a refuncionalizaÇÃo do patrimÔnio cultural e a ... · a revitalização dos núcleos históricos...
TRANSCRIPT
I
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO ESPACIAL
Belo Horizonte - MG
2014
A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL E A MERCANTILIZAÇÃO URBANA A
PARTIR DAS ATIVIDADES TURÍSTICAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO/MG
Victor Lacerda da Cunha
II
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Geografia
(Tratamento da Informação Espacial)
A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
E A MERCANTILIZAÇÃO URBANA A PARTIR DAS
ATIVIDADES TURÍSTICAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO/MG
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia – Tratamento da
Informação Espacial da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Geografia.
Victor Lacerda da Cunha
Orientador: Prof. Dr. Altino Barbosa Caldeira
Belo Horizonte -MG
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Cunha, Victor Lacerda da
C972r A refuncionalização do patrimônio cultural e a mercantilização urbana a
partir das atividades turísticas: um estudo de caso sobre o centro histórico de
Ouro Preto/MG / Victor Lacerda da Cunha. Belo Horizonte, 2014.
135f.:il.
Orientador: Altino Barbosa Caldeira
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial.
1. Patrimônio cultural - Ouro Preto (MG). 2. Turismo - Comercialização. 3.
Turismo cultural. 4. Centros históricos. I. Caldeira, Altino Barbosa. II.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação
em Geografia - Tratamento da Informação Espacial. III. Título.
CDU: 719(815.1)
III
Victor Lacerda da Cunha
A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A
MERCANTILIZAÇÃO URBANA A PARTIR DAS ATIVIDADES TURÍSTICAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO/MG
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da
Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia.
Banca Examinadora:
_______________________________________________
Prof. Dr. Altino Barbosa Caldeira (Orientador)
_______________________________________________
Prof.Dr. Alexandre Magno Alves Diniz (PUC Minas)
_______________________________________________
Prof. Dr. Altamiro Sérgio Mol Bessa (UFMG)
Belo Horizonte, 10 de abril de 2014
IV
Dedico este trabalho aos meus pais e aos meus
irmãos, que jamais desistiram de mim e que
sempre sonharam, juntos, comigo.
V
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus e a Nossa Senhora Aparecida por terem me confiado
essa escolha em minha vida;
Em segundo, agradeço aos meus pais, Zezé e Edmar, por acreditarem em minhas escolhas
e sempre apoiarem as minhas decisões, mesmo desconhecendo os caminhos que eu iria
percorrer.
Agradeço aos meus irmãos, Nivaldo e Nicole, que sempre mantiveram para comigo a
amizade verdadeira, o carinho fraterno e a atenção de irmãos mais velhos.
Agradeço ao professor Altino Barbosa Caldeira, meu orientador. Obrigado pelas tantas
vezes que assumiu a figura paterna ao me aconselhar. Saiba que tenho uma grande
admiração por você, seja como professor, orientador ou, simplesmente, como pessoa.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da PUC-Minas, por ter me
acolhido tão bem nestes dois últimos anos, oferecendo-me a oportunidade do aprendizado
e da capacitação profissional.
Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG, por
ter me proporcionado a oportunidade de desenvolver a minha pesquisa por meio do auxílio
financeiro.
Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação (PPGG-TIE) em que tive a
honra de estar ao lado e de aperfeiçoar os meus conhecimentos, como o Prof. Guilherme
Taitson Bueno, Prof. Alexandre Magno Diniz, Prof. Prof. Duval Fernandes, Prof. José Flávio
Castro, Prof. Leônidas Conceição Barroso e o Prof. Luiz Eduardo Panisset Travassos. Sou-lhes
muito grato pelos valorosos ensinamentos. Agradeço, em especial, ao professor Oswaldo
Bueno Amorim Filho, pelo exemplo e pela sabedoria acumulada, que tão gentilmente se
propõe a compartilhar com seus alunos.
VI
Aos funcionários do PPGG-TIE, Délio e Tatiana, pela atenção com a qual sempre se
dispuseram a me auxiliar.
Aos colegas de mestrado e doutorado da turma de 2012, pela convivência e aprendizado. À
querida amiga Elizângela Lacerda, que sempre me prestou auxílio nos mais diversos
contextos. Aos colegas Débora Mendes e Leonardo Luiz, com os quais tive o prazer de
compartilhar diversos momentos durante essa minha caminhada.
Agradeço ao Professor Mariano e a Professora Sheila Leão pelos conselhos, incentivos e,
de maneira especial, pela leitura atenta deste texto e por suas pertinentes correções.
Por fim, mas não menos importante, agradeço a todos aqueles que estiveram direta ou
indiretamente envolvidos nessa pesquisa. A todos o meu muito obrigado!
VII
RESUMO
As novas tendências impostas pelo mercado têm promovido profundas alterações no uso e
na compreensão do significado do termo “Patrimônio Cultural”. A atratividade dos centros
históricos para atender à finalidade turística, inserindo o patrimônio no mercado global,
evidencia suas particularidades de consumo, criando novas dinâmicas de produção
socioespacial. A revitalização dos núcleos históricos tem alterado o significado e
provocado mudanças de uso dois imóveis, atribuindo novas funcionalidades às áreas
degradadas. Numa apropriação quase particular do espaço urbano, essas práticas
segmentam áreas centrais nas cidades históricas, transformando-as em cenários marcados
por um dinâmico e crescente comércio. O processo de refuncionalização do patrimônio
cultural, embasado no ideário do capital hegemônico global, materializa novas
territorialidades, nos núcleos urbanos tombados, a partir de estratégias de intervenção e
produção do espaço urbano. A refuncionalização do patrimônio edificado redefine os
acessos às localizações privilegiadas e reproduza valorização urbana, hoje disputada pelas
atividades comerciais. O estudo em questão tem por objetivo desenvolver uma pesquisa
quantitativa e descritiva do processo de refuncionalização ocorrido em Ouro Preto/MG, a
partir da elevação da cidade à condição de Patrimônio Cultural da Humanidade, quando as
atividades turísticas e o comportamento comercial se alteraram no centro histórico da
cidade. Para isso, foram investigados os equipamentos comerciais de maior apelo turístico,
os quais direcionaram os resultados dessa pesquisa para uma análise que mostra o
dinamismo e a expansão comercial em Ouro Preto, por meio da intensidade do processo de
refuncionalização presente nos dias atuais.
Palavras-Chave: Patrimônio Cultural; Refuncionalização; Atividade Turística;
VIII
ABSTRACT
The new trends imposed by the market have altered the use and understanding of the
meaning of the expression “Cultural Heritage”. The tendency of restoring the historical
centers for touristic purposes has been an attempt to insert the heritage into the global
market, highlighting its peculiarities in the cultural trade market and creating new
dynamics of social spacial production. The revitalization of central and historical areas is a
process which had promoted the insertion of urban centers in the touristic market, from
which new functions are assigned to the degraded areas. Within an almost particular
appropriation of the urban space, these practices segment central areas in historical cities,
turning them into sceneries marked by a dynamic and growing trade. The process of re-
functionalization of the cultural heritage, based on the set of ideas of the global hegemonic
capital, materializes urban centers that become heritage sites producing new territorialities
from the strategies of intervention and production of urban spaces.
The re-functionalization of built heritage defines the access to privileged areas and
reproduces the urban valorization, currently disputed by trade activities. This study aims at
developing a quantitative data research describing the process of the re-functionalization in
Ouro Preto/ MG, from the touristic activities and the trade behavior that is taking place in
the historical center of the city. In order to present this study, the touristic trade equipment
was investigated which directed the results of this research to a deep analysis about the
dynamism and the trade expansion in Ouro Preto defining the intensity of the process of re-
functionalization currently occurring.
Keywords: Cultural Heritage; Re-functionalization; Touristic activity;
IX
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –Mapa de Localização do Município de Ouro Preto/MG ......................... 22
Figura 2 –Mapa de Hipsometria do Relevo do Município de Ouro Preto/MG........ 24
Figura 3 –Mapa de Litologia do Município de Ouro Preto/MG.............................. 26
Figura 4 –Mpa de Pedologia do Município de Ouro Preto/MG.............................. 27
Figura 5 –Mapa de Principais Expedições em Minas Gerais .................................. 29
Figura 6 – Vista parcial da cidade de Ouro Preto MG.............................................. 32
Figura 7 – Vista da Igreja de São Francisco de Paula, Ouro Preto-MG................... 37
Figura 8 – Evolução da mancha urbana de Ouro Preto - MG ................................... 43
Figura 9 – Imagem de divulgação do Festival de Inverno 2013................................ 45
Figura 10 – Imagem de divulgação do Festival Tudo é Jazz 2013............................ 45
Figura 11 – Imagem da cruz depredada durante o carnaval de 2012......................... 47
Figura 12 – Imagem da cruz restaurada após o carnaval de 2012.............................. 47
Figura 13 – Vista da Praça Tiradentes e Museu da Inconfidência.............................. 72
Figura 14 – Vista da Rua Direita (Conde de Bobadela).............................................. 72
Figura 15 – Vista da Rua São José (Rua Tiradentes).................................................. 72
Figura 16 – Vista da Igreja de São Francisco de Assis............................................... 72
Figura 17 – Vista da Igreja do Pilar............................................................................ 72
Figura 18 – Vista da Casa dos Contos (Museu).......................................................... 72
Figura 19 – Página Virtual do Site Oficial de Turismo de Ouro Preto....................... 76
Figura 20 – Mapa de Recorte espacial da área de estudo........................................... 86
Figura 21 – Mapa Distribuição espacial e funções dos estabelecimentos.................. 98
Figura 22 – Rua Conde de Bobadela (Rua Direita).................................................... 99
Figura 23 – Rua Conde de Bobadela e as joalherias................................................... 99
Figura 24 – Lanchonete “Subway”.............................................................................. 100
Figura 25 – Turistas e as lojas de artesanato............................................................... 100
Figura 26 – Rua São José, em Ouro Preto/MG........................................................... 101
Figura 27 – Rua São José, em Ouro Preto/MG........................................................... 101
Figura 28 – Coleção de mapas por década de criação dos empreendimentos............ 111
Figura 29 – Mercearia, Rua Barão de Camargos........................................................ 104
Figura 30 – Mercearia, Rua Barão de Camargos........................................................ 104
X
Figura 31 – Rua São José e o Hotel Toffolo............................................................... 105
Figura 32 – Rua São José e o Hotel Toffolo............................................................... 105
Figura 33 – Grande Hotel de Ouro Preto/MG............................................................. 106
Figura 34 - Grande Hotel de Ouro Preto/MG............................................................. 106
Figura 34 – Hotel Solar do Rosário............................................................................ 108
Figura 36– Hotel Solar do Rosário, década de 1990................................................. 108
Figura 37 – Imóveis desocupados, Rua Getúlio Vargas............................................. 109
Figura 38 – Imóveis desocupados, Rua Getúlio Vargas............................................. 109
Figura 39 – Rua São Francisco, Ouro Preto/MG........................................................ 110
Figura 40 – Mapa de intensidade do comércio voltado ao turismo............................ 113
XI
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Número de classe segundo a Regra de Sturges...................................... 99
XII
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Produto Interno Bruto – Ouro Preto/MG - 2011.................................. 23
Gráfico 2 - Comportamento do Fluxo Turístico Internacional - 2000-2012........... 66
XIII
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FJP - Fundação João Pinheiro
IPHAN - Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SPHAN - Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
VICT - Valor de Intensidade Comercial Turístico
XIV
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO......................................................... 21
CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA APLICADA..................................................... 84
CAPÍTULO 3 - DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................ 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 116
REFERÊNCIAS ...................... ............................................................................. 119
APÊNDICE
ANEXO
15
INTRODUÇÃO
Atualmente, as novas propostas de cidades se definem por uma arquitetura de
design arrojado e no emprego de elevada tecnologia, seguindo as tendências que
facilitem a reprodução do capital. Por meio de túneis, vias de trânsito rápido, elevados e
pontes monumentais, dezenas de cidades se refazem para atender à dinâmica de um
mercado globalizado, onde o fluxo das informações e a intensificação das tecnologias
ocorrem num ritmo cada vez mais acelerado.
Metrópoles de todo o mundo apresentaram nas últimas décadas grandes
reformas estruturais, o que muitos urbanistas preferem chamar de “requalificação
urbana”. Essas alterações no espaço urbano já construído, embora traga um período
longo de transtornos, são imprescindíveis para que importantes empresas possam
instalar-se nessas cidades, atraindo investimentos e gerando empregos.
Não por acaso, o poder público tem se atrelado a grupos empresariais para o
desenvolvimento de novas estratégias de planejamento urbanístico, o que confirma o
interesse do capital na forma e na qualidade estrutural das cidades.
O capital em pessoa é hoje o grande produtor dos novos espaços
urbanos, por ele inteiramente requalificados. Dessa forma, o espaço
público e a fisionomia das cidades têm sido determinados ou ditados,
em grande parte, por estratégias empresariais, que contam com o
apoio e o aval estatais (ARANTES, 2000, p. 226).
No Brasil, os eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas levam dezenas
de cidades a se reestruturarem urbanisticamente, criando novas estruturas que
comportem um grande número de turistas, facilitem a mobilidade urbana e permitam
um legado para a população local, qual seja a ampliação de vias e trechos ferroviários, a
criação de corredores especiais para o transporte público, a construção de novos
aeroportos, viadutos, elevados, túneis, praças e outros equipamentos urbanos que
qualifiquem essas cidades enquanto receptoras de grandes eventos.
Não muito longe da alteração urbanística de grandes centros, que visam à
atração de investimentos, verificam-se também intervenções em cidades pequenas e
médias, onde há interesse do capital. As modificações espaciais nesses núcleos urbanos
são, na maioria das vezes, relacionadas às atividades turísticas, o que condiciona a essas
cidades um modelo de organização diferenciado das grandes metrópoles.
As cidades turísticas de pequeno e médio porte geralmente apresentam como
16
atrativo principal o seu patrimônio histórico, configurando uma barreira que se limita às
intervenções espaciais propostas pelo capital. Isso porque os bens tombados1, em
especial os imóveis, não podem sofrer nenhuma alteração estrutural ou de fachada,
levando o mercado a atuar de uma forma diferenciada nessas áreas, evitando
modificações nas formas e nas estruturas, mas providenciando novas funções.
O processo de manutenção das formas do patrimônio histórico é uma maneira
de se respeitar os tombamentos, dando a eles novas funções que estejam diretamente
relacionadas à atração de turistas. Esse fenômeno será denominado nesse trabalho de
refuncionalização2, caracterizado pela preservação das estruturas já construídas e
permitindo apenas a alteração funcional desses bens. (RABHA, 1985)
Prado Santos (2011, p.04), ao descrever o fenômeno da refuncionalização na
histórica cidade de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo, relata que
Pode-se classificar a função como o lado subjetivo da forma, categoria
que em uma área de rico patrimônio cultural ganha relevância. Por
assumir um caráter de subjetividade, a relação forma-função está
sempre mudando e adquirindo novos contornos, originando novas
formas-conteúdo. O patrimônio arquitetônico de São Luiz do
Paraitinga, inicialmente destinado à residência, com a possibilidade de
implantação das atividades do turismo passou a exercer uma nova
função, servindo de suporte para a refuncionalização do patrimônio
cultural local.
Além de São Luiz do Paraitinga, o Brasil conta hoje com dezenas de centros
históricos que são incorporados à lógica do interesse do capital. Ofertados como uma
mercadoria, os centros históricos participam intensamente do processo de
refuncionalização de seu patrimônio cultural, por meio de novas funções que estejam de
acordo com os interesses e apelos turísticos.
Para esse trabalho será investigado o comportamento do processo de
refuncionalização na cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais. Símbolo do
apogeu do “Ciclo do Ouro”, no Brasil Colônia, a antiga sede do governo mineiro foi
marcada pela soberania política da Coroa Portuguesa e pela influência constante da
1O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou
municipal. Os tombamentos federais são responsabilidade do IPHAN e começam pelo pedido de abertura
do processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. O objetivo é preservar bens de
valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo
a destruição e/ou descaracterização de tais bens (IPHAN, 2007). 2 Muitos autores e urbanistas utilizam os termos revitalização e requalificação, embora alguns considerem
que a requalificação não se limita à restauração das formas, como ocorre na revitalização. Os termos
enobrecimento e gentrificação são mais específicos para os processos de renovação e elitização de áreas
centrais urbanas. Neste texto adotamos a concepção geral de refuncionalização, entendendo que esta está
presente em todos os outros processos (PAES, 2005).
17
Igreja Católica.
A escolha de Ouro Preto como objeto de estudo se deve ao fato de essa cidade
ser um dos principais complexos artísticos, urbanísticos e arquitetônicos ainda
preservados no Brasil, que possui grande relevância turística, intensificada nas últimas
décadas. Localizado sobre um sítio de geomorfologia bastante acidentada, o centro
histórico da cidade se manteve conservado nos últimos séculos graças às atuações de
órgãos preservacionistas, como o IPHAN, e às políticas municipais de conservação e
proteção ao patrimônio cultural.
Compreender a dimensão socioeconômica de Ouro Preto, enquanto cidade
histórica e culturalmente valorizada pelo seu patrimônio, requer uma análise mais
aprofundada sobre a sua dinâmica comercial atual e as interações decorrentes da
preservação da materialidade herdada. Embora essa relação seja inicialmente
compreendida de forma contraditória, a atividade turística atua como conciliadora das
duas instâncias, respondendo às necessidades econômicas e contribuindo para a
preservação dos bens tombados.
O reflexo da atividade turística sobre Ouro Preto é algo a ser minuciosamente
investigado, ao longo desse trabalho. Essa atividade implica em profundas mudanças
comportamentais da sociedade e da própria importância do significado do patrimônio
enquanto expressão da identidade cultural e memória social. Por isso, deve-se pesquisar
a valorização dos bens culturais enquanto mercadoria a ser consumida e adaptada às
especificidades dos novos usos e funções, que visam ampliar a oferta turística.
A justificativa desse estudo deve-se à necessidade de se propor, por intermédio
de uma perspectiva geográfica, uma análise dos novos usos que vêm sendo atribuídos
ao patrimônio arquitetônico em Ouro Preto. Nesse sentido, deve-se analisar os projetos
de valorização cultural e de refuncionalização do patrimônio desenvolvidos a partir dos
interesses turísticos.
Analisar a intensidade do processo de refuncionalização no centro histórico de
Ouro Preto é, portanto, o objetivo geral dessa pesquisa, que irá se debruçar também,
para outros objetivos específicos a partir de uma apreciação geográfica do objeto
estudado. Esses objetivos específicos incidirão, principalmente, na compreensão de
como a atividade turística usufrui seletivamente do patrimônio cultural, caracterizando-
o como uma mercadoria muitas vezes desprendida de seus valores sociais. Para isso,
será analisado o comportamento dual da atividade turística sobre o objeto estudado: se,
por um lado, o turismo valoriza as áreas centrais e exclui os antigos habitantes para dar
18
espaço aos novos comércios, por outro ele é responsável pela geração de emprego e
renda, aumentando a qualidade de vida da população.
Essa pesquisa será dividida em três partes, as quais serão compostas ao todo
por cinco capítulos. Os primeiros três capítulos referem-se aos aspectos históricos da
cidade de Ouro Preto e incluem alguns conceitos necessários sobre este trabalho.
O primeiro capítulo faz um levantamento histórico e bibliográfico sobre a
cidade de Ouro Preto, salientando as ocupações do território pelos bandeirantes
paulistas, a formação dos primeiros arraiais, a instauração da antiga Vila Rica e a sua
efetivação como cidade até os dias de hoje. A importância desse capítulo se deve,
sobretudo, ao fato de que a compreensão da Ouro Preto atual muito deve ao seu
passado, em especial pela construção da sua história e pelas características sociais,
políticas, religiosas e culturais que permearam os séculos XVII e XVIII.
O segundo capítulo envolverá alguns temas referentes à construção do conceito
de “Patrimônio Cultural”, tais como “Memória Social” e “Identidade Territorial”. Esses
dois tópicos introduzem o significado elementar desse conceito, resgatando a sua
importância enquanto confissão da memória e herança social. Adiante, será trabalhada a
apreciação da Geografia sobre a definição de “Patrimônio Cultural”, pautando-se,
sobretudo, na compreensão da expressividade da cultura sobre o território e na
construção da territorialidade. Por fim, será destacada a importância do Patrimônio
Cultural em Ouro Preto.
O terceiro e último capítulo dessa primeira parte fará um confrontamento com
o capítulo anterior, onde será discutido um novo conceito de “Patrimônio Cultural”, a
partir do interesse turístico e financeiro. Dessa maneira, será analisado o crescimento da
indústria do turismo e seus reflexos sobre as cidades históricas, destacando-se seus
aspectos positivos e negativos sobre os habitantes locais. Serão elencados, nessa parte
da pesquisa, alguns temas fundamentais para essa discussão, tais como o “Consumo
Cultural” e o “Marketing Turístico”, que corroborarão o entendimento de que o
Patrimônio Cultural tem sido valorizado de forma seletiva, conforme os interesses do
capital financeiro. Por fim, serão avaliados os processos de mercantilização do
patrimônio histórico e de refuncionalização do ambiente tombado, a partir da
compreensão da elitização do acesso à cultura e da segregação socioespacial em Ouro
Preto.
O quarto capítulo desse trabalho se debruçará na metodologia a ser utilizada
nessa pesquisa, destacando desde o recorte espacial escolhido para ser analisado, até os
19
modelos estatísticos utilizados no tratamento dos dados coletados em campo. A
pesquisa terá o caráter quantitativo e descritivo e entre os procedimentos técnico-
metodológicos realizados incluem-se a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e
as pesquisas de campo.
O recorte espacial analisado compreenderá uma porção do centro histórico de
Ouro Preto, entre os bairros Centro, Pilar, Rosário e Antônio Dias. A pesquisa se
pautará no levantamento de todos os equipamentos comerciais voltados aos turistas,
nestes locais, buscando salientar a distribuição comercial desses estabelecimentos, suas
funções, o período de início das atividades e o número de funcionários empregados em
cada um. Esses dados serão importantes na análise do comportamento comercial de
cada uma das vias urbanas estudadas, destacando-se a interferência do processo de
refuncionalização do patrimônio tombado em cada uma delas.
De uma maneira geral, esse trabalho irá privilegiar os estudos de campo
quantitativos, guiados por um modelo descritivo de pesquisa, em que serão elaboradas
hipóteses sobre a mercantilização do patrimônio histórico. Para tanto, a coleta de dados
evidenciará informações numéricas que permitirão verificar a ocorrência de alguns
fenômenos urbanos ocorridos na cidade de Ouro Preto.
O quinto e último capítulo evidenciará os resultados conseguidos ao longo da
pesquisa, enfatizando-se o processo de refuncionalização na histórica Ouro Preto. Para
isso serão criados mapas georreferenciados dos dados coletados, que serão tratados ao
longo deste trabalho, culminando em apreciações sobre o comportamento espacial do
comércio voltado para o público turístico na cidade. Nos resultados, será demonstrado o
dinamismo comercial em cada uma das vias urbanas observadas, bem como a análise da
expansão comercial ocorrida nas últimas três décadas, ao longo do recorte espacial
estudado.
Diante das novas características impostas pelo capital, as cidades históricas,
como Ouro Preto, adequam-se a uma nova lógica de uso e de funcionamento de seu
patrimônio tombado. O crescimento da atividade turística impõe novas organizações
sobre o espaço geográfico e o comércio torna-se cada vez mais dinâmico em meio a
uma valorização das porções mais centralizadas das cidades. Para tanto, torna-se
necessário delimitar as parcelas do território onde a atividade comercial é mais atuante,
analisando-se o grau de refuncionalização turística do patrimônio cultural da cidade.
Essas exposições contribuem para a compreensão do dinamismo comercial que marcam
novas territorialidades sobre antigas estruturas urbanas, permitindo novas percepções
20
sobre o território a partir de sua dimensão social, material e simbólica de Ouro Preto.
21
CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO
1.1. DE VILA RICA A OURO PRETO: RIQUEZA, DECADÊNCIA E
RECONHECIMENTO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL.
A cidade de Ouro Preto é hoje um dos principais ícones remanescentes do
período colonial em termos de história, arquitetura e urbanismo. Detentora de um vasto
e rico acervo patrimonial, a antiga cidade mineira resiste aos novos modelos impostos
pelo capital financeiro. Este trabalho irá se desenvolver no cenário dessa cidade,
abordando a geografia do seu sítio e o contexto histórico de sua origem. Será estudada a
ocupação do território, a formação da antiga Vila Rica, o rápido crescimento durante o
século XVIII, os traçados urbanos estabelecidos, a singularidade da arquitetura barroca,
a religiosidade expressa em sua arquitetura, seus principais artífices, a decadência do
ouro e o declínio da cidade com a ascensão de Belo Horizonte como a nova capital. Por
fim, será analisada a Ouro Preto do século XX, marcada pela instalação de uma
Universidade Federal na cidade, o reconhecimento em nível nacional enquanto
patrimônio cultural na década de 1930 e, finalmente, a sua elevação à Patrimônio
Cultural da Humanidade em 1980, pela UNESCO.
1.1.1. LOCALIZAÇÃO E DADOS GEOGRÁFICOS
Localizada a aproximadamente 100 km de Belo Horizonte, Ouro Preto situa-
se3 na zona metalúrgica de Minas Gerais, conhecida como Quadrilátero Ferrífero, e faz
divisa com mais nove municípios. Conforme mostra afigura 1, o município de Ouro
Preto é cortado pela BR 356, que faz a conexão da sede municipal com a capital
mineira. Destaca-se, também, a Ferrovia Centro-Atlântica, importante no escoamento
do minério até o litoral brasileiro.
3 Coordenadas Geográficas: Latitude sul 20º 23’ 28” e Longitude oeste 43º 30’ 20”.
22
Nas últimas décadas a cidade de Ouro Preto vem apresentando significativo
crescimento demográfico, em consequência principalmente da saída de habitantes de
municípios vizinhos em busca de novas oportunidades de vida na histórica cidade.
Segundo o censo 2010, fornecido pelo IBGE, o município já conta com mais de 70 mil
habitantes, sendo que cerca de 90% destes residem na área urbana. Ainda segundo o
IBGE, a maior porcentagem do Produto Interno Bruto municipal tem sua origem no
setor secundário. Em 2011, conforme demonstra o gráfico 1, o PIB do município girou
em torno de cinco milhões de reais, sendo que, aproximadamente 80% desse valor
foram provenientes do setor industrial. O resultado desses dados destaca que, apesar de
ser uma cidade histórica e fortemente voltada para o turismo, o setor de serviços não é o
maior agregador financeiro para o município.
Figura 1 - Localização do Município de Ouro Preto/MG
23
Gráfico 1 – Produto Interno Bruto – Ouro Preto/MG (Ano: 2011)
Fonte: IBGE, 2011.
1.1.2. SÍTIO GEOGRÁFICO
Ouro Preto encontra-se sobre o antigo conjunto da Serra do Espinhaço4,
encaixada em um grande vale localizado entre as serras de Ouro Preto ao norte e a Serra
do Itacolomy ao sul, por onde corre o ribeirão do Funil. A morfologia da cidade é
composta por serras que apresentam mais de 1150m de altitude, em média, tendo o Pico
do Itacolomy5 como ponto culminante do relevo local. Observa-se, também, em sua
geomorfologia, a presença de grandes vales alongados.
