a possível influência genética no perfil dos psicopatas.pdf
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Associao Pr-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR
Universidade Feevale
Tiago Santos Carvalho
Betina Heike Krause Suecker
Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul Brasil
2011
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EXPEDIENTE
PRESIDENTE DA ASPEUR
Argemi Machado de Oliveira
REITOR DA FEEVALE
Ramon Fernando da Cunha
PR-REITORA DE ENSINO
Inajara Vargas Ramos
PR-REITOR DE PESQUISA E INOVAO
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COORDENAO EDITORIAL
Inajara Vargas Ramos
EDITORA FEEVALE
Celso Eduardo Stark - Coordenador
Daiane Thom Scariot
Gislaine A. M. Monteiro
CAPA
Celso Eduardo Stark
Daiane Thom Scariot
EDITORAO
Daiane Thom Scariot
REVISO TEXTUAL
Valria Koch Barbosa
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Universidade Feevale, RS, Brasil
Bibliotecria responsvel: Elena da Costa Plmer CRB 10/1349
Carvalho, Tiago Santos A possvel influncia gentica no perfil crimingeno de psicopatas
[recurso eletrnico] / Tiago Santos Carvalho, Betina Heike Krause Suecker
Dados eletrnicos Novo Hamburgo : Feevale, 2011.
92 p.
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN: 978-85-7717-135-4
1. Psicologia Criminal 2. Direito Penal e Psicologia. 3. Gentica no
Direito Penal. I. Suecker, Betina Heike Krause. II. Ttulo
CDU 343.95
@Editora Feevale Os textos assinados, tanto no que diz respeito a linguagem como ao contedo, so de inteira responsabilidade dos autores e, no
expressam necessariamente a opnio da Universidade Feevale. permitido citar parte dos textos sem autorizao prvia, desde que seja identificada a
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Universidade Feevale
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No h de mais profundamente desigual do que
a igualdade de tratamento entre indivduos diferentes.
(Esmeraldino Olmpio Torres Bandeira)
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.......................................................................................................7
..............................................................................................................................8
| TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL...........................................11
ASPECTOS CLNICOS...........................................................................................11
NEUROFISIOPATOLOGIA......................................................................................22
ALTERAES GENTICAS....................................................................................28
| CRIMINOLOGIA....................................................................................................32
CRIMINOLOGIA....................................................................................................33
IMPUTABILIDADE PENAL.....................................................................................41
MEDIDA DE SEGURANA....................................................................................50
| A POSSVEL INFLUNCIA GENTICA
NO PERFIL CRIMINGENO DE PSICOPATAS.....................................................62
NEURODIREITO...................................................................................................62
DIREITO PENAL GENTICO.................................................................................65
INTERAO GENES E CRIME..............................................................................69
.....................................................................................................79
..............................................................................................................................82
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Tiago Santos Carvalho
Farmacutico-Bioqumico, Biomdico e Bacharel em Direito. Mestre em Cincias Biolgicas:
Bioqumica (UFRGS). Professor nos cursos de graduao em Biomedicina, Farmcia, Direito e
Segurana Pblica, e ps-graduao em Anlises Clnicas e Toxicologia Forense na
Universidade Feevale. Perito Criminal Oficial do Instituto Geral de Percias do Estado do Rio
Grande do Sul.
Betina Heike Krause Suecker
Advogada. Especialista em Cincias Penais (PUCRS). Mestre em Cincias Criminais (PUCRS).
Doutora em Direito (PUCRS). Professora de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na
Universidade Feevale.
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A violncia e o crime so objetos de apreenso e comoo social em qualquer local do
mundo. Os ndices crescentes do acometimento de crimes em uma sociedade refletem a
insegurana que paira sobre os cidados. Os motivos responsveis pelo aparecimento de
impulsos delitivos nos indivduos parecem ser uma incgnita para o direito penal,
especialmente, frente criminologia, a qual engloba tanto o estudo do crime quanto a busca
para as possveis solues que visem a extinguir ou, ao menos, atenuar as taxas de incidncia
criminal, as quais, atualmente, demonstram crescimento em escala geomtrica.
O interesse crescente no esclarecimento e na definio das bases neurolgicas e
genticas do comportamento antissocial, o qual se observa atualmente, provavelmente se
origina no aumento desenfreado da criminalidade e da violncia urbana, nos mais diversos
pases, independentemente de sua condio econmica. Desse modo, a assimilao de
fatores de risco, tanto biolgicos como psicossociais, para a ocorrncia de comportamentos
socialmente reprovveis demonstra-se de extrema importncia e utilidade, com o intuito de se
desenvolver abordagens efetivas de preveno, interveno e controle social.
De fato, em nosso pas, na grande maioria dos casos, os indivduos com sentena penal
transitado em julgado, independentemente do delito cometido, encontram-se sob a tica do
Estado de uma forma generalizada, isto , de forma totalmente homognea.
Consequentemente, o princpio da individualizao da pena , normalmente, posto margem,
sendo absolutamente comum e normal o tratamento igualitrio entre sujeitos detentores de
personalidades e condutas sociais totalmente dspares.
Assim sendo, gradativamente, vem-se aumentando o conhecimento sobre os aspectos
neuropatolgicos de indivduos violentos. A existncia de uma correlao entre o
comportamento agressivo e as alteraes em estruturas cerebrais especficas e,
possivelmente, genticas j se encontra baseada em publicaes cientficas recentes.
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nessa realidade que ganha fundamental importncia a procura dos motivos que
determinam no indivduo o surgimento do atuar criminoso, uma vez que, sendo possvel o
alcance descoberta da verdadeira motivao, possibilitar-se- a tentativa de neutralizao
de sua ao delitiva, at mesmo antes que o indivduo agrida um bem juridicamente tutelado
pelo direito penal, evitando, portanto, o cometimento de um fato delituoso.
A cincia penal estuda a extenso e as causas do crime, apresentando como
pressupostos bsicos a determinao das causas - pessoais e sociais - do comportamento
criminoso e o desenvolvimento de princpios para o controle social do delito. Inmeras teorias
cientficas buscam explicar as causas do delito. No final do sculo XIX, o criminologista Cesare
Lombroso afirmava que os delitos so cometidos por indivduos predeterminados, os quais
nascem com caractersticas fsicas hereditrias reconhecveis. Entretanto, essa teoria fora
refutada no sculo XX e novas correntes emergem, demonstrando a existncia de correlao
entre as caractersticas comportamentais e os genes expressos em determinados indivduos.
As causas da criminalidade so multifatoriais, por isso, no se pode deixar de refletir
sobre o delito como uma consequncia, por vezes, derivado das necessidades sociais,
econmicas e culturais. Contudo, importante ressaltar-se que significativa parcela da
populao segregada composta por indivduos portadores de doenas mentais, como
psicticos, neurticos ou pessoas instveis emocionalmente, que cumprem medidas de
segurana, alm de internos que padecem de inmeras outras deficincias mentais, os quais
so detentores de uma extensa versatilidade criminal. Alm disso, a sano penal imposta a
qualquer tipo de criminoso imputvel, por mais terrvel e cruel que tenha sido o crime, no
deve ser dotada somente de carter punitivo, mas, sim, tambm deve ter uma funo
regeneradora, a fim de conceder, aps o cumprimento da pena, uma nova oportunidade de
ressocializao.
Destarte, evidencia-se a ausncia de um efetivo e adequado acompanhamento
psiquitrico aos condenados, objetivando a identificao, de forma plausvel, dos possveis
psicopatas e, por conseguinte, proporcionando-lhes tratamento compatvel com sua
personalidade. Desse modo, possibilitar a aplicao de medidas de isolamento e custdia
pertinentes imputabilidade aferida a esses delinquentes. Por outro lado, a sociedade
encontra-se vulnervel a esses criminosos com ndole psicopata, que, por vezes, no perodo de
encerramento do cumprimento de suas penas ou de sua medida de segurana, em casos de
comorbidades, continuam a representando um perigo real.
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Assim sendo, quando se aborda a gnese criminal, deve-se considerar os aspectos
biolgicos e mesolgicos, na busca de explicaes da casustica do fato delitivo, pois as aes
volitivas dos indivduos so reflexos de uma interao entre suas atitudes e o meio ambiente
que os circunda.
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ASPECTOS CLNICOS
O termo personalidade define-se como um conjunto de traos emocionais e
comportamentais que caracterizam o indivduo em uma vida cotidiana sob condies normais,
relativamente estveis e previsveis. Apenas quando alguns casos so manifestados por
comportamentos inflexveis e mal-ajustados que constituem a uma classe de transtorno de
personalidade. 1
A Classificao Estatstica Internacional de Doenas e Problemas Relacionados com a
Sade, em sua dcima reviso (CID-10), descreve o transtorno especfico de personalidade
como uma perturbao grave da constituio caracteriolgica e das tendncias
comportamentais do indivduo. Tal perturbao no deve ser diretamente imputvel a uma
doena, leso ou outra afeco cerebral ou a outro transtorno psiquitrico e, usualmente,
envolve vrias reas da personalidade, sendo quase sempre associada ruptura pessoal e
social. Os transtornos de personalidade no so propriamente doenas, mas anomalias do
desenvolvimento psquico, sendo considerados, em psiquiatria forense, como perturbao da
sade mental. Esses transtornos envolvem a desarmonia da afetividade e da excitabilidade
1 KAPLAN, H.; SADOCK, B.; GREEB, K. Compndio de Psiquiatria: cincias do comportamento e psiquiatria clnica.
Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 686.
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com integrao deficitria dos impulsos, das atitudes e das condutas, manifestando-se no
relacionamento interpessoal. 2
A CID - 10 descreve oito tipos de transtornos especficos de personalidade:
1. Transtorno paranide: predomina a desconfiana, sensibilidade excessiva a
contrariedade e o sentimento de estar sempre sendo prejudicado pelos outros; atitudes
de auto-referncia. Pode existir uma superavaliao de sua auto-importncia, havendo
freqentemente auto-referncia excessiva.
