA; ADGHIRNI,

2011) relacionadas à profissão, ao consumo jornalístico e à maneira de se fazer notícia.

A reportagem multimídia interativa – inovar é preciso

Entre as inovações do próprio The New York Times está a reportagem Snow

Fall3, que alia recursos multimídia a uma narrativa evocativa e significou um marco no

webjornalismo. Ganhadora do Pulitzer, Snow Fall teve 2,9 milhões de visitas e 3,5

milhões de page views somente nos primeiros seis dias após a publicação4.

3 Disponível em: < http://www.nytimes.com/projects/2012/snow-fall/>. Acesso em 5 mai. 2016. 4 Disponível em: < http://observatoriodaimprensa.com.br/monitor-da-imprensa/ed746-o-projeto-snow-fall-e-a-o-futuro-do-jornalismo/>. Acesso em 5 mai. 2016.

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Figura 1. Home page de Snow Fall

Reportagens do tipo seguem a premissa básica de não serem meras cópias ou

reproduções de material primeiramente publicado em um outro suporte – geralmente o

impresso – e depois transposto para o digital. São textos jornalísticos pensados para

serem apresentados da melhor maneira possível na internet, em vários tipos de

dispositivos. Utilizam uma grande diversidade de recursos visuais (animações,

infografias, audiovisual, entre outros) a fim de manter a atenção do usuário numa leitura

muito mais extensa do que o que se vê habitualmente na internet.

Segundo Longhi (2014), é a partir de 2012 que ocorre um ponto de virada no

webjornalismo. Em parte ocasionado por conta de avanços técnicos e, por outro lado,

pela aposta de alguns editores de grandes veículos jornalísticos em narrativas

verticalizadas. Presencia-se, então, um momento de maturidade, “ [...] em que se

estabelecem modos de fazer no que se configura como grande reportagem multimídia,

onde características como design, narrativa e navegação se destacam, conferindo

qualidade crescente a tais produtos” (LONGHI, 2014, p. 900).

Já Canavilhas (2014) prefere utilizar a denominação “reportagem paralaxe” por

acreditar que o que a melhor a define é o uso do recurso parallax scrolling, técnica de

webdesign que simula o efeito 3D, muito utilizada na indústria de videogames. Para o

autor, fazem parte desse gênero as reportagens em que, além do uso do parallax

scrolling, existe uma “[...] navegação verticalizada e intuitiva, em conjunto com a plena

integração de conteúdos multimídia” (CANAVILHAS, 2014, p. 8), algo que tornaria a

leitura mais imersiva e envolvente, além de ser facilmente adaptável a diversos formatos

de tela.

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No Brasil, o Grupo Folha tem se dedicado a publicar reportagens multimídia seja

pelo site da Folha de S. Paulo (folha.uol.com.br), cujo exemplo mais expressivo é o

especial sobre a construção de Belo Monte5, seja no site do Uol (uol.com.br), portal de

informações que é o quinto em audiência no país6, por meio da série semanal de

reportagens TAB7.

Há também reportagens multimídia interativas em outros veículos, como O

Estado de S. Paulo e O Globo, o que sinaliza uma popularização do formato junto às

grandes empresas jornalísticas do Brasil.

Figura 2. Edição da série de reportagens TAB

Entretanto, mesmo com a recorrência do formato em vários veículos, seria

vantajoso para as empresas de mídia investir em reportagens que, muitas vezes,

requerem o deslocamento de equipes inteiras e custo elevado de produção? A edição

especial da Folha de S. Paulo sobre Belo Monte envolveu o trabalho de 15 profissionais

e levou dez meses até ser concluída. Esta é uma das perguntas que a pesquisa em

questão, em nível de doutorado, busca responder. Até o momento, entretanto, foi

possível chegar a resultados – ainda inconclusivos, mas já significativos – que mostram

que há uma preocupação das empresas de mídia de grande porte em não ficar para trás

5 Disponível em: <arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/>. Acesso em 5 mai. 16. 6 Segundo dados do Alexa. Disponível em: <http://www.alexa.com/siteinfo/uol.com.br>. Acesso em Acesso em 5 mai. 16. 7 Disponível em: <tab.uol.com.br>. Acesso em 5 mai. 16.

