“a certificação participativa de produtos ecológicos desenvolvida pela rede ecovida de...
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Dissertação de Mestrado - Luiz Carlos Rebelatto dos Santos, CCA/UFSC, 2002TRANSCRIPT
LUIZ CARLOS REBELATTO DOS SANTOS
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Monografia apresentada para conclusão do curso de especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientador: Profº Ademir Antonio Cazella.
FLORIANÓPOLIS 2002
2
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................3
2 A CERTIFICAÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS ......................................................4
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS.................................................................................4 2.2 CERTIFICAÇÃO POR AUDITORIA OU POR INSPEÇÃO .........................7
2.2.1 Caracterização....................................................................................................................................... 7 2.2.2 Principais problemas do processo por auditoria.................................................................................... 8
3 A REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA...................................................................10
3.1 HISTÓRICO...............................................................................................................10 3.2 ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO........................................................13
3.2.1 Conceito .............................................................................................................................................. 13 3.2.2 Princípios da Rede Ecovida: ............................................................................................................... 14 3.2.3 Objetivos da Rede Ecovida: ................................................................................................................ 14 ILUSTRAÇÃO I: A REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA E SEUS COMPONENTES....................15 3.2.4 Estrutura Organizacional: ................................................................................................................... 16
4 CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA EM REDE - CARACTERIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO .............................................................................................................17
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS...............................................................................17 4.2 DESCRIÇÃO DA CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA EM REDE (CPR)..............................................................................................................................................18 QUADRO I: CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA EM REDE E SUAS CARACTERÍSTICAS...................19
5 LIMITES E DESAFIOS DA CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA – À GUISA DE CONCLUSÃO : ......................................................................................................................21
5.1 LIMITES INTERNOS.............................................................................................21 5.2 LIMITES EXTERNOS............................................................................................23 5.3 DESAFIOS INTERNOS .........................................................................................24 5.4 DESAFIOS EXTERNOS........................................................................................25
6 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................27
7 ANEXOS ..............................................................................................................................28
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1 INTRODUÇÃO
A agroecologia tem sido um tema abordado de forma crescente nas mais diversas
instâncias da sociedade. Como ciência, é estudada por pesquisadores, professores,
acadêmicos, técnicos e agricultores. Como movimento, adquiriu uma força cada vez maior
nos últimos anos. Como oposição ao modelo agrícola vigente, é apontada como a base para
um novo modelo de desenvolvimento, edificado sobre a ética e o cuidado com a terra e com
as pessoas e expresso através de práticas sustentáveis.
A certificação dos produtos oriundos da agroecologia e de sistemas orgânicos de
produção, que se diferenciam da agricultura química, também tem se revelado como assunto
de importância relevante. Os debates em torno deste tema nem sempre se mostram amigáveis;
pelo contrário, muitos desentendimentos são verificados, seja por questões metodológicas,
seja por questões de princípios. As questões metodológicas dizem respeito, basicamente, às
formas de como a certificação é realizada; já as de princípios remetem aos impactos causados
pela adoção de uma ou outra forma, ou ainda se a certificação está contribuindo ou não para a
promoção da agroecologia.
No desenvolvimento da agroecologia podemos notar a modificação dos procedimentos de
certificação provocada, segundo boa parte dos estudiosos do tema, pelo distanciamento cada
vez maior entre produtores e consumidores. Este fato dificultaria a geração de credibilidade
estabelecida pela venda direta dos produtos. Desta forma, “torna-se necessária” a presença de
algum mecanismo que garanta que o produto foi elaborado dentro das normas e
especificações que lhe confere a qualidade orgânica. Este mecanismo deveria ser posto em
prática por organizações independentes dos setores produtivo e consumidor – as chamadas
certificadoras.
Hoje, os procedimentos das certificadoras estão cada vez mais especializados, sendo que
algumas realizam apenas o serviço de certificação sem qualquer relação ou compromisso com
os princípios básicos da agroecologia, apenas com a verificação das normas. Esta
compreensão tem levado à criação de um verdadeiro mercado de certificação, no qual
diversas organizações lutam acirradamente pelo seu espaço. Em nível internacional há
empresas que desenvolvem este trabalho. No Brasil, segundo a Instrução Normativa nº 07 -
documento que estabelece as normas de produção, tipificação, processamento, envase,
distribuição, identificação e de certificação da qualidade para os produtos orgânicos de origem
vegetal e animal; esta atividade só pode ser realizada por organizações sem fins lucrativos.
4
Entretanto, o que fica cada vez mais claro é que a produção de produtos orgânicos e os
processos de certificação decorrentes não têm conseguido contribuir para a modificação da
realidade agrícola, constituindo-se apenas em uma oportunidade de mercado.
Frente a esta realidade, a Rede Ecovida de Agroecologia esforça-se em construir um
processo diferente de certificação denominado “participativo em rede” que contrapõe o
modelo vigente. A Ecovida surge do trabalho de ONGs e de organizações de agricultores no
Sul do Brasil, que há mais de 20 anos desenvolvem experiências concretas de organização
social, produção e comercialização de alimentos sem agroquímicos sob princípios de respeito
ao meio ambiente, de solidariedade, cooperação, resgate da cultura local e de valorização das
pessoas e da vida.
Este trabalho visa abordar a história da Rede Ecovida, sua organização e funcionamento,
bem como caracterizar o processo de certificação participativa em rede, buscando identificar
seus limites e desafios. Outro objetivo deste trabalho é apontar elementos concretos que
mostrem a possibilidade de se garantir a qualidade dos produtos orgânicos através de outra
forma de certificação. Na primeira parte, mostramos a origem da certificação de produtos
orgânicos, como é comumente realizada e seus principais problemas. No item seguinte,
relatamos a origem da Rede Ecovida de Agroecologia e seu funcionamento. Posteriormente,
detemo-nos no processo de certificação participativa em rede, quais são suas características e
como é realizado. Por fim, apontamos os limites e desafios colocados à Rede Ecovida de
Agroecologia e ao processo de certificação participativa numa perspectiva de analisar
possíveis caminhos para o reconhecimento de diferentes processos de certificação como
pressuposto para o crescimento da agroecologia.
2 A CERTIFICAÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
O novo dicionário Aurélio define certificação como o ato ou efeito de certificar e este
como sendo: 1. Afirmar a certeza de; atestar, 2. Convencer da verdade ou da certeza de algo,
3. Afirmar; asseverar, 4. Convencer-se; persuadir-se. Pela definição não encontramos
qualquer adjetivo para a certificação, não diz se ela deve ser feita de tal ou tal forma. Portanto,
as denominações auto-certificação, certificação por auditoria ou certificação participativa
5
consistem na forma pela qual ela é realizada, não carregando confiabilidade ou desconfiança
intrínseca, pois estas devem advir de cada processo sob uma situação específica.