2. Transtorno esquizide: predomina o desapego, ocorre desinteresse pelo contato
social, retraimento afetivo, dificuldade em experimentar prazer; tendncia
introspeco. Ocorre uma preferncia pela fantasia, atividades solitrias e a reserva
introspectiva, e uma incapacidade de expressar seus sentimentos e a experimentar
prazer
3. Transtorno anti-social ou dissocial: prevalece indiferena pelos sentimentos alheios,
podendo adotar comportamento cruel; desprezo por normas e obrigaes; baixa
tolerncia a frustrao e baixo limiar para descarga de atos violetos. Caracterizado
tambm por um desprezo das obrigaes sociais, falta de empatia para com os outros.
H um desvio considervel entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O
comportamento no facilmente modificado pelas experincias adversas, inclusive
pelas punies. Existe uma baixa tolerncia frustrao e um baixo limiar de descarga
da agressividade, inclusive da violncia. Existe uma tendncia a culpar os outros ou a
fornecer racionalizaes plausveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a
entrar em conflito com a sociedade.
4. Transtorno emocionalmente instvel: marcado por manifestaes impulsivas e
imprevisveis. Apresenta dois subtipos: impulsivo e borderline. O impulsivo
caracterizado pela instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos. O
borderline, por sua vez, alm da instabilidade emocional, revela perturbaes da auto-
imagem, com dificuldade em definir suas preferncias pessoais, com conseqente
sentimento de vazio. 5. Transtorno histrinico: prevalece egocentrismo, a baixa
tolerncia a frustraes, a teatralidade e a superficialidade. Impera a necessidade de
fazer com que todos dirijam a ateno para eles prprios. Caracterizado tambm por
uma afetividade superficial e lbil, dramatizao, teatralidade, expresso exagerada das
emoes, sugestibilidade, egocentrismo, autocomplacncia e falta de considerao para
com o outro.
6. Transtorno anancstico: prevalece preocupao com detalhes, a rigidez e a teimosia.
Existem pensamentos repetitivos e intrusivos que no alcanam, no entanto, a
gravidade de um transtorno obsessivo-compulsivo.
7. Transtorno ansioso: prevalece sensibilidade excessiva a crticas; sentimentos
persistentes de tenso e apreenso, com tendncia a retraimento social por
insegurana de sua capacidade social e/ou profissional. Existe um desejo permanente
de ser amado e aceito, h hipersensibilidade crtica e rejeio, reticncia a se
relacionar pessoalmente, e tendncia a evitar certas atividades que saem da rotina com
um exagero dos perigos ou dos riscos potenciais em situaes banais.
8. Transtorno dependente: prevalece astenia do comportamento, carncia de
determinao e iniciativa, bem como instabilidade de propsitos. Caracterizado tambm
por tendncia sistemtica a deixar a outrem a tomada de decises, medo de ser
abandonada, percepo de si como fraco e incompetente, submisso passiva vontade
do outro e uma dificuldade de fazer face s exigncias da vida cotidiana. 3
2 SADE, Organizao Mundial. Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: descries
clnicas e diretrizes diagnsticas. 10. ed. rev. v. 1. So Paulo: Edusp, 2007, p. 351.
3 SADE, Organizao Mundial. Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: descries clnicas e diretrizes diagnsticas. 10. ed. rev. v. 1. So Paulo: Edusp, 2007, p. 351-354.
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O diagnstico preciso dos transtornos de personalidade exige um minucioso e acurado
estudo sobre a histria clnica do paciente, por consequncia, muitos profissionais
demonstram certo desinteresse pelos transtornos dessa natureza, por entenderem que
patologias desse tipo, por serem permanentes e refratrias a tratamento, no compensam o
atendimento especializado. No raramente, o diagnstico lembrado somente quando a
evoluo do transtorno mental tratado insatisfatria.
Os pacientes portadores de transtornos mentais demandam excessiva ateno por
parte da equipe mdica, considerados, normalmente, irritantes e de difcil manejo,
contribuindo para as dificuldades na conduo de seus tratamentos.4 Estudos demonstram
algumas evidncias sugerindo que pessoas que preenchem critrios plenos para psicopatia
no so tratveis por qualquer forma de terapia disponvel atualmente.5
O estudo do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), tambm conhecido como
sociopatia ou ainda psicopatia, tem sido objeto de um grande nmero de consideraes
tericas e empricas. Entretanto, um considervel nmero de pesquisas clnicas e laboratoriais
vem contemplando suas variveis fisiolgicas, cognitivas, alm de uma possvel e
representativa influncia gentica para a sua ocorrncia.6
De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders7 (DSM-IV), com
o propsito de melhorar sua confiabilidade diagnstica por meio da definio de
comportamentos observveis e da personalidade subjacente inferida, a caracterstica
essencial do TPAS um padro invasivo de desrespeito e violao dos direitos alheios, que
inicia na infncia ou no comeo da adolescncia e continua na idade adulta. O diagnstico
para esse transtorno deve levar em considerao a existncia de, pelo menos, trs critrios,
que, de forma sinttica, podem ser descritos como um fracasso em conformar-se s normas
legais, uma propenso para enganar, agressividade, desrespeito pela segurana prpria ou
alheia, irresponsabilidade, que pode estar vinculada ao trabalho ou s finanas, bem como
uma ausncia de remorso.8
4 HARE, R. Without Conscience: The disturbing world of psychopaths among us. New York: Pocket Books, 1993,
p. 219.
5 DAVISON, S. Principles of managing with personality disorder. Advances in Psychiatric Treatment. v. 8. 2002. p.7.
6 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n.1. 2004, p. 77.
7 ASSOCIATION, American Psychiatric. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4. ed. Washington:
APA, 1994.
8 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n.1. 2004, p. 78.
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Outra caracterstica fundamentalmente presente em sujeitos com TPAS a
impulsividade, a qual pode ser definida como uma tendncia para escolhas de comportamento
que so arriscados, mal-adaptados, pobremente planejados e prematuramente executados,
sendo essa impulsividade expressada de formas diversas, as quais variam desde a
incapacidade de planejamento do prprio futuro at mesmo o desenvolvimento de
comportamento violento ou agressivo.9
Os indivduos com TPAS, em sua maioria, mantm a aptido de entendimento
preservada em relao aos seus atos. A capacidade de determinao em relao ao
praticada no permanece apenas na dependncia da sua prpria condio de entendimento e
discernimento, porm engloba os aspectos volitivos do ato praticado, o que geralmente se
encontra alterado.10
Percebe-se, de um modo geral, que o TPAS est diretamente vinculado aos padres
comumente aceitos na sociedade em que se vive, sendo que justamente a manifestao de
comportamentos que esto em desacordo com esses padres que perfaz o tipo de
sintomatologia que caracteriza o transtorno. Embora exista uma sintomatologia que pode
tambm ser compreendida pelo fato de se vincular a uma ausncia de ansiedade e depresso,
os sintomas frequentemente encontram-se presentes nos demais indivduos acometidos de
atitudes antissociais. A prevalncia, na populao em geral, do TPAS de aproximadamente
de 3% em homens e 1% em mulheres, entretanto uma taxa de prevalncia superior a essa,
com certeza, encontra-se associada aos contextos forenses e penitencirios.11 No que se
refere ao seu prognstico, o auge do comportamento antissocial costuma ocorrer no final da
adolescncia e os sintomas mostram-se propensos a diminuir com o decorrer da idade, ou
seja, as manifestaes clnicas do distrbio encontram-se, principalmente, durante a etapa
reprodutiva.12
Os indivduos portadores do TPAS no se apresentam responsivos aos sentimentos
alheios e tendem a no se engajar em atitudes pr-sociais. Dessa forma, tais indivduos
demonstram, em termos mentais, no estarem aptos a contabilizar as vantagens do
9 EVENDEN, J. Varieties of impulsivity. Psychopharmacology. v. 146. n. 4. 1999, p. 348.
10 SOUZA, C.; MORETTO, C.; CORNELLIS, F. Transtorno de personalidade anti-social: pena ou medida de
segurana? Psychiatry on line Brasil. v. 11. n. 8. 2006. Disponvel em:
. Acesso em: 12 out. 2009.
11 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n. 1. 2004, p. 79.
12 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 54.
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comportamento altrusta, apresentando, assim, uma sintomatologia que se demonstra mais
atrelada a um imediatismo e a uma dificuldade em retardar a recompensa. Nesse sentido, o
TPAS manifesta-se por intermdio de uma srie de regularidades orgnicas que podem
representar uma disfuno no tocante aos padres sociais aceitos, no entanto, em termos
evolutivos, encontram uma possibilidade de manifestao dependente do prprio grau de
ocorrncia verificado na espcie.13
Quanto mais jovem for o paciente e menos graves apresentarem-se os sintomas,
melhores sero as probabilidades de o indivduo se beneficiar de uma resposta
psicoteraputica. Entretanto, quando se trata de adolescente que j cometeu delitos, observa-
se maior resistncia psicoterapia. Sempre que possvel, a famlia dos pacientes deve ser
includa no processo teraputico, o tratamento com psicofrmacos faz-se necessrio em
algumas situaes nas quais os sintomas-alvo ou outros transtornos psiquitricos esto
presentes. Deve-se ter cautela no emprego de neurolpticos14 para o tratamento da
agressividade, pois os riscos podem superar os benefcios, assim como a hospitalizao est
indicada em casos de risco iminente para o paciente, os familiares e a sociedade.15
Vale ressaltar que Berry e colaboradores, em um estudo com 48 casos de indivduos
considerados psicopatas, encontraram somente 21 pacientes (44%) que foram considerados
como no responsivos ao tratamento, aps um ano de tentativa. Esses autores sugerem uma
associao entre a resposta teraputica negativa e os seguintes fatores: antecedentes
prisionais predominando sobre os hospitalares, no aceitao prvia em realizar tratamento
psiquitrico e falta de resposta a ele, crime no qual a vtima era desconhecida pelo paciente e
baixo nvel de motivao para o tratamento. Por outro lado, uma parcela de pacientes
portadores de transtorno antissocial de personalidade no psicopata respondeu a processos
psicoterpicos.16 J a outra parcela, no entanto, embora no responsiva inicialmente terapia,
apresentou mudanas em seu comportamento ao avanar na idade aps os 40 anos,
13 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n. 1. 2004, p. 79.
