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26 ECONOMIA A GAZETA DOMINGO, 15 DE SETEMBRO DE 2013 FORA DOS TRILHOS Mais do que ajudar no desenvolvimento das regiões Sul e Serrana do Estado, a ferrovia é uma importante parte da história dessa região LEOPOLDINA UM TREM QUE VAI DEIXAR SAUDADES VITOR JUBINI A linha férrea passa por várias cidades, entre elas, Vargem Alta. Alguns moradores trabalharam na ferrovia e muitos se sensibilizam pelo fim da ferrovia GUSTAVO RIBEIRO [email protected] Responsável pelo de- senvolvimento econô- mico de boa parte do Es- pírito Santo e Rio de Ja- neiro, a antiga Estrada de Ferro Leopoldina se vênaiminênciadedesa- parecer. Prefeitos e re- presentantes políticos do Estado estão na luta para que não somente os trilhos permaneçam no lugar, mas para que a história não se perca. E quem acompanhou de perto os tempos áureos da ferrovia, lamenta o seu possível fim. Construída com o in- tuito de transportar o café produzido na região, em meados do século XIX, e mais tarde transportar passageiros, a ferrovia foi responsável pelo desen- volvimento de várias ci- dades da região Sul e Ser- rana do Estado. Hoje ela é administrada pela Rodo- via Centro-Atlântica (FCA), que teve recente- mente a autorização da Agência Nacional de Transpostes Terrestres (ANTT) para desativar o trecho ferroviário e reti- rar os trilhos da ferrovia. VIDA NOS TRILHOS A família do aposen- tado Ivo Paradella, de 74 anosequeresideemVar- gem Alta, na Região Ser- rana do Estado, sempre trabalhou na ferrovia. O pai, e outros dois irmãos ganharam a vida nos tri- lhos. Durante 30 anos ele ocupou a função de agente de estação. O ser- viço lhe custou, em par- te, o contato com os fi- lhos. Mas apesar das di- ficuldades, Ivo lembra emocionado de seus anos no serviço. “Somente no final da minha carreira me tornei chefe de estação. Tinha que tomar conta do par- que, dos vagões e toda a movimentação. Não era fácil, até comida azeda eu comi. Lá, a gente só tinha hora fixa para entrar. Mas eu gostava do que fazia”, diz o aposentado. Ele ainda garante que as máquinas eram muito mais econômicas que os meios de transportes atuais. “Essas máquinas (trens) eram uma eco- nomia, usavam diesel e eletricidade”, lembra, saudosista. Depois de aposenta- do, ele a esposa, Nilza Lougon Paradella, de 74 anos, mudaram-se de Cachoeiro de Itapemi- rim, onde o irmão mais velho de Ivo, José Para- della Netto, de 81 anos, hoje reside. E o senhor José até hoje dedica a sua vida à ferrovia. Ele é o responsável pelo Mu- seu Ferroviário de Ca- choeiro, e gosta de falar a todos que por lá pas- sam sobre a importância da linha férrea no desen- volvimento da região e na sua história de vida. José trabalhou tanto em Cachoeiro de Itapemi- rim, quanto em Petrópolis (RJ). Ele acredita que se as linhas ainda existissem co- mo antes, ele continuaria a dedicar sua vida ao tra- balho na ferrovia. “Se voltassem e eu ti- vesse resistência, traba- lharia de novo. Eu tinha apenas uma folga por se- mana, mas eu gostava”, contou. E sobre a possí- vel retirada dos trilhos, acha que não é necessá- ria. “Se o governo pen- sasse melhor é mais fácil manterem essa estrada de ferro, do que cons- truir outra”, diz José. Já seu irmão, Ivo, não gosta de falar sobre a pos- sibilidade do fim da linha. “Não gosto nem de falar, me criei dentro da linha e antes meu pai trabalhou muito nela”, disse emocio- nado, o aposentado.