A certificação de produtos agrícolas orgânicos tem gerado ao longo dos últimos anos
muitos debates, na sua maioria acalorados, acerca de seu conceito e finalidades, de quem faz
as normas e, principalmente, das formas de como o processo é realizado. Com o crescimento
do mercado mundial de produtos orgânicos in natura e processados na ordem de 30% ao ano
nos últimos 10 anos e o aumento da possibilidade de exportação, tem-se verificado uma
profunda preocupação no estabelecimento de normas de produção e transformação para estes
produtos, bem como no controle da qualidade para evitar possíveis contaminações.
O que no início do século XX era realizado pelas associações e grupos de produtores
preocupados em cultivar os alimentos em bases ecológicas e sem a utilização dos produtos
químicos que estavam surgindo com o desenvolvimento da indústria, transformou-se em
interesse de grandes corporações e de governos1 em função, principalmente, de um nicho de
mercado2 promissor. A certificação sofreu as transformações semelhantes que a agricultura
orgânica teve, de autárquica e livre para burocrática e legal.
Inicialmente, os grupos e associações de agricultores geravam uma credibilidade própria,
ou seja, a auto-certificação. Eram eles que definiam suas normas e verificavam o
cumprimento. Somente entravam ou permaneciam em determinada associação os que estavam
preocupados e comprometidos com a manutenção dos princípios ecológicos e sociais sobre os
quais a agricultura era praticada. A marca de seus produtos e a relação ou contato direto com
os consumidores que prezavam por um alimento de qualidade, geravam a credibilidade
necessária e estabelecia a confiança.
1 Os governos que até então se mostram aliados das corporações da agroquímica, passam a demonstrar algum interesse na normatização e no controle da produção orgânica. 2 A maioria dos defensores da agricultura de base química não acredita numa agricultura ecológica que seja capaz de suprir as necessidades alimentares da população global. Portanto, só a aceitam como um nicho ou filão de mercado, ou seja, alcançando uma pequena e direcionada fatia de consumidores, para aqueles que se dispõem a pagar mais pelo produto orgânico.
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Com o passar dos anos cresceu a prática da agricultura orgânica e o volume de produção,
bem como a necessidade de processar estes produtos e de comercializa-los numa distância
mais longa. Começaram a surgir associações e movimentos que reúnem diversas iniciativas de
agricultura orgânica, como a IFOAM – sigla em inglês para Federação Internacional dos
Movimentos de Agricultura Orgânica. Para fins de homogeneização nos procedimentos
ocorreu a criação de normas padronizadas de produção e de certificação. Portanto, as novas
organizações que desejassem fazer parte destes movimentos ou comercializar para mercados
que reconheciam estes como legítimos deveriam, necessariamente, cumprir estas normas.
Acrescido a estes fatos observa-se um crescimento no processo de especialização da
produção e de diminuição das atividades pessoais, ou seja, por um lado o agricultor diminui a
diversificação da propriedade passando a se dedicar a poucos cultivos ou criações, por outro
ocorre uma delegação de funções e de serviços que, no caso da certificação, confere a uma
terceira parte não participante do processo produtivo ou de comercialização a
responsabilidade de atribuir a certeza da qualidade do produto ao consumidor. Neste sentido,
observamos definições sobre certificação como esta: “A certificação é o procedimento pelo
qual uma terceira parte, independente, assegura, por escrito, que um produto, processo ou
serviço obedece a determinados requisitos, através da emissão de um certificado. Esse
certificado representa uma garantia de que o produto, processo ou serviço é diferenciado dos
demais (...). As agências certificadoras precisam ser credenciadas por um órgão autorizado
que reconheça formalmente que uma pessoa ou organização tem competência para
desenvolver determinados procedimentos técnicos de fiscalização da produção. No caso de
produtos orgânicos, o órgão que credencia internacionalmente as certificadoras é a IFOAM
(...). O estabelecimento de normas para regular a produção, o processamento, a certificação
e a comercialização de produtos orgânicos surgiu da necessidade de os consumidores terem
segurança quanto à qualidade dos produtos que adquirem, pelo filão de mercado que surgiu
em vários países (...). A distância entre os consumidores e produtores e a incapacidade de se
ter certeza quanto à forma pela qual os produtos orgânicos foram produzidos justificam a
necessidade de monitoramento da produção por uma terceira parte, independente” (Manual
de Certificação, 1998, p. 12). Estas preocupações acerca da veracidade dos processos
orgânicos de produção e processamento deram origem à certificação de produtos orgânicos,
sendo que a mais conhecida e praticada é a por auditoria ou por inspeção.
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2.2 CERTIFICAÇÃO POR AUDITORIA OU POR INSPEÇÃO
2.2.1 Caracterização
A certificação por auditoria ou por inspeção é a forma de certificação mais comumente
praticada pelas certificadoras. Ela caracteriza-se por alguns princípios e métodos que
merecem ser ressaltados:
1. Independência: A entidade certificadora e o inspetor designado para a vistoria não
podem estar vinculados em nenhuma instância com o empreendimento a ser certificado. Isto
significa dizer que eles não podem estar ligados com a produção, assistência técnica ou
comercialização do empreendimento. O objetivo disso é gerar isenção, transparência e
confiabilidade no processo. Em boa parte dos casos, as certificadoras são especializadas na
prestação de serviços de certificação, isentando-se de outras atividades como a organização de
agricultores, capacitação técnica e promoção da agricultura orgânica.
2. Imparcialidade: Desde que tenha condições para tal, a certificadora deve atender a
qualquer empreendimento que solicitar seus serviços de maneira não discriminatória. Ou seja,
não importa se é uma fazenda de 5 mil hectares ou um assentamento de agricultores
familiares, não importa se é uma multinacional ou uma micro-usina de leite de uma
associação de pequenos agricultores.
3. Confiabilidade: A certificadora consiste numa entidade que confere credibilidade,
garantindo para o consumidor que determinado produto realmente foi elaborado dentro das
normas que identificam seu diferencial.
4. Quadro técnico: A certificadora é formada, geralmente, por profissionais reconhecidos
pelas suas habilidades acadêmicas. No caso da certificação de produtos orgânicos; são
agrônomos, biólogos, veterinários, engenheiros de alimentos e outros profissionais desta área.
5. Procedimentos de inspeção: O principal mecanismo de geração de confiabilidade
consiste na visita de inspeção à unidade produtiva demandante da certificação. Através da
conferência in loco dos procedimentos realizados, o inspetor – pessoa delegada pela
certificadora para a verificação das atividades, da documentação gerada e que produzirá um
relatório específico para envio à certificadora – realiza a intervenção externa que garantirá que
as normas e os acordos estão sendo cumpridos. Estas intervenções ocorrem em intervalos
definidos pela certificadora, geralmente a cada 6 meses ou a cada ano.
