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A PERSPETIVA BRASILEIRA DAS AÇÕES DE INTERVENÇÃO PRECOCE NA
INFÂNCIA Bruna Pereira Ricci Marini1, Mariane Cristina Lourenço1
& Patrícia Carla de Souza Della Barba1
1Universidade Federal de São Carlos.Email: [email protected]
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RESUMO
A Intervenção Precoce (IP) é uma importante ferramenta para pre-venção, identificação e intervenção junto às condições que oferecem riscos ao desenvolvimento infantil. Nesse sentido, uma série de reco-mendações têm sido feitas com vistas ao desenvolvimento das melho-res práticas. No entanto, ainda não se pode afirmar que as ações sejam desenvolvidas de uma forma homogênea pelos diferentes países que utilizam esse recurso, o que justifica o investimento na elucidação dos cenários para o melhor direcionamento dos serviços. No Brasil, a es-cassez de publicações acerca dessa temática, associada à ausência de direcionamentos efetivos para a organização dos serviços têm levado à adoção de práticas que parecem desenvolver-se prioritariamente de forma centrada nas necessidades das crianças, com intervenções pau-tadas em suas problemáticas e desenvolvidas a partir de um modelo reabilitativo. Nesse contexto, reconhece-se a importância do investi-mento em produções científicas e sistematização dos materiais já exis-tentes como um ponto de partida para a transformação da realidade atual. Dessa forma, o presente capítulo objetiva apresentar como a IP tem se desenvolvido na perspectiva brasileira, iniciando pelo resga-te da trajetória histórica de constituição dos serviços, passando pelas práticas descritas na literatura atual e culminando em um exercício reflexivo acerca das nuances teórico-práticas encontradas nos estudos de intervenção.
Palavras-chave: Intervenção precoce; Infância; Reabilitação; Desen-volvimento; Saúde.
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O Desenvolvimento Humano pode ser compreendido como um pro-cesso dinâmico, contínuo e progressivo, no qual o indivíduo adquire e aperfeiçoa habilidades relativas a diversos contextos (Comitê Cientí-fico do Núcleo Ciência pela Infância [NCPI], 2014). Tal processo dá-se de forma contínua ao longo de toda vida, mas encontra na primeira infância um período crucial no qual a rápida maturação estrutural e maior plasticidade neuronal proporcionam a aquisição de habilida-des fundamentais que sustentarão os ganhos futuros, mais complexos. Sendo assim, pode-se afirmar que as habilidades adquiridas nessa fase da vida são essenciais na garantia de um desenvolvimento saudável, proporcionando ao indivíduo o crescimento e amadurecimento físico, psíquico e social (NCPI, 2014; Guralnick, 2006; Serrano, 2007; Fernan-des, 2001).
Tratando-se de primeira infância, cabe ressaltar que esse é um pe-ríodo altamente suscetível tanto às condições benéficas quanto àque-las que oferecem risco ao desenvolvimento, as quais produzem efeitos a curto e longo prazo. Nesse sentido, no que concerne aos fatores de risco, é reconhecida a necessidade de investir em recursos que sejam capazes de inibir seus efeitos com prontidão e eficiência (NCPI, 2014). Diante desse desafio, os programas de Intervenção Precoce (IP) consti-tuíram-se como importantes ferramentas para a prevenção, identifica-ção e intervenção sobre tais condições, sejam elas advindas de fatores biológicos ou ambientais (Guralnick, 2006; Serrano, 2007; Fernandes, 2001).
A IP tem sido definida como uma prestação de apoios (e recursos) às famílias com crianças pequenas por parte das redes de apoio formal e informal, de forma a capacitar, influenciar e melhorar de forma direta e indireta o comportamento e funcionamento dos pais, da família e da criança (Dunst, & Espe-Sherwindt, 2016). Tal conceituação fundamen-ta-se em pressupostos que resultaram de longos anos de estudos e que culminaram no reconhecimento de boas práticas de IP como aquelas desenvolvidas em uma perspectiva sistêmica de integração e coorde-nação entre diferentes serviços, com o favorecimento da participação das crianças e suas famílias nas atividades comunitárias, planejadas individualmente valorizando aspectos culturais e monitoradas através da avaliação regular dos serviços (Guralnick, 2008).
