a documentaÇÃo da aprendizagem: a voz das … · aprendo porque vejo lá as coisas que aprendi e...
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A DOCUMENTAÇÃO DA APRENDIZAGEM: A
VOZ DAS CRIANÇAS
Ana Azevedo
Júlia Oliveira-Formosinho
Questões sobre o portfólio respondidas
pelas crianças:
1. O que é um portfólio?
2. Gostas do teu portfólio? Porquê?
3. Quem faz teu o portfólio?
4. Quem escolhe os trabalhos para o portfólio?
5. Gostas de mostrar o teu portfólio aos teus amigos?
6. Tu e teus amigos conversam sobre o portfólio? O que dizem?
7. Os teus pais já viram o teu portfólio? O que é que os teus pais
dizem sobre o teu portfólio?
8. Para que serve o portfólio?
9. O que aprendes com o teu portfólio?
O QUE É UM PORTFÓLIO?
É um tipo uma capa que tem
desenhos de quando eu era
pequenina e de agora que sou
grande. Os desenhos de quando
sou pequenina tinham muitos
riscos e bonecos não tinham
pestanas, agora faço bonecos
com roupas, mãos, olhos, cabelo,
com boca vermelha e uso a cor
de pele para pintar a cara ou cor
de rosa. No meu portfólio tem
pinturas e coisas que eu escrevi
quando era pequena, como meu
nome, eu fazia letras e
risquinhos, agora faço o meu
nome com letras direitinhas.
(Mariana)
É uma capa que tem os meus
trabalhos, os de quando eu era
pequenina e os de agora que já
sou grande (...), tem pinturas,
desenhos, colagens, escrita (...),
também tem fotografias minhas
a brincar nas áreas e a fazer
trabalhos quando era pequenina,
tinha para aí 3 anos e 4 anos.
Também tem trabalhos e
fotografias de agora que já sou
grande e tenho 5 anos. Os
[trabalhos] de quando eu era
pequenina não são iguais aos de
agora. (Rita)
Beatriz: olha aqui eu era bebé. Ah! Como eu estava
pequenina! Olha também aqui a Telma. A Telma também
era pequenina?! A Telma pequenina gostava de brincar
comigo e agora ainda gosta. Olha, Rita, tu aqui no meu
portfólio, estávamos pequeninas (...).
Rita: Mostra! Pois estávamos.
Joana: Olha um trabalho de quando eu era pequenina. Olha
para isto como eu fazia dantes, só sarrabiscos. Olha! Aqui
já fazia uma cabeça com braços e pernas.
Rita: Mas aqui, neste meu [desenho] também sai tudo da
cabeça, não tem nenhum corpo.
Joana: Agora já faço direito e tu também, Rita. Já
crescemos.
Beatriz: eu fiz este trabalho [uma garatuja] quando era pequenina e
tinha 3 anos. Fazia assim uns rabiscos. Olha para isto a folha cheia
de riscos.
Educadora: Sabes o que disseste sobre este trabalho? Eu vou ler o que
está escrito: “Esta sou eu, tenho orelhas, uma boca e cabelo
comprido e a roupa cor-de-rosa.”
Beatriz: Foi isso que eu disse?! Isso é muito engraçado. É como os
pequeninos fazem desenhos de riscos e depois inventam.
Educadora: Não, eles não inventam, eles falam sobre os seus
trabalhos sobre o que fizeram. Desenham como sabem e falam sobre
o que fizeram como tu também fazias quando eras pequenina. (...)
Beatriz: pois é, depois crescemos e já fazemos de outra maneira, mas
às vezes também ainda é difícil.
Beatriz: olha, aqui eu fiz uma pintura dos antigamentes.
Professora: Dos antigamentes?
Beatriz: Sim, dos antigamentes. Os antigamentes era os pintores que já
morreram. Agora há outros que ainda não são dos antigamentes porque
ainda não morreram. Eu vou ser pintora quando for grande.
Inês: Eu vou ser enfermeira, vou tirar os bebés das barrigas das mães.
Maria: Mas as enfermeiras só dão injecções, não tiram os bebés das
barrigas das mães.
Inês: Isso não! As enfermeiras também tratam as pessoas quando elas
estão doentes e tiram os bebés das barrigas das mães quando eles
nascem.
Maria: Isso é os médicos.
Rita: são as enfermeiras, eu acho.
Serve para guardar os nossos trabalhos e para vermos o que
está lá guardado. Os meus trabalhos, pinturas, desenhos,
colagens, fotografias de mim a trabalhar com os meus amigos,
algumas coisas que escrevo. Eu escrevo algumas coisas: o
meu nome completo e mais coisas (...), histórias, mas as
histórias eu conto e a professora escreve (...). Serve para eu
aprender com os meus trabalhos. (Cláudia)
GOSTAS DO TEU PORTFÓLIO?
Gosto, muito, muito
(...) porque é muito
bonito. Gosto de ver
as minhas fotografias
e os meus trabalhos.
(...) Também gosto
muito dos diários de
fim de semana que
são muito
interessantes porque
são meus pais que
escrevem e sou eu
que desenho.
(Mafalda)
Gosto muito,
muito, muito (...).
