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A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO COMO UM DOS ENFOQUES DE ANÁLISE DA VIOLÊNCIA ESCOLAR Joyce Mary Adam de Paula e Silva. 1 Leila Maria Ferreira Salles. 2 Resumo Este estudo tem como um de seus pressupostos que, den- tre os diferentes aspectos que envolvem a violência escolar, a relação entre professores e alunos constitui-se elemento importante. Uma das questões abordadas no trabalho refere-se à pressão e ao medo que a instituição escolar sente em relação aos alunos e familiares, bem como em relação ao entorno da escola, fazendo com que esta trans- fira para órgãos de combate ao crime questões que são de natureza pedagógica. Nesse sentido, a discussão da identidade do professor enquanto educador tem um papel relevante, na medida em que, ao considerar as situações de conflito provocadas unicamente por variáveis externas à escola, deixa de ter uma ação pedagógica, criando uma distância em relação aos alunos e famílias. Outra questão abordada no trabalho é o medo e stress a que o professor se sente submetido, ocasionando uma constante atitude de defesa em relação aos alunos. Palavras-chave: Relação professor-aluno. Violência esco- lar. Identidade do professor. Abstract One of the main aims of this paper is that relationship between teachers and students is one of the important ele- ments in the discussion about school violence production and reproduction. e pressure and fear that the school feels toward the students and their families, as well toward 1 Profa. Dra. Departamento de Educação- Universidade Estadual Paulista-Brasil-UNESP. [email protected]. Endereço: Avenida Dois Córregos, 2599- Piracicaba, São Paulo Brasil CEP 13420-835. Fones: 55-1934141070, Fax. 55-1934141979. Projeto de Pesquisa Finan- ciado pela CAPES E FAPESP. 2 Prof. Dra. Departamento de Educação- Universidade Estadual Paulista-Brasil-UNESP

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A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO COMO UM DOS ENFOQUES DE ANÁLISE DA VIOLÊNCIA ESCOLAR

Joyce Mary Adam de Paula e Silva.1

Leila Maria Ferreira Salles.2

ResumoEste estudo tem como um de seus pressupostos que, den-tre os diferentes aspectos que envolvem a violência escolar, a relação entre professores e alunos constitui-se elemento importante. Uma das questões abordadas no trabalho refere-se à pressão e ao medo que a instituição escolar sente em relação aos alunos e familiares, bem como em relação ao entorno da escola, fazendo com que esta trans-fi ra para órgãos de combate ao crime questões que são de natureza pedagógica.Nesse sentido, a discussão da identidade do professor enquanto educador tem um papel relevante, na medida em que, ao considerar as situações de confl ito provocadas unicamente por variáveis externas à escola, deixa de ter uma ação pedagógica, criando uma distância em relação aos alunos e famílias. Outra questão abordada no trabalho é o medo e stress a que o professor se sente submetido, ocasionando uma constante atitude de defesa em relação aos alunos.Palavras-chave: Relação professor-aluno. Violência esco-lar. Identidade do professor.

AbstractOne of the main aims of this paper is that relationship between teachers and students is one of the important ele-ments in the discussion about school violence production and reproduction. Th e pressure and fear that the school feels toward the students and their families, as well toward

1 Profa. Dra. Departamento de Educação- Universidade Estadual Paulista-Brasil-UNESP. [email protected]. Endereço: Avenida Dois Córregos, 2599- Piracicaba, São Paulo Brasil CEP 13420-835. Fones: 55-1934141070, Fax. 55-1934141979. Projeto de Pesquisa Finan-ciado pela CAPES E FAPESP.

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its surroundings may transfer responsibilities that are in-herent to the educational system, because of their peda-gogical nature, to public organs of crime prevention and crime combat,. Th is is a signifi cant issue carried out in this research and presented in this paper.Th e issue of the teacher’s identity as an educator has a relevant role in this discussion, when he/she considers the situations of confl ict beyond his/her duties. Th e fear the teacher feels pushes him/her away from the students and away from the pedagogic action. Another issue also ap-proached in this paper is that the fear and stress the teach-er is submitted to puts him/her in a constant self defense stance towards the students.Keywords: Relationship between teacher and student. School violence. Teacher’s identity.

INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda duas questões centrais na discus-são sobre a violência escolar que são: a) a violência escolar produzida e reproduzida por meio das relações que se estabelecem entre profes-sores e alunos e entre estes e a instituição escolar; b) a identidade do professor enquanto educador e a criminalização do que Debarbieux (2002) chama de incivilizações no interior da escola.

A relação entre professores e alunos e a relação destes com a instituição escolar está sendo considerada aqui como um elemento importante na discussão da produção e reprodução da violência esco-lar. Observa-se que a pressão e o medo sentido pela escola em relação aos alunos e familiares, bem como em relação ao seu entorno, fazem com que ela transfi ra para órgãos de combate ao crime questões que são de natureza pedagógica. Esse é um dado signifi cativo na pesquisa realizada e que será apresentada neste trabalho.