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Page 1: A GAZETA DOMINGO, 15 DE SETEMBRO DE 2013...2016/08/01  · 26 ECONOMIA A GAZETA DOMINGO, 15 DE SETEMBRO DE 2013 FORA DOS TRILHOS Mais do que ajudar no desenvolvimento das regiões

26 ECONOMIAA GAZETA DOMINGO, 15 DE SETEMBRO DE 2013

FORA DOS TRILHOS

Mais do que ajudar no desenvolvimento das regiões Sul e Serrana doEstado, a ferrovia é uma importante parte da história dessa região

LEOPOLDINAUM TREM QUE VAIDEIXAR SAUDADES

VITOR JUBINI

A linha férrea passa por várias cidades, entre elas, Vargem Alta. Alguns moradores trabalharam na ferrovia e muitos se sensibilizam pelo fim da ferrovia

GUSTAVO [email protected]

Responsável pelo de-senvolvimento econô-mico de boa parte do Es-pírito Santo e Rio de Ja-neiro, a antiga Estradade Ferro Leopoldina sevê na iminência de desa-parecer. Prefeitos e re-presentantes políticosdo Estado estão na lutapara que não somenteos trilhos permaneçamno lugar, mas para que ahistória não se perca. Equem acompanhou deperto os tempos áureosda ferrovia, lamenta oseu possível fim.

Construída com o in-

tuitode transportarocaféproduzido na região, emmeados do século XIX, emais tarde transportarpassageiros, a ferrovia foiresponsável pelo desen-volvimento de várias ci-dades da região Sul e Ser-rana do Estado. Hoje ela éadministrada pela Rodo-via Centro-Atlântica(FCA), que teve recente-mente a autorização daAgência Nacional deTranspostes Terrestres(ANTT) para desativar otrecho ferroviário e reti-rar os trilhos da ferrovia.

VIDA NOS TRILHOSA família do aposen-

tado Ivo Paradella, de 74anos e que reside em Var-gem Alta, na Região Ser-rana do Estado, sempretrabalhou na ferrovia. Opai, e outros dois irmãosganharam a vida nos tri-lhos. Durante 30 anosele ocupou a função deagente de estação. O ser-viço lhe custou, em par-te, o contato com os fi-lhos. Mas apesar das di-ficuldades, Ivo lembraemocionado de seusanos no serviço.

“Somente no final daminha carreira me torneichefe de estação. Tinhaque tomar conta do par-que, dos vagões e toda a

movimentação. Não erafácil, até comida azeda eucomi. Lá, a gente só tinhahora fixa para entrar. Maseu gostava do que fazia”,diz o aposentado.

Ele ainda garante queas máquinas eram muitomais econômicas que osmeios de transportesatuais. “Essas máquinas(trens) eram uma eco-nomia, usavam diesel eeletricidade”, lembra,saudosista.

Depois de aposenta-do, ele a esposa, NilzaLougon Paradella, de 74anos, mudaram-se deCachoeiro de Itapemi-rim, onde o irmão mais

velho de Ivo, José Para-della Netto, de 81 anos,hoje reside. E o senhorJosé até hoje dedica asua vida à ferrovia. Ele éo responsável pelo Mu-seu Ferroviário de Ca-choeiro, e gosta de falara todos que por lá pas-sam sobre a importânciada linha férrea no desen-volvimento da região ena sua história de vida.

José trabalhou tantoem Cachoeiro de Itapemi-rim, quanto em Petrópolis(RJ).Eleacreditaqueseaslinhasaindaexistissemco-mo antes, ele continuariaa dedicar sua vida ao tra-balho na ferrovia.

“Se voltassem e eu ti-vesse resistência, traba-lharia de novo. Eu tinhaapenas uma folga por se-mana, mas eu gostava”,contou. E sobre a possí-vel retirada dos trilhos,acha que não é necessá-ria. “Se o governo pen-sasse melhor é mais fácilmanterem essa estradade ferro, do que cons-truir outra”, diz José.

Já seu irmão, Ivo, nãogosta de falar sobre a pos-sibilidade do fim da linha.“Não gosto nem de falar,me criei dentro da linha eantes meu pai trabalhoumuitonela”,disseemocio-nado, o aposentado.

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ECONOMIA27DOMINGO, 15 DE SETEMBRO DE 2013 A GAZETA

VITOR JUBINI

Resistência.Seu José tem hoje 81anos e dedicou uma boaparte de sua vida ao tra-balho na estrada de ferro.Ele diz que voltaria a tra-balhar, se pudesse.

“Se voltassem e eu tivesse resistência,trabalharia de novo. Eu tinha umafolga por semana, mas eu gostava”—JOSÉ PARADELLA NETTO, trabalhou na estrada deferro e hoje coordena o Museu Ferroviário de Cachoeiro

Sim, existe uma luz no fim do túnelOprefeitodeVargemAl-

ta, João Bosco Dias, que éo representante dos novemunicípios que compõeum consórcio criado paramanter a ferrovia acreditaque a saída para evitar aretirada dos trilhos seja otrabalho conjunto. Ele fazreuniões constantes comos outros prefeitos, com ogoverno do Estado e re-presentantes da ANTT.

