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135 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 1, n. 1, p. 135-156, jan./jun. 2011 A colonização em Rondônia: lutas e perspectivas da agricultura camponesa 1 Resumo: O objetivo central desse artigo é discutir a colonização no estado Rondônia compreendendo as contradições no âmbito da questão agrária brasileira e a organização camponesa na terra de trabalho. Nesse contexto, tecemos um breve histórico da luta pela terra no Brasil, relacionando-o aos projetos de colonização em Rondônia, especial- mente nos municípios do Vale do Guaporé. A perspectiva metodológica ora estabelecida requer o entendimento para além da luta pela terra, pois, exige a compreensão da própria formação territorial e dos projetos de colonização no estado de Rondônia que surgem como o intuito de “integrar para não entregar”, cunhando o slogan de que se tratava de “terras sem homens para homens sem terras”. Tal contexto está baseado nos levantamen- tos bibliográficos e, sobretudo, nos trabalhos de campo na região mediados pela pesquisa participante e pela construção da justiça social. Palavras-chave: Questão Agrária Brasileira. Colonização. Educação do Campo. Amazônia. Campesinato. 1 As primeiras reflexões sobre a temática foram desenvolvidas para o trabalho de conclusão da disciplina “Campesinato e Luta de Classes”, ministrada pela Professora Dra. Larissa Mies Bombardi do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). 2 Mestrando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Rede Sesi e Cen- tro Universitário Claretiano. Pesquisador do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo. E-mail: <[email protected]>. Gustavo Henrique Cepolini Ferreira 2

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A colonização em Rondônia: lutas e perspectivas da agricultura camponesa1

Resumo: O objetivo central desse artigo é discutir a colonização no estado Rondônia compreendendo as contradições no âmbito da questão agrária brasileira e a organização camponesa na terra de trabalho. Nesse contexto, tecemos um breve histórico da luta pela terra no Brasil, relacionando-o aos projetos de colonização em Rondônia, especial-mente nos municípios do Vale do Guaporé. A perspectiva metodológica ora estabelecida requer o entendimento para além da luta pela terra, pois, exige a compreensão da própria formação territorial e dos projetos de colonização no estado de Rondônia que surgem como o intuito de “integrar para não entregar”, cunhando o slogan de que se tratava de “terras sem homens para homens sem terras”. Tal contexto está baseado nos levantamen-tos bibliográficos e, sobretudo, nos trabalhos de campo na região mediados pela pesquisa participante e pela construção da justiça social.

Palavras-chave: Questão Agrária Brasileira. Colonização. Educação do Campo. Amazônia. Campesinato.

1 As primeiras reflexões sobre a temática foram desenvolvidas para o trabalho de conclusão da disciplina “Campesinato e Luta de Classes”, ministrada pela Professora Dra. Larissa Mies Bombardi do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).2 Mestrando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Rede Sesi e Cen-tro Universitário Claretiano. Pesquisador do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo. E-mail: <[email protected]>.

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira 2

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1. INTRODUÇÃO

Tomaram o pedaço de terra que nos dava sustento.

(CPT-RS, 1984, p. 7)

A maneira de ter terraJá é muito conhecida

Expulsa o pobre da sua glebaImpõe à força sua saída.

(CPT-RS, 1984, p. 14)

As transformações recentes no campo brasileiro são oriundas da ter-ritorialização do capital de forma desigual e contraditória em consonân-cia com as políticas públicas, as quais inibem a Reforma Agrária no país, ou mesmo, são realizadas sob a ótica do capital.

Nesse sentido, o capitalismo não é explicado somente pelas relações capitalistas, conforme aponta Martins (1996a). São perspectivas rele-vantes para pensarmos as epígrafes escolhidas para iniciar essa discussão, pois remetem à perda da terra de trabalho, ou seja, o camponês expro-priado da terra não consegue manter sua família baseado no trabalho da mesma.

A leitura temporal ora analisada se refere aos projetos iniciados na ditadura militar brasileira de 1964 a 1985. No entanto, as consequências estão materializadas nas lutas anteriores, ou seja, na própria formação do território brasileiro. Segundo Görgen e Stédile (1993, p. 15) “[...] a luta pela terra existe desde o dia em que os portugueses botaram os pés em nosso país.”