14 Consistem em um grupo de medicamentos que exercem um efeito depressor global sobre a maior parte das
funes cerebrais, minimizando a agitao e a hiperatividade neuromuscular, proporcionando um estado de
tranquilidade e descontrao.
15 BORDIN, I.; OFFORD, D. Transtorno da conduta e comportamento anti-social. Revista Brasileira de Psiquiatria. v.
22. s. II. 2000, p. 14.
16 BLACK, D. Bad Boys, Bad Men: Confronting antisocial personality disorder. New York: Oxford University Press,
1999, p. 172.
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abandonando comportamentos que, no passado, a colocaram em situao de desacordo com
a legislao pertinente.17
Existem, atualmente, adequadas evidncias de que o TPAS esteja associado a uma
srie de marcadores e reguladores biolgicos, entre os quais se destacam os elevados nveis
de testosterona e as variaes nas taxas de monoamina oxidase em indivduos portadores do
referido transtorno. Ainda que seja necessrio um maior nmero de investigaes envolvendo
a relao dessas substncias com o TPAS propriamente dito, seria possvel pensar na sua
ao, em termos de um fator combinado no que diz respeito prpria etiologia do transtorno.
De outro modo, j existem evidncias cientficas concisas de que alteraes em determinadas
regies cerebrais, como crtex, e as estruturas do sistema lmbico estariam diretamente
correlacionadas com irregularidades orgnicas observadas nos casos de manifestao do
TPAS. Provavelmente, muitas dessas alteraes fisiolgicas derivariam de fatores genticos e
ambientais, em propores distintas.18
Nesse sentido, corroboram com essa problemtica os autores Eysenck e Gudjohnsson,
os quais defendem a existncia de uma condio biolgica comum subjacente s
predisposies comportamentais dos indivduos com transtorno mental, especialmente, os
com psicopatias. Do mesmo modo, esses autores so contundentes em afirmar que o
comportamento criminoso surge como o produto final de uma cadeia de processos
multifatoriais, em que o primeiro estgio consiste em desejos contraditrios, o segundo, na
escolha de mtodos reprovveis legal e socialmente para a satisfao de suas necessidades
e, finalmente, o terceiro envolve as situaes e oportunidades nas quais as aes criminais
so exteriorizadas em busca do benefcio particular.19
A biologia e a gentica molecular vm colaborando progressivamente para o
entendimento e o tratamento dos pacientes psiquitricos. No entanto, at o momento, no
foram descritos genes especficos para os diversos transtornos mentais. Nos transtornos de
personalidade, os genes no podem ser considerados, isoladamente, responsveis pelo
17 BERRY, A.; DUGGAN, C.; EMMET, L. The treatability of psychopathic disorder: How clinicans decide. Journal of
Forensic Psychiatry & Psychology. v. 10. 1999, p. 710.
18 VASCONCELLOS, S.; GAUER, G. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. v. 26. n. 1. 2004, p. 80.
19 EYSENCK, H. e GUDJONSSON, J. The Causes and Cures of Criminality. New York: Plenum Press, 1989, p. 247-
248.
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transtorno, mas, sim, pela predisposio. Consequentemente, fundamental considerar-se o
ambiente em que vive o indivduo e a interao com ele estabelecida. 20
Psicopatas
O primeiro estudo sobre psicopatas foi publicado em 1941 pelo psiquiatra americano
Hervey Milton Cleckley, o qual se intitulava The Mask of Sanity.21 O referido autor expe, de
forma bastante clara e convincente, que sua obra aborda um problema amplamente
conhecido pela sociedade, porm ignorado como um todo.22 Como anteriormente mencionado,
aproximadamente, 4% da populao acometida por psicopatia, ou seja, a cada 25
indivduos, uma pessoa, provavelmente, apresente caractersticas psicopticas em algum grau
leve moderado ou severo.
De forma mais especfica, os estudos de Coid e colaboradores revelam, no que tange
ao sexo dos indivduos que apresentam perfil psicopata, que a populao carcerria masculina
representa um contingente, aproximadamente, cinco vezes maior do que a populao prisional
feminina.23
Os psicopatas, tambm conhecidos por sociopatas, so caracterizados por
desobedecerem s obrigaes sociais, bem como por uma ausncia de sentimento perante os
outros. Normalmente, eles demonstram egocentrismo patolgico, emoes superficiais,
ausncia de autopercepo, impulsividade, baixa tolerncia para frustraes,
irresponsabilidade, falta de empatia com outros seres humanos e ausncia de remorso,
ansiedade e sentimento de culpa em relao ao seu comportamento antissocial. Tambm se
demonstram cnicos, manipuladores e incapazes de manter uma relao conjugal.24
De acordo com o pesquisador canadense Robert Hare,
[...] os sociopatas criminosos so predadores intra-espcies que usam charme,
manipulao, intimidao e violncia para controlar os outros e para satisfazer suas
prprias necessidades. Em sua falta de conscincia e de sentimento pelos outros, eles
20 MORANA, H.; STONE, M.; ABDALA-FILHO, E. Transtornos de personalidade, psicopatia e serial killer. Revista
Brasileira de Psiquiatria. v. 28. s. II, 2006, p. s75.
21 CLECKLEY, H. The Mask of Sanity. 15. ed. Georgia: Mosby, 1988, p. 3-5.
22 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 67.
23 COID, J. et al. Psychopathy among prisoners in England and Wales. International Journal Law Psychiatry. v. 32.
n. 3. 2009, p. 134.
24 MARANHO, O. Curso Bsico de Medicina Legal. 8. ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 366-367.
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tomam friamente aquilo que querem, violando as normas sociais sem o menor senso de
culpa ou arrependimento. 25
Ainda conforme Hare, a psicopatia uma patologia para qual, at o momento, no se
disponibiliza, muito menos se vislumbra uma cura, o que se tenta minimizar os danos
causados por esse distrbio aos seus portadores e, principalmente, sociedade que os cerca,
de modo que os psicopatas decidem suas atitudes apenas intelectualmente, pois suas
emoes morais so extremamente restritas.
Conforme Suecker,
[...] em casos de sociopatia, o autor do fato , aparentemente, uma pessoa normal, no
sentido de no apresentar sintomas visveis, que apontariam para a presena de um
transtorno to grave quanto seu, como uma esquizofrenia. Por isso, ao sociopata a
responsabilidade criminal ainda um impasse, a no ser que dotado de comorbidade,
ou seja, uma conjugao de mais de um transtorno que revele o seu carter anti-social,
por exemplo, aliado a uma personalidade paranide. A dvida que paira a seguinte:
como responsabilizar penalmente um sociopata, se ao mesmo tempo em que portador
de um transtorno mental o qual, em tese, autorizaria uma inimputabilidade ou semi-
imputabilidade, tem discernimento sobre o carter criminoso de sua conduta? 26
Como se pode observar na doutrina, os psicopatas surgem como uma populao
situada em um horizonte penal demasiadamente tnue, j que o referido grupo pode gozar de
uma possvel inimputabilidade, embora haja controvrsias no que tange sua verdadeira
capacidade de ponderao quanto gravidade de sua conduta delitiva.
O autor Jos Garcia conceitua sabiamente as personalidades psicopticas:
Chamamos personalidades psicopticas a certos indivduos que, embora apresentem
certo padro intelectual, algumas vezes at elevados, exibem atravs de sua vida
distrbios da conduta, de natureza anti-social ou que colidem com as normas ticas, e
que no so influenciveis pelas medidas mdicas e educacionais ou
insignificantemente modificveis pelos meios curativos e corretivos.27
J o autor Genivaldo Frana os define como
[...] grupos nosolgicos que se distinguem por um estado psquico capaz de determinar
profundas modificaes do carter e do afeto, na sua maioria de etiologia congnita.
No so, essencialmente, personalidades doentes ou patolgicas, por isso seria melhor
denomin-las personalidades anormais, pois seu trao mais marcante a perturbao
25 HARE, R. Without Conscience: The disturbing world of psychopats among us. New York: Pocket Books, 1993, p.
XI.
26 SUECKER, B. Maridos Homicidas no Direito Penal da Paixo. Novo Hamburgo: Feevale, 2007, p. 80.
27 GARCIA, J. Psicopatologia Forense. 2. ed. Rio de Janeiro: Irmos Pongetti Editores, 1958, p. 199.
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da afetividade e do carter, enquanto a inteligncia se mantm normal ou acima do
normal.28
Os sociopatas so incapazes de aprender com a punio e, automaticamente, alterar
seus padres de comportamento. Em geral, quando se encontram sujeitos a ter o seu
comportamento reprovado pela sociedade, eles reagem por meio da ocultao de suas
atitudes, entretanto, nunca as suprimindo, mas, sim, dissimulando as caractersticas
genuinamente de sua personalidade. Esses indivduos, geralmente, exibem certo charme
perante outras pessoas, bem como apresentam um nvel de inteligncia satisfatrio. Outra
caracterstica presente nesse grupo de pessoas a ausncia de outros distrbios neurolgicos
associados, podendo, inclusive, esboar um comportamento pacato em suas relaes
sociais.29
Contudo, os sociopatas ainda so capazes de esconder, com sucesso, por um perodo
de tempo indeterminado, sua dupla personalidade, sendo somente descobertas por suas
vtimas fatais momentos antes de suas mortes. Os sociopatas no costumam demonstrar o
tipo mais comum de comportamento agressivo, ou seja, a violncia acompanhada de descarga
emocional, pois sua agresso costuma ter um prvio planejamento, isto , violentam suas
vtimas a sangue frio. Apesar disso, grande parcela de pessoas com TPAS no desenvolve uma
conduta criminosa, apresentando a capacidade de se comportar dentro dos limtrofes de
tolerabilidade social.30 No entanto, uma pequena frao de sociopatas pode se transformar
em criminosos violentos, como estupradores ou assassinos seriais. Em situaes mais
severas, o distrbio pode evoluir para canibalismo, rituais sdicos de tortura e morte,
frequentemente de natureza bizarra. H um amplo consenso de que essas formas extremas
de sociopatia violenta so intratveis e que seus portadores devem ser confinados em celas
especiais para criminosos insanos por toda a vida, sendo inadmissvel sua reinsero na
sociedade.31
Nesse sentido, deve-se remeter a Francesco Carnelutti: O juzo, para ser justo, deveria
ter em conta no somente o mal que ele fez, mas tambm o bem que far; no somente a sua
capacidade de delinqir, mas tambm da sua capacidade para se redimir.32
28 FRANA, G. Medicina Legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 348.
29 MARANHO, O. Psicologia do Crime. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 78.
30 MARANHO, O. Curso Bsico de Medicina Legal. 8. ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 366-367.
31 MARANHO, O. Psicologia do Crime. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 79-80.
32 CARNELUTTI, F. As Misrias do Processo Penal. Campinas: Russel, 2007, p. 57.
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Como se pode interpretar da clebre afirmao acima, os sociopatas, dificilmente,
apresentariam essa capacidade de se redimirem, automaticamente, por analogia, restar-lhes-
ia a reincidncia em condutas desabonatrias, muito provavelmente, delitivas e, novamente,
reprovveis penalmente.