Contudo, apesar dos avanços no conhecimento e da disponibilização de uma série de recomendações acerca da estruturação dos serviços de IP de qualidade, sabe-se que a realidade da implementação desses ser-viços não tem seguido um padrão uniforme nos diferentes países onde esses recursos são adotados. Dessa forma, observa-se a existência de práticas heterogêneas em relação aos objetivos, à participação das fa-
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mílias e à postura profissional, que correspondem a diferentes modelos (Simeonsson; & Bailey, 1990). Em relação à essa característica, Gural-nick (1998) afirma que não se pode esperar que ela não exista, uma vez que o modelo de práticas adotado diz muito a respeito do momento em que os países se encontram na reflexão acerca das necessidades dessas crianças e de suas famílias. Nesse sentido, conhecer o modelo de práticas que têm fundamentado as ações de IP em um país é funda-mental para planejar os próximos passos rumo à prestação de serviços de ótima qualidade.
Partindo desse pressuposto e buscando contribuir para o aprimo-ramento das ações implementadas, o presente capítulo objetiva apre-sentar como a IP têm se desenvolvido na perspectiva brasileira, ini-ciando pelo resgate da trajetória histórica de constituição dos serviços, passando pelas práticas descritas na literatura atual e culminando em um exercício reflexivo acerca das nuances teórico-práticas encontra-das nos estudos de intervenção.
A TRAJETÓRIA DO DESENVOLVIMENTO DA INTERVENÇÃO PRECOCE NO BRASIL
Os serviços de IP no Brasil começaram a organizar-se com maior expressividade nas décadas de 1970 e 1980. Na época, as ações eram denominadas de Estimulação Precoce e desenvolviam-se atreladas à área da Educação Especial, sendo implementadas em instituições des-tinadas à pessoas com deficiências, como os institutos para cegos, as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) e a Sociedade Pestalozzi do Brasil (Santos, 2001; Cunha, & Benevides, 2012; Costa, 2013).
Como demonstrado pelo estudo de Santos (2001), tal característica perdurou por quase duas décadas, até que em 1996 foram lançados dois documentos nos quais é prevista a “ampliação da rede desses ser-viços (de Estimulação Precoce) nas instituições que aten-dem qualquer tipo de criança”. Sendo assim, não apenas as instituições de educação especial, mas também hospitais, berçários, postos de saúde, clínicas e centros religiosos foram citados como locais compatíveis para a imple-mentação desses serviços (Brasil, 1996, p.19; Pérez--Ramos, & Pérez--Ramos,1996). A esse respeito, Pérez-Ramos e Pérez-Ramos (1996, p. 3) afirmaram ainda a constatação da exis-tência de condições favoráveis à implementação de tais programas “seja pelos serviços gerais de as-sistência materno infantil e de educa-ção geral e especial dirigidos à criança, em seus primeiros anos, quer seja pelo envolvimento da comu-
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nidade no campo das deficiências”.
Para além de estabelecer a ampliação dos locais de atendimento, esses materiais vieram responder a uma necessidade que, apesar de ainda vigente na atualidade, apresentava-se gritante à época: a es-cassez de publicações para o direcionamento das práticas desenvolvi-das pelos diferentes serviços. Nesse contexto, foram formulados com o objetivo de oferecer fundamentação teórica e um modelo “de serviço, de programa e de currículo para atendimento precoce, como medida preventiva e remediativa dos distúrbios do desenvolvimento” aos pro-fissionais que se encontravam no campo (Pérez-Ramos, & Pérez-Ra-mos,1996, p. 1).
Dessa forma, segundo os autores, a Estimulação Precoce foi definida em 1996 como um “conjunto dinâmico de atividades e de recursos hu-manos e ambientais incentivadores que são destinados a proporcionar à criança, nos seus primeiros anos de vida, experiências significativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu processo evolutivo” (Bra-sil, 1996, p.11) e recomendações foram feitas para que fosse oferecida por equipes multidisciplinares compostas por professor, fonoaudiólo-go, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, tera-peuta ocupacional, médico e enfermeiro (Brasil, 1996; Pérez-Ramos, & Pérez-Ramos,1996).