Tal reflexão foi paulatinamente vivenciada pelas pessoas, cujo víncu-lo com a terra era constante, ao passo que os discursos e ações por parte do

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governo, portanto, das elites, davam-se com o intuito de marginalizar os movimentos contrários: “[...] a história do Brasil é a história das suas class-es dominantes, é uma história de senhores e generais, não é uma história dos trabalhadores e rebeldes.” (MARTINS, 1990 p. 26)

Essa luta constante do campesinato pode ser visualizada desde o Quilombo Zumbi dos Palmares (1600-1695), localizado no interior da atual Alagoas, sendo a Serra da Barriga sua capital. Era um território livre, liberto, formado de africanos e brasileiros escravos (OLIVEIRA, 1996). Outra parte da luta também abordada por Martins (1990) se ref-ere a Canudos (1896-1897) no sertão na Bahia, Contestado (1912-1917) na região do Paraná e Santa Catarina, Trombas e Formoso (inicia-se em 1948) em Goiás, as Ligas Camponesas (nas décadas de 50 e 60) organiza-dos no nordeste brasileiro, e mais recentemente o MST – Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, sendo esse, o movimento socioter-ritorial mais importante do país.

No cenário contraditório do regime militar, surge a colonização como uma estratégia para aniquilar a luta pela terra, e, sobretudo, desviar o foco de uma reforma agrária plena, que possa ir além da distribuição da terra.

2. COlONIzaÇÃO e CONTRa RefORma agRáRIa: bReve hIsTóRICO Da lUTa CamPONesa

A colonização na Amazônia é fruto da coerção ideológica que simul-taneamente lida com os expropriados e expulsos principalmente da região Sul e com a expansão dos grandes latifundiários (empreendimento agro-pecuários) incentivados pelo regime militar, os quais não permitiram que a reforma agrária ocorresse no país. Portanto, criaram-se novos conflitos ao tentar resolver um, trata-se do “tempo da fronteira”, ou seja, lugar onde existe um conflito social oriundo de forças antagônicas, as quais, marcam um “lugar de alteridade”, de descoberta do outro e de desencontro de dis-tintas temporalidades históricas, uma vez que cada um dos grupos sociais está situado de maneira diversa no tempo da História.

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A partir do golpe de Estado de 1964 e do estabelecimento da di-tadura militar, a Amazônia transformou-se num imenso cenário de ocupação territorial massiva, violenta e rápida, processo que continuou, ainda que atenuado, com a reinstauração do regime político civil e democrático em 1985. (MARTINS, 1996b, p. 26)

Sader (1987) remonta a discussão da Amazônia como paraíso dos investimentos, mostrando as especificidades que os órgãos públicos, como exemplo, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SU-DAM), ao apresentar a região para os de “fora”:

Na Amazônia a terra é barata e sua fazenda pode ter todo o pasto que os bois precisam. Sem frio ou estiagem queimando o capim, o gado fica bonito de janeiro a dezembro. E, para ir para a Amazônia, você escolhe a ajuda que quiser. Com um projeto aprovado pela SU-DAM, sua empresa recebe os incentivos fiscais de milhares de empre-sas de todo o país. E, com o financiamento agropecuário do Banco da Amazônia, você tem todo o apoio que precisa. Quando chegar a hora de vender o gado, as notícias serão ótimas. [...] É por isso que mais de 250 empresas agropecuárias já estão se instalando na Amazônia. Essa gente foi para lá movida por um forte impulso pioneiro, patriótico e empresarial. (SADER, 1987, p. 38; grifo do autor)

A terra como reserva de valor está posta, além de se tratar de áreas ditas de fronteira, em que o custo de implantação é quase nulo. Em muitos casos, a formação (desmatamento, exploração da madeira e plantio do capim) das fazendas (leia-se latifúndios), é feita por posseiros que em seguida são expulsos; mas, durante esse trabalho, são submetidos a paga-rem a renda em gênero: “Eles (donos da terra dizem assim: ‘olha você vai me dar dois sacos por linha’, que é a renda.” - lavrador do município de Imperatriz entrevistado por Sader (1987, p. 39). Na sequência a autora fala da sua subordinação, entendendo as contradições: “Aí tem que ir pra frente, desmatá a terra dele de novo, torná a trabalhá outro ano. Desde que saímos dessa terra aqui não podemos nem passar por ela de novo, porque