De acordo com o Promotor de Justia Criminal do Ministrio Pblico do Estado de Minas
Gerais, Llio Braga Calhau,
Adentramos ao sculo XXI investigando e processando os acusados da mesma maneira
como h mais de cinqenta anos. Avanos ocorreram de forma significativa na defesa
dos direitos fundamentais dos acusados e na forma como os crimes so perpetrados. Os
pacientes que revelam comportamento psicoptico e cometem homicdios seriados
necessitam de ateno especial, devido elevada probabilidade de reincidncia
criminal, sendo ainda necessrio sensibilizar os rgos governamentais a construir
estabelecimentos apropriados para a custdia destes sujeitos. O que se v que no h
poltica de sade pblica e nem judicial para interveno nesses casos.33
Os sociopatas violentos representam uma grave ameaa sociedade, sendo que
alguns se tornaram mundialmente famosos devido s barbries de seus crimes. Entre eles,
podem-se elencar criminosos como o americano Charles Milles Manson, um fantico religioso,
considerado, para alguns, um serial killer,34 para outros, um mass murder,35 o qual foi
condenado pena de morte, posteriormente alterada para priso perptua, pelo assassinato
de seis pessoas.
Outro conhecido americano foi Theodore Robert Bundy, o Ted Bundy, que foi levado a
julgamento e condenado pena de morte por eletrocusso devido ao assassinato de, no
mnimo, 28 vtimas na dcada de 70. J Jeffrey Dahmer, outro americano, ficou conhecido por
praticar necrofilia,36 estima-se que tenha matado 17 pessoas, foi morto dentro da priso.
Recentemente, o austraco Josef Fritzl foi condenado priso perptua, acusado dos crimes
de estupro, incesto, coao grave, privao de liberdade e homicdio por negligncia de um
33 CALHAU, L. Assassinos seriais (seriais killers): estamos preparados para enfrent-los? Ministrio Pblico do
Estado de Minas Gerais. Disponvel em: .
Acesso em: 17 de out. 2009.
34 Assassino em srie - so indivduos que cometem uma srie de homicdios com um intervalo entre eles, com o
mesmo modus operandi, at que sejam mortos ou presos. As vtimas apresentam o mesmo perfil, as quais so
escolhidas ao acaso e mortas sem razo aparente.
35 Matador de massa - mata quatro ou mais vtimas em um s local, em somente um evento. Em geral, sua ira
dirigida para o grupo que supostamente o oprimiu.
36 A necrofilia uma parafilia, isto , um padro de comportamento sexual no qual, em geral, a fonte
predominante de prazer no se encontra na cpula, mas em alguma outra atividade, caracterizada pela excitao
sexual decorrente da viso ou do contato com um cadver.
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dos sete filhos, que teve com a prpria filha, Elisabeth, a qual ele manteve presa durante 24
anos em um poro de sua casa.
Finalmente, o brasileiro Francisco Pereira, conhecido como Manaco do Parque, foi
condenado por torturar, violentar e executar oito garotas no final da dcada de 90. J o
renomado mdico Eugnio Chipkevitch, em 2004, foi condenado a 114 anos de priso por
atentado ao pudor e corrupo aviltante de dezenas de menores em sua clnica na cidade de
So Paulo.
Mais recentemente, em 2008, assistiu-se a duas barbries nacionais: o pas vislumbrou
estarrecido histria de jovens ex-namorados, que acabou em tragdia, sendo que
Lindemberg Fernandes Alves, 22 anos, atirou contra a ex-namorada, Elo, e na sua amiga,
Nayara, ambas de 15 anos, aps um sequestro que durou mais de 100 horas em Santo Andr.
A jovem Elo morreu e Lindemberg permanece preso aguardando julgamento. Enquanto isso,
em Goinia, a empresria Slvia Calabrese Lima mantinha em crcere privado e sob regime de
tortura uma criana de 12 anos, tendo justificado seus atos sdicos como uma forma
alternativa de educao; Slvia foi condenada a 14 anos de recluso em regime fechado.
Convm ressaltar que crianas e adolescentes, detentores de perfil psicoptico,
costumam realizar intimidaes contra pessoas pertencentes aos seus grupos sociais, mais
comumente, no ambiente escolar, caracterizando o acontecimento de um fenmeno
denominado bullying,37 ou seja, atravs da ocorrncia de atitudes caractersticas desse
quadro comportamental, pode-se, provavelmente, prever o desenvolvimento de adultos
psicopatas.38
Indubitavelmente, as falhas em nossas organizaes familiares, educacionais e sociais
representam dados importantes e merecem estudos aprofundados e toda a ateno, porm
por si s no so suficientes para explicar toda a complexidade do fenmeno psicopata, o qual
se pode equipar a vampiros da vida real.39
37 um termo em ingls utilizado para descrever atos de violncia fsica ou psicolgica, intencional e repetida,
praticada por um indivduo ou grupo de indivduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivduo (ou grupo
de indivduos) incapaz (es) de se defender, causando dor e angstia; esses atos so executadas dentro de uma
relao desigual de poder.
38 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 88-89.
39 SILVA, A. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 19; 42.
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De forma brilhante, Robert Hare define: O psicopata como gato, que no pensa no
que o rato sente. Ele s pensa em comida. A vantagem do rato sobre as vtimas do psicopata
que ele sempre sabe quem o gato. 40
Assim sendo, os psicopatas apresentam-se como pessoas normais, geralmente, acima
de qualquer suspeita, os quais se encontram infiltrados na sociedade em busca da
vulnerabilidade das pessoas, a fim de transform-las em suas potenciais vtimas.
NEUROFISIOPATOLOGIA
Historicamente, o crebro sempre despertou interesse e curiosidade, sendo objeto de
incessantes investigaes, cercado por mitos e crenas. De acordo com o pai da medicina, o
grego Hipcrates,
Os homens precisam aprender que de nenhum outro rgo, alm do crebro, vm a
alegria, os prazeres, o riso, os esportes, as tristezas, as mgoas, os desalentos e as
lamentaes... E, por este mesmo rgo, nos tornamos insanos e delirantes, os temores
e medos nos assaltam, alguns noite, outros durante o dia, bem como os sonhos. E,
finalmente, as divagaes intempestivas, os cuidados inadequados e a ignorncia das
circunstncias da ocasio, o desuso e as inabilidades. De todas estas condies ns
padecemos quando nosso crebro no saudvel...41
De acordo com a citao de Hipcrates, o sistema nervoso central representa o bero
das atitudes e dos comportamentos praticados pelos indivduos, desse modo, estudos sobre a
fisiologia neurolgica sempre se demonstraram instigantes e promissores.
Desde o famoso caso de Phineas Gage, leses no crebro, mais especificamente no
lobo frontal, tm sido associadas ao desenvolvimento de comportamento antissocial
impulsivo. Esse caso ilustrativo a ponto de justificar uma breve descrio de sua
apresentao histrica.
Phineas Gage trabalhava na construo de estradas de ferro nos Estados Unidos, em
meados do sculo XIX. Era descrito como equilibrado, meticuloso e persistente quanto
aos seus objetivos, alm de profissional responsvel e habilidoso. Em um acidente nas
exploses de rotina para abertura de tneis nas rochas da regio, Phineas Gage foi
atingido por uma barra de ferro que transpassou seu crebro, entrando pela face
40 HARE, R. Psicopatas no div. Revista Veja. v. 2106. 2009. Disponvel em:
. Acesso em: 02 nov. 2011.
41 Hipcrates (460-377 A.C.).
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esquerda, abaixo da rbita, e saindo pelo topo da cabea. Surpreendentemente, Phineas
Gage permaneceu consciente aps o acidente, sobreviveu s esperadas infeces no
seu ferimento e dois meses aps o acidente estava recuperado, sem dficits motores e
com linguagem e memria preservadas. A sua personalidade, no entanto, havia se
modificado completamente. Phineas Gage transformou-se em uma pessoa impaciente,
com baixo limiar frustrao, desrespeitoso com as outras pessoas, incapaz de
adequar-se s normas sociais e de planejar o futuro. No conseguiu estabelecer
vnculos afetivos e sociais duradouros novamente ou fixar-se em empregos.42
Como se pode observar na situao acima exposta, a partir do infortnio de Phineas
Gage, relatos de casos e estudos retrospectivos com veteranos de guerra vm demonstrando
a associao entre leses cerebrais, mais especificamente no lobo frontal, e a observao
clnica de comportamento impulsivo, agressividade, jocosidade e postura social indesejada.43
O sistema lmbico encontra-se relacionado ao controle e elaborao de significativa
parte dos comportamentos motivados e da emoo, sendo formado pelas seguintes
estruturas: tlamo, epitlamo, hipocampo, hipotlamo, amgdalas, cngulo e septo. Todas
essas estruturas, juntamente com os lobos temporais, encontram-se relacionadas regulao
do comportamento agressivo.44
As estimulaes ou leses do tlamo encontram-se relacionadas reatividade
emocional do indivduo. O hipocampo, por sua vez, uma estrutura cerebral envolvida com os
fenmenos da memria de longa durao, enquanto o hipotlamo considerado a estrutura
mais importante do sistema lmbico, pois responsvel pelo controle das funes vegetativas,
alm disso, suas partes laterais esto envolvidas com o prazer e a raiva. J a amgdala a
poro do sistema lmbico relacionada ao sentimento afetivo, quando estimulada, pode
provocar crises de violenta agressividade. O cngulo participa das reaes emocionais dor e
da regulao do comportamento agressivo, ao passo que o septo se relaciona ao prazer
sexual.45
Embora a rea pr-frontal do crtex cerebral no faa parte do sistema lmbico,
tambm pode ser considerada responsvel pela regulao das emoes, pois se conecta, de
forma direta, com algumas estruturas do sistema lmbico. Uma leso no crtex pr-frontal
42 DEL-BEN, C. Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social. Revista de Psiquiatria Clnica. v. 32. n. 1.
2005, p. 29.