O mapa 2 apresenta a variação de altitude ao longo de todo o município,
destacando-se o relevo encontrado na porção urbana de Ouro Preto. Observa-se que a
cidade se aloja em uma área de relevo muito acidentado e de vertentes muito íngremes,
condicionando a ocupação da mancha urbana tanto no vale principal como nas vertentes
que o delimitam. A declividade encontrada no relevo onde se instala a mancha urbana
se dá da seguinte forma: cerca de 40% da área possui entre 20 e 45% de declividade e
apenas 30% da área apresenta declividade entre 5 e 20% (GOMES et al. 1998).
4A Serra do Espinhaço — grande divisor hidrográfico interposto entre as bacias do centro-leste brasileiro
e a do rio São Francisco — constitui, em Minas Gerais, um conjunto de terras altas, com forma de
bumerangue de direção geral norte-sul e convexidade orientada para oeste (SAADI, 1995). 5 O Pico do Itacolomy é o ponto mais elevado nas proximidades da atual cidade de Ouro Preto, com
1772m, e foi ponto de referência para os bandeirantes durante o século XVII.
0
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
4.000.000
Valor adicionado brutoda agropecuária
Valor adicionado brutoda indústria
Valor adicionado brutodos serviços
24
Figura 2 - Hipsometria do Relevo do Município de Ouro Preto/MG
25
Segundo Gomes et al. (2007, p.59), a geologia de Ouro Preto é composta por:
Substrato de metassedimentos de idade paleoproterozoica - filitos,
quartzitos, xistos e formações ferríferas - profundamente afetados por
eventos tectônicos. É comum a ocorrência, nos topos e nas vertentes
dos morros, de coberturas superficiais de crosta laterítica, localmente
denominadas de "canga". Os solos, quando ocorrem, são muito pouco
espessos, na ordem dos centímetros, exceto por algumas manchas
maiores de material coluvial.
O mapa 3 e o mapa 4 apresentam à composição litológica do município e o
baixo desenvolvimento pedológico na região devido à predominância das rochas
lateríticas, respectivamente. Observa-se no mapa 3, na porção sul da mancha urbana do
município, a ocorrência de filitos, dolomitos e xistos; na porção central e norte, a
ocorrência também de filitos e arenitos conglomeráticos. Já no mapa 4, referente aos
tipos de solos, é notado o baixo desenvolvimento do solo, comprovado pela presença de
cambissolos6 com forte presença de ferro.
6O Cambissolo é um solo pouco desenvolvido, com horizonte B incipiente.
26
Figura 3 - Litologia do Município de Ouro Preto/MG
27
Figura 4 - Pedologia do Município de Ouro Preto/MG.
28
Diferentemente da maioria das cidades, Ouro Preto não se desenvolveu em
férteis planícies que favorecessem a agricultura e os traçados urbanos. Ao contrário, o
núcleo urbano se enraizou em meio às encostas e profundos vales, que proporcionaram
à cidade paisagens diferenciadas em termos urbanos.
No caso de Ouro Preto, o ouro foi o fator que motivou o homem a fixar-se
nesse sítio, pois, dificilmente, uma população se prestaria a ocupar um relevo com essa
morfologia, se não fosse pela extração aurífera. Entretanto, a topografia irregular
conjugava-se também a aspectos positivos em termos de ocupação, como a abundância
de recursos hídricos e facilidade de controle do território. As partes mais elevadas desse
relevo foram utilizadas como forma de se afirmar o poder judicial e religioso,
aproveitando-se os declives mais suaves das encostas para se edificarem grandiosos
edifícios públicos e belas igrejas.
Aroldo de Azevedo (1964, p.237) confirma essa situação descrevendo, da
seguinte forma, a ocupação das serras mineiras:
Sem nenhuma dúvida, os sítios urbanos de topografia mais
atormentada correspondem às cidades da mineração, nascidas em
consequência da exploração do ouro ou do diamante, cujos embriões
foram os arraiais do Bandeirismo e a ‘currutelas’ das áreas de
garimpagem diamantífera.
1.1.3. EXPEDIÇÕES E DESCOBERTAS: O NASCER DE VILA RICA
Já na segunda metade do século XVII, Portugal já não mais se fazia
politicamente agudo e soberano, como tinha sido tempos atrás. Holanda e Inglaterra,
sobretudo, se apossavam das mais longínquas terras (inclusive do Oriente). A perda de
possessões por Portugal era inevitável, obrigando os lusitanos a se tornarem submissos
às exigências inglesas.
Empobrecido, Portugal foi obrigado a voltar-se para sua maior colônia: o
Brasil. As atividades canavieiras e de produção de tabaco eram as únicas fontes
rentáveis da velha metrópole para quitar algumas de suas dívidas. Entretanto, algo de
muito extraordinário viria amparar Portugal em suas densas dívidas: a descoberta dos
primeiros veios de ouro pelos bandeirantes no Brasil.
O historiador Boris Fausto (1996, p.43) retrata o início das bandeiras no Brasil
da seguinte forma:
Expedições que se lançavam pelo sertão, aí passando meses e às vezes
anos, em busca de indígenas a serem escravizados e metais preciosos.
29
[...] Em suas andanças pelos sertões, os paulistas iriam afinal realizar
velhos sonhos e confirmar um raciocínio lógico. O raciocínio continha
uma pergunta: se a parte do continente que pertencia à América
espanhola era rica em metais preciosos, por que estes não existiriam
em abundância também na colônia lusa? Em 1695, no Rio das Velhas,
próximo às atuais Sabará e Caeté, ocorreram as primeiras descobertas
significativas de ouro.
A figura 5 registra as principais expedições de bandeirantes para o interior de
Minas Gerais. Além dos paulistas, há registros também da presença de algumas
bandeiras que partiram do nordeste brasileiro, ainda no século XVI, que tomavam a
direção do atual Rio Jequitinhonha em direção à Serra do Espinhaço. Todavia,
historicamente, foram as bandeiras paulistas que obtiveram grande sucesso na
descoberta do ouro.
O ouro só haveria de ser descoberto na segunda metade do século XVII. A dura
missão de cortar as serras paulistas e mineiras não era fácil. E na cumeada das elevações
caminhavam expedições que se orientavam pelos elementos mais significativos das
paisagens e pelos rios.
Figura 5 - Principais Expedições em Minas Gerais (Séculos XVI e XVII).
30
Investindo contra a Serra do Mar, vencendo a Mantiqueira que parecia
sem fim, o paulista atingia os campos altos das nascentes do
Paraopeba, rompia sempre nova morraria, atingia o Guaicuí, ou rio
das Velhas, que já sabia afluente do São Francisco, subia a descia,
para, afinal, retroceder à região de Ouro Preto (SALES, 1965, p.24).
Acredita-se que, dentre muitas dessas expedições, peregrinavam junto aos
bandeirantes alguns índios, que confirmavam a existência da lendária Serra de
Sabarabuçu7. Estimulados por outras descobertas, tanto nessa região quanto na área do
Ribeirão do Carmo, algumas expedições foram realizadas às margens do Rio Tripuí. Foi
em uma dessas entradas que alguns bandeirantes descobriram seixos escuros, os quais
foram imediatamente enviados para análise no litoral. Descobria-se o ouro negro,
minério de grande valor e encoberto por uma camada fina de óxido de ferro.
Diogo de Vasconcelos (1974, p.45) relata a descoberta do ouro da seguinte
forma:
Há poucos anos que se começaram a descobrir as Minas Gerais dos
Cataguases, governando o Rio de Janeiro Artur de Sá e Menezes; e o
primeiro descobridor, dizem, foi um mulato, que já havia de
Paranaguá e Curitiba. Este, indo ao sertão com alguns paulistas a
buscar índios, e chegando ao serro do Tripuí, desceu abaixo para
tomar água no ribeiro a que chamam agora do Ouro Preto: e metendo
a gamela na ribanceira para tirar água e roçando-a pela margem do rio,
viu que nela depois ficaram uns granitos da cor do aço, sem saber o
que eram, e nem os companheiros souberam conhecer e estimar o que
tinham achado tão facilmente: e só cuidaram que ali haveria um metal
não bem formado e por isso não conhecido. Chegando, porém, a
Taubaté, não deixaram de perguntar que casca de metal era aquele.
A descoberta do ouro negro despertou o interesse de muitos colonos do litoral e
um aumento expressivo na chegada de novos portugueses ao Brasil. O local do
descobrimento tornou-se para muitos o Eldorado, que poderia transformar suas vidas.
Iniciavam-se ali, na última década do século XVII, as longas e penosas caminhadas ao
Itacolomy.
Quando nasceu o sol, o bandeirante viu na sua frente o menino de
pedra, grande Itacolomy reluzindo. Falaram logo em santo e milagre,
o que não se compreendia a vida sem o sal de um milagranho
(SALES, 1965, p. 18)
7Serra de Sabarabuçu - é uma serra lendária, descrita como uma "serra resplandescente"
pelos indígenas brasileiros, no século XVI e XVII.
31
A expedição liderada por Antônio Dias, em 1698, foi a primeira a consolidar o
primitivo descobrimento8. Dessa expedição fazia também parte o Padre João de Faria
Fialho, que se tornaria notável como um dos principais povoadores da região. Foi o
princípio de uma nova ocupação, em uma geografia até então desconhecida por muitos.
Não tardou para que, em poucos anos, o afluxo populacional para a
região atingisse grandes proporções, fixando o homem no solo, e
materializasse no espaço as primeiras formas urbanas de acordo com
as possibilidades e aspirações dos primeiros moradores, moldadas
segundo os interesses metropolitanos por meio de concessões de lotes,
da definição de suas formas de uso e taxações tributárias aplicadas aos
moradores segundo o tamanho dos lotes, a quantidade de ouro
extraído e o número de escravos em atividade (CIFELLI, 2005,
p.121).
1.1.4. OCUPAÇÃO DO SÍTIO
A ocupação da atual cidade de Ouro Preto foi iniciada nos finais do século
XVII, tendo os primeiros habitantes ocupado as encostas e os sopés das serras. Para
definir melhor as áreas mais privilegiadas para a ocupação, a encosta foi dividida em
duas porções: uma mais superior, de declividade mais acentuada, e uma segunda parcela
com declive em direção ao sopé da serra. Essa divisão foi proposta por Guerreiro (2000,
p.7), que confirma um maior adensamento nessa última porção por “permitir a
existência de zonas planas passíveis de edificação, como pequenos planaltos, vertentes
mais suaves ou algumas zonas mais próximas ao leito dos rios”.
A figura 1, registrada na década de 19409, configura bem o modelo de
assentamento ocorrido em Ouro Preto. No centro da fotografia, é possível observar a
ocupação do sopé da serra, justamente por oferecer menor grau de declividade e
apresentar porções mais planas. Essas condições permitiram que grandes edificações
como as igrejas e edifícios públicos ganhassem destaque na paisagem. Na lateral
esquerda da fotografia, é possível identificar-se a Igreja de São Francisco de Paula,
situada em um platô na porção intermediária da encosta.
8Caminho assinalado pela cor amarela no mapa de “expedições”. 9Período que antecede a forte valorização turística de Ouro Preto e de crescimento da mancha urbana.
Logo, retrata um modelo de ocupação mais semelhante ao que foi presenciado nos séculos anteriores ao
XX.
32
Figura 6 – Vista Parcial da Cidade de Ouro Preto-MG;
Fonte: Luiz Fontana, 1946.
Para Guerreiro (2000, p.8), esses platôs e seus arredores, localizados nas áreas
de declividade intermediária, são as áreas que apresentaram maior ocupação no sítio
estudado. Essas áreas são chamadas por Guerreiro de “pontos notáveis” ou
“promontórios”10, por se apresentarem geograficamente mais acessíveis.
Vila Rica, como era então chamada, foi então sendo ocupada por indivíduos
esperançosos de se enriquecerem com o ciclo aurífero. Ao atingir a região onde hoje se
encontram as cidades de Ouro Preto e Mariana, os novos habitantes iam se apropriando
das terras que ofereciam mais facilidade de acesso. A maioria se instalava nos vales
próximos às áreas de extração, até se adaptar de vez às novas condições encontradas.
Aos poucos, os traçados das ruas foram sendo definidos de modo espontâneo e de
acordo com a topografia do terreno, conectando as áreas de extração do minério às
praças, largos e igrejas.
Em toda parte eram pesquisadas as areias dos ribeiros e a terra das
montanhas e, quando encontravam algum terreno aurífero, construíam
barracas em suas vizinhanças a fim de explorá-lo. Estas espécies de
acampamentos (arraiais) tornavam-se pequenas povoações, depois
vilas; e foi assim que os paulistas começaram a povoar o interior da
terra, incorporando à monarquia portuguesa regiões mais vastas que
muitos impérios [...] Normalizando-se as explorações, organizam-se
povoados em torno de suas capelas provisórias, cujos adros e
10 Segundo Guerreiro (2000), os promontórios seriam áreas mais elevadas e de morfologia plana, as quais
sustentariam edificações políticas e religiosas.
33
caminhos, caseados, vão cordear os incipientes logradouros públicos
(VASCONCELOS, 1977, p. 21)
Esta distribuição espacial, formada pelas edificações e pelo conjunto e vias,
cumpriu um importante papel na estrutura da cidade, onde a maior dificuldade em
termos de acessibilidade era o próprio relevo. Ao acompanhar as curvas de nível do sítio
e apreciar o percurso que fosse menos íngreme, as ruas foram surgindo nos fundos dos
vales, ao longo das cumeadas e nas meias encostas.
1.1.5. RELAÇÕES SOCIAIS, FORMAÇÃO DE NOVAS CLASSES,
DESENVOLVIMENTO COMERCIAL E ADENSAMENTO URBANO.
A região mineradora marca a formação da primeira sociedade eminentemente
urbana no período colonial, pois, até então, os assentamentos urbanos se resumiam a
entrepostos comerciais que controlavam a produção do campo ou serviam como centros
de poder. A urbanização mineira, diferentemente do resto do país, se deu a partir de um
espaço de produção, onde o locus da produção e do poder quase se confundiam
(MONTE-MOR, 2001). Ou seja, o ciclo do ouro propunha uma mudança nas relações
comerciais com o aparecimento dos núcleos urbanos integrando as atividades
econômicas às zonas de mineração.
A população que se instalou nas minas tinha um novo tipo de
distribuição. Tratava-se de uma população de altíssimo índice de
urbanização. Praticamente toda ela estava concentrada nos núcleos
urbanos. (REIS, 2001, p.109)
O conjunto formado pelos arraiais das paróquias de Antônio Dias, de Padre
Faria e de Nossa Senhora do Pilar, principalmente, recebe a designação de Vila em
1711.Esta série de arraiais de exploração aurífera se conectava por meio de tortuosas
vias entre a meia encosta e o sopé das serras. Em 1720, Vila Rica se torna a sede da
província de Minas Gerais, após esta ser desmembrada da Capitania de São Paulo. O
que se observa nesse curto espaço de tempo, entre as mudanças de arraiais para vila e de
vila para sede provincial, é que o modesto aglomerado disforme vai dando lugar a uma
vila rica, propriamente dita, com belas construções executadas com rigor arquitetônico e
cuidadoso detalhamento, até o final do século XVIII. A partir do século XIX, com a
exaustão das jazidas mineradoras, o centro administrativo ingressará em forte processo
34
de decadência.
O crescimento vertiginoso da população e o adensamento de
edificações nos arraiais na primeira década do século XVIII
demonstravam o delineamento de uma paisagem tipicamente urbana
que, aos poucos, se espalhava dos vales para as encostas das
montanhas, acompanhando a atividade mineratória [...] os primeiros
esboços de uma intensa vida urbana, jamais vista na colônia até então,
foi propiciada pelo desenvolvimento da atividade comercial, da
prática religiosa e de outras atividades acessórias urbanas que
marcaram o cotidiano dos moradores dos arraiais da mineração
(CIFELLI, 2005, p. 123)
Embora houvesse dificuldades quanto ao abastecimento de alimentos e outros
gêneros no início da ocupação, sobretudo devido à carência de um solo propício à
agricultura, as atividades relacionadas ao comércio se mostraram altamente lucrativas
ao longo de quase todo século XVIII. Muitos comerciantes experimentaram uma rápida
ascensão social e contribuíram para o adensamento urbano, a expansão de novas vias, a
construção de suntuosas casas, igrejas e obras públicas.
O florescimento comercial de Vila Rica refletiu-se diretamente no
aparecimento de importantes rotas de comercialização e troca de produtos entre os
núcleos mineradores. Na área urbana, algumas vias ganhavam maior importância devido
ao seu posicionamento estratégico entre fornecedores e consumidores. A “estrada-
tronco” conectava os dois principais núcleos do povoado, o que seria o caminho que
ainda hoje liga a Matriz do Pilar à Matriz de Antônio Dias.
Os viajantes que passaram pela Capital relataram essa experiência,
confirmando o intenso intercâmbio de manufaturas. Além da
existência de um mercado voltado para o abastecimento de bens
duráveis e não-duráveis, o comércio exibia estoques de produtos
importados europeus, especialmente ingleses. Para John Mawe, o
lugar parecia se constituir em um depósito de mercadorias e artigos
ingleses de todos os tipos. O viajante registrou o contraste entre o
diferenciado comércio, a exploração mineral e a arquitetura. Enquanto
ressaltava a simplicidade das edificações residenciais e de uso misto,
distinguia-as dos suntuosos templos religiosos e edifícios públicos
(LEMOS; MARTINS; BOIS, 2006, p.7).
O intenso dinamismo comercial na “estrada-tronco” favoreceu a ramificação de
novas vias, becos e vielas. Essa expansão, por sua vez, facilitou, também, um maior
adensamento demográfico e o surgimento de outros serviços diretamente relacionados
às atividades comerciais, entre as quais podem citar-se os alfaiates, ourives, ferreiros,
35
caldeireiros, mercadores, serralheiros e sapateiros.
Tais vias, enveredadas a partir da estrada-tronco, constituem-se no
principal e mais antigo eixo de ocupação e povoamento de Vila Rica,
exibindo, ao longo das íngremes ladeiras, dos becos estreitos e das
tortuosas ruas e vielas, o esplendor das expressões arquitetônicas do
barroco mineiro que refletem as riquezas da fase áurea da mineração
ocorrida entre as décadas de 40 e 50 do século XVIII (CIFELLI, 2005,
p. 126).
As edificações religiosas e institucionais foram se instalando onde o comércio
era mais concentrado. Essas construções estavam diretamente relacionadas ao
enriquecimento e desenvolvimento econômico de parcela da população através do
comércio ou da mineração. Assim, a arquitetura doméstica, destinada a uma classe mais
abastada, tinha por objetivo destacar a importância de seus proprietários diante da
sociedade e procurava ostentar suas riquezas por meio da qualidade estética e funcional
das construções residenciais. Do mesmo modo, as Irmandades disputavam a melhor
qualidade construtiva para as edificações religiosas e a administração da colônia, com as
obras públicas, como pontes e chafarizes.
Por isso, a primeira metade do século XVIII foi intensa quanto aos projetos de
edificações de igrejas, edifícios públicos e de residências, as quais permanecem, em sua
maioria, preservadas até os dias atuais. Embora muitas dessas edificações não mais
mantenham as mesmas funções do passado, com exceção das Igrejas, tornam-se
importantes como elementos remanescentes de uma história vivida por uma sociedade
marcada pela ascensão e queda do ciclo aurífero.
1.1.6. A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO E SUAS INFLUÊNCIAS
NA ORGANIZAÇÃO SOCIOESPACIAL DE VILA RICA
A forte relação entre o Estado e a Igreja interferia significativamente na
organização do espaço urbano colonial, expressando o poder e a influência na
organização da sociedade para a manutenção da ordem vigente. As duas instâncias
atuavam juntas na organização da ordem administrativa, política e econômica da antiga
capital mineira, além de controlar as atividades sociais a partir da determinação de
práticas comportamentais que favorecessem os interesses políticos e econômicos da
metrópole.
36
Os templos religiosos e os imóveis da administração colonial sempre
assumiram espaços privilegiados na geografia da antiga Vila Rica. Em meio a uma
topografia irregular, foram utilizados os pontos mais elevados ou de meia encosta onde
era possível encontrar áreas de fácil nivelamento. Esses platôs receberam imponentes
construções que realçaram a interferência religiosa e política na organização urbana e na
vida dos habitantes locais. O morro de Santa Quitéria (atual Praça Tiradentes) é uma
demonstração nítida do assentamento de equipamentos públicos, como a Casa de
Câmara e Cadeia e o Palácio do Governo, em área de topografia privilegiada que impôs
uma nova centralidade à Vila.
A partir da segunda metade do século XVIII, a criação da praça
principal [Praça Tiradentes] transformou o quadro da conurbação
antes centrípeta. Do ponto central, a partir de fluxos centrífugos,
começaram a surgir novas saídas, ramificações, ruas e caminhos.
Nesse passo, o eixo rizomático deslocou-se para a primeira e
expressiva centralidade — a Praça do Palácio dos Governadores e da
Casa de Câmara e Cadeia (LEMOS, 2006, p. 3)
A construção de edifícios públicos no Morro de Santa Quitéria, como o Palácio
do Governo e a Casa de Câmara e Cadeia, remonta à delimitação do centro
administrativo de Vila Rica e ao núcleo da povoação localizado entre as matrizes do
Pilar e a de Antônio Dias. A sua implantação frente a frente, afastados entre si para dar
lugar à praça central, reiterava o poder da Metrópole sobre a região mineradora,
impondo à sociedade os interesses da Coroa portuguesa quanto às questões
administrativas, jurídicas e econômicas. A Câmara exercia, sobretudo, o papel de “porta
voz das queixas e súplicas dos moradores” perante as imposições fiscais da Metrópole
(BORREGO, 2004, p. 41).
Quanto às igrejas e capelas, estas também assumiam privilegiada posição
geográfica no traçado urbano de Vila Rica e forte influência na sociedade local. Ainda
hoje, ao andar pelas tortuosas ruas de Ouro Preto, é nítida a presença de edifícios
religiosos sobre os platôs onde foram erigidos (Figura 2), o que destaca a expressão do
poder religioso no período colonial. Para Scarlato (1996, p. 133) “em qualquer que seja
a direção que lancemos o nosso olhar, nos deparamos com a monumentalidade das
igrejas mineiras dominando o cenário da cidade”.
37
Figura 7 – Vista da Igreja de São Fco. de Paula, edificada sobre elevações do relevo de Ouro Preto-MG
Fonte: Luiz Fontana, 1946.
A Igreja teve importante papel na implantação de uma estrutura urbana no
início do povoamento dos primeiros arraiais em Minas Gerais, pois foi no entorno deles
que se organizaram as residências particulares, os edifícios institucionais e os pontos de
comércio. Com o crescimento demográfico acelerado e uma economia desorganizada, a
Coroa Portuguesa impôs muitas regras com o intuito de manter a ordem e o poder.
Nesse período, a “Igreja, ligada ao Estado, era um instrumento de urbanização face a
uma política genérica e evasiva da Coroa, em relação ao planejamento, construção ou
ordenamento das cidades coloniais” (ANASTASIA; JULIÃO; LEMOS, 2000, p. 37).
A influência da Igreja na organização urbana das cidades mineiras do século
XVIII é comparada a exemplos ocorridos nas cidades medievais europeias, pois a
edificação dos templos religiosos durante o período medieval ocorre juntamente com a
evolução urbana, beneficiando-se da localização privilegiada das cidades (LE GOFF,
1992).
Teixeira (2004, p.49-53) confirma essa similaridade afirmando que:
[...] apesar das diferentes condições geográficas, bem como da
distância que existe entre idênticas fases de desenvolvimento destas
cidades, as suas estruturas de implantação inicial e as sucessivas fases
de crescimento são idênticas [...] Nas cidades de origem portuguesa
construídas no Brasil, encontramos uma síntese das múltiplas
referências, vernáculas e eruditas, medievais e renascentistas, que
38
moldaram a sua estrutura e os seus espaços urbanos.
Além de uma localização urbana privilegiada, capaz de influenciar a
organização espacial das cidades, a Igreja também dominava, com seus princípios e
normas, a sociedade do século XVIII. Dentro dos grandes templos edificados,
sobretudo pela riqueza proveniente do ouro, a sociedade experimentava algo muito além
dos rituais litúrgicos, missas e confissões. As expressões dos cultos diários nas igrejas,
frequentadas pela sociedade em geral, possuíam um caráter de entretenimento, atuando
também de forma abrangente sobre o convívio social, os encontros casuais, as reuniões
políticas, os batismos, os casamentos, as procissões e os funerais.
A captação dos fiéis por meio dessas práticas atuou como um
poderoso instrumento de manipulação política e ideológica. A
mobilização da população em torno das práticas religiosas e o
contentamento de todos impedia a organização de reuniões, motins e
manifestações contrárias à ordem vigente (CIFELLI, 2005, p. 134).
Neste aspecto, a relação Igreja-Estado é vista como algo definitivamente
controlador quanto à organização do espaço urbano, bem como das práticas e
comportamentos da sociedade do século XVIII, em Vila Rica. Conjuntamente, essas
duas entidades desempenharam papéis significativos que reforçaram suas expressões
para que pudessem usufruir das vantagens daquele momento áureo da história colonial
brasileira.
1.1.7. DECLÍNIO DO OURO E O “ESQUECIMENTO” DA ANTIGA CAPITAL
No último quarto do século XVIII, a então Vila Rica começava a dar sinais de
falência econômica com o esgotamento do ouro. A Coroa portuguesa forçava uma
tributação excessiva em pleno declínio das atividades econômicas e a insatisfação por
parte de grupos da sociedade mineradora tornava-se cada vez maior, culminando na
Inconfidência Mineira11. A chegada do século XIX prometia uma história bastante
diferente do período de riquezas vivido no século anterior, marcada agora pela
decadência comercial e o declínio populacional.
A chegada do século XIX marcou definitivamente a Vila, devido às
inúmeras transformações, até então inusitadas, que a capital
11Movimento de caráter separatista, ocorrido em Minas Gerais no ano de 1789, cujo principal objetivo era
libertar o Brasil do domínio português. O lema da Conjuração Mineira era “Liberdade, ainda que tardia”.
39
vivenciou. Por um lado, encontrava-se instalado um quadro
socioeconômico alarmante devido à decadência da exploração do
ouro, já anunciada na segunda metade do século XVIII.
Simultaneamente, à medida que novas condições materiais se
impunham, Vila Rica submetia-se também aos desafios da
modernização, impetrados especialmente com a presença da corte
imperial portuguesa no Brasil. A antiga vila, então sede da capitania,
foi promovida à condição de capital da Província de Minas Gerais,
definindo uma nova fase na sua história (LEMOS; MARTINS; BOIS,
2006, p.3).
Apesar da forte crise econômica, Vila Rica não perdeu sua importância
política. Em 1823, após a Independência do Brasil, recebeu o título de Imperial Cidade
de Ouro Preto, conferido por D. Pedro I, tornando-se oficialmente a capital da então
Província das Minas Gerais. Assim, com a sua permanência como centro administrativo
e a manutenção de sua importância estratégica para o Império Brasileiro, houve um
acréscimo das atividades agrícolas e comerciais, o que fez Ouro Preto resistir como
centro urbano expressivo durante o século XIX.