A questão da identidade do professor como educador tem um papel relevante nessa discussão, na medida em que, ao considerar as situações de confl ito como alheias a suas atribuições, ele deixa de ter uma ação pedagógica, criando uma distância em relação aos alu-nos. Outra questão abordada no trabalho é o medo e stress dos profes-sores que ocasionam uma constante atitude de defesa em relação aos alunos, devido às ameaças a que se sentem submetidos.

O estudo foi desenvolvido em duas escolas do município de Rio Claro, interior do Estado de São Paulo, Brasil. Uma das escolas

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situa-se em um bairro periférico da cidade, que caracteriza-se por ser um bairro bastante carente de recursos de infra-estrutura e habitado por pessoas de baixa renda. A outra escola situa-se em um bairro mais central da cidade, mas que tem como alunos adolescentes que vivem na periferia da cidade, inclusive dos mesmos bairros em que moram os alunos da escola anteriormente citada. Isto é, a origem sócio-econômica dos alunos das duas escolas é a mesma.

Os professores, como pode ser observado em seus depoi-mentos, responsabilizam em grande medida a desestruturação familiar e a situação geral de violência na sociedade pelo com-portamento incivilizado ou agressivo dos alunos na escola; em nenhum momento fi zeram qualquer autocrítica sobre a contri-buição da escola para esses comportamentos.

A difi culdade de interação com as famílias e a atitude de confronto com os alunos em geral e, em especial, com os que apre-sentam “problemas comportamentais”, são aspectos observados na pesquisa realizada e que provocam uma situação cada vez mais complexa das interações no ambiente escolar.

A criminalização das situações de confl ito entre alunos e entre esses e professores e direção da escola parte tanto do senti-mento de insegurança por parte desses últimos, como também de preconceitos e inabilidade para resolver as situações que se apre-sentam no cotidiano. Como afi rma Body-Gendrot (2002):

O medo da violência física direta provém da atenção dada pela mídia a toda uma série de situações tidas como insu-portáveis, bem como a qualquer tipo de comportamento anômalo, muitas vezes aglutinado sob o termo genérico incivilidade. Esses dois termos parecem ser intercambiá-veis na semi-ótica da mídia (Milburn, 2000). Mas a vio-lência tem uma dimensão qualitativa, no dano causado por ela à integridade social, enquanto a incivilidade enfa-tiza o aspecto quantitativo, por meio da difusão invisível das várias transgressões que permeiam os poros do corpo social. A incivilidade recebe como resposta uma política de controlar os espaços e a exigência de maior responsabi-lidade civil e de punições mais severas. ( p.165)

Assim, a criminalização de confl itos com os alunos, que poderiam ser resolvidos pela própria escola, passam a ser tratados por outros órgãos que se dedicam a coibir e reprimir crimes, no

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caso do Brasil as promotorias e a polícia, criando uma relação de hostilidade entre professores, direção, alunos e pais.

METODOLOGIA DO ESTUDO

Neste estudo, que se caracteriza por ser de natureza quali-tativa, foi autilizada a metodologia de “entrevista de grupo”. As en-trevistas em grupo consistem em uma metodologia de pesquisa que permite a coleta do discurso dos participantes sobre a sua realidade, forçando a verbalização de idéias e experiências.

A metodologia de análise dos dados utilizada foi a análise de conteúdo ( Bardin, 2000). A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa obter, por procedimen-tos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou qualitativos) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens (Bardin, 2000, pág. 42). Um importante elemento da análi-se de conteúdo são os núcleos de sentido, que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqência de aparição, podem ter um signifi cado para o objetivo a ser atingido explicitando sentimentos e impressões que auxiliam na compreensão da situação estudada.

As questões geradoras dos debates nos grupos foram: quais são as situações de violência mais comuns vivenciadas na escola; quem estabelece as regras de convivência na escola; que tipo de sanções têm sido aplicadas com mais frequência na escola; quem estabelece as san-ções; que tipo de aluno costuma apresentar mais problemas; se existe uma correlação entre desempenho escolar e comportamento do alu-no; em que espaços os professores discutem os problemas havidos com os alunos; se realizam trabalhos interdisciplinares; relação dos professores com os pais e a relação com a violência escolar.

Das questões colocadas aqui, foram objeto de análise neste trabalho as que se referem aos aspectos da relação do professor com o aluno e a violência escolar.

Na escola número 01, participaram da entrevista 22 pro-fessores, o vice-diretor e o diretor. Os professores mostraram-se bastante interessados em discutir a violência na escola e percebeu--se uma apreensão muito grande dos mesmos e da direção da es-cola sobre essa questão. Na escola número 02, participaram da entrevista 11 professores, a coordenadora pedagógica e o diretor, sendo cinco professores e seis professoras.

