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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Nei da Silva A Fermentação na Obra de Thomas Willis (1621 – 1675) Doutorado em História da Ciência SÃO PAULO 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Nei da Silva

A Fermentação na Obra de Thomas Willis

(1621 – 1675)

Doutorado em História da Ciência

SÃO PAULO

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Nei da Silva

A Fermentação na Obra de Thomas Willis

(1621 – 1675)

Doutorado em História da Ciência

Tese apresentada a Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em História da Ciência sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Maria Alfonso – Goldfarb.

SÃO PAULO

2016

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BANCA EXAMINADORA

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À Carla, por todo carinho, força e estímulo dedicados a mim nesses anos

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Pesquisa financiada com bolsa concedida pela agência de

fomento do Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior – CAPES, entre os anos de 2012 e

2016.

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Agradecimentos

Decidir-se pelo estudo, atualmente, faz de nós seres diferentes. Comprometer-

se com o conhecimento e com a pesquisa como parte principal de sua vida,

transforma-nos... Quando decidi fazer o doutorado, renunciei à minha vida

social, aos amigos e, muitas vezes, à família. Contudo, minha família e meus

amigos verdadeiros trilharam esse caminho comigo e apoiaram minha decisão,

ficando ao meu lado a cada novo passo dado, com amor, compreensão e

carinho, transformando essa jornada em mais uma página incomparável do

meu Livro da Vida.

Agradeço a Deus por esse momento e a conclusão dessa etapa;

Em especial, à minha orientadora, Professora Doutora Ana Maria Alfonso-

Goldfarb, por sua imensa generosidade, carinho e, principalmente, a

oportunidade e a honra de ser seu orientando em anos de mestrado e

doutorado, que me fizeram enxergar o mundo acadêmico com olhar crítico e

reflexivo, proporcionando desbastar um pouco mais dessa pedra bruta que sou.

Deixo registrada minha eterna admiração e gratidão;

Aos meus pais, Carmelita Pereira de Carvalho Silva e Luiz Ferreira da Silva

Filho, por serem a Grande Luz em minha vida;

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As professoras Márcia Mendes Ferraz e Maria Helena Roxo Beltran, sempre

contundentes e aplicadas em seus apontamentos, com seus conselhos e

atenção, desde o princípio;

Ao Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência, por permitirem

minhas pesquisas e auxiliarem na busca das fontes;

À minha família e meus amigos, pela compreensão que tiveram com minhas

ausências e negativas aos convites que me foram feitos;

Aos meus caros Irmãos de Ordem, que entenderam minhas ausências e

sempre emanaram energias positivas para que tudo fosse justo e perfeito;

Aos colegas e amigos do JODE e da UNINOVE, que compreenderam meu mau

humor característico e respeitaram meu isolamento;

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

pelo apoio financeiro, sem o qual essa tese não teria sido possível.

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RESUMO

O presente trabalho tem como foco de investigação o conceito de

fermentação contido em tratados do médico e filósofo natural seiscentista

Thomas Willis. Para tanto, delineamos, no primeiro capítulo, alguns dos

aspectos centrais à biografia de Willis, tais como os lugares institucionais,

círculos sociais e de estudos que frequentou no contexto de Guerra Civil

Inglesa. No segundo capítulo, analisamos o conjunto de fontes científicas que

influenciaram o nosso autor. Nossa intenção foi entender de que maneira tais

fontes formaram o pensamento e as obras de Willis, sobretudo, a que foi objeto

de nosso último capítulo: Diatribae duae medico-philosophicae – quarum prior

agit de fermentatione. No terceiro capítulo, analisamos os cinco primeiros

capítulos do referido tratado, nos quais Willis oferece as bases e justificativas

dos processos de fermentação. Nesse sentido, verificamos que a “doutrina da

fermentação” – considerada por Willis essencial para a compreensão de todas

as transformações existentes em todo o “mundo sublunar” – foi, de fato, basilar

para seus estudos de maneira continua e desde o início de sua carreira.

Palavras Chave: Thomas Willis; Século XVII; Fermentação; Oxford; Guerra

Civil Inglesa.

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ABSTRACT

The aimy of this study is to understand the concept of fermentation

contained in treaties of the doctor and natural philosopher, seventeenth century,

Thomas Willis. Therefore, we outlined in the first chapter, some of the central

aspects of the Willis biography such as institutional places and social circles

and studies attended in the English Civil War context. In the second chapter, we

analyze the set of scientific sources that influenced our author. Our intention

was to understand how such sources formed the thinking and the work of Willis,

above all, that was the object of our last chapter: Diatribae duae medico-

philosophicae - quarum prior agit of fermentatione. In the third chapter, we

analyze the first five chapters of the treaty, in which Willis provides the basis

and justification of fermentation processes. In this regard, we note that the

"doctrine of fermentation" - considered by essential Willis for the understanding

of all the transformations throughout the "sublunar world" - was, in fact,

fundamental to their studies in a continuous manner and since the beginning of

your career.

Keywords: Thomas Willis; XVII century; Fermentation; Oxford; English Civil

War.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12

CAPÍTULO I:

Thomas Willis: Alguns traços biográficos, contextuais e historiográficos ......... 14

1. Thomas Willis: formação acadêmica e foco historiográfico ............ 15

1.1 Thomas Willis em perspectivas historiográficas .................................. 20

2. Espaço e rede social: Colleges e coffeehouse em Oxford no

contexto de Guerra Civil ............................................................................. 26

2.1 Thomas Willis e o Christ Church college ............................................. 27

2.2 O Wadham College e o “Oxford Club” ................................................. 35

2.3 Coffeehouse: uma rede não institucional ............................................. 38

2.4 Thomas Willis: vida profissional após a Restauração. ......................... 40

Conclusão .................................................................................................... 42

CAPÍTULO II:

Thomas Willis no contexto das ideias químicas, médicas e teológicas no século

XVII .................................................................................................................. 44

1. Jan Baptista van Helmont (1579-1644) ............................................... 46

1.1 Van Helmont e as teorias de Fermentação .......................................... 49

2. Paracelso (1493 - 1541) ........................................................................ 54

3. William Harvey (1578-1657).................................................................. 57

4. Thomas Willis: Teologia Natural e Anglicanismo .............................. 59

4.1 Cérebro e mente: Debates teológicos e filosóficos .............................. 65

4.2 Ressurreição ........................................................................................ 72

4.3 Médico e Sacerdote ............................................................................ 74

CAPÍTULO III:

De Fermentatione: publicação, recepção e algumas notas analíticas. ............. 76

1. De Fermentatione – publicação e recepção ....................................... 77

2. Temática química analisada por Willis em De Fermentatione .......... 81

a. Thomas Willis e os “princípios das coisas naturais” ......................... 83

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b. Considerações sobre os “princípios e propriedades da química” .... 87

c. A Fermentação no contexto do reino mineral .................................. 95

d. A Fermentação no contexto do reino vegetal ................................... 98

e. A Fermentação no contexto do reino animal .................................. 100

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 104

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 107

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INTRODUÇÃO

Thomas Willis viveu em um período de grandes transformações, fraturas

e reconstruções políticas e intelectuais no século XVII. Por um lado, este

estudioso de filosofia natural teve sua vida marcada por um contexto de

regicídio, de revoltas sociais e de mudanças nos eixos de poder na sociedade

inglesa do período. Nesse sentido, sendo de tendências claramente

monárquicas, Willis viveu de perto a experiência da Guerra Civil Inglesa, que

teve como um de seus epicentros a região de Oxfordshire, onde se situava a

universidade de Oxford.

A Oxford do século XVII constituiu, da mesma forma, o epicentro de

outras transformações relativas à filosofia natural do período. Um dos indícios

de tais transformações encontra-se na quantidade e qualidade de estudiosos

de Oxford, Cambridge e Londres, conectados pelo interesse comum nas

denominadas novas ciências, em torno da qual se formou o “Oxford Club”.

Neste contexto, grandes estudiosos como John Wilkins, Robert Boyle e

Christopher Wren, só para citar alguns, viveram e trabalharam com Thomas

Willis neste contexto e estiveram diretamente envolvidos na fundação da Royal

Sociey.

Inserido neste duplo epicentro de transformações na Inglaterra do

seiscentos, Willis estudou medicina e produziu uma série de trabalhos

considerados por muito tempo, pela historiografia, como “neurológicos”. Nesse

sentido, é comum encontrar na produção sobre este estudioso inglês,

referências à sua pessoa como “pai” ou um dos fundadores da “ciência da

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neurologia” ou designações eivadas de concepções presentistas calcadas em

nomenclaturas e noções circunscritas à neurociência atual.

A presente tese busca, no entanto, interpretar algumas ideias de Willis

em um contexto histórico e conceitual mais próximo dos problemas e ideias

que, de fato, movimentaram filósofos naturais no século XVII. Para isso,

recorremos às inflexões historiográficas na história da ciência ocorridas desde

os anos 1960, onde a filosofia química e a medicina, que por várias décadas

estiveram fora da rota dos estudiosos interessados nas origens da ciência

moderna, passaram a ser vistas como chaves essenciais para o estudo do

mundo natural. Recorremos ainda aos desdobramentos teóricos e

metodológicos seguidos por estudiosos da ciência do seiscentos até hoje. Um

destes desdobramentos consiste numa delicada conjunção entre esferas de

análise contextual, epistemológica e historiográfica1.

Com base neste esquadro teórico e metodológico, procedemos com

uma análise documental de fração de um dos tratados publicados por Thomas

Willis, em 1659, sob o título Diatribae Duae Medico-Philosophicae.

Selecionamos o tratado De Fermentatione, cuja intenção foi explicitar a base

química para o tratamento de doenças graves e comuns no período, como a

febre. Trata-se, nesse sentido, da incorporação, por parte de Willis, de um

arcabouço explicativo, no âmbito da medicina, de determinadas interpretações,

parâmetros e princípios baseados fundamentalmente na química do período.

                                                            1 Cf. Alfonso-Goldfarb, “Centenário Simão Mathias”, 5-9.

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CAPÍTULO I

Thomas Willis: Alguns traços biográficos, contextuais e historiográficos

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1. Thomas Willis: formação acadêmica e foco historiográfico

Em 1650, aos 29 anos, Thomas Willis (1621-1675) ficou amplamente

conhecido no condado de Oxfordshire em decorrência de seu envolvimento em

um caso incomum de quase-morte. A vítima era Ann Green, uma serva de 22

anos que, segundo relatos da época, havia sido seduzida pelo filho de seu

empregador. A garota ficou grávida e, ao dar à luz ao filho natimorto, foi

acusada de cometer infanticídio. Green foi considerada culpada pelo

assassinato e condenada à morte por enforcamento. Declarada morta pelos

executores da sentença, foi colocada em um caixão e levada para que os

médicos William Petty (1623 - 1687), Ralph Bathurst (1620 - 1704), Henry

Clerke (1619 - 1687) e Thomas Willis fizessem a dissecação do cadáver. Ao

abrir o caixão, no entanto, os médicos encontraram-na respirando com

dificuldades. A garota recuperou a saúde por completo, ganhou notoriedade na

região de Oxford, foi perdoada, casou-se e teve três filhos2.

A circunstância em que o corpo de Green chegou às mãos de médicos

na Oxford setecentista teria surgido a partir do costume de conceder o cadáver

de um executado criminal para um professor de anatomia da universidade, a

fim de que fosse utilizado para dissecção no contexto de aulas de medicina3.

O conhecido caso de Green aponta para importantes elementos

históricos e sociais que poderiam ser explorados. O tópico das relações de

gênero e poder no século XVII constitui apenas um exemplo4.

                                                            2 Trevor, “Miraculous deliverance”, 58. 3 Ibid., 408-410. 4 Anglican Perspectives on Gender: Some Reflections on the Centenary of St Hugh's College, Oxford, 299-304.

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Todavia, especificamente a fim de introduzir o tópico deste capítulo, o

caso também sugere importantes aspectos biográficos de Thomas Willis, a

saber, a prática médica da dissecação em aulas na Oxford setecentista onde

Willis tornou-se altamente perito5 e a sua relação com outros estudiosos do

período e do movimento de fundação de uma “nova ciência”.

Tomemos, por exemplo, a figura de William Petty, um dos médicos

envolvidos no caso e Tomlins reader em Anatomia, em Oxford, durante os anos

1650. Nos anos consecutivos à rendição de Oxford para as forças

parlamentares, em 1646, Petty iniciou Willis no campo da química e anatomia.

As relações pessoais e lugares de formação de Petty são indicativo do tipo de

ideias científicas que viriam a influenciar Willis.

Petty possuía estreitas relações com membros importantes da

comunidade intelectual e política de Londres e Oxford. Dentre eles, Francis

Rouse (1579-1659), Samuel Hartlib (1600-1662), Thomas Kelsey (governador

de Oxford entre 1646 e 1651) e Henry Cromwell (1628-1674). Petty realizou

seus estudos em química, em Paris, sob a supervisão de William Davisson

(1593-1669) e medicina, em Leiden, sob a supervisão de Franciscus Sylvius

(1614-1672). Petty adquiriu a convicção de que o conhecimento químico era

fundamental no desempenho da prática médica6.

Tal perspectiva de imbricamento entre a química e a medicina do

período exerceu, ao mesmo tempo, um profundo impacto na formação de

Willis; e um caráter definidor de uma tradição alternativa de investigação

cientifica que se tornou influente no século XVI e ao longo do século XVII,

                                                            5Frank Jr, Scientific Biography, 408. 6 Willis, “The Restoration and the First Works of Neurology”, 528. Para uma descrição densa da relação de Petty com o contexto intelectual do período, vide Rattansi, “The Intellectual Origins of the Royal Society”; Payne, Dispassion in Early Modern England, 27.

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sobre a qual os trabalhos dos médicos Jean Baptista van Helmont (1579-1644)

e Paracelso (1493-1541) teriam grande influência.

Thomas Willis realizou toda sua formação acadêmica na Universidade

de Oxford. Em 1637, matriculou-se na universidade e, em 1646, recebeu a

primeira titulação em medicina7. A região geográfica mais ampla de Oxfordshire

foi também o lugar onde Willis residiu desde a morte da mãe, em 1631, quando

se mudou com o pai e dois irmãos para Berkshire, um quilometro e meio do

condado de Oxfordshire8.

Antes de adentrar a universidade, Willis foi educado formalmente na

adolescência por Edward Sylvester, um notório especialista em grego que

mantinha uma escola privada na All Souls Parish, em Oxford, e que também

tinha sido tutor de John Wilkins (1614-1672). Décadas a frente, ambos os

estudantes de Sylvester estariam diretamente envolvidos na fundação de uma

das mais importantes instituições ligadas à ciência do período: a Royal

Society9.

                                                            7 Posteriormente, trataremos em maior detalhe a formação médica naquele contexto. 8 Frank Jr., Scientific Biography, 404. 9 Ibid.

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Figura 1 Gravura de Thomas Willis

Willis ingressou na universidade em um momento em que a instrução

médica em Oxford não era tão avançada quanto nas universidades

continentais, para onde foi grande percentagem dos ingleses que desejavam

tornar-se médicos. O procedimento mais comum de educação neste contexto

era viajar pelas grandes universidades do continente aprendendo com os

melhores mestres em cada lugar. Leyden, Pádua, Paris, Montpellier,

Heidelberg e Basel foram os mais populares destinos dos estudantes. Depois

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de obter o diploma estrangeiro, o estudante voltava para a Inglaterra e

incorporava o grau acadêmico de Oxford ou Cambridge10.

Em Oxford, as normas para incorporação do grau eram definidas pelo

Caroline Code. O candidato deveria obter o consentimento expresso do Vice

Chancellor, do Professor [de Medicina], de três médicos do mesmo college e

dos procuradores ou da maioria das pessoas acima mencionadas11.

Em ambas as universidades, a incorporação foi em grande parte uma

formalidade. As universidades inglesas eram essencialmente conservadoras

em seus currículos e burocracia. Homens como Willis e Thomas Sydenham

(1624-1689), por exemplo, tornaram-se grandes médicos não tanto com base

na instrução formal que receberam, mas apesar dela12.

No final do século XVII, momento de várias mudanças no corpo do

conhecimento médico, as universidades ainda obrigavam os professores a

ensinar medicina a partir de Hipócrates e Galeno. Grande parte dos estudos

que transformaram profundamente a maneira de estudar a ciência do período

foram introduzidos, como veremos mais adiante, em contextos

extracurriculares, como colleges, clubes filosóficos; e espaços públicos, como

as coffeehouse.

                                                            10 Allen, “Medical Education in 17th Century England”, 115-143. 11 Cf. Frank Jr. “Science, Medicine and the Universities of Early Modern England”, 194-216. 12 Cf. Allen, 115-143.

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1.1 Thomas Willis em perspectivas historiográficas

No contexto da educação médica de Willis, a vertente anatômica de

suas preferências profissionais tem sido quase sempre o destaque nas

análises historiográficas13. Em vários textos, encontram-se referências a seu

papel de “pai” ou um dos fundadores da “ciência da neurologia”. Trata-se de

designações eivadas de concepções presentistas calcadas em nomenclaturas

e noções circunscritas a neurociência atual14. Mesmo a principal referência

biográfica de Willis15 segue esta linha argumentativa e, embora identifique nos

trabalhos fisiológicos de Willis a importância do conceito de fermentação, não

menciona nada, além do contido nas últimas duas linhas da biografia, relativo à

complexa nervura histórico-intelectual que permeou o centro das discussões

científicas naquele contexto. Esta vertente de análise histórica normalmente

deixa de fora o significado e o contexto das ideias científicas do período em

que se está investigando.

Seguindo essa crítica, desde os anos 1960, a partir de inflexões

historiográficas na história da ciência e fundamentados no esforço de recriar o

mundo de autores e fenômenos do passado, vários elementos antes

considerados “lixo” ou “aberrações” passaram a ser vindicados como parte do

contexto de produção da ciência na primeira modernidade16. Nesse sentido, a

religião, além de determinadas compreensões alquímicas do universo, bem

como toda sorte de visões escatológicas do mundo passaram a ser

                                                            13 Symonds, “Thomas Willis”, 91-97. 14 Cf. Caron, “Thomas Willis, the Restoration and the First Works of Neurology”, 525-53. 15 Cf. Frank Jr, Scientific Biography, 408. 16 Cf. Pagel, "The Vindication of Rubbish," 42-51 e McGurie, J.E, Ratansi, P.M, “Newton and Pipes of Pan”, 108-143.