Neste contexto, o declínio das atividades mineradoras em Ouro Preto
promoveu algumas inquietações durante a primeira metade do século XIX. Além dos
problemas relacionados ao abastecimento daqueles que permaneceram na cidade,
faltavam definições por parte do poder público para construção e conservação de
edificações. Faltava uma gestão urbana efetiva que promovesse o ordenamento e a
requalificação das áreas urbanas. Apenas na segunda metade do século XIX,
coincidindo com transformações socioeconômicas e políticas que alcançaram seu ápice
no início do período republicano, é que algumas políticas públicas passaram a exercer a
prática de regulamentação urbana.
Entretanto, o século XIX também marcou o surgimento de centros
educacionais importantes, com a criação da Escola de Farmácia, em 1839, e da Escola
de Minas, em 1876. Essas instituições contribuíram de forma relevante para recuperar a
expressão cultural e política local.
Somaram-se a essas medidas a consolidação de técnicas modernas de
extração mineral e a diversificação do próprio processo de exploração
das reservas. Dentro do quadro material e econômico, a produção
agropecuária, a exploração mineral, como no caso da siderurgia, e a
produção de manufaturas consolidaram-se como vocação econômica
da Província. O fortalecimento do setor de serviços da Capital
justificava-se pela dinâmica do comércio e pelas atividades de
negócios voltados para a exportação, resultantes do desenvolvimento
(LEMOS; MARTINS; BOIS, 2006, p.7).
40
Em meio a tantas mudanças no cenário econômico da antiga Vila Rica, o
século XIX marcou também o forte crescimento da economia cafeeira no oeste paulista
e na região do Vale do Paraíba. Paulatinamente, a antiga região aurífera deixava de ser a
referência econômica do país, embora continuasse politicamente ativa. Mesmo com a
proclamação da República, em 1889, Ouro Preto ainda permaneceu como capital de
Minas Gerais, até Belo Horizonte ser inaugurada em 1897 para assumir essa função.
Com a mudança da sede do governo estadual, uma retração demográfica ainda
maior foi inevitável. A transferência dos setores administrativos foi o ultimato para a
antiga Vila Rica. Certamente, um longo período de esquecimento tomou de vez aquele
território de histórias infinitas e de arquitetura sem igual.
A construção da nova capital e o êxodo que se seguiu – calcula-se que
mais de 45% da população tenha emigrado – vão colocar Ouro Preto
em uma espécie de limbo, um local fora do tempo. Não sendo mais
desse tempo, de que tempo seria esse lugar? Começam as evocações
de glórias passadas e as constantes referências à sua história, e Ouro
Preto vai se distanciando, perdendo sua consistência e completude,
enfumaçando-se por ação dos discursos. Como se já tivesse cumprido
seu papel, dissolve-se nas brumas do passado. À cidade da História,
que transparece nos discursos e homenagens, contrapõe-se a cidade
real que, por vazia e destituída de vitalidade, vai se deteriorando
fisicamente (MENICONI, p.68, 1999).
Sem a necessidade de um forte crescimento e sem atrair novos ocupantes, além
dos estudantes que ali chegavam, Ouro Preto manteve-se praticamente inalterada e
conseguiu preservar seu conjunto arquitetônico, artístico e natural. Durante a década de
1920, a presença de artistas modernistas como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e
Tarsila do Amaral abrilhantou a cidade. Viviam-se os reflexos da Semana da Arte
Moderna, que reavivava e valorizava a arte e o artista nacional, como o barroco ouro-
pretano e a célebre figura de Aleijadinho. Desde então, Ouro Preto passou a manter sua
vocação artística e cultural graças às suas escolas centenárias, aos festivais de arte e à
realização de festas tradicionais12.
Alguns anos mais tarde, já no governo de Getúlio Vargas, Ouro Preto passaria
a ganhar prestígio e verbas federais que pudessem resguardar a fração de um período
histórico do Brasil. O Estado começava a enxergar a necessidade de preservar sua
identidade expressa fisicamente através de seu patrimônio histórico. No ano de 1931, a
antiga capital de Minas Gerais ganhou apoio de uma legislação especial assinada pelo
12 As festas tradicionais e festivais serão retratados no item “Patrimônio Cultural” deste trabalho.
41
então prefeito João Batista Ferreira Velloso, que proibiu qualquer tipo de alteração nas
fachadas do centro histórico. Dois anos mais tarde, em 1933, a cidade foi elevada a
Monumento Nacional. Cinco anos depois, registrada no Livro de Tombo do recém-
criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN (atual IPHAN).
Desde então, Ouro Preto passou a ganhar cada vez mais importância como
atrativo turístico. Logo, dezenas de edifícios passaram a abrigar novos usos,
transformando-se em pousadas, hotéis, restaurantes, entre outros. A preservação de
grande parte do patrimônio existente durante o período áureo da mineração, as histórias
do tempo vivido pela sociedade ouro-pretana e as tristes histórias referentes à
escravidão acabaram despertando a curiosidade pela cidade também fora do Brasil. Em
5 de setembro de 1980, na quarta sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da
UNESCO, realizada em Paris, Ouro Preto foi declarada Patrimônio Cultural da
Humanidade.
1.1.8. OURO PRETO DOS DIAS ATUAIS
Em 1938, o poeta Manuel Bandeira registrou o seguinte sobre Ouro Preto:
"Não se pode dizer que Ouro Preto seja uma cidade morta. (...) Ouro Preto é a cidade
que não mudou, e nisso reside seu incomparável encanto". De certo, o poeta conferiu à
cidade o valor que realmente ela representa enquanto estrutura urbana, salientando a sua
composição barroca colonial que resistiu ao tempo.
Considerada obsoleta, atrasada e decadente logo após perder a centralidade
política e administrativa de Minas Gerais, Ouro Preto ressurgiu décadas mais tarde com
os impactos da modernidade, sem perder a aura do passado. O progresso industrial do
Sudeste brasileiro e a necessidade da implantação de áreas industriais na região fizeram
Ouro Preto experimentar um novo crescimento demográfico e uma expansão urbana
para além do centro histórico tombado. Assim, com a chegada de algumas indústrias
mineradoras, como a Alcan13, e a ampliação de cursos universitários na cidade, algumas
mudanças acabaram sendo inevitáveis devido ao progresso que alterou a economia
local, transformando-a em uma cidade-polo.
Os novos modelos de vida, de transporte e de comércio fizeram a cidade
ganhar novos traçados urbanos e arranjos em seus casarios, destinados às novas
13 A Alcan é uma empresa de exploração de alumínio canadense e se instalou em Ouro Preto em 1950,
impulsionando as atividades ligadas à metalurgia e mineração no município, o que provocou o
crescimento populacional e a demanda por novas moradias na cidade.
42
ocupações. A segunda metade do século XX marcou a volta do crescimento
demográfico na cidade. O núcleo urbano, que se mantinha praticamente inalterado
desde os fins do século XVIII, passou a sofrer um forte processo de expansão, sendo
aproveitadas as áreas periféricas que oferecessem condições possíveis de ocupação.
Todavia, a criação de novas áreas urbanas, em função do crescimento da população, não
foi acompanhada por um planejamento adequado. Esse fator propiciou a ocupação
irregular principalmente de áreas vazias, onde se desenvolveram as atividades de
mineração no passado. Por conseguinte, essas áreas, que apresentam características
geotécnicas desfavoráveis, geram atualmente um quadro problemático quanto à
segurança da população e causam discussões sobre a condição da cidade de Ouro Preto
enquanto Patrimônio Cultural da Humanidade (SOBREIRA; FONSECA, 2001).
A gravidade do quadro de descaracterização do conjunto arquitetônico
e paisagístico, tombado pelo IPHAN e pela UNESCO, ocorridos,
principalmente, com a ocupação irregular de áreas de risco, sítios
arqueológicos e de áreas verdes, fez com que a cidade entrasse, em
2003, na lista de patrimônio em risco da UNESCO, sofrendo ameaças
de perder o título de Patrimônio da Humanidade. Problemas
relacionados ao tráfego de veículos pesados nas ruas do centro
histórico tombado, infraestrutura de saneamento precária e obras
irregulares também se enquadram no rol das dificuldades enfrentadas
pelo IPHAN no que tange às ações de preservação (CIFELLI, 2006, p.
152).
As imagens obtidas por satélites (Figura 3), a seguir, mostram as modificações
ocorridas nas últimas décadas em Ouro Preto. As décadas de 1980 e de 1990 foram as
que mais registraram o aparecimento de novos bairros na cidade, sem qualquer
planejamento, configurando-se como um descaso do poder público perante a ocupação
desordenada do espaço urbano. Com exceção do bairro Bauxita, que cresceu
concomitante e próximo ao Campus da UFOP, destaca-se o desenvolvimento de bairros
em áreas sem a presença de qualquer tipo de infraestruturas, como os bairros de Nossa
Senhora do Carmo (Pocinho), Santa Cruz e Jardim Alvorada. Observa-se, na primeira
imagem, datada de 1984, que as áreas de solo exposto (de cores mais claras) ressaltam o
aparecimento desses novos loteamentos no entorno do centro histórico da cidade. Já nas
imagens seguintes é verificado um adensamento de novas construções nas áreas antes
descampadas, em especial na imagem de 2011.
43
Figura 8 – Evolução da mancha urbana de Ouro Preto - MG nos anos de 1984, 1999 e 2011.
44
O valor dos terrenos e das construções, de um modo geral, no centro histórico
de Ouro Preto alcançou uma supervalorização imobiliária, em especial depois que a
cidade recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Além da população que
chegava atraída pelas novas oportunidades de emprego nas mineradoras, grande parcela
da população local foi “forçada” a deixar o centro histórico da cidade para dar espaço
aos novos tipos de comércio que atendessem, sobretudo, aos turistas. De forma intensa,
o crescimento desordenado de novos bairros passou a exercer uma mudança também na
paisagem de Ouro Preto. A abertura de novos loteamentos e a construção de novas
edificações, em especial nas áreas de risco e de relevo mais acidentado, passou a
descaracterizar a paisagem barroca recebida como herança dos tempos de Colônia.
Atualmente, Ouro Preto continua apresentando um crescimento caótico, com o
adensamento das áreas de risco, a ocupação de espaços públicos e o impacto direto
sobre as áreas verdes. A nítida descaracterização do entorno, que é parte do patrimônio
tombado pelo IPHAN e pela UNESCO, configura-se um sistemático e evolutivo
problema que ameaça o complexo arquitetônico e cultural da cidade.
Verifica-se que, apesar do rigor do tombamento do IPHAN e da elevação da
cidade à condição de Patrimônio Cultural da Humanidade, isto não significa que a
cidade possa ser engessada em suas funções vitais. Por isso, em Ouro Preto podem ser
observados os mesmos problemas encontrados em outras cidades brasileiras, como a
ausência de um planejamento urbano ordenado, trânsito caótico, déficit habitacional,
ocupação desordenada de encostas e áreas de risco, carência de saneamento básico e a
falta de infraestruturas de serviços à comunidade.
Economicamente, a atual Ouro Preto tem grande parcela de seu PIB
proveniente do setor industrial (IBGE, 2011), conforme já salientado no início desse
capítulo. Esse setor apresentou forte crescimento, sobretudo entre as décadas de 1970 e
1980, chegando a um crescimento de 32% nesse período (SEBRAE, 2006, p. 43). Desde
então, a mineração tornou-se novamente a principal base da economia do município,
embora o setor terciário também passasse a crescer a partir da década de 1980em diante.
O crescimento do setor terciário, sobretudo a partir da década de 1980,
representou principalmente o desenvolvimento do turismo como atividade geradora de
serviços e renda para o município. A elevação a Patrimônio Cultural da Humanidade,
cedido pela UNESCO em 1980, conferiu à cidade um valoroso lugar entre os circuitos
turísticos mais importantes em nível nacional e internacional.
45
[...] é na década de 1990 que o turismo adquire maior expressão,
acompanhando a tendência de expansão da atividade no Brasil e no
mundo, com o aumento do incentivo público à atividade, maior
divulgação das localidades e aumento das facilidades em sua
viabilização, através da redução dos custos, do aumento das
facilidades com transporte e comunicação, expansão dos serviços e
infraestrutura e outros fatores que dinamizaram o turismo em nível
local, nacional e mundial (CIFELLI, 2006, p. 159).
Concomitante ao crescimento das atividades turísticas, desenvolveu-se o
processo de refuncionalização do patrimônio tombado da cidade: antigos edifícios e
casarões passaram a exercer atividades comerciais, como restaurantes, pousadas, hotéis,
padarias, lanchonetes, bares, ateliers e lojas de artesanato. Atualmente, o dinamismo
econômico voltado ao público turista é expressivo e ainda maior, se comparado com as
décadas de 1980 e 1990, em especial nos períodos de alta temporada e de grandes
eventos.
Ouro Preto mantém hoje, em seu calendário, importantes eventos culturais que
fortalecem o fluxo de turistas pela cidade, como a Mostra de Cinema, o Festival de
Inverno (Figura 4) e o Festival Tudo é Jazz (Figura 5). Amparados por grupos de
empresários do ramo hoteleiro, gastronômico e comercial da cidade, juntamente com o
apoio da Universidade Federal de Ouro Preto e da prefeitura local, esses eventos reúnem
turistas das regiões mais longínquas do Brasil e, até mesmo, do exterior. Os eventos
duram de uma a quatro semanas e geralmente acontecem à noite, o que permite aos
turistas visitarem a cidade e conhecerem os museus e as igrejas barrocas durante o dia.
Figura 9 – Imagem de divulgação do Festival de
Inverno 2013;
Fonte: Imagem divulgada pelos realizadores, 2013.
Figura 10 – Imagem de divulgação do Festival Tudo é
Jazz 2013;
Fonte: Imagem divulgada pelos realizadores, 2013.
46
Outra característica na atual Ouro Preto é a presença das repúblicas
universitárias. Divididas entre federais e particulares, as repúblicas estudantis são uma
maneira mais econômica para os estudantes que chegam de outro local para cursar o
ensino superior. A grande presença de estudantes na cidade interfere também em sua
economia, embora estes não utilizem os mesmos equipamentos comerciais
exclusivamente voltados para os turistas. Em bairros mais próximos ao Campus da
UFOP, como é o caso do bairro Bauxita, a dinâmica comercial tem se tornado mais
intensa depois da abertura de novos cursos e a chegada de mais alunos à cidade.
Além de contribuírem para fortalecer o comércio local, as repúblicas, em Ouro
Preto, também são reconhecidas por organizarem grandes festas na cidade. O carnaval e
a chamada “Festa do Doze” são os principais eventos organizados pelos estudantes e
que reúnem centenas de pessoas nas ruas e nas repúblicas. Durante o carnaval as
repúblicas particulares montam pacotes que variam de R$ 600,00 (seiscentos reais) a R$
1300,00 (mil e trezentos reais), incluindo hospedagem, refeições, bebidas e abadás para
os tradicionais blocos da cidade. Para alguns grupos de estudantes, o carnaval acaba
sendo rentável com as vendas desses pacotes, já que contribui para investimentos em
melhorias nas próprias repúblicas. A “Festa do Doze”, por sua vez, recebe esse nome
por ser realizada durante o feriado do dia 12 de outubro. Trata-se de uma festa também
bastante tradicional e representa o retorno dos antigos alunos às suas repúblicas, onde
festejam o reencontro com antigos amigos de moradia e de universidade.
Embora sejam eventos que também movimentam a cidade, nem o carnaval nem
a “Festa do Doze” são bem vistos por aqueles que prestam serviços aos turistas. Por
abrangerem um público bastante alternativo e que não possui nenhum interesse cultural,
muitos empresários acreditam que tais festas desvalorizam e impactam direta e
negativamente o patrimônio da cidade. A porção histórica de Ouro Preto, onde é
realizado o carnaval, não apresenta infraestrutura capaz de suportar tamanho
contingente de pessoas e de automóveis. O resultado é prejudicial à comunidade que
reclama da sujeira deixada nas históricas ruas e ladeiras da cidade, o que desagrada
também aos comerciantes.
47
Como exemplo do alcance deste impacto negativo no carnaval de 2012, um
grupo de turistas que estava na cidade foi flagrado depredando uma cruz do século XIX
(Figura 6), que se encontra sobre uma das pontes de Ouro Preto. O resultado foi a prisão
dos três turistas por danos ao patrimônio público (estes respondem a processo judicial
movido pelo IPHAN e pela Prefeitura de Ouro Preto). Em abril do mesmo ano, a cruz,
que é feita de pedra Itacolomy, foi restaurada e voltou a fazer parte da paisagem da
cidade (Figura 7).
Outro impasse criado em dezembro de 2013, e que também envolve os turistas
no período do carnaval, foi a proibição da venda de hospedagem em repúblicas federais.
A ação judicial foi movida pela Associação dos Hotéis que alega uma concorrência
desleal, já que as repúblicas não pagam impostos e não representam pessoa jurídica. A
ação movida pela Associação dos Hotéis foi considerada descabida pelos estudantes e
pela própria UFOP, por entenderem que as repúblicas não oferecem o mesmo conforto
de um hotel. Em janeiro de 2014, depois de recurso movido pela UFOP, as repúblicas
federais foram liberadas novamente para hospedar turistas, contanto que sejam
vistoriadas pelos bombeiros e tenham alvarás liberados pela prefeitura. Os valores
recebidos com as hospedagens deverão ser revertidos em melhorias nas repúblicas.
É evidente que a Ouro Preto de hoje muito difere da Ouro Preto dos períodos
áureos do ouro. No entanto, o conjunto arquitetônico e urbanístico possui uma estrutura
barroca colonial ainda muito bem preservada. O tempo presente reflete uma cidade de
funções e usos muito diferentes daqueles vividos nos séculos XVIII e XIX. Ao mesmo
Figura 11 – Imagem da cruz depredada durante o
carnaval de 2012.
Fonte: Eduardo Trópia, 2012.
Figura 12 – Imagem da cruz restaurada após o
carnaval de 2012.
Fonte: Thiago Guimarães, 2012.
48
tempo que assume o papel de cidade histórica e detentora de significativo patrimônio
arquitetônico, é alvo, por isso mesmo, do sistema mercadológico e capitalista movido
pelos grandes empresários do ramo turístico. Ouro Preto é uma cidade que presencia
hoje o impacto do crescimento desordenado e o ímpeto das mineradoras e do turismo. É
uma cidade movimentada pelo cotidiano dos estudantes universitários, pela atratividade
do seu patrimônio cultural e os belos festivais que atraem centenas de turistas a cada
ano. Enfim, uma cidade desejada de diferentes maneiras tendo por referência uma
mesma história.
1.2. IDENTIDADE SOCIAL E EXPRESSÃO TERRITORIAL: A
CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
1.2.1. MEMÓRIA SOCIAL
A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar de
identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na
angustia (LE GOFF, 1990, p. 476).
As diferentes memórias estão presentes no tecido urbano,
transformando espaços em lugares únicos e com forte apelo afetivo
para quem neles vive ou para quem os visitam. Lugares que não
apenas têm memória, mas que para grupos significativos da sociedade,
transformam-se em verdadeiros lugares de memória (GASTAL, 2002,
p. 77).
O conceito de memória social tem sido estudado por vários autores que se
debruçam no entendimento de como a memória é transmitida socialmente e de que
forma influencia as relações sociais e a organização espacial. Embora seja um tema
relativamente novo para a ciência geográfica, estudos relacionados a este assunto já
foram pesquisados por outras ciências, como a filosofia e a psicologia, desde o século
XIX. Para a geografia, os estudos relacionados à memória só emergiram na segunda
metade do século XX, com a Geografia Cultural. Um grande interesse pelas imagens
mentais, pelas representações, simbolismos e identidades se manifestou na “virada
cultural”, na década de 1990 (CLAVAL, 2011).
A memória, enquanto fenômeno coletivo, permite promover a relação entre
membros de um mesmo grupo a partir de uma ideia de continuidade e de manutenção da
identidade, como características particulares. De acordo com Peralta (2007), a memória
49
e a identidade de uma determinada sociedade coexistem nas peculiaridades do passado
desta coletividade, pela manutenção de símbolos que permitem identificar e distinguir
os diversos grupos que dela participam.
Para Arantes (1984), o valor simbólico de um objeto é decorrente da
importância adquirida pela memória coletiva e pressupõe a necessidade de preservação
de algo que é representativo para muitos. A partir do momento em que a memória social
se torna responsável por conectar o passado ao presente, criam-se raízes para o futuro. É
a partir da carga simbólica atribuída pela coletividade a um determinado objeto que ele
se transforma em um bem cultural.
O reconhecimento do patrimônio cultural se estabelece pela
identificação dos seus significados. A percepção da carga simbólica
contida em cada patrimônio auxilia a desvendar o significado
histórico-social deste patrimônio. [...] E é esta memória (memória
social) que impele a ver o passado e a inventar o patrimônio dentro
dos limites possíveis estabelecidos pelo conhecimento
(MONASTIRSKY, 2009, p.324).
O patrimônio cultural se constrói por meio da história, a qual é reproduzida
através da memória. As relações construídas no passado, representadas em
manifestações como o folclore, as festas típicas, os modelos de comércio, os formatos
urbanos e a arquitetura típica passam pela memória das gerações e são utilizadas como
instrumentos de composição cultural, contribuindo para ampliar a dimensão do
patrimônio cultural.
A valorização da memória coletiva e da identidade cultural, representadas nas
relações construídas no passado, ganham força e avançam com a consolidação da
sociedade capitalista industrial. O aumento da velocidade das inovações tecnológicas,
em especial dos meios de transporte e de comunicação, provocou um descompasso entre
o tempo da sociedade capitalista industrial e o tempo do indivíduo. As relações externas
de trabalho tornaram-se mais intensas que as próprias relações familiares, provocando
um desalinho temporal e certo “estranhamento espacial, experimentado em algum
sentido, diante do processo da globalização” (MONASTIRSKY, 2009, p.325).
Para Nora (1989, p.19), o resgate do passado visto através da memória social
representa a cristalização de “lugares” em um momento particular na história. Esses
“lugares da memória”, segundo o autor, existem porque já não podem mais ser vividos
no tempo presente. Logo, os “lugares da memória” se originam conforme o tempo corre
50
e, desta forma, torna-se necessário criar arquivos que possibilitem uma ligação com o
passado e a criação de uma ideia de continuísmo, conforme explica abaixo:
Os lugares de memória são simples e ambíguos, naturais e artificiais,
uma vez disponíveis para a experiência concreta tornam-se
susceptíveis das elaborações mais abstratas. Com efeito, eles são
lugares de memória nos três sentidos da palavra: material, simbólico e
funcional (NORA, 1989, p.19).
A necessidade de se manter uma conexão entre o passado e o presente tornou-
se mais intensa no final do século XIX, especialmente na Europa e nos Estados Unidos.
Tanto os europeus como os norte-americanos presenciaram a revolução industrial
primeiro, por isso também apresentaram as sensações de maior velocidade do tempo e
perda do passado mais cedo que o restante do mundo. A nostalgia do prazer pela
história, arqueologia, folclore e também pela importância conferida ao patrimônio
material marcou o século XIX de muitos países industrializados (LE GOFF, 1984).
Já nos países industrializados tardiamente, como é o caso do Brasil, o anseio
pela preservação da memória e do patrimônio se constitui mais tardiamente e em
situação conflituosa. No caso brasileiro, o resgate do passado e a manutenção do
patrimônio contrastavam com a necessidade do novo, impulsionado pela ideia do
progresso positivista, entre o final do século XIX e início do XX.
No Brasil, o resgate da história e da memória social só se torna efetivo a partir
da década de 1930, quando o início da industrialização e o recém implantado
modernismo aceleram a velocidade do tempo vivido e despertam a nostalgia pelo
passado.
1.2.2. IDENTIDADE CULTURAL E TERRITÓRIO: A EXPRESSÃO DA
TERRITORIALIDADE
Definir o conceito de identidade é muito complexo, pois transcende as
características de apenas um indivíduo e reúne características, sentimentos e desejos
coletivos. Para Handler (1994, p.28), o termo identidade pode ser analisado através de
três aspectos: primeiramente, observado de maneira individual. Em segundo, a
identidade pode ser observada enquanto coletividade imaginada como individual, como
a torcida de um time, por exemplo. E, por último, um misto dos dois primeiros,
especialmente no modo como os indivíduos assimilam elementos da identidade coletiva
para a sua própria identidade.
51
Para o presente trabalho, é importante a análise da identidade enquanto
formadora de características comuns a um grupo, interferindo diretamente na relação
desse público com o território em que vive. Por isso, o termo território, em sua
definição puramente geográfica14, assumirá aqui não apenas uma delimitação político-
administrativa do espaço geográfico, mas também a de pertencimento e de expressão
espacial da identidade coletiva.
Para o antropólogo Tizon (1995, p.32), o território é o “ambiente de vida, de
ação, e de pensamento de uma comunidade, associado a processos de construção de
identidade”. Abramovay (1998, p.25) complementa essa ideia afirmando que “um
território representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações
políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio
desenvolvimento econômico”. Nesse sentido, o território assume o alicerce para
desenvolvimento e manutenção das relações sociais, consolidando a ideia de
apropriação e de pertencimento daqueles que expressam suas identidades.
Haesbaert (1997, p.42) compartilha dessa ideia colocando o seguinte:
O território envolve sempre, e ao mesmo tempo [...], uma dimensão
simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída
pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o
espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de
apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-
disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de
domínio e disciplinarização dos indivíduos.
O que Haesbaert denomina como “identidade territorial” nada mais é do que a
forma como um grupo enraíza seus costumes e tradições, ao longo da história, em um
território definido. Trata-se da demarcação da memória a partir de uma escala territorial,
onde o espaço material e a memória social se fundem para a consolidação do que se
define como patrimônio (LAMY, 1996, p.14).
As particularidades assumidas por um grupo, em um determinado território,
14 O termo território vem do latim, territorium, “que deriva de terra e significa pedaço de terra apropriado.
Vale ressaltar que as noções de espaço e de território são distintas: o espaço representa um nível elevado
de abstração, enquanto que o território é o espaço apropriado por um ator, sendo definido e delimitado por
e a partir de relações de poder, em suas múltiplas dimensões. Cada território é produto da intervenção e
do trabalho de um ou mais atores sobre determinado espaço. O território é, portanto, uma rede de relações
sociais que se projetam no espaço. É construído historicamente, remetendo a diferentes contextos e
escalas: a casa, o escritório, o bairro, a cidade, a região, a nação, o planeta. Por isso, o território seja
objeto de análise sob diferentes perspectivas – geográfica, antropológico-cultural, sociológica,
econômica, jurídico-política, bioecológica –, que o percebem, cada qual, segundo suas abordagens
específicas” (ALBAGLI, 2004).
52
refletem a própria expressão da cultural local, definindo a sua identidade entre as quais
se incluem as afinidades entre os indivíduos. Portanto, a cultura se define espacialmente
e corrobora as relações sociais existentes em espaços onde se estabelecem modelos
peculiares de representação. Assim, a territorialidade pode ser definida como a
expressão do sentimento a um dado espaço geográfico, onde as práticas e manifestações
sociais estão integradas e afirmam a ideia de identidade e de pertencimento.
Segundo Albagli (2004, p.28), o termo territorialidade representa:
As relações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de
referência, manifestando-se nas várias escalas geográficas – uma
localidade, uma região ou um país – e expressando um sentimento de
pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço
geográfico. No nível individual, territorialidade refere-se ao espaço
pessoal imediato, que em muitos contextos culturais é considerado um
espaço inviolável. Em nível coletivo, a territorialidade torna-se
também um meio de regular as interações sociais e reforçar a
identidade do grupo ou comunidade.