43 BROWER, M.; PRICE, B. Neuropsychiatry of frontal lobe dysfunction in violent and criminal behavior: a critical
review. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry. v. 71. n. 6. 2001, p. 720.
44 AIRES, M. Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 315-321.
45 AIRES, M. Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 315-321.
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pode desencadear a perda do senso de responsabilidade, assim como a capacidade de
concentrao e abstrao, alm de desenvolver um quadro de tamponamento afetivo.46 47
Atravs dos estudos de Raine e colaboradores, por meio das anlises de neuroimagem
estrutural com ressonncia nuclear magntica, demonstraram-se anormalidades volumtricas
do lobo frontal em indivduos com TPAS. Quando realizada a comparao entre pacientes com
diagnstico de TPAS com controles no clnicos, verificou-se que os pacientes com TPAS
apresentavam uma reduo do volume de substncia cinzenta48 pr-frontal, reduo essa que
se encontrava correlacionada com uma diminuio da resposta autonmica a um evento
estressor provocado experimentalmente, como, por exemplo, a realizao de um discurso.49
O mesmo autor tambm j apresentou indcios do envolvimento de outras estruturas
cerebrais na ocorrncia de TPAS; em um de seus trabalhos publicado em 2003, Raine e
colaboradores relataram que pacientes antissociais, comparados com controles saudveis,
apresentavam vrias anormalidades no corpo caloso, podendo ser considerado como
sugestivo de alteraes durante o neurodesenvolvimento.50
O estudo realizado por Moll e colaboradores, ao investigar as reas cerebrais, por meio
de ressonncia magntica, normalmente ativada por julgamentos morais, os quais se
encontram distorcidos nos TPAS, revelaram que as regies ativadas pelo discernimento moral
compreenderam o crtex frontal, o giro frontal medial, o crtex temporal anterior direito e o
cerebelo, demonstrando o papel crtico exercido por essas reas na regulao do
comportamento social.51
O sistema nervoso uma rede de comunicao celular extensa e complexa que no
apenas controla e coordena as funes corporais, mas tambm formula novas respostas
baseadas nas informaes j acumuladas. Os neurnios, estruturas primordiais do sistema
46 Pessoas que apresentam tamponamento afetivo no demonstram sinais de alegria ou tristeza, esperana ou
desesperana. Em suas palavras ou atitudes, no mais se vislumbravam sinais de afetividade.
47 DAVIES, A.; BLAKELEY, A.; KIDD, C. Fisiologia Humana. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 141-147.
48 um componente do sistema nervoso central, consistindo de corpos de clulas nervosas, clulas da glia
(astroglia e oligodendrcitos), capilares, axnios e dendritos.
49 RAINE, A. et al. Reduced prefrontal gray matter volume and reduced autonomic activity in antisocial personality
disorder. Archives of General Psychiatry. v. 57. n. 2. 2000, p. 119.
50 RAINE, A. et al. Corpus callosum abnormalities in psychopathic antisocial individuals. Archives of General
Psychiatry. v. 60. n. 11. 2003, p. 1135.
51 MOLL, J.; ESLINGER, P.; OLIVEIRA-SOUZA, R. Frontopolar and anterior temporal crtex activation in a moral
judgment task. Arquivos de Neuropsiquiatria. v. 59. n. 3-B. 2001, p. 661-662.
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nervoso, so clulas altamente especializadas que transmitem os impulsos eltricos e
possuem uma variedade de formas, tamanhos e funes.
As substncias qumicas sintetizadas e liberadas pelos neurnios denominam-se de
neurotransmissores, os quais se destinam propagao dos impulsos nervosos. Os
neurotransmissores so armazenados em vesculas neuronais, quando ocorre a sua liberao,
essas vesculas decaem na fenda sinptica, reagindo diretamente com os receptores situados
nas membranas dos demais neurnios. Parte dos neurotransmissores pode ser reaproveitada
pelos prprios neurnios que os liberaram, ou podem ser rearmazenada em vesculas
neuronais recm-sintetizadas. possvel ainda que outra parte dos neurotransmissores seja
metabolizada por enzimas.52 Sempre que um neurotransmissor liberado, ocorre a sntese e o
armazenamento de novas molculas de neurotransmissores, bem como novas vesculas
neuronais so originadas para substituir as que foram utilizadas. Entretanto, quando os
neurotransmissores so sintetizados e no utilizados, necessitam ficar armazenados espera
de um momento adequado, fisiologicamente, para serem liberados.53
Os conhecimentos neurofisiopatolgicos dos distrbios neurolgicos e psiquitricos
encontram-se bastante consolidados, Evenden j demonstrava, h uma dcada, que os
resultados de seus estudos sugeriam que diversos mecanismos neuroqumicos influenciam o
comportamento impulsivo.54
Desse modo, pode-se aferir, de maneira bastante simplificada, que a investigao
sobre o papel desempenhado por um determinado neurotransmissor em funes fisiolgicas e
patolgicas poderia ser realizada atravs da administrao de drogas que possibilitassem a
ativao ou o bloqueio de receptores pr e/ou ps-sinpticos especficos. Alm disso, a
averiguao de suas substncias precursoras e seus produtos metablitos tambm
representaria valiosa ferramenta para a investigao da funo de determinado
neurotransmissor.55
52 So um grupo de substncias orgnicas de natureza normalmente protica, com atividade intra ou extracelular,
que tm funes catalisadoras. Diferentes enzimas catalisam diferentes passos de vias metablicas, agindo de
forma concertada, de modo a no interromper o fluxo nessas vias. Cada enzima pode sofrer regulao da sua
atividade, aumentando-a, diminuindo-a ou mesmo interrompendo-a, de modo a modular o fluxo da via metablica
em que se insere.
53 GOLDBERG, S. Descomplicando a Fisiologia. Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 86.
54 EVENDEN, J. Varieties of impulsivity. Psychopharmacology. v. 146. n. 4. 1999, p. 360.
55 DEL-BEN, C. Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social. Revista de Psiquiatria Clnica. v. 32. n. 1.
2005, p. 31.
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Como exemplo, pode-se ilustrar a funo da 5 - hidroxitriptamina ou serotonina,56 a
qual apresenta um relevante efeito inibidor da conduta juntamente com um efeito modulador
geral da atividade psquica. Assim sendo, a serotonina influi sobre quase todas as funes
cerebrais, inibindo-a de forma direta ou estimulando o sistema do cido gama aminobutrico,57
o qual responsvel pelo processo inibitrio do sistema nervoso, ou seja, diminui a ao de
outros neurotransmissores. Desse modo, por esse mecanismo que a serotonina regula o
humor, o sono, a atividade sexual, o apetite, o ritmo circadiano, as funes neuroendcrinas, a
temperatura corporal, a sensibilidade dor e a atividade motora.58
Alm disso, a serotonina uma molcula que desempenha um papel importante nas
caractersticas de personalidade de depresso, ansiedade e desordem bipolar, pois est
envolvida com o desenvolvimento de atividades de cognio, logo, uma desordem nesse
sistema poderia conduzir a um aumento na agressividade e na impulsividade do indivduo.59
Nos transtornos obsessivo-compulsivos e outros quadros de ansiedade, a transmisso
serotonrgica tambm se encontra diminuda, ocasionando quadros de hipoglicemia e
alteraes no ritmo circadiano, podendo, ainda, resultar em condutas impulsivas, agressivas e
disfricas.60
A enzima triptofano hidroxilase responsvel pela converso de triptofano61 em 5 -
hidroxitriptofano, que , subsequentemente, descarboxilado,62 formando serotonina, o qual o
passo limitante na sntese desse neurotransmissor na glndula pineal.63 Essa enzima limita as
56 um neurotransmissor presente nas fendas sinpticas, responsvel pela comunicao entre os neurnios.
57 um neurotransmissor presente nas fendas sinpticas, responsvel pelas sinapses inibitrias.
58 MORLEY, K.; HALL, W. Is there a genetic susceptibility to engage in criminal acts? Australian Institute of
Criminology: Trends and Issues in Crime and Criminal Justice. Austrlia, 2003, p. 1-6.
59 LARSEN, R.; BUSS, D. apud JONES, C. Genetic and environmental influences on criminal behavior. Personality
Papers. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 02 de nov.
de 2011.
60 COTRAN, R.; KUMAR, V.; ROBBINS, S. Patologia Estrutural e Funcional. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1996, p. 148.
61 O triptofano um aminocido aromtico essencial, sua essencialidade no se restringe apenas sua
contribuio no crescimento normal e na sntese protica, mas tambm na regulao de importantes
mecanismos fisiolgicos. Entre suas diversas funes, temos: precursor do neurotransmissor serotonina e sua
influncia no sono, comportamento, fadiga, ingesto alimentar etc. Alm disso, o triptofano precursor da
vitamina B3 (niacina) e um dos aminocidos que estimula a secreo de insulina e hormnio do crescimento.
62 quando um grupamento carboxila eliminado de um composto na forma de dixido de carbono (CO2).