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ANÁLISE DOS DADOS: A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E A VIOLÊNCIA ESCOLAR

Iniciamos nossa análise destacando que, em sua maioria, os professores ao falarem de sua relação com os alunos, colocam como principal “queixa” que os mesmos não respeitam o pro-fessor e não valorizam a escola. Essas afi rmações, como veremos ao longo deste texto, está presente tanto na fala dos professores quanto na da direção da escola.

Embora tenhamos encontrado professores comprometi-dos o processo educacional dos alunos e casos em que são res-peitados e considerados como “bons professores”, uma parte sig-nifi cativa apresenta difi culdades de relacionamento, tanto com o aluno como com suas famílias.

Em geral, pudemos constatar que “bom professor” foi considerado aquele que “respeita o aluno”. Quando questiona-dos sobre o conceito de respeito, os alunos disseram que seria: não gritarem com eles, não xingarem, atender e responder às perguntas que os alunos fazem sem reclamar.

A princípio, parecem questões básicas, que fariam parte da relação cotidiana entre professor e aluno, mas que devido as relações tensas e os confl itos constantes, fazem com que as relações de “respei-to” reivindicadas tanto por professores como por alunos não ocorram.

Assim, abordaremos aqui dois aspectos centrais dessa relação entre escola e alunos, dados que foram coletados em nossa pesquisa, que apontam para a criminalização dos confl itos entre alunos e escola e a abdicação da tarefa de educar que esta última deve ter.

Como já foi apontado na introdução deste artigo, a crimi-nalização de confl itos com os alunos, que poderiam ser resolvidos pela própria escola, passam a ser tratados por outros órgãos que se dedicam a coibir e reprimir crimes, criando uma relação de hosti-lidade entre professores, direção, alunos e pais.

Para reforçar a recorrência de tal situação apresentamos a seguir o depoimento do diretor de uma das escolas pesquisadas:

Diretor: Duas alunas brigaram num Domingo, lá na La-goa Seca que é onde eles moram. Na hora do jogo do Brasil que tava soltando aqueles rojão(sic), brigaram vie-ram resolver aqui dentro. Eles brigam fora e vem resolver

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aqui dentro da escola. Aquelas duas que tiveram uma briga lá fora, eu fi z um B.O contra a família das duas, a delegada não quis aceitar que eu fi zesse B.O contra elas, mas elas constrangeram a vizinhança. A vizinhança acha ruim com a escola. Estou fazendo este B.O pelo constrangimento que causaram a escola. A delegada dis-se “Então tudo bem, eu vou aceitar o seu B.O, mas o senhor oriente estas mães se elas não se interessam em fazer exame de corpo delito, aí eu toco pra frente.” Aí eu registrei. Mas este problema tinha começado lá na gan-daia onde eles tavam no fi nal de semana.

O apelo aos boletins de ocorrência, - o B.O.,- é uma me-dida constante e vem reafi rmar o que falamos antes sobre a ten-dência da escola de criminalizar o aluno, que parece também se estender para as suas famílias:

Diretor: Você devia parar e fazer um B.O imediatamente. Porque existe um código penal, que ofender um funcio-nário público no exercício de suas funções, etc e tal. Nós fechamos o portão por volta de uma hora, ele (pai) en-trou com a fi lha. Aproveitou, porque se a Zefa (inspetora) tivesse aqui, ela não teria deixado ele entrar. Porque nós temos um trato, se um pai quer falar com tal professor a gente consulta o professor pra ver se ele vai poder atender ou não. Pode, pode, se não pode o pai vai esperar e vai vol-tar uma outra hora qualquer. Porque eu mandaria pedir uma viatura aqui urgente.

Diferentes depoimentos, tanto de professores como da di-reção das escolas, reforçam a recorrência da atitude de criminalizar confl itos que poderiam ser resolvidos pela própria escola. Os se-guintes depoimentos ilustram tal situação:

Professor: Eu tive o caso de uma aluna que me desacatou. Eu tava dando prova. E ela tava colando e eu tirei a prova dela, ela mandou eu enfi ar a prova naquele lugar, eu falei repete, ela repetiu, ai eu falei pro Vice-diretor que chamas-se a ronda, porque isso é desacato, não é? E aí eu fui pra Delegacia. Ela foi também, ela ouviu o maior sermão do delegado, na minha aula melhorou bastante.

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Diretor: Não sei se estou usando demais a palavra de vo-cês, quem deve falar agora são vocês não eu, mas toda vez que se fala em chamar a policia, eles tem medo, por que um deles da família sempre tem um que já com rabo preso na policia e não quer aparecer de jeito nenhum, eles tem pavor de falar que terá participação da policia.