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interpretadas como ingredientes de um complexo caldo de culturas dentro da

qual teria emergido alguns contornos da denominada ciência moderna17. Em

decorrência disso, a história da ciência dos séculos XVI e XVII pode ser

acessada dentro de um plano mais rico em textura histórica do que a antiga

visão progressiva na qual os caminhos históricos da ciência necessariamente

levariam ao sucesso da racionalidade humana e os agentes, ideias e

comunidades dignos de estudo deveriam ser representantes cabais de tal

sucesso18.

Nesse contexto de revisão historiográfica, a química e a medicina, que

por várias décadas estiveram fora da rota de interesses dos estudiosos

interessados nas origens da ciência moderna, passaram a ser vistas como

chaves essenciais para o estudo do mundo natural. Além disso, autores outrora

associados ao desenvolvimento da uma nova ciência, como Marin Marsenne,

Pierre Gassendi e Joahnnes Kepler, passaram a ser estudados com base em

seus interesses pela visão química de filósofos da primeira modernidade19.

Sob o mesmo token, com base em análise documental, percebe-se que

Thomas Willis incorporou em seu arcabouço explicativo, para o âmbito da

fisiologia, determinadas interpretações, parâmetros e princípios baseados

fundamentalmente na química do período, o que não era uma irregularidade

para a época.

Afinal, durante o século XVII, os trabalhos de químicos eram quase

sempre associados à medicina20. Dessa forma, seguimos, neste trabalho, o

                                                            17 Cf. Debus, Man and Nature in the Renaissance; Pagel, "The Vindication of Rubbish," e McGurie, J.E, Ratansi, P.M, “Newton and Pipes of Pan”,108-143. 18 Sobre a crítica Whig, ver Butterfield, The Whig Interpretation of History. 19 Debus, “Chemical Key to the Scientific Revolution”, 19. 20 Debus, Chemistry and Medical Debate, 73.

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indício de que os textos e o contexto intelectual no qual Willis estava imerso,

apontam para a integração do pensamento médico e químico no setecentos.

Desde a referida inflexão historiográfica, um considerável número de

historiadores tem enquadrado a emergência da nova ciência na Inglaterra, em

parte, no contexto dos debates entre ideias tidas à época como mais

tradicionais, o humoralismo e a concepção Galênica do corpo, por exemplo, e

as novas concepções iatroquimicas (especialmente baseadas nos trabalhos de

Paracelsus e Van Helmont)21, bem como as ideias corpusculares22.

É possível, nesse sentido, afirmar que parte considerável da

historiografia que analisa autores ligados ao contexto médico e químico da

primeira modernidade ainda desconsidera a chave química para a

compreensão da produção intelectual do período. A ausência dessa chave tem

levado vários autores a tratarem a relação da prática medica de Willis com a

química de uma forma puramente funcionalista, como veremos a seguir.

Há ainda uma terceira linhagem historiográfica de reflexão sobre os

trabalhos de Willis. Ela não diverge completamente da segunda, pois também

insere, em sua análise, elementos considerados exotéricos à prática da ciência,

porém não dão a devida atenção ao papel da filosofia química do período.

William Bynum, por exemplo, focando mais na maneira como as

compreensões religiosas de Willis enformaram profundamente sua pesquisa

sobre o cérebro e os nervos, mostrou como as observações anatômicas de

Willis foram moldadas pela noção de hierarquia e perfeição das criaturas

                                                            21 Cf. Alfonso-Goldfarb et all. “Seventeenth-Century ‘Treasure’ Found in Royal Society Archives: The Ludus Helmontii and the Stone Disease”, 232. 22 Cf. Crignon, “The Debate About Methodus Medendi”, 341.

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divinas23. Já Robert Frank Jr. descreve a maneira pela qual Willis atribui

doenças mentais e comportamentais a determinados defeitos na alma animal

contida no corpo, o que teria sido motivado por seu desejo em preservar a

dignidade e perfeição da alma racional24. Robert Martensen, sob uma

perspectiva mertoniana, trata da associação entre puritanismo e ciência inglesa

do século XVII, bem como do impacto da política e da teologia anglicana no

conteúdo e recepção do pensamento médico do período25.

Já Michael Hawkins defende que a neurologia das paixões de Willis foi

fundamentalmente moldada por suas experiências durante as Guerras Civis

Inglesa e o Interregno. Para Hawkins, Willis acreditava que as paixões

violentas causavam doenças graves capazes de destruir a ordem e a

estabilidade da sociedade. Nesse sentido, sua neuropatologia lhe daria a

capacidade tanto de curar os corpos dos seus pacientes quanto de promover a

paz dentro do corpo político26.

Em semelhante vertente interpretativa, Louis Caron defende que os

trabalhos fisiológicos de Willis foram produtos diretos de sua experiência no

contexto político e religioso da Guerra Civil inglesa e da Restauração. Dessa

forma, defender afirmações teológicas contidas no Manual litúrgico anglicano, o

Book of Common Prayer, sobre a relação do corpo com mente significava, na

visão de Caron, assegurar a autoridade anglicana em um contexto de governo

cromwelliano e puritano. Mesmo que para isso Willis tivesse que se dedicar à

                                                            23 Bynum, “The Anatomical Method”, 445-68. 24 Frank Jr, “Thomas Willis and his Circle”, 107-46. 25 Martensen, “‘Habit of Reason’: Anatomy and Anglicanism in Restoration England”, 511–35; e The Brain Takes Shape, 118-21. 26 Hawkins, “‘A Great and Difficult Thing’”, 15-38.

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anatomia e “evidenciar”, por exemplo, que havia uma conexão direta entre

coração e o cérebro27.

Embora estes trabalhos tenham aumentado a compreensão geral sobre

Willis, eles nos fornecem uma imagem claramente incompleta em virtude da

ausência de uma análise que considere a relação entre o desenvolvimento das

teorias filosóficas, médicas e químicas de Thomas Willis. Talvez uma

explicação para tal limitação seja o fato de não haver uma análise documental

mais profunda dos principais trabalhos químicos de Willis, dentre eles, uma de

suas primeiras publicações, The Fermentatione (1656).

Mesmo Michael Hawkins, um exemplo entre os que chegam a

considerar trabalhos de Willis de inspiração química, mas que se resumem a

avaliar a função que o conhecimento químico teria na sua carreira médica, não

situa o trabalho Diatribae duae (1663) nos marcos da filosofia química do

período. Antes, opta-se por um caminho analítico de vertente funcionalista dos

trabalhos de Willis, no qual a identidade profissional, o sistema de patronagem

e sua consequente ascensão social constituem os prismas analíticos da

pesquisa. Nesse contexto, Hawkins trata das razões sociais que teriam levado

Willis, um médico de formação, a se interessar e praticar a química do período,

ao mesmo tempo que perde de vista o contexto intelectual que ligava a

medicina com a filosofia química do período28.

Hawkins faz ainda uma divisão entre uma medicina tradicional em que

Willis teria se formado e que, até o contexto da guerra civil, praticava no

condado de Oxfordshire; e uma medicina de caráter mais vulgar e mais fácil de

representar para os leigos. Os leitores que aguardam um esclarecimento dos

                                                            27 Cf. Caron, 525–553. 28 Cf. Hawkins, “Piss Profits”, 1-24.

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25 

 

fundamentos epistemológicos entre uma e outra medicina, ou uma justificação

contextualizada de tal divisão, precisam contentar-se com a ideia de que a

divisão cumpria uma função social, isto é, dava a Willis a possibilidade de

representar, com base em partículas químicas, a medicina praticada, o que

seria uma vantagem a mais de sua pratica médica em relação aos seus

concorrentes29.

Hawkins expressa algumas dessas ideias, citando o próprio texto de

Willis:

“Das substâncias que chamo de partículas, homens rudes podem certamente perceber, com a ajuda de seus sentidos presentes nas coisas: além dos nomes enxofre, sal, espírito, o resto é mais conhecido do que a matéria e forma os quatro princípios dos peripatéticos30”.

Hawkins propõe uma interpretação imediatamente a esta passagem

dizendo que Willis enfatizava a maneira pela qual a filosofia química era "mais

conhecida" pelas pessoas comuns do período, letrados e analfabetos, do que a

filosofia escolástica e que, por esta razão, a adoção de uma abordagem

química representaria uma decisão de negócios mais sábia por que atendia às

necessidades e expectativas do "mercado médico"31. Nesse sentido, para

Hawkins, a razão para o imbricamento entre a filosofia química e a prática

médica de Willis se dava estritamente por razão de mobilidade profissional32.

Veremos, no capítulo III, que os mesmos termos citados por Willis, e não

analisados por Hawkins: enxofre, sal, espírito, constituem chaves fundamentais

para o entendimento do próprio conceito de fermentação.

                                                            29 Ibid.,13. 30 Willis, De Fermentatione, 83 apud In Hawkins, “Piss Profits”, 86. 31 Hawkins, “Piss Profits”, 13. 32 Ibid.,17.

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26 

 

Na mesma linha funcionalista de análise, Willis teria chegado aos

círculos da Royal Society na medida em que, de acordo com Hawkins, Willis

forjou para si uma identidade profissional baseada no domínio da filosofia

química do período, o que teria despertado o interesse de outros estudiosos

ligados ao Oxford Philosophical Club, um dos núcleos propulsores da Royal

Society33.

Temas como o hermetismo e os trabalhos de van Helmont ocupam

pouquíssimas linhas na análise de Hawkins. De fato, grande parte da

historiografia que trata de Willis reconhece a filosofia química como parte do

mindset médico deste autor, porém não esclarece para os leitores o que

significam tais ideias para o período, muito menos os problemas e debates que

as alimentam no seiscentos.

2. Espaço e rede social: Colleges e coffeehouse em Oxford no contexto de Guerra Civil

O conjunto de indivíduos ligados a Thomas Willis é indicativo da

conjunção de interesses intelectuais que compunham o ambiente no qual

ensinou e escreveu nosso autor. A reconstrução da rede pessoal de um

estudioso como Willis pode ser realizada com base na análise de suas cartas e

outros textos de natureza privada. Neste nível, parece possível identificar, não

apenas as suas conexões pessoais, como também suas ideias ou as

informações sigilosas reservadas a poucos e que não deveriam chegar ao

público mais amplo.                                                             33 Ibid.,18.

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No entanto, também é possível reconstruir sua rede social a partir dos

lugares institucionais (os colleges e universidades, por exemplo) e dos espaços

públicos (as coffeehouse, por exemplo) nos quais Willis esteve envolvido.

A universidade de Oxford foi um dos principais espaços institucionais em

que Willis exerceu diversas atividades sociais e intelectuais ligadas à ciência do

período. De maneira mais precisa, dois colleges, o Christ Church e o Wadham

College, constituíram os principais espaços acadêmicos em que fermentavam

as ideias que exerceram grande influência tanto na produção cientifica de Willis

quanto nos caminhos que sua trajetória profissional tomaria após o fim da

guerra civil e o início da Restauração. Destaca-se, nesse sentido, uma

trajetória que coincide, em muitos pontos, com a da criação da Royal Society.

2.1 Thomas Willis e o Christ Church college

Em março de 1637, Willis matriculou-se no Christ Church college. Trata-

se de um dos espaços institucionais em que Willis foi educado e construiu

várias de suas conexões sociais no período. Três personagens cujos trabalhos

foram fundamentais para a cultura científica das décadas posteriores, Robert

Hook (1635 – 1703), Richard Lower (1631 - 1691) e John Locke (1632 – 1704),

por exemplo, foram alunos e trabalharam diretamente com Willis no Christ

Church.

Em 1653, Hooke ingressou no Christ Church e, 3 anos depois, foi

contratado como assistente de estudos químicos de Willis. Já Lower estudou

primeiramente na Westminster School e, em seguida, no Christ Church, em

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Oxford, onde trabalhou com medicina por 10 anos até obter grau de doutor, em

1665. Lower também estudou sob a supervisão de Willis e publicou defesas

dos trabalhos de Willis sobre febre34.

Além de Hooke e Lower, John Locke, mais conhecido pela historiografia

geral por suas ideias filosóficas do que as médicas, também foi aluno de Willis.

Oriundo do condado de Somerset, no sudoeste da Inglaterra, de família

puritana e parlamentarista, Locke – assim como Hooke, Christopher Wren

(1632-1723) e Arthur Dee (1579-1651), indivíduos importantes do fermento

intelectual do período – foi educado, inicialmente, na Westminster School. Da

mesma forma que Richard Lower, Locke foi aceito diretamente no Christ

Church, em 165235.

Neste contexto de formação, Locke teve contato com Thomas Willis e

Robert Boyle e rapidamente voltou sua atenção para a filosofia natural e

medicina. Várias palestras ministradas por Willis nestes campos do

conhecimento foram registradas tanto por Lower quanto por Locke.

Durante a década de 1650, Locke não apenas esteve envolvido em

experimentos com animais, para demonstrar a veracidade da teoria da

circulação sanguínea de Harvey, como praticou medicina a serviço do Conde

de Shaftesbury (1621-1683), uma das figuras mais poderosas, na Inglaterra,

nas duas primeiras décadas após a restauração36.

                                                            34 Cf. O’Connor. “Thomas Willis and the Background to Cerebri Anatome”,139-143. 35 Dooley. The Labour Theory of Value, 34. 36 Cooper, Stanford Encyclopedia of Philosophy, Book One.

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Figura 2 Collegium Aedis Christi [Christ Church College] Oxford, 1675 37

O Christ Church College foi o décimo terceiro dos atuais colleges de

Oxford a ser fundado. Sua fundação se deu em 1546 e foi antecedida pela

obtenção, por parte do Cardeal Thomas Wolsey (1473-1530), antes de perder o

favor do rei Henrique VIII, de uma bula papal para a dissolução do convento

agostiniano de Stª. Frideswide. Assim, a área em torno do convento foi

ocupada por casas particulares, estalagens, pequenas igrejas e pelo antigo

Canterbury College (o principal colégio monástico usado pelos monges do

Christ Church)38.

                                                            37 David Loggan (1634-1692). Imagem publicada na primeira edição do Oxonia Illustrata. (1675). 38 Cf. Tyacke, The History of the University of Oxford.

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Figura 3 Christ Church College39

Quase cem anos depois, o college voltaria a confirmar sua vocação

monarquista ao receber, em contexto de guerra civil, o rei Charles I. Durante a

guerra, o rei fez do Christ Church sua capital. Enquanto Charles I residia na

reitoria, seu parlamento estabeleceu-se no Hall do college, o conselho privado

acomodou-se nos alojamentos canônicos da parte oeste do Hall e a catedral do

college foi palco de casamentos e funerais de membros da corte. O prestigioso

Tom Quad (centro da figura 1), um dos maiores pátios em Oxford, foi utilizado

como ponto de parada para soldados em constante conflito na região de

Oxfordshire40.

                                                            39 David Loggan (1634-1692). Imagem publicada na primeira edição do Oxonia Illustrata. (1675). 40 Cf. Tyacke, 172.

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A guerra civil inglesa – com suas várias etapas, que se alternaram entre

1642 e 1651 – foi um dos eventos mais dramáticos da história britânica41. A

fratura política entre monarquistas e parlamentaristas constituiu um dos

principais pontos de tensão na sociedade inglesa do século XVII. Devido ao

tradicional alinhamento da região de Oxford à monarquia, a fase inicial do

conflito foi arrastada para lá e, consequentemente, para dentro da universidade

e para a vida de Willis. A própria ida do rei para Oxford aguçou uma série de

rivalidades políticas e religiosas já existentes na região. Nesse sentido,

Oxfordshire foi um dos últimos bastiões da monarquia e derradeiro recanto a

ser tomado, em 1646, pelas forças parlamentares de Oliver Cromwell (1599-

1658)42.

Thomas Willis, de clara tendência monárquica, teve sua situação de vida

mudada significativamente quando a turbulência da guerra chegou a Oxford.

Pouco mais de dois meses depois de receber o seu M.A. em medicina, Willis

foi forçado a fugir para a residência de seus familiares a poucos quilômetros da

Universidade.

De 1646 até 1660, ou seja, durante o período tradicionalmente

denominado Interregno, a universidade ficou sob o controle dos

parlamentaristas. O Interregno inglês é, normalmente, designado como um

período republicano na Inglaterra do seiscentos, compreendendo o

denominado Protetorado de Oliver Cromwell, depois do regicídio de Carlos I,

em 1649, e antes da Restauração de Carlos II, em 166043.

                                                            41 Para discussão ampla e detalhada da guerra civil inglesa cf. Cust & Hughes, The English Civil War; Hill, “The World Turned Upside Down”; Marsh, “Order and place in England”; Wrightson, “‘Sorts of People’ in Tudor and Stuart England”; French, “Social status, localism and the ‘Middle Sort of People’ in England 1620–1750”. 42 Cf. Tyacke, The History of the University of Oxford 43 Cf. Hawkins, “Piss Profits”, 1-24.

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No contexto do Interregno, a residência de Willis ficava em uma posição

estratégica ao longo do rio e estradas, entre Oxford e Abingdon, áreas em que

inúmeras batalhas foram travadas. Trata-se de um período conturbado da vida

do nosso autor, pois, além das agruras sofridas com a guerra, Willis também

sofreu a perda do pai em virtude de uma febre epidêmica que assolava

Oxfordshire. Willis teria retornado à Universidade em 1644, depois de sofrer

frequentes ataques das forças parlamentares em sua residência. Ao retornar à

Oxford Willis, alistou-se no exército monarquista e serviu até a Universidade

render-se às forças parlamentares, em 24 de junho de 164644.

Apesar da rendição da universidade, a oposição monarquista floresceu

por mais dois anos em Oxford, devido à fragmentada presença militar das

autoridades parlamentares na região. Alguns personagens clérigos ligados a

Willis foram fundamentais nesse processo de resistência monárquica. Samuel

Fell (1584-1649), nomeado vice-chanceler, em 1645, Gilbert Sheldon (1598-

1677) e Henry Hammond (1605 - 1660) – sub-reitor do Christ Church College –

organizaram a resistência dentro dos quadros administrativos e

governamentais da Universidade. Sheldon e Hammond também faziam parte

de uma delegação que concebeu uma série de estratégias que possibilitou, a

todos os membros da universidade, resistir às autoridades parlamentares45.