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já é capim, e já tem cerca de arame.” (SADER, 1987, p. 40; grifo nosso)2 O Plano de Integração Nacional (PIN) – Decreto-lei n. 1.106 de

junho de 1970 visava financiar a infra-estrutura nas regiões de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da SUDAM (SADER, 1987). Dessa maneira, viabilizou-se a exploração das áreas próximas das rodovias, fazendo com que outro Decreto-lei n.1.110 de 9 de julho de 1970 criasse o Instituto Nacional de Colonização e Re-forma Agrária (INCRA) para prosseguir com os projetos de colonização. “No próprio nome ele traz o motivo pelo qual foi criado: promover a colonização de “áreas vazias”, ou seja, propiciar mão-de-obra necessária à valorização da Amazônia Legal.” (SADER, 1987, p. 42)

Sobre esse contexto, os posseiros, aqueles que detêm de fato a posse (PAOLIELLO, 1992), assim como os meeiros3 são figuras constantes, que ficam à margem do processo, são esses, alguns dos rebeldes – Sem Terras. A colonização proposta pelo governo militar têm várias interpre-tações explicações, dentre elas a contra reforma agrária e o ocupação de “áreas vazias”, com baixa densidade populacional, daí o lema que se tratava de “terra sem homens para homens sem terra”4.

Os estados que receberam projetos de colonização pública foram Pará, Rondônia, Acre, Roraima e, em parte, Mato Grosso, que se caracterizou pela presença da colonização privada. Dessa forma,

2Adrian Cowell diretor do documentário “Nas cinzas da floresta” (1990), acompanhou inúmeros conflitos na Amazônia, denominando-os de a Década da destruição. Nesse documentário Cowell acompanhou a construção da estrada de penetração – BR 429 evidenciando os conflitos entre colonos, indígenas e gril-eiros, todos mediados pelo governo que incentivava a migração para minimizar os conflitos sociais que assolavam o país, leia-se a luta pela terra.3“[...] é o camponês expropriado, que num ano em uma determinada parcela da grande propriedade, após a retirada das espécies valiosas, termina o desmatamento fazendo algo que não faz parte do seu sistema de cultivo: o destocamento. Isso significa que abate todas as árvores, retira os tocos e só aí faz a queimada. Em seguida cultiva o arroz, ficando com uma determinada quantidade estipulada previamente (em geral 2 a 3 sacos por “linha”)” (SADER, 1987, p. 187)4 Martins (1984) discute a militarização da questão agrária brasileira analisando as implicações que o regime militar impôs no campo brasileiro, marcas essas mediadas através de conflitos sangrentos. Oliveira (1990 e 1991) também desvenda a ocupação e produção na Amazônia de forma profícua ao expor a cobiça dos recursos naturais inserindo-os na lógica do capital monopolista.

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índios, posseiros, colonos e grileiros passaram a constituir perso-nagens dos conflitos. Em defesa dos índios nasceu o Conselho In-digenista Missionário (CIMI) e na dos posseiros e dos colonos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A violência, que se voltava in-distintamente contra os posseiros, colonos e índios, passou a atin-gir também seus defensores: padres, agentes pastorais, advogados e lideranças sindicais ou não. (OLIVEIRA, 2001, p. 192; grifo nosso)

Segundo Oliveira (2001), a partir de 1972 a região amazônica con-centrou o maior número de assassinatos no campo, revelando, mais uma vez, que se trata de uma marca constante do campesinato brasileiro - lutas sangrentas para tentar controlar a luta de classes, e a tentativa de aniquilar a decisão de classe camponesa que busca a reforma agrária.

É na lógica contraditória deste rumo que se deve entender os conflitos sociais e a luta pela terra no Brasil. A ocupação recente da Amazônia é, pois, síntese e antítese desse processo violento. Se a abertura da pos-se pelo posseiro deriva da negação consciente à proletarização, a colo-nização tem sido a válvula de escape das pressões que a concentração e o remembramento da terra traz consigo, mas a realidade da floresta amazônica e a falta de políticas públicas de fixação do homem à terra geram o retorno. Os colonos retornados foram estudados por José Vi-cente Tavares dos Santos. A pressão que o capital exerce em um lugar, não é a mesma em outros lugares, liberando parcialmente parcelas do território destas ações. Desta pressão e contrapressão, nasceu o Movi-mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um movimento camponês que faz a travessia do terceiro milênio. (OLIVEIRA, 2001, p. 194)

A frente pioneira e de expansão5 contribuem no entendimento da situação analisada, embora não sejam

5Frente pioneira refere-se às novas áreas de deslocamento populacional, podem ser encontradas ainda como zonas pioneiras para os geógrafos. Já a frente de expansão aborda essas mesmas áreas, principalmente no contexto amazônico, onde o a concepção de ocupação do espaço têm como referência as populações tradi-cionais, visto que na concepção de frente pioneira não leva em conta os índios, por exemplo, e sim o em-preendedor capitalista (MARTINS 1996, b).