A atitude de chamar a polícia para resolver os confl itos na escola, como já afi rmado anteriormente, exime a mesma de sua responsabilidade educativa e criminaliza os confl itos, impossibili-tando, a partir daí, o diálogo entre as partes.

Essa impossibilidade de diálogo cria um distanciamento entre professores, alunos e famílias, provocando uma reação de hostilidade. Tal hostilidade contribui para provocar no professor o sentimento de intimidação, tanto em relação aos alunos quanto em relação aos pais, fazendo com que o mesmo se sinta desprotegi-do no ambiente escolar, principalmente em escolas localizadas em bairros onde existe acentuada criminalidade:

Professora: Este aluno, quando ele chegou na oitava sé-rie, num dado momento durante as aulas, não em uma aula só, mas nas aulas subsequentes, eu pedia pra ele co-locar as coisas dele em ordem, anotações, textos, pra que ele pudesse se inteirar e dar continuidade, ele se sentiu aborrecido com isto. Ele não demonstrou muito assim fi -sicamente, mas não gostou. Eu sempre conversava, mas eu exigia muito, porque a classe já era uma classe com problemas, uma oitava série B, na parte da manhã. Então o que aconteceu, ele não gostou muito disso daí, se sentia incomodado com isso. Uma vez na parte da manhã mes-mo, eu estava conversando com uma mãe de uma aluna, isto de uma outra classe, e ele rodando fora da sala de aula, com outros colegas que também não são referências positivas aqui na escola, e ele tava com um projétil de uma arma na mão, não sei qual calibre, talvez calibre 32, 38, não sei. Eu conversando com a mãe ali, ele falou isto aqui é pra sua cabeça. Na hora como eu tava preocupado com a mãe, ali por causa de um problema sério, eu não me senti intimidada, tive até vontade de dar uma resposta pra ele, assim de bate e pronto, mas é que a mãe também tava ali, eu não ia fazer isto daí. Mas depois a gente vai pensando,

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pensando e disseram que este aluno era de uma índole, de baixa qualidade mesmo, então não era bom se meter com ele.

O medo, que apareceu com bastante frequência nas falas de professores , medo de ser agredido fi sicamente, medo de serem roubados ou terem seus carros danifi cados, ou então, de ter um fi lho ou parente ameaçado pelos alunos, em geral, não aparece na fala dos funcionários, como demonstra a seguinte fala de um deles:

É tudo mentira eles só falam pra pressionar. Eles falam mas a gente não sabe até que ponto. Porque uma vez, quando eu entrei aqui, eu ia passando, eu falei “vai pra sala de aula, não sei o quê.” E dai um menino falou “como vai seu fi lho?”, assim que eu virei as costas eu falei pra ele “meu fi lho vai bem, e vai continuar bem, por que se você tocar num fi ozinho de cabelo dele, se acontecer alguma coisa com ele, se vai zelar por ele, porque se acontecer alguma coisa com ele, eu vou vir direto em você.” Eu coloquei ele numa situação que ele tinha que cuidar do meu ainda.

Boa parte dos alunos se identifi ca com funcionários das escolas estudadas e se entendem bem com eles, assim como com alguns professores que, segundo os alunos, têm uma relação maior de “respeito” com eles.

Apesar da situação de ameaça e medo pela qual passam os professores, alguns ainda acreditam na possibilidade do diálogo, mesmo diante de uma provável agressão, como fi ca demonstrado no seguinte depoimento:

Professora 1: Teve um aluno, que não lembro o que acon-teceu. Eu acho que pedi para ele entrar na sala algumas vezes e ele não me obedeceu, e eu entrei na sala e voltei para buscá-lo, eu falei ou você entra ou eu vou lá pegar advertência pra você. Quando eu tava descendo, ele me apontou e falou “eu vou colocar o não sei o que na sua cabeça tal dia, eu não ouvi o que, mas eu fi quei morrendo de medo do que era, porque do jeito que ele falou eu vou colocar um não sei o que na sua cabeça”, na hora eu achei que tinha ouvido um revólver, então eu parei e pensei, meu Deus o que eu faço agora. Eu chamei a polícia, por-que eu não sei se ele falou revólver ou não. Se ele falou eu