Durante o Interregno, essas autoridades (os parliamentary Visitors, como

eram conhecidos) eram constantemente enviadas de Londres para Oxford, a

fim de examinar as lealdades políticas de todos os membros da Universidade e

dos colleges e, ainda, exigiam que executassem juramentos de lealdade na

intenção de manterem seus trabalhos na universidade. A combinação de

                                                            44 Cf. Marshall, The Restoration Mind. 45 Tyacke, 174.

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táticas de resistência dos membros clérigos da administração da Universidade

retardou a consolidação da autoridade dos parliamentary Visitors até que o

Parlamento de Londres estabeleceu completamente seus poderes, no verão de

1648. Em decorrência, em um curto período de tempo, a maioria dos amigos e

superiores de Willis foi expulsa da Universidade46.

Em 1646, quando o rei Charles I foi finalmente derrotado, o Deão e Vice-

Chanceler da Universidade, Samuel Fell, foi enviado para Londres, preso e

privado da reitoria. Sua esposa e filhos foram removidos à força de sua

residência pelos enviados dos parlamentares, que promoveram outros

expurgos no Christ Church. Samuel Fell foi sucedido no decanato pelo

presbiteriano Edward Reynolds e por John Owen, espécie de protégé de Oliver

Cromwell.

                                                            46 Ibid., 590.

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Figura 4 "Mapa de Oxford, 1643" 47

Após a restauração de Charles II ao trono inglês, o Christ Church, junto

com o resto de Oxford, começou a retomar o curso normal da universidade.

Taxas de estudos sofreram um aumento e novos alunos de graduação foram

procurados entre os ricos e influentes anglicanos do país. John Fell (1625-

1686) passou a governar o Christ Church. Anos depois, Fell tornou-se ainda

Vice-Chanceler da Universidade e bispo de Oxford48.

A faculdade e a catedral retornaram rapidamente para estilo de

administração e de culto anteriores à guerra. John Fell faria do Christ Church

um lugar para educar as classes dirigentes e para dar suporte à monarquia.

                                                            47 Wenceslaus Hollar (1607-77). The Bridgeman Art Library - Coleção privada. 48 Hawkins, “Piss Profits”, 9.

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Junto ao seu concílio, Fell mostrou-se subserviente à monarquia em todos os

aspectos, mesmo em 1684, quando cumpriu o mandato real para expulsar

John Locke e, em 1675, quando convocou uma tropa de alunos de graduação

do Christ Church para lutar pela coroa de James II contra James Scott, 1º

duque de Monmouth49.

2.2 O Wadham College e o “Oxford Club”

Vários historiadores da ciência do seiscentos têm mencionado a relação

de um dos principais administradores do Wadham College no período, John

Wilkins, com a fundação da Royal Society50. Tal relação torna indispensável a

contextualização deste college, pois a reconstrução dos entrelaçamentos

sociais entre alguns dos Fellows do college com Thomas Willis pode revelar

elementos essenciais para a compreensão do contexto intelectual de Willis e,

consequentemente, para a compreensão do desenvovimento da denominada

“nova ciência”, da qual nosso autor fez parte.

                                                            49 Ao longo do século XVII, Inglaterra e Holanda entraram em guerra três vezes em um confronto pela supremacia econômica e naval. Cf. Konstam, Warships of the Anglo-Dutch Wars. 50 Cf., por exemplo, Alfonso-Goldfarb, A Magia das Máquinas; Adamson, “The Royal Society and Gresham College”; Shapiro, John Wilkins; Hunter, Science and Society in Restoration England.

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Figura 5 Wadham College em 1675 51

O Wadham College foi fundado em 1610 com recursos massivos de

Dorothy e Nicholas Wadham. A direção do college, assumida por John Wilkins

(1614-1672) em 1648 até 1659, constituiu, provavelmente, um dos momentos

de grande efervescência intelectual, no contexto da emergência da “nova

ciência”. Em franco período de guerra, Wilkins apresentou a capacidade de

lidar com as amplas tensões políticas dentro do próprio college e no contexto

universitário mais amplo; o que lhe rendeu certa autonomia administrativa.

Dessa forma, em um contexto de relativa estabilidade, o Wadham tornou-se o

                                                            51 David Loggan (1634–1692). Imagem publicada na primeira edição do Oxonia Illustrata. (1675).

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principal espaço de encontros entre filósofos naturais, das mais variadas

designações e tendências52.

Wilkins cultivou no college o que mais tarde seria denominado de

“Oxford club”. Trata-se de um grupo de estudiosos de Oxford, Cambridge e

Londres conectados pelo interesse comum nas denominadas novas ciências. O

club possuía sua própria coleção de instrumentos científicos. Além disso, os

integrantes construíram um laboratório para fazer experimentos químicos e

formularam regras para as reuniões53.

Dentre os membros ativos deste entreposto de filósofos naturais vindos

de Londres e Cambridge, e que animaram o ambiente oxfordianno no

Interregno, estavam John Wallis (1616-1703), Seth Ward (1617-1689), William

Neile (1637-1670), Laurence Rook (1622-1662), Christopher Wren, Ralph

Bathurst (1620-1704), Matthew Wren (1585-1667), William Petty, Ralph

Greatorex (1625-1675), Jonathan Goddard (1617-1675) e Robert Boyle (1627-

1691)54. Quando Wilkins mudou-se para Cambridge, em 1659, Boyle continuou

com as reuniões do Oxford Club55.

Possivelmente, Wadham tenha desenvolvido uma área de laboratório56.

O Christ Church já possuía um espaço em que Willis praticava experimentos

químicos57. Paralelamente, Wilkins continuou a ampliar o grupo, e veio também

a incluir Richard Lower, Walter Pope e William Holder58. Robert Hooke

envolveu-se por meio de seu trabalho com Willis e, depois, com Boyle59.

                                                            52 Sobre os filósofos naturais no século XVII, vide, por exemplo, Tyacke. 53 Hunter, Science and Society in Restoration England, 34. 54 Cf. Shapiro, John Wilkins. 55 Hunter, "Boyle, Robert". 56 Cf. Jardine, The Curious Life of Robert Hooke. 57 Debus, Chemistry and Medical Debate, 64. 58 Jardine, 76–77. 59 Pugliese, "Hooke, Robert".

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O grupo desenvolveu características de uma organização formal:

reuniões relativamente regulares, organização financeira para gerir os

experimentos e comprar instrumentos, admissão por voto da maioria.

Relativamente aos experimentos e instrumentos utilizados no grupo, os

integrantes tinham acesso ao telescópio de observação lunar construído por

Wren. No âmbito do Christ Church, Richard Lower dissecava cadáveres60.

2.3 Coffeehouse: uma rede não institucional

Paralelo ao espaço acadêmico, ditado pelos parâmetros geográficos e

programáticos dos lugares oficialmente de aprendizado, há ainda outros

espaços, sobretudo as Coffeehouses, sendo estruturados em meados do

século XVII, principalmente para atender demandas de uma cultura letrada,

característica do período, na qual Thomas Willis e outros membros do Oxford e

do London Club estavam inseridos61.

Relativamente às coffeehouses, trata-se da construção de um novo

espaço social onde figuravam marcadores sociais distintos referentes a valores

sociais e preferências62. A coffeehouse tornou-se um lugar para a reunião,

leitura, estudos e debates de estudiosos do período. Não se tratava claramente

de uma instituição universitária, pois ocupava um espaço social distinto dos

centros mais antigos de aprendizagem que eram limitados por sua

dependência da igreja, pelo patrocínio do Estado e pelas vertentes escolásticas

                                                            60 Housto, A Nation Transformed, 302. 61 Hunter. Science and Society in Restoration England, 77. 62 Ibid., 171.

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das quais discordavam muitos dos virtuosos, incluindo Willis, ligados ao Oxford

Club, e que estavam mais dirigidos pelos princípios e métodos do "novo

aprendizado" oferecidos por Bacon63.

Nesse sentido, estudiosos têm inferido ter advindo desta cultura grande

parte da criação de demanda para o consumo de café em meados do século

XVII64.

A princípio, teria sido Oxford, com sua combinação de erudição

orientalista e uma vibrante comunidade de filósofos naturais, que forneceu

terreno mais fértil para introduzir o consumo de café na Grã-Bretanha. As

coffeehouses iniciais, em Oxford, cultivavam um ar de exclusividade, segundo

os parâmetros sociais de uma elite letrada do período65. Dentre os filósofos

naturais que certamente ocuparam estes espaços no período, estavam

Christopher Wren, William Pett, Thomas Millington, Timothy Baldwin e John

Lampshire, Anthony Wood, John Evelyn e Thomas Willis, para citar poucos66.

Depois de Oxford, Londres também criou casas de café. O que acabou

por ampliar a curiosidade pela investigação das propriedades medicinais da

bebida67.

Além de produto eivado de importante significado cultural e social, o café

foi aderido pela cultura letrada, naquele contexto, pelos seus prováveis

potenciais médicos. O próprio Thomas Willis prescreveu café como uma cura

para distúrbios do sistema nervoso e até mesmo declarou que preferia ''enviar

                                                            63 Cf. Cowan, The Social Life of Coffee. 64 Ibid.,10. 65 Ibid., 91. 66 Ibid., 90. 67 Ibid., 26.

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o doente para as casas de café mais cedo do que para as lojas dos

boticários''68.

Retomando nossa ideia inicial, as coffeehouses ocuparam um espaço

social distinto dos centros mais antigos de aprendizagem. Oxford,

especificamente, cultivou este ambiente paralelo onde se encontraram vários

dos filósofos naturais ligados a Willis. Mais do que um lugar de encontro, elas

possuíam um significado relativamente heterodoxo na medida em que

permitiam discussões científicas fora da intervenção da igreja, do Estado, e de

vertentes de aprendizado que não correspondiam com mindset, do Oxford

Club. Nesse contexto, estudiosos do período estimularam o interesse comercial

inicial no café e o seu desenvolvimento numa instituição social significativa que

agregava e dava um formato não institucionalizado, como no ambiente

universitário69.

2.4 Thomas Willis: vida profissional após a Restauração.

As condições de vida de Willis mudaram consideravelmente após a

restauração de Charles II, em 1660. Wilkins e outros filósofos naturais

mudaram para Londres e fundaram a Royal Society. Willis permaneceu em

Oxford, e tanto sua devoção à monarquia quanto sua crescente reputação

científica foram recompensadas com a nomeação para o cargo de Sedleian

                                                            68 Ibid., 25. 69 Ibid., 4.

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professor de filosofia natural. Em 1660, Willis ainda graduou-se como D. Med e

iniciou palestras regulares em filosofia natural e medicina70.

Nestas palestras, Willis discutia temas médico-filosóficos, como a vida,

os sentidos e os movimento do corpo; passou a tratar de questões mais

práticas, tais como o tratamento da cólica, da melancolia e da artrite. Willis

cobriu um vasto campo do conhecimento médico do período, incluindo a

terapêutica, a anatomia e a fisiologia. Os detalhes completos sobre estas

conferências estão disponíveis em um caderno de anotações pertencente a

John Locke que assistiu às palestras em 166471.

Por volta de 1667, Willis já havia estabelecido residência fixa em

Londres, especificamente em St Martin’s Lane. Através do apoio de Gilbert

Sheldon, Arcebispo de Canterbury, Willis adquiriu um privilegiado espaço

institucional e uma lucrativa prática médica em Westminster, Londres: "Ele

tornou-se tão notável na sua prática que jamais qualquer médico antes havia

ganhado tanto dinheiro anualmente quanto ele72”, escreveu Anthony Wood,

cujo diário Athenae Oxonienses tornou-se a principal referência biográfica

sobre bispos e escritores de Oxford, de 1500 a 1690.

Ao longo de sua vida profissional, Willis escreveu cerca de 8 livros. Com

exceção de um deles, publicado em Inglês, todas as suas obras foram

publicadas em latim. Contextualizaremos, no terceiro capítulo, The

Fermentatione (1656), foco central do presente estudo, que está contido na

primeira publicação.

                                                            70 Frank, Scientific Biography, 409. 71 Dewhurst, “An Oxford Medical Quartet”, 858. 72 Wood, Athenae Oxonienses: An Exact History of All the Writers and Bishops Who Have Had Their Education in the Most Ancient and Famous University of Oxford, vol II (London, 1692), 402 apud Caron, “Thomas Willis, the Restoration and the First Works of Neurology”. Medical History 59, nº4 (2015): 526.

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Os títulos e anos de suas principiais obras foram:

Diatribae duae medico-philosophicae – quarum prior agit de fermentatione (1659). Cerebri anatome: cui accessit nervorum descriptio et usus (1664) Pathologiae Cerebri et Nervosi Generis Specimen (1667) De Anima Brutorum (1672) Pharmaceutice rationalis. Sive Diatriba de medicamentorum operationibus in humano corpore (1675) A plain and easie method for preserving (by God's blessing) those that are well from the infection of the plague, or any contagious distemper, in city, camp, fleet, &c., and for curing such as are infected with it (1675) Pharmaceutice rationalis sive diatriba de medicamentorum operationibus in humano corpore (1677) Clarissimi Viri Thomae Willis, Medicinae Doctoris, Naturalis Philosophiae Professoris Oxoniensis (1681).

Além de mencionar os trabalhos publicados por Thomas Willis, os diários

de Anthony Wood narram também um lado trágico da vida de Willis, que

presenciou a morte prematura de 6 dos seus 8 filhos; sua esposa morreu em

1670, e dois de seus irmãos faleceram antes dele. Em 11 de novembro, 1675,

com 54 anos, Willis morreu de pneumonia e foi enterrado na abadia de

Westminster73.

 

Conclusão  

Talvez uma das maiores dificuldades em escrever sobre um autor como

Willis deva-se ao fato da envergadura intelectual de muitos dos seus

contemporâneos. Harvey, Sydenham, Boyle, Wren, Lower, Hooke, Locke,

                                                            73 Cf. Symonds.

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Wilkins, Petty, só para citar alguns, passaram por historicizações, em certa

medida, ao longo do século XX, alguns quase à exaustão, caso de Boyle.

Porém, o estudo do pensamento e obras de Willis, bem como o seu resgate

entre as sombras de seus contemporâneos, permanece um desafio a ser

encarado, principalmente dentro de um recorte historiográfico mais atento à

chave química do período.

Neste capitulo, circunscrevemos o contexto sociocultural normalmente

associado a Thomas Willis: sua biografia, lugares institucionais e círculos

sociais que frequentou. Analisamos o impacto da Guerra civil inglesa sobre a

vida Willis e dissertamos sobre a maneira pela qual o conflito permitiu o

alinhamento de Oxford à órbita de Londres. Abordamos ainda como isso foi

fundamental para o estreitamento de laços sociais que foram traduzidos em

fundamentos institucionais, nesse caso, fundamentos da Royal Society, de

Londres.

No próximo capítulo, discutiremos em maiores detalhes o conjunto de

fontes cientificas que influenciaram Willis e que, raramente, pelas razões de

foco historiográfico discutidas inicialmente neste capítulo, são associados a ele:

van Helmont e Parcelso, dentre outros pilares do pensamento iatroquimico do

período. Nossa ponto central será averiguar de que maneira esse conjunto de

fontes permeava a nervura social e cultural discutida nesse capítulo e de que

maneira elas formaram o pensamento e as obras de Willis, sobretudo, a que

será o objeto de nosso terceiro capítulo: Fermentatione (1656).

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CAPÍTULO II  

Thomas Willis no contexto das ideias químicas, médicas e teológicas no século XVII

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Thomas Willis foi educado em um ambiente altamente complexo em sua

composição intelectual. Embora a instrução formal em química tenha iniciado

na universidade de Oxford apenas em 168374, os princípios da denominada

filosofia química já eram incorporados em áreas como a medicina desde o

século XVI75, a partir dos trabalhos iatroquímicos de Jan Baptista van Helmont

(1579-1644) e Paracelso (1493-1541). Durante as décadas de 1640 e 1650,

ambos tiveram várias de suas obras rapidamente traduzidas e publicadas na

Inglaterra76.

Nosso propósito com este capítulo é circunscrever o conjunto de fontes,

ligadas ao pensamento cientifico do período, que influenciaram Thomas Willis.

Van Helmont e Paracelso figuram entre os mais influentes no contexto de

Willis, mas dissertaremos ainda sobre a influência de William Harvey, dado que

este inglês também fundamentou o contexto de debates sobre o conhecimento

médico e da filosofia natural em que Willis estava inserido.

Além dos estudiosos mencionados, há ainda fontes ligadas à tradição

anglicana da teologia natural, dado que Willis viveu e trabalhou com influentes

teólogos no seu tempo e apresentou ideias que relacionavam textos bíblicos

com a investigação do mundo natural, tais quais as defendidas por Henry

Hammond (1605-1660) e John Ray (1627-1705).

Nesse sentido, nossa principal intenção será analisar de que maneira

esse conjunto de fontes permeava a nervura social e cultural discutida no

capitulo I e como criaram condições para a formação do pensamento e obras

                                                            74 Debus, Chemistry and Medical Debate, 26. 75 Ibid. 76 Cf. Rattansi, “The Helmontian-Galenist Controversy in Restoration England”.

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de Willis, sobretudo, a obra que será o objeto de nosso terceiro capítulo:

Fermentatione (1656).

1. Jan Baptista van Helmont (1579-1644)

Relativamente a van Helmont, vários estudiosos chamam a atenção

tanto para a amplitude e influência de seus trabalhos no Seiscentos, quanto

para as implicações religiosas de suas ideias, bem como para a sua oposição

aos currículos universitários e para o seu ataque ao estabelecimento médico e

à filosofia mecânica77. Todos esses aspectos relativos a van Helmont

configuraram uma parte central do ambiente intelectual em que Thomas Willis

viveu78.

A filosofia química de van Helmont teve um papel fundamental no

combate à filosofia aristotélica e à medicina galênica do seiscentos. O

tradicional debate entre os chamados "Antigos” e “Modernos" do alvorecer da

modernidade configura-se como uma forma de visualizar a intensa crítica de

van Helmont em relação às escolas aristotélicas e galênicas, sobretudo a partir

de seus dois tratados: Beginnings and Causes of Natural Things e o The

Ignorant Natural Philosophy of Aristotle and Galen79.

                                                            77 Sobre a influência geral dos trabalhos de van Helmont, cf., por exemplo, Alfonso-Goldfarb, Ferraz & Rattansi; “Seventeenth-century ‘treasure’ found in Royal Society archives”; Clericuzio, ‘Robert Boyle and the English Helmontians’,192-199; Debus, The English Paracelsians; Rattansi, “The Helmontian–Galenist controversy in Restoration England”,1–23 e “Paracelsus and the Puritan Revolution”, 24-32. 78 Cf. Pagel, Joan Baptista van Helmont, 1-18. 79 Ibid., 35.