Quanto à organização dos serviços e programas, indicava-se que esses fossem baseados em programas preventivos primários (promo-ção e proteção), secundários (diminuição da vulnerabilidade e fatores de risco) e terciários (intervenção sob os déficits), com adaptação aos “recursos e necessidades locais e às condições das crianças atendidas bem como dos seus familiares” (Pérez-Ramos, & Pérez-Ramos, 1996, p.101). Para tanto, almejava-se que o processo de implementação dos serviços partisse de um planejamento que levasse em conta o estudo da população beneficiada, o levantamento de recursos comunitários, a disponibilidade de pessoal, a infraestru-tura e os recursos financeiros disponíveis, bem como estabelecesse o tipo de atendimento a ser ofe-recido com os níveis de participação dos pais, profissionais, estagiários e voluntários.
Após o planejamento, a organização do serviço seria feita segun-do um esquema padrão, que incluiria aspectos de “determina-ção da filosofia de ação, definição dos objetivos a serem alcançados, especi-ficação das atividades a serem desenvolvidas, estrutura a ser traça-da através da disposição das atividades em unidades funcionais, da preparação de organogramas e fluxogramas, da divisão do trabalho em operações parciais, da designação de pessoal e das suas funções e também a formulação dos programas de atividade onde se especi-
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Figura 2. Organograma da estru-
tura básica dos serviços
Fonte: Pérez-Ramos, e Pérez-Ra-
mos (1996, p. 124). Adaptado pe-
los autores
Ainda segundo essa proposta de serviço, o processo de atendimento seguiria o modelo apresentado na Figura 2, partindo dos registros fei-tos por familiares, profissionais e/ou instituições que identificassem a necessidade de atendimento em estimulação precoce. Já no serviço, a criança e seus familiares passariam pelo processo de triagem para ve-rificação da elegibilidade. Caso a criança fosse considerada não elegí-vel ela seria direcionada para continuidade de atendimento em outros serviços e na situação contrária seguiria para o processo de avaliação multidisciplinar, orientações e recomendações da equipe e, por fim, o processo de intervenção, o qual poderia ser realizado em casa ou no próprio serviço. Após o período de intervenção, constatado o cumpri-mento dos objetivos previstos (através da reavaliação) a criança seria desligada do serviço (Pérez-Ramos, & Pérez-Ramos,1996).
Figura 3. Fluxograma do proces-
so de atendimento
Fonte: Pérez-Ramos e Pérez-Ra-
mos (1996, p.126). Adaptado pe-
los autores.
fi-cam procedimentos sobre detecção, triagem, avaliação, intervenção, divulgação, participação dos pais e voluntários, treinamento de pessoal e realização de pesquisas”(Pérez-Ramos, & Pérez-Ramos,1996, p.108). Dessa forma, a estrutura básica de funcionamento dos serviços de es-timulação precoce seguiria o modelo apresentado na Figura 1, onde a Administração e Relações públicas representam as unidades de apoio vinculadas à direção e Treinamento, Triagem, Avaliação, Intervenção e Pesquisa constituem as unidades de operação, onde o atendimento é feito, de facto.
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Figura 4. Estrutura do currículo
de Estimulação Precoce
Em relação às intervenções, previa-se a criação de um plano indi-vidualizado, voltado às “áreas do desenvolvimento global da criança (física, motora, cognitiva, sensório-perceptiva, linguagem e socioafeti-va)” (Brasil, 1996, p. 23), elaborado com base nos resultados obtidos em uma avaliação inicial e em observações realizadas ao longo dos atendimentos (Figura 3). Nesse contexto, os pais eram considerados um elemento importantíssimo para a intervenção cabendo aos mes-mos receberem orientações e capacitações a fim de dar continuidade à estimulação em casa (Marini, 2017).