Raffestin (1993, p.159), a partir de um discurso naturalista, reconhece que a
territorialidade define “a conduta característica adotada por um organismo para tomar
posse de um território e defendê-lo contra os membros de sua própria espécie”.
Paes-Luchiari (2005, p.51) afirma que:
As territorialidades compreendem uma forma de comportamento
socioespacial que tem implicações normativas, onde as relações de
poder se projetam também simbolicamente. Esse exercício de poder é
viabilizado pela criação de fronteiras (inclusive simbólicas) em
determinadas áreas, moldando comportamentos, influenciando e
controlando os usos dessas territorialidades.
Independente da definição dada por vários estudiosos, os conceitos sobre
territorialidade sempre evidenciam concepções referentes ao processo de apropriação.
Logo, trata-se do sentimento de pertencimento que conecta as pessoas a um
determinado território, constituindo a “imaterialidade” ou “significado” que é dado ao
lugar. A definição de patrimônio cultural, tão destacada nos dias atuais, surge
justamente quando emergem as territorialidades como luta pela sobrevivência, pela
conservação de tradições e hábitos que fazem parte da identidade dos indivíduos, que,
juntos, constituem o maior obstáculo àqueles que se colocam a exterminá-las.
53
1.2.3. PATRIMÔNIO CULTURAL
O conceito de patrimônio cultural tem sido cada vez mais tratado por
profissionais que buscam compreender o motivo da atração de diversas pessoas pela
herança de outros povos. Para compreender tal fenômeno é indispensável analisar como
surgiu a curiosidade por outras culturas e seus modelos de vida. De acordo com
Caldeira (2014 p.132), “a curiosidade e o encantamento por outros ambientes que se
diferenciam do lugar habitual, despertam o interesse de muitos e faz com que se sintam
impelidos de viajar”.
Sabendo, portanto, se tratar de um tema de tamanha relevância, este trabalho
evidenciará apenas o enfoque do turismo ao patrimônio edificado, a fim de analisar de
forma mais coesa o seu sentido e representatividade nos tempos de hoje.
De acordo com Barreto (2000, p.16), a ideia de patrimônio histórico e cultural
teve início no século XIX com o propósito de
[...] criar referenciais comuns a todos que habitavam o mesmo
território, unificá-los em torno de pretensos interesses e tradições
comuns, resultando na imposição de uma língua nacional, de costumes
nacionais, de uma história nacional que se sobrepôs às memórias
particulares e regionais.
Ainda segundo Barreto, esse patrimônio se define enquanto um símbolo
nacional e evidencia as características culturais comuns a todos, mesmo entendendo que
os grupos sociais e étnicos presentes em um mesmo território sejam diferentes. Assim, a
herança cultura de um povo torna-se uma construção social de extrema importância
política.
A definição de patrimônio encontra-se também associada ao conceito de
monumento (BRUSADIN; SILVA, 2012), uma vez que um bem cultural cujo valor é
reconhecido como tal pela coletividade passa a ter essa determinação. Assim, o
exercício da observação de um monumento recria o sentimento de herança, abrangendo
uma relação indissociável entre memória social e identidade cultural. Segundo Brusadin
e Silva (2012), a ideia de monumento surgiu na Europa ocidental, mais precisamente na
Itália quinhentista. Séculos mais tarde, o conceito disseminou-se para outros países, em
especial a partir da segunda metade do Século XIX.
Na França do século XIX, iluminista e pós-revolucionária, a questão sobre a
conservação da história a partir dos monumentos era algo bastante discutido. Os bens do
54
clero e da antiga coroa absolutista foram transferidos para a União, de acordo com o
ideal democrático imposto pelo comitê revolucionário. Entretanto, muitos monumentos
de valor relevante para o clero e a antiga coroa perderam o valor ideológico que
apresentavam antes da revolução. Mesmo assim os intelectuais franceses reconheceram
a sua importância para uma nova história, sem desprestigiar o passado de erros
humanitários para conservar as inúmeras expressões artísticas e de significados
históricos (CHOAY, 2001, apud BRUSADIN; SILVA, 2012)
No entanto, essa quebra tinha o intuito de através de uma reflexão da
história, fazer com que se encontrasse o caminho próprio a ser
seguido, ou seja, o passado não seria totalmente esquecido ou
aniquilado como chegou a acontecer durante alguns anos, mas seria
uma memória para relembrar e para que se pudesse evoluir de acordo
com as experiências previas (BRUSADIN; SILVA, 2012, p.72)
Embora os grandes monumentos tivessem sua relativa importância histórica
para os vários povos da Europa Ocidental, faltavam-lhes ainda leis conservacionistas
que pudessem garantir a sua conservação e preservação. As leis de preservação ao
patrimônio começarão a ser erigidas somente após a Revolução Industrial, como forma
de assegurar a permanência desses bens diante da velocidade imposta pelo sistema
capitalista. Nesse mesmo período, teve início, de forma mais contundente, a prática de
restauração dos edifícios das cidades mais antigas do velho continente, o que trouxe à
tona uma nova discussão em relação aos conceitos de preservação dos monumentos
(CHOAY, 2001, apud BRUSADIN; SILVA, 2012, p. 73)
Durante o século XIX, duas vertentes se consolidaram na Europa: aqueles que
entendiam que os monumentos deveriam ser preservados no estado em que se
encontravam e aqueles que eram a favor da restauração dos mesmos. Para aqueles que
prezam pelas marcas que o tempo imprimiu aos monumentos, a manutenção das
características está diretamente relacionada à história e ao tempo de exposição do
monumento. Entre os maiores expoentes à favor da preservação dos edifícios está John
Ruskin, que acreditava que a conservação da arquitetura do passado, como expressão da
arte e cultura, nos permitiria entender a relação existentes entre os estilos arquitetônicos
e técnicas construtivas. Por isso, Ruskin defendia a ideia de que as edificações deveriam
atravessar os séculos de maneira intocada envelhecendo segundo seu destino
(OLIVEIRA, 2008).
Já para aqueles a favor da intervenção, a restauração poderia resgatar sentidos e
55
características perdidas com o envelhecimento e o desgaste do patrimônio. O pioneiro
dessa vertente foi Viollet-le-Duc, que tentou estabelecer princípios de intervenção em
monumentos histórico e metodologia de restauro por meio da verificação e análise das
patologias encontradas nos edifícios (SANTOS, 2005).
De certo, ambas as vertentes provocaram profundas reflexões naquele período,
o que refletiria, certamente, nos dias atuais. Hoje ainda muito se discute sobre a
aplicabilidade desses conceitos, embora prevaleça o consenso de que ambas as teorias
devem ser combinadas e justificadas de acordo com cada caso. Por isso, a maioria dos
órgãos competentes opta por conjugá-las e buscam um equilíbrio entre preservar e
restaurar, de acordo com as especificidades de cada monumento.
Independente de se tratar de conservar ou restaurar, as intervenções ocorridas
no espaço geográfico tornaram evidente a necessidade de se estabelecer normas e
diretrizes que estabelecessem princípios sobre a conservação da história e da identidade
de um povo. Em termos arquitetônicos, o de patrimônio cultural representou uma
preocupação para com os bens culturais nos países europeus com mais rigor no século
XIX, quando apenas os monumentos históricos clássicos e medievais eram preservados
(ANDRADE, 2007). A Carta de Atenas, elaborada numa conferência entre estudiosos
das questões urbanas e da conservação dos monumentos, em 1931, foi uma das
primeiras manifestações de caráter coletivo em que se buscou definições quanto a
preservação dos bens patrimoniais.
Desde então, no mundo contemporâneo, outros encontros de profissionais da
área geraram conceitos que permitiram uma evolução neste sentido, como a Carta de
Veneza, de 1964, onde pode ser determinado que:
A noção de monumento histórico compreende a criação isolada, bem
como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização
particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento
histórico. Entende-se não só às grandes criações, mas também as obras
mais modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação
cultural (CARTA DE VENEZA, 1964).
Em outubro de 1973, na cidade de Paris, a UNESCO organizou uma convenção
referente à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (IPHAN, 2007). Em
sentido amplo, o significado de “Patrimônio Cultural” passou a ser estabelecido como:
Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais,
56
elementos de estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e
grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de
vista da história, da arte ou da ciência; são também considerados os
conjuntos de grupos de construções isoladas ou reunidos que, em
virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem tem
valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da
ciência; e também os locais de interesse, ou seja, “obras do homem,
ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os
locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional
do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico
(UNESCO, 1973).
No ano de 1975, em Amsterdã, foi realizado o Ano Europeu do Patrimônio
Arquitetônico, em que se desenrolaram novos debates e conclusões a respeito do
conceito de patrimônio arquitetônico de uma forma mais clara. Na ocasião, as novas
definições definiram que:
O patrimônio arquitetônico é formado não apenas pelos nossos
monumentos mais importantes, mas também pelos conjuntos que
constituem as nossas cidades antigas e as nossas aldeias com tradições
no seu ambiente natural ou construído [...] A encarnação do passado
no patrimônio arquitetônico constitui um ambiente indispensável ao
equilíbrio e ao desabrochar do homem [...] O patrimônio arquitetônico
é um capital espiritual, e cultural, econômico e social de valor
insubstituível (IPHAN, 2007).
A partir das definições dadas acima, fica evidente que o patrimônio cultural
decorre da compreensão da dinâmica temporal conferida ao espaço geográfico, que é
historicamente construído e deve ser analisado funcionalmente e simbolicamente a
partir de vários elementos, por meio de uma relação íntima entre o passado e o presente.
O patrimônio cultural-histórico é, portanto, constituído através dos
estratos do tempo, mas, também, pelos ‘olhares’ do presente que,
associados, compõem diversos desdobramentos conceituais sobre ele e
sobre o espaço em que está inserido (MONASTIRSKY, 2006, p. 29).
Dentre os estudiosos que se prestam a analisar o patrimônio na
contemporaneidade, destaca-se Maria Tereza D. Paes, que interpreta o sentido do
patrimônio remetendo-o à história sociocultural e a uma análise técnica e política:
[O patrimônio é] Cultural, porque somos nós, homens, no exercício da
cultura, que elegemos o que deve ser preservado, imprimindo uma
dimensão valorativa aos bens materiais ou intangíveis. Técnica, pois
devemos desenvolver saberes, instrumentos e normas para levar a
termo o processo de preservação. Política, porque esta seleção e
normatização dos bens que devem ser patrimonializados envolvem
57
ações e decisões, resultantes de conflitos de interesses, que devem ser
normatizadas (PAES, 2009, p. 163-164).
A ideia do pertencimento e da expressão social sobre o território conduz ao
raciocínio e à obrigação de se conservar os bens como forma de se manter uma história
que não mais se reproduz. O tombamento de um bem patrimonial passa pela ideia de
conservação e ressalta o caráter também legal e técnico para essa conduta, culminando
em diretrizes e normas que regulamentam a patrimonialização dos bens no espaço
geográfico. Nesse sentido, as cartas patrimoniais são constituídas por uma coleção de
princípios que traduzem os deveres e os meios de conservação e proteção do patrimônio
histórico e cultural.
O conceito de patrimônio cultural evoluiu e se adaptou conforme o contexto
histórico e os conceitos acadêmicos. Para se compreender o seu significado, deve-se
rejeitar a ideia mercantil e puramente turística a que é sempre relacionado e entendê-lo
de forma mítica e particularmente cultural. O patrimônio só pode ser analisado em seu
contexto cultural, em que cada monumento remonta uma história e permite
compreender o passado vivido naquele espaço.
É importante não apenas apreciar e conhecer visualmente o
patrimônio, mas sim apreendê-lo enquanto instrumento de identidade,
de memória e de reconhecimento. Reconhecer e associar a própria
história à história da sociedade por meio do patrimônio cultural é um
exercício de cidadania (BURDA; MONASTIRSKY, 2011, p. 122).
A definição de patrimônio cultural surge ao longo da história a partir da
necessidade de se preservar o antigo, marcado pela história social, perante as rápidas
mudanças impostas pelo presente. A rápida mudança da estrutura e das relações sociais,
em especial após o período industrial, tornou os espaços cada vez mais suscetíveis às
modificações impostas pelo capital. A sociedade pós-moderna é marcada pela dinâmica
espacial, em que o velho perde o seu valor e se torna obsoleto; o novo ganha espaço e
corrobora a ideia de progresso e desenvolvimento.
Em resumo, embora seja o turismo o grande divulgador dos espaços históricos,
não se deve esquecer que o patrimônio cultural resultada construção histórica de um
povo que necessita constantemente conectar-se às suas origens e identidades, mesmo em
tempos contemporâneos. O patrimônio cultural deve, sobretudo, contribuir como um
fator educativo e de autorretrato do cidadão local, servindo depois para o uso turístico,
na constante tarefa de se buscar conhecer e compreender a cultura do outro.
58
1.2.4. PATRIMÔNIO CULTURAL E A CIÊNCIA GEOGRÁFICA
O patrimônio cultural de uma cidade histórica compõe o espaço urbano e
remonta as suas relações sociais. Preservar o patrimônio cultural contribui para a
manutenção da identidade de um indivíduo e de sua própria sociedade, sendo o espaço
sempre “o lócus da reprodução das relações sociais de produção” (LEFEBVRE, 1976,
p. 25). No âmbito da Geografia, em especial da Geografia Cultural, a valorização
simbólica do patrimônio cultural (material e intangível) só teve importância após a
década de 1960 (NIGRO, 2010). Se analisado no tempo presente, dinamizado pelas
tendências de organização e apropriação do capital, o patrimônio cultural encontra-se
num processo muitas vezes conflituoso, o que requer atenção por parte da Geografia
para avaliar a sua importância numa totalidade espacial mais abrangente e dinâmica.
A Geografia enfoca o patrimônio cultural a partir da relação existente entre o
tempo e o espaço, conferindo-lhe uma dinâmica socioespacial embasada na ordenação
política e econômica conduzida por diferentes agentes ao longo da história. Os
indivíduos que determinam as relações de poder são também aqueles que influenciam a
produção e a apropriação do espaço social, definindo, portanto, os valores dos
elementos espaciais e dando-lhes características simbólicas e representativas. Por isso, a
compreensão do patrimônio, enquanto exaltação daquilo que confere valor, extrapola a
simples análise da herança material e abarca as dimensões de especificidades políticas,
econômicas e ideológicas representadas em um determinado tempo e espaço.
Geograficamente, o patrimônio cultural é a demarcação representativa das
particularidades espaciais numa totalidade geográfica (SANTOS, 2002, p. 121),
devendo ser preservado enquanto forma e tendo suas funções adaptadas segundo as
necessidades impostas pela dinâmica do tempo e do capital.
O espaço geográfico formado pelo patrimônio pode ser explicado pela
noção de totalidade de Milton Santos, em que as partes formam o
todo, mas a totalidade não é somente a soma das partes. Portanto, a
totalidade do patrimônio cultural é composta pelo conjunto das
edificações tombadas, a composição da paisagem urbana, as relações
sociais deste espaço e as significações do patrimônio e da memória
social (BURDA; MONASTIRSKY, 2011, p. 116).
Em sua obra “Espaço e Método”, Santos (1985) define algumas categorias de
análise do patrimônio cultural sob a perspectiva geográfica, considerando para isto a
59
forma, a função, a estrutura e o processo. Para Santos (1985, p. 51), a forma
compreende o “aspecto visível de uma coisa” e atende a determinadas necessidades e
funções. Todavia, caso a forma ganhe um teor valorativo, como é o caso de um
patrimônio cultural, ela passa a ser suscetível às adaptações funcionais no decorrer do
tempo. Assim, os patrimônios se definem enquanto “rugosidades [...] do passado como
forma, espaço construído e paisagem” (SANTOS, 2002, p.113) ou, simplesmente,
remanescentes pretéritos incorporados às finalidades de um tempo presente.
A permanência das formas, em decorrência de sua valorização histórica e
cultural, quase nunca é acompanhada da manutenção de suas funções, ao longo do
tempo. Por isso, em cidades históricas, como Ouro Preto, Mariana, Diamantina e São
João Del Rey, os edifícios históricos tombados se adequam funcionalmente para
acompanhar o crescimento demográfico e as exigências do turismo. Trata-se, pois, do
processo de refuncionalização patrimonial, que propõem uma nova conjuntura material
e social embasada numa relação direta entre as formas e as funções.
As formas pretéritas preservadas no presente resguardam diferentes interesses e
finalidades do tempo em que foram arquitetadas, conferindo-lhes uma interação
existente entre as relações políticas, econômicas e sociais no tempo presente. Para
Cifelli (2005, p. 35), é possível que se desvendem, neste tempo presente, os diversos
contextos históricos que propiciaram as formas hoje preservadas. Segundo ela, “a
tentativa de apreensão da dimensão temporal do espaço geográfico perpassa pela
delimitação de periodizações que relacionam dialeticamente as variáveis históricas
particulares de cada lugar com o contexto histórico geral”. Assim, é possível ler nas
formas preservadas a dinâmica temporal do passado, “possibilitando o resgate histórico
da produção e da conformação do sistema de objetos considerados como patrimônio
cultural” (CIFELLI, 2005, p. 36).
A relação existente entre a geografia e o patrimônio cultural insere-se na
compreensão da territorialidade e pode ser observada a partir de três óticas, segundo
Nigro (2010): a primeira refere-se ao fato de que todo patrimônio cultural (material ou
imaterial) necessita de um espaço geográfico para se estabelecer, sendo, portanto,
considerado um fenômeno espacial. Em segundo, destaca-se a importância simbólica e
de identidade do patrimônio, que reflete as especificidades geográficas de uma
determinada cultura ou grupo de pessoas. E, em terceiro lugar, enfatiza-se a relação
entre as duas primeiras e realça significados econômicos, políticos e ideológicos,
destacando outras características definidas pela multiplicidade de usos sobre um
60
determinado espaço preservado.
Para a geografia interessa considerar o patrimônio como campo de
tensões sociais e assim revelar como o passado é lembrado e
representado e as implicações que isso tem no presente e na
construção das relações de pertencimento (NIGRO, 2010, p.69).
Neste caso, a relação entre geografia e patrimônio coexiste através da
apropriação coletiva do espaço, atribuindo significados de uso e expressões de
identidade a um determinado território. Mais do que isso, a geografia se faz necessária
para investigar como a investida do capital econômico influencia ou impacta a
conservação dos bens patrimoniais e provoca mudanças na estrutura social. Sobre este
aspecto, deve-se observar que a exploração turística por parte de grupos de empresários
nas cidades históricas, onde se concentra o patrimônio cultural, vem proporcionando
intervenções de restaurações e conservação de bens culturais. Desse modo, de acordo
com Nigro (2010, p.75), a valorização do patrimônio enquanto elemento fomentador
das atividades turísticas induz à uma análise muito interessante à geografia, uma vez
que corresponde a uma tendência que se institui para conciliar dois campos bem
distintos: interesses de mercado e políticas de preservação.
O turismo cultural se favorece desse consumo do patrimônio que,
transformado em mercadoria, é vendido como algo que transpira
cultura. (...) em geral o consumo turístico do patrimônio aparece
dentro de um campo reificado e fetichizado, algo que distancia a
compreensão da inserção dos bens culturais na esfera das vivências
sociais e mesmo dos processos sociais que os geram (NIGRO, 2010,
p. 75).
A Geografia, enquanto ciência, se debruça no entendimento da valorização
simbólica do patrimônio cultural, o qual, muitas vezes, se dá a partir de um processo
muitas vezes conflituoso entre memória social e mercado. Por isso, a produção e
apropriação do espaço social devem ser estudadas de acordo com as especificidades
políticas, econômicas e ideológicas. As formas mantidas ao longo da história espelham
diferentes modos de ser e de fazer. As funções, por vezes tão dinâmicas, remontam às
características mais sobrepujantes sobre o espaço, valorizando e declinando elementos
de uma mesma paisagem, assim como produzindo e recriando sempre novas
territorialidades.
61
1.2.5. PATRIMÔNIO CULTURAL DE OURO PRETO
Diferentemente da Europa, o Brasil só reconhece a necessidade de preservar o
patrimônio nacional bem mais tarde, a partir da década de 1920. O movimento
impulsionado por alguns intelectuais modernistas que enxergavam primordialmente nas
cidades barrocas de Minas Gerais a identidade da nação, dando início às discussões e
reivindicações por parte do Estado referentes à preservação do patrimônio.
Após a visita desse grupo de intelectuais à Ouro Preto em 1923, foram
definidas as formas de atuação, por parte do Estado, que resultou no início da elevação
desta cidade à condição de monumento Nacional, em 1933. Esse reconhecimento
representou um novo momento para a história da antiga capital que se encontrava
estagnada desde a transferência da sede do governo mineiro para Belo Horizonte. O
reconhecimento a nível nacional foi uma forma de se reconstruir simbolicamente a
cidade, conferindo-lhe prestígio no contexto nacional e fortalecendo a identidade
brasileira.
As características particulares do acervo arquitetônico e urbanístico de Ouro
Preto e sua forte relação com a história de Minas e do Brasil atraíram para a cidade
vários artistas e intelectuais que passaram a lhe conceder referências elogiosas, tais
como Mario de Andrade e Afonso Arinos. A presença anterior dos modernistas e de
seus inúmeros trabalhos, com foco na cidade, conferiu à Ouro Preto uma importância
fundamental no processo de sua construção como relíquia da nação e na formulação dos
discursos sobre a preservação do patrimônio no Brasil.
Em 1938, logo depois da criação do SPHAN, Ouro Preto teve seu conjunto
arquitetônico e urbanístico elevado à condição de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Na ocasião, o então Presidente Getúlio Vargas, que ali havia estado, afirmou
que Ouro Preto era a “Meca da tradição nacional, a cidade para a qual devíamos volver
nossos olhos, porque representa as páginas vivas de nossa história, no fulgor do seu
passado e das suas glórias imorredouras” (1938. Apud. BRUSADIN; SILVA, 2012, p.
82).
A partir do reconhecimento da importância da cidade em nível nacional, Ouro
Preto deixava a condição de “cidade esquecida” e passava a atrair dezenas de visitantes
curiosos pela história barroca colonial. Mais do que isto, a cidade passou a atrair
também novos habitantes, que viam a possibilidade de gerar renda através do turismo. O
crescimento demográfico da cidade e a presença cada vez mais intensa de turistas
configuraram, no entanto, uma relação conflituosa entre preservação patrimonial e
62
desenvolvimento urbano e econômico (CIFELLI, 2005).
As rápidas transformações urbanas, acentuadas a partir da década de 1960,
alertaram os órgãos públicos sobre a necessidade de se desenvolverem planos para a
proteção do patrimônio cultural de Ouro Preto. Nesse período, a reformulação dos
conceitos de conservação, recomendada pela Carta de Veneza, de 1964, elegeu o
planejamento como principal instrumento de preservação dos bens culturais.
Em 1966 e 1967 ocorreram duas visitas do perito Michel Parent, cujo relatório
publicado pela UNESCO, em 1968, se remete à cooperação entre o IPHAN e esta
organização no sentido da prática e valorização do patrimônio cultural brasileiro no
âmbito do desenvolvimento turístico e econômico (LEAL, 2008).
Na década de 1960, o processo de crescimento de Ouro Preto tem
continuidade tornando-se alarmante e inegável para os responsáveis
por sua preservação, o que, somado à apologia do planejamento,
estimulou o Patrimônio a dar os primeiros passos visando à
formulação de planos para os centros históricos (MOTTA, 1987,
p.118).
Neste sentido, os estudos e pesquisas sobre a preservação do patrimônio
cultural brasileiro, de uma forma abrangente, tiveram a cidade de Ouro Preto como
referência. Em 1968 a UNESCO enviou o arquiteto português Alfredo Viana de Lima
com o objetivo de criar um relatório e um possível programa de conservação para a
cidade. Todavia, o trabalho desenvolvido por Viana de Lima foi considerado superficial
pelo Governo do Estado, por abranger apenas a antiga Vila Rica e seus aspectos
arquitetônicos e urbanísticos.
Muitas iniciativas de planejamento para Ouro Preto foram realizadas a partir de
então. Dentre as principais, destaca-se o Plano de Conservação, Valorização e
Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana, elaborado por meio de um convênio
assinado pelo pelos governos federal, estadual e das prefeituras de ambos os
municípios. O plano de conservação foi realizado entre os anos de 1973 e 1975, pela
Fundação João Pinheiro, e tornou-se a principal tentativa de se implantar em Ouro Preto
e em Mariana um sistema de planejamento (TEIXEIRA; MORAES, 2013).
O Plano de Conservação, Valorização e Desenvolvimento de Ouro
Preto e Mariana avançava em relação às tentativas anteriores [de
Viana de Lima] ao tratar a preservação do patrimônio numa
perspectiva que ia além do seu acervo físico, mas como uma forma de
melhoria das condições de vida das populações locais. Ele pode ser
63
encarado como um retrato de sua época. Não só pelo fato de trazer um
rico diagnóstico sobre os dois municípios, mas também por se tratar
de um produto que carrega em seu bojo a concepção de planejamento
urbano compreensivo e de viés tecnocrático, vigente na década de
1970 (TEIXEIRA; MORAES, 2013, p.14).
A preocupação em âmbito nacional e internacional pelo conjunto arquitetônico
e cultural de Ouro Preto culminou com o seu legítimo reconhecimento mundial em
1980, por meio da elevação da cidade a Patrimônio Cultural da Humanidade. Ouro
Preto foi o primeiro sítio brasileiro a conquistar esse título, concedido pela UNESCO,
que utiliza dez critérios para avaliar a importância dos sítios históricos. No caso de Ouro
Preto, a cidade foi escolhida por dois deles: representar uma obra prima do gênio
criativo humano e aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural
ou de uma civilização ainda viva ou que tenha desaparecido (UNESCO, 1980).
Todavia, mesmo com o reconhecimento em nível internacional, os órgãos
responsáveis pela preservação do patrimônio e os poderes públicos não impediram que
o patrimônio ouro-pretano fosse agredido. O crescimento das atividades turísticas, a
expansão urbana e a intensa ocupação irregular de áreas de risco e de áreas verdes
ameaçam a descaracterização do conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade. Além
disso, problemas referentes ao trânsito de veículos de grande porte no centro histórico e
de infraestrutura sanitária precária também prejudicam as ações preservacionistas na
cidade. Por isso, em 2003, Ouro Preto passou a compor a lista de patrimônio em risco
da UNESCO, sendo advertida da possibilidade de perder o título de Patrimônio Cultural
da Humanidade (CIFELLI, 2005).
Atualmente, o grande desafio do IPHAN, principal órgão responsável pela
preservação do patrimônio de Ouro Preto, é conciliar a expansão urbana da cidade com
os seus possíveis impactos sobre os bens tombados. Ao todo, são quarenta e seis itens
tombados individualmente na cidade. O IPHAN, em sua dimensão nacional, possui
mais de mil imóveis tombados em todo o território nacional e o difícil papel de orientar
os proprietários que desejam executar projetos de construção, reforma ou ampliação nas
áreas protegidas por tombamento, algo que tem sido bastante complexo pelo próprio
instituto, em razão dos custos e de outras dificuldades logísticas. As intervenções devem
ser feitas de acordo com diretrizes determinadas pelo órgão, que se vale de critérios
definidos pela legislação vigente que incluem regras, normas e diretrizes em escalas
diversas, entre as quais o volume da construção, o equilíbrio entre o número de vãos,
64
vedações, janelas, altura de telhados e a taxa de ocupação do terreno (IPHAN, 2007).