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estou em perigo, se ele não falou, ele tá me ameaçando de alguma forma, porque alguma coisa ele ia fazer. Foi a primeira vez, o aluno, quando ele percebeu que realmente a polícia, ia vir, demorou cinco minutos eles já estavam aqui, quando eu percebi que ele fi cou muito revoltado, eu não percebi que ele tava com medo dos policiais, eu percebi que ele tava se revoltando contra mim, mas eu conversei com o policial e o policial conversou com ele. Eu fi z o que o policial me disse que era pra fazer, fi car na sala dando aula que ele ia lá falar com o aluno. Ai eu per-guntei “será que precisa conversar eu, você e ele junto?” O policial falou “não, não há necessidade”, o aluno já está lá embaixo, tá tudo bem, o aluno falou que não vai mais fa-zer isso, ele falou que não era revolver o que ele tava falan-do. Mas pra mim não tinha resolvido a situação. Eu não tinha conseguido falar com o aluno, um policial que foi lá. Ai eu deixei o policial ir embora, eu terminei a aula ai, eu desci e fui conversar com o aluno, ele estava extremamente revoltado. Ele não olhava pra mim, eu conversava com ele e ele abaixava a cabeça. Ele não conseguia levantar o rosto pra falar comigo. Eu deixei ele mais um tempo lá sozinho, depois eu desci de novo numa outra aula, tentar conver-sar com ele. Daí nós conversamos, ele contou a vida dele, mudou a história, ele me pediu desculpas. Então assim, eu não sei se a conversa com o policial fosse tão necessária neste momento, não sei se eu não tivesse ido conversar com ele, descido duas ou três vezes, tinha resolvido a situ-ação. Talvez teria fi cado pior ainda. Talvez a polícia ajude sim em alguns casos, mas as vezes atrapalha em outros, depende do momento.

A dúvida sobre o perigo que correm ao contestar e enfren-tar os alunos, e o medo mediante as ameaças, que nem sempre são explícitas, faz com que professores e direção da escola tenham uma atitude de desconfi ança e distanciamento que, em muitos momentos, contribui para agravar a situação. Ao supor a possibilidade de uma agressão física por parte do aluno o professor exclui o diálogo como alternativa à resolução do confl ito e repassa o processo educativo para outras instituições como polícia, conselhos tutelares, direção, etc.

Os professores e a direção foram unânimes em afi rmar que o relacionamento com os alunos e com a comunidade externa me-lhorou depois da vinda da atual inspetora de alunos, a Zefa, que

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começou como voluntária, ganhando uma cesta básica e que depois se tornou inspetora de alunos. Essa senhora é muito respeitada pe-los alunos, como já apresentado anteriormente, e conhece tanto os criminosos do bairro como as famílias dos alunos. A seguinte fala do diretor atesta tal fato:

Diretor: Quando estava no auge daquelas rebeliões do PCC3, eles fi zeram um buraco enorme no muro, até veio um grandão que me ameaçou de morte se eu chamasse a viatura pra ele. Aí, nós convocamos os pais pra fazer reu-nião e surgiram as voluntárias. Aí, a gente foi liberando dinheiro pra consertar o muro. Depois que veio as volun-tárias diminuiu bastante a invasão, quase em setenta por cento.

A percepção dos professores e direção parece ser a de que a escola tem muitos alunos envolvidos com o crime organizado pois, segundo o diretor: “aqui a gente tem bem uns vinte alunos, envolvidos com o crime organizado. Com drogas, rouba, faz de tudo”. No entanto, os funcionários parecem ter uma percepção di-ferente, pois estes moram onde os alunos moram e discordam que tenha um número signifi cativo de alunos envolvidos com o crime organizado, acreditando que essas falas dos alunos são somente um discurso para intimidar os professores e direção.

Body-Gendrot (2002) chama a atenção para esse aspec-to, afi rmando que a resposta adulta, encarnada na justiça, tem pouca credibilidade e que pode-se até ter a sensação de que essa resposta ajuda a incentivar as “carreiras delinquentes” de vários jovens. Considera que a ruptura social na saída judicial e policial é prejudicial para os jovens e propõe a implementação de programa de solução de confl itos e cooperação, utilizando o termo de gover-nança escolar, envolvendo a cooperação entre os setores públicos, privados e associativos.

A visão dos professores é a de que os alunos não têm res-peito com o professor e não valorizam a escola. Alguns conside-ram que existem alunos que não deveriam estar na escola como demonstra a fala da seguinte professora.

3 PCC (Primeiro Comando da Capital): organização criminosa ligada ao tráfi co de drogas no Brasil

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Tem alguns alunos que não deveriam estar na escola, pois não gostam de estudar. Eu penso que seria melhor para esses alunos aprenderem uma profi ssão, por exemplo, pedreiro ou algo, assim do que estar na escola, pois não aprendem nada e só fazem bagunça.