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6. Normas: As normas dizem respeito aos procedimentos que devem ser seguidos ou
evitados para que o empreendimento obtenha a certificação. Ela contém uma listagem de
produtos permitidos e proibidos para a produção orgânica.
7. Custos dos serviços: Há várias formas de realizar a cobrança pelo serviço de
certificação, sendo que os mais comuns são: cobrança de um valor pelo dia de inspeção,
tempo de viagem do inspetor, preparação do relatório, emissão de certificado, custo de
deslocamento, licença para uso do selo e percentual sobre o volume certificado3.
2.2.2 Principais problemas do processo por auditoria
A luz do trabalho desenvolvido pela Rede Ecovida de Agroecologia é que apontamos
estes problemas.
1. É baseado em extensa documentação: Há uma sobrevalorização dos documentos, dos
relatórios e papéis gerados a partir do processo de certificação. A pessoa responsável por estes
documentos tem que ser muito capacitada, o que limita um trabalho mais amplo.
2. Resistente à adequações: Os princípios e métodos preconizados pela certificação por
auditoria estão tão arraigados nas certificadoras e na legislação correspondente que se
mostram resistentes às mudanças e adequações, sendo cada vez mais especializados e
burocratizados.
3. Pouco adequado à agricultura familiar: Uma propriedade ou empreendimento familiar
é caracterizado pela diversificação de atividades em relação à sua dimensão, apresentando
muitas relações de ordem social e ecológica, se comparada com um grande empreendimento.
Pelo fato dos métodos aplicados pela certificação por auditoria seguirem os padrões ISO4,
mais adequados aos processos industriais, e as normas de produção terem sido elaboradas, na
sua maioria, em regiões de clima temperado5; a certificação por auditoria mostra-se pouco
adequada à agricultura familiar. Além disso, a certificação convencional demanda um bom
desenvolvimento técnico e gerencial, características pouco freqüentes na agricultura familiar.
3 A diária do inspetor pode chegar a US$ 220,00; o tempo de viagem de até US$ 200,00 por dia; o relatório chega a custar US$ 400,00; a emissão dos certificados pode chegar a US$ 940,00 ou ser cobrado um percentual que pode ser de 2%. Estes custos integram o conjunto de fatores que encarecem o produto orgânico. 4 International Standards Organization (Organização de Normas Internacionais). 5 O clima temperado apresenta comportamentos diferentes do tropical. Um exemplo disso é a decomposição da matéria orgânica que ocorre numa taxa seis vezes menor no primeiro. Uma outra questão que justifica um tratamento diferenciado aos sistemas orgânicos de produção sob clima tropical (de países em desenvolvimento) é que ainda podemos encontrar áreas virgens ou pouco contaminadas se comparadas com propriedades européias.
9
4. Sobrevalorização do inspetor: A figura do inspetor como observador, neutro ao
processo e responsável maior pela credibilidade, faz dele a principal personagem da
certificação. Isto pode acarretar uma desvalorização dos agricultores, relegando estes à uma
mera posição de produtores.
5. É caro: Os valores cobrados pelo processo podem torná-lo inacessível para a maioria
dos agricultores familiares, impondo, em última instância, a necessidade do prêmio, da maior
remuneração pelo produto. O aumento abusivo do preço pode contribuir para a diminuição do
consumo dos produtos orgânicos.
6. Produto x Processo: A proibição ou permissão de certos insumos não reflete,
necessariamente e por si só, a melhoria da propriedade como um todo, rumo à uma
‘ecologização’ da mesma. A presença do inspetor, avaliando o uso de produtos permitidos ou
o não uso dos proibidos, não implica diretamente na visualização da transição agroecológica
de um agroecossistema. Questões como sustentabilidade e ética, apesar de estarem presentes
nas normas, são preteridas em relação à listagem de produtos e à contabilidade do
empreendimento. Na prática, alguns produtos certificados como orgânicos podem apresentar
gastos energéticos maiores que aqueles produzidos em uma agricultura tradicional.
7. Centralização da certificação: Todo este procedimento vertical e centralizado na
certificadora e nos técnicos apresenta uma capacidade multiplicadora limitada, não dando
conta da rapidez com que se desenvolvem os processos, pois a agroecologia desenvolve-se
mais rápido do que a certificação.
8. Técnico e Ambiental x Social e Ético: Sobrevalorizam-se os aspectos técnicos e
ambientais, e dá-se pouco valor ao social. Por exemplo: certifica tanto uma fazenda com 500
hectares de soja como um assentamento com 100 famílias onde cada uma produz 5 hectares
de soja. Num primeiro momento, isto é justificado pelo princípio da imparcialidade. Daí vem
a pergunta: Quando a demanda por certificação for alta e a certificadora tiver limites
operacionais, quem ficará de fora primeiro, a fazenda ou o assentamento?
9. Desconfiança: Já foram relatados casos de fraudes em produtos certificados como
orgânicos. Isto tem colocado em dúvida a eficiência deste tipo de certificação. Apenas a
presença do inspetor no empreendimento pode não ser suficiente para garantir o processo.
10. Direcionada pelos interesses do mercado: A existência de um mercado diferenciado
que paga mais pelo produto tem sido, muitas vezes, o principal motivador da produção
orgânica. A certificação por inspeção passa a ser condição para o acesso a este mercado que é,
10
no caso do Brasil, majoritariamente para exportação. A promoção da agroecologia fica em
segundo plano.
3 A REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA
3.1 HISTÓRICO
A Rede Ecovida de Agroecologia mostra-se mais antiga do que sua formalização em
novembro de 1998. Ela surge no Sul do Brasil como resultado de processos históricos
realizados por organizações não governamentais6 na construção de uma alternativa ao modelo
de agricultura em curso caracterizado pela chamada Revolução Verde. Tal modelo imprimiu
mudanças significativas na agricultura mundial através do aumento do uso de máquinas
agrícolas, sementes híbridas, fertilizantes químicos e agrotóxicos, artificializando, em muito,
o processo de produção de alimentos. Segundo ALMEIDA et al (2001), este modelo dá hoje
mostras evidentes de incompatibilidade com a manutenção da capacidade produtiva, com a
eqüidade social e com o equilíbrio dos ecossistemas.
Há mais de 20 anos vem-se construindo na região Sul, alternativas concretas de
organização, produção, processamento e comercialização baseada numa nova ética,
compreendida enquanto valores e princípios de respeito ao ambiente, de solidariedade, de
cooperação, de respeito às diferenças, de resgate da cultura local, de valorização dos seres
humanos e da vida. Esta visão de agricultura – que traz consigo uma proposta de
desenvolvimento sustentável – é chamada de AGROECOLOGIA. Segundo ALTIERI (2001),
Agroecologia é entendida como “uma ciência que emprega metodologias para estudar as
relações em agroecossistemas e avaliá-los. Como parte deste sistema, as questões
humanas e sociais são fundamentais, do ponto de vista técnico, ela trabalha com
princípios e não receitas”.