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no ambiente digital – e a experimentação de novos formatos, como o da reportagem

multimídia interativa, parece ser um dos meios para se chegar a novos modelos de

negócio.

Após observação não-participante em redações do Grupo Folha e do Grupo

Estado, foi possível notar que, mesmo que não haja respostas claras sobre a viabilidade

desse tipo de formato a longo prazo, a intenção é encontrar formas de oferecer esse tipo

de conteúdo de maneira mais ágil e otimizada – em relação a custos e tempo. Mas, após

o marco Snow Fall, há mesmo uma preocupação dos veículos jornalísticos em testar

novas linguagens e formatos de apresentação de conteúdo.

Entretanto, o que se pode perceber até o momento é que o investimento em

novos formatos está relacionado tanto a transformações na esfera da produção quanto a

mudanças muito recentes na esfera do consumo. No caso da produção, o que se vê é

uma especialização maior dos funcionários destacados para produzir esse tipo de

material jornalístico – a reportagem multimídia interativa – além da necessidade de se

incluir tecnoatores (CANAVILHAS, 2014) com outras formações que vão além da do

jornalista e do designer. Assim, profissionais como programadores, videografistas e até

estatísticos são incorporados à redação. Ou, então, existe a possibilidade de aposta em

redações híbridas (em parte analógicas e em parte digitais), em que há a possibilidade

de ressemantização dos conceitos e cânones da profissão (XAVIER, 2014).

Em relação à esfera de consumo, destaca-se a importância cada vez maior da

produção pensada não somente para atender a um perfil de público planejado, mas,

acima de tudo, ao contexto de acesso a uma determinada informação jornalística.

Assim, as empresas de mídia esforçam-se para descobrir como adaptar narrativas para

os diversos momentos e dispositivos de acesso – se é feito via dispositivo móvel, deve-

se levar em consideração qual é o tamanho da tela que o usuário utiliza, algo que pode

estar também relacionado ao contexto de uso. Assim, a leitura via desktop ou tablet

pode vir a priorizar narrativas mais imersivas, como a da reportagem multimídia

interativa ou de outros textos long form, como o que se vê em blogs especializados, por

exemplo, enquanto que a leitura via smartphone é de caráter mais furtivo e descartável,

estando ligada ao consumo de “pílulas de informações” em uma timeline, ao estilo dos

tweets de 140 caracteres.

Outro aspecto essencial para a presente investigação é a compreensão da

importância do layout para o formato jornalístico em questão. A fim de se diferenciar de

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outras narrativas aprofundadas e longas, a reportagem multimídia interativa costuma

oferecer experiência de navegação aliada a aspectos técnicos de layout que são

constantes em diversas iniciativas nacionais e internacionais. Assim, o aspecto gráfico

tem grande relevância a este estudo. Entre os resultados obtidos por meio de fases

exploratórias da pesquisa, observou-se que itens como a responsividade (ZEMEL,

2012) ou adaptabilidade do layout para diferentes telas, o design impactante construído

para cada narrativa, o apoio no audiovisual e a interatividade estabelecem-se como

obrigatórios.

Entretanto, ao mesmo tempo em que a sofisticação do layout e da experiência de

leitura são característicos, é exatamente nesse ponto do processo de produção (o da

programação e o da modelagem 3D – quando existente) que alguns entraves costumam

surgir, tanto relacionados a tempo quanto a custo.

Figura 3. Exemplo de modelagem 3D na reportagem O Museu do Amanhã, do jornal O Globo

Por outro lado, a experimentação do formato pode atingir um ponto de

consolidação a partir do momento em que se consegue monetizar em cima dessas

narrativas multimídia e interativas, algo que já ocorre com determinados projetos, como

é o caso do TAB, do Uol, além de projetos pontuais da Folha e do Estadão. Apesar de a

fórmula do negócio ainda se basear no que tradicionalmente sempre trouxe receita a um

veículo jornalístico – no caso, a publicidade – a entrega da mesma, na reportagem

multimídia interativa, é também feita em uma nova configuração.

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O caso do TAB é emblemático: além de ser a única amostra nacional de

reportagem interativa multimídia que possui patrocinador fixo, a publicidade surge em

dois momentos da leitura. Logo no início, quando a página “trava” em um microvídeo

de 5 segundos que deve ser assistido para se acessar o restante do texto, e no final, num

vídeo opcional de 30 segundos. Se o usuário aprova tal tipo de intervenção é algo que

ainda não se chegou a compreender nesta investigação (mas que deverá ser

posteriormente estudado), mas o fato é que o TAB já está em sua 66ª edição com

patrocínio de grandes marcas como Vivo, Jeep e IBM.