De outro lado, os alunos acusam os professores de não os tratarem com o devido respeito, de serem injustos e de desprezá--los, como atestam as seguintes falas:

Tem professor que é folgado, que grita...Teve uma professora que falava assim, “é tudo fi lho de chocadeira”.Tem professor que não admite que erra, e você vai falar e ele continua ali, não admite não, isso aconteceu com uma amiga minha, ela foi até pra diretoria, e ela era uma aluna muito boa. Tem professor que é estressado, começa a gritar.É o professor que faz a diferença dentro da sala de aula, porque se ele gosta de um aluno, este pode ser o pior que for, ele vai brigar por ele, mas tem aluno que ele não ta nem ai.Tem aluno que pode fazer tudo, conversar, brincar que o professor não liga, agora tem outros que não pode nem olhar pros lados. Tem os protegidos, porque eles fazem pergunta, fi cam questionando o professor, ai o professor gosta.Tem diretor que é assim, faça o que eu digo mas não faça o que eu faço. Na escola onde eu estudava o diretor não deixava ninguém, nenhum aluno fumar lá dentro, mas ele fumava no pátio, ele falava palavrão.

Pelas falas anteriores dos alunos, conclui-se que essa re-lação de respeito relaciona-se muito com a possibilidade de uma interação que possibilite diálogo e compreensão da condição con-creta de vida desses alunos. São considerados desrespeito gritos e ofensas, (que são consideradas pelos alunos como) um desprezo por parte da escola por sua condição de seres humanos íntegros

Lembrando as observações de Martucelli (2001), para os alunos a relação pedagógica correta tem uma natureza igualitária e supõe um respeito mútuo e um equilíbrio dos sentimentos, o que justifi ca a visão apresentada pelos alunos a respeito da relação

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com professores e direção. A maioria dos alunos não contesta os alicerces da autoridade, mas pede um tratamento de “respeito”:

Os alunos exigem respeitos horizontais. Para eles, a relação pedagógica correta tem uma natureza igualitária e supõe um respeito mútuo e um equilíbrio dos sentimentos. A maioria dos alunos não contesta os alicerces da autorida-de, mas pede um tratamento recíproco, exigência incon-tornável, anterior ao universo de comunicação em que estão imersos. (pág. 270)

A relação de hostilidade entre alunos, professores e direção das escolas se repete em à escolas com as famílias. A tônica dos depoi-mentos dos professores e direção foi no sentido de que cabe às famílias a solução do comportamento violento na escola. Os professores apon-taram o tempo todo para isso, inclusive eximindo a escola de qual-quer responsabilidade, como ilustra a seguinte fala de um professor:

Eu acho que a fraternidade, tem que começar na família mesmo, não adianta a gente aqui na escola querer resolver um problema que vem lá de fora, tem começar a trabalhar lá na casa. Às vezes eles (alunos) fazem aqui um refl exo de lá. Tem que começar a trabalhar lá no espaço, tem que começar a mostrar pra eles o valor de uma família, de res-peito de companheirismo.

Os pais; muitas vezes, sentem-se humilhados e revolta-dos com situações ocorridas na escola, que consideram injusta com seus fi lhos. A relação da escola com as famílias dos alunos, em geral, é bastante tensa e o preconceito da primeira para com a segunda é um dos fatores que difi cultam essa interação, como ilustram os depoimentos do diretor e de um professor de uma das escolas estudadas:

Diretor: Teve um exemplo, a gente tava com um monte de serviço, veio uma pessoa e disse que alguém tava gritando com a professora Ana Paula, tava tendo reunião. Eu falei “Paula volta pra sua classe tranquila, que nós resolvemos a questão.” A mãe estava agressiva. Nisso que eu atendo ela fala, “quem este homem pensa que ele é?” A Ana Paula falou assim “ele é o diretor da escola.” Peguei, expliquei

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pra ela que o objetivo era ajudar a fi lha dela a melhorar o comportamento, ela não faz lição de jeito nenhum, a vida dela era falar mal de outros professores, um absurdo. A mãe me pediu desculpa. Ontem foi preciso chamar ela outra vez por que a fi lha dela mordeu uma criança aqui. Hoje ela tava aí feliz da vida pedindo presente pra mim. Então você não sabe até aonde vai o problema desta gente. A gente tem que arrumar uma estratégia para não bater de frente com esta gente. Tem que perguntar, se quer resolver o problema ou quer brigar, se quer brigar eu vou chamar a policia pra resolver o problema pra gente, se quer con-versar vamos conversar. Não tem maneira dessa gente de baixíssimo nível, tentar derrubar professor, derrubar você sabe no sentido que eu tô falando. É no sentido moral, é neste sentido que eu tô dizendo.Professor: Semana passada, eu tava corrigindo uma ati-vidade, uma aluna entregou, ela veio pegar a dela de vol-ta e eu pedi pra esperar um pouquinho por que eu tava corrigindo a atividade. Ela simplesmente me chamou de ignorante eu pedi pra ela ir pra fora, ela não saiu. Eu sai, esperei um pouquinho voltei e coloquei ela pra fora da sala de aula. Depois chega o pai dela aqui alcoolizado, me pega pelo braço, dizendo que quer falar comigo. Na sala de aula junto com a fi lha, fi zeram uma retaliação pra mim, eu nunca pensei em toda a minha vida passar por isso. Ele me mandou puxar carroça. Este senhor, meus colegas falaram, já veio numa outra reunião alcoolizado. Agora, um segurança, chamar um educador, mandar um educa-dor puxar carroça.