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[...] propriamente conceitos, mas, apenas designações através das quais os pesquisadores na verdade reconhecem que estão em face dos diferentes modos civilizados se expandem territorialmente. Mais do que momentos e modalidades de ocupação do espaço, refere-se a mo-dos de ser e de viver o espaço novo. (MARTINS, 1996b, p. 28 e 29)

A frente pioneira para os geógrafos trata da reprodução ampliada do capital, mediante a conversão da terra em mercadoria, portanto, em renda capitalizada, ou seja, uma dimensão da reprodução capitalista do capital (MARTINS, 1996b).

Quando os antropólogos falavam originalmente da frente de expan-são, estavam falando de uma forma de expansão do capital que não pode ser qualificada como caracteristicamente capitalista. Essa ex-pansão é essencialmente expansão de uma rede de troca de comércio, de que quase sempre o dinheiro está ausente, sendo mera referência nominal arbitraria por quem tem o poder pessoal e controle dos re-cursos materiais na sua relação com os que exploram, índios ou cam-poneses. (MARTINS, 1996b, p. 30)

Essas realidades revelam um viés econômico e demográfico que dia-logam ao divergirem. Por isso, a inserção do campesinato como classe so-cial é interpretada por José de Souza Martins como a portadora de uma condição semelhante à do proletariado, no sentido de classe que antago-niza com a burguesia, mas a partir de uma relação bastante diversa. Visu-aliza-se assim, os conflitos existentes:

Ainda hoje, quando um posseiro da Amazônia justifica seu dire-ito à terra, ele o faz invocando o direito que teria sido gerado pelo trabalho na terra. Ao mesmo tempo, reclama e proclama que seu direito está referido aos frutos de seu trabalho, que por serem seus está no direito de cedê-los ou vende-los. A concep-ção de que é preciso ocupar a terra com trabalho (na derrubada da mata e no seu cultivo) antes de obter reconhecimento de dire-ito, era próprio do regime sesmarial. (MARTINS, 1996b, p.43)

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Desta forma, os camponeses buscam sua reprodução legitimada numa ordem moral através da terra. “A reforma agrária aparece, portanto, em oposição à propriedade da terra como reserva de valor. Aparece como a possibilidade de superação da injustiça, já que ao invés das famílias ocu-pando a terra, haveria o pasto.” (BOMBARDI, 2005, p. 683).

No período de maior desenvolvimento do capitalismo industrial ocorreu no Brasil um aumento de 196% dos estabelecimentos ocupados por posseiros, fato que contradiz a ideia de extinção do campesinato. “Os camponeses, em vez de se proletarizarem, passam a lutar para continu-arem sendo camponeses”. (OLIVEIRA, 1999, p.72).

A discussão entre a fronteira também está posta, demonstrando os

conflitos existentes e as possíveis interpretações. No mapa 1, podemos re-tornar a discussão de como o governo viu e vê a região e o país, além da própria concentração da terra.

mapa 1. Concentração de terra no brasil

Fonte: (CPT-RS, 1984, p. 8).

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Os desencontros históricos são repletos de conflitos na fronteira, ou seja, está situado na temporalidade histórica, pois cada um dos conflitos realça a alteridade presente no outro. Por isso, pensar a colonização (con-tra reforma agrária) exige uma leitura dos camponeses que convivem com a terra de trabalho, lutando para manter-se mesmo com a expansão do capi-tal. São camponeses cuja origem pode ser observada no gráfico 1: famílias inteiras que migraram mais de uma vez, e hoje “conseguiram” seus lotes. Segundo Cowell (1990), as famílias sem terra recebiam gratuitamente do INCRA cerca de 40 hectares de terra6. Porém, os títulos de posse defini-tiva só seriam concedidos depois que a gleba fosse totalmente desmatada. E então, os colonos se deslocaram da rodovia principal subindo a estrada de penetração até os índios Eu Wau Wau (RO 429 – que liga Ouro Preto à Costa Marques).

gráfico 1. Procedência dos migrantes Rondônia - 1985

Fonte: (CEM 1986 apud MARTINS; VANALLI, 1996, p. 58). Org. pelo autor.