Os nativos digitais: de leitores a (possíveis) futuros produtores

Haveria um perfil de público mais propenso a consumir reportagens digitais em

detrimento de reportagens impressas (ainda mais que estas, por sua vez, tornam-se cada

vez mais escassas por conta da limitação espacial)? Ainda não foi feito, na academia,

um estudo pormenorizado que se dedicasse a entender como se dá a recepção desse

material conforme segmentações por idade, gênero ou classe social – algo que surge

como uma possibilidade da presente pesquisa. Entretanto, já foi possível categorizar,

por meio de observações sistematizadas (com corpus e recorte de periodização

determinados), que alguns veículos jornalísticos tendem a enfocar temáticas

direcionadas ao público adulto jovem quando se trata da reportagem multimídia

interativa. É o caso, mais uma vez, das reportagens apresentadas pelo TAB. Uma das

hipóteses é a de que isso ocorra exatamente pela naturalidade dos nativos digitais em

compreender inovações em formatos jornalísticos, além do fato de estarem

potencialmente mais conectados à internet do que o público de mais idade. Entretanto,

reconhece-se que há uma necessidade de investigações mais profundas antes de

quaisquer generalizações nesse sentido.

Por outro lado, como docente do curso de Comunicação Social – Jornalismo –

da Unesp8, foi possível notar tanto uma carência na introdução do tema aos alunos

quanto dificuldades técnicas de produção desse tipo de formato que vem se

consolidando. Obviamente, uma das causas é que se trata de um formato muito novo,

que surge com mais frequência e força a partir de 2013 no Brasil. Além do fato de não

8 A autora tem como prática docente a experiência nas seguintes disciplinas: Jornalismo Impresso I, Planejamento Gráfico e Editorial I e Jornalismo Impresso III, ministradas entre 2014 e 2016 na Unesp, campus Bauru (SP).

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haver disciplinas que busquem inserir conhecimentos técnicos não-jornalísticos (como

linguagens de programação ou edições avançadas de vídeos e infografias), cabendo ao

aluno que deseje se especializar buscar por si mesmo esse tipo de formação, ou até

mesmo devido às limitações estruturais (em relação a softwares, por exemplo) que

impedem a realização plena de exercícios de reportagem multimídia interativa na

graduação.

Entretanto, acredita-se que tais entraves deveriam ser superados, uma vez que o

mercado de trabalho busca, no caso desse tipo de produção, por profissionais

ultraespecializados, que tenham ao menos o conhecimento das possibilidades de

linguagens técnicas de programação. Não é preciso saber programar em HTML5, mas

ter uma noção das potencialidades dessa ferramenta ajuda a integrar o jornalista ao

processo produtivo como um todo.

É certo que o surgimento veloz de transformações em gêneros e formatos

jornalísticos pode não ser acompanhado no mesmo ritmo tanto pela academia quanto

pelas instituições de ensino. Entretanto, investir em iniciativas que apresentem e

introduzam essas transformações aos alunos pode ser potencialmente um diferencial no

tocante às competências técnicas e profissionais desse futuro jornalista.

Uma experiência em particular mostrou que é possível – e necessário – buscar

trazer essas atualizações de formato e linguagens do mercado para a sala de aula: um

grupo de alunos do terceiro ano de Jornalismo decidiu fazer uma produção no formato

digital que trouxesse aspectos da reportagem multimídia interativa. Mesmo sem

conhecimentos técnicos de linguagem de programação, algo contornado por conta da

adoção de uma plataforma simplificada, porém gratuita de publicação9, eles se

depararam com problemáticas de produção que vão da pauta à publicação, em um

exercício válido para o futuro profissional.