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Os trabalhos helmontianos fundamentaram as linhagens teóricas mais

influentes da filosofia química do século XVII. A título de exemplo, o gás tornou-

se parte do vocabulário comum da ciência e da medicina do período80.

As ideias helmontianas foram disseminadas rapidamente pelos Países

Baixos, onde seus maiores trabalhos foram publicados por seu filho Franciscus

Mercurius. Na Inglaterra, a partir do final da década de 1640, as teorias

helmontianas ganharam amplo apoio e desempenharam um papel de

destaque, sobretudo na carreira científica de Willis e Robert Boyle. No contexto

inglês, a filosofia química de van Helmont também foi amplamente adotada por

médicos ingleses e filósofos naturais, principalmente aqueles relacionados ao

círculo de Hartlib e demais grupos que viriam a formar a Royal Society de

Londres81.

Na década de 1660, a difusão dos trabalhos helmontianos tornou-se

ainda mais intensa: George Starkey (1628-1665), Marchamont Nedham (1620-

1678) e George Thomson (1619-1677) chegaram a lançar fortes ataques à

medicina galênica. Como tradução desta crítica, em 1665 vários adeptos de

van Helmont tentaram criar um College of Chemical Physicians, como uma

alternativa para o tradicional College of Physicians já existente. A iniciativa teve

apoio de figuras eminentes da corte de Charles II82.

Ainda relativamente ao peso da influência de van Helmont no

pensamento cientifico do período, no início dos anos 1650, três helmontianos

encontravam-se entre os opositores mais radicais de ensino médico tradicional:

                                                            80 Ibid., 198. 81 Cf. Ibid., 199-208; Rattansi, “The Helmontian-Galenist controversy in Restoration England”, 1-23; Alfonso-Goldfarb, Ferraz & Rattansi, “Seventeenth-century ‘treasure’ found in Royal Society archives”; Clericuzio, “Robert Boyle and the English Helmontians”, 192-199. 82 Hill, Change and Continuity in Seventeenth-Century England, 164 e Dickson, The Tessera of Antilia, 242.

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John French (1616-1657), Noah Biggs e John Webster (1580-1634). Seguindo

Paracelso e van Helmont, French, que estava em contato com o Círculo de

Hartlib, rejeitou a doutrina galênica dos humores e defendeu a análise química

do sangue. Ele alegava que, por meio da destilação, o médico poderia analisar

o sangue a partir dos seus componentes: espírito, óleo, água e sal. French

colocou ênfase especial na extração de espíritos a partir do sangue e da urina,

concebidos – em termos Helmontianos – como substâncias dotadas de virtudes

terapêuticas83.

As teorias médicas galênicas, em geral, e a teoria dos humores, em

particular, sofreram amplas críticas neste período. A teoria dos humores

entendia o corpo humano como resultado do perfeito balanço entre os quatro

humores relacionados à doutrina clássica dos quatro elementos. Assim, os

quatro humores, e as quatro qualidades predominantes em cada um deles,

seriam: sangue (quente), fleuma (úmido), bílis amarela (seco) e bílis negra

(frio). A doença consistiria, nessa perspectiva, num desiquilíbrio na proporção

ideal entre esses humores ou qualidades84.

Um aspecto central da filosofia natural de van Helmont, que veio a

desempenhar um papel importante na iatroquimica da segunda metade do

século XVII, foi sua teoria dos princípios seminais. De acordo com o destacado

estudioso W. Pagel, na medicina de van Helmont a noção de semina teve

como objetivo mostrar que as doenças eram produzidas por agentes

específicos e individuais. Em sua filosofia química, as sementes eram

                                                            83 Cf. Debus, Chemistry and Medical Debate. 84 Vide, por exemplo, Porto, Os Três Princípios e as Doenças, 569.

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entendidas como um princípio interno de organização dos corpos naturais e

como uma espécie de substituto para a noção escolástica de Forma85.

1.1 Van Helmont e as teorias de Fermentação

É importante destacar que, além da noção de semina, outros conceitos

helmontianos, em geral retirados do plantel de ideias paracelsista e adaptados

a sua formulação de medicina química, tiveram um papel muito importante na

investigação de fenômenos naturais, em especial os relacionados à saúde e à

doença no Seiscentos: archeus, spiritus e fermento, estavam entre eles86.

Relativamente ao tema da fermentação, van Helmont acreditava que a

matéria era criada por água e fermento. Em suas palavras:

“O fermento é uma força formativa que habita no espírito e, junto com a água, produz uma semente que gera a vida, transformando a matéria em uma pedra, planta ou animal”87.

Nessa perspectiva, no corpo, a “causa eficiente interna”, seguindo um

conceito emprestado de Paracelso, era chamada archeus. No tocante à

digestão, Van Helmont acreditava que seu centro principal localizava-se no

estômago, embora também existisse um archeus no fígado e em outras partes

desse sistema. Mas, não só nesse conjunto de órgãos, como nos demais

                                                            85 Pagel, Joan Baptista Van Helmont, 142-3. 86 Vide, por exemplo, Alfonso-Goldfarb, Ferraz & Rattansi. “Seventeenth-century ‘treasure’ found in Royal Society Archives”, 230. 87 Van Helmont, Ortus Medicinae (Amsterdam; Elzevir, 1648), 29 apud Partington, A History of Chemistry, vol. 2 (London: Macmillan, 1961), 236.

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conjuntos, os fermentos realizavam, via processos químicos, a digestão e

outras mudanças na fisiologia88.

De fato, o conceito de fermentação helmontiano foi estruturante em

vários trabalhos sobre o tema no período, dentre os quais, The Fermentatione,

de Willis. Além do trabalho de Willis, que analisaremos no capítulo III, outros

importantes filósofos naturais do Seiscentos, tais como William Simpson89,

Robert Boyle e Franz Sylvius, fizeram recurso ao conceito de fermentação em

seus trabalhos.

Em 1665, Simpson publicou Zenexton anti-pestilentiale que, baseando-

se em teorias helmontianas, focava nos fermentos como os principais agentes

na natureza. Simpson afirmou, por exemplo, que a praga em Londres foi

produzida por “um fermento virulento e contagioso concebido de fora ou de

dentro do corpo, que se apodera do Archeus vital ou o espírito da vida"90.

Simpson explica a operação de fermentos da seguinte maneira:

“[Fermentos são] certas forças na Natureza pelas quais todas as coisas são colocadas em um caminho de mudança... os Fermentos são os pais da transmutação, de uma forma para outra, ou de um grau para outro, em que as coisas são apresentadas a sua mais alta força de energia...; os Fermentos fixam as coisas volatéis e volatizam as fixas; eles são as chaves de Natureza pelas quais são feitas grandes mudanças e alterações nos corpos. Agora, tudo o que tem uma vida vegetativa tem também um Fermento implantado em si, que é uma certa força trabalhando, enquanto a Roda da Natureza torna-se ativa”91.

Em 1670, Simpson publicou um trabalho que tratava de forma mais

direta da fermentação. Sua tarefa era examinar as hipóteses que outros

                                                            88 Pagel, Joan Baptista Van Helmont, 102-5. 89 Sobre as ideias de fermentação de Simpson, inspiradas em van Helmont, cf. Coley. “Cures Without Care”, 191-214. 90 Simpson, Zenexton Anti-Pestilentiale, 8. 91 Ibid., 9-10.

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autores haviam apresentado relativamente à fermentação; e dar sua própria

explicação do fenômeno. Simpson afirmou que corpúsculos dotados de

propriedades puramente mecânicas não poderiam ser concebidos como os

agentes de fermentação: para Simpson, os processos fermentativos

necessariamente requeriam algum poder de manter as partículas de matéria

em movimento – ou seja, "Matéria etérea, ou espírito..., o que Helmont chamou

de semina rerum”92.

Simpson centrou-se nas substâncias químicas responsáveis pela

fermentação e sustentava que a fermentação era produzida por um encontro

entre as partículas de ácido e de enxofre. O interesse de Simpson era

investigar em detalhes as diferentes maneiras em que os processos de

fermentação realmente ocorriam na Natureza e no corpo humano. Em estudos

recentes, há, inclusive, indicações de que diferentes dos trabalhos por ele

publicados na década de 1660 – destinados principalmente à exposição e

defesa dos ensinamentos de van Helmont –, intitulados Zymologia physica

(1675) e Philosophical Dialogues (1677), mostram que as teorias helmontianas,

agora reinterpretada à luz da teoria de partículas da matéria, tornaram-se

definitivamente parte integrante da filosofia natural do século XVII93.

Quanto a Boyle, uma das figuras centrais da rede oxfordiana de Willis,

seus estudos químicos iniciais aconteceram num contexto marcado por grande

interesse na iatroquimica helmontiana94. Entre 1648 e 1649, ele começou a

escrever a primeira parte do Usefulness of Experimental Philosophy, um

                                                            92 Simpson, Zymologia Physica, 4-7. 93 Cf. Clericuzio. “From van Helmont to Boyle”, 303-334. 94 Cf. Debus, Chemistry and Medical Debate.

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trabalho que fornece uma boa quantidade de informações sobre suas primeiras

ideias químicas.

Na primeira parte do Usefulness, Boyle afirma que a química foi um dos

fundamentos da medicina, contribuindo, acima de tudo, “pelas resoluções dos

corpos, para extrair suas partes mais ativas", e para a preparação de remédios

“dotado com tal virtude, como não fora até o momento, reunido com os

medicamentos habituais". Em semelhante Linha Teórica de van Helmont, Boyle

afirmou que "é a glória e prerrogativa do homem, que Deus aprazou-se em

fazê-lo, não depois da imagem do mundo, mas de sua própria"95.

O compromisso de Boyle com certos aspectos da iatroquimica de van

Helmont é atestado em numerosos ensaios contidos no The Usefulness. Em

particular, Boyle enfatizou a importância para a medicina do conhecimento dos

espíritos, dos fermentos e da fermentação: seguindo van Helmont, ele afirmou

que a digestão era um processo químico e investigou os usos médicos do

espírito da urina e do sangue humano96.

Em 1655, Boyle estabeleceu-se em Oxford. Em 1659, convidou um

exímio estudioso dos processos de laboratório, o germânico Peter Sthael de

Estrasburgo, para ensinar seu grupo de amigos e colaboradores, em Oxford.

Entre os estudantes de Staehl estavam, por exemplo, Richard Lower, Ralph

Bathurst (1620-1704) e John Locke, todos ligados ao contexto de Willis97.

Algumas notas manuscritas sobre a origem de doenças testemunham

acerca do empenho de Locke no estudo da iatroquímica e, em particular, da

                                                            95 Boyle, “The Usefulness of Experimental Philosophy”, 54. 96 Ibid., 83. 97 Cf. Gunther, Early Science in Oxford, 22-45.

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teoria Helmontiana das doenças98. Por volta do final da década de 1650,

grande parte dos médicos ingleses não questionava a importância da química

tanto para a medicina quanto para a filosofia natural. Assim, Thomas Willis,

dentre outros filósofos naturais, como Ralph Bathurst e Walter Charleton (1619-

1707) concebiam, em meados do Seiscentos, os princípios químicos como

ingredientes fundamentais dos corpos mistos99.

Mencionamos, no capítulo I, o fato de Willis ter sido aluno de Willian

Petty. Petty estudou medicina em Leiden, onde foi aluno de Sylvius e teve

contato com as ideias de van Helmont. Isso nos indica a possibilidade de

Thomas Willis ter conhecido seus trabalhos sobre fermentação influenciados

por van Helmont de maneira indireta. Como já mencionado, os tratados de

Franz (de le Boë) Sylvius incorporavam a iatroquimica de van Helmont em suas

reflexões. As ideias de Sylvius poderiam, assim, ser consideradas como uma

das fontes utilizadas entre iatroquimicos ingleses no século XVII,

particularmente entre os estudiosos de Oxford nos anos 1650100.

É importante notar, no entanto, que, embora Sylvius acreditasse que a

fermentação de fato ocorresse, rejeitava, de maneira geral, a ideia do archeus

em favor de explicações baseadas puramente em fundamentos químicos,

como faria quanto à fermentação da saliva101. As ideias de Sylvius tiveram

reverberação em diversos países, incluindo, como vimos, a Inglaterra; e vários

de seus tratados foram traduzidos para a língua inglesa102.

                                                            98 Cf. Romanell, John Locke and Medicine. 99 Cf. Debus, Chemistry and Medical Debate, 65. 100 Ibid., 60. 101 Partington, A History of Chemistry, 285. 102 Ross. The Salt of the Earth, 111.

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Este médico germânico defendia que as funções de um organismo eram

determinadas por fermentos ou efervescências advindas do caráter ácido ou

alcalino dos fluidos corporais. Como van Helmont, Sylvius fazia recurso ao

conceito de fermentação a fim de explicar processos fisiológicos no corpo103.

Ainda no que diz respeito à visão iatroquimica de Sylvius, ele acreditava

que a maioria das doenças era causada por ácidos corrosivos, a febre era

causada pelo excesso de alcalinidade e as pragas ligavam-se à volatilidade

dos sais no sangue104. Além disso, o ambiente também poderia influenciar nos

processos corporais105.

Estudiosos têm debatido sobre o vetor de influência van Helmont –

Syilvius, ou o contrário106. Todavia, para nosso propósito, interessa saber que,

tanto um quanto outro, apresentavam descrições de doenças e do corpo

amplamente em termos químicos, não mais a partir das teorias galênicas.

2. Paracelso (1493 - 1541)

No contexto de Willis, Paracelso (1493-1541) era uma das fontes mais

antigas que buscavam aplicar a química e a alquimia à medicina. Houve outros

antes dele, alquimistas medievais como Arnaldo Villanova, os Lullistas e John

of Rupescissa107. Partindo desta tradição de investigação do mundo natural,

onde o tema da transmutação era fundamental, entendia-se que a

                                                            103 Cf. Debus, Chemistry and Medical Debate, 62. 104 Partington,285. 105 Cf. Ross, 113. 106 Debus, Chemistry and Medical Debate, 60. 107 Cf. Pagel. Paracelsus: An Introduction to Philosophical Medicine in the Era of the Renaissance, 258.

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transmutação de metais era um processo de digestão no qual a ação de um

fermento era fundamental108.

O paracelsismo foi um dos principais veículos para dar início à reforma

da ciência e da medicina do período. As ideias de Paracelso enraizaram-se em

países diferentes, onde manuscritos, traduções, resenhas, manuais práticos e

obras especulativas, inspirados pelo médico suíço, foram recolhidos e

difundidos109.

Os seguidores de Paracelso viam na filosofia química uma nova

fundação para a aprendizagem110. Paracelso rejeitou publicamente, em Basel,

o Canon da Medicina de Avicena, em 1527; e seus seguidores rejeitaram a

tradição aristotélico-galênica das universidades. Eles procuravam uma

alternativa para os quatro elementos da tradicional filosofia clássica e para a

teoria humoral da medicina.

Nesse sentido, as ideias de Paracelso inspiraram o desprezo pela leitura

dos livros dos filósofos antigos e a busca da verdade com base nos dois livros

de Revelação divina, a saber, a Bíblia e o livro de Criação ou Natureza111.

Paracelsistas de vários tipos procuravam a verdade na Natureza através

de novas observações e do uso de processos químicos como melhor guia para

o conhecimento. Nesse contexto, o relato da criação de Deus em Gênesis era

interpretado como uma separação alquímica e os três princípios químicos: sal,

enxofre e mercúrio, eram apresentados como uma nova abordagem aos

elementos112.

                                                            108 Cf. Ibid. 109 Cf. Debus, Chemistry and Medical Debate. 110 Cf. Debus, The Chemical Philosophy. 111 Cf. Debus, Chemistry and the Universities in the Seventeenth Century. 112 Ibid., 174.

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No século XVI, o conceito paracelsista de correspondência entre

macrocosmo e microcosmo foi amplamente aceito. Este conceito sustentava a

ideia de que existe uma semelhança correspondente em padrão, natureza e

estrutura entre os seres humanos e o universo. O conceito de

microcosmo/macrocosmo compreendia o homem como uma representação,

em escala menor, do universo e o universo como uma entidade orgânica e, de

certo modo, antropomórfica. Nessa chave interpretativa, o estudo da natureza e

do cosmos levaria ao conhecimento dos segredos sobre o homem. Na prática,

isso afetou a medicina e a farmácia, uma vez que se acreditava que o estudo

da natureza renderia uma rica variedade de medicamentos para a

humanidade113.

Paracelso via a alquimia como um dos fundamentos de uma nova

medicina. Em sua visão, a alquimia, enquanto "arte da separação", era a chave

para entender o corpo humano e o mundo natural114. Vários paracelsistas

desenvolveram os aspectos cosmológicos e teóricos contidos nas obras de

Paracelso e, assim, forneceram um conjunto de teorias que estavam em

oposição à filosofia aristotélica e à medicina galênica115.

O esforço paracelsista de fusão da medicina com a química não era

isento de críticas. Daniel Sennert (1572-1637), médico e filósofo bem

conhecido do período, tratou dos objetivos da química e de sua relação com a

medicina em De chymicorum cum Aristotelicis et Galenicis consensu ac

dissensu liber (1619). Sennert sustentava que a química não passava de um

auxílio à medicina. A chamada chymiatria, defendia Sennert, faria parte da

                                                            113 Cf. Debus, Man and Nature in the Renaissance. 114 W. Pagel, “Paracelsus: An Introduction to Philosophical Medicine in the Era of the Renaissance”. 1958, 258-78 115 Sooty, Empiricks and Natural Philosophers, 332.

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medicina e era tarefa do médico preparar e aplicar remédios químicos. Ele

rejeitava, portanto, as ambições paracelsistas de promover uma nova medicina

e uma nova filosofia, já que isto iria além dos limites dos propósitos da

química116.

O papel do químico, para Sennert, era definitivamente servil, ou seja, de

produzir observações e experiências para o médico e para o filósofo, que

fazem uso das operações químicas a fim de chegar a suas conclusões. Apesar

dessas restrições sobre o papel da química, Sennert não descartou por

completo o uso da tria prima Paracelsista, ou seja, enxofre, mercúrio e sal. No

entanto, negava que o sal, enxofre e mercúrio fossem os constituintes

fundamentais dos corpos, pois entendia que os corpos eram compostos, em

última instância, pelos quatro elementos aristotélicos117.