Foi este contexto que motivou o surgimento da Rede Ecovida, como processo de evolução
e consolidação de alternativas desenvolvidas ao longo dos anos, agregando entidades de
agricultores familiares, instituições de assessoria como as ONG’s7, organizações de
6 Como a AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) . 7 Como ONG’s de referência no Sul do Brasil citamos: a Assesoar no PR criada em 1966, o Centro Vianei em SC criado em 1983 e o Centro Ecológico no RS criado em 1985.
11
consumidores8, processadores e comerciantes de produtos ecológicos em pequena escala, e
mesmo indivíduos comprometidos com o desenvolvimento da agroecologia.
A Rede Ecovida desenvolve diversas atividades de promoção da agroecologia, dentre elas
a certificação de produtos ecológicos através de um processo criado a partir da realidade do
Sul do Brasil e centrado na agricultura familiar organizada, chamado CERTIFICAÇÃO
PARTICIPATIVA EM REDE. A Rede Ecovida definiu pela utilização da denominação
“produto ecológico” em vez de “produto orgânico” por entender que desenvolve uma
agricultura ecológica sob os princípios da agroecologia e não apenas uma agricultura de
substituição de insumos (de químicos para orgânicos) cujos produtos também podem,
segundo a legislação, receber a denominação “orgânico”. Apesar da polêmica gerada por este
assunto, é assim que trataremos neste trabalho.
O debate em torno da certificação tomou proporções mais significativas no Brasil a partir
de 1994, quando o Ministério da Agricultura iniciou o processo de normatização da produção,
da certificação para o fornecimento de um selo de qualidade e da comercialização de produtos
orgânicos9. Inicialmente, ele foi realizado sem a participação dos diversos atores interessados
no tema, o que gerou a mobilização por parte das instituições que defendiam uma ampla
discussão em torno do assunto. Após embates iniciais, o Ministério convidou as organizações
e pessoas que representavam a diversidade de experiências no Brasil. Com o novo processo,
verifica-se uma clara divergência entre as diferentes instituições envolvidas. Por um lado, as
que seguiam o modelo proposto pela Ifoam, representado pela presença de uma certificadora
externa e inspetores ou auditores desconectados das iniciativas a serem certificadas. Por outro
lado, as organizações que defendiam que o selo orgânico era desnecessário. Argumentava-se,
inclusive, que era preciso colocar um “selo vermelho” naqueles produtos produzidos com
agrotóxicos e não um “selo verde” nos orgânicos por diversos motivos, dentre eles: processo
oneroso, sobre-preço dos produtos, elitização do consumo, desrespeito às iniciativas locais,
não conformidade com o processo histórico desenvolvido pela “agricultura ecológica
familiar”, sobrevalorização da exportação. Ainda havia o posicionamento de pessoas que
sustentavam a idéia de que, caso a certificação fosse imprescindível, ela poderia ser realizada
pelos pequenos agricultores reunidos em grupos e associações ou ainda por empresas com fins
lucrativos como em outros países, fatos estes que não foram permitidos pela normativa.
8 As organizações de consumidores são representadas por grupos e cooperativas de consumo, associações de moradores e de bairro. Em relação às cooperativas podemos citar a Coopet em Três Cachoeiras – RS.
12
Após um longo debate, a Instrução Normativa nº 007 foi elaborada e publicada em maio
de 1999. Ela almeja ser uma proposta de normatização que contempla a diversidade dos
processos desenvolvidos no Brasil, inclusive as formas pela qual a certificação é realizada.
Podemos observar este fato em seu conteúdo que diz: “(...) as certificadoras adotarão o
processo de certificação mais adequado às características da região onde atuam, desde que
sejam observadas as exigências legais...” (DESER, 1999, p.10)
Paralelo a este debate nacional, ocorria em Santa Catarina uma forte pressão por parte de
órgãos públicos para a criação de um comitê, que monopolizaria no estado todo o processo de
certificação. Este fato não só se mostrava contrário às deliberações nacionais como se
desvinculava dos processos agroecológicos desenvolvidos no estado. Isto acarretou uma forte
mobilização das organizações dos agricultores e das ONG’s que começaram a pôr em prática
a idéia da constituição de uma “rede de certificação participativa”, primeiro nome dado à
Rede Ecovida de Agroecologia. Assim, os debates em torno de uma nova proposta de
certificação foram se consolidando, agregando organizações parceiras no Paraná e no Rio
Grande do Sul.
O processo iniciado em novembro de 1998 em Santa Catarina e ampliado em 2000 para o
Sul do Brasil apontou alguns pontos importantes, que caracterizavam a proposta:
· Necessidade e possibilidade de reconhecimento e respaldo mútuos entre os grupos e
associações de agricultores ecologistas e as organizações de assessoria em agroecologia;
· As organizações participantes (grupos, associações e ONG’s) formam uma rede, sem
hierarquias e orientada por princípios e objetivos definidos para a promoção da agroecologia;
· A certificação deve ser participativa, ou seja, a responsabilidade de garantir qualidade do
produto é compartilhada pelos agricultores, técnicos e consumidores e;
· Necessidade de criar uma marca e um selo para o mercado, que represente a Rede. A marca
será utilizada para caracterizar o processo: material de divulgação (jornais, revistas, folders,
banners,...); material didático (livros, cartilhas, vídeos,...). Os selos seriam colocados nos
produtos para retratar sua qualidade.
A Rede Ecovida de Agroecologia é formada por núcleos regionais, também chamados de
“nós” que buscam promover a troca de informações, credibilidade e produtos – os “fluxos”.
9 Esta “decisão” do Ministério da Agricultura é verificada a partir de pressões de produtores, exportadores e certificadoras para acessar outros mercados como o da Comunidade Econômica Européia. Para isso, o Brasil necessita de um sistema de normas e de certificação oficial que respalde os produtos orgânicos.
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Os núcleos regionais são formados pelos membros da Rede em determinada região
geográfica, sendo que os fluxos constituem-se nas atividades executadas pela Rede Ecovida, a
qual destacamos aqui a certificação participativa. Do ponto de vista jurídico, a Rede Ecovida
mostra-se informal, sem personalidade jurídica. Uma associação foi criada a fim de responder
pela certificação perante os órgãos competentes quando for obrigada a tal - a Associação
Ecovida de Certificação Participativa. Esta respalda o processo gerado e desenvolvido nos
núcleos regionais.