Entretanto, tais dificuldades jamais alteraram a principal característica da cidade, a de
possibilitar aos seus habitantes e turistas a emoção de um regresso no tempo.
De cidade jogada no limbo do tempo, Ouro Preto transformar-se-ia em
suporte de uma memória histórica e coletiva, ou seja, um “lugar da
memória”. Aqui, o perigo da ruína completa e do esquecimento gera
as condições de construção de uma imagem histórica. Justamente por
ter perdido seu papel de centralidade política, e adentrado um período
de perdas econômicas, é que Ouro Preto irá constituir-se como um
“lugar da memória”. A perspectiva da ruína e do esquecimento atua
em função de sua rememoração e de seu simbolismo histórico: a
cidade passa a ser vista como vestígio de um passado porque atesta em
sua materialidade as mudanças que se deram no tempo, isto é, ela
serve como prova, como testemunho da passagem e das cisões
temporais pelas quais a história se constrói (NATAL, 2006, p.5).
Ouro Preto evidencia hoje o passado, os antigos costumes e as velhas tradições,
convivendo ao mesmo tempo com o fato de ser, segundo Leal (2008), a cidade de arte
mais rica do Brasil, depois de Salvador/BA. A necessidade de se preservar tamanho
complexo histórico, arquitetônico e urbanístico vai muito além de resguardar antigas
materialidades que remontam a um passado marcado pela riqueza do ouro e pela
consternação da escravidão. Preservar também significa fixar as memórias e as
identidades marcadas de diferentes maneiras sobre seu território. O antigo se torna, pois,
o lugar da memória que sobrevive no presente às abruptas transformações decorrentes
da sociedade industrial e da velocidade trazida pelas novas tecnologias.
Ouro Preto passa a representar um lugar onde uma memória histórica
teria se preservado, um “lugar de memória”; sua imagem de cidade
colonial serve ao presente como um atestado dos feitos passados que
refletem os valores constitutivos da identidade mineira e brasileira.
Essa identidade está resguardada da ação destrutiva do tempo nos
vestígios que lhe foram resistentes; tais vestígios somente resistem
porque provêm de uma origem que é tida como pura e incorruptível.
Assim, a identidade de um povo, de uma nação, não sofre os abalos do
tempo porque enraíza-se num ponto de origem inviolável. A
identidade funda-se nessa ideia de uma origem alheia às
transformações do devir; um lócus de valores puros que delineiam o
caráter de uma nação. O mito de origem é um dos principais
pressupostos que irá orientar a busca do valor histórico intrínseco nos
objetos do passado (NATAL, 2006, p. 9).
65
1.3. TURISMO CULTURAL E A MERCANTILIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO:
REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE REFUNCIONALIZAÇÃO E DE
SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL
1.3.1. A ATIVIDADE TURÍSTICA
O habito de viajar é antigo. No século XVII, as boas famílias
mandavam seus filhos completarem a educação com viagens nas quais
aprendiam línguas e costumes de outros povos, compravam obras de
arte e visitavam os monumentos na antiguidade, como o fórum em
Roma (RODRIGUES, 2006, p. 15)
Desde a pré-história, os seres humanos, ainda na condição de nômades,
buscavam áreas que pudessem lhes satisfazer em termos de proteção e abastecimento
alimentar. Embora a prática do turismo não tenha nenhuma relação direta com a
necessidade de sobrevivência, assim como foi na pré-história, as duas práticas de
migração se assemelham na busca pelo gozo e pela satisfação de se chegar ao novo.
Logo, para se definir a atividade turística, deve-se começar pelo prazer de vivenciar
novas experiências, visualizar novas geografias e aprimorar novos sentidos.
Barreto (1993, p.2) define o turismo como o “movimento de pessoas, é um
fenômeno que envolve, antes de tudo, gente. É um ramo das ciências sociais e não das
ciências econômicas, e transcende a esfera das meras relações da balança comercial”.
De La Torre (1992, p.19) resume o conceito afirmando ser:
Um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e
temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que,
fundamentalmente por motivos de recreação, descanso, cultura ou
saúde, saem do seu local de residência habitual para outro, no qual não
exercem atividades lucrativas ou remuneradas, gerando múltiplas
inter-relações de importância social, econômica e cultural.
Embora aqueles que viajam não exerçam atividades lucrativas, assim como
afirma De La Torre (1992), outros as exercem e dependem diretamente do turismo para
garantir sua sobrevivência. Por isso, além de todo sentimento de prazer que envolve o
turista, a atividade tornou-se também uma prática financeiramente rentável àqueles que
nela apostam, exercendo diferentes influências espaciais.
[A atividade turística] abrange todos os deslocamentos de pessoas,
quaisquer que sejam as suas motivações, que obriguem ao pagamento
de prestações e serviços durante o seu deslocamento e permanência
66
temporária fora da sua residência habitual, superior ao rendimento
que, eventualmente, auferiram nos locais visitados. O turismo é,
assim, uma transferência espacial de poder de compra originada no
deslocamento de pessoas: os rendimentos obtidos nas áreas de
residência são transferidos pelas pessoas que se deslocam para outros
locais onde procedem à aquisição de bens ou serviços. Nesta
concepção, o turista é considerado como um puro consumidor cujos
atos de consumo não têm relação com a obtenção de rendimento
(CUNHA, 1997, p.9).
A inovação dos meios de comunicação, em especial da Internet, tem
promovido uma constante divulgação de lugares potencialmente turísticos. Conjugada
ao desenvolvimento dos modais de transporte, também cada vez mais tecnológicos e
rápidos, o número de turistas ao longo do mundo cresceu muito na última década,
conforme pode ser analisado no gráfico 1:
Gráfico 2 - Comportamento do Fluxo Turístico Internacional - 2000-2012
Fonte: Organização Mundial do Turismo – OMT (2012)
Segundo o OMT (2012), a atividade turística vem acompanhando o
desempenho da economia global e em geral apresenta maior volatilidade. O turismo é
uma atividade de demanda, associado ao consumo, sendo seu desempenho fortemente
influenciado pelo crescimento no nível de renda dos consumidores efetivos e dos
demandantes potenciais. Nos anos de 2008 e 2009, houve forte retração na economia
mundial com recessão nos Estados Unidos, estouro da “bolha” imobiliária daquele país,
67
e recuo no número de chegadas de turistas no mundo. Após a tendência de recuperação
verificada em 2010, observa-se um novo recuo, nos anos de 2011 e 2012, dessa vez
motivado pela crise nos países Europeus, com ênfase na Grécia, Portugal, Espanha e
Itália.
Embora a atividade turística esteja diretamente relacionada às condições
econômicas e, por isso, tenha sofrido algumas baixas devido à recente crise econômica,
a intensificação da atividade é algo a se considerar em todo o mundo. Logo, a ideia
apresentada às gerações atuais é que existe, de fato, um progressivo encurtamento da
relação entre o tempo e o espaço, onde viajar milhares de quilômetros tem se tornado
cada vez mais habitual. Trata-se de um mundo cada vez mais globalizado e interligado
por redes que remontam a uma proximidade cada vez mais íntima entre as longínquas
partes da Terra, conforme aponta Santos (2002, p.239):
Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos
atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são
incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio
técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização.
A diferença, ante as formas anteriores do meio geográfico, vem da
lógica global que acaba por se impor a todos os territórios e a cada
território como um todo.
Em suma, a atividade turística tornou-se algo praticável e também acessível a
muitos. Viajar com o intuito de conhecer novas culturas e extraordinárias histórias é
algo que transcende o puro prazer da curiosidade, pois evoca também a reprodução do
conhecimento: o turista, enquanto espectador da paisagem e dos monumentos,
representa a multiplicação daquele saber e o continuísmo daquela memória social ali
construída. Por isso, o turismo tornou-se o prazer de muitos e a oportunidade de renda
para tantos outros; tornou-se uma prática indissociável da história no presente.
1.3.2. A INDÚSTRIA DO TURISMO
O atual desenvolvimento da prática do turismo por todo o mundo é, sem
dúvida, um reflexo dos avanços e inovações tecnológicas sobre os meios de
comunicação e transporte. A relação entre o tempo e o espaço mudou drasticamente nas
últimas décadas, convergindo novas organizações de redes de comércio e de turismo.
Entretanto, concomitante a esse incremento tecnológico, outro fator tem levado o ser
humano a viajar mais: o cansaço e o desgosto com o atribulado cotidiano urbano. Por
68
isso, o ato de viajar se tornou algo tão necessário para vários grupos de pessoas na
contemporaneidade.
Não há como negar que exista um crescente anseio para a prática da atividade
turística em todo o mundo. Esse fenômeno leva a indústria do turismo a buscar
incessantemente novos modelos e estruturas de organização, a fim de tornar possível o
imaginário de muitas pessoas que desejam conhecer diferentes lugares e culturas.
Assim, a indústria do turismo se vale dessas aspirações para propor aos seus clientes o
gozo da fuga do cotidiano e o usufruto da viagem sonhada (KRIPPENDORF, 2003).
As agências de turismo se multiplicaram nas últimas décadas e junto a elas
também as infinidades de pacotes e destinos a serem visitados. A concorrência entre as
várias empresas levou os profissionais desse ramo a se tornarem bons formadores de
opinião sobre os possíveis lugares a serem visitados, ofertando todo um trajeto a ser
feito num período de tempo estipulado. Atualmente, as inúmeras agências de turismo
disputam o público alvo a partir de um “bombardeio” de anúncios de apelo discursivo e
visual, oferecendo pacotes promocionais com serviços de transporte, hospedagem,
alimentação e lazer inclusos. Além disso, essas empresas também oferecem condições
de pagamento facilitadas, ampliando as possibilidades de se conquistar um provável
consumidor.
Embora sejam muito menos praticadas do que antes da expansão da indústria
turística, as viagens programadas por pequenos grupos de pessoas, sem a interferência
de agências, sempre possibilitaram maiores contatos dos excursionistas com os lugares
visitados. Dessa maneira, sempre foi possível criar roteiros e modificá-los conforme as
prioridades decididas ao longo da viagem. Isso porque nas viagens agenciadas essas
possibilidades nem sempre são imagináveis, pelo fato de serem feitas em grupos de
várias pessoas e por consistirem numa racionalização maior do tempo, priorizando os
lugares mais conhecidos e divulgados pelos veículos midiáticos.
1.3.3. O TURISMO CULTURAL E O EXEMPLODE OURO PRETO - MG
O turismo cultural tem se tornado, nas últimas décadas, uma realidade para
muitos municípios que buscam se desenvolver economicamente. A valorização de
vários tipos de manifestações, sejam elas culturais, folclóricas e artesanais, tem
provocado profundas mudanças na organização de muitas cidades, gerando ganho para a
população e, ao mesmo tempo, alterando os significados relacionados à memória social
69
do lugar (SCHNEIDER, 2006).
Tais atributos constituem importantes recursos agenciados pelo
turismo sob a forma de roteiros, produtos e atrações. Nas áreas de
intenso fluxo de visitantes, essa atividade contribui para o
revigoramento do patrimônio cultural, ao mesmo tempo em que
provoca alterações nos locais onde se desenvolve e, em alguns casos,
altera o sentido e o significado do espaço urbano e a dinâmica
específica das comunidades receptoras (CARVALHO, 2012, p.16).
A valorização do patrimônio cultural tem evidenciado a associação entre o
urbanismo e o planejamento turístico15do território na produção de imagens e discursos
“que privilegiam ou excluem determinadas memórias e paisagens do território”
(LOBATO, 2012, p.5). Por isso, as paisagens economicamente valorizadas tendem a se
tornarem conservadas e constantemente restauradas, a fim de atraírem mais turistas. O
patrimônio cultural se torna, portanto, produto comercializável, adquirindo novas
territorialidades e funcionalidades (PAES, 2009).
Na cidade de Ouro Preto, patrimônio histórico e artístico protegido pela
UNESCO, a atividade turística é atraída pelo grandioso acervo patrimonial formado por
monumentos, chafarizes, pontes, museus, além de esculturas e ornamentos religiosos.
Esses elementos constituem grande parte da memória e da cultura local, que
representam um importante papel na história e tradição brasileira. Tamanha importância
tornou o turismo cultural uma realidade para Ouro Preto a partir da década de 1960,
quando vários turistas e personalidades começaram a frequentar a cidade atraídos
principalmente pelo valor histórico do seu conjunto barroco.
O crescimento do turismo trouxe algumas severas mudanças na vida cotidiana
da cidade. Dentre as principais alterações, destaque-se o processo de refuncionalização
que implicou em fortes redefinições do uso de algumas áreas do centro histórico: muitas
habitações foram transformadas em hotéis e em estabelecimentos comerciais, alterando
profundamente as características tanto da cidade quanto dos costumes da população.
Construía-se, portanto, uma nova relação entre a população local e o turismo, assim
como afirma Castriota (2009, p. 147): “se por um lado, lucra com o fluxo de visitantes,
por outro, condena o uso transgressor que aquele público faz dos seus lugares
15 Interpreta-se o planejamento turístico como o conjunto de atividades previamente concebidas com o
objetivo de promover o atendimento das necessidades de consumo dos visitantes, por um lado, e do outro,
a geração de benefícios sociais e econômicos para o núcleo receptor decorrentes do intercâmbio cultural.
O planejamento turístico envolve um processo contínuo de tomada de decisões mediante a análise da
realidade local, em termos de potencialidades e projeção de cenários (CARVALHO, 2012, p. 21).
70
tradicionais”.
Enquanto cidade histórica e de reconhecimento nacional e internacional, a
atividade turística em Ouro Preto apresentou forte crescimento a partir da década de
1960. Na década de 1980, após o reconhecimento como Patrimônio Cultural da
Humanidade (UNESCO, 1980), a cidade tornou-se uma das principais rotas de turismo
cultural do Brasil, atraindo, inclusive, um expressivo número de turistas estrangeiros. É
a partir de 1980 que as agências de turismo também dão início a um forte teor de
divulgação da cidade, evidenciando, a partir de fotografias, alguns de seus principais
cartões postais. Atualmente, em especial após a expansão da indústria turística, a cidade
apresenta intensas mudanças em suas estruturas, relacionando sempre o patrimônio a
partir de uma perspectiva dual entre a memória social e o valor financeiro.
Segundo Cifelli (2005, p.99), não só a cidade de Ouro Preto como também as
outras cidades ditas históricas, situadas em suas proximidades16, “recebem turistas
agenciados principalmente por empresas de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro,
que oferecem pacotes que incluem a visitação aos principais pontos turísticos das
cidades e os serviços de transporte, alimentação, hospedagens e guias”. Segundo a
pesquisadora, alguns roteiros chegam a oferecer a visitação a mais de três cidades
históricas em apenas um dia, o que confirma a racionalização do tempo pelas agências
de viagem.
Ao andar pelas ruas de Ouro Preto e observar a dinâmica comercial e a
movimentação dos grupos de turistas, é notória a concentração destes em algumas
porções do centro histórico. A Praça Tiradentes (Figura 8), Rua Conde de Bobadela
(Figura 9) e a Rua São José (Figura 10) são as que mais apresentam fluxo de turistas,
especialmente entre o período da manhã e a tarde. A Praça Tiradentes marca,
geralmente, o lugar de chegada de grande parte dos turistas que visitam a cidade por
meio de agências. Ao descerem dos micro-ônibus, os turistas geralmente desenvolvem
percursos a pé até os principais cartões postais da cidade. Na verdade, é observado que
grande parte dos excursionistas restringe suas visitas apenas aos arredores da Praça
Tiradentes, não desfrutando de alguns bairros e monumentos históricos que se
encontram mais distantes do centro comercial da cidade.
Além do próprio conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade, os principais
monumentos visitados pelos turistas acabam sendo aqueles que se encontram nas
16 Incluindo cidades como Mariana, Tiradentes, São João Del Rei e Congonhas.
71
proximidades da Praça Tiradentes, como o Museu da Inconfidência (ao fundo da figura
8), o Museu de Mineralogia (antigo Palácio dos Governadores), as igrejas de Nossa
Senhora do Carmo, a de São Francisco de Assis (Figura 11), a de Nossa Senhora do
Pilar (Figura 12) e a Casa dos Contos (Figura 13).
A curta presença dos turistas na cidade e a rapidez nas visitas realizadas
acabam por desconsiderar grande parcela do patrimônio tombado, restringindo os
excursionistas apenas ao que é de interesse das agências. Além do mais, os turistas saem
da cidade com um “turbilhão” de informações, as quais são passadas por guias,
geralmente bastante despreparados, de forma muito superficial.
Ao privilegiar a quantidade em detrimento da qualidade da apreciação,
parcelas cada vez mais reduzidas de tempo são destinadas à fruição
das obras, as quais são observadas por um número cada vez maior de
espectadores atentos às informações simplificadas e superficiais
transmitidas pelos guias, folders ou panfletos [...] O estabelecimento
de roteiros, itinerários e circuitos pelos promotores turísticos públicos
e privados destitui o visitante de sua individualidade e o leva a captar
uma realidade constituída por belas imagens semelhantes aos cartões
postais, uma realidade espetacularizada que leva o visitante a ter, com
algumas exceções, boas impressões sobre os lugares e bens culturais
visitados (CIFELLI, 2005, p. 100-101).
Embora ainda existam turistas não agenciados que se deslocam de suas cidades
até Ouro Preto, geralmente se hospedando na cidade, nota-se um número cada vez
maior de excursionistas agenciados que sequer passam mais de seis horas na cidade.
Essa condição confere certa reflexão entre o que é conhecer ou, simplesmente, visitar.
Por isso, o turismo em massa (KRIPPENDORF, 2003), movido pela ânsia do lucro,
distancia o excursionista do prazer de usufruir com calma e com maior atenção o
patrimônio cultural e a realidade vivida pela cidade, impondo-lhe uma imagem de
“cidade cenográfica” e levando-o a “engolir” uma gama de informações que sequer é
processada como conhecimento.
72
Figura 13 – Vista da Praça Tiradentes (Museu da
Inconfidência ao fundo)
Fonte: Acervo do Autor, 2012.
Figura 14 – Vista da Rua Direita (Conde de
Bobadela)
Fonte: Acervo do Autor, 2012.
Figura 16 – Vista da Igreja de São Francisco de
Assis
Fonte: Acervo do Autor, 2009.
Figura 18 – Vista da Casa dos Contos (Museu)
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
Figura 15 – Vista da Rua São José (Rua Tiradentes)
Fonte: Acervo do Autor, 2012.
Figura 17 – Vista da Igreja do Pilar
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
73
1.3.4. O CONSUMOCULTURAL E O MARKETING TURÍSTICO
O conjunto formado pelos bens culturais encontrado nos centros urbanos das
cidades históricas adquiriu uma grande importância na atualidade, ao submeter-se aos
novos usos e apropriações que visam ao consumo cultural. Diante das características
que marcam um mundo cada vez mais globalizado, em que as paisagens ganham
contornos cada vez mais homogeneizados e padronizados, as cidades históricas se
sobressaem e adquirem enorme importância devido as suas individuais paisagens.
No Brasil, as cidades que conservam um conjunto significativo de bens
patrimoniais evidenciam a inserção do interesse mercadológico sobre essas áreas. O
patrimônio cultural se torna, portanto, uma representação simbólica, que passa a ser
usufruído pelo mercado de diferentes maneiras, como através do marketing turístico e
das próprias políticas públicas destinadas ao desenvolvimento dessa atividade.
A inserção da cultura, mais especificamente, dos bens patrimoniais no
circuito do consumo, envolve um conjunto de estratégias comerciais
voltadas para a produção de um sistema de representações responsável
pela criação de um código de referências, valores, significados e
sentidos. Estes definem gostos, comportamentos e práticas sociais,
adaptando o sistema de representações de paisagens e objetos culturais
ao conjunto de necessidades e desejos do consumidor (ARRUDA,
2004, p.10, apud ALMEIDA, 1998).
O interesse do capital pelo patrimônio cultural destas cidades faz dele um
conjunto de diferentes valores e significados, que é coletivamente compartilhado por um
público anônimo e socialmente diversificado. Esse compartilhamento é consequência do
processo de escolha conferido pelo Estado e o mercado para conferir valores distintos e
prestígios a esses bens, transformando-os em “signos referenciáveis passíveis de serem
ofertados ao mercado dos bens simbólicos” (CIFELLI, 2005, p. 74).
A cultura é hoje vista como algo que se deve investir, distribuída nas
mais diversas formas, utilizada como atração para o desenvolvimento
econômico e turístico, como mola propulsora das indústrias culturais e
como uma fonte inesgotável para novas indústrias que dependem da
propriedade intelectual (YÚDICE,2004, p. 12).
Não por acaso, dezenas de cidades brasileiras, marcadas pela história cultural e
que possuem um significativo conjunto patrimonial tombado, apresentaram nas últimas
décadas um grande aos empreendedores do ramo do turismo. O consumo cultural se
tornou, então, o principal objeto da atividade turística, na busca por evidenciar
incessantemente a divulgação de estratégias que possam despertar o desejo dos turistas
74
pelo consumo do patrimônio e das paisagens culturais.
Para promover a atividade turística em uma determinada cidade, há de existir
um envolvimento entre os diferentes segmentos comerciais e as instituições públicas.
Essa cooperação visa o estabelecimento de uma estratégia de divulgação dos bens
patrimoniais, tendo como objetivo atrair um público visitante cada vez maior e mais
constante. Trata-se, pois, na necessidade de se legitimar o ideal do consumo cultural a
partir dos mecanismos publicitários e das estratégias de marketing, que propiciam “a
difusão e a recepção de um conjunto de imagens e discursos que criam um sistema de
representações, responsáveis pela formação de uma opinião preconcebida sobre a
localidade a ser visitada” (CIFELLI, 2005, p.75).
A propaganda e outros tipos de publicidade têm promovido, atualmente, a
difusão dos atrativos de diversas cidades históricas, tornando-as alvo do consumismo
turístico por meio da divulgação midiática de suas imagens. Para tanto, a publicidade,
segundo o interesse do mercado, age evocando os desejos de muitas pessoas através da
história e do valor atribuído à memória, identidade e cultura destes locais,
condicionando o turista a criar expectativas sobre o patrimônio em questão.
As imagens intercaladas a discursos, ao passarem por recortes e
seleções, são difundidas pela mídia impressa por meio de folders,
panfletos, guias de viagens, fotos, cartões postais, jornais e revistas
especializadas e por outros veículos de comunicação como a televisão,
a internet, filmes e vídeos (CIFELLI, 2005, p.77).
O conceito de “marketing turístico urbano” (BESSA; TEIXEIRA; FILHO,
2005, p.542), bastante utilizado na atualidade, remete-se a um conjunto de estratégias de
desenvolvimento urbano e turístico que procura desenvolver a economia regional, por
meio da valorização da história e da identidade cultural. Essas estratégias propostas
devem intervir no tecido urbano e no conjunto patrimonial de forma equilibrada,
preservando as intervenções que valorizem a população residente e possibilitando a sua
inclusão no processo de planejamento, gestão e participação nos resultados.
Todavia, pelo menos no Brasil, o que se observa é que a prática da propaganda
e valorização de cidades históricas tem se dado de forma seletiva, onde só é divulgado
aquilo que é de interesse da indústria turística. Se, por um lado, os benefícios do turismo
refletem na percepção dos moradores em relação ao significado do patrimônio enquanto
lugar da memória, por outro o turismo cultural, sem o devido planejamento, pode
contribuir para a privatização das áreas urbanas. Assim, imaginam-se cidades marcadas
75
pela segregação geográfica entre os turistas e os nativos e, sobretudo, pela perda do
significado simbólico do patrimônio cultural por parte da população residente.
1.3.5. O MARKETING TURÍSTICO EM OURO PRETO - MG
Ouro Preto é um exemplo claro da interferência da propaganda na divulgação
de sua imagem com objetivos turísticos. Por ser um dos roteiros mais antigos negociado
pelo mercado, a histórica cidade mineira é hoje bastante conhecida em nível nacional e
internacional17. A cidade tem fortes atrativos culturais, como as igrejas barrocas do
século XVIII que instigam os turistas a quererem visitá-las. Em sua dissertação, Cifelli
(2005) elaborou uma análise do conteúdo imagético e discursivo referente à cidade de
Ouro Preto, divulgado pelas revistas e sites, especializados na promoção mercadológica
da cidade. Segundo a pesquisadora, a análise mostrou que:
Dentre os veículos de difusão de informações pesquisados observou-
se que a maior parte das imagens divulgadas ressaltam determinados
ângulos da paisagem urbana de Ouro Preto, cujo destaque se dá,
preferencialmente, para exemplares da arquitetura monumental, como
as igrejas e os edifícios civis e institucionais, além de exemplares do
casario colonial envolto pelas montanhas que circundam a cidade
(CIFELLI, 2005, p.78).
A imagem a seguir foi retirada do “Site Oficial do Turismo de Ouro Preto”18, e
remonta às colocações da autora na citação anterior. Na imagem retratada, destaca-se a
Igreja de Nossa Senhora do Carmo, os casarios com seus telhados ondulantes e o relevo
acidentado compondo a moldura da paisagem. Além do apelo imagético, nota-se
também o seguinte dizer na parte superior direita da página virtual: “No vaivém dos
telhados, na espremida confusão do casario geminado. Os palácios, as pontes e os
chafarizes... Ouro Preto é fascinante!!!”.
17Em especial por influência do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, cedido pela UNESCO em
1980. 18http://www.ouropreto.org.br
76
Figura 19 – Página Virtual do Site Oficial de Turismo de Ouro Preto;
Fonte: http://www.ouropreto.org.br
Sendo assim, o primeiro contato do turista com o lugar é geralmente através da
propaganda, a qual busca convencê-lo, a partir dos principais cartões postais da cidade,
a optar por contemplar essa paisagem pessoalmente. Deve-se ressaltar que outras
imagens, além daquelas relacionadas aos monumentos arquitetônicos e paisagísticos,
também são apreciadas pela publicidade: o marketing turístico também evidencia o
conjunto de serviços oferecidos e as atrações culturais a eles associados. Destacam-se,
por exemplo, as expressões culturais relacionadas à culinária típica, ao artesanato local e
ao folclore.
A forte inserção do capital sobre o patrimônio cultural instiga no público
visitante a magia da contemplação do patrimônio, porém sem levá-los a questionar as
possíveis modificações e alterações sofridas pelos bens tombados ao longo do tempo.
Mais uma vez, a mídia atua na promoção de algumas cidades turísticas, resguardando
suas características históricas, mas sem questionar a autenticidade de seus bens. Ou seja,
mesmo que muitos bens patrimoniais tenham sofrido algumas alterações em suas
dimensões estruturais e/ou funcionais, estes continuam tendo suas imagens divulgadas
enquanto bens totalmente originais.
O conjunto arquitetônico tombado de Ouro Preto ainda preserva uma
imagem difundida pela mídia e incorporada ao imaginário coletivo de
um cenário autêntico do século XVIII, sendo que muitas de suas
edificações já passaram por processos de reconstruções sucessivas e
por alterações formais e funcionais ocorridas em outros contextos
históricos (CIFELLI, 2005, p.95).
77
Não há como negar que um bem patrimonial tenha que sofrer constantes
intervenções estruturais, isso pela própria condição de conservação do mesmo. Todavia,
o crescimento da atividade turística em cidades com centros históricos tombados
intensifica tais interferências, haja vista a necessidade de readaptações vários
monumentos visando atender aos turistas.