6 Cada hectare (ha) equivale há 10 mil metros quadrados, ou seja, um campo de futebol similar ao do Maracanã no Rio de Janeiro.

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Um dos recortes empíricos desse estudo visa entender a inserção dos municípios do Vale do Guaporé na luta pela terra, uma vez que não estão ligados aos movimentos sociais/socioterritoriais; todavia, compartilham com a mesma situação: foram Sem Terras e hoje vivem da agricultura cam-ponesa, nos limites da sua reprodução, leia-se sobrevivência7.

Um exemplo dessa reprodução camponesa no limite, é o Programa de colonização agrícola do INCRA em Rondônia, que a partir do estado autoritário fomenta políticas de desenvolvimento regional, com a insti-tuição do Programa de Integração Nacional (PIN), desencadeando um novo processo socioeconômico baseado na ampliação do seu espaço ru-ral. Na tabela 1, é possível analisar a ação fundiária no estado e relacionar com os impactos inerentes à ausência de acompanhamento aos colonos, e, sobretudo, à falta de regularização fundiária que gerou novos conflitos para os colonos que em sua maioria continuaram Sem Terras, mesmo após a chamada a tida colonização.

Tabela 1. Rondônia – ação fundiária do INCRa no período 1964/84

Fonte: (PEREIRA, 2007, p. 146).

7 Asselin (1982) ao analisar a grilagem de terra na Amazônia, indica a cobiça pelo Norte como um processo de proliferação de conflitos no campo e na cidade, onde a sina do lavrador está mediada pelo interesses dos grileiros, que através dos jagunços fortemente armados cometem chacinas e, sobretudo, abrem caminhos para ocupação dos poderosos “donos da terra”. Oliveira (2009) atualiza parte dos dados utilizando os levan-tamentos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE) revelando que passam de 5 mil conflitos por terra no estado de Rondônia em 2009.

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A leitura desses dados revela, entre outras perspectivas, que a regu-larização fundiária não existiu, e, em muitos casos, os camponeses sem assistência qualquer do estado, gerou outras expropriações, levando-os para a cidade, e, em menor quantidade para vida de posseiro – sem terra, portanto.

Woortmann (1990) contribui nesse processo ao estudar a ética cam-ponesa, que permeia a vida desses camponeses; é uma ordem moral, em que os mesmo os camponeses mesmo tendo que se assalariar em dados momentos, mantém o vínculo com a terra, percebe-se, a relação do ho-mens entre si e com a terra, chamada campesinidade. Portanto, mesmo tendo a condição de sem terra, esses camponeses buscam nos projetos de colonização a conquista maior, a terra de trabalho.

No mapa 2, pode-se identificar a localização dos municípios do Vale do Guaporé no estado de Rondônia. Compreende-se que a atual configuração está ligada aos Planos do INCRA, e consequentemente ao regime militar. Daí a indagação: é possível acreditar na reforma agrária do INCRA, pelos números e também pelos interesses dos grandes grupos econômicos? Temos clareza que não é possível entregar a terra para es-ses camponeses sem a devida regularização fundiária, e, sobretudo, sem qualquer tipo de assistência técnica e extensão rural.

De 1977 até 1985, 89.991 famílias chegaram em Rondônia. Foram as-sentadas 54.818 dessas famílias e em 1983 o INCRA suspendeu essa atividade, deixando 35.000 famílias sem terra. Das que foram assenta-das apenas 45% têm sua situação regularizada. Isso significa que, as de-mais, mesmo assentadas, ainda correm o risco de perder suas terras para algum grileiro. (MARTINS; VANALLI, 1996, p. 57; grifo nosso).

Esses dados mostram que os migrantes que ficaram sem a terra, não tiveram outras alternativas: ou continuar lutando pela terra, na condição de sem terra, ou submeter-se ao trabalho e a vida na cidade, ou trabalhar como meeiro ou agregado nas terras do outro. Essa trajetória fica nítida na fala do camponês:

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Sou Orídes José Bolonine, sou capixaba né! Vim do Espírito San-to de Vitória aqui para Rondônia em busca de um futuro melhor. Um pedaço de terra. Todas as seleção que teve do INCRA eu me escrevi e sempre deu em nada! Por fim, teve conflito em várias áreas que era prós parceleiros, agente entrô e fomos expulsos por jagun-ços né! Mandando de parceleiros perdimos. Às vezes os pouco que agente tinha investiu em cima [terra] e acabou perdendo.Aí fiquei migrando aqui dentro de Rondônia mesmo. Vim prá Cacoal dá linha três e várias linhas, vim prá Nova Brasilândia morei na linha 21, na linha 15, vortei prá linha 110, da 110 vim prá São Miguel e tô aqui já há quase vinte anos em São Miguel lutando, mexendo com comuni-dades, igrejas essas coisas e sempre na luta, batalhando. Criei pratica-mente meus filhos aqui em Rondônia, né! Lá tavá, não era difícil, né! Também não era fácil! Também não era muito difícil, mas aqui foi mais fácil, eu conseguir criar minha família e tudo dentro de casa, em paz, tudo casado. Estamos feliz! (Entrevista em 18 julho de 2009).

Durante a entrevista com Sr. Orides e D. Sandra - sua esposa, pude ouvir versos incríveis que revelam a expropriação e a visão de mundo de forma muito peculiar:

Eu queria ser cachorro, um cachorro bonitãoPrá viver comendo bem lá na casa do patrãoDormir na cama macia e não dormir no chãoMais que mundo triste, não deve ser assimDeve ter a igualdade, eu quero viver tambémEu não tenho uma camisa e nenhum par de sapatosSó tenho um chinelo velho e os filhos andam descalçoSendo que o meu patrão está voando de a jatoMais que mundo triste, não deve ser assimDeve ter a igualdade, eu quero viver tambémEu sei que meu patrão anda cortando gargantasEu só dono disse tudo, pois eu tenho muita terraSendo que o empregado vévi uma grande miséria

Sr. Orídes para festa do Lavrador de Cacoal-RO em 1985. Entrevista em 17 de julho de 2009.

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As metáforas utilizadas revelam a situação degradante que o cam-ponês sem terra vivência, sendo essa, pior que a do próprio “cachorro do patrão” ou vice-versa. Após encerrar a cantoria, Sr. Orídes afirma que existem outros versos, entre eles um, que afirma que o empregado não tem nem arroz nem feijão prá comer e o cachorro do patrão come filé mignon. Sobre o contexto inspirador, afirmam que receberam e não rece-beram como meeiros, e acabaram saindo, pois escutavam conversas que excluíam! Trata-se do pinga-letra no ditado do colono, ou seja, escutavam muitas conversas fragmentadas, as quais indiretamente os ameaça e, so-bretudo, ou vigiava.

mapa 2. localização dos municípios do vale do guaporé

Fonte: arquivo pessoal do autor.

O município de São Miguel do Guaporé se localiza no entronca-mento da BR 429 com a RO-370, modelo de ocupação conhecido como “espinha de peixe” ou de linhas, leia-se estradas e vicinais, onde os lotes

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foram criados, assim como os grandes empreendimentos. A famosa BR 364, conhecida por todos na voz de Chico Mendes ao expor o problema do desmatamento e da ocupação na região amazônica frente aos represen-tantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que finan-ciavam a pavimentação e expansão da rodovia até o Rio Branco no Acre. Esses projetos que visam à modernização para alguns, os de “fora” foram interropidos após a denuncia de Chico Mendes e retomados posterior-mente (FERREIRA, 2008, 2009)8.

A construção da estrada além de fortalecer a colonização na região acarretou muitos conflitos os quais não foram mais trágicos em função dos trabalhos desenvolvidos pela Igreja Católica, principalmente através da CPT.

No município de São Miguel do Guaporé são 14 linhas, as quais têm 60 comunidades vinculadas à Igreja Católica9.

A recente expansão da fronteira mostrou isso de maneira muito clara. Práticas de violência nas relações de trabalho, com a escravidão por divida, próprias da história da frente de expansão, são adotadas sem dificuldades por modernas empresas da frente pioneira. Po-bre povoados camponeses da frente de expansão, permanecem ao lado de fazendas de grandes grupos econômicos, equipadas com o que de mais moderno existe em termos de tecnologia. Missionários católicos e protestantes, identificados com a orientações teológicas modernas da Teologia da Libertação encontram lugar em suas cel-ebrações para as concepções religiosas tradicionais do catolicismo rústico, próprio da frente de expansão. (MARTINS, 1996b, p. 40)

A Igreja tem um papel de suma importância, em organizar as lutas na região. Ao lidar com o avanço da frente pioneira sobre a frente de expansão,

8 Vale salientar que até hoje (maio de 2011) alguns trechos não foram asfaltados e/ou pavimentados como proposto.9O documentário Encontro e Desencontros na Amazônia Rondoniense (2008) resgata parte das escolas das linhas, e, como os filhos dos camponeses migrantes estão organizados na escola e lidam com a terra. Disponível em: <http://www.youtube.com/user/cepolini>. Acesso em fev. 2011.