3. William Harvey (1578-1657)

Durante a última década da vida de Harvey, as teorias médicas de van

Helmont atingiram proeminência, seguindo a publicação póstuma de suas

obras completas, Ortus medicinae (1648), editada por seu filho Franciscus

Mercurius van Helmont. Tal coleção revitalizava a oposição à medicina

galênica, reforçando, de certa maneira, a influência de obras que

contemplassem novidades médicas, como as de Harvey118, apesar deste ser

um conhecido seguidor de algumas ideias aristotélicas.

                                                            116 Cf. Debus, Chemistry and the Universities in the Seventeenth Century. 117 Sooty, 333. 118 Debus, “Harvey and Fludd”.

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Embora bem diferentes em suas concepções, ambos os autores

forneceram uma riqueza de novas ideias que foram assimiladas, de várias

maneiras, pela fisiologia que se desenvolveu depois das concepções de

Harvey sobre a circulação sanguínea. Médicos helmontianos aceitaram

rapidamente a teoria da circulação de Harvey e passaram a explicar processos

fisiológicos em termos das novas teorias químicas119.

Na visão de Harvey, relativamente à teoria da circulação, o baço seria o

equivalente ao archeus helmontiano que regia as funções do estômago.

Portanto, para Harvey, o baço era como o sol que regia os planetas, ao

controlar o fermento responsável pela digestão. Nesse sentido, passa a

desconsiderar os humores galênicos e substitui a ação do excremento da bile

negra pelo do fermento fisiologicamente ativo. Em outras palavras, Harvey

passou a aceitar a ação do fermento helmontiano no conjunto de órgãos

digestivos. Coloca, porém, que seu trânsito se daria através do sangue arterial,

pois este seria seu provável lugar de origem120.

Vale lembrar que as ideias de Harvey relativas à circulação do sangue

foram importante para os estudos fisiológicos de Willis, uma vez que buscou

usar destes fundamentos e complementá-los em seu trabalho121. Mas, Willis

também seguiu de perto as ideias de Harvey, quando enfatizava o poder das

pesquisas anatômicas para a revelação de novas verdades sobre o corpo. Com

Harvey, portanto, Willis não só aprendeu o papel central da circulação do

                                                            119 Cf. Webster, “The Helmontian George Thomson and William Harvey”. 120 Ibid., 165. 121 Caron, 529.

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sangue, mas também o poder de evidências observáveis na busca de

princípios naturais que pudessem servir como fundamentos para a medicina122.

4. Thomas Willis: Teologia Natural e Anglicanismo

Além da visão paracelsista e helmontiana, permeadas por concepções

iatroquímicas sobre o mundo, Willis nutria também crenças ligadas ao

anglicanismo do período. Específico a esta vertente era a denominada teologia

natural, em relação a qual os trabalhos anatômicos de Willis trazem direta

referência. A fim de delinear temas relacionados à teologia natural e à forma

pela qual ela influenciou o pensamento de Willis, é importante retomar a

vinculação de Willis a um grupo de teólogos entre as décadas de 1650 e 1670,

bem como determinados valores teológicos relacionavam-se ao contexto

médico de Willis.

Há indícios que Thomas Willis vivia de forma intensa a vida religiosa.

Além de ir à igreja diariamente, quando trabalhava em Londres, Willis pagava

um sacerdote da St. Martin in the Fields para ler preces em horários diferentes

dos normais de culto a fim de ajudar espiritualmente pessoas que estavam

trabalhando durante os períodos normais de culto. A este respeito, Anthony

Wood caracterizava Willis como ortodoxo, piedoso e médico preocupado com

caridade123.

De fato, Willis possuía uma relação profunda com a igreja e com temas

religiosos do século XVII. Antes de seguir carreira médica, ele iniciou seus

                                                            122 Ibid., 543. 123 Cf. Rousseau, The Languages of Psyche Mind and Body in Enlightenment Thought.

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estudos em teologia no Christ Church. Apesar de ter mudado para o campo da

medicina, a influência dos temas religiosos e sua relação com a igreja

anglicana continuaram ao longo de sua vida. No nível mais pessoal, Willis

casou-se com a filha de John Fell, deão do Christ Church nas décadas de 1650

e 1660124.

Além disso, Willis dedicou cada uma de suas obras neurológicas ao

arcebispo de Canterbury, Gilbert Sheldon. Como já mencionamos

anteriormente, Sheldon foi de fundamental importância para a carreira médica

de Willis. A título de exemplo, na terceira edição do Diatribae Duae (impresso

em 1662), Willis reconheceu que foi por meio da influência de Sheldon que

obteve a função de Sedlian Professor de Filosofia Natural em Oxford, a partir

de 1663125. A dívida pessoal de Willis em relação a Sheldon estendeu-se além

das questões de avanço profissional. O médico tinha estreitos laços pessoais

com o arcebispo e pretendia que suas pesquisas em fisiologia servissem para

fins ideológicos e políticos da igreja de Sheldon126.

                                                            124 Symonds, 91. 125 Cf. O'Connor, 139-143. 126 Cf. Caron.

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Figura 6 Gilbert Sheldon (1598 - 1677) foi o arcebispo de

Canterbury de 1663 até sua morte

Nas décadas anteriores à publicação das primeiras obras de neurologia,

Willis estava envolvido com um círculo de clérigos alinhados à monarquia de

Charles I, que voltariam a subir à proeminência por sua lealdade contínua após

a Restauração. Este grupo incluía Sheldon, Richard Allestree (1619-1681),

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Brian Duppa (1588-1662), John Dolben (1625-1686), o já mencionado John Fell

(1625-1686) e (de 1648), o teólogo e polemista Henry Hammond (1605-1660) –

este último, notoriamente o mais influente e prolífico dos estudiosos do círculo

teológico de Willis. Juntamente com Gilbert Sheldon, Hammond foi conselheiro

espiritual do rei Charles I127.

Os homens envolvidos neste grupo eram notórios por sua insistência na

ideia de que apenas bispos tinham o poder de ordenar e dirigir a igreja, e que a

uniformidade litúrgica e o cerimonialismo eram essenciais para a verdadeira

religião. Lealdade à igreja e à coroa eram virtudes essenciais no círculo

teológico de Willis128.

No período em que Willis publicou De Anima Brutorum (1672), seu

trabalho final sobre o cérebro e os nervos, Hammond havia falecido há mais de

uma década. Porém, era precisamente a visão teológica de Hammond sobre a

agência humana, sobre a ideia de pecado e moralidade que ajudaram a moldar

as teorias neurológicas da Willis129.

A identificação de teólogos ligados a Willis no período é indicativo de

uma vertente intelectual existente no século XVII e, nos trabalhos de Thomas

Willis, em particular, da teologia natural, conforme então pensada. Um dos

trabalhos futuros mais representativos, enquanto produto dessa vertente e de

sua assimilação no Seiscentos, foi The Wisdom of God Manifested in the

Works of Creation (1691), de John Ray, uma vez que grande parte de seus

pressupostos filosóficos ligados à ciência do período já haviam sido

compartilhados por estudiosos como Thomas Willis. Assim como Willis, por

                                                            127 Cf. Ibid., 536. 128 Cf. Jasper, The development of the Anglican Liturgy. 129 Cf. Caron.

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exemplo, Ray aceitava a validade do método anatômico; e, para ambos, a

garantia última do método estava nos sinais dos desígnios divinos impressos

no universo. Nessa perspectiva, formas orgânicas significavam funções, pois

não havia nada de supérfluo da criação divina130.

Nesse sentido, é possível inferir que o argumento comparativo estava

firmemente baseado na tradição da teologia natural que, por sua vez, fazia

parte das discussões intelectuais no contexto dos clubes de Oxford, neste

período. Alguns de seus principais promotores: John Wilkins, Robert Boyle e

Willis argumentavam, por exemplo, que dissecar uma grande variedade de

animais conduzia a um saber mais pleno do poder e majestade do Criador131. A

menção a Wilkins e Boyle neste delineamento do contexto teológico em que

Willis estava inserido não é acidental. Assim como John Ray, Wilkins e Boyle

também dão indícios, através de seus trabalhos, de uma forma de percepção

da relação entre temas teológicos e aqueles relativos às ciências, no período

em apreço.

A título de exemplo, a obra Discourse Concerning the Beauty of

Providence (1649), de John Wilkins, constituiu um caso dos influentes trabalhos

em teologia natural, na medida em que destacava a ideia de providência como

tendo especial relevância para o entendimento de Deus. O tema da providência

parece fundamental neste contexto, pois, pela graça divina, como defendia

Wilkins, havia a possibilidade de interpretar um dos livros pelos quais Deus se

revelava: a natureza, fato que não ocorria, segundo se pensava, entre pagãos

desprovidos do acesso à tal providência. Não parece demais lembrar que esse

                                                            130 Cf. Bynum, 444-468. 131 Cf. Frank Jr, Harvey and the Oxford Physiologists.

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livro de Wilkins alcançou sua quarta edição por volta de 1672, algo raro na

época132.

Outra obra, A Free Enquiry into the Vulgarly Received Notion of Nature

(1686), de Robert Boyle, também constituiu uma versão do tipo de relação

entre filosofia natural e ideias teológicas específicas ao contexto da teologia

natural. Nesta obra, Boyle atacava explicitamente os filósofos naturais que

argumentaram que a natureza, ao invés de Deus, era o principal agente da

criação do mundo133. Além disso, Boyle sugeriu que a providência divina tinha

uma finalidade específica na criação do mundo em cunhar tudo na forma em

que estava, o que contrariava o argumento de críticos que defendiam ideias

alternativas para o desenho do mundo. Boyle afirmava que só Deus era

responsável pelas leis que governavam o movimento e outros efeitos

naturais134.

Relativamente aos estudos médicos em que Thomas Willis esteve

envolvido, é possível que os estudos em filosofia natural e teologia tenham

gerado, neste autor, a convicção de que o conhecimento anatômico era

essencial para uma análise aprofundada da mente e do comportamento

humano135. Na dedicatória do Cerebri Anatome, por exemplo, Willis afirmou

que a anatomia pode “destrancar os lugares secretos da mente do Homem e

olhar para a Capela da Divindade que vive e respira"136. As ideias religiosas

combinadas com os temas das ciências do período, possivelmente levaram

                                                            132 Cf. Mandelbrote, “The Uses of Natural Theology in Seventeenth-Century England”, 451-480. 133 Ibid. 134 Cf. Brooke, Science and Religion, 132. 135 Cf. O'Connor, 139-143. 136 Willis . Cerebri Anatome: cui accessit nervorum descriptio et usus. (London: Ulan Press, 1664) apud O'Connor, “Thomas Willis and the Background to Cerebri Anatome”. J R Soc Med 96, nº 3 (2003): 139-143.

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Willis a ver o cérebro como um sistema harmonioso e interligado aos desígnios

de Deus137.

Além disso, durante sua vida, Willis colecionou vários atlas anatômicos,

trazendo muitas das concepções clássicas, aos quais consultava durante suas

investigações do corpo humano. Mas, embora considerasse Galeno e

Hipócrates como fundadores da medicina, defendia a visão de que os

anatomistas clássicos não só não tiveram acesso à detalhes anatômicos

suficientes para a investigação, como também eram afetados por um sistema

de crenças pagão e falho138. Tal sistema de crenças, na visão de Willis, teria

rendido aos “Antigos” a incapacidade de reconhecer a verdadeira beleza da

criação final de Deus, a humanidade, em sua estrutura física. Vale ainda

lembrar que as descobertas anatômicas iniciais de Willis serviram, não apenas

como base para a sua obra Cerebri Anatome, mas também como ensejo para

uma série de palestras, onde pode oferecer seus estudos a um público mais

amplo, incluindo membros do clero anglicano139.

4.1 Cérebro e mente: Debates teológicos e filosóficos

Embora se constituísse numa discussão recorrente desde tempos

antigos, a natureza da alma foi intensamente debatida na época de Willis. De

fato, a relação da alma imortal do homem com o corpo e o universo era, no

Seiscentos, um tema de disputas constantes entre teólogos e filósofos naturais.

                                                            137 Cf. Dewhurst, “Some Letters of Dr. Thomas Willis (1621–1675)”, 63-76. 138 Ibid. 139 O'Connor, 139-143.

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As respostas ao tema tiveram profunda influência sobre a doutrina da

Ressurreição, uma questão que dominou a teologia na segunda metade do

século XVII, e que esteve na pauta do dia quando ocorreu o conhecido caso de

Anne Green, em que Willis esteve envolvido140.

No contexto inglês, a filosofia natural era perpassada pela afirmação de

William Harvey de que a alma era uma propriedade do sangue – noção

derivada de Aristóteles, que via o coração como o motor primeiro. Filósofos

continentais sustentavam pontos de vista diferentes: van Helmont localizava a

alma no piloro e Descartes sustentava a glândula pineal como o assento da

alma. Em solo inglês, Henry More, ativo participantes desse debate, duvidava

que um órgão como o cérebro pudesse gerar faculdades superiores141.

O tema da alma permanece central ao longo dos trabalhos de Willis, que

defende, como muitos antes dele, a existência de dois tipos: a racional e a

animal. Willis argumenta ter tomado essa distinção de São Jerônimo e Santo

Agostinho, entre os antigos, e de Henry Hammond, entre os seus

contemporâneos142.

De acordo com essa distinção, as características da alma racional eram

relativamente simples: ela era imortal e somente os seres humanos a

possuíam. Por outro lado, a alma animal, que também chamou de “alma

corpórea”, ou anima brutorum, era propriedade tanto de seres humanos quanto

de animais e, no caso do homem, era subserviente à alma racional143.

Willis considerava que a alma corpórea era composta de duas partes: a

alma vital, alojada no sangue, e a alma sensível, presente no sistema nervoso.

                                                            140 Cf. Rengachary et all. “Human Resuscitation in the 17th Century”, 408-10. 141 Cf. Dolan, “Soul Searching”, 1-7. 142 Cf. Dewhurst. Willis's Oxford Lectures. 143 Cf. O'Connor, 139-143.

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Para nossos propósitos, é preciso saber, relativamente a alma vital, apenas

que Willis a concebia como uma espécie de "chama" no sangue circulante,

alimentada pelo então chamado nitro (ou aero nitro), por sua vez constituído de

partículas ativas do ar, absorvidas durante a respiração144. Por meio de uma

agitação mútua dessas partículas aero nitrosas com as partículas sulfurosas,

espirituosas e salinas do sangue – processo que Willis identificava como

"fermentação" – a alma vital gerava calor, assimilava alimento digerido e

mantinha as partes do corpo. Em contraposição, a alma sensível consistia do

movimento e agitação de partículas de espíritos animais dentro do cérebro e

dos nervos145.

Conforme mencionado, a questão de como o intelecto (ou a alma racional)

influenciaria o corpo e vice-versa já era, no Seiscentos, um tópico de discussão

havia muitos séculos. Até o século XVII, muitos filósofos concordavam com a

ideia aristotélica que considerava o intelecto como algo impossível de ser

conhecido através de simples estudos anatômicos. Ao mesmo tempo, este era

considerado um tópico perigoso, pois a armadilha do materialismo e, portanto,

do ateísmo estava sempre à espreita de quem se aventurasse a fazer o

escrutínio da alma racional através da anatomia146.

Willis falou do problema concentrando-se na comunicação entre a alma

racional e as outras faculdades e órgãos do corpo, sem elaborar muito sobre a

alma racional no próprio cérebro. Ao fazê-lo, conseguiu incluir a alma racional

em seu discurso anatômico sem reduzir o intelecto à matéria. Na mesa de

dissecação, ele observou que os nervos intercostais eram peculiares ao

                                                            144 Cf. Hawkins, “Piss Profits”, 1-24. 145 Cf. Rousseau, 107. 146 Ibid.

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"homem de juízo". Particularmente importante foi sua observação de que os

nervos intercostais conectavam o cérebro e o coração e a vísceras menores,

uma conexão não reconhecida na filosofia aristotélica147.

Algumas das observações anatômicas de Willis o levariam, inclusive, a

concluir que os nervos intercostais controlavam as paixões e instintos mais

basais dos órgãos. Em outras palavras, eram responsáveis pela mediação de

algum tipo de racionalidade e, ao fazer isso, transformavam o ser humano em

um ser racional148.

Samuel Parker (1640-1688), influente teólogo inglês, incorporou alguns

argumentos de Willis a seus trabalhos. Em seu tratado sobre a preexistência

das almas, por exemplo, Parker argumenta que os nervos intercostais são os

instrumentos mais importantes da alma, pois controlam as paixões do corpo, de

modo que o ser humano pode, desembaraçado dos movimentos perturbadores

do corpo, transformar-se em um "ser puro e intelectual"149.

Assim, tanto Willis quanto Parker fizeram da razão e do intelecto aspectos

centrais da sua filosofia natural e teologia. Alguns estudiosos têm sugerido que

a ênfase Anglicana sobre o uso da razão em assuntos naturais e espirituais

influenciou fortemente as ideias de Willis, bem como as de Parker. Na teologia

anglicana do período, foi largamente enfatizada uma síntese entre a razão e a

lei (natural)150.

Em particular, o chamado Oxford School of Rational Theologians, dos

quais Gilbert Sheldon era um membro proeminente, enfatizava o uso da razão

na teologia ao mesmo tempo que fazia forte oposição à ênfase calvinista nos

                                                            147 Parker, A Free and Impartial Censure of the Platonick Philosophie. 148 Cf. Knoeff, “The Reins of the Soul”. 149 Ibid., 437. 150 Cf. Tyacke.

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decretos divinos151. De acordo com B. Shapiro, estudiosa especializada no

período, os anglicanos evitavam discussões sobre a predestinação, graça e

pecado original, tópicos historicamente centrais da teologia calvinista. Em vez

disso, argumenta, eles acreditavam que o homem era naturalmente dotado de

princípios que o levavam a procurar a felicidade terrena e a salvação, de modo

que, em certo sentido, a salvação estava nas próprias mãos do homem152.

Além disso, o tema do comportamento e convicções morais era uma

preocupação central para muitos teólogos, na medida em que pregavam que

uma “boa vida” terrena poderia contribuir para uma “vida boa” na eternidade153.

Nesse sentido, a questão da moralidade ficou no topo das aspirações dos

clérigos durante a Restauração.