A descaracterização de bens patrimoniais é um fenômeno mundial. No Brasil,
muitas cidades históricas sofrem diretamente esse problema devido a dois fatores
principais: a fraca vigília dos órgãos responsáveis pela conservação do patrimônio e a
insuficiente política municipal na conscientização da população sobre a importância do
patrimônio como símbolo e identidade da cidade. Segundo Cifelli (2005, p.97), a
descaracterização do patrimônio de Ouro Preto, por exemplo, é algo a preocupar,
principalmente devido “à grande extensão do patrimônio, marcado pela grande
quantidade de edifícios tombados, e também pela carência de profissionais responsáveis
pela preservação”.
Concluindo, o marketing turístico propicia novas organizações de divulgação a
partir do planejamento turístico proposto, o que, na maioria das vezes, destaca certa
“cenarização” ou “espetacularização” da cidade a ser visitada. Por isso, as inúmeras
propagandas encontradas em sites ou revistas de turismo evidenciam os principais
cartões postais das cidades, apoiando-se numa divulgação de caráter apelativo imagético
e/ou discursivo. O consumo cultural é, portanto, algo primeiramente induzido pela
publicidade que instiga o consumidor (o turista) a ter o desejo de conhecer determinado
lugar, embora muitas outras informações sejam escamoteadas pela mídia divulgadora.
1.3.6. MERCANTILIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO E REFUNCIONALIZAÇÃO: A
ELITIZAÇÃO DA CULTURA E A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL
Médias e grandes cidades no mundo inteiro apresentam forte processo de
segregação socioespacial, sobretudo devido à enorme especulação imobiliária que
seletivamente valoriza e deprecia determinadas áreas urbanas. Nas cidades históricas,
em especial as do Brasil, a supervalorização dos centros históricos também provocou
profundas alterações na distribuição territorial da população local. O fortalecimento das
atividades turísticas e o apreço pelas áreas mais próximas aos monumentos mais
visitados estabeleceram uma nova organização espacial, onde as localizações
78
privilegiadas passaram a ser ocupadas pelas atividades comerciais voltadas aos turistas.
Áreas antigamente esquecidas e deterioradas passaram a receber vultosos
investimentos, conferindo novos valores mercadológicos que as fizeram turisticamente
mais visadas. O processo de refuncionalização dos bens tombados foi, ao poucos, se
tornando a expressão mais clara de um novo dinamismo econômico intraurbano.
Costa (2008, p.04) confirma o interesse do mercado pelas cidades históricas ao
afirmar que:
O espaço geográfico construído historicamente, tornam-se matérias-
primas para diversas atividades sociais, dentre elas a prática do
turismo, que se apropria de um patrimônio histórico, artístico e
cultural, como ocorre em São João Del Rey, Tiradentes, Ouro Preto,
Diamantina, Salvador, Recife etc., promovendo uma nova lógica de
organização socioespacial, voltada para a realização da atividade
turística, de forma a responder a demandas externas ao lugar, que se
subordina aos interesses do mercado e dos agentes hegemônicos.
Já Paes-Luchiare (2005, p.43) complementa o interesse do capital pelas cidades
históricas a partir do processo de refuncionalização, afirmando que:
[...] ao se apropriarem das formas que encerram longos processos de
representação social, provocam rupturas na identidade coletiva local e
subvertem o caráter público desses bens históricos. Como exemplo
podemos citar os projetos de revitalização dos centros históricos de
muitas capitais, [...] onde as populações locais mais pobres foram
desapropriadas de suas antigas territorialidades para dar lugar a
centros culturais, restaurantes, bares, cafés, shoppings, hotéis, casas de
espetáculos, lojas de souvenires, ateliês, acessíveis apenas as
populações de alto poder aquisitivo.
Inúmeras cidades brasileiras descobriram no patrimônio a possibilidade de
desenvolver a atividade turística. Mais do que isso, se empenharam para dar novas
funções ao patrimônio até então esquecido em suas pretéritas e mal-conservadas formas.
Assim nasce a ideia da paisagem ideal ou “cidade-espetáculo”(SÁNCHEZ, 2003), que
conferiam as tendências de transformar as cidades, em sua totalidade ou não, em
mercadorias comercializáveis. Para isso, foi necessário que as novas “territorialidades se
estabelecessem em áreas então restauradas, onde fossem excluídos os conteúdos sociais
indesejáveis” (PAES-LUCHIARE, 2005, p.44)
A relação que se dá entre o espaço, o turismo e o patrimônio, nestes
núcleos urbanos, não foge da lógica especulativa e hegemônica do
capital, que age pontualmente, escolhendo onde, como e quando atuar;
lógica que favorece uma ponte local – global, e que vai produzir
espaços urbanos centrais diversificados do ponto de vista das ações,
79
dos usos e dos objetos; diversidades representadas pela manutenção de
antigas formas, velhos e novos conteúdos. Vemos, nos centros
históricos de algumas cidades coloniais brasileiras - espaços
constituídos de um patrimônio cultural considerável -, ações
refuncionalizantes que atuam sobre estes objetos para se aproveitarem
de seu valor histórico-cultural, estético e pela centralidade que os
núcleos representam (COSTA, 2008, p.54)
Brusadin e Silva (2012, p.80) confirmam a ideia de Costa (2008) ao colocar
que:
Em uma vertente mais radical sobre o assunto, afirma-se que a
mercadoria-paisagem é socialmente produzida como matéria-prima do
turismo, sendo que este se aproveita das construções históricas e das
manifestações culturais para obter lucro. Diz ainda, que o chamado
‘resgate histórico do passado’ que ocorre em muitas comunidades é
apenas mais uma forma de inserir-se no rol das atrações turísticas,
fazendo com que hábitos e costumes sejam artificialmente mantidos
como forma de demonstrarem sua identidade local que se
metamorfosearam em mercadorias simplesmente por serem objetos
passíveis de serem consumidos.
A supervalorização dos bens tombados e das áreas que os envolvem trouxeram
mudanças também nas porções periféricas das cidades. O notório processo de
segregação socioespacial tornou-se uma consequência certeira da refuncionalização e do
aumento estimável de empreendimentos comerciais que visam atender os turistas. Logo,
foi inevitável o deslocamento da população mais despojada para áreas periféricas aos
centros históricos. A consequência foi o forte adensamento de áreas de risco e o impacto
direto sobre os recursos naturais, que também fazem parte da paisagem urbana tombada.
O processo de refuncionalização do patrimônio cultural, uma
tendência de ações descompromissadas com o passado e com o lugar,
propicia a expulsão da população residente destes espaços turísticos,
seja através da intensificação da especulação imobiliária que
impossibilita a permanência das famílias de baixa renda nestes
espaços centrais, seja através da intensa banalização pela cenarização
estimulada pelos agentes do capital, que redunda no estabelecimento
de lugares inacessíveis ao residente e no esquecimento das práticas
culturais locais (COSTA, 2008, p. 69).
Carvalho (2010, p.20) complementa a ideia anterior afirmando que:
Se, por um lado a mobilidade de turistas e o usufruto da infraestrutura
urbana e cultural tende a se refletir no aumento da percepção dos
moradores em relação ao significado do patrimônio enquanto lugar de
memória e de experiência cotidiana, por outro, o turismo cultural sem
o devido planejamento pode contribuir para a privatização de áreas
urbanas, para a segregação geográfica entre os turistas e a comunidade
80
receptora, para a formação de espaços descontextualizados da
dinâmica social, bem como para a perda do significado simbólico do
patrimônio cultural por parte dos residente.
Diversos são os conflitos que eclodem pelos interesses de domínio das áreas
mais valorizadas, bem como a resistência de antigos moradores impede o movimento da
expansão comercial nas áreas desejadas. Trata-se, pois, de um embate explícito entre o
valor de uso e o valor de troca dos bens materiais imóveis tombados, marcando uma
evidente transformação na organização da cidade. Assim, o centro histórico passa a
conferir tamanho grau de importância comercial, que as antigas formas, resistentes ao
tempo, adquirem novos usos. A efervescência do mercado e a dinâmica do turismo
propõem uma junção contínua entre a diversidade de formas e funções, passado e
presente, de símbolos e significados que persistem ou se desmancham com o tempo
(PAES-LUCHIARI, 2005).
O tempo histórico registra o desenrolar das antigas relações sociais nas velhas
formas da cidade. Os centros urbanos, por serem geralmente as áreas de intenso
dinamismo, podem resistir ao tempo e conferir incontáveis memórias através de suas
edificações e estruturas remanescentes. As ditas “rugosidades” (SANTOS, 2002)
rememoram as antigas relações de vida, os modelos residenciais, os antigos modelos de
comércio e de transporte, as encanecidas máquinas de produção e diversos outros
elementos que materializam o tempo e constituem as paisagens urbanas
contemporâneas.
Todavia, de acordo com Santos (1965), não se deve restringir toda a produção
social apenas ao centro histórico de uma cidade, mesmo que ele a tenha representado
por completo no passado. Pois, diversas foram as tendências e inspirações exteriores
(regionais, nacionais ou internacionais) que refletiram nas formas das habitações,
edificações e nas infraestruturas urbanas que consolidaram o passado no tempo
presente.
Em muitos casos, as estruturas edificadas no passado não resistiram ao tempo e
deram lugar ao novo, numa dinâmica marcada nitidamente pela tendência do capital
financeiro. Em outros casos, essas estruturas pretéritas permaneceram devido ao
desinteresse do mercado por aquele território ou, até mesmo, pela morfologia irregular
que o sítio conferia.
Há casos, como na cidade de Ouro Preto, em que essas duas questões estiveram
presentes ao longo da história. O desprestígio da cidade após o fim do ciclo aurífero, no
81
final do século XVIII, e a perda do título de sede do estado de Minas Gerais, no final do
século XIX, somados ao relevo acidentado e de difícil ocupação, conjugaram-se para
que houvesse um desinteresse pela estrutura urbana ali existente. Certamente, no caso
de Ouro Preto, esses elementos proporcionaram o desinteresse da cidade pelo capital,
preservando seus sítios e conjuntos paisagísticos que hoje se encontram tombados.
O período de esquecimento ou desprestígio é muito comum em algumas
cidades após findar um ciclo de interesse mercadológico. Por isso, muitos centros
históricos e tradicionais áreas urbanas são marginalizados pelo interesse do capital
financeiro e passam a se configurar apenas como estruturas representativas do passado.
Todavia, depois de algum tempo, essas áreas podem vir a atrair novamente os interesses
do capital, “seja pelas infraestruturas estabelecidas, pela posição estratégica na malha
urbana ou pela possibilidade de agregar valor econômico ao patrimônio arquitetônico
que ficou preservado” (PAES-LUCHIARI, 2005, p.46).
Para os recentes estudos urbanísticos, principalmente aqueles que se baseiam
no planejamento estratégico19, o processo de refuncionalização em áreas com
patrimônios imóveis preservados configura uma técnica de requalificação urbana.
Embora esse termo não seja muito bem aceito por alguns profissionais da área, seus
principais articuladores defendem a ideia de que a requalificação é um processo que não
visa apenas ao esteticismo e à renovação das formas antigas, mas inclui também
estratégias de inclusão social das populações locais e de todo o entorno que esteja
diretamente relacionado ao centro histórico.
Atualmente, a requalificação urbana é considerada como um eixo
prioritário nas intervenções urbanas, possibilitando uma
operacionalização no tecido físico e social, ou seja, permite (re)criar
uma nova estética em função do desenho já existente de uma cidade.
A requalificação permite ainda uma revitalização das áreas mais
antigas das cidades, que correspondem aos centros históricos, e que se
encontram em risco de decadência, de abandono e de degradação.
Todavia, a requalificação urbana não pode canalizar as suas
intervenções só para o centro histórico, mas também para as áreas
envolventes a esta e que se encontram sujeitas à ação interventiva do
Homem. Neste sentido, o conceito de requalificação urbana tem
evoluído constantemente em função dos atuais problemas verificados
no espaço urbano (SILVA, 2011, p.46)
A crítica sofrida pela requalificação urbana, em especial em países de
19Dentro da ciência urbanística, compreende a existência de dois tipos de planejamento: o planejamento
urbano tradicional, concebido pela racionalidade territorial sob o controle do Estado, e o planejamento
estratégico, concepção que toma a cidade aos fragmentos, comandada pela lógica empresarial neoliberal.
82
economias periféricas, se deve ao fato de muitos desses projetos urbanísticos
negligenciarem o aspecto social e se prestarem apenas aos objetivos mercantis. Por isso,
inúmeros projetos de requalificação têm sido responsáveis pelo banimento de
moradores mais pobres que se encontram nas áreas de interesse do capital.
Esse banimento se dá de diferentes maneiras, segundo afirma Paes-Luchiari
(2005, p.47):
[...] seja diretamente, pela introdução de novos usos as edificações,
muitas vezes seletivos e inacessíveis as populações de baixa renda;
seja indiretamente, pela valorização econômica atribuída ao solo
urbano, o que leva as populações mais pobres a venderem os seus
imóveis, evitando o pagamento dos impostos que se elevam com a
valorização urbana, ou mesmo buscando a obtenção de lucros e
migrando para áreas periféricas menos valorizadas, o que desloca a
visibilidade da segregação socioespacial.
Arantes (2001, p.31) complementa a ideia anterior afirmando que:
Rentabilidade e patrimônio arquitetônico-cultural se dão as mãos,
nesse processo de revalorização urbana, em nome de um alegado
civismo. E para entrar neste universo dos negócios, a senha mais
prestigiosa é a cultura. Essa a nova grife do mundo fashion, da
sociedade afluente dos altos serviços a que todos aspiram.
A supervalorização dos centros históricos remonta ao controle das
territorialidades urbanas por meio da elitização da cultura. Por isso, entende-se a
necessidade de uma paisagem revitalizada, onde o capital controla a reprodução e a
exclusão social no território. A compreensão desse fenômeno valorativo dos bens
tombados apresentou, portanto, um caráter dual: ao mesmo tempo em que atraiu
investimentos externos para um determinado município, visando à preservação e
conservação do patrimônio, também implicou num forte processo de segregação
socioespacial.
A verdade é que as manifestações, os eventos e as formas valorizadas
culturalmente foram capturados pela nova racionalidade da economia
urbana: a identidade social proporcionada pelo lugar somou-se a
espacialidade estetizada, fragmentada, superficial e globalizada da
cidade-mercadoria (PAES-LUCHIARI, 2005, p. 48-49).
Para Brusadin e Silva (2012, p.80), o interesse do capital pelo patrimônio é benéfico,
pois:
83
Embora todos os entraves mencionados a respeito da transformação
do patrimônio cultural em um bem de consumo, é fato que esse
processo [...] é uma opção melhor do que o esquecimento da história
ou a marginalização de bairros e comunidades inteiras ou a derrubada
de prédios causada pela especulação imobiliária.
As recentes paisagens urbanas se tornam a expressão maior do capitalismo
turístico, impondo novas organizações à estrutura social no território. Essas novas
configurações de paisagens, por sua vez, nos levam a enxergar certo aprimoramento ou
embelezamento do patrimônio edificado, embora não sejam claros os reflexos da
gentrificação ocorrida naquele espaço urbano. Assim, os centros históricos
refuncionalizados representam a dinamização da atividade turística e a elitização do
patrimônio histórico, implicando num enriquecimento estratégico a partir da
reincorporação de áreas degradadas, da segregação socioespacial e da criação de novas
territorialidades.
84
CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA APLICADA
2.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA E RECORTE ESPACIAL DA ÁREA
DE ESTUDO
2.1.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa desenvolvida foi especialmente de caráter quantitativa e descritiva.
Os procedimentos técnicos realizados incluem a pesquisa bibliográfica, a pesquisa
documental e as pesquisas de campo.
Segundo Richardson (1989), o método quantitativo se caracteriza tanto nas
modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento dessas através de técnicas
estatísticas, desde as mais simples até as mais complexas. O objetivo de aplicação deste
método é garantir a precisão dos trabalhos realizados, conduzindo a um resultado com
pouca chance de distorção (GIL, 2008).
Quanto à característica descritiva, Best (1972, apud MARCONI; LAKATOS,
1996, p. 19) observa que “a pesquisa descritiva delineia ‘o que é’ - aborda também
quatro aspectos: descrição, registro, análise e interpretação de fenômenos atuais,
objetivando o seu funcionamento no presente”. Para Barros e Lehfeld (1986), a pesquisa
descritiva é aquela em que o pesquisador observa, registra, analisa e correlaciona fatos
ou fenômenos (variáveis). Logo, trata-se de um modelo em que se procura descobrir a
frequência com que um determinado fenômeno ocorre, salientando – se possível - suas
características, causas, relações e conexões com outros fenômenos (LUCCA FILHO,
2005).
De uma forma geral, essa pesquisa privilegiou os estudos de campo
quantitativos guiados por um modelo descritivo de pesquisa, em que foram elaboradas
hipóteses sobre os fenômenos e situações estudadas. Para tanto, a coleta de dados
enfatizou informações numéricas que permitiram verificar a ocorrência de alguns
fenômenos urbanos relacionados à refuncionalização do patrimônio imóvel na cidade de
Ouro Preto, em Minas Gerais. Os dados foram analisados com apoio de um modelo
estatístico (Regra de Sturges), que permitiu o tratamento dos dados coletados a fim de
comprovar as hipóteses levantadas.
85
2.1.2. RECORTE ESPACIAL DA ÁREA DE ESTUDO
Recordando que o objetivo desse trabalho é o de examinar o processo de
refuncionalização sobre o patrimônio arquitetônico em Ouro Preto, tomou-se como
objeto de estudo uma amostra do centro histórico da cidade incluindo as principais
ramificações urbanas a partir da Praça Tiradentes.
Ao todo, foram levantadas cinquenta vias entre ruas, largos e praças,
abrangendo os bairros Centro, Pilar, Rosário e Antônio Dias. O critério de seleção
dessas vias ocorreu a partir da localização dos principais pontos turísticos de Ouro
Preto, especialmente nas proximidades das principais igrejas, conforme pode ser
observado no mapa 6.
86
Figura 20 – Recorte espacial da área de estudo
87
2.2. PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS
2.2.1. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
Os estudos prévios conduzem a uma maior aproximação com o objeto de
estudo, indispensáveis em qualquer produção científica. Por isso, para um bom
embasamento e suporte substancial do tema tratado, recorreu-se a diversas outras fontes
de pesquisa bibliográfica que incluem publicações, artigos de periódicos científicos,
teses, dissertações e anais de congressos e seminários.
Foram ainda realizadas pesquisas em bancos de dados específicos sobre os
seguintes temas: patrimônio cultural, identidade e memória social, território e
territorialidade, atividade turística em cidades históricas, mercantilização do patrimônio
cultural, processo de requalificação urbana em áreas tombadas e processo de
refuncionalização do patrimônio tombado.
Por meio dessas leituras, foi possível ampliar o grau de conhecimento sobre a
história de ocupação territorial do Brasil, incluindo os primeiros assentamentos e o
apogeu da exploração aurífera em Minas Gerais. Nesse contexto, analisou-se a
construção de uma identidade territorial marcada, principalmente, pela implantação de
uma significativa rede urbana, que abrigava uma sociedade definida pela diversidade de
classes e uma intensa religiosidade. O contato com a literatura específica sobre a
história de Ouro Preto permitiu um aprofundamento de conceitos como “patrimônio
cultural”, “identidade” e “territorialidade”, que dizem respeito diretamente à análise da
ciência geográfica como expressão cultural na produção do espaço vivido.
Além disso, a pesquisa bibliográfica permitiu um maior conhecimento sobre os
atuais fenômenos urbanos impulsionados pelo interesse do capital financeiro, os quais
atingem, não só as grandes metrópoles, mas também as cidades do interior do Brasil,
inclusive aquelas que possuem atrativos turísticos.
2.2.2. PESQUISA DOCUMENTAL
Para este estudo, foi também fundamental o levantamento de uma
documentação cartográfica, que serviu de base para georreferenciar os dados obtidos em
campo. As bases cartográficas são importantes ferramentas para a análise espacial,
possibilitando “uma visualização ampla do espaço em estudo, permitindo a delimitação
dos seus constituintes de maneira integrada” (LACERDA, 2013, p.57).
Deste modo, várias pesquisas foram realizadas com o intuito de obter cartas
88
topográficas, mapas digitais, bases cartográficas digitais e imagens de satélite da área de
interesse. Para fins deste estudo utilizou-se a carta topográfica na escala de 1:100.000,
disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, bem como os
arquivos da mesma em formato vetor; bases cartográficas em formato shapefile de solos
e geologia, na escala 1:1. 000.000, elaboradas pela CPRM - Serviço Geológico do
Brasil, bem como a rede hidrográfica na escala 1:250.000 disponibilizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Por meio do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional –IPHAN, foi possível acesso à base digital no formato
DWG dos lotes existentes no centro histórico do município. Para avaliar a evolução da
área urbana do município de Ouro Preto, foram utilizadas imagens dos Satélites da série
LANDSAT, além de imagens retiradas do Google Earth e do projeto Shuttle Radar
Topography Mission - SRTM (disponibilizadas pela EMBRAPA).
2.2.3. TRABALHO DE CAMPO
A pesquisa de campo para um geógrafo é tão importante quanto qualquer outro
tipo de pesquisa bibliográfica ou documental. Por isso, torna-se necessário sair da
posição de gabinete e se aventurar presencialmente no objeto de estudo. É certamente
por meio das observações e descrições que o cientista toma conhecimento da realidade e
dos fenômenos que se desenvolvem no espaço.
Para esta pesquisa, a proximidade com o objeto de estudo permitiu que fossem
feitos vários trabalhos de campo. Todavia, assim como em qualquer outro trabalho
científico, os campos realizados demandaram uma preparação cuidadosa quanto às
tarefas a serem realizadas.
A proximidade do objeto de pesquisa, a definição dos objetivos e do modelo
metodológico aplicado proporcionaram a oportunidade de que fossem feitos alguns pré-
campos antes do início da escrita desse trabalho, definindo previamente o recorte da
área de estudo e a elaboração do cronograma de atividades a serem desenvolvidas.
Ao longo da pesquisa, foram realizadas oito visitas à cidade histórica de Ouro
Preto, sendo todas elas realizadas durante o mês de dezembro de 2013. Durante os
trabalhos de campo foram observadas especialmente a quantidade de equipamentos
comerciais voltados para os turistas em cada via urbana e o tipo de função exercida por
cada um deles. Além disso, foram feitas pequenas entrevistas com proprietários ou
responsáveis pelos estabelecimentos comerciais levantados, referentes ao ano de início
das atividades e o número de funcionários empregados em cada um dos equipamentos.
89
O modelo utilizado para o levantamento dos equipamentos comerciais e as
perguntas feitas aos respectivos proprietários ou responsáveis podem ser encontrados no
Apêndice A desse trabalho.
2.2.4. INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
Para este trabalho foram considerados como equipamentos comerciais todos os
empreendimentos diretamente relacionados ao público turista. Entre estes foram
considerados os restaurantes, lanchonetes, cafés, padarias, sorveterias, souvenirs,
ateliers, lojas de artesanato, livrarias, pousadas e hotéis.
a. Quantidade de equipamentos comerciais por via
Compreendendo que o objetivo deste trabalho é analisar os aspectos do
processo de refuncionalização na mancha urbana estudada, tendo em vista a demanda
para o acolhimento ao turista, foi desenvolvida uma investigação que permitiu avaliar a
intensidade comercial destinada aos turistas em diferentes pontos do recorte espacial
considerado. Para isso, foram levantados todos os equipamentos comerciais voltados ao
uso do turismo, ao longo das cinquenta vias urbanas analisadas. Para essa observação,
considerando as características do objeto estudado, foi necessário que os trabalhos de
campo fossem realizados em dias úteis e durante o horário comercial (das 09h00 às
19h00).
b. Função exercida por cada equipamento comercial
A par do levantamento do quantitativo de equipamentos por via urbana,
observou-se também a função de cada um dos empreendimentos levantados. A
definição da função exercida por cada equipamento comercial foi importante nessa
pesquisa, pois atuou como um limitador de análise. Considerando que a cidade de Ouro
Preto tem um dinamismo urbano, demográfico e comercial bastante ativo, mesmo sem a
presença do público turista, especialmente devido à presença dos universitários da
UFOP, foi necessário discernir quais equipamentos eram voltados para a população
local e quais eram relacionados aos excursionistas.
Para tanto, equipamentos comerciais, como açougues, pets-shop, salões de
beleza e lojas de eletrodomésticos, por exemplo, não foram considerados para essa
pesquisa, uma vez que são direcionados para atender prioritariamente os moradores
90
locais. Todavia, empreendimentos, como farmácias, livrarias, lanchonetes e cafés,
foram considerados para essa pesquisa por exercerem funções que atendem tanto à
população residente, quanto aos turistas. Já equipamentos, como lojas de artesanato,
souvenirs, ateliers, hotéis e pousadas foram considerados como sendo exclusivos dos
turistas.
c. Ano de início de funcionamento de cada equipamento comercial
Para se verificar o ano de início do funcionamento de cada equipamento
comercial foi necessário um contato direto com o proprietário ou representante do
empreendimento. Durante esse trabalho, não foi necessária a aplicação de nenhum
questionário, apenas uma rápida entrevista composta por duas perguntas (Apêndice A).
Vale destacar que, para cada empreendimento visitado foram esclarecidas, através de
declaração formalizada, a proposta do trabalho e os objetivos das perguntas feitas aos
proprietários ou responsáveis (Apêndice B).
O ano que marca o início das atividades de cada empreendimento comercial foi
fundamental para essa pesquisa. O levantamento dessa informação permitiu analisar o
dinamismo das atividades comerciais voltadas ao turista em cada via estudada, ao longo
das últimas décadas. As vias que apresentaram maior número de equipamentos com
períodos de funcionamento mais longo, por exemplo, foram consideradas mais estáveis
comercialmente. Por outro lado, as vias que apresentaram equipamentos mais recentes
foram consideradas de maior dinamismo funcional20 ou novas áreas de expansão
comercial.
Para essa parte da pesquisa, devem ser salientadas duas questões primordiais: a
primeira é que “dinamismo funcional” e “expansão comercial” são fenômenos que não
necessariamente devem coexistir na mesma via. Assim, esperava-se que as vias de
maior dinamismo fossem aquelas comercialmente mais antigas, sendo mais próximas à
Praça Tiradentes, onde se verificam alternâncias de funções em imóveis que já exercem
o comércio há mais tempo. Já o processo de expansão comercial é um fenômeno
esperado em regiões mais periféricas em relação ao bairro centro e com alternância da
função residencial para a comercial.
O segundo ponto a ser destacado é que não foi interesse dessa pesquisa
20 Para esse trabalho, o dinamismo funcional é considerado a alternância de funções em um único
empreendimento. Ou seja, mesmo que uma via seja comercialmente antiga, ela pode apresentar elevado
dinamismo comercial caso seus equipamentos sejam funcionalmente recentes.
91
averiguar os tipos de função comercial exercida anteriormente à atual, em cada
empreendimento levantado, considerando-se a dificuldade de obter esse dado em
pesquisa prévia aos trabalhos de campo realizados.
d. Número de funcionários em cada equipamento comercial
Assim como o ano de início das atividades dos equipamentos, o número de
funcionários foi verificado mediante pergunta realizada diretamente aos proprietários ou
responsáveis por cada um deles. Para esse levantamento, considerando-se que o número
de empregados nem sempre permanece constante durante todo o tempo de existência do
equipamento, foi considerado o número de funcionários atuantes no exato período da
pesquisa.