Tais falas deixam clara a insegurança sentida pelo profes-sor na situação relatada, mas também expressa o preconceito em relação aos pais por considerar que estes têm uma condição cultu-ral e educacional inferior.

Diferentes autores apontam para a importância da parti-cipação e do envolvimento das famílias na escola, destacando que, para isso, no entanto, é preciso todo um trabalho de longo prazo, de abertura ao diálogo e de respeito às possibilidades e limites que as famílias dos alunos apresentam. O sentimento de intimidação e de medo que parece existir entre os professores, bem como o des-prezo pela condição de vida das famílias, são obstáculos importan-

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tes na discussão de possibilidades de ações alternativas da escola na prevenção e combate à violência em seu interior.

Nesse sentido, Charlot ( 2002) argumenta que, se a escola é em grande medida impotente a respeito da violência na escola, isto é, a violência que é refl exo do mundo externo, ela não o é a respeito de sua ação face à violência da escola e à escola. Tal afi r-mação encontra eco nos estudos citados por Debarbieux (2001) que focalizam principalmente a ação dos adultos na instituição es-colar, não se prendendo nas ações da escola em si, mas nas relações que esta estabelece com a comunidade.

O estudo das estratégias de ação implantadas focaliza principalmente atores adultos, funcionários da educa-ção nacional, docentes, administradores, ou então alu-nos. Não há aqui uma outra forma de manter afastado o bairro e seus moradores, e tal posição não superestima o papel da escola e dos professores? Se certos estabele-cimentos são mais ou menos efi cientes que outros, não se deve isso também à mobilização ou à desmobilização dos habitantes do bairro em que estão localizados? O estudo (crítico) dos programas “comunitários” de ação em outros países e o desenvolvimento da parceria esco-la-família seria uma forma de pensar e acompanhar a mutação educativa em curso nas democracias liberais dualizadas, conferindo-se, por sua vez, a mesma digni-dade social e sociológica aos diferentes atores da edu-cação.(pág. 185)

O aspecto central a que Debarbieux chama a atenção nessa citação remete à importância que o relacionamento entre escola e família tem no estabelecimento de ações que venham a contribuir para o aprimoramento das relações democráticas, papel importan-te que as escolas deveriam ter.

Vários professores consideram que quando a violência co-meça na família a escola fi ca impotente, consideram que não há nada a fazer se a violência já está instalada na família. Tal crença contribui para a desqualifi cação das famílias para o diálogo e também para a possibilidade das ações a que Debarbieux refere-se acima.

Apesar de a maioria das falas dos professores serem nesse sentido, alguns deles apontaram para a importância de uma maior

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participação dos pais na escola e de um ensino que leve em conta a realidade dos alunos, como as falas descritas a seguir:

Professora1: A escola deve tentar mudar, tentando conhe-cer o mundo do aluno. Tem alunos que debocham da cara dos pais na frente do professor. Existe uma falta de res-peito com os pais muito grande e nem sempre se resolve chamá-los pra reunião.Professora2: Eu acredito que trazer os pais pra escola seja uma alternativa, para que eles se conscientizem sobre o que acontece na escola. Os pais são muito ausentes, não tem informação da escola. A gente só chama o pai quan-do o aluno está com problema. Ele só ouve reclamações. Reuniões são festas, apresentações, os problemas são dis-cutidos em outros locais.

Apesar de a maioria dos professores e direção apresen-tarem uma visão de medo constante de agressões por parte dos alunos, quando questionados a respeito das formas de enfrenta-mento das questões de violência, eles disseram não haver uma ação conjunta e planejada dos professores nesse sentido. Não discutem essas questões nos horários de trabalho coletivo ou em outro espaço. Somente quando há uma situação muito aguda é que o fazem, do contrário tomam medidas isoladas, em geral enviando o aluno para a direção.

Assim, o que se pode observar é que não há uma atuação conjunta e planejada da escola no enfrentamento das situações de violência na escola.

Um dos aspectos a destacar, com respeito ao esfacela-mento da atuação dos professores nas escolas públicas brasileiras, é a questão da identidade dos mesmos como educadores e como responsáveis por um processo que vai além da construção e me-diação de saberes técnicos e científi cos, mas também como co-laboradores no processo de construção da cidadania dos alunos.

Dubar (2005), ao discutir a formação da identidade pro-fi ssional, afi rma que :

O espaço de reconhecimento das identidades é indisso-ciável dos espaços de legitimação dos saberes e compe-tências associados às identidades. A transação objetiva

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entre os indivíduos e as instituições é essencialmente a que se organiza em torno do reconhecimento ou do não-reconhecimento das competências, dos saberes e das imagens de si, que constituem os núcleos das identidades reivindicadas. (pág. 155).