Em reação aos puritanos, que tinham subordinado a prática de suas vidas

a uma religião bastante formal e dogmática, os anglicanos argumentavam que

a própria vida da religião consistiria da prática154. Dessa forma, manuais de

moralidade eram promovidos com o fim de incentivar uma vida rigorosamente

ascética em busca da perfeição cristã.

Embora anglicanos ainda acreditassem que os seres humanos são

dependentes da graça divina para combater a onipresença do pecado, eles

eram, no entanto, otimistas sobre o potencial moral da humanidade, bem como

sobre as capacidades da razão natural155. Neste contexto, a ideia de Parker de

que a razão, exercida através dos nervos intercostais, torna os seres humanos

mais virtuosos, reverbera um pensamento do período. Além disso, dado que os

                                                            151 Cf. McLachlan, Socinianism in Seventeenth-century. 152 Shapiro, Probability and Certainty in Seventeenth Century England. 153 Ibid., 88. 154 Cf. Spurr, The Restoration Church of England, 1646 – 1689. 155 Ibid., 306.

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anglicanos usavam especulações da filosofia natural em seus debates sobre a

natureza da razão e da moralidade, não era incomum para Parker usar teorias

anatômicas de Willis, a fim de reforçar a sua posição teológica.

Entretanto, a certeza moral também era motivo de preocupação para

filósofos naturais156. De acordo com o estudioso A. Johns, os médicos tratavam

do corpo; os ministros, por outro lado – "médicos espirituais" –, tratavam da

alma. Ambos, no entanto, podiam e sentiam-se qualificados para discutir um

ramo do conhecimento que atravessava a relação entre o corpo e a alma: a

moralidade157.

A especificidade da abordagem anglicana de Willis torna-se evidente

quando comparamos brevemente a teologia natural Inglesa com a físico-

teologia holandesa e a forma como os calvinistas holandeses abordavam

aspectos relacionados ao intelecto e às paixões. Na teologia calvinista, alma e

o corpo seriam decaídos e corrompidos pelo pecado. Isto significaria que não

só o corpo, mas também o intelecto estavam sob a orientação do pecado e,

portanto, incapazes de qualquer desejo moralmente correto158.

Calvino defendia a reprovação total da vontade humana como legítima

para assuntos morais. Assim, era na vontade de Deus e na obra do Espírito

Santo que deveria basear-se a edificação moral. Contrastava a vontade

imutável de Deus com a vontade humana. Para Calvino, não havia meio termo

entre a alma e o corpo. Entendia os termos "espírito" e "alma" referindo-se a

mesma coisa159. Com base nisso, Calvino rejeitava a distinção entre o

"sensível" e a "alma racional" encontrada em Platão e Aristóteles. Filósofos

                                                            156 Henry, “The Matter of Souls”, 87-113. 157 Johns, “The Physiology of Reading and the Anatomy of Enthusiasm,” 136-70. 158 Cf. Hart, Calvinism: A History. 159 Cf. Calvin, The Institution of Christian Religion.

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clássicos faziam esta distinção a fim de explicar como as faculdades superiores

da mente podem superar os impulsos do corpo.

No entanto, para Calvino, a explicação dos filósofos clássicos era

insuficiente para dar conta da total corrupção da razão humana. Os seres

humanos, segundo Calvino, tornaram-se depravados em tal grau, após a

queda de Adão, que o intelecto de toda a humanidade ficou incapaz de adquirir

qualquer conhecimento moral real sobre o si próprio160.

A partir das ideias acima, torna-se ainda mais evidente que a descrição de

Willis dos denominados nervos intercostais seria um bom exemplo de como

seus estudos anatômicos responderam a questões filosóficas e teológicas do

período. Conforme mencionado, Willis era conhecido como um homem

altamente religioso. Mas, ao mesmo tempo, também era versado em filosofia

aristotélica escolástica, bem como na nova filosofia mecânica cartesiana, além

de tantas outras já referidas. Suas teorias sobre os nervos intercostais indicam

que conjugou ideias próprias da teologia natural do período com seus estudos

em fisiologia, de forma a encontrar uma solução para o problema de como a

alma racional poderia regular as paixões do corpo. Problema este que intrigou

filósofos e teólogos, desde sempre, e continuava a intrigar até mesmo os

homens da nova ciência, no tempo de Willis.

                                                            160 Cf. Balserak, Jon. John Calvin as Sixteenth-Century Prophet.

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4.2 Ressurreição

A ressurreição constituiu um dos tópicos que, no contexto de Willis,

interseccionavam assuntos teológicos e da filosofia natural. Se retomarmos o

caso de Anne Greene, já citado no capítulo I, observa-se que os termos

“ressurreição” (definido como a volta de uma pessoa à vida) e “ressuscitação”

(um conceito mais prático de intervenção no curso de uma pessoa na iminência

de morte com uso de técnicas e práticas) guardam, de maneira semelhante,

uma linha levemente demarcada entre morte e vida. Mas também oferecem

um sentido, tanto no campo das ciências, quanto da teologia, ao caso em que

Thomas Willis e William Petty estiveram envolvidos.

Figura 7 Uma xilogravura retratando o enforcamento e reanimação de Anne Greene.

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Relativamente ao significado teológico, a visão de Willis sobre o corpo e

suas partes constituintes representava um sistema compreensivo da ação fisica

e moral de Deus, o que incluia a iminencia da ressurreição. Sobre este tema,

acreditava-se que indivíduos pecadores deveriam aceitar a providência de

Cristo e renascer através da sua ressurreição. De acordo com Richard

Allestree (1621-1681), estudioso contemporâneo a Willis, a medicina para o

corpo doente era importante não apenas para promover vida corporal, que já

sofria os tormentos de uma doença terminal, mas para dar ao pecador a

oportunidade para a conversão enquanto estava consciente. Afinal, de acordo

com a teologia anglicana, a promessa de Cristo para a vida eterna era

oferecida aos humanos que, dentre as criaturas de Deus, eram tanto racionais

quanto redimíveis161.

Os temas teológicos da morte e redenção perpassavam os escritos de

Willis na medida em que este autor caracterizava as doenças do corpo e a

morte como oportunidades para conhecer a verdade e a vida. Cada um desses

estados (as doenças e a morte do corpo), quando considerados do ponto de

vista da teologia anglicana, dava tanto aos pacientes quanto ao médico a

oportunidade de engajarem-se em atividades ‘transcendentes’162.

                                                            161 Grell, Andrew Cunningham. Medicine and Religion in Enlightenment Europe, 17. 162 Cf. Martensen, The Brain Takes Shape, 119.

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4.3 Médico e Sacerdote

Um entendimento comum no contexto de formação médica de Thomas

Willis era o de que a atividade e o esforço do médico correspondiam ao da

pessoa de Cristo163.

Para Willis, não só a teoria médica, mas também o College of Physicians

serviram como modelo para a cura, não só dos enfermos, mas de uma nação

devastada por conflitos. Esse seria um dos propósitos maiores, não só de

Willis, mas de muitos outros estudiosos de sua época. Pregando perante o

Parlamento, logo após a Restauração, Edward Reynolds (1599-1676), reitor da

Christ Church, por exemplo, falou sobre os "meios e método de Deus para

curar uma nação doente". O texto bíblico utilizado foi Malaquias 4: 2-3. Com

base no texto, Reynolds dizia que "vemos uma promessa de cura para todos os

que temem o nome de Deus". Nesse sentido, a nação estava "doente" com a

divisão. A fim de curá-la, o Parlamento precisaria de um ótimo College of

Physicians e seria necessário "imitar o exemplo de Cristo, que é o Senhor que

nos dá saúde"164.

Pregando uma semana depois, perante a Câmara dos Lordes, Reynolds

continuou na mesma linha: "Vimos Príncipes em ruina (...) o parlamento falido

(...) o chão ensanguentado (...) e não há qualquer grau de ordem (...). A

maneira, pois, para a cura, é (...) manter nossas opiniões divergentes para nós

mesmos (...) [para que] a paz da igreja não corra perigo”165.

                                                            163 Ibid., 98. 164 Reynolds, Sermon Before the House of Peers (Westminster: Thomas Ratcliffe, 1660, 6) apud Martensen, The Brain Takes Shape: An Early History. Oxford: Oxford University Press, 2004, 98. 165 Ibid.

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Como mencionamos anteriormente, Thomas Willis foi educado em um

ambiente altamente complexo em sua composição intelectual e social. Apesar

de não ter saído das Ilhas Britânicas para realizar estudos em outas instituições

do Continente – algo, de certo modo, comum entre muitos estudantes de

filosofia natural e medicina do período – o conjunto de trabalhos publicados por

Willis, ao longo de sua vida, revelam uma rica gama de fontes intelectuais

permeadas por uma complexidade de visões sobre a natureza, sobre o homem

e sobre Deus.

Assim, com base no delineamento mais geral, que aqui foi feito sobre o

contexto da vida e da obra de Willis, realizaremos, a seguir, uma análise mais

detida de um dos seus primeiros e mais importantes trabalhos: The

Fermentatione, publicado em 1656.

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CAPÍTULO III

De Fermentatione: publicação, recepção

e algumas notas analíticas.

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1. De Fermentatione – publicação e recepção

De Fermentatione foi um dos principais trabalhos dentre as várias

publicações que Thomas Willis realizou ao longo de sua carreira. Neste tratado,

Willis deixa transparecer vividamente o impacto do pensamento químico sobre

sua própria compreensão de mundo. A princípio, Willis parecia imaginar que o

assunto limitava-se ao processo de produção de pães ou de bebidas alcólicas.

No entanto, seu trabalho sugere que, após um estudo sobre o assunto, sua

opinião mudou:

“Percebi que eu tinha começado um trabalho muito maior: porque claramente apareceu, além dessa arte, muitas obras da natureza, que não surgiram por elas mesmas, mas por consequências da fermentação ""166.

Thomas Willis já havia finalizado o De Fermentatione em 1656. Porém, a

sua publicação só ocorreria em 1659, mesmo ano em que publicou outros dois

trabalhos com claras indicações relativas à importância da química: De

Febribus e De urinis as Diatribae duae medico-phisophicae. Os três tratados

foram publicados em 1659 sob o mesmo título: Diatribae duae medico-

philosophicae – quarum prior agit de fermentatione167 e chegaram à quarta

edição em um curto período de tempo168.

O Diatribae, de Willis, foi provavelmente o trabalho em língua inglesa de

maior importância para a introdução da iatroquímica na medicina inglesa do

período. Foi também amplamente aceito pelo College of Physicians, porque se

                                                            166 Willis, Prefácio para Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies. 167 Daqui em diante adotaremos a versão mais curta, Diatribae, quando nos referirmos ao conjunto dos três trabalhos. 168 Debus, Chemistry and Medical Debate, 64.

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valia de uma explicação inovadora das febres, combinando a ação mecânica,

entre corpúsculos materiais, com tratamentos tradicionais galênicos169.

Relativamente aos trabalhos iniciais de Willis, o tema das febres era o

tópico que melhor expressava a estreita relação entre as ideias químicas e

médicas do período. Devido ao escopo da tese, nossos apontamentos neste

capítulo não focarão o tratado de Willis sobre as febres. Todavia, o que

trataremos aqui permite entender inicialmente a filosofia e a linguagem química

dentro da qual operou Thomas Willis, bem como sua forma de compreensão da

natureza, da vida e dos processos vitais. Além disso, o tratamento de parte da

filosofia química seguida por Willis nos dará acesso a uma espécie de

antessala do tema das febres, que se encontra na sequência do Diatribae. Algo

que já indicaria uma conexão temática entre o De Fermentatione e o De

Febribus, conforme será retomado adiante.

Ainda sobre essa questão, vale lembrar que o trabalho de Willis não foi o

único a preocupar-se com o problema das febres, cujos estudos, aliás, já eram

persistentes desde tempos antigos. De toda forma, houve uma ampla produção

sobre o tema no período. Poucos autores médicos não as consideraram em

seus trabalhos. O médico francês Jean François Fernel (1497-1558), por

exemplo, dedicou parte de seu importante trabalho Pathologia ao tema, assim

como um tratado a seu tratamento170. Uma das razões para a proeminência do

tema das febres nesta literatura médica estaria relacionada ao fato de terem

assumido grandes proporções no período seiscentista171.

                                                            169 Ross, 113. 170 Para verificar uma série de outros autores médicos que trataram do tema no período, cf. Bates, “Thomas Willis and the Fevers Literature of the Seventeenth Century”, 45-70. 171 Cf. Ibid., 46.

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Figura 8 Diatribae na edição de 1663

 

Todavia, as ideias de Willis sobre fermentação nem sempre foram bem

recebidas. Entre outras coisas, pela abrangência assumida por estas ideias,

uma vez que considerava, assim como fizera van Helmont, os processos

ocorridos no organismo animal sempre como formas de fermentação. E, mais

ainda, porque Willis definia esse processo como um movimento interno das

partículas de qualquer corpo, fosse para alcançar a perfeição do mesmo, fosse

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para sua transformação em outro corpo. Tais conceitos evocaram, por

exemplo, a hostilidade do anatomista Edmund O'Meara (1614-1681), defensor

das ideias médicas de Galeno, que publicou suas críticas na forma de panfletos

em 1665172.

Como já discutimos no capítulo II, este era um tempo de grande tensão

entre os tradicionais "galenistas" e outros filósofos naturais inspirados por

William Harvey, dentre os quais, o próprio Willis. O'Meara, por outro lado, era

um dos mais proeminentes "galenistas", usando todo seu prestígio para atacar

Willis e o resto da escola médica de Oxford no livro intitulado Examen dia

Thomae Willisii de Febriobus. A crítica central estava no fato de Willis apoiar e

divulgar o método desenvolvido por Harvey173.

No entanto, em 1665, o médico Richard Lower defendeu Willis, a partir

da publicação de seu Diatribe Thomae Willsii de Febriobus Vindicato. Esta

publicação foi tanto um ataque à O'Meara e a seu círculo, quanto uma

afirmação e apologia do método defendido por Harvey e seus seguidores174.

Muito embora, no centro das atenções estaria, conforme o próprio título indica,

uma das três obras publicadas num mesmo livro por Willis, em 1659. Mais uma

vez, vale lembrar que, embora em cada uma dessas obras abriga-se uma

temática própria, todas elas parecem ter na fermentação a base para justificar

os processos do organismo e da natureza. Em outras palavras, Willis concluiu

seu De Fermentatione ainda em 1656 e, muito provavelmente, este serviu

como base para as outras duas obras médicas que, não por acaso, seriam

publicadas como um único conjunto. Assim, para melhor entender o

                                                            172 Symonds, 92. 173 Loriaux, A Biographical History of Endocrinology, 58. 174 Cf. Lower, “Anatomist and Physiologist”, 420-3.

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encadeamento dessas concepções de Willis, apresentamos, a seguir, uma

verificação expressa através de temas relacionados à química, em seu De

Fermentatione.

2. Verificação da temática química analisada por Willis em De Fermentatione

O tratado de Thomas Willis sobre a fermentação foi dividido em 12

capítulos descritos da seguinte forma:

I. Of the Principles of Natural things; II. A Description of the Principles of Chymists, and the Properties and Affections of them; III. What Fermentation is: Its Division as to the Subjects; and first of Minerals; IV. Of Fermentation for as much as is observed in Vegetables; V. Of things to be observed of Fermentation about Animals; VI. Of Fermentation, as it is performed in Artificial things; VII. Of Fermentation, as it is seen in the Exaltation of Bodies, and Tendency to Perfection; VIII. Of the Motion of Fermentation, which is observed in the Death, also in the Putrefaction and Corruption of Bodies; IX. Of the Motion of Fermentation, as much as is to be observed in the Dissolution of Bodies; X. Of the Nature of Fire: and by the way of Heat, and Light; XI. Of the Motion of Fermentation, as it is to be observed, in the Precipitation of Bodies; XII. Of the Motion of Fermentation, as much as it is to be observed in the Coagulation, and the Congelation of Bodies.

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Figura 9 Frontispício do Diabrae da edição de 1663, publicado por Gerbrandus Schagen em Amsterdã, com inscrição de Lucrécio

"Ita res accedent lumina rebus"

Conforme já se verifica através da simples leitura desses títulos, a

intenção fundamental do De Fermentatione era descrever, analisar e

demonstrar o papel, nos diversos reinos da natureza e corpos naturais, do que

Willis considerava como a “Doutrina da Fermentação”175. Nesse sentido, ao

longo do presente capítulo, traremos em maiores detalhes da fundamentação,

predominantemente de ordem química, de que nosso autor se valeu para dar                                                             175 Willis, Prefácio para Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 12.

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base aos processos de fermentação. Tal fundamentação foi delineada nos

cinco primeiros capítulos do tratado.

Além disso, a escolha de tais capítulos justifica-se porque neles Willis

descreve os processos de fermentação presentes nos três reinos da natureza,

ou seja, nas três divisões que abarcavam o todo dos fenômenos naturais. Vale

lembrar que, a partir deste caminho de entendimento da fermentação na

natureza, Willis desenvolveria, nos outros dois tratados do Diatribae, sua

compreensão dos processos vitais, tais como o fenômeno das febres.

Igualmente, nesses cinco capítulos, transparecem conceitos e teorias ligadas a

autores como Paracelso, van Helmont e William Harvey que, conforme

indicamos no capítulo anterior, constituíam fontes de Willis.

Tratados por Willis com grande atenção e detalhamento nos cinco

primeiros capítulos de seu De Fermentatione, esses e outros temas relevantes

serão destacados aqui, de forma também atenta, a partir de comentários ao

seu próprio texto.

a. Thomas Willis e os “princípios das coisas naturais”

 

Inicialmente, Willis apresenta, do ponto de vista etimológico, a origem do

termo fermentação. Segundo ele, o termo “fermentação” deriva de

“efervescência”, assim como o termo “fermento” deriva de “fervimento”. Willis

considera a fermentação como um processo usual e presente em toda a

natureza. Este poderia ser percebido, de maneira mais evidente, a partir da

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observação do fermento no processo de produção de pães, ou na purificação

de vinho novo e cerveja176.

Todavia, Willis considera a fermentação como um processo mais geral

da natureza, tomando como base a noção aristotélica de “Princípio de coisas

naturais”. Tal noção termina por ser o título do capítulo inicial do seu tratado.

Willis preocupou-se em definir a fermentação como um fenômeno encontrado

em processos químicos naturais para, assim, poder argumentar sobre sua ação

no corpo humano, particularmente no contexto da circulação sanguínea.