Atualmente, a Rede Ecovida conta com 18 núcleos regionais, em distintos estágios de
organização, que reúnem aproximadamente 1500 famílias de agricultores organizados em 130
grupos, associações e cooperativas; 23 ONG’s; 10 cooperativas de consumidores; 10
comercializadoras; processadores e diversos profissionais. A Rede ainda não possui uma base
de dados atualizada sobre as diversas iniciativas, mas calcula-se que mais de 100 feiras em
todo o Sul do Brasil já contam com a ‘acreditação’ do processo Ecovida, além de vendas a
supermercados, para o mercado externo e experiências de comercialização nos chamados
mercados institucionais10 em municípios e estados.
3.2 ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO
3.2.1 Conceito
A Rede Ecovida de Agroecologia é um espaço de articulação entre agricultores
familiares ecologistas e suas organizações, organizações de assessoria e simpatizantes com a
produção, o processamento, a comercialização e o consumo de produtos ecológicos. A Rede
trabalha com princípios e objetivos definidos e tem como metas fortalecer a agroecologia em
seus mais amplos aspectos, gerar e disponibilizar informações entre os participantes e criar
mecanismos legítimos de credibilidade e garantia dos processos desenvolvidos por seus
membros.
10 É o caso da merenda escolar, hospitais e restaurantes de instituições públicas. Esta forma de comercialização é crescente, mostrando-se como uma excelente alternativa para a ampliação da proposta agroecológica junto com à agricultura familiar.
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3.2.2 Princípios da Rede Ecovida:
Ter na agroecologia a base para o desenvolvimento sustentável11;
Trabalhar com agricultores e agricultoras familiares e suas organizações;
Ser orientada por normativa própria de funcionamento e de produção;
Trabalhar na construção de mercado justo e solidário12;
Garantir a qualidade através da certificação participativa.
3.2.3 Objetivos da Rede Ecovida:
Desenvolver e multiplicar as iniciativas agroecológicas;
Incentivar o associativismo na produção e no consumo de produtos ecológicos;
Gerar, articular e disponibilizar informações entre organizações e pessoas;
Aproximar, de forma solidária, os agricultores e os consumidores;
Ter uma marca e um selo que expressam o processo, o compromisso e a
qualidade;
Fomentar o intercâmbio, o resgate e a valorização do saber popular.
11 Há mais de 70 definições sobre desenvolvimento sustentável. Na verdade, este termo é utilizado por qualquer pessoa ou organização com interesse e fim diverso. Entretanto, entendemos que não se pode construir o desenvolvimento sustentável sem uma agricultura com sustentabilidade ambiental, social e econômica. 12 A Rede Ecovida acredita ser possível aproximar os agricultores e os consumidores a fim de que ambos construam um mercado onde a remuneração pela atividade e pelos produtos agropecuários seja justa, sem a exploração de quem produz nem de quem compra.
16
3.2.4 Estrutura Organizacional:
Como vimos anteriormente, a Rede não possui uma hierarquia, mas sim está
fundamentada na relação horizontal dos membros e, principalmente, na constituição dos
núcleos regionais (nós). O núcleo reúne todos os membros
de uma região que apresentem interesses comuns,
facilitando o intercâmbio de informações, viabilizando o
processo de certificação participativa e facilitando a
comunicação e o encontro dos participantes. Cada núcleo
tem liberdade para conduzir suas ações e o processo de
certificação, desde que sigam os princípios e normas de
organização, produção ou técnicas, processamento e
certificação da Rede. Orienta-se que o núcleo elabore seu
regimento interno de funcionamento. É no núcleo que ocorre a adesão de novos membros na
Rede após a aprovação final da indicação feita por dois membros atuais.
Para oficializar a adesão os interessados devem participar ativamente dos encontros
promovidos pelo núcleo e pela Rede, preencher o cadastro específico13 e pagar a anuidade14.
A partir daí, caso a organização demande a certificação de seu processo produtivo ou de
processamento, deve seguir outro procedimento que será descrito posteriormente.
Na organização inicial do núcleo sugere-se a definição de uma entidade responsável que
se constitua na referência para contato e troca de informações com as organizações locais e
com a Rede Ecovida. Quando do andamento do núcleo, este pode definir sua estruturação
mínima, que geralmente é composta pela coordenação, tesouraria e conselho de ética, todos
eleitos conforme dinâmica e realidade próprias. A participação é de caráter representativo,
onde cada organização indica duas pessoas para os encontros do núcleo que ocorrem, pelo
menos, duas vezes ao ano.
É importante destacar que a Rede reúne-se em Encontro Ampliado (Assembléia Geral)
uma vez ao ano, sendo esta a instância máxima de decisão. Neste espaço acontece um
13 Há cadastros diferentes para organizações de agricultores, de assessoria e de consumidores, além de membros individuais, processadores e comerciantes. 14 As anuidades variam conforme a categoria de membro. Em julho de 2002 correspondia a R$ 12,00 por família de agricultores; R$ 24,00 para membros individuais (pessoa física); R$ 36,00 para ONG’s, organizações de consumidores e demais organizações e R$ 48,00 para processadores e comerciantes (microempresa). Metade do
17
intercâmbio entre os núcleos e as regiões, a produção e a discussão de todos os documentos
referentes ao funcionamento e ao processo de certificação da Rede e a criação, subdivisão ou
dissolução de um núcleo regional após haver uma discussão aprofundada no(s) estado(s) em
que este se localiza.
A instância Plenária ou coordenação ampliada é composta por dois ou três representantes
de cada um dos 18 núcleos regionais. Esta plenária tem a função de preparar o Encontro
Ampliado, encaminhar as decisões deste e deliberar sobre os pontos que por qualquer motivo
não tenham sido abordados no Encontro Ampliado ou que se mostram de caráter urgente, a
exemplo das novas definições no panorama nacional sobre a certificação ou projetos da Rede.
A Coordenação Política-Operacional ou simplesmente coordenação é formada por três
representantes de cada estado do Sul e tem a função de representar a Rede nos mais diversos
fóruns e encontros, bem como deliberar sobre os pontos em aberto ou indicados pelas
instâncias acima citadas.
Por fim, a Rede possui equipes e conselhos. As primeiras reúnem-se em função de temas
relevantes, como a comunicação e o mercado justo. Os conselhos formam-se principalmente a
partir das orientações da IN 007/99, a saber: Conselho Técnico - normas e tecnologia de
produção, Conselho de Certificação – responsável final pelo processo de certificação e
controle na emissão de selos e certificados e Conselho de Ética formado nos núcleos.
4 CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA EM REDE - CARACTERIZAÇÃO
E FUNCIONAMENTO
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
Na ótica das instituições que integram a Rede Ecovida o processo de certificação deve
contribuir para o desenvolvimento da agroecologia, respeitando e adequando-se à diversidade
presente nas mais diversas iniciativas em curso. De uma parte significa, sim, produzir normas
que sejam amplas suficientes para englobar as diferentes dinâmicas dos distintos
agroecossistemas e da relação dos agricultores com estes. De outra parte, restritas para que
valor destas anuidades permanece no núcleo regional e a outra metade vai para a Rede Ecovida, a fim de promover as atividades promovidas por ambas as instâncias.