63 uma pequena glndula endcrina localizada perto do centro do crebro, entre os dois hemisfrios, acima do
aqueduto de Sylvius e abaixo do corpo caloso, na parte anterior e superior dos tubrculos quadrigmeos e na
parte posterior do ventrculo mdio. Est presa por diversos pednculos. Sua funo se encontra relacionada aos
ciclos circadianos e ao controle das atividades sexuais e de reproduo.
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taxas de serotonina no crebro e, por esse motivo, seu gene vem sendo bastante estudado
nas investigaes de base biolgica e nos transtornos psiquitricos, bem como em
comportamentos suicidas.64
Com o advento das tcnicas de amplificao molecular, como a reao em cadeia da
polimerase (PCR),65 tornou-se acessvel a anlise de genes relacionados a patologias ou
distrbios hereditrios. Desse modo, como se evidencia um ntimo relacionamento entre os
nveis de neurotransmissores, como a serotonina, e episdio de agresso associado aos
comportamentos antissocial ou criminal, , no mnimo, instigante relacionar a possvel
presena de alteraes genticas em indivduos com esses tipos de condutas.
Existem relatos, na literatura cientfica, de pessoas que adquiriram personalidades
sociopticas ocasionadas por leses patolgicas do sistema nervoso central. No incio da
dcada de 90, Damsio e colaboradores demonstraram que indivduos que haviam se
submetido a danos do crtex frontal, os quais apresentavam personalidades normais antes do
evento danoso, desenvolveram conduta social anormal, acarretando consequncias pessoais
indesejadas.66
Corroborando com os achados acima descritos, em 1992, nos Estados Unidos, Meyers
e colaboradores descreveram o caso clnico de um paciente que desenvolveu alteraes de
personalidade, as quais se assemelhavam, de forma significativa, a um distrbio de
personalidade antissocial, aps a remoo cirrgica de um tumor na glndula hipfise. O
procedimento invasivo ao qual o paciente fora submetido provocou danos ao lobo frontal, no
entanto, testes neuropsicolgicos e de personalidade no revelaram qualquer dficit cognitivo
ou psicopatologia associada.67
Vrios estudos, especificamente no TPAS, vm sugerindo a ocorrncia de
anormalidades no funcionamento do sistema serotonrgico, especialmente, tratando-se de
64 CORREA, H.; et al. A neurobiologia do suicdio: evidncias do papel do sistema serotonrgico. Jornal Brasileiro
de Psiquiatria. v. 51, 2002, p. 397-398.
65 uma tcnica amplamente utilizada nos laboratrios de biologia molecular, j que permite a amplificao de
curtas sequncias de DNA in vitro, milhes de cpias em poucas horas, sem a necessidade de um sistema vivo
de clulas. A PCR envolve o uso de oligonucleotdeos sintticos de DNA denominados primers, que so
complementares s sequncias localizadas nas extremidades da regio de interesse e utilizao de uma
enzima DNA polimerase para a unio dos desoxirribonucleotdeos.
66 DAMSIO, A.; TRANEL, D.; DAMSIO, H. Individuals with sociopathic behavior caused by frontal damage fail to
respond autonomically to social stimuli. Behavior Brain Research. v. 41. n. 2. 1990, p. 81; 83.
67 MEYERS, C.; et al. Case report: acquired anti-social personality disorder associated with unilateral left orbital
frontal lobe damage. Journal Psychiatry and Neuroscience. v. 17. n. 3. 1992, p. 121-124.
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criminosos violentos.68 A associao entre a diminuio da funo serotonrgica e o
comportamento agressivo e impulsivo tem sido demonstrada tanto em modelos animais como
em populaes humanas com diagnstico clnico de personalidade antissocial.69
ALTERAES GENTICAS
Nas ltimas dcadas, um grande progresso vem sendo realizado para a compreenso
sobre a estrutura e a funo dos genes70 e cromossomos.71 Mais recentemente, esses
conhecimentos vm sendo suplementados por uma compreenso aprofundada da
organizao do genoma humano no nvel de sua sequncia de DNA.72 Esses avanos se
devem de forma substancial s aplicaes da gentica molecular e da genmica s mais
diversas situaes clnicas, fornecendo, desse modo, o instrumento adequado para um novo
enfoque da gentica sobre as distintas manifestaes fenotpicas.
O crescente conhecimento dos genes, assim como de sua organizao e expresso,
representa um enorme impacto no campo da medicina e na percepo da fisiologia humana,
conforme Paul Berg 73 j explanava em suas conferncias.
Assim como nosso atual conhecimento e nossa prtica da medicina baseiam-se em um sofisticado conhecimento da anatomia humana, da fisiologia e da bioqumica, lidar com
a doena no futuro demandar um compreenso detalhada da anatomia molecular,
fisiologia e bioqumica do genoma humano... Precisaremos de um conhecimento mais
detalhado sobre como os genes humanos so organizados e como eles funcionam e so
regulados. Precisaremos tambm de mdicos que conheam a anatomia molecular e a
fisiologia dos cromossomos e genes, como o cirurgio cardaco conhece o
funcionamento do corao.
68 CHEREK, D.; LANE, S. Effects of d, l - fenfluramine on aggressive and impulsive responding in adult males with a
history of conduct disorder. Psychopharmacology. v. 146. n. 4. 1999, p. 473.
69 DOLAN, M.; ANDERSON, I. The relationship between serotonergic function and the Psychopathy Checklist:
Screening Version. Journal of Psychopharmacology. v. 7. n. 2. 2003, p. 216.
70 O gene uma unidade hereditria, ou seja, uma sequncia de DNA que necessria para a produo de um
produto funcional.
71 O cromossomo uma das estruturas filamentares do ncleo da clula. Consiste em cromatina e porta
informao gentica.
72 cido Desoxirribonuclico um composto orgnico cujas molculas contm as instrues genticas que
coordenam o desenvolvimento e o funcionamento de todos os seres vivos.
73 (1926 - ) qumico e foi ganhador do Prmio Nobel de Qumica de 1980, por desenvolver mtodos para
mapear as estruturas e funes do DNA.
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Entretanto, de forma indireta, as revelaes dessas incgnitas genticas, como a
etiologia de algumas doenas, repercutem em variados campos do conhecimento humano,
entre eles, o direito, a sociologia e a filosofia.
A importncia de estudos genticos moleculares evidencia-se atravs de buscas pela
existncia de formas alternativas de um gene na populao, a ocorrncia de fentipos
similares que se desenvolvem da mutao e da variao de locus 74 diferentes, a importncia
das interaes gene-gene e gene-ambiente nas doenas, o papel das mutaes somticas, a
exequibilidade do diagnstico pr-natal, dos testes pr-sintomticos e da triagem populacional
e a promessa de efetivas terapias gnicas. Na prtica clnica, o principal significado da
gentica no esclarecimento do papel da variao dos genes e da ocorrncia de mutaes na
etiologia dos mais variados distrbios.75
Entre os distrbios causados total ou parcialmente por fatores genticos, so
reconhecidos trs tipos principais: os distrbios monognicos, os quais so causados por
genes mutantes individuais, a mutao pode estar presente em apenas um cromossomo de
um par ou em ambos os cromossomos do par, em qualquer das situaes, a causa um erro
crtico na informao gentica levada por um nico gene. Nos distrbios cromossmicos, o
defeito no se deve a um nico erro no cdigo gentico, mas a um excesso ou a uma
deficincia dos genes contidos em cromossomos inteiros ou segmentos cromossmicos. J
nos distrbios multifatoriais, parece no haver um erro nico na informao gentica, a
doena resulta de uma combinao de pequenas variaes nos genes, que, juntas, podem
produzir ou predispor a um grave defeito, em geral, em conjunto com fatores ambientais.76
A informao gentica est contida no DNA dos cromossomos dentro do ncleo celular,
mas a sntese de protenas, durante a qual a informao codificada no DNA utilizada, ocorre
somente no citoplasma da clula. A ligao molecular entre os tipos relacionados de
informao, ou seja, o cdigo de DNA nos genes e o cdigo de aminocidos das protenas,
realizada pelo RNA,77 o qual possui estrutura similar molcula de DNA.78
74 a posio ocupada por um gene em um cromossomo.
75 NUSSBAUM, R.; McINNES, R.; WILLARD, H. Gentica Mdica. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.
13-14.
76 JORDE, L. et al. Gentica Mdica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 53; 213.
77 cido Ribonuclico responsvel pela sntese de protenas na clula.
78 BROWN, T. Gentica: um enfoque molecular. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 33-40.
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A correlao informacional entre DNA, RNA e protena est interligada, o DNA coordena
a sntese e a sequncia do RNA, o RNA dirige a sntese e a sequncia de polipeptdios e
especifica as protenas envolvidas na sntese e no metabolismo do DNA e RNA. Esse fluxo de
informao , comumente, denominado de dogma central da biologia molecular.79
A informao gentica armazenada no DNA por meio de um cdigo, no qual a
sequncia de bases nitrogenadas adjacentes determina a sequncia de aminocidos no
polipeptdio codificado. Primeiramente, o RNA sintetizado a partir de um molde de DNA por
um processo denominado como transcrio. O RNA carrega a informao codificada em uma
forma chamada de RNA mensageiro, sendo transportado do ncleo para o citoplasma, onde a
sequncia de RNA traduzida para determinar a sequncia de aminocidos na protena a ser
sintetizada. O processo de traduo ocorre nos ribossomos, organelas citoplasmticas, os
quais apresentam associao com um tipo especfico de RNA, o ribossmico. A traduo
envolve ainda um terceiro tipo de RNA, o transportador, o qual fornece a ligao molecular
entre a sequncia de bases do RNA mensageiro e a sequncia de bases da protena.80
A tecnologia do DNA recombinante81 alterou drasticamente o modo pelo qual os genes
so estudados. Anteriormente, a informao sobre a estrutura e a organizao dos genes era
obtida examinando seus efeitos fenotpicos, mas a nova tecnologia possibilitou interpretar as
sequncias de nucleotdeos. Atravs dessa tecnologia, torna-se possvel fornecer novas
informaes sobre estrutura e funcionamento dos genes, entre as principais tecnologias
desenvolvidas, pode-se citar a reao em cadeia da polimerase, desenvolvida por Kary Mullis,
em 1983, a qual permite que fragmentos de DNA sejam amplificados um bilho de vezes
dentro de algumas horas, partindo-se, at mesmo, de quantidades extremamente pequenas
do DNA original.82
A gentica do comportamento, considerada como um segmento da gentica,
relativamente recente, porm suas origens so to antigas como os estudos de Gregor
79 BROWN, T. Gentica: um enfoque molecular. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 2-3.
80 NUSSBAUM, R.; McINNES, R.; WILLARD, H. Gentica Mdica. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.
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81 um conjunto de mtodos usados para localizar, analisar, alterar, estudar e recombinar sequncias de DNA.
usado para sondar a estrutura dos genes, abordar questes em distintas reas biolgicas, criar produtos
comerciais, diagnosticar e tratar doenas.