As diretrizes apontadas nos documentos em questão constituíram um importante avanço no que diz respeito à proposta de estruturação dos serviços de EP a nível nacional (Hansel, 2012). No entanto, as fragi-lidades em relação à fundamentação teórica e delimitação precisa dos procedimentos metodológicos da EP conferiram às diretrizes pouco impacto sobre as características dos serviços ofertados, especialmente
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no que confere à ampliação da rede de serviços e a implementação dessas práticas de forma integrada entre os setores de saúde, educação e assistência social nos contextos desvinculados da educação especial. Dessa forma, Cunha e Benevides (2012, p.113) pontuam que “observan-do a construção do conceito e da prática de intervenção precoce na perspectiva histórica, podemos compreender melhor como essas práti-cas são empregadas hoje em dia no contexto da saúde no Brasil”.
Com o lançamento da “Agenda de Compromissos para a Saúde In-tegral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil” pelo Ministério da Saúde, em 2004, as práticas de IP no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) ganham maior legitimidade e regulamentação. O docu-mento em questão poderia constituir uma importante ferramenta para compreensão e delineamento de ações de Intervenção Precoce que ultrapassassem o modelo clínico reabilitativo, uma vez que enfatiza as oportunidades de prevenção e intervenção sobre condições que ofere-çam risco ao desenvolvimento. No entanto, estudos apontam que sua aplicação esbarra nos obstáculos da formação profissional em saúde, que permanece centrada na patologia (Alves e Silva, Villar, Wuillaume, & Cardoso, 2009); nas dificuldades de articulação intersetorial e no isolamento e fragmentação de ações, como as voltadas às pessoas com deficiência (Maia, 2010).
Ainda no âmbito do Ministério da Saúde, reconhece-se a presença de ações de IP em diferentes linhas de cuidado do SUS, como a Atenção humanizada e qualificada à gestante e ao recém-nascido; o Incentivo ao aleitamento materno; o Acompanhamento do crescimento e desen-volvimento; a Atenção à saúde mental; a Atenção à criança portadora de deficiência; o Programa mãe-canguru e a Estratégia de acolhimen-to mãe-bebê na unidade básica após a alta da maternidade (Cunha; & Benevides, 2012), no entanto, a pulverização dessas ações não permite assegurar que todas as crianças que necessitam desse cuidado sejam, de fato, beneficiadas.
Outra implicação desse tipo de organização refere-se à possibili-dade de perda da identidade das práticas de IP em meio aos outros direcionamentos, dificultando sua execução por serviços que se desti-nam à finalidade única da IP. Tais consequências puderam ser sentidas, por exemplo, quando recentemente, na iminência do atendimento aos casos de recém-nascidos com sequelas decorrentes da infecção pelo Zika Vírus, o Ministério da Saúde precisou lançar de forma emergencial um documento intitulado “Diretrizes de Estimulação Precoce. Crianças de zero a 3 anos com Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor Decorrente de Microcefalia”, produzido com o objetivo de “oferecer orientações às equipes multiprofissionais para o cuidado de crianças,
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entre zero e 3 anos de idade, voltadas às ações de estimulação precoce do desenvolvimento neuropsicomotor, principalmente em casos decor-rentes da microcefalia” (Brasil, 2016a, p.6).
Destinado a profissionais atuantes na rede de Atenção Básica (unida-des básicas de saúde, Saúde da Família e Núcleos de Apoio à Saúde da Família/Nasf) e Especializada (Atenção Domiciliar, Hospitalar, Ambula-tórios de Especialidades e de Seguimento do Recém-Nascido, e Centros Especializados em Reabilitação) o material veio confirmar a fragilidade das ações de IP e a inexistência, até o momento, de um direcionamento para sua execução pelos profissionais no âmbito do SUS, as quais já podiam ser antecipadas no contexto de edição das “Diretrizes de Aten-ção à Saúde Ocular na Infância: Detecção e Intervenção Precoce para a Prevenção de Deficiências Visuais”, em 2013 (Brasil, 2013).