18
possam ser verificadas de maneira simples por qualquer pessoa, não somente por um técnico
altamente especializado.
Significa também dizer que deve ser adequável e multiplicável enquanto metodologia,
para que a qualidade seja garantida. Assim, o certificado pode e deve ser a expressão, o
reflexo, a imagem de um processo de certificação desenvolvido com base na credibilidade
gerada a partir da participação efetiva dos diversos atores e setores integrantes do processo.
Em função destas constatações e também por entender que podem existir outras formas de
garantir a qualidade dos processos que dão origem aos produtos orgânicos que não apenas as
que consistem na vistoria do inspetor às propriedades, que a Rede Ecovida tem construído
uma nova proposta que denominamos de Certificação Participativa em Rede; uma
forma intermediária entre a auto-certificação e a certificação por auditoria, pois dá identidade
ao processo construído por determinada organização juntamente com outras organizações na
forma de uma rede e, ao mesmo tempo, insere um ‘olhar externo’ que auxilia na obtenção da
credibilidade.
4.2 DESCRIÇÃO DA CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA EM REDE (CPR)
Se a certificação por auditoria prima pela isenção, a CPR prima pela participação do
maior número e diversidade de atores possível. Tanto uma quanto a outra busca gerar
confiabilidade. Num encontro com uma certificadora internacional um de seus integrantes
concluiu: “A credibilidade buscada pela certificadora através da isenção pode ser obtida pela
Ecovida através da participação. Os princípios e os meios são distintos, mas os fins, iguais”.
Na confecção das normas de produção foi aceito o padrão estabelecido pela IN 007/99
com algumas adequações regionalizadas acrescidas de alguns fatores sociais mais
contundentes como o trabalho com agricultores familiares organizados em grupos e questões
trabalhistas e de direitos da criança e do adolescente; todos discutidos e encaminhados de
maneira participativa nos Encontros Ampliados. O processo de verificação destas normas ou
de certificação foi descentralizado aos núcleos regionais por estes conhecerem melhor a
realidade da região de abrangência, diminuindo custos e propiciando maior integração,
intercâmbio e participação dos consumidores.
Podemos afirmar que a CPR está edificada sobre quatro pontos:
a). Garantia entre agricultores (dentro do grupo e entre grupos);
19
b). Relação próxima entre agricultores e consumidores (visitas e venda direta);
c). Acompanhamento técnico pela assessoria;
d). Olhar externo do Conselho de Ética.
É dentro de cada núcleo regional que a CPR é desenvolvida. O processo é reconhecido
mutuamente entre os demais núcleos que, interligados, estabelecem a Rede Ecovida. Isto
permite a circulação de informações e mercadorias entre os núcleos, aumentando a
credibilidade dentro e fora da Rede, alimentando constantemente todo o processo.
De uma maneira geral, a CPR ocorre como um passo além da participação da Rede
Ecovida. Isto significa dizer que a organização pode estar na Rede e não ser certificada, mas
nunca o contrário. O quadro a seguir sintetiza o processo da CPR.
Quadro I: Certificação Participativa em Rede e suas características. Espaço -
abrangência Público de trabalho
Mecanismos de controle Denominação da fase
1. Propriedade ↓
Agricultor(es)
Curso(s), normas, acompanhamento, croquis, planos de conversão, etc.
Formação, Informação e Compromisso
2. Organização ↓
Grupos Associações Cooperativas
Comissão de ética, visitas alternadas, reuniões, pactos
de responsabilidade, intercâmbios, suspensões.
Auto-fiscalização Auto-regulação e
3. Núcleos Regionais
↓
Organizações
que compõem a Rede em certa
região
Conselho de ética, formação periódica,
participação de consumidores, suspensões,
representatividade.
Responsabilidade
Mútua e “Olhar externo”
4. Associação Ecovida15
Conselhos e comissões
Conselho de Certificação, Conselho de Ética e Comissão Técnica.
Legal
A seguir, podemos verificar o passo a passo do processo de certificação participativa
que ocorre no núcleo regional. Estes procedimentos foram obtidos a partir do trabalho do
núcleo da Serra Gaúcha.
1. O agricultor familiar deve fazer parte de uma organização (grupo, associação,
cooperativa) a qual se integra à Rede Ecovida pela indicação de dois membros no núcleo
regional mais próximo;
15 Esta instância será acionada quando da obrigatoriedade da certificação no Brasil.
20
2. Para oficializar sua adesão, esta organização deve ser acompanhada tecnicamente por
pessoa ou organização já ligada à Rede, ser aprovada pelo núcleo, preencher o cadastro de
membro e pagar a anuidade;
3. Caso a organização tenha interesse de receber o certificado Ecovida e utilizar o selo
em seus produtos, ela comunica ao núcleo e recebe o formulário de requerimento de
certificação16, o qual é preenchido por unidade produtiva;
4. Estes formulários são entregues ao conselho de ética do núcleo que os analisa, solicita
mais informações e, se for o caso, solicita a re-elaboração do formulário;
5. Realiza-se um sorteio de propriedades que serão visitadas pelo conselho de ética e que
expressarão o todo da organização. Neste dia, sugere-se que alguém da comissão de ética
local (do grupo ou do município) esteja presente;
6. No fim do dia é realizada uma auto-avaliação da associação. Neste momento, os
conselheiros relatam o que foi visto, segundo um roteiro de visita sugerido que permite
visualizar as atividades da propriedade e relaciona-las com as normas de produção da
Ecovida;
7. A associação realiza uma reunião de planejamento que objetiva encaminhar as
mudanças que foram diagnosticadas como necessárias na auto-avaliação para adequar às
normas da Ecovida;
8. Os conselheiros e o representante da assessoria elaboram um relatório escrito,
aprovando ou não a certificação para aquela associação;
9. Emite-se o certificado para a associação, solicita-se ao conselho de certificação a
remessa de certo número de selos. Após um ano é realizada outra visita nas propriedades, a
fim de verificar o cumprimento das modificações necessárias. Após isto, de acordo com o que
for verificado, renova-se o certificado ou não;
10. Paralelo a este processo mais formal ocorre constantemente o acompanhamento da
assessoria, visita entre os membros do grupo, da comissão de ética interna, de consumidores,
intercâmbios com outros núcleos e grupos. Isto permite um ‘olhar externo’ constante e ajuda a
aprimorar o processo e a troca de experiências entre os agricultores e consumidores.
Observamos que isto oportuniza uma melhor identificação e reparo de qualquer irregularidade
16 Este formulário solicita informações referentes ao manejo da propriedade e permite estabelecer um plano de conversão da unidade. Estabelece o compromisso do agricultor em cumprir com os acordos firmados.