82 PIERCE, B. Gentica: um enfoque conceitual. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 509-512.
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Mendel.83 Existem variados mtodos aplicveis para o estudo da influncia gentica sobre o
comportamento, entre eles, pode-se exemplificar: o estudo de famlias, em que se utiliza a
comparao dos indivduos aparentados, sendo suas semelhanas expressas em termos de
coeficiente de correlao e calculados os riscos de recorrncia de suas caractersticas; o
estudo de gmeos, o qual se baseia na comparao de gmeos monozigticos e dizigticos; o
estudo de adotivos, no qual essa estratgia visa a aferir a influncia da herana e do
ambiente; o estudo de colaterais e meio-irmos; os estudos de endocruzamento, em que h
uma alta frequncia de casamentos consanguneos, aumentando a possibilidade de
homozigose; os estudos do comportamento de pacientes com anomalias gnicas ou
cromossmicas; os estudos de caractersticas comportamentais que apresentam diferenas
sexuais envolvem diferenas na organizao e assimetria cerebral mediada por hormnios
sexuais; os estudos de associao, baseados na associao entre marcadores genticos, e os
estudos de ligao, os quais se baseiam na relao entre marcadores genticos e supostos
genes para uma determinada patologia.84
O estudo das caractersticas comportamentais envolve quesitos como a inteligncia, a
homossexualidade, o retardo mental, a personalidade, entre outros. A anlise gentica da
personalidade demonstra-se um tanto quanto complexa, tendo em vista que seu modo de
herana seja, muito provavelmente, multifatorial. Alm disso, os testes utilizados para avali-la
so relativamente influenciados pela cultura, polarizando-se na neurotizao ou na
extroverso.85
A adequada compreenso dos distrbios psiquitricos reside, muito possivelmente, em
sua essncia gentica, ou seja, o verdadeiro papel dos genes sobre o fentipo desenvolvido
pelos indivduos. No entanto, McGuffin e Thapar no consideram tais distrbios como,
simplesmente, heranas mendelianas, mas, sim, o produto de uma srie de fatores, mas, sem
dvida alguma, o quesito gentico, atravs do sinergismo de distintos genes.86
83 (1822 - 1884) Foi um monge agostiniano, botnico e meteorologista austraco. conhecido como o pai da
gentica, props que a existncia de caractersticas das flores devido existncia de um par de unidades
elementares de hereditariedade, agora conhecidas como genes.
84 BORGES-OSRIO, M.; ROBINSON, W. Gentica Humana. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 330-332.
85 BORGES-OSRIO, M.; ROBINSON, W. Gentica Humana. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 333.
86 McGUFFIN, P.; THAPAR, A. The genetics of personality disorder. The British Journal of Psychiatry. v. 160. 1992,
p. 12.
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CRIMINOLOGIA
Grande parte dos autores em criminologia atribui aos estudos de Cesare Lombroso um
lugar de destaque na formao dos conhecimentos criminolgicos modernos. Lombroso,
juntamente com autores como Rafaelle Garofalo 87 e Enrico Ferri88, construram uma
abordagem cientfica do crime, estabelecendo um contraditrio entre as doutrinas penais da
Escola Clssica, em que se figuram como expoentes os autores Cesare Becaria89 e Jeremy
Bentham90, e da Escola Positivista, arguidas pelo prprio Lombroso.
O termo criminologia foi utilizado pela primeira vez pelo antroplogo francs Topinard,
em 1879, entretanto, somente em 1885, com o italiano Raffaele Garofalo, esse termo ilustrou
87 (1851 - 1934) Era magistrado e escreveu, sobretudo, a respeito das reformas prticas da justia criminal e das
instituies legais. Do mesmo modo que Lombroso, relegava os fatores sociais a uma posio secundria na
etiologia do crime. Defendeu vrias ideias que se tornaram patrimnio comum da Escola Penal Positivista, entre
elas, a da rejeio da noo de responsabilidade moral, que seria incompatvel com o ideal de defesa social, e a
da nfase na individualizao da punio, a qual deveria ter por referncia as caractersticas particulares de cada
criminoso.
88 (1856 - 1920) Foi professor de direito penal e, ao contrrio de Lombroso e Garofalo, enfatizava os fatores
sociais na etiologia do crime, mas sem deixar de lado os fatores individuais e fsicos. Sua classificao dos
criminosos foi amplamente divulgada. Para ele, os criminosos poderiam ser divididos em cinco classes: natos,
insanos, passionais, ocasionais e habituais
89 (1738 - 1794) Considerado um clssico do Direito Penal, Beccaria foi a primeira voz a levantar-se contra a
tradio jurdica e a legislao penal de seu tempo, denunciando os julgamentos secretos, as torturas
empregadas como meio de se obter a prova do crime, a prtica de confiscar bens do condenado. Uma de suas
teses a igualdade perante a lei dos criminosos que cometem o mesmo delito. A obra Dos Delitos e das Penas
um dos clssicos e sua leitura considerada basilar para a compreenso da Histria do Direito.
90 (1748 - 1832) Foi um filsofo e jurista ingls, o qual buscava uma relao mais precisa entre castigo e delito e
insistia na fixao de penas definidas e inflexveis para cada classe de crime, de tal forma que a pena superasse
apenas um pouco o prazer do delito.
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o ttulo de uma obra cientfica.91 Entretanto, foi atravs do tambm italiano Cesare Lombroso
que a criminologia teve seu marco positivista inicial, com a publicao do livro LUomo
Delinquente em 1876. Atualmente, pode-se definir a criminologia como uma cincia emprica
e interdisciplinar, a qual se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vtima e do
controle social do comportamento delitivo.92
A Escola Clssica conceituava a ao criminal em termos legais ao destacar a liberdade
individual e os efeitos da punio, por outro lado, a Escola Positivista, tambm designada
como Determinista ou Italiana, repudiava a definio estritamente legal, ao enfatizar uma
natureza determinstica para o crime, em vez da responsabilidade individual, ao passo que ela
defende um tratamento cientfico em relao ao criminoso, tendo em vista a proteo da
sociedade.
O autor Cesare Lombroso, influenciado por teorias materialistas, positivistas e
evolucionistas, defendia a teoria de que existiria um criminoso nato. Lombroso considerava
que os comportamentos e as atitudes eram biologicamente determinados, ao propor que seus
achados, em estudos antropomtricos de indivduos criminosos, demonstravam a existncia
de caractersticas fsicas comuns entre eles, caractersticas essas que reportavam ao homem
primitivo, sendo passveis de transmisso hereditria. Lombroso procurou demonstrar o crime
como um fenmeno natural, ao considerar o delinquente, simultaneamente, um ser primitivo e
doente, o qual se encontraria estigmatizado pela sociedade.93
Desse modo, a criminologia, como cincia aplicada para a compreenso do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poltica cientfica de combate criminalidade,
poderia ser considerada como um instrumento essencial para a viabilizao de mecanismos
de controle social necessrios conteno da criminalidade em uma sociedade.
O estudo do homem delinquente, ou seja, do infrator, em uma viso criminolgica
positivista, encontra-se alicerado no princpio comportamental do indivduo, baseado em uma
dinmica de causa e efeito. Assim, o infrator um prisioneiro de sua prpria patologia ou de
processos causais alheios sua vontade, sendo que uma cadeia de estmulos e respostas
explica sua conduta desviante inexoravelmente.94
91 LOMBROSO, C. O Homem Delinqente. 2. ed. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001, p. 291.
92 MOLINA, A.; GOMES, F. Criminologia. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 39.
93 LOMBROSO, C. O Homem Delinqente. 2. ed. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001.
94 MOLINA, A.; GOMES, F. Criminologia. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 75.
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Mais do que uma inovao no campo das doutrinas penais, portanto, Lombroso
pretendia criar uma nova cincia da natureza humana, capaz de dar conta das desigualdades
entre os homens.95 O combate por uma nova cincia requeria o esforo no somente de um
pesquisador, mas de muitos, possivelmente de toda uma gerao, e, quanto a isso, Lombroso
ressaltava que os novos conhecimentos eram resultados de um amplo movimento coletivo de
ideias.96
O autor alemo Ernst Kretschmer,97 anos aps, desenvolveu estudos sobre a
biotipologia, definindo trs bitipos fundamentais, a partir da correlao entre doena mental
e estrutura corporal. So eles:
a) o leptossmico: quanto morfologia: delgado, trax estreito e comprido, costelas
salientes, abdome delicado e pouca adiposidade, rosto pequeno e ovide; quanto ao
temperamento: oscila entre a hipersensibilidade e a insensibilidade, pertence ao crculo
da loucura esquizofrnica, excntrico, problemtico, ausente, cindindo com o mundo.
b) o atltico: quanto morfologia: forte, musculoso, estatura mediana, trax
desenvolvido, ombros largos, abdome tenso, cintura fina e rosto entre ovide e
pentagonal; quanto ao temperamento: explosivo, sua reao , s vezes, violenta e
brutal; egocntrico e com intolerncia alcolica.
c) o pcnico: quanto morfologia: adiposo, compacto. Caracteriza-se principalmente pelo
desenvolvimento das cavidades corporais, de estatura mediana, o pescoo curto e
grosso, rosto pentagonal e calvcie; quanto ao temperamento: oscila entre o excitado e o
deprimido, pertence ao crculo da loucura manaco-depressiva, afvel otimista e
bondoso.98
Entretanto, atualmente, a influncia dessa teoria foi bastante reduzida, principalmente
pelo fato de que baseada na considerao do crime como produto puro de um fenmeno
biolgico.