“Nós não vamos aceitarde maneira alguma a reti-rada dos trilhos. Fizemosuma reunião há dias com

os representantes que in-tegramaferrovia,edepoisfomos para Brasília commais cinco prefeitos. O re-sultado foi positivo, pois aANTT modificou a resolu-ção e deu a oportunidadede ouvir a sociedade”, dis-se o prefeito.

A intenção do grupoformado pelos prefeitos édar à ferrovia um maiorpotencial turístico. “A Fer-roviaLitorâneasóvai ficarprontaemcincoanos,masnão queremos competir,dáparaterasduas.Éoque

queremos”. Bosco aindaexplicouqueprojetosparamanter a ferrovia sempreexistiram, mas que com amedida a ANTT houveuma mobilização de todososmunicípiosembuscadeuma única solução.

“Nos dentro de 15 diasvamos retornar a Brasília,comoprojetodeviabilida-deeconômicadalinha.Va-mos mostrar que ela é viá-vel.Aprimeiraetapaénãodeixar retirar os trilhos edepois é o que estamos fa-zendo, a viabilidade eco-

nômica e turística e atémesmo de pessoas”, ga-rantiu o prefeito.

VIDA PARALELAA antiga Ferrovia Leo-

poldina foi o principalmeio de transporte na re-gião durante muitos anos.E os tipos de trens que cir-cularam por ela determi-navam a classe social dospassageiros. Mesmo semnunca ter trabalhado naferrovia, o aposentadoAquilino Altoé, 86, viu doportãodesuacasa,emBoa

Esperança,interiordeVar-gem Alta, o sucesso e aqueda da Linha.

“Quando vim para cánão havia ônibus, entãousávamos a ferrovia. E ti-nham os trens que eramdos pobres e o expressodos ricos. Alguns traziamcargas, e sempre embar-cava café, galinha, bana-na, tudo”, disse. Perto desua casa resiste ao tempoa “paradinha”, uma espé-cie de ponto para ostrens. “Ela foi construí-das pelos padres salesia-

nosparaospaisdealunosda escola virem visitarseus filhos”, conta.

Parte das terras ondeestá o colégio do Salesia-no Anchieta – que futura-mente terá cursos tecno-lógicos e de graduaçãooferecidos pelo Estado –foi doado pelo avô deAquilino, com a condiçãode preservar a cachoeira.Ocolégioatualmenteestádesativado, entretantoaté o deputado estadualTheodorico Ferraço estu-dou nele.

ENTENDAt Retirada

No dia 5 de julho desteano, a Agência Nacionalde TransportesTerrestres (ANTT)publicou no DiárioOficial da União aresolução que previa adesativação de 13trechos da ferrovia,sendo dois deles noEspírito Santo.

t Nova LinhaO motivo dadesativação dostrechos no EspíritoSanto é a construçãoda rodovia LitorâneaEF-118, que ligará VilaVelha ao Rio de Janeiro.A criação da novaferrovia faz parte doPrograma Integrado deLogística.

t ConsórcioOs prefeitos dascidades de Cachoeirode Itapemirim, Viana,Marechal Floriano,Domingos Martins,Alfredo Chaves,Vargem Alta, AtílioVivácqua, Muqui eMimoso do Sul, poronde a ferrovia passa,se reuniram paraformar um consórcio. Opedido é pelacontinuação daferrovia.

t ANTTO órgão mudou aresolução após reuniãocom alguns prefeitos epolíticos, realizada no dia27 de agosto. Ficoudeterminado que nãopoderá haver retiradados trilhos sem que acomunidade seja ouvida.Eles ainda pediram umprojeto de viabilidadeeconômica, que seráfeito pelo Ifes.

De família.Ivo Paradella trabalhou durante 30 anos na ferrovia. Hoje,ele diz que não gosta de imaginar o fim dos trilhos. “Eu mecriei dentro da linha e antes meu pai trabalhou muito nela”

VITOR JUBINI

No portão.Arquilino Altoé é morador do distrito de Boa Esperança eacompanhou os anos áureos e a queda da ferrovia do portãode sua casa.

VITOR JUBINI

Todos juntos.O prefeito de Vargem Alta, João Bosco Dias, se uniu a outrosprefeitos da região para tentar salvar a ferrovia. “Nós nãovamos aceitar de maneira nenhuma a retirada dos trilhos”.

VITOR JUBINI

Documento:AG15CAEO027;Página:1;Formato:(274.11 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:14 de Sep de 2013 12:51:13