21
com relação às normas. Toda constatação é levada para dentro do grupo e do núcleo regional
para que as providências cabíveis sejam tomadas.
5 LIMITES E DESAFIOS DA CERTIFICAÇÃO PARTICIPATIVA – À
GUISA DE CONCLUSÃO :
Construir algo novo, que desafie o que está pré-estabelecido, sempre consiste num
trabalho que apresenta muitas dificuldades no decorrer do processo. Na certificação não é
diferente. Questionar a certificação por auditoria, a qual está muito arraigada e que casa bem
com as exigências burocráticas e com o trabalho cada vez mais especializado das
certificadoras, exige uma disposição que vai além da criação de uma nova metodologia.
Entendemos que a construção de um processo participativo de certificação se justifica pela
incompatibilidade que o outro modelo tem frente à agricultura familiar brasileira e latino-
americana. Se requisitos como respeito às culturas locais, manutenção e ampliação da
biodiversidade, multiplicação das iniciativas agroecológicas e acesso amplo aos produtos de
qualidade a preços justos aos produtores e consumidores fazem parte da agroecologia, o
processo de certificação adotado deve contribuir e não dificultar o alcance destes objetivos.
Partindo das constatações e das impressões destacadas ao longo deste trabalho, bem como
da experiência vivenciada e acumulada no processo organizativo da Rede Ecovida de
Agroecologia, passamos a identificar possíveis limites e desafios que a certificação
participativa em rede apresenta. Este exercício deve ser entendido, ora na forma de fatos reais,
ora como projeções mais ou menos pessimistas. Portanto, trata-se de um momento reflexivo
que não nos permite adjetivar (exaltar ou desmerecer) com muita propriedade o processo, mas
sim, levar-nos a um aprofundamento do debate. Estes limites e desafios podem ser abordados
sob as perspectivas interna e externa de atuação da Rede.
5.1 LIMITES INTERNOS
A heterogeneidade no nível de organização dos núcleos regionais Ecovida apresenta-se
como um primeiro limite. Esta remete a uma questão estrutural, representada pela falta ou
escassez de recursos humanos e financeiros para promoção da dinâmica organizativa dos
22
núcleos: reuniões, visitas, intercâmbios, etc. A não cobrança pelo processo de certificação17
além da inexistência de orçamento específico para apoiar o processo, somados à falta de
estrutura dos agricultores familiares, impõem limites ao desenvolvimento mais rápido da
proposta.
Um outro aspecto que faz parte do limite organizacional do núcleo é a filiação de
organizações que há pouco tempo iniciaram seu trabalho em agroecologia. Isto traz
inconvenientes, tanto do ponto de vista do controle interno da propriedade - pela presença
simultânea de áreas de manejo convencionais, em transição e ecológicas – quanto por falta de
clareza do agricultor ou da associação quanto à agroecologia. Por vezes, isso se verifica pela
presença de atividades de transição mais lenta, como o fumo, a horticultura especializada em
poucos produtos (tomate, batata) e a avicultura ou suinocultura integradas às agroindústrias.
Este aspecto reflete na heterogeneidade da organização do núcleo e no desnivelamento dos
interesses, dos grupos e das associações, em integrar o processo, o que causa alguns
problemas como a busca exclusiva pelo selo de qualidade em detrimento da construção da
proposta, como se a Rede Ecovida se consistisse apenas numa certificadora.
Com relação às normas, dois pontos merecem destaque. O primeiro consiste na
dificuldade de criação de normas mais específicas, por produto ou por atividade, que sejam
adequadas e condizentes às realidades tropicais ou subtropicais ou ainda para sistemas
agroflorestais. A segunda diz respeito à apropriação e verificação das mesmas por parte dos
agricultores, técnicos e consumidores. Esta questão aborda aspectos informativos e
formativos, uma perspectiva educativa quanto ao acesso, entendimento e prática das normas.
Mesmo sabendo que as normas são um recorte da realidade e que o cumprimento delas não
garante todas as mudanças almejadas, ainda é visível uma limitação no entendimento das
“exigências” normativas que conduzam ao aperfeiçoamento do manejo dos agroecossistemas
dos agricultores participantes.
Outro aspecto de importante destaque diz respeito à condução do processo. Na maioria
das regiões, principalmente naquelas onde a agroecologia está menos desenvolvida, muito
ainda está nas “mãos” dos técnicos das ONG´s e pouco com os agricultores. Se formos
analisar a participação dos consumidores, diferencial apresentado pela Ecovida, esta é
17 Apesar de 50% do valor das anuidades permanecerem para as atividades do núcleo regional, observa-se que é insuficiente para a viabilização de todo trabalho. A maioria das ONG´s possui projetos estruturais, mas como a Rede Ecovida é uma iniciativa recente, boa parte destas ONG´s não tem contempladas nestes projetos atividades e orçamento específico para apoiarem a implementação da Rede em suas regiões.
23
incipiente. Isto se deve ao fato do intenso trabalho histórico das ONG´s junto ao meio rural,
sendo ainda recente a ação e busca de parcerias com os consumidores. Apesar disso vemos,
principalmente no Rio Grande do Sul, a crescente organização de cooperativas de
consumidores de produtos ecológicos, sendo que um dos núcleos gaúchos é conduzido por
uma consumidora.
5.2 LIMITES EXTERNOS
Sem dúvida o maior limite externo reside nas normas, e mais especificamente, na
regulamentação da IN 007/99 pela IN 006/02 – a qual define os procedimentos de
credenciamento das entidades certificadoras – foi proposta com base no processo de
certificação por inspeção e mostra-se demasiadamente burocrático e excludente. Este fato vai
totalmente de encontro à própria IN 007/99, que permitia que a certificação fosse feita de
acordo com as características e particularidades locais e regionais. Isto impede que a
metodologia da certificação participativa em rede seja aceita pelas instituições e mercados
regidos pela lógica da auditoria. Esta rejeição dá-se dentro do Brasil, na relação com as
demais certificadoras e com o mercado, principalmente, em processos de exportação pela via
convencional de circulação de mercadorias. O principal motivo é o entendimento de que a
certificação participativa é o mesmo que a auto-certificação, além de não ser capaz de gerar a
documentação necessária e a responsabilização legal do processo .
A dificuldade na relação com outras instituições certificadoras em estabelecer a
reciprocidade de processos distintos revela-nos, apesar da falta de debate sobre o assunto,
algumas possíveis explicações. A primeira delas é a dúvida quanto à credibilidade do
processo. A segunda refere-se à ausência do volume costumeiro de documentos exigidos.
Uma terceira explicação diz respeito ao fato de que a certificação consiste numa prestação de
serviços que pode dar bons retornos às certificadoras. Uma quarta razão pode vir à tona diante
da incapacidade de compreender que diferentes realidades culturais, organizacionais e até
mesmo ambientais podem demandar processos diferenciados de geração de credibilidade.