Tal aspecto destacado por Dubar nos remete à identidade do professor, como mediador entre o conhecimento e o aluno. Se os alunos não reconhecem a legitimidade do conhecimento ad-quirido na escola para suas vidas, a legitimidade dessa mediação pelo professor também não será reconhecida. Se os órgãos gover-namentais responsáveis pela política educacional não valorizam a educação como um direito e um bem do cidadão, não propiciando as condições necessárias para o trabalho do professor e da escola, não há legitimação dos saberes e competências associados a essa tarefa. Todos esses aspectos contribuem para a destruição da iden-tidade dos professores como educadores.

A destruição da identidade dos professores como educado-res, leva-os a desenvolverem atitudes que se relacionam meramen-te à preservação da escola enquanto organização, abdicando de tarefas próprias do educador, pensado como alguém que se ocupa de fornecer, além do conhecimento técnico e científi co, os valores universais do ser humano.O bem e o mal são defi nidos apenas em razão de sua simples utilidade para a preservação da vida organiza-cional, como destaca Martucelli(2001):

Nada perturba mais, aliás, do que a esquizofrenia que nas-ce dessa situação. Se os docentes continuam fazendo uma referência freqüente – sem, entretanto, acreditar muito nisso – a um reservatório coletivo de sanções e de obri-gações morais, em compensação, diante do declínio de sua autoridade cotidiana, e para reviver a disciplina e o regulamento escolar, eles se apóiam apenas em conside-rações cada vez mais estritamente funcionais. A proibição de uma ação só se justifi ca pelos danos que supostamente introduz no desenrolar correto da vida escolar.

Os vínculos entre professores e alunos e entre os alunos e a escola, como já apontado por muitos educadores, fi lósofos, sociólogos e psicólogos, têm como um de seus pressupostos a legi-

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timação da autoridade do professor por meio do conhecimento e do saber que este inspira e o reconhecimento, por parte do aluno, de que o conhecimento tem um valor para sua vida, além do mero diploma que obterá por frequentar a escola. Para tanto, faz-se ne-cessário que o trabalho educativo desenvolvido na escola não se restrinja à garantia desse protocolo burocrático, do bom funciona-mento, da disciplina, mas de fato vá ao encontro das necessidades e expectativas de uma educação que leve em conta a formação humana e as condições concretas de vida dos alunos.

CONCLUSÃO

Concluindo a análise sobre a visão dos professores e direção sobre a violência na escola, observamos que os aspectos aqui abor-dados compõem um complexo emaranhado de situações, que têm contribuído para a difi culdade das interações na instituição escolar. Como proposta de encaminhamento para deslindar esse emaranha-do, apontamos para a necessidade de que a escola - quando nos refe-rimos à escola nos referimos aos diferentes atores que a compõe - se auto-avalie, no sentido de refl etir sobre as diferentes dimensões, tais como: o valor do conhecimento para os alunos; a recuperação da identidade do professor como educador; a condição da escola como formadora de valores e princípios; os preconceitos e ideologias que orientam as ações na ambiente escolar.

A pressão e medo que a escola sente em relação aos próprios alunos e familiares, bem como em relação ao entorno da escola, fazem com que esta busque outros órgãos como a justiça e a polícia para solucionar seus problemas, não refl etindo sobre as formas de intervenção que ela mesma poderia ter para minorar tais problemas. A maior participação dos pais e da comunidade tem se mostrado como saída importante para os confl itos surgidos, com resultados signifi cativamente melhores em comparação com a delegação para órgãos policiais e similares. Assim, o estudo que apresentamos aqui aponta para a necessidade de um aprofundamento da refl exão sobre as relações que se processam na escola, no sentido de buscar pos-sibilidades de prevenção e combate à violência na escola por meio de ações que partam da própria instituição escolar, ao assumir sua tarefa educativa e não meramente burocrática.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa.Edições 70, 2000.

BODY-GENDROT, S.Violência escolar: um olhar comparativo sobre políticas deGovernança. In DEBARBIEUX, E.; BLAYA, C. Violência nas Escolas e Políticas Públicas (Orgs.).Brasilia, Unesco, 2002.

DEBARBIEUX, E.; BLAYA, C. Violência nas Escolas e Políticas Públicas (Orgs.).Brasilia, Unesco, 2002.

DUBAR,C. A socialização: construção das identidades sociais e profi ssionais. S.P. Martins Fontes, 2005.

MARTUCELLI, D.; BARRERE,A. A escola entre a agonia moral e a renovação ética.Educação & Sociedade, ano XXII, no 76, Outubro/2001.

1 PCC: Organização criminosa ligada ao tráfi co de drogas no Brasil

Data de recebimento: Abril 2010Data de aceite: Maio 2010