A quantidade de pessoas empregadas em cada estabelecimento foi muito
importante para se definir o seu peso comercial. Essa categorização dos equipamentos,
ao se atribuir um peso comercial para cada um deles, foi necessária, pois possibilitou
verificar a influência comercial desse estabelecimento sobre a área urbana estudada.
A soma dos pesos de todos os equipamentos encontrados em uma determinada
via evidenciou a intensidade comercial dela, podendo-se categorizar a via com alto,
médio ou baixo nível de intensidade comercial. Assim, as vias que possuem grande
quantidade de equipamentos de elevado porte, foram também as que apresentaram
maior intensidade comercial. A criação de categorias de pesos também auxiliou para
que houvesse uma análise mais profícua referente à intensidade comercial na área
estudada, a qual apresentou equipamentos comerciais de diferentes portes e, por isso,
empregam números variados de funcionários.
Os pesos estabelecidos para cada equipamento foram obtidos através de
modelo estatístico21, sendo estabelecidas classes a partir da distribuição de frequência.
As diferentes intensidades foram depois classificadas, também, conforme a distribuição
de frequência.
21Tanto para a definição dos pesos de cada equipamento, como para a classificação das diferentes
intensidades de cada via, a distribuição de frequência foi dada a partir do uso da “Regra de Sturges” ou
“Regra do Logarítimo”.
92
2.3. TRATAMENTO E GEORREFERENCIAMENTO DOS DADOS
Nesse capítulo, é abordado o modelo estatístico utilizado na distribuição de
frequência para os valores encontrados em cada equipamento comercial levantado. A
aplicação desse modelo permitirá desenvolver mapas que configuram o dinamismo
funcional das atividades comerciais, bem como permitirá identificar as vias de maior
intensidade comercial nas áreas estudadas.
Em seguida, esse capítulo abordará as especificidades das ferramentas
utilizadas no desenvolvimento dos mapas, os quais compõem os resultados dessa
pesquisa.
2.3.1. TRATAMENTO DE DADOS
Conforme já anunciado, a quantidade de funcionários informada para cada
estabelecimento serviu como variável quantitativa para a definição dos pesos referentes
aos mesmos. Para tanto, a fim de estabelecer organicidade aos pesos ofertados, adotou-
se um modelo estatístico de distribuição de frequência.
Para a determinação dos pesos de cada equipamento comercial, foi utilizada a
Regra de Sturges, também conhecida como Regra do Logaritmo, com o objetivo de
categorizá-los em classes segundo a quantidade de funcionários existentes. A Regra de
Sturges é aplicada quando os dados são numerosos ou repetitivos, sendo necessário
arranjá-los em classes juntamente com as frequências correspondentes. Esse
procedimento é estatisticamente conhecido como Distribuição de Frequências (FALCO,
2008).
A distribuição de frequências é um método de se agrupar dados em classes de
modo a fornecer a quantidade (ou porcentagem) de dados em cada classe. Assim, pode-
se resumir e visualizar um conjunto de dados sem precisar levar em conta os valores
individuais. Uma distribuição de frequência (absoluta ou relativa) pode ser apresentada
em gráficos ou tabelas (DOWNING; CLARK, 2003).
A Regra de Sturges é representada pela seguinte fórmula:
k = 1 + 3,3log(n)
Nesse caso, k é referente à quantidade de classes a serem encontradas e n a
93
quantidade de eventos analisados. (No caso desse trabalho, n representa a quantidade de
estabelecimentos comerciais pesquisados).
A tabela a seguir remonta à relação direta entre a quantidade de eventos (n)
analisados e a quantidade de classes (k) que deverão necessariamente existir.
Tabela 1 - Número de classe segundo a Regra de Sturges
Fonte: FALCO, 2008.
Após definir a quantidade de classes existentes, deve-se descobrir a Amplitude
das Classes (h), que nada mais é do que o intervalo que define as classes. Para isso, é
necessário encontrar a Amplitude do Conjunto de Dados ofertados (L) e, em seguida,
criar uma razão entre (L) e (k):
L = X (máximo) – X (mínimo)
L / k = h
Nesse caso, o valor de h deverá ser arredondado convenientemente (FALCO, 2008).
Por fim, calcula-se o limite das classes conforme os valores encontrados:
1ª Classe: X(mínimo) até X (mínimo) + h
2ª Classe: X (mínimo) + h até X (mínimo) + 2h
.
.
.
kª Classe: X (mínimo) + (k-1).h até X (mínimo) + k.h
94
Exemplo de aplicação:
Para melhor explicação, toma-se como exemplo uma situação hipotética com
um total de cinco equipamentos comerciais, com os respectivos números de
funcionários:
Equipamento
Comercial
Número de
Empregados
Restaurante 32
Padaria 19
Lanchonete 7
Café 2
Loja de artesanato 1
Resolução:
Se n é igual a 5 (equipamentos), logo k é igual a 3.
Conferindo: Se k é igual a 1 + 3,3 log (n) e se n é igual a 5, logo k equivale,
aproximadamente, a 3.
Se L é igual a X (máx) – X (min), logo L é igual a 32 – 1, que equivale a 31.
Se h é igual a L/k, logo h é igual a 31/3, que equivale, aproximadamente, a 10.
Os equipamentos ficariam distribuídos da seguinte forma, segundo o número
de empregados:
1ª Classe (Peso 1) = 1 |— 11 (Lanchonete, Café e Loja de artesanato);
2ª Classe (Peso 2) = 11 |— 21 (Padaria);
3ª Classe (Peso 3) = 21 |—| 32 (Restaurante);
Com os pesos já estipulados para cada equipamento, fica simples desenvolver
valores que possam remontar diretamente à participação do conjunto de
estabelecimentos em cada via. No exemplo acima, o equipamento de maior peso, no
caso o restaurante, faz com que a via onde ele se encontra seja mais impactada pelo
comércio turístico do que se ele não existisse ali. Em contrapartida, a loja de artesanato
pouco mudaria a intensidade comercial turística presente no local, caso ela não existisse
nessa mesma via.
Em resumo, entende-se, para esse modelo de tratamento de dados, que os
equipamentos de grande porte possuem maior influência quanto à presença da atividade
comercial turística na via onde se encontram, sendo até mesmo responsáveis por atrair
95
equipamentos comerciais menores e/ou médios que visam aproveitar a grande
circulação de turistas proporcionada pelos primeiros.
Para achar os valores da intensidade comercial para as vias urbanas estudadas,
que serão expostas no último mapa dessa pesquisa, foram somados os pesos de todos os
equipamentos por via. No exemplo hipotético, o valor da intensidade comercial seria
calculado da seguinte forma:
Intensidade = (3x1) + (1x2) + (1x3)
Resultado = 8
O valor oito representa o valor da intensidade comercial da via.
Para a elaboração do último mapa dessa pesquisa, intitulado “Intensidade do
comércio voltado ao turismo”, a Regra de Sturges foi novamente utilizada. Agora, em
vez de se analisar o número de equipamentos comerciais levantados, foi tomada como
eventos analisados (n) a quantidade de vias estudadas. Deste modo, cada via assumiu
um peso referente ao seu grau de intensidade comercial, o qual foi encontrado a partir
da soma dos pesos dos equipamentos ali instalados.
2.3.2. GEORREFERENCIAMENTO DOS DADOS
Para este estudo, foi aplicado o uso do Sistema de Informações Geográficas -
SIG como forma de sistematizar o aproveitamento nos trabalhos de campo, como
também a representação dos resultados obtidos. Logo, a utilização do SIG favoreceu
uma melhor manipulação e processamento das análises espaciais, permitindo resultados
mais precisos e de melhor qualidade.
Para a análise do dinamismo funcional e expansão comercial da mancha urbana
estudada, foi elaborado um conjunto de cinco mapas, que, juntos, evidenciaram esses
fenômenos (Mapa 8). Esse conjunto de mapas foi organizado a partir do ano de início
das atividades de cada equipamento comercial analisado. Após todos os dados
levantados em campo, os equipamentos foram separados segundo períodos que
marcaram a sua inauguração: anteriores a 1979, 1980-1989, 1990-1999, 2000-2009 e
2010-2013. Para esse conjunto de mapas, o ano de 1980 foi tomado como referência,
por marcar o ano em que Ouro Preto recebeu o título de Patrimônio Cultural da
Humanidade pela UNESCO. Certamente, esse ano também marca o início do aumento
das atividades turísticas na cidade.
96
A análise conjunta dos mapas evidenciou quais foram os comércios que mais
resistiram ao tempo e onde se localizam, assim como permite analisar quais foram as
áreas que mais apresentaram alternância de funções comerciais e quais vias
apresentaram expansão das atividades comerciais.
Por final, elaborou-se um mapa referente à intensidade comercial de cada via, a
partir da soma dos pesos de cada equipamento e a aplicação do modelo estatístico
(Mapa 9). Esse mapa foi importante, pois possibilitou uma análise da intensidade do
atual processo de refuncionalização e mercantilização das vias urbanas estudadas.
97
CAPÍTULO 3 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
3.1. A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E AS FUNÇÕES DOS EQUIPAMENTOS
COMERCIAIS VOLTADOS AO TURISMO
Ao longo dos trabalhos de campo realizados ficou evidente que o processo de
refuncionalização está fortemente presente no centro histórico da cidade de Ouro Preto,
embora algumas vias apresentem essa característica de forma mais significativa do que
outras. Por isso, buscou-se nesse trabalho identificar quais eram os equipamentos
comerciais que evidenciavam a presença de turistas, ao longo das vias urbanas estudadas.
Além disso, essa pesquisa também procurou verificar as funções de cada um dos
equipamentos comerciais analisados, de modo a evidenciar uma relação de análise direta
entre a localização dos estabelecimentos e os tipos de uso ofertados por eles.
O mapa 7, confeccionado a partir dos dados obtidos em campo, apresenta estas
informações agrupadas de acordo comas respectivas semelhanças funcionais, gerando um
total de onze grupos que são diferenciados segundo as cores identificadas na legenda.
98
Figura 21 – Distribuição espacial e tipologias de funções dos equipamentos comerciais turísticos
99
Pode-se observar nesse mapa que as vias que se ramificam a partir da Praça
Tiradentes (porção central do mapa) apresentam maior número de equipamentos e maior
diversidade em oferta de funções, o que já era esperado por esta área representar o núcleo
comercial22 da cidade. Entre os tipos de equipamentos que podem ser encontrados nessa
porção central destacam-se as padarias, lanchonetes, alguns hotéis e muitas lojas de
artesanato e souvenirs.
Contudo, o que chama muito a atenção é a grande concentração de joalherias
muito próximas umas das outras, em especial entre a Praça Tiradentes e a Rua Conde de
Bobadela (Rua Direita). Essas joalherias buscam se instalar neste trecho por se tratar de
uma atividade exclusivamente voltada para os turistas, os quais, em sua grande maioria,
têm na Praça Tiradentes o seu ponto principal de referência, circulando em seu entorno.
Contudo, foi possível também localizar joalherias em outras áreas do centro histórico da
cidade, geralmente nas proximidades das igrejas históricas (Figuras 15 e 16).
Paralelamente a esse mercado formalizado de joias, ocorre também o mercado
informal da venda de “pedras” semipreciosas lapidadas ou em formato bruto, como
turmalinas, topázios, ametistas e quartzo.
Outra observação contida no mapa7 mostra a diferença funcional das duas ruas de
comércio mais dinâmico de Ouro Preto: a Rua Conde de Bobadela, conhecida
popularmente como “Rua Direita”, e a Rua São José, antiga “Rua Tiradentes”. Ambas se
localizam no núcleo central da cidade e seus imóveis abrigam, sobretudo, equipamentos
22 Para essa pesquisa, o “núcleo comercial” de Ouro Preto foi considerado o bairro centro da cidade.
Figura 22 – Rua Conde de Bobadela (Rua Direita)
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
Figura 23 – Rua C. de Bobadela e as joalherias.
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
100
comerciais. No entanto, ambas apresentam características comerciais que as diferenciam
fortemente.
A Rua Conde de Bobadela é a que apresenta maior quantidade de equipamentos
comerciais turísticos de toda a cidade. A sua importância histórica, a proximidade com a
Praça Tiradentes e a presença de atrativos culturais como o Museu Guignard fizeram desta
via a área mais valorizada da cidade e, por isso, alvo de grande especulação imobiliária.
Hoje, é possível encontrar equipamentos comerciais de diferentes funcionalidades ao longo
dessa via, incluindo a presença de franquias de empresas estrangeiras, como é o caso da
rede norte-americana de fast-food “Subway” (Figura 17). Além disso, a Rua Conde de
Bobadela conta com bons restaurantes de comida mineira, lanchonetes, bares, hotéis e
várias lojas de artesanato que evidenciam a sua característica amplamente direcionada para
acolher o público turista (Figura 18).
Já a Rua São José possui um comportamento comercial diferenciado da primeira.
Possuindo uma quantidade menor de equipamentos voltados aos turistas, esta via apresenta
um tipo de comércio cujas características visam atender principalmente os moradores de
Ouro Preto. Ao longo da rua, podem ser encontradas agências dos principais bancos, como
Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander, bem como lojas de roupas,
Figura 24 – Lanchonete “Subway”.
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
Figura 25 – Turistas e as lojas de artesanato.
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
101
calçados, brinquedos, papelaria, açougue e outros estabelecimentos que não se encontram
diretamente relacionados no uso dos turistas (Figura 19 e 20).
Outro fato que também merece ser destacado é a localização de equipamentos
como restaurantes, hotéis, lojas de artesanatos, souvenirse ateliers para além do núcleo
comercial da cidade. A presença desses equipamentos em bairros vizinhos ao Centro
desperta a atenção por se tratar de estabelecimentos voltados ao público turista. Por isso,
esse resultado sugere algumas reflexões referentes à dinâmica espacial do comercial
turístico em Ouro Preto.
Entre as reflexões a serem consideradas incluem-se os motivos que induziram os
empresários do ramo hoteleiro, por exemplo, a investirem em áreas mais distantes do
núcleo comercial. A pesquisa revela que os proprietários de alguns desses hotéis, pousadas
e hostels, deixaram explícitos dois importantes motivos que os levaram a investir em áreas
mais afastadas do centro comercial da cidade. O primeiro deles é o elevado valor dos
imóveis nas áreas mais centrais, que atualmente passa por uma forte especulação
imobiliária. O segundo, explicado de uma forma mais incisiva, seria a própria mudança do
perfil atual dos turistas.
Para muitos empresários do ramo hoteleiro, Ouro Preto recebe atualmente
diferentes grupos de pessoas, de idades distintas e de diversas classes sociais. Em períodos
de alta temporada, especialmente durante os festivais de cultura, todas as pousadas e hotéis
da cidade ficam com as reservas preenchidas. Segundo estes proprietários, o acesso à
Figura 26 – Rua São José, em Ouro Preto/MG.
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
Figura 27 – Rua São José, em Ouro Preto/MG.
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
102
cidade histórica tem se tornado cada vez mais democratizado, devido principalmente ao
aumento do poder aquisitivo da classe média brasileira, a maior facilidade de locomoção e
transporte e uma maior divulgação da cidade feita pela mídia televisiva em outros lugares
do Brasil e do mundo.
Os proprietários também enfatizaram o aumento do número de turistas que se
deslocam de cidade próximas a Ouro Preto, em especial da Região Metropolitana de Belo
Horizonte. De acordo com eles, esses turistas, que geralmente se deslocam de carro e
tendem a permanecer um ou dois dias na cidade, procuram pousadas com custo mais
barato e não se incomodam com o fato de se alojarem distantes do núcleo comercial da
cidade. Por isso, oferecer estadias a custos mais acessíveis tem se tornado uma opção de
investimento para muitos empreendedores do ramo hoteleiro de Ouro Preto.
3.2 O DINAMISMO FUNCIONAL E EXPANSÃO COMERCIAL NA MANCHA
URBANA ESTUDADA
Outra informação relevante obtida durante os trabalhos refere-se ao ano de início
das atividades de cada equipamento, observando-se a sua permanência no mesmo local.
Essa análise permitiu verificar as transformações ocorridas nas vias onde as funções
comerciais sofreram mais alterações ou os locais em que a atividade comercial se expandiu
ao longo das últimas décadas. A coleção de mapas, a seguir, permite analisar o surgimento
dos equipamentos comerciais turísticos presentes hoje na área urbana estudada, por década
de criação (Mapa 8).
103
Figura 28 – Coleção de mapas que define cada empreendimento comercial por década de criação
104
A partir da elaboração desses mapas verificou-se que a área estudada possui um
elevado dinamismo comercial, principalmente por apresentar um grande número de
equipamentos inaugurados nos últimos anos. Observa-se que o centro histórico de Ouro
Preto possui tanto estabelecimentos muito antigos, quanto a presença de alguns muito
recentes. Esses equipamentos de diferentes épocas coexistem no mesmo espaço e se
misturam ao longo das vias estudadas, sendo, portanto, difícil definir uma via onde o
comércio voltado apenas ao turismo se manteve constante.
Observou-se, curiosamente, durante os trabalhos de campo, que Ouro Preto ainda
possui algumas casas de comércio muito antigas, as quais ainda guardam, internamente, a
mesma aparência de décadas atrás. Dentre os equipamentos mais antigos, destacam-se três
que persistem com poucas alterações e ainda se mantêm como eram há mais de cinquenta
anos atrás.
Na Rua Barão de Camargos, próximo à Praça Tiradentes, permanece atuante uma
mercearia/bar que ainda exerce suas vendas a granel, algo inusitado para os dias de hoje.
Com balcão antigo, construídos em madeira bruta, e longas prateleiras que se estendem do
chão ao teto, os proprietários dão continuidade ao empreendimento herdado do avô, há
aproximadamente sessenta anos atrás (Figuras21 e 22).
Figura 29 – Mercearia, Rua Barão de Camargos;
Fonte: Arquivo do Autor, 2013.
Figura 30 – Mercearia, Rua Barão de Camargos;
Fonte: Arquivo do Autor, 2013.
105
Na Rua São José, número 72, encontra-se o estabelecimento comercial mais
antigo verificado durante a pesquisa: o Hotel Toffolo (Figuras23 e 24). Inaugurado ainda
na primeira década do século XX, segundo informações da proprietária, Gracinha
Toffolo23, de 84 anos, o hotel é referência cultural e histórica em Ouro Preto por ter
hospedado importantes personalidades, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel
Bandeira, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles e Alberto Guignard. Ao longo de sua
história, o casarão, que ainda funciona como hotel e possui um bar no térreo, sempre foi
propriedade da família Toffolo. De acordo com a proprietária, “a simplicidade sempre foi a
marca registrada do hotel” e ela se orgulha muito de ter dado continuidade ao
empreendimento, que “se mantém com a mesma essência de quando começou”.
Destaca-se, ainda, o Grande Hotel de Ouro Preto. Localizado na Rua Senador
Rocha Lagoa, a construção do hotel foi iniciada em 1938, meses após a criação do
SPHAN, atual IPHAN. O hotel foi erguido por meio de uma parceria entre os governos
federal e estadual, que visavam apoiar o desenvolvimento do turismo em Ouro Preto,
ressaltando a sua importância como um dos principais centros urbanos criados pelo “Ciclo
do Ouro”. Na ocasião, uma comissão liderada pelo urbanista Lúcio Costa encarregou o
então jovem arquiteto Oscar Niemeyer da tarefa de projetá-lo. Niemeyer projetou o Grande
Hotel de Ouro Preto com linhas arrojadas e varandas retilíneas, com amplos espaços no
23Gracinha Toffolo é nora do fundador do estabelecimento, Sr. Olívio Ângelo Toffolo, falecido em 1971.
Figura 31 – Rua São José e o Hotel Toffolo;
Fonte: Luiz Fontana, 1946.
Figura 32 – Rua São José e o Hotel Toffolo;
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
106
térreo, elevados sobre os pilotis. Os planos frontais envidraçados, permitem os hospedes
descortinar a paisagem da histórica Ouro Preto (Figuras 25 e 26).
A partir da década de 1980 ocorreram grandes avanços nas atividades turísticas,
em especial nas ruas que se ramificam a partir da Praça Tiradentes. O reconhecimento
internacional de Ouro Preto como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO, em
1980, promoveu e elevou a curiosidade com a chegada de mais turistas à cidade, levando
muitos empresários a apostarem no comércio local.
Muitos equipamentos criados nas décadas de 1980 e 1990 ainda permanecem
atuantes, conforme pode ser verificado na coleção de mapas (Mapa 8). Pode-se notar que,
já nessas décadas, alguns empresários iniciaram a criação de empreendimentos em áreas
mais distantes da Praça Tiradentes, principalmente nos bairros Pilar, Rosário e Antônio
Dias.
Os primeiros anos do século XXI, entretanto, marcaram o período de maior índice
de aparecimento de equipamentos comerciais turísticos. Isto confirma a atratividade
turística, dinamismo funcional e expansão do comércio voltado para este segmento em
Ouro Preto, em especial nas áreas situadas próximas ao núcleo comercial da cidade.
A Rua Conde de Bobadela mais uma vez se destacou por ser a via que mais
apresentou equipamentos com novas funções comerciais, voltados para os turistas. Esse
resultado já era esperado pelo fato de essa rua ser a principal via comercial da cidade e, por
isso, atraio interesse de empresários de diferentes áreas. Um exemplo disso foi a chegada
de empresas franqueadas, como a lanchonete “Subway” que optou por uma área
Figura 33 – Grande Hotel de Ouro Preto/MG
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
Figura 34 - Grande Hotel de Ouro Preto/MG
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
107
mercadologicamente consolidada e estratégica para atingir seu público.
Observou-se ao longo dos trabalhos de campo que o dinamismo comercial da área
estudada apresenta uma grande rotatividade entre os equipamentos de pequeno porte, em
especial os ateliers, lojas de artesanato, souvenirs e joalherias. Durante a coleta de dados,
quando interrogados sobre o ano de início das atividades naquele local, muitos
proprietários deixaram claro que o empreendimento já havia tido antigos endereços. Esse
fato faz entender que há uma rotatividade entre esse tipo de estabelecimento, os quais
buscam incessantemente uma relação de proximidade com o mercado consumidor. Em
função desta procura, os valores de aluguel dos imóveis crescem na mesma proporção.
Em relação à expansão do comércio voltado para os turistas, os dados coletados
foram analisados e pelo conjunto de mapas elaborados foi possível identificar a expansão
do comércio nas vias estudadas, nas últimas três décadas. As vias que apresentam
expansão das atividades mercantis geralmente proporcionam a coexistência das funções
comercial e residencial numericamente bem equilibradas. A tendência é que os imóveis
residenciais sejam aos poucos substituídos pelos comerciais ou que os imóveis tenham as
duas funções, caso sejam de dois ou mais pavimentos.
Durante os trabalhos de campo, duas ruas apresentaram nitidamente a presença
equilibrada de imóveis comerciais e residenciais. A partir do conjunto de mapas elaborado,
é possível identificar a presença de estabelecimentos comerciais recentemente instalados
nessas vias, o que confirma a probabilidade destas duas ruas apresentarem um número
maior de atividades comerciais, em detrimento do uso residencial.
A primeira via onde essas características foram identificadas foi a Rua Getúlio
Vargas, que é um prolongamento da Rua São José e conecta os bairros Centro e Rosário.
Assim como a Rua São José, a Rua Getúlio Vargas também assume características
comerciais mais voltadas para a população local. Todavia, alguns empreendimentos
recentes têm sido inaugurados ao longo de seu trajeto, verificando-se uma substituição de
imóveis residenciais por novos equipamentos comerciais turísticos.
A constatação de que a Rua Getúlio Vargas está se tornando mais comercial do
que residencial está certamente à presença do Hotel Solar do Rosário, que emprega hoje
cerca de cinquenta funcionários e se trata de um dos mais requintados e luxuosos hotéis da
cidade (Figura 27).
Localizado no final da via, já na esquina com o Largo da Igreja de Nossa Senhora
do Rosário, o hotel foi reinaugurado em 2007 após um longo período de restauração.
108
Segundo informações, obtidas em pesquisas históricas, ele foi construído para essa mesma
função ainda na primeira metade século XIX, tendo sido fechado logo depois que a sede do
governo mineiro foi transferida para Belo Horizonte, 1897. Em estado de abandono, sua
estrutura foi aos poucos se deteriorando, deixando-o arruinado e descaracterizado nas
primeiras décadas do século XX (Figura 28). Apenas na segunda metade mesmo século,
com a valorização patrimonial e cultural de Ouro Preto, o imóvel voltou a ser considerado
como passível de ser novamente integrado à sua anterior condição.
Durante a década de 1990, após longos períodos de restauração e de ampliação, o
Hotel Solar do Rosário volta a imprimir uma nova dinâmica às vias que se encontram em
seu entorno. A Rua Getúlio Vargas é, sem dúvida, a mais impactada pela presença do
hotel, contando atualmente com equipamentos como cafeteria, livraria, souvenirs e
ateliers. Embora essa rua ainda tenha imóveis residenciais, a tendência é que o comércio se
torne cada vez mais atuante e venha a se expandir ainda mais nos próximos anos.
Ao longo dos trabalhos de campo, foi possível verificar a existência, na Rua
Getúlio Vargas, de alguns imóveis residenciais sem ocupação, os quais, possivelmente,
sejam objetos de especulação urbana para venda ou aluguel para fins comerciais (Figuras
29 e 30).
Figura 35 – Hotel Solar do Rosário;
Fonte: Acervo do Autor, 2014. Figura 36 – Hotel Solar do Rosário, década de 1990;
Fonte: Arquivo cedido pelo próprio Hotel.
109
A segunda via que merece destaque em termos de expansão comercial é a Rua
São Francisco, no Bairro Antônio Dias, que conecta a igreja de São Francisco de Assis,
situada no Largo do Coimbra, à Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Pelo fato de
apresentar estabelecimentos comerciais muito recentes, essa via pode ser considerada
como um subcentro comercial na mancha urbana estudada. No geral, trata-se de uma rua
que comporta equipamentos de diferentes usos e funções, que atendem principalmente os
moradores locais. Todavia, devido à presença de inúmeras pousadas no bairro, conforme
pode ser visto no mapa 7, a Rua São Francisco vem sendo direcionada aos turistas, como a
abertura de ateliers e lojas de artesanato.
Assim como na Rua Getúlio Vargas, na Rua São Francisco a presença de imóveis
residenciais tende a sofrer uma contínua redução ou adaptação para que novos
equipamentos comerciais possam ser instalados. A figura 31 retrata um exemplo da
tendência da expansão do comercio, mesmo que localizados no térreo de alguns casarios.
O cartaz colocado na porta anuncia: “ALUGA-SE este ponto para comércio”,
evidenciando-se o caráter mercantil da via. Entretanto, pelo fato de ser uma rua muito
estreita e de calçadas pequenas, não se pode esperar dela o mesmo potencial comercial da
Rua Getúlio Vargas.
Figura 37 – Imóveis desocupados, Rua G. Vargas.
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
Figura 38 – Imóveis desocupados, Rua
Getúlio Vargas.
Fonte: Acervo do Autor, 2013.
110
O dinamismo funcional e a expansão das atividades comerciais turísticas são dois
fenômenos que retratam bem o processo de refuncionalização. A partir do conjunto de
mapas elaborados, onde os equipamentos foram identificados pela década de criação,
tornou-se mais fácil analisar o comportamento dos equipamentos ao longo da mancha
urbana estudada.