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os conflitos coexistem sobre distintas ocupações do território. Bombardi (2005), ao analisar o campo paulista, amarra os contextos entendendo-o como uma totalidade, em que não é possível concebê-lo separadamente.

A Igreja aparece, portanto, no auge da ditadura, como a institu-ição que poderia e deveria não apenas amparar aqueles que se en-contravam “cativos”, ou seja, como alvo direto da repressão, como também deveria estimular uma prática libertadora. A Instituição, tendo em vista sua secular importância (evidentemente em função do poder a que sempre esteve atrelada), deveria funcionar como a “voz forte” dos “sem voz fracos”. (BOMBARDI, 2005, p. 660)

Dessa forma, a luta de classe embora respaldada numa noção legiti-madora da terra como dádiva de Deus, atua com autonomia e liberdade que move os movimentos sociais no campo, os quais buscam a recampesi-nação na perspectiva da terra de trabalho.

Os camponeses do Vale do Guaporé estão na terra até o limite da sua reprodução, pois, além de terem a terra, possuem a garantia da reprodução da sua vida e da família. Essa lógica faz com que a terra de negócio e a de trabalho, abordadas por Martins (1990), e a ordem moral camponesa em Woortmann (1900), se complementem, nos auxiliando na compreensão que envolve esses camponeses – desgarrados das terras onde nasceram, visto o processo de subordinação imposto pelo e para o capital, que não transformou esses camponeses em capitalistas. Essa totalidade – campon-eses, capitalistas e políticas públicas move a reforma agrária, sendo essa “[...] apropriação de frações do território pelo campesinato, fruto da luta e do enfrentamento de classe levado a cabo por ele. É assim que a luta pela terra está enraizada em todo o país e tem se territorializado ao longo das décadas.” (BOMBARDI, 2005, p. 681)

Nesse contexto, a discussão feita por Moura (1986, p. 69-70), ao conceituar o campesinato, torna-se essencial, visto as apropriações exis-tentes: “[...] não é chamando o camponês de pequeno produtor que se resolve o problema de sua permanência e transformação na sociedade capitalista.” A autora afirma também, que não será restringindo ao modo

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como os lavradores se auto designam que resolveremos os problemas, pois a trama está na condição de subalternos.

Dessa maneira, as territorialidades nas linhas através do encontro nas escolas do campo, nos ciclos agrícolas e nos conflitos oriundo do pro-cesso de ocupação representam as relações, permeada pelos dilemas de ter a terra, mas não a “largueza” que acreditavam que a conquistariam na Amazônia. Todavia esses camponeses continuam organizando suas lutas, ou seja, buscam outras infraestruturas para elém da terra de trabalho, tal como educação, saúde etc. Na tabela 2, é possível verificar a distribuição das escolas das linhas no município de São Miguel do Guaporé, as quais representam parte da luta, e da conquista dessa Educação do Campo que trabalha com as dimensões e tempo do campesinato10.

Tabela 2. Distribuição das escolas, Professores e alunos em são miguel do guaporé.

Fonte: Secretaria Municipal de Educação – Trabalho de campo em julho de 2008, organizado pelo autor.

10 A proposta da Educação do Campo afirma a necessidade de duas lutas combinadas: a da efetivação pelo direito à educação e à escolarização e “[...] pela construção de uma escola que esteja no campo, mas que também seja do campo: uma escola ligada na história, na cultura e às causas sociais e humanas dos que vivem no campo.” (VIA CAMPESINA, 2006, p. 28; grifo nosso). Sobre essa temática ver Ferreira 2009a.

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3. CONsIDeRaÇões fINaIs

As transformações territoriais recentes no campo apontadas por Oliveira (1999) exigem um olhar crítico e dialético para os conflitos in-stituídos pelo capital e legitimado pelos governos, sejam eles militares, ou os hodiernos. Por isso, tecemos a reflexão perante a territorialização camponesa, seja na luta pela terra ou na conquista da escolas do campo – de linha, por se tratar de um lugar privilegiado da troca de saberes, de diálogos entre o que se vivencia na agricultura camponesa e nos grandes projetos de “desenvolvimento”, em que os educandos e educadores estão sempre apreendendo, seja no trajeto até a escola, ou na volta para as suas roças. Indagação essa, que têm marcas territoriais, econômicas e sociais desse árduo processo presente no cotidiano camponês.