Apesar da realidade observada até o momento, a promulgação da lei no 13.257, de 8 de março de 2016, instituída sob o nome de Mar-co Legal da Primeira Infância, delimitou importantes mudanças que apontam para o reconhecimento da necessidade de transformação da perspectiva de cuidado e garantia de direitos das crianças na faixa etária de zero a seis anos (Brasil, 2016b). Nesse âmbito, são previstos a ampliação dos programas, serviços e iniciativas, bem como a refor-mulação dos já existentes, com vistas à promoção do desenvolvimento integral. Para tanto, se propõem inovações relacionadas à garantia do direito de brincar; à priorização da qualificação profissional para as especificidades da primeira infância; à ampliação do atendimento do-miciliar, especialmente nos casos de vulnerabilidade; à ampliação da licença paternidade; ao envolvimento das crianças na formatação de políticas públicas; à instituição de direitos e responsabilidades iguais entre pais, mães e responsáveis e à atenção especial e proteção a mães que optam por entregar seus filhos à adoção e gestantes em privação de liberdade (Fundação Maria Cecília Souto Vidigal [FMCSV], 2016).
Contudo, conforme aponta Marini (2017, p. 98), apesar dos avanços preconizados pelo Marco Legal da Primeira Infância “não basta apenas que as leis sejam elaboradas, é necessário que os serviços e o sistema de uma maneira geral, estejam preparados para realizar as adequações necessárias ao cumprimento de suas diretrizes, caso contrário, não será possível observar as mudanças que se almejam”. Nesse sentido, apesar de todos os direcionamentos já produzidos e das recentes transforma-ções propostas no âmbito das legislações, observa-se que o cenário das práticas de IP no Brasil ainda permanece obscuro, em especial pela escassez de estudos que investiguem como, de fato, elas têm sido im-plementadas.
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UMA PERSPETIVA DAS PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO PRECOCE À LUZ DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NACIONAL
Como mencionado anteriormente, a escassez de investigações acer-ca de como as práticas de IP são implementadas no contexto brasileiro tem sido apontada por longos anos como uma lacuna, até mesmo em documentos oficiais voltados ao direcionamento dessa modalidade de atendimento. Nesse contexto, nota-se o esforço de alguns pesquisa-dores em superar esse quadro com estudos que, apesar de pontuais, têm fornecido indícios que justificam o investimento na ampliação e aprofundamento das investigações nesse campo.
No âmbito desses trabalhos, a tese de doutorado intitulada “Intera-ção mãe-filho portador de deficiência: Concepções e modo de atuação dos profissionais em Estimulação Precoce” destaca-se pelo seu pio-neirismo em debruçar-se sobre a temática, tomando por objetivo a in-vestigação das “concepções e o modo de atuação dos profissionais en-volvidos no atendimento em estimulação precoce, com bebês de zero a um ano completo de idade” (Bolsanello, 1998, p.8). Dessa forma, em 1998 tem-se, pela primeira vez em contexto de pesquisa nacional, um relato acerca do funcionamento de serviços de IP e das práticas desen-volvidas (Bolsanello, 2003).
Através da análise dos resultados desse estudo, observa-se que os objetivos de intervenção descritos pelos participantes se direcionam quase que exclusivamente aos déficits apresentados pelas crianças, sendo considerada a função principal do serviço o fornecimento de estímulos para minimizar esse quadro. A esse respeito, a autora aponta a ausência de respostas que relacionem a IP enquanto um possível recurso para a facilitação do envolvimento entre a mãe e a criança, considerando a prática, portanto, exclusivamente centrada na criança. No que se refere à estimulação, por sua vez, identificou-se o predomí-nio de “exercícios terapêuticos e atividades destinadas a desenvolver as diferentes áreas do desenvolvimento infantil” o que caracteriza, se-gundo a autora, uma estimulação mecanicista pautada em referencial compensatório (Bolsanello, 1998, p.77).
Para além da elucidação do cenário das práticas, as contribuições da investigação conduzida por Bolsanello (1998) situam-se ainda na introdução da discussão sobre a participação das famílias (no caso as mães) como alvos de intervenção nos serviços, demonstrando que a apropriação desse referencial no contexto brasileiro permanece sendo novo até nos dias atuais. Dessa forma, suas conclusões não só indica-ram a necessidade de transformação do modelo de atenção à criança, mas também a urgência em promover espaços para que a família este-
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ja envolvida nesse processo.