9 A plataforma utilizada pelo grupo foi a Readymag (readymag.com)

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Figura 4. Produto digital feito de maneira experimental por alunos da Unesp

Assim, tiveram de fazer planejamentos e execução próximos ao que se faz numa

reportagem multimídia interativa. Dessa forma, pensaram não em um “boneco”, mas em

uma paginação verticalizada, hiperlinks e em toda a arquitetura de informação do

produto que se dispuseram a realizar; precisaram buscar a melhor forma de apresentar a

informação, explorando a potencialidade do meio ao máximo (com o apoio de recursos

audiovisuais para demonstrar processos, por exemplo); tiveram de encontrar elementos

de layout que os aproximassem do nível profissional característico de uma reportagem

digital. O resultado, obviamente, possui pontos fortes e fraquezas, mas se traduziu como

uma possibilidade de inserção de formatos muito novos – como o da reportagem

multimídia interativa, em sala de aula. Estar atento não somente a este, mas a outros

formatos jornalísticos que emergem dessa nova economia de mídia é uma ótima forma

de preparar os alunos com mais dinamismo para o mercado de trabalho.

Considerações finais

Aqui, buscou-se apresentar a reportagem multimídia interativa como formato

jornalístico novo, que surge e se consolida a partir de transformações de ordem

econômica e tecnológica que impactaram a indústria da mídia, mais precisamente os

veículos jornalísticos. A reportagem multimídia interativa é possibilitada no estágio

atual do jornalismo digital e traz uma oxigenação à produção jornalística pautada por

textos curtos, hiperlinks e inexistência de fechamento, uma vez que vai exatamente na

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contramão de tais características: é composta por textos long form, esmero na

apresentação gráfica, uso de recursos multimidiáticos e de interatividade, e produção

com início, meio e fim, realizada por equipes ultraespecializadas.

Foram apresentados, mesmo que de forma sucinta por conta da limitação de

espaço, alguns dos principais pontos que estão sendo investigados na presente pesquisa,

em nível de doutorado. Vale salientar que trata-se de um estudo em pleno andamento e,

por conta disso, é natural e possível que haja tanto confirmações quanto

desdobramentos não planejados e evidenciados neste paper.

Por fim, tentou-se fazer uma reflexão que mostrasse a necessidade e viabilidade

da inserção de novos formatos em sala de aula, uma vez que este trabalho insere-se num

grupo de outros trabalhos que debruçam-se sobre a docência em jornalismo. Considera-

se possível e necessária, mesmo que sejam feitas adaptações do ponto de vista

instrumental, a inclusão do formato da reportagem multimídia interativa como um dos

temas de disciplinas como Jornalismo Digital, por exemplo, no caso de cursos que ainda

não trabalhem este formato em específico.

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Referências ANDERSON, C.W.; BELL, E.; SHIRKY, C. Post-Industrial Journalism: Adapting to the Present. Columbia Journalism School. Tow Center for Digital Journalism, 2014. Disponível em: <http://towcenter.org/research/post-industrial-journalism-adapting-to-the-present-2/>. Acesso em 1 mar de 2016. BARBOSA, S. Modelo JDBD e o ciberjornalismo de quarta geração. 2008. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/jol/pdf/2008_Barbosa_RedUCMx.pdf>. Acesso em: 16 fev de 2016. CANAVILHAS, J. A reportagem paralaxe como marca de diferenciação da Web. In Paula Requeijo Rey y Carmen Gaona Pisonero, Contenidos innovadores en la Universidad Actual, pp. 119-129. Madrid: McGraw-Hill Education, 2014. CANAVILHAS, J.; SATUF, I.; LUNA, D.; TORRES, V. (2014). Jornalistas e tecnoatores: dois mundos, duas culturas, um objetivo. Esferas. Ano 3, no 5, Julho a Dezembro de 2014, p. 85 a 95. LONGHI, R. O turning point da grande reportagem multimídia. Famecos, v. 21, n. 3, p. 897-917, set.-dez. 2014. Porto Alegre. PAVLIK, J. Journalism and new media. New Youk: Columbia University Press, 2001. PEREIRA, F.; ADGHIRNI, Z. O jornalismo em tempos de mudanças estruturais. Intexto, v. 1, n. 24, p. 38-57. Porto Alegre: UFRGS, 2011. XAVIER, J. Redações desterritorializadas e as possibilidades de modelagem de narrativas objetivas, concretas e factuais. In: BRONOSKY, M.; CARVALHO, J. Jornalismo e Convergência. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. ZEMEL, T. Web Design Responsivo Páginas adaptáveis para todos os dispositivos. São Paulo: Casa do Código, 2012.