Nas figuras a seguir é possível ver que a luta não é individual e que existem parcerias para que a vida dos camponeses seja fortalecida. Muitas vezes a educação norteia essa transformação, e a Escola Família Agrícola – EFA do Vale do Guaporé localizada no município de São Francisco do Guaporé cumpre essa função.

figuras 1 e 2. entrada da efa – vale do guaporé.

Fonte: Trabalho de Campo em julho de 2009. Arquivo pessoal do autor.

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A conquista desse espaço de sociabilidade para os filhos dos cam-poneses demonstra que a produção camponesa na terra “colonizada” pelos pais continuará existindo. Daí, a sábia frase no mural da escola: “Quem não vive da agricultura camponesa depende dela para viver...”

E, para enfrentar os avanços do agronegócio, da terra de negócio, os camponeses buscam produzir alimentos e preservar a natureza, como ex-emplo as inúmeras possibilidades da agroecologia que se apresenta como um caminho para esses camponeses. Trata-se de projetos entre cooperati-vas, camponeses, a CPT - Rondônia, do Projeto Ezequiel e da CAFOD – Agência Católica de Desenvolvimento Ultramarino, as quais desenvolvem o Projeto: Terra Sem Males, conforme a figura 3.

figura 3. folder do Projeto: Terra sem males – 2009.

Fonte: Folder informativo – CAFOD e CPT- RO.

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Tal projeto leva à conclusão que a terra é mais do que terra. E,

[...] esse símbolo, que se liga visceralmente à vida, é propriamente o lugar histórico dessas lutas, sucessoras das mais primitivas lutas dos índios, dos negros e dos camponeses que, na sofrida busca do próprio chão, foram descobrindo as outras dimensões do seu combate. Terra é dignidade, é participação, é cidadania, é democracia. Terra é festa do povo novo que, por meio da mudança, conquistou a liberdade, a fraternidade e a alegria de viver! (BALDUÍNO, 2004, p. 24-5).

As lutas vivenciadas indicam um caminho para esses camponeses mi-grantes que ao lutarem pela terra reescrevem a história. Levando adiante os ideais daqueles que foram brutalmente mortos pela barbárie do capital. São verdadeiros conhecedores da Amazônia, da agricultura camponesa e da partilha da terra, como o Padre Ezequiel Ramin, assassinato em 24 de julho de 1985, ao organizar os posseiros na Fazenda Catuva, em Cacoal. Por tais motivos, constroem a justiça social e a cidadania desse mundo, cujas visões globalizadas não são para todos.

O pobre é um sofredorTrabalha pra outro comerAjuda Ezequiel a este problema resolverEzequiel você foi vencido, Jesus está contigo morando no céu

E pintamos cruzeiroServir onde moravaExiste tanta terra para o fazendeiro mandarEzequiel você foi vencido, Jesus está contigo morando no céu

Ezequiel a dor foi tanta que cortou meu coraçãoVendo seu sangue derramado pelo fazendeiro que não tem compaixãoEzequiel você foi vencido, Jesus está contigo morando no céuLá na fazenda CatuvaOnde jagunço foi cruelAtiraram sem piedadeMataram nosso padre EzequielEzequiel você foi vencido, Jesus está contigo morando no céu

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Sr. Orídes, em homenagem ao Pe Ezequiel, seis meses após seu assassinato. Entrevista em 16 de julho de 2009.

RefeRêNCIas

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Title: The colonization in Rondônia: struggles and perspectives peasant agricultureauthor: Gustavo Henrique Cepolini Ferreira

absTRaCT: The purpose of this article is to discuss the colonization in Rondonia state comprising the contradictions in the Brazilian agrarian and peasant organization in the land of work. In this context, we make a brief history of the struggle for land in Brazil, linking them to colonization projects in Rondonia, especially in the cities of Val-ley Guaporé. The methodological perspective requires understanding now established beyond the struggle for land, therefore, requires an understanding of their own training area and the settlement projects in Rondônia state arising as to the purpose of integrat-ing not deliver, coining the slogan that was a “land without men for men without land”. This context is based on literature surveys, and especially in field work in the region mediated by the survey participants and the construction of social justice.Keywords: Brazilian Agrarian Question. Colonization. Education Field. Amazon. Peasantry.