Resultados semelhantes foram identificados em outros estudos, como na tese de doutorado “Estimulação Precoce baseada em equipe interdisciplinar e participação familiar: concepções de profissionais e pais” (Hansel, 2012), desenvolvida na mesma área de abrangência do estudo de Bolsanello (1998), na dissertação de mestrado “As práticas de Intervenção Precoce no estado de São Paulo” (Marini, 2017) e na revisão de literatura “Análise da produção nacional de estudos sobre identificação e intervenção precoce” (Cândido, & Cia, 2014). Os achados constatam que a elegibilidade das crianças para estimulação precoce mantém-se estritamente pautada nas características do desenvolvi-mento infantil, desconsiderando fatores ambientais que possam in-fluenciar o mesmo. A esse respeito, os autores reafirmam a insuficiência que a manutenção da perspectiva tradicional de atendimento confere aos cuidados ofertados no âmbito desses serviços.
Diante desses dados e com o intuito de promover uma compreensão mais abrangente e direcionada dos modelos e práticas de IP descritos na literatura nacional, Marini, Lourenço e Della Barba (2017) conduzi-ram uma revisão sistemática integrativa da literatura publicada entre os anos de 2005 e 2015, a qual concluiu que, apesar de esforços já te-rem sido notados no caminho da transposição das práticas tradicionais, as ações de IP
parecem desenvolver-se exclusivamente aliados ao setor da saú-de, com forte prevalência de práticas voltadas à estimulação de habilidades, por meio do emprego de abordagens clínicas, estrutu-radas a partir de um modelo reabilitativo de cuidado e com enfo-que centrado na criança e no déficit (que pode ser definido como deficiência que se pode medir, quantitativa ou qualitativamente) e pautadas na identificação e intervenção sobre condições de desvio no desenvolvimento, privilegiando a atenção sobre as incapacida-des da criança (p. 7).
Considera-se, assim, que a inalteração do modelo de práticas me-canicistas e limitadas à estimulação de aspectos deficitários, adotado pelos serviços durante os últimos 20 anos, reflete falhas na atualização e capacitação profissional, assim como na própria estruturação e rea-valiação dos serviços. Dessa forma, torna-se apropriado investigar os referenciais que têm subsidiado as práticas de IP no contexto brasileiro e o quanto esses se aproximam das práticas efetivamente implemen-tadas.
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NUANCES DA RELAÇÃO TEORIA X PRÁTICA
Diante da necessidade apontada anteriormente, apresentam-se a seguir os resultados de um exercício proposto pelas autoras deste ca-pítulo com o objetivo de identificar as nuances existentes na relação entre a teoria e a prática empregadas em estudos científicos brasileiros. Para tanto, fundamentou-se na ampliação da revisão sistemática inte-grativa da literatura desenvolvida por Marini, Lourenço e Della Barba (2017). Foram adotados os mesmos procedimentos metodológicos de levantamento, seleção dos estudos, ampliando o período de recupera-ção para 2005 a 2017 (anteriormente o período correspondia de 2005 a 2015) (Marini, Lourenço, & Della Barba, 2017). A etapa de levanta-mento de dados foi realizada no mês de outubro de 2017, incluindo-se, portanto, os artigos publicados até essa data.
Ao todo, foram selecionados 12 estudos, totalizando dois a mais que na revisão anterior. A análise dos dados foi feita através da identifica-ção dos referenciais adotados para definição de IP e das práticas des-critas pelos pesquisadores. A tabela a seguir apresenta os principais resultados desse levantamento.
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Os resultados desse exercício demonstram que em pelo menos três estudos analisados, as práticas descritas são incompatíveis com os modelos teóricos nos quais se embasam (Almeida, & Valentini, 2013; Soejima, & Bolsanello, 2012; Sá, 2017). Este fato tem sido recorrente no campo da atenção à criança, onde tem-se observado a utilização de termos (ou literatura) relativamente atuais para justificar uma prática cristalizada como mecanicista, reabilitacional, sugerindo uma “moder-nização” mas que na realidade não contribui para o avanço da ciência neste campo, pois são práticas que se baseiam ainda numa visão onde o peso do déficit é colocado na pessoa, nas características individuais da criança e em uma atuação multisetorial e compartimentada, sendo as famílias submetidas a treinamento e orientações muitas vezes des-contextualizadas e longe de suas necessidades. No caso particular das pesquisas incluídas nessa revisão, foram constatadas práticas carac-terizadas como orientação quanto a exercícios miofuncionais e como “trabalhar” com a criança no seu dia a dia; treino e modelação de pais, com reforço de desempenhos; prescrição de intervenções clínicas e descrição de procedimentos de exploração visual, motora e de deslo-camento.