Porque ele guarda
as coisas de que
eu gosto e que sei
fazer quando era
pequenina e de
agora. (Rita)Gosto muito (...) porque tem lá
os meus trabalhos e também a
escrita da minha professora, da
mãe, do pai e também dos
meus amigos. (Joana)
QUEM ESCOLHE OS TRABALHOS PARA O
TEU PORTFÓLIO?
É a professora e eu. Eu escolho e depois digo à professora
qual é o trabalho que eu quero e digo porque escolhi e
porque gosto mais. Também digo como fiz às vezes, às
vezes digo se é um bocadinho complicado fazer aquele
trabalho ou se é um bicadinho fácil. (Clara)
Alguns [trabalhos] sou eu [quem escolhe], outros é a
professora. São trabalhos que eu faço aqui no colégio e
depois eu gosto dos trabalhos e escolho-os. Peço à
professora e conversamos. Eu digo porque escolho e ela
escreve – eu digo: “Escolho porque é muito bonito” e a
professora escreve isso. Ela também escolhe e diz-me, mas
eu não escrevo o que ela diz, só ouço e gosto sempre,
sempre do que ela diz. (Rita)
A participação da criança na sua própria avaliação
envolve:
→ Interação adulto-criança/criança-criança.
→ Levar a sério o que a criança diz.
→Escolha acerca da documentação para incluir
no portfólio.
→Pensar e comunicar sua escolha.
→Aceitação e registro pelo educador das
escolhas.
GOSTAS DE MOSTRAR O TEU PORTFÓLIO AOS TEUS
AMIGOS?TU E OS TEUS SEUS AMIGOS CONVERSAM SOBRE O
PORTFÓLIO? O QUE DIZEM?
OS TEUS PAIS JÁ VIRAM O TEU PORTFÓLIO?O QUE É QUE OS TEUS PAIS DIZEM SOBRE O TEU
PORTFÓLIO?
[O meu portfólio] tem o meu diário de fim-de-semana. [Quem faz] sou
eu e a minha mãe. [O diário de fim-de-semana] é sobre o que eu faço
no fim-de-semana. Eu faço os desenhos e a minha mãe escreve. Eu
gosto de guardar os diários de fim-de-semana no meu portfólio, mas
primeiro leio aos meninos (...). A professora lê e eu mostro os desenhos.
Primeiro eu mostro os desenhos. Primeiro eu mostro aos meninos e
conto o que minha escreveu, depois é que ponho no portfólio. (Tiago)
Os meus pais dizem que gostam. Às vezes, a professora mostra
aos pais o meu portfólio e eles dizem que gostam e que está
bonito. (Inês)
O QUE APRENDES COM O TEU
PORTFÓLIO?
Aprendo coisas de quando eu era pequenino. As coisas que fiz
quando eu era pequenino e as coisas de agora que já sou
grande e que são diferentes. Aprendo que já faço coisas
diferentes porque quando era pequenino ainda não sabia fazer.
Agora já cresci e já aprendi muitas coisas, mas ainda vou
aprender mais. Algumas coisas ainda são complicadas. (Tiago)
Aprendo a ver os meus desenhos e os trabalhos e também as
fotografias. Aprendo porque é muito importante estarem lá os
meus trabalhos (...). Porque eu vou lá [ao portfólio] ver sempre
que eu quiser e vejo lá os meus trabalhos e vejo os meus
amigos. Se não estivessem lá eu não podia ver. (Joana)
Nós aprendemos muitas coisas na minha escola. Aprendo dos
trabalhos antigos que eu fiz. E aprendo que agora faço
diferente. Vejo que agora faça diferente (...), porque agora já
sei fazer. Já não é só riscos. Aprendo da consulta do portfólio.
Aprendo porque vejo lá as coisas que aprendi e também
mostro aos meus amigos. (Cláudia).
CONCLUSÕES ACERCA DO
PORTFÓLIO
Este estudo mostra que as crianças perspectivam o portfólio
como uma estratégia facilitadora da expressão da sua voz e
como essa estratégia de aprendizagem que lhe permite
revisitar as suas experiências, dialogar e partilhar ideias em
torno dessas experiências, tomar consciência dos seus
percursos de aprendizagem e diferenciá-los dos percursos
dos outros, desenvolver a sua auto-estima e a sua
autodeterminação. Quando as crianças se sentem
valorizadas, respeitadas e escutadas, tornam-se capazes de
se colocarem na perspectiva dos outros.
CONCLUSÕES ACERCA DO
PORTFÓLIO
Este estudo permite-nos constatar que esta experiência
do portfólio tem um impacto positivo nas crianças em
vários níveis:
As crianças olham para si e para seu passado com
respeito, olham para o passado dos outros com igual
respeito e acedem à emergência do conceito de
evolução, quer em relação a si, quer em relação aos
outros; desenvolvem a compreensão empática do ser
humano como um ser que aprende e se desenvolve.
REFERÊNCIA
AZEVEDO, Ana. OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia. A documentação da
aprendizagem: a voz das crianças. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia (Org.).
A escola vista pelas crianças.Porto, Portugal: Editora Porto, 2008.