As considerações iniciais de Willis, envolvendo as coisas naturais com o

processo de fermentação, seriam as seguintes:

“Corpos (...) estão aptos a uma fermentação, fino ou espesso, líquido ou sólido, animado ou inanimado, natural ou artificial; (...) No ventre, o movimento de fermentação é contínuo; ao contrário, em sua maior parte, nas coisas que não fermentam, consistem partículas da mesma Imagem e Conformação que, na verdade, associam-se entre si, sem qualquer movimento ou turgência, de forma tranquila e pacífica. Porém, se o vinho ou a cerveja, forem engarrafados e colocados virados com o gargalo para cima, ou em recipientes com pouca ventilação, se aquecerão, com perigo, muitas vezes de se quebrarem "177.  

Willis destaca o fato de que todo corpo pode fermentar, bastando para

isso ser constituído de partes heterogêneas. Isso, na visão de Willis, seria a

causa do movimento de partículas178. Estas partículas, por sua vez, seriam de

dois tipos: as térreas, que são fixas e mais espessas; e as aéreas, mais sutis e

leves179.

                                                            176 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 1. 177 Ibid. 178 Ibid. 179 Como se sabe, os estudos sobre as partículas aéreas despertaram grande interesse no período, em especial, os relacionados a uma espécie de princípio vital, denominado aero nitro; sobre o assunto, vide, por exemplo, Debus, “The Paracelsian Aerial Niter”, 43-61; Alfonso-

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Segundo Willis, devido ao fato das partículas aéreas estarem envoltas

nas térreas (fixas), em sua tentativa de escapar destas partículas de matéria

densa, acabam por gerar seu movimento:

“O Espírito do Vinho, fechado num pequeno frasco de vidro, sem sinal de calor, com a adição de um pouco de óleo de terebintina, a este Espírito, as partículas dos licores irão movimentar-se, eu já vi isso quebrar um vidro hermeticamente fechado” 180.

Willis menciona que o processo de destilação separa o componente

responsável pela fermentação. Desta sorte, se o líquido for destilado, o

processo de fermentação não ocorrerá. Explicitada esta base química, Willis

pensa a fermentação em animais e vegetais. Por isso, menciona que existem,

tanto no sangue e no suco de animais e vegetais, assim como noutros líquidos,

diversos componentes que podem resultar na fermentação181. Algo que reforça

a ideia, já presente desde o início do texto, de que a fermentação poderá

ocorrer tanto em corpos naturais como em artificiais, vivos e não-vivos.

Willis menciona ainda que se um líquido for armazenado numa garrafa

fechada hermeticamente e, em decorrência disso, sofrer fermentação, a garrafa

será rompida por causa da fermentação182. Todavia, se o mesmo líquido

passar por um processo de destilação, antes de ser armazenado na garrafa,

ele poderá ficar armazenado por um longo tempo sem o risco de romper-se.

Dessa forma, Willis dá indícios de que, se destilado, um líquido, como por

exemplo, o vinho, não fermentaria, o que sugere a possibilidade de isolar

alguma espécie de “princípio” responsável pela fermentação.

                                                                                                                                                                              Goldfarb, “Algumas Considerações Propedêuticas”; Porto, “O Salitre Aéreo”; Silva, “Um Estudo Sobre o Salitre”. 180 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 1-2. 181 Ibid. 182 Ibid.

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Segundo nosso autor, esta última possibilidade pode ser alterada com a

adição de açúcar ou xarope, isto é, a adição de tais componentes provocaria a

fermentação183. Hoje sabemos, dado o lapso temporal, que os microrganismos

responsáveis pelo processo de fermentação consomem o açúcar para a

realização do processo. De certo modo, isso não passou despercebido por

Willis, que obviamente não efetuaria a mesma análise que químicos do século

XXI, mas que registrou a ocorrência de fermentação com a presença de

açúcar.

É importante destacar ainda a relevância dos processos mencionados

por Willis. Se fizermos recurso ao contexto mais imediato em que Willis escreve

a sua obra, lembraremos que os estudiosos associados a Samuel Hartlib

faziam buscas incansáveis por informações sobre esses mesmo processos.

Nesse sentido, vale lembrar ainda que Willis mantinha contato estreito com

alguns associados a Hartlib.

Obviamente, isto se dava, não só pela importância de sua obra no

período, mas, em especial, pelas conexões que pareciam existir entre o

processo de fermentação por ele estudado, e a possível produção do salitre ou,

mais ainda, de seu ‘princípio’ material, denominado aero nitro ou nitro aéreo.

Princípio esse que se acreditava permear os três reinos da natureza e que

estaria vinculado à própria manutenção da vida184.

Ainda em relação aos “princípios das coisas naturais”, Willis diz:

"(...) Afirmando que todos os Corpos consistem de Espírito, Enxofre, Sal, Água e Terra, do movimento diverso da proporção destes, das coisas misturadas, dos começos e finais, e principalmente, das razões e das variedades de

                                                            183 Ibid. 184 Para mais informações sobre o tema, vide as referências oferecidas na nota 180.

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Fermentação que estão sendo procuradas. Se alguém se opõe, que os Princípios Atômicos e Espagíricos são completamente subordinados, a saber, que se complementam entre si, apenas para serem representados por Concepção (...), será necessário explicar primeiro algumas coisas sobre estes Princípios, em geral e em particular "185.

Infere-se deste trecho que Willis trata das teorias de composição da

matéria, segundo Demócrito, porém agregando os princípios espagíricos, uma

combinação que não lhe parece contraditória, ao menos em teoria. Mas, como

será visto na sequência, na verdade Willis opta por basear seu tratado nos

princípios espagíricos, onde a matéria seria formada por princípios (espírito,

sal, enxofre, água e terra) e toda ela seria revolvida por intermédio do fogo. Ou

seja, diferentemente dos aristotélicos, Willis não considera o fogo como

elemento. Inspirado por Van Helmont, Willis considera o fogo como meio de se

chegar aos verdadeiros princípios constituintes da matéria.

b. Considerações sobre os “princípios e propriedades da química”

Como esperado, no segundo capítulo Willis define os princípios para

sustentar a sua teoria da fermentação, a saber, espírito, sal, enxofre, água e

terra. Segundo Willis, a combinação, a interação e a proporção de cada um

desses princípios na matéria constituem fatores fundamentais para a

ocorrência da fermentação.

Observaremos, a partir do próximo excerto, que Willis inicia a sua

análise pela substância “espírito”:

                                                            185 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 2.

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"Espíritos são substâncias altamente sutis e Partículas etéreas da Respiração Divina que nossa mãe Natureza escondeu neste Mundo Sublunar, uma vez que foram os instrumentos de Vida e da Alma, do Movimento e do Sentido; de tudo (...) a partir desse movimento prossegue a animação dos Corpos, o crescimento das Plantas, e o amadurecimento de Frutos, licores e outras Preparações; eles determinam a Forma e a Imagem de tudo, prefixada pela Designação Divina: conservam os laços da mistura com a sua presença; abrem-nos, pela sua partida, ao seu prazer: Eles suspendem as irregularidades do enxofre e do sal. A perfeição e o estado de tudo consiste na abundância e na exaltação dos Espíritos, a queda e a declinação, na sua necessidade e defeito” 186.

A partir daí Willis inicia a definição e caracterização de cada um dos

referidos princípios espagíricos ou químicos. Nosso autor atribui papel de

destaque ao “espírito”, imputando a ele certo protagonismo na consecução dos

processos naturais que tendem à perfeição, inclusive a fermentação187. Nesse

enquadramento, do espírito procede a animação dos corpos, o crescimento das

plantas e o amadurecimento de frutos.

Esse protagonismo do espírito estaria ligado à crença de um laço divino

do espírito que o torna necessário para que a matéria cumpra seus desígnios,

bem como exerça a sua capacidade de movimentação. Revela-se, assim, mais

forte a relação entre a fermentação e o movimento de partículas citado acima.

Isso parece ainda mais evidente no contexto do espírito por ser um princípio

sutil com tendência a escapar, fato que gera movimento das partículas

materiais.

Willis faz também um paralelo entre a presença (quantidade) de espírito

e o tipo de matéria, ou o reino da natureza a que esta pertence. Por exemplo,

nos minerais há pouca presença de espíritos, pois estes têm características

mais fixas; já para os vegetais, a presença dos espíritos é mais requerida, dada

                                                            186 Ibid., 3. 187 Ibid.

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a necessidade de crescimento e desenvolvimento. O mesmo se dá, na visão de

Willis, com os seres vivos. Assim, tudo que tende à perfeição e ao

aprimoramento estaria ligado, de algum modo, à fermentação e à quantidade

de espírito; o que significaria que quanto maior a presença de espírito maior a

possibilidade de fermentação188.

Diretamente vinculado à “tria prima” de Paracelso, o enxofre vem em

segundo lugar na ordem de importância dos princípios responsáveis pela

fermentação, devido à sua atividade. Ao enxofre, Willis atribui algumas

características da matéria, como calor, consistência e densidade, variedade de

cores e odores. Willis também atribui ao enxofre a capacidade de

movimentação e, em menor grau, a digestão, maturação e doçura.

Assim, segundo Willis, sendo o enxofre o mais fortemente agitado dos

princípios, ele pode levar a matéria a aumentar o seu aquecimento e a exceder

as suas qualidades, podendo até causar a dissolução dos corpos189.

Dessa forma, Willis associa a presença do enxofre ao processo de

fermentação, ao amadurecimento de frutos e à constituição de criaturas vivas.

Lembremos que, no início do tratado, Willis define fermentação também como

“crescimento em quentura”. É possível inferir, portanto, que o enxofre

contribuía, de maneira decisiva, para a fermentação, dado que sua presença

estaria diretamente relacionada com a presença de calor nos corpos.

Contribuiria também para a sua alta mobilidade e capacidade de colocar a

matéria em movimento190.

                                                            188 Ibid., 3. 189 Ibid., 3-4. 190 Ibid., 4.

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Novamente, Willis faz uso da “tria prima” paracelsista, no que se refere

ao terceiro constituinte dos corpos: o sal. Este constituinte, de acordo com

Willis, embora menos móvel e sutil que os dois elementos anteriores, é

possuidor de uma série de qualidades importantes. Ele retardaria, por exemplo,

a dissolução dos corpos. Isso porque promoveria o congelamento e

coagulação, retardando a putrefação, corrupção e inflamação. Sua perenidade

seria justificada por ser este um princípio abundante na madeira, rochas e

metais191.

Willis atribui ao sal a propagação e duração das espécies, a fertilidade

da terra e o crescimento de plantas. A importância do sal para o processo de

fermentação será mais clara logo adiante, quando as qualidades que apresenta

puderem ser entendidas como necessárias para que o corpo atinja um estado

de desenvolvimento conquistado com a ocorrência da fermentação192.

Willis considera que a mobilidade do sal e, portanto, a sua atuação

dentro do corpo/matéria se dará por consequência dos princípios com os quais

se encontra entrelaçado. Ou, dito em outras palavras, se estiver em contato

com princípios mais fixos, o sal será mais fixo, mas se estiver misturado com

espírito, enxofre e água, isso aumentará sua capacidade de movimento e

contribuirá para a fermentação. Assim, após ser colocado em movimento, três

seriam os processos possíveis e mais evidentes em que o sal participaria

devido suas propriedades, a saber: fusão, volatilização e fluxação193.

Ainda relativamente às propriedades e características do sal, Willis

afirma:

                                                            191 Ibid. 192 Ibid. 193 Ibid.

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"O Sal resiste à inflamação, por isso detém as partículas sulfurosas em seu seio e as impede de se partir. Com exceção do Sal Nitro que aumenta a queima de enxofre, o que acontece por acaso. Esse sal, é como se fosse um hermafrodita, apresenta também partículas sulfurosas, combinadas em sua mistura; portanto, quando o sal é derretido por outro, inflamando o enxofre com violência, (como a explosão de um Fole) ateia fogo ao seu redor dirigindo-se impetuosamente a um corpo. No entanto, se você atear a chama ao salitre, não inflamará por completo; mas se ateada a um corpo sulfuroso, promove sua plena inflamação; os outros sais, menos túrgidos, com partículas sulfurosas, ou destituídas delas, misturados com o enxofre, dificultam sua inflamação ou, às vezes, o destituem."194

Verifica-se, portanto, que Willis considera o sal nitro (um dos nomes

dados ao salitre na época), como uma exceção entre os sais, devido sua alta

inflamabilidade que não era característica em materiais onde prevalecesse o

princípio salino. Para explicar tal fenômeno, nosso autor parece valer-se de

teorias que atribuíam a materiais considerados híbridos ou “hermafroditas”, ou

seja, onde existiam princípios opostos, características excepcionais. No caso, o

princípio altamente inflamável do enxofre prevaleceria sobre a baixa

inflamabilidade do princípio salino, tornando o material incendiável e passível

de explosões, quando aquecido.

De fato, essas características também eram atribuídas ao aero nitro que,

conforme vimos, era considerado, na época, a origem ou princípio material do

próprio sal nitro. Era também avaliado como causador de fenômenos, como

trovões e raios, devido à alta inflamabilidade que transmitia ao ar e a seu

contato com o enxofre, ou princípio sulfuroso, ali presente195.

Willis segue suas elucidações sobre os princípios ou as partes

constituintes de todos os corpos, referindo-se agora à água e à terra que,

                                                            194 Ibid., 5. 195 Cf. Henshaw, “The History of the Making of Saltpeter”, 260-276 e Webster. “Benjamin Worsley”, 213-235.

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segundo ele, seriam os responsáveis por preencher os espaços vazios

deixados entre os outros princípios196.

No que diz respeito à água, esta seria, de acordo com Willis, um veículo

para os princípios mais ativos (espírito, enxofre e sal) e facilitaria a

movimentação das partículas. É importante destacar, mais uma vez, que nosso

autor considerava o movimento de partículas como indispensável para a

fermentação. Porém, adverte que a quantidade de água deve ter uma justa

medida, pois, em grande quantidade, esta dilui os princípios, afastando-os, ou

ainda, facilitando seu escape da matéria e promovendo a putrefação. Ou seja,

de certo modo, as características impingidas pelos demais princípios ao

material perder-se-iam caso grande quantidade de água fosse acrescentada ao

mesmo197.

Já no que se refere à terra, Willis pondera que esta, enquanto um

princípio mais fixo, estaria sempre presente nos corpos dos três reinos da

natureza, fossem minerais, vegetais ou animais, emprestando-lhes

ponderabilidade, espessura e fixidez ao preencher os espaços ou vácuos entre

seus outros princípios constituintes198.

Ao falar do princípio terroso, Willis lança mão, uma vez mais, do

processo de destilação, referindo-se agora à posição ocupada por materiais

terrosos no alambique que, graças à sua ponderabilidade e fixidez, acabam

quase sempre carregando consigo um pouco de materiais salinos. Isso

demonstraria certa afinidade entre os dois princípios, lembrando que o sal seria

                                                            196 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 5. 197 Ibid., 5-6. 198 Ibid.

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dos princípios mais ativos, o mais fixo199. Assim, Willis conclui esta parte,

resumindo a importância de definir os princípios constituintes dos corpos para

compreender o processo de fermentação:

"Desse modo, para os elementos ou princípios das coisas naturais, considerados à parte, ou por eles mesmos, seguem-se algumas de suas afinidades e conjugações a serem desdobradas: estes são estritamente integrados com aqueles e, muito dificilmente são juntados aos outros. Fora dessa combinação mútua de alguns e discordância dos outros, surgem várias particularidades, esse conhecimento traz um pouco de luz para a Doutrina da Fermentação "200.

De igual maneira, o trecho acima indica o que Willis pretende

desenvolver na sequência, onde sua atenção volta-se para a relação que existe

entre os princípios constituintes dos corpos e seu papel no processo de

fermentação.

Willis disserta ainda sobre a afinidade entre o enxofre e o espírito, pois,

como vimos anteriormente, ambos apresentariam características semelhantes:

leveza e mobilidade. Nosso autor ressalta ainda a relação do espírito e do

enxofre com a água, novamente mencionando o processo de destilação como

meio de escape das matérias densas, já que ambos seriam princípios

voláteis201.

Ainda de acordo com Willis, o enxofre estaria presente em corpos fixos,

quase destituídos de espíritos. Enquanto os espíritos, devido sua alta

mobilidade, estariam presentes naquelas partes onde se produziriam os

processos mais profundos de alterações na matéria. Portanto, a presença de

                                                            199 Ibid., 6. 200 Ibid. 201 Ibid.

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princípios espirituosos num corpo seria requisito para a ocorrência da

fermentação202.

Ademais, Willis ressalta que, diferente do princípio espirituoso, o

princípio sulfuroso necessitaria de forte aquecimento para ser liberado ou

escapar da matéria densa. Algo que estaria relacionado com certa ordem

hierárquica de movimento e atividade entre esses dois princípios. Como

observamos anteriormente, o princípio espirituoso seria sempre mais leve,

movimentando-se mais rapidamente do que o enxofre.

No que tange aos demais princípios, Willis afirma que o sal, contido nos

líquidos corporais ou sangue de animais, em associação com o espírito seria

volatilizado, implicando em mobilidade do sal. Ou seja, embora fosse um

princípio de características mais fixas, o sal ganharia mobilidade quando

associado a um princípio espirituoso e, portanto, mais ativo203.

Além disso, nosso autor novamente utiliza o aparato da destilação para

comentar os princípios. Neste contexto, dependendo da posição em que o

alambique ficar “marcado” no processo de aquecimento e das características

dessas marcas, seria possível notar a relação entre os princípios e suas

prováveis associações204:

"Mas o enxofre é o que mais se ajusta à matéria do Espírito, pela forma como facilmente se une com o sal e os outros princípios; o Espírito ajusta-se melhor com o enxofre e a água, assim como o enxofre intimamente se ajusta à terra e ao sal. Quanto ao enxofre, além de sua afinidade com o Espírito, que tem grande relação com o sal em si, a volatilização não o ajuda: por isso, em corpos com o sal volátil, não é encontrada abundância de enxofre, como no âmbar, na fuligem, nos chifres, ossos ou nas fezes dos seres vivos; onde Sal e Enxofre estão em movimento, evaporam com um cheiro muito forte e ruim; o enxofre, sendo ajustado com o sal, causa um forte odor;

                                                            202 Ibid. 203 Ibid. 204 Ibid.

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nesse meio tempo, enxofre exalado com o Espírito agrada aos sentidos e exala um cheiro muito agradável"205.