Segundo Serrano (2007), o enfoque da IP centrado na criança se origina dentro de um paradigma instituído no início do século XX, se-gundo o qual “no centro das dificuldades da criança estava a sua per-sonalidade ou os defeitos genéticos herdados dos pais” (Serrano, 2007). Dessa forma, a avaliação e a intervenção são focadas exclusivamente na criança, dando especial atenção a suas características biológicas e psíquicas e ao impacto delas sobre o seu desenvolvimento (Serra-no, 2007; Campbell, & Sawyer, 2007). Tal enfoque é reconhecidamente aplicado nos serviços que adotam um modelo “tradicional” de IP, no qual intervenções dirigidas são aplicadas com o objetivo de fornecer oportunidades de aprendizado e prática de habilidades, modelo esse que tem sido apontado como diretamente oposto às práticas recomen-dadas (Campbell, & Sawyer, 2007).
Ao analisar as definições de Intervenção Precoce apresentadas nos estudos brasileiros que foram alvo da presente revisão, observa-se que destoam da literatura internacional e mantém como foco a aquisição de habilidades, a melhora do estado de saúde e atuação de determi-nada área específica. O conjunto de definições apresentadas reúnem requisitos que reforçam a afirmação de uma compreensão apenas par-cial do significado de IP que vem sendo apresentado em referenciais internacionais. Os termos utilizados para definir IP abarcam, além de um conjunto de procedimentos terapêuticos para aquisição de habili-dades, a promoção de um desenvolvimento “adequado”, procedimentos
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que se baseiam em exercícios que visam garantir o desenvolvimento da criança e a maximização do seu desempenho. Também a IP é colo-cada como “disciplina terapêutica”, como um recurso para minimizar riscos que levam ao déficit. Todo este conjunto de termos utilizados pelos estudos podem levar a uma compreensão incompleta ou mesmo equivocada sobre a amplitude do termo, pois não é observada a rele-vância dos pilares colocados pela literatura internacional acerca da Intervenção Precoce: os processos de aprendizagem que ocorrem em contextos naturais, a intersetorialidade, as ações em equipes transdis-ciplinares e centradas na família.
Dessa forma, mesmo partindo de uma pequena amostra, pode-se inferir que a adoção de tais referenciais e definições, associado à des-crição de práticas que, por vezes, não os representam interfere direta-mente na qualidade da formação e da intervenção desenvolvida pelos profissionais de IP, uma vez que dados apresentados na literatura cien-tífica são empregados como fundamentação nesses contextos. Aponta--se, portanto, que há a necessidade de um empenho ainda maior dos pesquisadores que pretendem dedicar-se ao campo da IP no sentido atualizar, ampliar e aprofundar seus conhecimentos, em especial no que se refere à literatura internacional e às práticas que têm sido reco-mendadas pois, caso contrário, sugerir a adoção de práticas baseadas em evidência não será o suficiente para superar o modelo de atendi-mento técnico centrado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo objetivou apresentar um panorama de como a IP têm se desenvolvido na perspectiva brasileira. Os achados demons-tram que o modelo de IP com enfoque na deficiência da criança e em procedimentos terapêuticos é predominante no Brasil, enquanto que em outros países os movimentos de mudança se deram em consonân-cia entre a produção de conhecimento científico e ações de caráter empírico, abarcando uma discussão sobre os direitos das crianças e famílias a receberem a intervenção no momento em que necessitam. Nesse sentido, observa-se além da escassa publicação nacional sobre o tema, a necessidade de ampliar a discussão sobre as ações e pesquisas no campo da Intervenção Precoce. Finalmente, considera-se urgente um maior investimento em estudos que apontem para as realidades das famílias que são público-alvo da IP, para a instrumentalização das equipes e para a incorporação de novos referenciais teóricos.
46
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