Assim, um verdadeiro impasse é criado em torno da certificação, fato que tem dificultado em
muito a possibilidade de realizarmos no Brasil, e quem sabe, em toda a agricultura familiar
ecológica espalhada pelo globo, um processo diferenciado e mais adequado de certificação de
produtos.
Já o mercado de grande escala, representado pelos supermercados e pela exportação, vem
a reboque dos desentendimentos entre as certificadoras. Algumas destas espalham
24
informações distorcidas, afirmando que somente elas estão credenciadas a emitir certificados
de qualidade. Na verdade, o processo final de credenciamento brasileiro ainda não está
concluído, pois oficialmente nenhuma entidade certificadora está legalmente constituída para
atuação no território nacional. O que está em vigor é a legitimidade construída ao longo dos
anos de desenvolvimento da agroecologia no Brasil e de processos de certificação para
exportação reconhecidos internacionalmente.
Com relação aos processos de exportação, a questão é ainda mais delicada. Isto ocorre
porque a possibilidade de intervenção na elaboração das leis e das normas acerca da
certificação e da circulação de mercadorias é pequena. Os países em desenvolvimento têm
dificuldades em participar das definições da legislação internacional. Assim, os países
desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e membros da União Européia definem suas
normas e os interessados em acessar seus mercados devem seguir as orientações,
independentemente das suas realidades internas. Tudo passa a ser uma questão de mercado,
onde quem compra define as regras.
5.3 DESAFIOS INTERNOS
Vários são os desafios que se colocam frente ao processo desenvolvido pela Rede Ecovida
de Agroecologia. O principal deles é o de organização de base. Se houver organização dos
agricultores e dos consumidores, estes serão capazes de consolidar o processo em curso. A
Rede será fortalecida e poderá apresentar resultados cada vez mais consistentes; propondo
para a sociedade uma nova forma de entender e praticar a agroecologia, onde a certificação
participativa mostra-se como uma conseqüência desta ação coletiva. A cidadania construída
através da produção e consumo de produtos cuja produção respeita a terra e as pessoas,
mostra que o processo vai muito além de questões meramente mercadológicas.
Do ponto de vista estrutural, a realização e implementação de projetos que aportem
recursos financeiros para a organização dos núcleos regionais, das organizações de
agricultores e de consumidores e de apoio à conversão de sistemas produtivos têm se
mostrado como um caminho promissor. Alguns projetos em curso servem de exemplo:
Projeto Pampa no Rio Grande do Sul, projeto certificação participativa em rede: um processo
de certificação adequado à agricultura familiar ecológica no Sul do Brasil - financiado pelo
CNPq e o projeto de consolidação da Rede Ecovida com recursos do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Neste sentido, a possibilidade de mais
25
pessoas para animar e articular a Rede, em especial de organização dos núcleos regionais,
pode dar um novo dinamismo ao processo desenvolvido pela Ecovida.
A partir da consolidação do trabalho, outro desafio que se apresenta é o de inclusão de um
maior número de iniciativas em agroecologia, sejam elas de produção, processamento,
comercialização, consumo ou assessoria, a fim de fortalecer a Rede e a proposta da
agroecologia para a agricultura familiar do Sul do Brasil.
É fato que o processo de certificação participativa em rede deve ser aperfeiçoado. Por se
tratar de algo novo ele carrega consigo algumas dificuldades ou limitações ressaltadas neste
trabalho. A capacitação de todos os participantes do processo no núcleo regional (agricultores,
consumidores e técnicos) torna-se fundamental, pois o adjetivo participativo carrega consigo
um peso de responsabilidade e não um jogo de “empurra-empurra”! Por este motivo, a
construção e aplicação das normas e procedimentos acordados na Rede Ecovida e no núcleo
regional devem ser objeto constante de aperfeiçoamento e adequação. Isto permitirá a
constante evolução do processo e aumento da credibilidade.
5.4 DESAFIOS EXTERNOS
O primeiro desafio colocado é o de caracterizar a Certificação Participativa em Rede,
buscando diferencia-la daquela perspectiva que se abre pela IN 007 para o mercado interno, a
saber: que a certificadora pode ser a mesma entidade de assessoria desde que não
comercialize produtos e insumos e crie os conselhos e comissões previstas na normativa do
Ministério da Agricultura. A lógica preconizada pela CPR, relativa à certificação, é diferente
daquela adotada pelas certificadoras por auditoria, independentemente de ser realizada para o
mercado externo ou interno. O fato de se democratizar um pouco mais os procedimentos de
certificação, não permite inserir o adjetivo participativo. Este é resultado de uma outra lógica,
de uma mudança metodológica, que cria uma nova forma de geração de credibilidade, que
prescinde da auditoria como elemento decisivo.
Outro desafio que decorre do primeiro, consiste na revisão e re-adequação da IN 006/02.
Se houver o entendimento de que as normas e leis devem resultar de um processo
participativo de decisão, levando a situações mais favoráveis e não o contrário; podemos crer
que um momento para rediscutir a normativa propiciará a criação de um marco legal de
inclusão que respeita a diversidade presente do país na área da certificação. Isso seria o
26
resultado das diferentes compreensões do que é a agroecologia e das conseqüências que ela
deve trazer.
O debate travado em torno da certificação pode gerar um momento reflexivo e avaliativo
de como está a prática da agroecologia no Brasil. Este momento permitirá um resgate dos
princípios da agroecologia e de seus desdobramentos. Um destes desdobramentos refere-se à
comercialização dos produtos orgânicos. Será que o caminho assinalado pelas grandes redes
de supermercados, pela exportação e pelo preço altamente diferenciado, pela ocupação de um
nicho de mercado, estará, de fato, sintonizado com o caminho de uma transformação mais
abrangente da base social e ecológica de nossa agricultura preconizada pela agroecologia?
Segundo MEIRELLES (2002), a construção de um mercado alternativo de produtos orgânicos
faz-se necessária através da criação de espaços de circulação de mercadorias que busquem a
inclusão social e o benefício de todos os participantes, pautados por valores como
transparência, solidariedade, complementaridade e integração entre produtor e consumidor.
Por fim, cabe mencionar o desafio que a Rede Ecovida de Agroecologia tem no cenário
nacional. Entendemos que os agricultores familiares e agroextrativistas organizados
representam não somente a base da Rede, como o principal segmento que deve ser apoiado
pelos governos e pelas políticas públicas nos mais diversos níveis. A Rede Ecovida apresenta
um grande acúmulo de experiências em agroecologia que podem e devem ser multiplicadas.
Aliado ao compromisso com a agricultura familiar, estes fatores podem contribuir
significativamente na transformação da realidade agrícola e rural da Região Sul e, quem sabe,
do Brasil.
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