Contudo, deve-se salientar a necessidade do conhecimento dos fatores crimingenos
responsveis pela gnese da conduta ilcita, pois dessa compreenso depender o sucesso
95 XAVIER, A. A construo do conceito de criminoso na sociedade capitalista. Revista Katlysis. v. 11. n. 2. 2008,
p. 275.
96 ALVAREZ, M. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. DADOS Revista de Cincias Sociais. v. 45. n. 2. 2002, p. 680.
97 (1888 1964) Era psiquiatra e pesquisou a constituio humana, estabelecendo a tipologia. Foi o primeiro a descrever o estado vegetativo persistente, tambm conhecido como Sndrome de Kretschmer. Outro termo
mdico cunhado pelo seu nome a Paranoia Sensitiva de Kretschmer. Entre 1915 e 1921, desenvolveu o
diagnstico diferencial entre esquizofrenia e psicose manaco-depressiva. Kretschmer tambm conhecido por
ter desenvolvido um sistema de classificao que pode ser visto como um dos primeiros expoentes da
abordagem constitucional.
98 ITO, P.; GUZZO, R. Diferenas individuais: temperamento e personalidade; importncia da teoria. Revista de
Estudos de Psicologia. v.19. n. 1. 2002, p. 94.
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das medidas corretivas aplicadas, as quais possibilitem a recuperao do infrator e a
preveno da reincidncia criminosa.99
Como afirma Pelez:
A criminologia e o direito penal so duas cincias autnomas, porm no opostas, nem
separadas, mas bem associadas. No se resolve nenhum problema penal sem ter em
conta os resultados da criminologia, a qual a base indispensvel da teoria e prtica do
direito penal moderno, assim como do direito penitencirio e do direito processual.100
Nessa tica, deve-se refletir acerca de um novo modelo de direito penal aplicado, como
defende Ferrajoli, pois se estaria diante de um modelo autoritrio, estruturado como um
direito do autor e no do fato imputado. Por conseguinte, os indivduos passariam a sofrer
uma represso criminal no por aquilo que viessem a fazer, mas por aquilo que fossem ou
pudessem vir a ser capazes de realizar.101
O jurista italiano ainda complementa que, nesse contexto, a lei no teria uma funo
reguladora, mas, sim, constitutiva dos pressupostos da pena, no sendo observvel ou violvel
pela omisso ou comisso de fatos contrrios a ela. Tratar-se-ia de uma tcnica punitiva, a
qual apresentaria um carter discriminatrio e unilateral.102
A criminologia cercada por um complemento de cincias auxiliares, que buscam
basilar os achados criminais, a fim de interpret-los de uma forma mais ampla e complexa.
Dentre esses ramos cientficos, nos quais a criminologia se encontra alicerada, podemos
destacar: a gentica, a qual a cincia da hereditariedade, a demografia, que consiste no
levantamento numrico populacional, a etologia, que comporta a investigao de natureza
cientfica do comportamento humano, levando em conta as mltiplas influncias e
acomodaes que as circunstncias ambientais exercem sobre o comportamento da pessoa. A
penalogia, ramo das cincias criminais que cuida do castigo do delinquente, a vitimologia, que
estuda o comportamento da vtima, com avaliao das causas e dos efeitos da ao delitiva, e
a estatstica, que prev o conjunto de mtodos matemticos, centrada em dados reais, a fim
99 MARANHO, O. Psicologia do Crime. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 11-14.
100 PELEZ, M. Introduccin al Studio de la Criminologa. Buenos Aires: Depalma, 1966, p.190.
101 FERRAJOLI, L. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 80.
102 FERRAJOLI, L. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 81.
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de construir modelos de probabilidade relativos a indivduos, retratando fatores ou indutores
de criminalidade.103
Teoria dos Motivos Determinantes
A expresso acima empregada para designar aquelas que se apresentam como
causas e razes as quais levam determinado indivduo a delinquir, ou seja, so os motivos
determinantes do crime, ou melhor, so os fatores que, agindo na esfera ntima da vontade do
indivduo, fazem com que ele atue no mundo que o circunda, dessa maneira, causando uma
alterao juridicamente relevante e coibida pelo direito penal. De fato, os motivos que
determinam no indivduo a prtica de atos delituosos se encontram intimamente entrelaados
problemtica do dolo e sua relevncia para as distintas escolas penais.104
Os partidrios da teoria causalstica da ao compactuam que o atuar humano s se
pode dizer criminoso quando afetar, de maneira voluntria, um bem da vida juridicamente
tutelado pelo direito penal, mas no se ocupam do fim a que esse atuar se dirige, relegando a
um plano inferior a razo que motivou o agente para a prtica do determinado ato. Por outra
banda, para os adeptos da teoria finalista da ao, a existncia do crime est
consubstanciada na agresso a um bem de vida penalmente tutelado, mas desde que esse
resultado tenha sido desejado pelo agente, implicando, necessariamente, a existncia de um
motivo, o qual ser mais ou menos relevante, conforme se enquadre na norma penal
positivada ou no.105
Dos embates doutrinrios travados pelas diversas escolas criminolgicas surgiram trs
alinhamentos bsicos que buscavam definir quais seriam os motivos determinantes do
aparecimento do impulso delituoso no indivduo. Assim, vieram luz do direito os modelos
biolgicos, psicolgicos e sociolgicos.
103 SILVA, L. A criminologia e a criminalidade. Jus Navigandi. n. 66. 2003. Disponvel em:
. Acesso em: 9 ago. 2009.
104 LIMA, C. Teoria dos motivos determinantes: um ensaio sobre criminologia aplicada. Jus Navigandi. n. 1215.
2006. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2006.
105 LIMA, C. Teoria dos motivos determinantes: um ensaio sobre criminologia aplicada. Jus Navigandi. n. 1215.
2006. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2006.
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Motivos Biolgicos
Esto relacionados anlise dos processos de ordem biolgica com as violaes ao
ordenamento jurdico, em especial, ao direito penal. importante ressaltar que os estudos dos
determinantes biolgicos se encontram intimamente ligados ao instinto de conservao, ou
tendncia autoafirmao. Nessa batalha pela sobrevivncia, o ser humano utiliza-se de
mecanismos disponveis para cessar a atuao de foras, externas ou internas, que lhe
ameaam a sua existncia.
Dentre as principais reas de investigao biolgica, pode-se citar:
a) Antropometria: consiste no sistema que afere e analisa as medidas das principais
partes do corpo do criminoso, tais como cabea, braos, dedos, entre outros, anotando-
se tais dados como estratgia para fcil identificao do criminoso, caso esse viesse a
subtrair-se da aplicao da lei penal, aliando-se atualmente a outras tcnicas mais
avanadas.
b) Antropologia: apresenta como postulado bsico a noo de que existiria um tipo
humano inferior, degenerado, evolutivamente atrasado, e com carga gentica
essencialmente diferente dos demais. Nessa concepo, o indivduo delinqente
naturalmente inferior ao indivduo no delinqente.
c) Biotipologia: serve-se do estudo do tipo humano, investigando a existncia de alguma
correlao entre as caractersticas fsicas do indivduo e o seu comportamento. Analisa a
predisposio de certos tipos de indivduos, de determinada constituio fsica, para a
prtica de determinados tipos de delitos.
d) Neurofisiologia: o avano tecnolgico permitiu a anlise de ondas cerebrais atravs
do eletroencefalograma, demonstrando a existncia da correlao entre anomalias
cerebrais e a conduta humana, j que determinados tipos de delitos so praticados por
indivduos com determinado padro de atividade eltrica cerebral.
e) Endocrinologia: partindo-se da anlise do funcionamento hormonal possvel traar
uma relao entre o atuar humano criminoso e eventuais falhas ou interrupes na
produo de determinados hormnios. A atividade endcrina tem relevante influncia no
temperamento e no carter do indivduo, uma vez que este rege todo o processo
anmico humano.
f) Gentica: a gentica criminal dedica-se basicamente aos estudos dos diversos
fenmenos criminais ligados a questes hereditrias.106
Apesar de suas limitaes e seus condicionamentos, o enfoque biolgico apresenta
importante funo no estudo da Criminologia, principalmente, na rea cientfica e
interdisciplinar. Os modelos biolgicos evolucionam para paradigmas cada vez mais
complexos, dinmicos e integradores, capazes de ponderar a pluralidade de fatores que
interatuam no fenmeno delitivo.107
106 LIMA, C. Teoria dos motivos determinantes: um ensaio sobre criminologia aplicada. Jus Navigandi. n. 1215.
2006. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2006.
107 MOLINA, A.; GOMES, F. Criminologia. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 178.
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Ressalta-se que as reas de neurofisiologia, endocrinologia e gentica se encontram
intimamente relacionadas, tendo em vista que as funes neurolgicas e hormonais so, em
sua maioria, consequncias da expresso de genes responsveis por suas atividades,
possibilitando a adequada homeostase108 fisiolgica, sendo elas, atualmente, incansveis
objetos de estudos para a possvel correlao de seus efeitos sobre o perfil crimingeno.
Motivos Psicolgicos
Os motivos psicolgicos analisam o comportamento humano, atravs da estrutura, do
nascimento e do desenvolvimento da conduta criminosa, bem como dos diversos fatores que
nela interferem. necessrio enfatizar-se que no possvel afirmar que todo criminoso seja
louco, ou que todo louco seja criminoso. O que se deve ter em mente que as anormalidades
na formao da personalidade do indivduo podem determinar nele a prtica de certos atos
juridicamente repudiados, sem implicar, necessariamente, uma relao de causa e efeito
entre um fato e outro.
Dentre as principais reas de investigao psicolgica, pode-se citar:
a) Psicanlise: tem como caracterstica a diviso da estrutura psquica do indivduo em
partes distintas com diferentes graus de subjetividade e a concentrao de todas as
caractersticas e con