Embora algumas vias assumam um maior dinamismo funcional de seus
equipamentos, alguns estabelecimentos comerciais resistem fortemente às pressões
impostas pelo novo modelo de mercado, buscando destacar-se pela tradição e pela história
construída ao longo de décadas. Assim, novas e antigas funções se misturam e coexistem
ao longo das ladeiras de Ouro Preto, evidenciando a heterogeneidade de estabelecimentos
comerciais exercidos nos patrimônios imóveis desta cidade histórica.
A expansão das atividades comerciais deve-se ao aumento da presença de turistas
na cidade e isto se reflete na refuncionalização de algumas vias. Verificou-se que, aos
poucos, os imóveis do conjunto urbanístico e arquitetônico de Ouro Preto vão deixando a
função residencial para dar espaço aos novos empreendimentos, como restaurantes,
pousadas, ateliers e lojas de artesanato. Verificou-se, também, que em porções mais
distantes do núcleo comercial houve uma expansão do comércio voltado ao turista,
Figura 39 – Rua São Francisco, Ouro Preto/MG
Fonte: Acervo do Autor (2013)
111
ampliando o espaço mercantilizado para outros bairros do centro histórico da cidade.
3.3. A INTENSIDADE DO COMÉRCIO VOLTADO AO TURISMO
A intensidade do comércio voltado ao turismo representou um estudo mais
sistêmico do impacto do mercado na mancha urbana estudada, considerando-se os pesos
dos equipamentos comerciais. O resultado encontrado remonta a tudo o que foi discutido
nos capítulos 7 e 8 dessa pesquisa, confirmando as características do processo de
refuncionalização em cada uma das vias investigadas.
Para a criação do mapa final dessa pesquisa, que recebe o mesmo nome desse
capítulo, foi aplicado um modelo estatístico a partir da Regra de Sturges. Essa fórmula
matemática foi utilizada duas vezes: para a definição dos pesos de cada equipamento e das
classes referentes às intensidades comerciais de cada via.
O cálculo desenvolvido na elaboração dos pesos de todos os estabelecimentos
comerciais, que pode ser encontrado no apêndice D, não apresentou dificuldade alguma em
termos de aplicação. O resultado conferiu oito tipos de pesos para os equipamentos
levantados, segundo o número de funcionários empregados em cada um. Os pesos
atribuídos para cada equipamento podem ser localizados no apêndice C desse trabalho.
A soma dos pesos dos equipamentos de cada via conferiu a cada uma delas um
Valor de Intensidade Comercial Turístico - VICT, os quais estão apresentados no apêndice
E desse trabalho e tiveram grandes variações, confirmando os diferentes potenciais
comerciais turísticos entre as vias investigadas.
Para a elaboração desse último mapa, foi necessário classificar as vias de acordo
com o VICT de cada uma delas. Para esse cálculo, foram consideradas apenas as vias que
apresentaram algum equipamento, contabilizando um total de 39 (trinta e nove) amostras.
Logo, segundo a Regra de Sturges, seria necessária a criação de seis classes, as quais
conteriam todas as vias distribuídas entre elas.
A primeira tentativa de distribuir os valores de intensidade em classes não deu
certa, uma vez que duas classes ficaram vazias. A explicação para esse problema parte do
simples entendimento de que a Regra de Sturges usa a diferença entre o valor máximo e
mínimo para se calcular a Amplitude das Classes (h). Na tabela encontrada no apêndice E,
é observado que a Rua Conde de Bobadela (Rua Direita) possui um elevadíssimo VICT,
sendo até muito superior que a segunda via de maior VICT, a Rua São José. Esse fato, ao
utilizar a Regra de Sturges, favoreceu a criação de classes com valores muito altos, em que
112
algumas não puderam ser preenchidas por nenhuma via.
Para tanto, a fim de solucionar o problema, foi retirada do cálculo a Rua de Conde
Bobadela, que foi alocada em uma sétima classe (classe especial). O isolamento dessa rua
viabilizou uma menor amplitude entre as classes, fazendo com que todas as seis fossem
então ocupadas no mínimo por uma via. Assumiu-se, portanto, o valor de 38 (trinta e oito)
amostras, sendo que todas elas foram então distribuídas nas seis classes, de acordo com o
cálculo utilizado a partir da Regra de Sturges (Apêndice F).
A seguir, é apresentado o resultado final desse trabalho, o mapa de Intensidade do
Comércio Voltado ao Turismo, em Ouro preto/MG (Mapa 9).
113
Figura 40 – Mapa de intensidade do comércio voltado ao turismo
114
A análise desse mapa permite verificar algumas características comerciais
assumidas por cada uma das vias, visando ao público turista. Conforme já anunciado, esse
mapa confirma muito das discussões desenroladas nos dois capítulos anteriores a este, os
quais qualificam o processo de refuncionalização do patrimônio cultural e de
mercantilização na cidade de Ouro Preto.
O grande destaque no mapa 9 não poderia ser outro senão a grande intensidade
comercial turística presenciada na Rua Conde de Bobadela. Entretanto, outras vias também
ganham evidência por apresentarem grande dinamismo e expansão das atividades
comerciais.
A Rua São José, apesar de ser uma via comercialmente também voltada para os
habitantes da cidade, aparece como a segunda rua mais comercialmente turística do centro
histórico de Ouro Preto. Em seguida vem a Praça Tiradentes, que só não possui maior
intensidade, por conter muitos edifícios públicos em seu entorno. Todavia, vale destacar
que a praça é marcada sempre por um grande fluxo de turistas, especialmente nos finais de
semana, que a tomam como ponto de referência e de encontro.
Com intensidade semelhante à da Praça Tiradentes, tem-se a Rua Getúlio Vargas.
Apresentada como um prolongamento da Rua São José, a rua tem se destacado pelo seu
crescimento comercial turístico, especialmente depois da restauração e início do
funcionamento do Hotel Solar do Rosário.
As ruas São Francisco e Senador Rocha Lagoa aparecem logo em seguida com
intensidades comerciais medianas, mas com grandes potenciais de crescimento para os
próximos anos. A Rua São Francisco, inclusive, atua como um subcentro do Bairro
Antônio Dias e é a via de maior intensidade fora do Bairro Centro, em Ouro Preto.
As intensidades comerciais apresentadas pelas demais vias remontam os
diferentes comportamentos do mercado ao longo da mancha urbana estudada. De certo,
observa-se que as vias mais distantes do núcleo comercial da cidade possuem intensidades
menores, embora algumas tenham registrado o surgimento de novos equipamentos nas
últimas décadas.
O mapa 9 configura, portanto, não apenas as diferentes intensidades comerciais
das vias investigadas, como também propõe uma análise mais aprofundada da distribuição
espacial dos equipamentos relacionados diretamente com o público turista. Possibilita, por
exemplo, entender quais são as áreas mais evidenciadas pelos empresários e como eles
115
apostam em seus respectivos empreendimentos, esperando determinados lucros. Assim
como, esse mapa também permite fazer um estudo sobre a valorização comercial e/ou
residencial de determinadas áreas, avaliando o aporte de ofertas de equipamentos em suas
proximidades. Em suma, trata-se de uma leitura sistêmica do processo de
refuncionalização do patrimônio cultural de Ouro Preto, marcado, sobretudo, pela
mercantilização turística no centro histórico da cidade.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ouro Preto é considerado como um dos principais conjuntos arquitetônicos e
urbanísticos do Brasil pela sua importante história relacionada à memória do povo de
Minas Gerais e pelo seu patrimônio conservado, por todo estes anos. Desenvolver uma
pesquisa sobre a cidade representou uma oportunidade de estabelecer novos olhares, os
quais identificaram os comportamentos contemporâneos de uma antiga estrutura urbana.
A caracterização histórica de Ouro Preto proporcionou reflexões acerca do
conceito de patrimônio cultural, ampliando a compreensão da relação existente entre a
memória social e a herança cultural expressa no território. Nesse sentido, essa pesquisa
evidenciou, sob uma perspectiva geográfica, um grande meio de intervenções que alteram
o uso e a função original dos imóveis pertencentes ao conjunto. Trata-se de uma
consequência da dinâmica comercial exigida pelo tempo presente, que trata das relações
existentes entre este significativo patrimônio cultural e a crescente atividade turística.
Esse trabalho analisou a dimensão espacial do turismo em sua dinâmica de
apropriação territorial e o processo de refuncionalização do patrimônio cultural, adaptado
para atender aos interesses do mercado. Foi possível observar que o centro histórico de
Ouro Preto apresenta conflitos entre antigas e as novas territorialidades, decorrentes
sobretudo, das imposições econômicas que atribuem novos usos e significados ao
patrimônio e definem novas formas de sociabilidade entre os grupos sociais.
Embora a cidade apresente vários edifícios públicos tombados que exercem
atualmente a função de museus, é grande o número de edificações privadas que se
distinguem entre as funções de residência e comércio. Observou-se que esses imóveis
particulares tombados coexistem na porção histórica da cidade, ainda que a função
residencial tenha se tornado cada vez menos frequente. Concomitante a esse fato,
verificou-se o crescimento das atividades comerciais em grande parte da mancha urbana
estudada, principalmente devido às novas adaptações que visam às necessidades turísticas.
O reconhecimento como a primeira cidade brasileira a receber o título de
Patrimônio Cultural da Humanidade fez de Ouro Preto uma cidade prestigiada. A
valorização dos seus bens patrimoniais como símbolos da história e da identidade nacional
provocou o interesse da especulação empresarial, que, seletivamente, atuou sobre o
território, conferindo-lhe uma nova dinâmica socioeconômica.
Ao longo dessa pesquisa foi analisada a importância cultural e o valor econômico
117
dos bens patrimoniais de Ouro Preto, que atualmente são largamente apropriados pelo
mercado turístico cultural. A cidade se tornou, especialmente a partir da década de 1980,
um dos principais destinos turísticos do país. Por isso, passou a ter sua paisagem divulgada
por diferentes veículos midiáticos, com o objetivo de atrair cada vez mais excursionistas.
O processo de refuncionalização se deu com o aumento do número de turistas na
cidade, evidenciando a oportunidade de ganho de lucro através do comércio. A adaptação
dos bens tombados aos novos usos foi apresentada nesse trabalho, a partir de sua dinâmica
funcional e da expansão das atividades comerciais nas vias da área de estudo. Foi possível
verificar que o núcleo comercial do centro histórico de Ouro Preto se mantém como a área
de maior intensidade comercial da cidade, comandado principalmente pelo elevado grau de
dinamismo funcional da Rua Conde de Bobadela, conhecida popularmente como “Rua
Direita”.
A pesquisa também concluiu que muitos equipamentos comerciais direcionados
aos turistas têm se expandido para áreas mais distantes do núcleo comercial da cidade,
como os bairros do Pilar, de Antônio Dias e do Rosário. Esse fenômeno foi comprovado
principalmente pela presença de outras possibilidades de hospedagens nesses respectivos
bairros, com preços mais acessíveis àqueles que visitam a histórica cidade.
Assim, embora a atividade turística tenha valorizado os imóveis tombados e
causado uma gentrificação no centro histórico de Ouro Preto, é possível afirmar que a
dinâmica comercial proporciona reflexos positivos à população ouro-pretana. Observa-se
que o acesso a eventos culturais, patrocinados pelos investimentos público-privados e com
a participação direta da UFOP, como os Festivais de Inverno e de Jazz, proporciona à
população ouro-pretana benefícios gerados por empregos diretos impulsionados pelas
atividades turísticas.
Entretanto, há também aspectos cujos impactos negativos merecem cuidados
especiais dos órgãos preservacionistas, em especial o IPHAN e o poder público municipal.
As preocupações dizem respeito, principalmente, à descaracterização da paisagem no
entorno do centro histórico, marcada principalmente pela ocupação irregular de novas
habitações em loteamentos recentemente abertos. Essa condição, inclusive, ameaça a perda
do título de Patrimônio Cultural da Humanidade conferido pela UNESCO.
Não há dúvida de que a atividade turística que ocorre de forma permanente sobre
o objeto de estudo tem proporcionado uma seletividade do espaço geográfico e uma
valorização dos bens patrimoniais tombados, assim como a geração de emprego e renda
118
para os habitantes. Deve-se, portanto, procurar uma coerência quanto ao uso do patrimônio
tombado, que necessita se mantido como um direito social apropriado de forma coletiva e,
ao mesmo tempo, exercendo as funções que atendem diretamente ao público turista. Para
isso, é necessária uma maior participação da sociedade civil na idealização e na gestão do
turismo, de modo que parte das receitas geradas por essa atividade sejam utilizadas pelo
poder público para garantir não só a preservação do patrimônio, mas também os interesses
sociais da população.
119
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125
ANEXOS
126
APÊNDICE A
LEVANTAMENTOS SOBRE OS EQUIPAMENTOS COMERCIAIS VOLTADOS
AOS TURISTAS E ENTREVISTA AOS PROPRIETÁRIOS OU RESPONSÁVEIS
PELOS ESTABELECIMENTOS
Bairro: ( ) Centro - ( ) Pilar - ( ) Rosário - ( ) Antônio Dias
Rua: Número:
Função Comercial:
Perguntas aos proprietários ou responsáveis pelos estabelecimentos:
1 –Quando foi o início das atividades neste local?
Até 1979 ( )– 1980-89 ( ) – 1990-99 ( ) 2000-09 ( ) – 2010-13 ( )
2 –Quantos funcionários o estabelecimento conta atualmente? ________
127
APÊNDICE B
DECLARAÇÃO PARA EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE ENTREVISTA AOS
PROPRIETÁRIOS OU RESPONSÁVEIS POR CADA EQUIPAMENTO
COMERCIAL INVESTIGADO
128
APÊNDICE C
EQUIPAMENTOS LEVANTADOS AO LONGO DOS TRABALHOS DE CAMPO
COM DETALHAMENTO DE ENDEREÇO, FUNÇÃO, DÉCADA DE INÍCIO DAS
ATIVIDADES, NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS E PESO
Endereço Função Década Funcionários Peso
Largo do Coimbra, 38 Hotel 1980 30 6
Largo do Rosário, 33 Atelier 2000 2 1
Largo do Rosário, 85 Restaurante 1990 15 3
Largo Musicista José dos Anjos Costa Pousada 1980 6 1
Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 07 Souvenir 1990 8 2
Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 19 Joalheria 2000 2 1
Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 29 Joalheria 1990 2 1
Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 31 Atelier 1990 2 1
Praça Américo Lopes, 22 Restaurante 2000 5 1
Praça Américo Lopes, 27 Restaurante 2000 4 1
Praça Américo Lopes, 41 Artesanato 2000 1 1
Praça Américo Lopes, 7 Artesanato 2000 1 1
Praça Antônio Dias, 14 Hostel 2010 2 1
Praça Antônio Dias, 18 Artesanato 2010 3 1
Praça Antônio Dias, 21 Hostel 2010 2 1
Praça Antônio Dias, 64 Restaurante 2000 4 1
Praça Antônio Dias, 99 Pousada 2010 10 2
Praça Barão de Rio Branco, 19 Mercearia 1990 4 1
Praça Barão de Rio Branco, 35 Padaria 1990 15 3
Praça Barão de Rio Branco, 80 Farmácia 2000 6 1
Praça Reinaldo Alves de Brito, 61 Padaria 1990 9 2
Praça Reinaldo Alves de Brito, 75 Restaurante 1960* 10 2
Praça Silviano Brandão, 09 Padaria 1960* 22 4
Praça Silviano Brandão, 25 Perfumaria 2000 3 1
Praça Tiradentes, 112 Sorveteria 2000 6 1
Praça Tiradentes, 120 Souvenir 1970* 2 1
Praça Tiradentes, 124 Joalheria 1970* 6 1
Praça Tiradentes, 130 Cachaçaria 2010 5 1
Praça Tiradentes, 134 Pousada 1990 3 1
Praça Tiradentes, 54 Restaurante 1980 6 1
Praça Tiradentes, 58 Restaurante 1970 15 3
Praça Tiradentes, 68 Restaurante 2000 6 1
Praça Tiradentes, 70 Pousada 1990 4 1
Praça Tiradentes, 74 Joalheria 1980 10 2
Praça Tiradentes, 84 Artesanato 1990 11 2
Praça Tiradentes, 95 Joalheria 1970 6 1
Rua Alfredo Baeta, 41 Pousada 1960* 20 4
Rua Amália Bernhaus, 25 Restaurante 2010 6 1
Rua Antônio de Albuquerque, 24 Cachaçaria 1980 2 1
129
Rua Antônio Pereira, 43 Hostel 2010 3 1
Rua Barão de Camargos, 126 Restaurante 2000 12 2
Rua Barão de Camargos, 14 Mercearia 1950* 5 1
Rua Barão de Camargos, 20 Restaurante 2010 8 2
Rua Benedito Valadares, 172 Mercearia 2010 7 2
Rua Benedito Valadares, 219 Pousada 1970 7 2
Rua Benedito Valadares, 221 Pizzaria 1980 6 1
Rua Brigadeiro Musqueira, 56 Joalheria 2000 2 1
Rua Brigadeiro Musqueira, 60 Pousada 1960 10 2
Rua Camilo de Brito, 21 Restaurante 1980 16 3
Rua Camilo de Brito, 59 Pousada 2000 5 1
Rua Claudio Manoel, 130 Joalheria 2010 3 1
Rua Claudio Manoel, 15 Lanchonete 2000 5 1
Rua Claudio Manoel, 23 Pousada 1990 8 2
Rua Claudio Manoel, 32 Artesanato 1990 6 1
Rua Claudio Manoel, 51 Farmácia 2000 6 1
Rua Claudio Manoel, 61 Livraria 2000 2 1
Rua Claudio Manoel, 89 Joalheria 2010 1 1
Rua Claudio Manoel, SN Café e Livr. 2000 6 1
Rua Conde Bobadela, 106 Bar 1980 6 1
Rua Conde Bobadela, 111 Artesanato 1990 2 1
Rua Conde Bobadela, 12 Joalheria 1980 7 2
Rua Conde Bobadela, 122 Restaurante 1990 21 4
Rua Conde Bobadela, 135 Lanchonete 2010 3 1
Rua Conde Bobadela, 138 Joalheria 2000 1 1
Rua Conde Bobadela, 145 Joalheria 2000 1 1
Rua Conde Bobadela, 151 Restaurante 2000 5 1
Rua Conde Bobadela, 155 Cachaçaria 2000 2 1
Rua Conde Bobadela, 161 Souvenir 2000 2 1
Rua Conde Bobadela, 162 Chocolataria 2000 6 1
Rua Conde Bobadela, 24 Joalheria 2000 3 1
Rua Conde Bobadela, 27 Artesanato 2010 3 1
Rua Conde Bobadela, 32 Artesanato 2010 3 1
Rua Conde Bobadela, 33 Artesanato 2000 1 1
Rua Conde Bobadela, 40 Joalheria 2000 7 2
Rua Conde Bobadela, 42 Restaurante 1980 16 3
Rua Conde Bobadela, 55 Lanchonete 2010 2 1
Rua Conde Bobadela, 60 Souvenir 1990 6 1
Rua Conde Bobadela, 64 Farmácia 2000 9 2
Rua Conde Bobadela, 64 Lanchonete 2010 4 1
Rua Conde Bobadela, 79 Hotel 2000 20 4
Rua Conde Bobadela, 80 Lanchonete 2010 2 1
Rua Conde Bobadela, 84 Joalheria 2000 2 1
Rua Conde Bobadela, 87 Lanchonete 1980 5 1
Rua Conde Bobadela, 88 Farmácia 1980 8 2
Rua Conde Bobadela, 96 Pousada 2000 22 2
Rua Conselheiro Santana, 122 Atelier 1990 1 1
130
Rua Coronel Alves, 15 Restaurante 2000 13 2
Rua Costa Sena, 30 Pousada 2000 4 1
Rua Costa Sena, 307 Hotel 2000 15 3
Rua da Conceição, 14 Ateliê 2010 1 1
Rua da Conceição, 18 Bar 2000 4 1
Rua das Mercês, 167 Pousada 1980 12 2
Rua das Mercês, 45 Pousada 2000 2 1
Rua Diogo de Vasconcelos, 100 Lanchonete 2010 3 1
Rua Diogo de Vasconcelos, 98 Restaurante 1990 10 2
Rua do Pilar, 44 Hostel 2010 3 1
Rua Dom Silvério, 108 Restaurante 1970* 7 2
Rua dos Paulistas, 43 Pousada 2000 7 2
Rua Felipe dos Santos, 134 Pousada 2000 5 1
Rua Felipe dos Santos, 165 Pousada 1980 6 1
Rua Felipe dos Santos, 241 Pousada 1990 4 1
Rua Getúlio Vargas, 13 Souvenir 2010 2 1
Rua Getúlio Vargas, 190 Mercearia 1970* 2 1
Rua Getúlio Vargas, 233 Café 2012 1 1
Rua Getúlio Vargas, 239 Livraria 2006 2 1
Rua Getúlio Vargas, 251 Atelier 1990 1 1
Rua Getúlio Vargas, 270 Hotel 1990 49 8
Rua Getúlio Vargas, 281 Souvenir 2010 2 1
Rua Getúlio Vargas, 66 Chocolataria 2000 6 1
Rua João Batista Portes, 11 Restaurante 1990 10 2
Rua Padre Rolim, 244 Pousada 2000 13 3
Rua Padre Rolim, 578 Hotel 2000 23 4
Rua Paraná, 100 Lan House 2000 2 1
Rua Paraná, 57 Joalheria 1980 2 1
Rua Paraná, 79 Antiquário 1990 2 1
Rua Randolfo Bretas, 17 Doces Cas. 1990 2 1
Rua São Francisco, 07 Ateliê 2000 2 1
Rua São Francisco, 107 Mercearia 2000 4 1
Rua São Francisco, 115 Ateliê 1990 2 1
Rua São Francisco, 132 Padaria 2000 8 2
Rua São Francisco, 140 Lanchonete 2010 2 1
Rua São Francisco, 147 Ateliê 2000 2 1
Rua São Francisco, 29 Artesanato 1990 2 1
Rua São Francisco, 32 Restaurante 2000 17 3
Rua São Francisco, 64 Padaria 2000 3 1
Rua São Francisco, 96 Farmácia 2010 3 1
Rua São José, 121 Souvenir 2010 2 1
Rua São José, 125 Bar 1960* 3 1
Rua São José, 143 Lanchonete 2010 2 1
Rua São José, 158 Restaurante 1980 10 2
Rua São José, 167 Restaurante 1970* 14 3
Rua São José, 177 Cosméticos 1990 2 1
Rua São José, 190 Chocolataria 2010 3 1
131
Rua São José, 200 Farmácia 1980 7 2
Rua São José, 210 Lanchonete 2000 2 1
Rua São José, 56 Pizzaria 2000 22 4
Rua São José, 72 Hotel / Bar 1910* 6 1
Rua São José, 89 Sorveteria 2000 2 1
Rua São José, 92 Bc. Jornal 1970 2 1
Rua São José, 95 Farmácia 2010 3 1
Rua Senador Rocha Lagoa, 131 Pousada 1990 4 1
Rua Senador Rocha Lagoa, 15 Artesanato 2000 2 1
Rua Senador Rocha Lagoa, 164 Hotel 1930/40* 40 7
Rua Senador Rocha Lagoa, 61 Farmácia 1990 7 2
Rua Senador Rocha Lagoa, 79 Restaurante 2000 3 1
Rua Teixeira Amaral, 20 Restaurante 1980 12 2
Rua Xavier da Veiga, 215 Restaurante 1990 6 1
Rua Xavier da Veiga, 303 Pousada 2000 15 3
Rua Xavier da Veiga, 89 Padaria 2010 4 1
Rua Xavier da Veiga, 99 Pousada 1990 7 2
132
APÊNDICE D
APLICAÇÃO DA REGRA DE STURGES PARA A DEFINIÇÃO DOS PESOS DOS
EQUIPAMENTOS LEVANTADOS, CONSIDERANDO O NÚMERO DE
FUNCIONÁRIOS COMO FATOR DE VARIAÇÃO
Número de equipamentos levantados: 150
Quantidade de classes desejável: 8 classes
Confirmando: K= 1 + 3,3 log (150) = 8
L = (49 – 1) = 48
H =(48 / 8) = 6
1ª Classe (peso 1) 1 ⌐ 7
2ª Classe (peso 2) 7 ⌐ 13
3ª Classe (peso 3) 13 ⌐ 19
4ª Classe (peso 4) 19 ⌐ 25
5ª Classe (peso 5) 25 ⌐ 31
6ª Classe (peso 6) 31 ⌐ 37
7ª Classe (peso 7) 37 ⌐ 43
8ª Classe (peso 8) 43 ⌐ 49
133
APÊNDICE E
INTENSIDADE COMERCIAL POR VIA ESTUDADA SEM A PRESENÇA DA
RUA CONDE BOBADELA (RUA DIREITA), EM ORDEM ALFABÉTICA
NOME DA VIA VALOR DA
INTENSIDADE*
CLASSE
Largo do Coimbra 6 2
Largo do Rosário 4 1
Largo Musicista José dos Anjos Costa 1 1
Praça Américo Lopes 4 1
Praça Antônio Dias 6 2
Praça Barão de Rio Branco 5 2
Praça Monsenhor Castilho Barbosa 5 2
Praça Reinaldo Alves de Brito 4 1
Praça Silviano Brandão 5 2
Praça Tiradentes 17 5
Rua Alfredo Baeta 4 1
Rua Amália Bernhaus 1 1
Rua Antônio de Albuquerque 1 1
Rua Antônio Pereira 1 1
Rua Barão de Camargos 5 2
Rua Benedito Valadares 5 2
Rua Brigadeiro Musqueira 3 1
Rua Camilo de Brito 4 1
Rua Claudio Manoel 9 3
Rua Conselheiro Santana 1 1
Rua Coronel Alves 3 1
134
Rua Costa Sena 4 1
Rua da Conceição 2 1
Rua das Mercês 3 1
Rua Diogo de Vasconcelos 3 1
Rua do Pilar 1 1
Rua Dom Silvério 2 1
Rua dos Paulistas 1 1
Rua Getúlio Vargas 15 5
Rua João Batista Portes 2 1
Rua Padre Rolim (Parcial) 7 2
Rua Paraná 3 1
Rua São Francisco 13 4
Rua São José 21 6
Rua Senador Rocha Lagoa 12 4
Rua Teixeira Amaral 2 1
Rua Xavier da Veiga 7 2
Rua Conde Bobadela 41 7
* Referente à soma dos pesos dos equipamentos encontrados em cada via.
135
APÊNDICE F
APLICAÇÃO DA REGRA DE STURGES PARA A DEFINIÇÃO DAS CLASSES
REFERENTES À INTENSIDADE COMERCIAL TURÍSTICA DE CADA VIA
ESTUDADA (considerando a ausência da Rua Conde Bobadela)
Número de equipamentos levantados: 38
Quantidade de classes desejável: 6 classes
Confirmando: K= 1 + 3,3 log (38) = 6,2
L = (21 – 1) = 20
H =(20 / 6,2) = 3,5
1ª Classe 1 ⌐ 4,5
2ª Classe 4,5 ⌐ 8
3ª Classe 8 ⌐ 11,5
4ª Classe 11,5 ⌐ 15
5ª Classe 15 ⌐ 18,5
6ª Classe 18,5 ⌐ 22
7ª Classe* > 22
*A sétima classe foi criada para representar apenas a Rua Conde de Bobadela, devido ao
seu elevado grau de intensidade comercial.