É importante a afirmação de Willis, relacionando a presença do sal volátil

ao enxofre. Conforme já mencionamos, fenômenos como trovões, raios e as

explosões da pólvora eram atribuídos à combinação de um princípio salino com

um princípio sulfuroso. Além disso, como o próprio Willis afirma, o sal estaria

presente nos excrementos de criaturas vivas e em muitas outras partes de

seus corpos, como ossos e chifres. E seria, justamente nesses materiais, onde

Willis considera que entrariam em movimento o sal e o enxofre. Um

movimento, aliás, importantíssimo para a ocorrência da fermentação. Vale

lembrar que tais considerações de Willis não aconteceram por acaso, pois na

Inglaterra do período havia uma busca incessante por esses materiais de

origem animal, no intuito de produzir salitre206.

c. A fermentação no contexto do reino mineral

No terceiro capítulo, após ter dissertado sobre os princípios básicos dos

corpos, Willis inicia suas considerações de maneira mais detalhada sobre a

fermentação. Isso será verificado no âmbito dos três reinos da natureza:

mineral, vegetal e animal.

Inicialmente, Willis defende que a fermentação é um movimento de

partículas e esse movimento está ligado à atividade dessa partícula, onde o

                                                            205 Ibid., 7. 206 Alfonso-Goldfarb, “Algumas Considerações Propedêuticas”; Silva, “Um Estudo Sobre o Salitre”, 28-46.

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mais sutil tende a subir e o mais denso a descer ou permanecer em uma

posição mais baixa. Esse movimento de partículas seria responsável por

alterações na matéria, levando-a a um estado de maior perfeição207. Nas

palavras de Willis:

"A fermentação é uma ação ou movimento Natural, e o que a realiza são apenas partículas naturalmente implantadas no Concreto; os lugares em que são encontradas, costumam ser variadamente distintos. As coisas da Natureza fermentam em uma família trina dos minerais, vegetais e animais"208.

Além disso, argumenta que, embora a fermentação seja um movimento

natural, pode também ocorrer em “coisas artificiais”. Por “coisas artificiais”,

Willis referia-se, provavelmente, ao processo de produção de pães, vinhos e

cervejas209.

Especificamente sobre a ação da fermentação nos minerais, Willis

considera a ocorrência de fermentação no interior da Terra, mesmo

ponderando que ali sua ocorrência fosse menos evidente que na superfície210.

Ao fazer um paralelo com uma fecundação, diz que os princípios fermentativos

são implantados no interior da terra (útero da terra) e, a partir de certa

movimentação, são exalados para a superfície colaborando no aparecimento

de meteoros211.

É importante destacar que a ideia de “ventres”, enquanto matrizes

fundamentais para a geração, também são tomadas de Paracelso que, por sua

vez, embora crítico dos Antigos, tomou os elementos terra, água, ar e fogo para

                                                            207 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 8. 208 Ibid. 209 Ibid. 210 Ibid., 9. 211 Pagel, Paracelsus, 82.

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designar os tipos de “ventres” de onde eram gerados os corpos. Porém, Willis

está focado aqui apenas na terra e na geração dos minerais.

Nesse sentido, Willis monta uma relação entre a presença do princípio

do sal e a dureza dos minerais, indicando seu congelamento, ou seja, sua

fixação. Ora, o congelamento é uma das características atribuídas ao sal. A

fixidez dos minerais é também relacionada às características do sal, pois ele é,

entre os princípios, o mais ativo e mais fixo, por isso, há maior afinidade da sua

parte com a terra, um princípio fixo. Muito embora possa também se fazer

presente com o enxofre, o segundo princípio mais ativo212.

Mas Wilis vai além e reafirma uma antiga teoria, ao considerar que as

exalações subterrâneas iriam do interior da terra para a atmosfera. Porém, para

Willis, esse processo tinha uma explicação bem diferente da tradicional, pois

considera que tais exalações seriam ricas em sal e enxofre e, de certa forma,

responsáveis pela aparição de meteoros. Se relacionarmos esses dois

elementos aos trovões, raios e combustão da pólvora, encontraremos um ponto

de conexão com as teorias a respeito do aéreo nitro e a circulação de

princípios entre os três reinos. Surgindo do interior da terra, circulando pelo

ar213.

De fato, nosso autor confirma a movimentação das partículas salinas por

intermédio dos vapores e também o aquecimento e combustão devido à

presença de enxofre, conforme suas próprias características, sustentando,

assim, ainda mais os fenômenos supramencionados 214.

                                                            212 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 9. 213 Ibid. 214 Ibid.

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Até este momento, está claro que a fermentação, em termos de

processo, é uma movimentação de partículas ou princípios. Mas esse processo

acontece de forma distinta em reinos e corpos diferentes, devido sua

constituição e, por conseguinte, a prevalência de um ou outro princípio disporia

esse corpo mais facilmente, ou não, à fermentação215.

d. A fermentação no contexto do reino vegetal

No quarto capítulo, após ter dissertado sobre o processo de fermentação entre

os minerais, Willis analisa o referido processo entre os vegetais. Sobre os

vegetais, inicialmente, Willis argumenta: “Será suficiente, ao desdobramento da

Doutrina da Fermentação, tomar conhecimento de algumas das principais

instâncias a respeito desse tema " 216.

Willis defende que, após serem detalhadas em seus princípios

constituintes, as plantas apresentariam grande quantidade de sal, enxofre e

uma pequena quantidade de espírito; terra e água dependeriam do tamanho da

planta. A proporção entre os princípios dependeria do tipo de planta. Destaque

feito às frutíferas que abundam em sal, enxofre e espírito, em especial a videira

que, após ter o seu fruto passado pelo processo de fermentação, cresce em

demasia217.

Lembremos ainda, no primeiro capítulo, Willis afirmara que o corpo ou a

matéria “crescem em quentura” quando fermentam. É como se a presença do

                                                            215 Ibid. 216 Ibid., 10. 217 Ibid.

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sal, enxofre e espirito fosse responsável pelo aparecimento de frutos nessas

árvores, consequência de uma maior pré-disponibilidade à ocorrência de

fermentação.

A partir daí, Willis mostra uma relação entre a atividade dos princípios

mais ativos e a estação do ano, dizendo que, no inverno, esses princípios

encontrar-se-iam fixos na matéria, como se estivessem congelados, o que

implicaria sua baixa atividade e, portanto, o desenvolvimento irregular das

plantas, haja vista essas serem compostas e deverem seu desenvolvimento a

esses princípios 218.

É clara a relação da atividade desses princípios com a temperatura, ou

seja, a fermentação seria mais bem-sucedida quando tais princípios

estivessem na plenitude de sua atividade. E à medida que as estações do ano

avançam e a temperatura aumenta, a terra vai se tornando mais fecunda como

resultado da atividade dos espíritos. Exemplificando, nas palavras de Willis:

"Não só os Corpos de vegetais, mas de muitos animais, são deixados como se fossem mortos durante todo o Inverno, até que sejam levados de novo à vida pelo Espírito, retornando com o Verão, como que animados de novo" 219.

Como seria de se esperar, Willis serve-se do calor do sol para

caracterizar as estações climáticas e para justificar a atividade dos princípios

espírito, enxofre e sal. O aumento do aquecimento induziria as partículas ao

movimento e, portanto, à fermentação220.

Segundo nosso autor, durante o inverno as partículas mais voláteis

estariam fixas, devido às temperaturas mais baixas. Dessa forma, não

                                                            218 Ibid. 219 Ibid. 220 Ibid., 11.

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observaríamos germinação, com raras exceções feitas às plantas, cujas

partículas de sais, enxofre e espírito estivessem em grande quantidade. Na

primavera, com o aumento da temperatura, nas profundezas da terra e em toda

superfície terrestre aumentaria a quantidade dessas partículas, apresentando

excepcional fecundidade.

Willis argumenta, com base no fato da reprodução de pássaros e peixes

e na intensificação de nossa circulação sanguínea, que seria justificada pela

ocorrência da fermentação. Assim, em pleno verão, ápice do processo, tanto

de desenvolvimento dos vegetais, como da fermentação, as plantas teriam

alcançado seu pleno desenvolvimento e os frutos estariam amadurecidos. Além

disso, o calor faria evaporar mais facilmente o enxofre e o espírito. Porém, o sal

permaneceria, pois, aliado a princípios mais fixos, retornaria à terra no outono,

nutrindo o solo e perpetuando o ciclo de geração de novos seres. Finalmente,

estando o sal presente nas folhas e nos frutos que caem e decompõem-se,

retornariam e comporiam a estrutura das novas sementes que ali iriam

germinar.

e. A Fermentação no contexto do reino animal

No quinto capítulo do seu tratado sobre a fermentação, Willis analisa tal

processo com base no reino animal. Nesta parte do texto, Willis deixa ainda

mais clara a sua inspiração em Harvey, sobre a circulação do sangue, para o

entendimento do processo de fermentação entre os animais. Torna-se também

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cada vez mais evidente a intenção de Willis de escrever este tratado de

natureza química como uma espécie de antessala para o De Febribus.

Sobre a constituição dos corpos dos animais, Willis afirma que o início

da vida procede de um espírito fermentativo no coração que viaja pelo corpo

utilizando o sangue como veículo. Em seguida, Willis denomina esse “espírito

fermentativo” de fermento, do qual a vida depende, fazendo o sangue

fermentar ou “crescer em quentura”, como caracteriza Willis. Porém, não

podemos perder de vista que a fermentação depende da movimentação dos

princípios ativos anteriormente caracterizados: espírito, sal e enxofre. Significa

dizer que o fermento promove a movimentação dos referidos princípios 221.

É importante notar que quando falamos de aquecimento e movimento

estamos nos referindo à fermentação, o que significa que a mesma dispõe,

entre outras coisas, os corpos à perfeição. Nesse sentido, Willis nos diz que a

ação desse fermento e de um espírito animal contribui para a formação e o

aprimoramento do sangue222:

"É comum aceitar que a Mistura do Chyle, no ventrículo, seja feita por meio de certo Fermento Ácido: como o ácido que provoca um refluxo quando o estômago está cheio, e a sua necessidade no estômago, (...) e sua restituição, um sinal de saúde (...). Alguns dizem que este Fermento é colocado no estômago pelo Baço, mas isto ainda não aparece pela observação anatômica. Parece provável que este Fermento seja implantado no ventrículo e isso seja feito por alguns restos do Chyle aperfeiçoado, fixado nas dobras do ventrículo, desenvolvendo um ácido, colocado sobre a Natureza do Fermento; ou mesmo uma porção da massa a ser fermentada ou levedada, mantendo um azedume, torna-se um conveniente Fermento ou Lêvedo para a fabricação de pão"223.

                                                            221 Ibid., 11-12. 222 Ibid., 12. 223 Ibid.

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Confirma-se aqui a relação espírito fermentativo/fermento, pois Willis

discute a presença ou a implantação desse fermento no ventrículo do coração.

Além disso, compara o processo de aperfeiçoamento do sangue (ação do

fermento sobre o Chyle) com a ação do fermento sobre a massa na produção

de pães. Pesquisando sobre o Chyle, identificamos que se trata de um fluido

linfático com aparência leitosa224.

Willis afirma que o Chyle adquire aparência leitosa após fermentar por

ação das partículas sulfurosas e salinas misturadas a certo fermento ácido que

se localiza no ventrículo. Willis comenta a natureza salina das coisas acidas,

como que se afirmasse que o fermento ácido fosse também de caráter salino e,

como já mencionamos, uma das suas características seria a dissolução dos

corpos e a fermentação.

De fato, o fermento é entendido por nosso autor como um agente

transformador da alimentação. Além disso, considerando que, segundo Willis,

os alimentos abundam em sal, este é colocado em fluxo favorecendo a

fermentação225. Tal fermento é implantado no coração, segundo as concepções

da circulação sanguínea de Harvey226.

Fica clara também, nesta parte dedicada ao reino animal, a persistência

da ideia de separação do puro e do impuro. Como num alambique, tal

separação ocorreria na parte superior, a cabeça. Além disso, as partículas mais

sutis (voláteis) são recuperadas, penetram nos nervos e retornam à circulação.

Especificamente, a centralidade do processo de fermentação nas ideias

médicas de Willis é expressa de maneira mais vívida na seguinte passagem:

                                                            224 Cf. Alfonso-Goldfarb, Ferraz, Rattansi, “Lost Royal Society documents on ‘alkahest’”. 225 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 12. 226 Cf. Pagel. William Harvey’s Biological Ideas, 20-30.

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"Nós não apenas nascemos ou nos alimentamos por meio de fermentos; mas também morremos: todas as doenças agem pela força de algum Fermento. Por qualquer parte sulfurosa e espiritual do sangue, levada adiante pelo alto aquecimento nos vasos, como um vinho crescendo em quentura, como os diversos tipos ou natureza das febres: ou, por vezes, a parte salina do sangue, sendo levada muito adiante sofre um fluxo; tornando-se um ácido forte, às vezes fino, apto a várias coagulações; de onde podem surgir várias doenças: escorbuto, pedra nos rins, lepra e muitas outras"227.

Com base neste trecho, torna-se ainda mais evidente o que temos

argumentado ao longo deste capítulo: o processo de fermentação foi basilar

para as ideias e práticas médicas de Thomas Willis. Nesse sentido, doenças e

suas curas decorreriam de um desequilíbrio no processo de fermentação, o

qual, sendo ajustado, retorna ao organismo em condição saudável228.

Este argumento poderia confirmar-se ainda mais com base numa análise

dos trabalhos posteriores de Willis, principalmente o De Febribus, onde o autor

tratou de maneira mais direta e específica de doenças, como as febres. Nesse

sentido, é importante notar que Willis deixa ainda mais explicita a relação entre

fermentação e calor. Fica evidente, então, a conexão entre o De Fermentatione

e o De Febribus. Conforme já mencionado, esta pode, inclusive, constituir uma

razão pela qual, embora o tratado sobre a fermentação tivesse sido finalizado

três anos antes, ambos tenham sido inclusos na mesma publicação, em 1659.

                                                            227 Willis, Of Fermentation or the Inorganical Motion of Natural Bodies, 14. 228 Ibid.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme visto ao logo dos primeiros capítulos, o delineamento da

biografia de Thomas Willis – dos lugares institucionais e dos círculos sociais e

de estudos que frequentou – foi de grande valor para que determinássemos

quais seriam, ou não, os elementos constituintes de seu perfil singular,

enquanto intelectual e médico. Somada a isso, a análise do impacto da Guerra

Civil Inglesa sobre Willis, e seus diferentes circuitos de atuação, permitiu

entender melhor a maneira pela qual o conflito abriu espaço para o

alinhamento de Oxford à orbita de Londres, bem como os trânsitos derivados

de Cambridge. Uma conflagração medonha que, por caminhos imprevistos,

conseguiu juntar personagens de lados opostos, unidos pelo ideal de uma nova

ciência.

Com base nesse arranjo analítico, tornou-se possível ir além dos

tradicionais trabalhos laudatórios sobre Willis e, através de um instrumental

historiográfico atual, observar, com maior detalhe, uma espécie de tessitura

básica que teria se espalhado por toda a sua múltipla e variada obra. Dessa

forma, pudemos verificar que a “doutrina da fermentação” – considerada por

ele essencial para a compreensão de todas as transformações existentes em

todo o “mundo sublunar” –, de fato, guiou seus estudos de maneira continua e

desde o início.

Conforme vimos, os indícios mais claros dessa concepção, mantida por

nosso autor ao longo de todo seu trabalho, já se encontram em seu Diatribae

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duae medico-philosophicae – quarum prior agit de fermentatione, uma de suas

primeiras e principais obras, publicada em 1659. Mas, se tal concepção

espraia-se pelo conjunto dos três tratados que compõe essa obra, sua intenção

fica ainda mais evidente quando se verifica que o primeiro deles foi dedicado

exclusivamente ao tema da fermentação. Concluído, talvez não por acaso, já

em 1656 – e, portanto, previamente aos outros dois – esse tratado oferece,

logo nos cinco primeiros capítulos, as bases e justificativas dos processos de

fermentação.

Notáveis em seus detalhes e exemplos, esses primeiros capítulos deram

vez às análises que realizamos, na parte final da presente tese, sobre os

aspectos fundamentais e a amplitude da fermentação. Lembrando que Willis

envolveria, já nesse estudo inicial sobre a fermentação, desde a compreensão

de quais fossem os “princípios” a lhe dar existência, até a sua ação nos

diferentes corpos dos três reinos da natureza, abrangendo, inclusive, algum

entendimento dos processos vitais e do adoecimento nos seres humanos.

De igual maneira, a análise que fizemos também colaborou para que

confirmássemos, nessa obra ainda inicial de Willis, a presença de algumas

fontes bem conhecidas em seu trabalho futuro. Tal seria o caso, conforme

vimos, de autores como Paracelso, van Helmont e Harvey, cujas ideias foram

visivelmente assimiladas e reinterpretadas por Willis, de formas muito

particulares e especiais. Naturalmente, a historiografia mais atual reconhece a

entrada dessas fontes em sua obra, uma vez que Willis viveu num ambiente

perpassado pelas concepções de Harvey, assim como rodeado por

helmontianos. Algo que teria sido impensável entre estudiosos de viés mais

tradicional, em termos historiográficos. Basta lembrar que, para estes, o

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trabalho de Willis sempre foi considerado pioneiro e absolutamente original,

sobretudo no que pudesse ser relacionado a quaisquer influências ‘suspeitas’,

como seriam a iatroquímica e as demais variantes do paracelsismo. Ou seja,

justamente fontes indispensáveis para alcançar uma visão mais plena do que

teria movido Willis na direção de um estudo profundo sobre a fermentação e

suas consequências para a medicina.

Todavia, seja qual for o caminho tomado pelos estudos sobre Willis e

sua obra, ainda existe uma necessidade palpável de levantar e desdobrar

melhor, não só as fontes indicadas, mas inúmeras outras que se insinuam em

nosso autor. Por exemplo, pensadores que não chegamos a mencionar aqui,

como René Descartes e Pierre Gassendi, parecem emprestar voz a Willis em

vários momentos de seus trabalhos sobre filosofia natural e medicina. Enfim,

uma obra tão densa e relevante para a compreensão do pensamento inglês

seiscentistas, como foi a de Willis, ainda merece ser analisada profundamente

por diferentes ângulos.

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